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Os primeiros conhecimentos sobre o solo

Os primeiros grupamentos humanos viam o solo apenas como um lugar por


onde caminhavam, caçavam ou recolhiam alimentos, ou para obter algum barro para
confeccionar objetos de cerâmica e pigmentos coloridos para suas pinturas.
Determinados solos podiam ser melhores para caminhar, fornecer os barros e os
pigmentos, mas nenhum conhecimento adicional era necessário. Os homens tinham ar
puro, águas límpidas e terras virgens de onde colhiam "os frutos do bem" - como no
"Jardim do Éden" -, cujas propriedades naturais não precisavam ser decifradas, uma vez
que não havia necessidade de gerar mais conhecimentos do que aqueles que eram
transmitidos de geração para geração.
Contudo, em um período iniciado após a última era glacial, cerca de 10.000
anos atrás, uma boa parte dos humanos começou a agrupar-se em determinadas terras,
onde aprenderam a domesticar plantas e animais. De nômades, passaram a se fixar em
determinados territórios, escolhidos pela qualidade do solo, do clima e da água.
Sulcando esses solos com primitivos arados de madeira, plantavam sementes que
germinavam e cresciam sob sua guarda.
Foi assim que começaram a conhecer melhor o solo.
Da qualidade do solo desses primeiros grupos humanos dependia, portanto, o
aumento da população e o grau de organização de sua sociedade. As transformações das
pequenas aldeias para as primeiras grandes cidades foram, assim, atreladas a climas
semiáridos e locais com solos férteis, próximos a rios que pudessem fornecer água de
boa qualidade para beber e irrigar as lavouras. Essas primeiras cidades desenvolveram -
se nos vales dos rios Tigre e Eufrates - na Mesopotâmia; hoje Síria e Iraque - e no Nilo
(Egito), formando o chamado "crescente fértil". Outras cidades organizaram-se na
planície Indo-Gangética (hoje India, Paquistão e Bangladesh) e do rio Amarelo (China).
Um dos principais fatores responsáveis pelo crescimento e pela organização social
dessas primeiras aglomerações urbanas foram os fecundos solos daqueles vales.
As primeiras civilizações: mesopotâmicos, egípcios, indianos, chineses,
astecas e incas
Para compreender como as primeiras cidades das primeiras civilizações
surgiram, imagine um tempo antes de Cristo e depois da última era do gelo, um grande
rio (como o Nilo) cortando um grande deserto (como o famoso Saara), perto da
desembocadura de um famoso mar (como o Mediterrâneo). Em torno desse rio existem
várzeas, anualmente inundadas, regadas e fertilizadas, e que por isso contrastam com o
deserto, pois há muito verde, incluindo palmeiras de doces tâmaras. Como não existe
ninguém nessas terras, um grupo de errantes primitivos humanos - os "sem-terra"
daquela época - chega e monta um acampamento. Até então, eles viviam como
caçadores-catadores. Acostumados a conviver com uma quase intocada natureza, todo o
conhecimento adquirido com essas vivências era passado dos adultos para os jovens.
Além disso, não tinham proles numerosas, pois o filhote-homem, ao contrário dos
outros animais, demorava muitos anos para crescer e se defender. Muitos não
sobreviviam em razão das contínuas andanças. Todos executavam todas as tarefas,
ninguém mandava em ninguém e um não tinha conhecimento maior que outro da
mesma idade.
Com clima e água saudáveis, e não havendo ninguém para reclamar a terra, os
indivíduos desse grupo que estamos a imaginar multiplicam-se muito mais do que no
passado, já que a terra, o clima e a água dali são muito bons. Assim, morando,
crescendo e comendo sempre no mesmo lugar, então o alimento apanhado, caçado ou
pescado começa a faltar. Como consequência, alguns decidem domesticar determinadas
plantas, cultivando-as para suprir a falta de alimentos, escolhendo solos mais próximos
do rio, onde seria mais fácil irrigar as sementes. Para isso, eles têm que derrubar o verde
ali existente, incluindo as palmeiras. Lá se vão os doces frutos e as caças desse local,
mas, em contrapartida, aprendem a domesticar, a plantar e a colher produtos como
cevada, lentilha, trigo, linho e algodão. Algumas vezes colhem até mais do que o
suficiente para alimentar suas famílias. Com as sobras, começam a fazer trocas com os
que, preferindo domesticar animais, dedicam-se ao pastoreio.
Inicia-se, desse modo, a prática da agricultura e do pastoreio, paralelamente à
necessidade de decifrar os segredos dos solos ou aprender mais sobre eles. A partir daí,
surgem as primeiras observações, como a de que os solos diferiam uns dos outros
porque uns eram mais produtivos e outros menos para determinados cultivos ou
pastagens - um aprendizado advindo de erros e acertos, pois os solos pouco produtivos
eram abandonados, até que fossem encontrados outros mais férteis e propícios às
lavouras. A população foi então aumentando, assim como a procura por alimentos. A
sempre verde vegetação ao longo do grande rio que corta o deserto vai, cada vez mais,
desaparecendo para dar lugar às lavouras irrigadas e às pastagens mais distantes dos
rios. Com o aumento das lavouras, os pastores vão sendo afastados para dar lugar aos
agricultores que, eventualmente, têm que se retirar para exilar-se em outras paragens.
Muitos que já não precisam mais catar, pescar ou caçar dedicam-se a diferentes
atividades: comércio, música, pintura, religião etc. Porém, como as lavouras vão sendo
fixadas cada vez mais longe da margem do rio, cresce a dificuldade para regá-las.
Começa então a haver disputas pelos solos mais férteis e pelo uso da água
necessária para a sua irrigação.
Por causa então do solo fértil e do clima saudável, surge a necessidade de
organizar melhor aquelas terras e aquela sociedade, por meio da marcação de limites de
propriedades e da construção de canais de irrigação, estradas etc., e, com isso, aparece a
divisão de trabalho e de conhecimentos. Surgem assim os primeiros caciques, pajés e
artesãos; depois os reis, fidalgos, súditos e escravos, e, mais tarde, grandes tribos
urbanas formadas por políticos, médicos, engenheiros, militares, sacerdotes, advogados,
professores e estudantes de agronomia, geografia, ciências florestais etc. O
conhecimento, portanto, deixa de ser compartilhado igualmente por todos, passando a
ser difundido pelos estudiosos das várias ciências, entre elas a Pedologia.
Muito do verde de muitas terras deixou de existir, mas, em compensação,
cidades cresceram, com suas ruas, palácios, mercados e templos. Nos palácios, os reis e
suas cortes enviavam cobradores de impostos para confiscar boa parte das colheitas dos
que no solo suavam. Nos mercados, comerciantes procuravam pagar pouco pelas sobras
do que era colhido para revendê-las por muito. Nos templos, sacerdotes ministravam
ritos religiosos nos quais as alternâncias do verde para o amarelo das lavouras - agora
no lugar do sempre verde - eram evocadas como um deus que morria e ressuscitava.
Essas manifestações religiosas antecipavam também, como que por um misterioso
instinto, alguns dos atuais conhecimentos científicos.
Embora aqueles indivíduos urbanos das primeiras cidades pouco fossem ao
campo, dentro dos templos faziam sacrifícios em honra a deusas como Demeter, porque
acreditavam que suas almas estavam em união com aquele solo fértil, sobre o qual os
lavradores derramavam seu suor, pois sabiam que no solo havia vida e, portanto, dele
muito dependiam. Os primeiros homens da ciência apareceram nas antigas cidades, mas
deram pouca atenção ao solo, pois sequer o consideravam objeto de estudo: preferiam
dedicar-se às estrelas e à geometria.
Os governantes aparentemente se preocupavam mais com os solos do que os
primeiros cientistas. Na China, por exemplo, há 6.600 anos, o território foi subdividido
em nove classes de solos para fins de cálculo do valor correspondente ao nosso imposto
territorial, que era baseado na capacidade produtiva do solo.
Os antigos agricultores eram bastante conscientizados acerca da natureza dos
solos e da necessidade da produção de alimentos. Os solos irrigados com águas dos rios
Indo e Ganges forneceram alimentos suficientes para sustentar grandes centros urbanos,
fazendo florescer a primeira grande sociedade urbana, a India, perto de 2.500 a.C. Com
o tempo e o contínuo aumento da população, surgiram muitos problemas de conflito de
terras (pastagens x lavouras), tornando-se mais econômico utilizar os solos
predominantemente para lavouras.
Isso obrigou os pastores a se retirarem dessas planícies, fazendo diminuir a
oferta de carnes nos mercados e levando boa parte da população a se tornar vegetariana.
Nas Américas, em épocas pré-colombianas, os incas cultivavam batatas e
tomates em terraços construídos nas escarpas andinas, enquanto os maias, astecas e
toltecas plantavam milho, muitas vezes colocando um pequeno peixe em cada cova, a
fim de manter a fertilidade do solo (Fig. 1.4).
Os alquimistas e a busca pelo "espírito da vegetação"
Após a Idade Média europeia, os alquimistas, além de procurarem o "elixir da
vida eterna" e a "pedra filosofal" - aquele para rejuvenescê-los e esta para transformar
em ouro tudo que tocassem -, ainda procuravam descobrir o que fazia as plantas
crescerem. Talvez ainda influenciados pelas ideias da existência única de quatro
elementos que formavam o Universo - terra, água, ar e fogo -, alguns começaram a
pensar que a água era o "espírito da vegetação", ou seja, a única responsável pelo
crescimento das plantas. O belga Van Helmont (1580-1664), por exemplo, plantou uma
estaca de salgueiro pesando apenas cerca de 2 kg e cultivou-a durante cinco anos em um
vaso, no qual ele nada adicionou, além de solo seco e água da chuva. No final, concluiu
que toda a matéria vegetal se originava "imediata e materialmente da água do solo"
(veja no Boxe 1.3 algo sobre sua vida e seu experimento).
Para verificar se realmente a água era o "espírito da vegetação", o naturalista
inglês James Woodward (1665-1728) plantou ervilhas em frascos, cada um com um tipo
diferente de água: da chuva, água do rio Tâmisa e de uma poça lamacenta de seu jardim.
As ervilhas cresceram muito mal na água da chuva e muito bem nas outras águas. Ele
então concluiu que esse "espírito" deveria ser a "terra", aquela contida nas "águas
barrentas", isso porque se acreditava que tudo deveria ser explicado por uma única
"panaceia": fogo, ar, água ou terra. No início do século XIX, somou-se a essas ideias a
"teoria do húmus", segundo a qual as plantas, além da água, assimilariam diretamente
do solo substâncias orgânicas nele contidas e liberadas diretamente às raízes pelo
húmus.
Esses pensamentos mudaram um pouco mais tarde, logo após a Revolução
Francesa, quando houve um grande avanço das ciências. A atenção de muitos dos
cientistas europeus voltou-se para a fertilidade do solo, porque produzir mais alimentos
era uma necessidade crescente. A ciência médica, que se desenvolvia e salvava muitas
vidas, fazia as populações crescerem muito rapidamente, mais do que o suprimento dos
alimentos existentes.

1- Porque o solo é considerado um tópico importante para o desenvolvimento do


homem?
2- Como os conhecimentos práticos a respeito do solo condicionaram a formação
das primeiras grandes civilizações?
3- Qual a grande contribuição dos alquimistas para a Ciência do solo?

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