H.J.Hargreaves. Expressão Do Laicato Juizforano. Sobre D. Geraldo Penido e D. João Penido

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HENRIQUEJOSÉ

HARGREAVES -Expressão dolaicatojuizforano


Alémde
Hargreaves, também Joaquim Ribeiro de Oliveira
expressivaado prelado D. Geraldo.
Durante um período aproximou-se de
JoaquimRibeiro de Oliveirad
jorma
deixara residência da Rua significativo, família
a a
de
naAvenidaRio Branco. Em modo Bernardino para residir
análogo que OCOrrera Com acasa da
ao
Bernardino,também o antigo palacete passou aser utilizado como local de Rua
dos membrosdo Centro Dom Vital. E oque atesta Wilson João Beraldo: reunião

Por sugestão dele, fui convidado a participar da


alas suas mãos, ingressei no Centro Dom Vital, Ação Católica:a
freqüentando
sua residência -hoje Palácio Arquiepiscopal, na Avenida Rio Branco
-que,ainda por obra de sua vocaçáo, fazia as vezes de sede daquele
centro de estudos católicos. Ali,quantas vezes Ouvi preciosas lições
ministradas com asua palavra mansa, franca, sábia e cordial s4
Considerando a importância da colaboração de Joaquim Ribeiro para a
instituiçãocatólica, D. Geraldo também procurava mostrar seu reconhecimento
pelo valor de sua atuação na esfera religiosa. E era pródigo nessas expressões.
como assinala Marita de Assis:

Quando, em 1962, recebeu de João XXIII, através das mãos deD.


Geraldo Mariade Morais Penido, a permissão para ter o oratório
doméstico,ficou feliz, sentindo, contudo, o peso da responsabilidade.
Toda honra recebida acarreta deveres a cumprir.
Recomendou àesposa que se esmerasse ao máximo nos arranjos
e
da capelinha, sem ostentação nem fantasias, com dignidade
Simplicidade, utilizando somente elementos de valor próprio, nada
de artificial. [...]
retiros e
Farticipou dos retirosespirituais dos vicentinos, organizouMovimento
introduzir aqui o
palestras para casais, mesmo antes de se
Familiar Cristão. de fora para conferèncias
elementos
Promovia palestras, trazia
e cursos de espiritualidade.
bons
católica. recebeu do
Tudo fazia por incrementar a vida espiritual em 1972
Foi um dos grandes dias de sua vida, qquando tornara Ministro leigo
provisão que o então, distribuir a
arcebispo metropolitano a comunhão.
extraordinário da sagrada
Podia,
sacerdotes na igreja,
e podia
comunhão aos fiéis, ajudando aos
Suas casas.
também levá-la aos doentes em
Testemunho. Juiz de Fora, ESDEVA, 1980. p.
56s.
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Riolando Azzi e Mabel Salgado Pereira
Considerou essa uma grande graça que Deus lhe concedeu, porque
podia diariamente atender sua irmã eenferma, dando-Ihe a
o que fez até uma semana antes de
morrer, Ea
levava comunhão,
com o mesmo respeito e assiduidade, a outros doentesigualmente,
amigos o
conhecidos, $75

Por sua vez. o mecenato de Joaquim Ribeiro de Oliveira para com as obrac
católicas prolongou-se até ofim da vida, como assinala Artur Arcuri: Seu
desprendimento pelas coisas materiais chegou a ponto de doar, naturalmente
Com aquiescência de sua esposae filhOs, a mansão da avenida Rio Branco
arquidiocese, fato pouco conhecidoe muito raro, o que bem demonstra a sua
grande magnanimidade."576
Os anos 70 são considerados pelos historiadores do Brasil como os "anos de
chumbo", pois o país viveu sob forte repressão militar e policial, em decorréncia
do AI- 5, suprimindo todos os direitosconstituicionais, e abrindo espaço para o
arbítrio ea violência desmedida.
Apesar do clima de censura vigente nos governos Médici e Geisel, a Igreja
Católica, aproveitandoo seu prestígi0, constituiu-se numa das poucas instituições
a enfrentar o governo, denunciando àsociedade os abusos que estavam sendo
perpretados contra os direitos humanos, em nome da Segurança Nacional.
Uma das vítimas dessa situação, em que os direitos indivíduais estavam
supressos, foi ojesuítaPe. João Bosco Penido Burnier,assassinado no dia 11de
outubro de 1976. O fato ocorrera quando ele, juntamente com D. Pedro
Casaldáliga, ao passar pelo povoado de Ribeirão Bonito, no município de Barru
do Garças, se dirigiram àdelegacialocal para reclamar contra a injusta prisãoe
tortura que estavam sofrendo duas mulheres do lugar.

A policia reagiu com insultos eameaças se ousassem denunciar


essas arbitrariedades. O padre recebeu um soco e uma coronhaa
no rosto, e um tiro de bala dum-dum" na cabeça. Durante umas
três horas de lucidez, Pe. João Bosco recebeu os sacramentos, e
ofereceu aDeus seus sofrimentos pelo povo e pelos índios. Levado.
agonizante, para a cidade de Goiânia,faleceu às 17horas do dia l2
de outubro,577

O morte do Pe. João Bosco repercutiu dolorosamente em Juiz de Fora, sua


cidade natal. Já no dia 13 os destinoa Mato
famíliares
deixavam a cidade com
S75 Testemunho. Juiz de
S76 Idem., p. 49s. Fora, ESDEVA, 1980, p. 26s.
greja X Governo: documentos oficiais da
CNBB. São Paulo: Símbolo, 19ll, P
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HENRIQUE JOSE HARGREAVES- Expressäo do laicato juizforano

Grosso, para assistirem ao seu sepultamento. No dia seguinte D. Geraldo, seu


primo,d
distribuía pelaimprensa a seguinte nota oficial:
Otrágico assassinato do Pe. João BoOSco Penido Burnier suscita-
me uma dupla consideração.
De um lado, éum parente que se perde de maneira trágica. Tão
desnecessária. Porque nem foi un acidente automobilístico. Um
narente, um filho desta Juiz de Fora, de onde partiua arracanda da
Revolução, que queria afastar do Brasilo Comunismo e acorrupção.
Um sacerdote piedoso, culto, sábio, que ocupou os mais importantes
cargos na Companhia de Jesus, a cujas fileiras pertencia, tendo
sido assessor-diretor do Pe. Geral em Roma, para assuntos relativos
às atividades da Companhia no Brasil. Provincial, mestre de noviços,
e, por fim, por desejo expresso seu, missionárioentre os índios, a
cuja evangelização quis dedicar os últimos anos de sua vida, amando
profundamente seu trabalho evangelizador, a ponto de vir muito
pouco a Juiz de Fora, e de só vir muito rapidamente.[...]
O
homem alegre, puro, feliz, dono de um sorriso que irradiava paz e
felicidade. Foiesse homem que mataram covardemente em Terras
de Santa Cruz. Sóo ódio ao Cristo pode explicar essa morte. Só a
vingança contra a Igreja, instalada no Brasil, pode entender essa
morte trágica. Só oclima reinante de desinteresse pela sorte dos
sofredores,dos famintos,dos esbulhados, dos torturados, interesses
que a Igreja, Mãe e Mestra, defende corajosamente, pode levar
nos a compreender essa morte tão prematura. Choramos a perda
do Pe. João Bosco, mas a lgreja se alegra por ter um seu tilho
martirizado, porque empregava seus esforços caridosos para livrar
duas indefesas senhoras, uma das quais grávida, das sevícias, das
torturas, dos tormentos (que sótem cabimento num regime
comunista!!!) infrigidos pelos agentes da ordem pública, como devem
ser os homens da Polícia edas Forças Armadas. A lgreja se alegra
a
em oferecer, como ele mnesmo ofez (e osjornais hoje o dizem),
desvalidos.
vida de um de seus filhos peladefesa dos pobres e
A segunda consideração éa respeito da situação que nos
cercaem
se mata
nossa Pátria. Parece-nos muito grave. Quand0
hediondos, e...
impunemente, quando se cometem crimes, os mais
sente
nenhuma providência séria étomadapelo Governo, agente
parente, mas
uma espécie de desalento, não porque se perdeu um de cousas
estado
pela sorte da Pária. Que serádo Brasil, se este
esses casos
persiste? Se o Governonão se decidir alevar a sério

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Riolando. Azzi e Mabel
Salgado Pereira
de injustiça, e de conseqüentes homicídios contra aqueles que
defendem os injustiçados, ento, positivamente, não
poderá nossa Pátria cncontrar os caminhos da Paz edavemos como
de todos os brasileiros. Não basta que o Ministro da felicidade
declaraçoes pelos jornais, mnas com ointuito de Justiça faça
omissas do Governo. Não basta que oPresidente da
inocentar atitudes
mostre frio etranqüilo diante de toda essa onda de República se
crimes, que se
cometem contra os brasileiros, e. portanto0,
contra a própria Nação.
Não. E preciso que se tomem decisões sérias e
Que
castiguem os culpados, custe o que custar, doa aquem doer. Aindase decisivas.
ontem o Vice- Presidente da República levou a Aparecida, na Festa
da padroeira do Brasil, essa mensagem do Presidente: "A paz do
Senhor para toda a Nação Brasileira!". Enquanto lá se dizia isso
em Mato Grosso era covardemente assassinado um sacerdote, digno
sobre todos os títulos, só porque defendia duas pobres mulheres
que eram torturadas pelas forças policiais, cujo comandante é, se
não me engano, um coronel do Exército. E assim que haverá apaz
do Senhor para a Nação Brasileira? [...]
Esperamosque a Padroeira do Brasil, em cuja celebração litúrgica
foi cruamente assassinado o Pe. João Bosco, acorde
aqueles, a
quem compete procurar, não apenas o crescimento econômico do
Brasil, mas a felicidade de todos os Brasileiros, 578

Em razão desses e outros fatos, foi


publicado em fins de 1976. um
importante documento da CNBB, sob o título de
Povo de Deus. Comunicação Pastoral ao
Os Bispos da Comissão
Representativa da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil, reunidos na cidade do Rio de Janeiro, de 19
a25 de outubro de
1976, diante dos
acontecimentos recentes que
atingiram Igreja do Brasil, comovendo
a
a tantos no pais e n0
exterior, pensamos em vocês, gente simples, gente
das comunidades de base e
dos grupos de
religiosa, gente
oferecemos esta reflexão pastoral. reflexão, e 1nes
Falando após tantas
manifestações
queremos fazer um documento de
de pastorese Igrejas, não
denúncia, ainda que os fatOS
aqui narrados já sejam, por si
mesmos, uma denúncia claraeforte.7
S76 Diário da
S19 Tarde. Juiz de Fora, 14 de outubro de
CNBB. Igreja X
Governo. Documentos 1976, p. 8.
oficiais da CNBB. São Paulo: Simbólo, 1977. p. 23.
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HENRIQUE JOSE HARGREAVES- Expressão do laicato
juizforano
amplo ddocumento são enumerados
diversos fatos de eJoão eBosco Penido
comdestaqueparaas mortes dos padres Rodolfo Lukenbeintorturas
No assassinatos,
Sequestrodo bispoI D. Adriano
Rurmier. eo Hipólito, da diocese de Nova Iguaçu.
Aessesfatos de maior repercussão,,não
podemos
quc, durante Os últimos anos, ocorreram prisÕes deixar de relembrar
políticas arbitrárias
que incluíam seqüestros, maus tratos, torturas,
mortes, embora, desde maio último, desaparecimentos e
a0 que se sabe, tais fatos não
tenham sido repetidos. mesmo não se pode dizer,
O
ons crimes que continuam a sSer cometidos por porém, quanto
elementos de forcas
policiais contra a população através do nossoimenso Brasil.
Na análise do sentido dos fatos, os bispos mostram um
impressionante, ao denunciar a estrutura violenta do destemor
regime dominante no país:
Aideologia de Segurança Nacional colocada acima da
Segurança
Pessoal, espalha-se pelo continente latino-americano, como ocorreu
nos países sob domínio soviético. Nela inspirados, os regimes de força.
em nome da luta contra o comunismoe em favor do desenvolvimento
econômico, declarama "guerra anti-subversiva" contra todos aqueles
que não concordam com a visãoautoritária da organização da sociedade.
O
treino para esta "guerra antisubversiva", na América Latina, contra
o comunismo, além de levar ao embrutecimento crescente de seus
agentes, gera um novo tipode fanatismo, um clima de violência e
de medo. São sacrificadas as liberdades de pensamento e de
Imprensa, são supressas as garantias individuais.
Essa doutrina tem levado oS regimes de força a incorrerem nas
características e práticas dos regimes comunistas: oabuso do poder
pelo Estado, as prisões arbitrárias, as torturas, a supresso da
liberdade de pensamento.

ApOs o assassinato doPe. João Bosco, ogeneral rnestoGeisel, ao estar


na 44 Região Militar, aproveitou para ter um encontro com D. Penido, como
destaca Kenneth Serbin: "Em uma aparente demonstração de solidariedade,
Geisel visitou Dom Geraldo Maria de Morais Penido, primno do jesuíta morto
João Bosco Penido Burnier." 582
S
Ss Tdem.. p. 24.
p.
1dem. .,
w2 SERBIN, 24s.Kennet, Diálogos na Sombra: bispos e militares; tortura ejustiça social na Ditadura.
odo Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 409.

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Riolando.o Azzi e Mabel
Salgado Pereira
Oencontro produziu tal efeito, que D. Geraldo chegou
lamentar com Hargreaves os termos firmes da Declaração daparadoxal
CNBB. mÉoentque
e
se depreende claramente da carta de Hargreaves ao arcebispo,
novembro do mesm0 anO de 76, após tomar Conhecimento dodatada de 26 dade
CNBB: documento
No meu retorno de Belo HHorizonte
encontrei seu atencioso
e cópia da carta amiga aoSobral. Ao Ihe agradecer a gentilezada cartão,
remesSa, envio a V. Excia xerox do Editorial de O Estado de São
Paulo, de 17 do corrente.
Li na íntegra o documnento da CNBB. E se não concordo com o
desrespeito e a grosseria dos termos do editorial anexo - jamais
subscreveria as analogias forçadasque aquela veneranda instituição
deu ao público. Por tudo isto, felicito-o pela feliz e oportuna indagação
de V. EXcia:"por que tantafacilidade de dialogar com os comunistas.
e tamanho respeito humano de aceitar o diálogo com o Governo"
Por outro lado, sinto-me feliz por ter encontrado em V. Excia a
compreensão da necessidade de se manter no nosso querido
Seminário acadeira de marxologia, àqual, infelizmente, por motivo
de saúde, não tenho podido dar tudo o que dela se exige. Tenho
certeza, entretanto, que nenhum dos nosSos alunos docurso teológico
seria capaz de cometer o erro material e formal que assinalei no
editorial em apreço.*3
Narealidade, D. Geraldo estavamuito mal informado. Desde a época Médici.
quando a repressão estava no auge, tinham ocorridovários encontros entre militares
ebispos -achamada Comissão Bipartite -na tentativa de busca de entendimento.
sempre frustrada pela instransigência dos militares em termos da chamada
"Segurança Nacional", em nomeda qual advogavam o direitode agir com todas
as arbitrariedades possíveis. Aliás, como registra ainda Kenneth Serbin, "uma
parte significativa da estratégia de Geisel em relação à Igreja era acabar aos
poucos com a Bipartite". 584
Para isso, evidentemente, eraimportante criara idéia de que havia mávontade
por parte da Igreja em dialogar como Governo Militar. D. Geraldo, tão Corajoso
um mes antes em denunciar a violência do regime, agora, inocentemente, s
torna um eco da estratégia de Geisel, o qual culpava os setores da lgreja
considerados esquerdistas" pela situação.
Sh Arquivo Histórico do Museu Mariano Procóio. Juiz de Fora -
Ss4 SERBIN, Kenneth P., Diádogos na sombra: Fundo HJH - Correspota
Ditadura. p. 409.
bispos e militares; tortura e justiÇa soc

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HENRIQUE JOSÉ
HARGREEAVES-
Expressão dolaicato juizforano
1977D. Geraldo lançou um
Em
aprovação,do divóreio e ao document o com críticas
ocspírito ccuménico que fortes aoasemovimento
pela
nadiocese.
27de
junho desse ano, Hargreaves
começava implantar
omalgumnasreticências, ao ladoodo pastor col
Em
ocava-se mais uma vez. embora
diocesano:

Oquetenho ouvido em nmatéria ignorancia


de
religiosa.depara justificar
odivórcio, ésimplesmente alarmante. Sua atitude pastor ede
brasileiro, mas sobretudo de pastor, era
de uma palavra sua, para eclarecer um indispensável. Precisávamos
"'ecumenismo" não é essa pouco mais que
"palhaçada"
fricotes com que, temos aimpressao, certos (perdoe-me!y de tantos
sacerdotes regoizam
se
de participar.
Bastou que V. ExC1a tocasse num ponto de
sanha farisaica se alarmasse e os doutrina, para que a
escribas fariseus" de todos os
e
tempos rasgassem as suas vestes". Ainda que V. Excia tivesse
sido mais direto nas suas expressões, a ponto de
até talvez vir a
merecer alguma reserva, restaria, em qualquer hipótese, o dado
Dositivo de ficar bem claro que "ecumenismo® nãoé
"conta de
chegar", nem "seleção nacional", à base de mistura de craques
de vários clubes.S85

Pouco tempo mais tarde, D. Geraldo era transferido para a arquidiocese de


Aparecida do Norte. A notícia oficial foi publicada no dia 7 de dezembro devse
mesmo ano.
Nao obstante, os vínculos de amizade entre o prelado e Henrique Hargreaves
não TOmperam, e perduraram ainda por muitos anos.

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