Você está na página 1de 10

Cultura brasileira e culturas brasileiras

Eliane Maria de Oliveira Giacon (PG-UNESP/UEMS)


Valdirene Barboza de Araújo Batista (PG-UNESP)

Introdução

O ensaio Cultura brasileira e culturas brasileiras foi escrito entre 1979 e 1980 cuja versão
inicial foi publicada em Filosofia da Educação Brasileira (1981), Obra coordenada pelo
educador Durmeval Trigueiro Mendes. Para a sua publicação em Dialética da
Colonização (1992), O texto passou por apenas alguns retoques de linguagem, tendo sido
conservado os dados de base. Uma discussão sobre o texto faz-se necessário tendo em vista
que Alfredo Bosi está inserido no contexto do debate teórico que, ao longo do século XX e
início do século XXI, vem proporcionando reflexões sobre cultura, apoiado muitas vezes, em
dicotomias como arte/indústria cultural, cultura erudita/cultura de massa,
literário/paraliterário, alto/baixo. É importante salientar que o texto presente tem por objetivo
discutir o texto Cultura brasileira e culturas brasileiras tentando pontuar dentro do ensaio os
pontos que contribuem para o enriquecimento deste debate.
Alfredo Bosi inicia seu ensaio colocando em questão o uso do termo “cultura” no singular, já
que para ele é impossível falar em uma única cultura brasileira, assim como não se pode falar
em uma única cultura francesa, uma única cultura inglesa, etc. Segundo Bosi, tal unidade ou
uniformidade não existe em nenhuma sociedade moderna, principalmente, em uma sociedade
de classes. Talvez fosse possível falar em cultura bororo ou cultura nhambiquara pensando na
vida material e simbólica desses grupos antes de serem contaminados pelos valores culturais
do branco. Uma vez que esses grupos sofrem essa invasão e aculturação, a cultura acaba
rachando-se, criando tensões e perdendo a sua fisionomia original, que parecia à primeira
vista, homogênea. A Antropologia Cultural já caracterizava o Brasil em várias culturas,
utilizando um critério racial: raças negra, branca, indígena, mestiça. Para Bosi, esses critérios
podem e devem mudar (de raça passa para nação, de nação para classe social), contudo é
essencial que se mantenha o reconhecimento da pluralidade cultural (p.309).
O texto faz uma proposta inicial para compreensão desse fenômeno com olhar analítico tendo
como objetivo final chegar a um horizonte de caráter dialético. Dentro desse contexto, Bosi
conceberá cultura como “uma herança de valores e objetos compartilhada por um grupo
humano relativamente coeso” (idem). A esse respeito o crítico propõe no primeiro ensaio
deste livro uma importante reflexão no que diz respeito às relações entre as palavras Colônia,
culto, e cultura (colo-cultus-cultura) que se derivam do mesmo verbo latino colo, cujo
particípio passado é cultus e o particípio futuro é culturus. Embora não seja preocupação
principal desta análise se ater a essas relações muito bem exploradas por Bosi no
ensaio Colônia, Culto e Cultura, é importante destacar que a discussão destas relações
permeia o livro todo. Então fica difícil ignorar tais reflexões. Em síntese, na raiz do nome
colônia e do verbo colonizar está o verbo colo, de cujas formas participais derivam culto e
cultura. Segundo Bosi, a colonização é um processo em que se imbricam pelo menos três
planos ( p. 389):
a da conquista da terra e exploração da força-de-trabalho (para indicar esta dimensão
econômico político escolhi o verbo latino colo, no presente do indicativo: ocupo, cultivo,
domino);
o da memória dos colonizadores e dos colonizados, responsável por grande parte das suas
expressões afetivas e simbólicas (indiquei pelo particípio passado cultus esta dimensão
religiosa e, em senso lato tradicional);
o dos projetos, em geral leigos, que visam à construção de um futuro moderno e de uma
identidade nacional. Dei aqui à palavra cultura, tirada do particípio futuro, esta dimensão
intelectual e técnica que tende a autonomizar-se a partir das luzes. (Bosi, 2006, p. 389)
Para Bosi, as relações entre essas três dimensões podem passar por fases de ajustes e
harmonização e também de conflitos e desajustes ( p.390) na dinâmica da cultura brasileira,
bem como nas sociedades culturais de modo geral.
Retomando a discussão inicial proposta por Bosi a partir da concepção de “cultura como uma

1
herança de valores e objetos compartilhada por um grupo humano relativamente coeso”(
p.309), sendo eles: cultura erudita brasileira, centralizada no sistema educacional
(principalmente nas universidades) e uma cultura popular, basicamente iletrada, que
corresponde aos hábitos e costumes materiais e simbólicos do homem rústico, sertanejo ou
interiorano e do homem pobre suburbano que ainda não assimilou bem as estruturas
simbólicas da cidade moderna (idem). Têm-se, então, dois pólos nitidamente afastados –
Academia e Folclore . Somando-se a eles outros dois pólos que são frutos da sociedade
urbana-capitalista em desenvolvimento: a cultura criadora individualizada de escritores,
compositores, artistas plásticos, cineastas, enfim, intelectuais que não vivem dentro da
Universidade que Bosi rotula de sistema cultural alto opondo-se à cultura de massas que, pela
sua íntima ligação com o sistema de produção e mercado de bens de consumo, é chamada
pela escola de Frankfurt de indústria cultural ou indústria de consumo. Em síntese, segundo
Bosi, é possível perceber no Brasil do século XX que há uma cultura universitária, uma
cultura criadora-extra-universitária, uma indústria cultural e uma cultura popular. Segundo
ele: “Do ponto de vista do sistema capitalista tecno-burocrático, um arranjo possível é colocar
do lado das instituições a universidade e os meios de comunicação de massa; e situar fora das
instituições a cultura criadora e a cultura popular “ (ibidem).
As peculiaridades de cada cultura
Alfredo Bosi faz em seu texto uma análise bastante significativa de cada cultura,
principalmente, a respeito da cultura universitária, já que esta representaria um setor
privilegiado, almejado pelas classes alta e média. Setor protegido, incrementado e financiado
quer pelos grupos particulares, quer pelo governo. Segundo ele, a cultura universitária tem
uma força de auto-reprodução só comparável, naquele período, à das grandes empresas de
comunicação de massa (p.310). Podemos então destacar alguns pontos desta análise. Essa
“cultura universitária, cultura acadêmica, cultura científico-humanística” pode ser considerada
como uma cultura “alta” é o saber efetivamente transmitido pelas universidades, dentro de um
sistema institucional- a universidade- considerado o lugar de produção e reprodução dessa
cultura, para alguns, representava o apoio fundamental para o Estado, formando pessoas
habilitadas para as carreiras burocráticas ou burocratizáveis do país (idem).
Ao longo de sua análise Bosi, discute a respeito das transformações que ocorreram no âmbito
da universidade brasileira, principalmente nas décadas de 60 e 70. Tais transformações vão
influenciar diretamente nos caminhos seguidos pela cultura universitária refletindo na
sociedade de maneira geral. É importante salientar que o registro feito por Bosi no subtítulo
“Situação da Cultura Universitária” é bastante pertinente e contribui significativamente para
compreensão dos fenômenos que influenciaram a realidade da cultura universitária. Podemos
destacar que a partir do abandono do estudo de algumas disciplinas clássicas (Francês, Grego,
Latim, Filologia) comum ao clero e à magistratura, a relação íntima entre cultura clássica e
status social desapareceu na sociedade contemporânea. Em conseqüência desse esvaziamento,
sobretudo na década de 60, na qual reinava uma tendência a considerar estrutural e
acronicamente a cultura lingüística, literária, jurídica, inclusive a religiosa. Segundo Bosi, o
sentimento de que as Letras, as Leis e os Ritos atravessaram fases e estilos variados foi dando
lugar a uma abordagem a-histórica, restringida apenas à análise de textos com a aplicação de
categorias formais universais. “Perdendo-se a sensibilidade ao contexto preciso do texto,
perde-se a capacidade da interpretação histórica concreta” (p. 311). Para Bosi, a situação da
cultura letrada e jurídica das décadas de 60 e 70, é a seguinte:
[...] adotam-se técnicas de análise formal ou imanente, mas abandona-se o pressuposto da
normatividade na medida em que não se concede mais foro especial a qualquer formação
histórica determinada. (E , se algum privilégio se concede, será ao dos modos absolutamente
contemporâneos de expressão. A tendência a sincronizar tudo deságua em tudo submeter ao
foco subjetivo do intérprete imerso na sua temporalidade.
Na década de 70 (muitos acentuam 68 como data da viragem), o mero inventário das
estruturas lingüísticas começa a ser considerado insuficiente. O estruturalismo já não satisfaz
à dinâmica real que, em última instância, também permeia os estudos universitários. Toda
cultura superior acaba procurando avidamente significados e valores no seu trabalho, e é
precisamente nessa busca que as tendências formalistas começam a alterar-se, cindindo-se:

2
em um movimento para dentro, de enrijecimento extremo e epigônico; e em uma superação
que desemboca na negação da negação: a análise formal é então relacionada com o sentido da
expressão e da comunicação, sentido interpretável ora em termos psicanalíticos ora em termos
histórico-sociais. Nesse momento, os estudos literários e lingüísticos, que, em 60, espelhavam
a visão tecnicista dominante, passaram a secundar uma cultura de resistência, a qual coincide,
no Brasil, com os anos de abertura política nos meados dos anos 70. (Bosi, 2006, p.312).
Dentro desse contexto, o estruturalismo já não consegue satisfazer as necessidades reais das
universidades. Surge, então, uma cultura de resistência à visão tecnicista dominante apoiada
na busca de novos significados e valores, os estudos literários também passam a se organizar
nessa vertente. No que diz respeito, às ciências sociais, Bosi, chama a atenção para a aliança
entre a técnica neutra e a opressão ideológica que passa a despertar desconfiança entre os
pesquisadores da área deste período, por isso, rejeitam as receitas positivistas e funcionalistas
e associam a sociologia à dialética, objetivando “fazer do seu conhecimento um instrumento
eficaz de transformação.” Segundo Bosi, “nas faculdades humanísticas e jurídicas as técnicas
analíticas mais estreitas e a crítica ideológica mais geral ainda convivem lado a lado, ou lado
contra lado”(p. 313). Respondendo às inquietações da cultura crítica, resistente ao tecnicismo,
a tecnoburocracia, contra-atacou com algumas medidas das quais Bosi menciona cinco delas:
— Introdução de disciplinas de caráter doutrinário sócio-político, sustentadas por ideais
neocapitalistas em todos os graus de ensino (OSPB, EPB) com o objetivo de apresentar uma
Nação em pleno desenvolvimento técnico e em progresso social (ideologia do Brasil Grande e
do Milagre Brasileiro);
— Inserção da disciplina Estudos Sociais em substituição ao estudo específico de História
Geral, História Sociais, Geografia Geral e Geografia do Brasil, tal substituição acarretou
problemas de ordem metodológica em função da amplitude de seu programa além da
competição entre os professores destas áreas,
— Extinção do estudo de Filosofia nos cursos médios, acarretando prejuízo ao processo de
formação, pois tal disciplina propiciava aos estudantes reflexão teórica e crítica;
— Gradual substituição da língua francesa pela língua inglesa nos cursos médios e até
mesmo no ensino superior, representando perda significativa nas áreas de ciências humanas;
— Implantação do vestibular unificado, em primeiro momento sem redação e direcionando os
alunos do segundo grau a uma linha informativa deixando em evidência a queda na formação
axiológica.
O crítico assinala que estas medidas afetaram a dinâmica interna, curricular do aprendizado
universitário e secundário das disciplinas humanas, ela agiu drasticamente na macroestrutura
do sistema universitário proporcionando a multiplicação de instituições superiores de caráter
privado, segundo Bosi, a maioria delas de caráter puramente mercantil, voltadas para o ensino
das disciplinas humanas e sociais, elas colaboram para um empobrecimento sensível da
formação do magistério brasileiro tanto no plano informativo como no plano crítico, pois em
geral, nessas instituições, limita-se à tarefa de repetir receitas de manuais, fazendo-se
particularmente pesada e ameaçadora a repressão ideológica dos seu órgãos diretores (p. 315).
Alfredo Bosi aponta na prática cultural universitária, a contradição entre
tendências especulares e tendências críticas. Para ele, as tendências especulares representam
os interesses dominantes, arrastando consigo a força dos fatos, conforme as palavras abaixo:
Não se trata, aliás, de uma contradição acadêmica que se manifesta apenas nas salas de aulas,
ou nos seminários de pós-graduação. Os cursos universitários deságuam nas carreiras liberais,
nas profissões técnicas, no caldo de cultura da imprensa; enfim, nos vários espaços da
sociedade civil e do aparelho burocrático. Entre um curso de Medicina e a prática médico-
mercantil das clínicas particulares há, em geral, um processo de rápida adaptação ao real, que
é a sociedade de classes brasileira. As informações e os elementos técnicos mais funcionais
viram logo rotina. A passagem dos bancos universitários às práticas profissionais faz-se na
base das fórmulas feitas, das receitas já fornecidas pelos usufruidores da situação, no caso, as
indústrias farmacêuticas e as firmas de equipamentos hospitalares. Esse mundo do receituário
é o resultado cabal da cultura especular. (Bosi, 2006, p. 317)
Quando fala das dissidências, o crítico remete às idéias de Adorno e de Umberto Eco, que
aprofundaram o tema da “institucionalização das vanguardas” nas sociedades de consumo

3
que tem a capacidade de rapidamente transformar pensamentos críticos em mercadorias e
moda, esvaziando seu efeito de transformação do status quo de conscientização (p317).
Segundo Bosi, a neutralização das possíveis dissidências é próprio das sociedades
neocapitalistas, que só pune algumas expressões ou recursos que julga realmente suscitar a
“consciência das contradições”. O sistema demonstra uma certa indulgência com tudo aquilo
que não fira, a sua autoconservação econômica. Para ele: “é próprio da ideologia da
modernização trocar às vezes de aparência para vender melhor”(p.318) ora o sistema
demonstra uma certa liberalização de costumes e da linguagem dentro da margem de
tolerância, ora incorpora ao discurso oficial o jargão da cultura crítica. Assim, Bosi acentua
que o sistema sofra de uma certa instabilidade e até mesmo incoerência ao praticar a censura
em vários âmbitos e ao estabelecer programas institucionais, assumindo falas e posturas
antagônicas – especulares e críticas- como é o caso do excerto do Plano Setorial de cultural
(1975-9) citado por Bosi justamente para acentuar a tese principal dessas reflexões que é
afirmar:
[...] a existência de correntes díspares (especular e críticas), a sua coexistência e, mais ainda, o
caráter centrípeto do sistema cultural. Este consegue, às vezes, trazer para o seu discurso
cadência da oposição, tendo, naturalmente, o cuidado de diluí-las em um ideário progressista
e desenvolvimentista vago herdado da situação anterior (1945-64), quando, porém, esse
ideário ainda se combinava com um estilo político mais democrático. (Bosi, 2006, p.318)
A Cultura fora da universidade
Alfredo Bosi, afirma que é importante pensar que existem faixas culturais fora da
universidade. Principalmente no âmbito da concepção antropológica de cultura como
conjuntos de modos de ser, viver, pensar e falar de uma da dada formação social, embora a
vida cultural letrada, se fazia, naquele período, dentro da universidade ou em torno dela. Isso
se exemplifica pelas seções culturais de jornais e revistas que se alimentam de produções
escritas pelos intelectuais ou sobre intelectuais das maiores universidades do país.
O que caracteriza a cultura extra-universitária é o seu caráter difuso, resultado da mescla de
toda a vida psicológica e social do povo brasileiro, os símbolos e os bens culturais são
pensados e vividos. Ao contrário da prática acadêmica com discursos marcados e tematizados.
A indústria cultural
Quando se refere à industria cultural é possível perceber na fala de Bosi influência direta ou
indiretamente dos grandes pensadores das correntes teóricas que se destinaram a discutir
sobre o mercado de bens simbólicos, isto é, a indústria cultural. Para Bosi, fora da
universidade, esses bens são consumidos principalmente pelos meios de comunicação de
massa, sendo veiculados através da televisão, rádios, histórias em quadrinho, fotonovelas,
revistas femininas. Tudo isso é fabricado em série com base em algumas receitas de êxito
rápido, como observa Bosi, uma cultura feita para as massas. É importante chamar a atenção
para o que é observado pelo escritor quando fala dessa escala de consumo, que tem a música
e a imagem que são consumidas maciçamente, em escala menor, aparecem o jornal e a revista
e em escala menor ainda o cinema- fato que se consolidou na sociedade moderna.
No seio dessa produção está o processo psicológico destes programas, que em geral, se
remetem ao apelo imediato, tais como: sentimentalismo, agressividade, erotismo, medo,
fetichismo, curiosidade, mesclada com dosagem de realismo e conservadorismo incitando o
despertar de emoções primárias aplacando com o happy end, já assinalado anteriormente
pelos estudiosos dessa cultura. Tudo que é posto em crise no desenrolar do programa ou do
texto ilustrado é reestruturado no final. Para Bosi, o crítico Umberto Eco, refere-se com
justeza, “a estruturas de consolação” para qualificar o sentido desses procedimentos
chamativos que mantêm a atenção de milhões de consumidores culturais.Bosi não consegue
perceber muitas mudanças nesse tipo de consumo da década de 60 para a de 70:
A censura e a massificação persistem, persistem as receitas do sucesso junto ao grande
público; continua a publicidade intensa e insidiosa lançando mão de todos os recursos para
motivar e estimular a venda de seus produtos. Talvez uma análise mais miúda encontre uma
ou outra alteração no quadro, mas nada de substancial. (Bosi, 2006, p.321).
O escritor destaca entretanto que, nesse período a crítica intelectual assume papel importante
mediante a indústria cultural. A atitude de adesão e entusiasmada que se percebia na década

4
de 60, a respeito das leituras de (Marshall McLuhan) sobre mass communication, passou a
tomar uma postura crítica a partir de 70. Em conseqüência disso multiplicaram-se nas
faculdades as dissertações e teses que denunciavam a ideologia conformista das principais
programas de TV ou de certas personagens-ídolo das histórias em quadrinhos mais
consumidos. Essa cultura de resistência, como se pode perceber pelos dados estatísticos não
consegue alterar o êxito que continua sendo obtido pelo mercado da indústria cultural.
A esse respeito Renato Ortiz em a A Moderna tradição brasileira – cultura brasileira e
indústria cultural, através de uma análise sobre o processo cultural de político de nossa
sociedade vai assinalar que nesse período a sociedade brasileira vive momentos de tensão e
alguns intelectuais, sentiam a necessidade de buscar em outras teorias, que não fossem as
baseadas na visão negativista da Escola de Frankfurt, para entender melhor a nova realidade
brasileira.
[...] no final dos anos 60, uma nova dimensão: a luta contra o autoritarismo. É bem possível
que este dado específico da vida política brasileira tenha em parte contribuído para que os
intelectuais não percebessem com clareza a consolidação de uma cultura de mercado que se
realizava sob seus pés. Num momento de luta política como esse, dificilmente os teóricos da
Escola de Frankfurt poderiam encontrar uma adesão mesmo em termos analíticos, para
diagnosticar a problemática brasileira. Como adequar a idéia de uma “consciência
unidimensional” ou pessimismo de Adorno a uma realidade de censura que atingia em cheio
os meios de comunicação e a sociedade como em todo? É sintomático percebermos que é nos
anos 70 que o instrumental gramsciano se populariza como suporte para as analises sobre a
cultura no Brasil. (Ortiz, 2006, p.16)
Alfredo Bosi chama atenção para as reflexões de Umberto Eco, em apocalípticos e
integrados quando fala da divisão dos intelectuais ao se posicionarem frente ao mercado de
bens simbólicos. O crítico aponta a apreciação negativista da cultura para massas, como visão
principal da Escola de Frankfurt, formalizada pelos estudos de Horkheimer, Adorno e em
outra análise, Herbert Marcuse, como sendo de caráter apocalíptico e de integrados, foram
chamados os intelectuais que lembram o caráter socializador dos meios de massa que
possibilitariam de alguma maneira a todas as classes equidade no nível de informação,
embora Bosi não cite, Edgar Morin, poderia muito bem fazer parte desse grupo dos que
acreditam que mesmo em meio a todos os problemas acarretados pela cultura de massa, é
possível perceber nela produções de qualidade.Historicamente, para Bosi, essa discussão que
se faz em torno do julgamento desse processo de comunicação está bem longe de ser esgotado
e portanto fica em aberto, entretanto, ressalta que não se deve esperar da cultura de massa e
muito menos da versão capitalista da indústria cultural aquilo que ela não quer dar: “lições de
liberdade social e estímulos para a construção de um mundo que não esteja atrelado ao
dinheiro e ao status.” (p.322)
Cultura Popular
Ao lado da cultura escolar e da cultura para as massas, consideradas como organizações
modernas e complexas, administradoras da produção e circulação dos bens simbólicos cujo
crescimento e mentalidade básica tem relação estreita com o crescimento econômico do país,
Bosi vai identificar uma cultura popular manifestada a partir de inúmeros fenômenos
simbólicos que exprimem o imaginário do povo brasileiro. Estas manifestações vão do rito
indígena ao candomblé, do samba-de-roda à festa do Divino, enfim, todas as manifestações
religiosas do povo. São consideradas por Bosi como sendo microinstituições dispersas no
espaço nacional, distantes da cultura oficial; centradas em grupos fechados embora seus
membros estejam expostos à cultura escolar ou aos meios de comunicação de massa.
Bosi critica em sua reflexão, certas tendências em rotular de residuais as manifestações
folclóricas baseadas em um princípio evolucionista. De acordo com essa visão, tudo o que
estiver sob o limiar da escrita, até mesmo os hábitos mais rústicos e suburbanos, tende a ser
visto como sobrevivência das culturas indígenas, negra, cabocla, escrava e mesmo portuguesa
arcaica. Segundo Bosi, é necessário rejeitar a visão elitista que estigmatiza a cultura popular
como pertencente a estado de primitivismo, atraso, subdesenvolvimento. É preciso rejeitar
também a visão romântico-nacionalista (romântico-regionalista ou romântico-populista) que
de certa maneira, consideram como cultura popular apenas os valores transmitidos pelo

5
folclore ignorando ou recusando suas vinculações com a cultura de massa e com a cultura
erudita, vinculações que acontecem também entre a cultura popular e a cultura criadora dos
artistas. (p. 324)
Para Alfredo Bosi uma teoria da cultura brasileira (se existir) deverá estar fundamentada no
cotidiano físico e imaginário dos homens para que dele se possa abstrair os valores e teores.
Ressalta que, no caso da cultura popular não há distinção entre as esferas de cunho puramente
material ou simbólica. Ela diz respeito a modos de viver: costumes alimentares, vestimentas,
danças, crenças, linguagem, jogos, provérbios, enfim, está relacionada a formas de
conhecimento e transmissão de conhecimentos, modos de olhar, sentir, agredir, consolar....
em suma, todos os aspectos que, juntos, constituem o mundo simbólico e material do
cotidiano do homem rústico. Para Bosi, a concepção de indivisibilidade entre o mundo
material e simbólico (corpo e alma) nesta cultura é de difícil compreensão para o homem
letrado, pois tem o hábito de tudo classificar além de não vivê-la subjetivamente (idem)
O escritor afirma “que a vida do corpo, a vida do grupo, o trabalho manual e as crenças
religiosas confundem-se no cotidiano pobre de tal modo que quase se poderia falar em
materialismo animista como filosofia subjacente a toda a cultura radicalmente popular”(
ibidem). A palavra materialismo recobre todo o aspecto cotidiano do homem na sua ligação
com o trabalho, a partir da utilização da matéria, do trabalho com a terra ou no manuseio dos
instrumentos mecânicos, representaria, então o lado prático da vida ou da sobrevivência,
entretanto, este aspecto material não é totalmente “desencantado” (atributo utilizado por Max
Weber qualificando o universo da racionalidade burguesa). Dentro desse universo cotidiano
há sempre uma relação com uma força superior constituída por conceitos como sortes,
simpatias, maus-olhados, azares, pés direitos e pés esquerdos, entrelaçados ao uso de talismãs,
fotos, fitas, figas, medalhas, santinhos, etc. (p. 325) objetos denominados pela crítica
racionalista como “superstições”.
Esse materialismo animista, fundado na oposição corpo/alma, foi transmitido e continua
sendo transmitido, principalmente nas comunidades rurais, mas também está presente nas
urbanas, sendo ela responsável pelos conhecimentos difundidos, de século a século, sobre
todos os ciclos da natureza, das partes do dia, dos ciclos biológicos da mulher, fases da vida,
etc. Tratando-se de um conjunto de memórias coletivas, mais conhecido como sabedoria
popular.Quanto às potencialidades de expansão de cada uma das faixas culturais, Bosi
escreve:
[...] a cultura erudita cresce principalmente nas classes altas e nos segmentos mais protegidos
da classe média: ela cresce com o sistema escolar. A cultura de massa, ou indústria cultural,
corta verticalmente todos os estratos da sociedade, crescendo mais significativamente no
interior das classes médias. A cultura popular pertence, tradicionalmente, aos estratos mais
pobres, o que não impede o fato de seu aproveitamento pela cultura de massa e para cultura
erudita, as quais podem assumir ares popularescos ou populista em virtude da sua
flexibilidade e da sua carência de raízes. (Bosi, 2006, p.326)
O entrecruzamento das culturas
Alfredo Bosi mostra que, embora os pólos culturais caracterizados por ele, tenham suas
particularidades, eles também se cruzam e estão imbricados mutuamente. Assim, podemos
destacar alguns pontos de sua reflexão:
O entrecruzamento das culturas
Cultura de massa e cultura erudita se relacionam em vários pontos, tais como o fascínio do
profissional universitário (especialmente os técnicos) pelos produtos mecânicos e eletrônicos
da indústria cultural que por sua vez, só se tornaram possíveis em função das pesquisas
universitárias. No mundo das letras e das artes isso também acontece, no final da década de
50 alguns escritores e compositores brasileiros de música de vanguarda fizeram um projeto de
aproveitamento das conquistas da eletrônica e do computador, deixando ao acaso e às suas
combinações um valor estético de domínio chegando a ponto de alguns “ideólogos
experimentalistas” condenar as formas de arte que não se valessem desses recursos modernos.
Essas relações aparecem também nas áreas profissionais ligadas as ciências aplicadas
(Engenharia, Economia) para as quais, a cultura de massa representa uma fonte de informação
e “de valores para um alto número de pessoa que prescindiram, em toda a sua história

6
intelectual” (p. 327).
Numa relação inversa a cultura de massa, vale-se da cultura erudita para transformar em moda
e consumo muitas de suas representações - fenômeno denominado kitsh, estudado por
Abraham Moles que consiste na divulgação junto aos consumidores das classes alta e média -
palavras, gostos, melodias, bens produzidos inicialmente pela cultura superior (p. 327--8).
Segundo Bosi, a indústria cultural, principalmente nas suas faixas de consumo mais exigentes,
virou divulgadora, diluidora ou exploradora do trabalho universitário crítico e criador. (p.
328). Bosi salienta que:
Algumas figuras universitárias, antes circunscritas à vida acadêmica e à produção para
reduzidíssimo público, viraram, em pouco tempo, personagens do consumismo cultural,
diminuindo o intervalo que há não pouco tempo separava a escola superior do leitor médio
desses periódicos. Esse uso dos meios de difusão não partiu, porém, da Universidade; chegou
a ela, solicitou-a e até certo ponto assimilou-a ao projeto modernizante em curso. (Bosi, 2006,
p.328)
Cultura de massa e cultura popular
Segundo Bosi, são muito delicadas as relações entre cultura de massa e cultura popular. Do
ponto de vista da dinâmica capitalista a flecha parece sempre ir no sentido de uma
desagregação da segunda pela primeira quer no plano moral, quer no plano estético. Assim,
essas culturas se relacionam através dos meios de comunicação, já que em qualquer casa de
caboclo ou trabalhador da periferia a cultura de massa preenche suas horas de “lazer, por meio
da televisão e do rádio, as quais segundo Bosi, poderiam ser preenchidas com alguma forma
criativa de auto-expressão” (p.328). A cultura de massa explora aspectos da vida rústica
devolvendo-os por meio dos programas de televisão, em alta escala, transformando
manifestações espontâneas em espetáculos, bem como se percebe no carnaval para o turista
ou a reportagem sobre macumba na televisão. Contudo, assinala Bosi, aqui acontece um
fenômeno interessante, pois apesar de tudo a cultura popular é resistente, seu “dinamismo
lento, mas seguro e poderoso da vida arcaico-popular” (p. 329) continua existindo de modo
orgânico, nas famílias, nas comunidades, nos grupos religiosos . Para o crítico, o povo tem um
filtro que rejeita aquilo que não lhe é pertinente e adapta ao seu universo o que lhe interessa.
Tal observação é relevante, porque anula a idéia, muita acentuada, de que o povo assimila
mecanicamente tudo que lhe é oferecido pelos meios de comunicação.
Cultura erudita e cultura popular
O autor assinala que a cultura erudita ou simplesmente ignora as manifestações simbólicas,
pois em geral, dela está distante, ou então, estabelece com ela uma relação de simpatia,
interrogação, encantamento pelo que lhe parece diverso e oposto do universo do intelectual ou
à rotina universitária. Dessa relação pode nascer obras muito diferentes entre si que “vão do
mais cego e demagógico populismo marcado pela má consciência estertória do elitismo”
básico das sociedades classistas à mais bela obra de arte como é o caso de Villas Lobos, o
romance de Guimarães Rosa, a pintura de Portinari e a poesia negra de Jorge de Lima.
Segundo Bosi
Para entrar no cerne do problema, só há uma relação válida e fecunda entre o artista culto e a
vida popular: a relação amorosa. Sem um enraizamento profundo, sem uma empatia sincera e
prolongada, o escritor, homem de cultura universitária, e pertencente à linguagem redutora
dominante, se enredará nas malhas do preconceito, ou mitizirá irracionalmente tudo o que
pareça popular, ou ainda projetará pesadamente as suas próprias angustias e inibições na
cultura do outro, ou, enfim, interpretará de modo fatalmente etnocêntrico e colonizador os
modos de viver do primitivo, do rústico, do suburbano.(Bosi, 2006, p.331)
A respeito do olhar etnocêntrico com relação à cultura do outro, o autor, dá exemplos de
textos de cronistas, viajantes e catequistas que discorreram sobre o Brasil no início da
colonização, os quais estão repletos de preconceitos e equívocos. Segundo Bosi, obras
como O Selvagem, de Couto Magalhães (1877, L´animisme fetichiste de negres de Bahia, de
Nina Rodrigues e Os Sertões de Euclides da Cunha são importantes porque dão testemunho
do olhar que foi lançado aos aborígines por causa da Independência, demonstrando interesse
pelo negro e pelo sertanejo, contudo ainda persistem em uma série de idéias preconceituosas,
como por exemplo, a idéia do caráter pré-lógico do pensamento do negro, índio, mulato ou

7
caboclo, acentuando-se também problemas produzidos pela mestiçagem. Através da leitura
dos ensaios de Silvio Romero e de João Ribeiro, é possível perceber, segundo Bosi, “um
misto de interesse, condescendência e atribuição de inferioridade cerebral,” com relação a
essa parcela da população, deixando implícita a idéia de superioridade do branco (p. 332).
Para Bosi, é com os escritores modernistas que vai aparecer o entrecruzamento das culturas
brasileiras, expressadas, principalmente, em duas tendências: “o nacionalismo estético e
crítico de Mario de Andrade e no antropofagismo de Oswald de Andrade. A primeira tende-se
a uma “fusão de perícia técnica supranacional”(p.333) com a sondagem de uma psicologia
brasileira semiprimitiva, mestiça, fluida, romântica ao passo que a segunda, prega a
incorporação “indiscriminada dos conteúdos e das formas internacionais pelo processo
antropofágico brasileiro, que tudo devoraria e tudo fundiria no seu organismo inconsciente,
entre anárquico e matriarcal” (idem) . Para Bosi a importância desse momento vai residir no
fato de que a cultura erudita se une à popular por uma ótica “mitopoético”, esta é entendida,
por Mário de Andrade, como expressão da sensibilidade tupi, relacionada a mitos, lendas e
ritos. Bosi, destaca que esse escritor se dedicou também ao estudo do universo negro e
mestiço com destaque.
É possível observar a continuidade da ruptura dos modernistas de 22 revelada nos romances
regionais do sul e do nordeste denunciando a realidade de um Brasil pobre e moderno ao
mesmo tempo. Para Alfredo Bosi, é importante que haja uma relação estreita entre os
momentos históricos ultramodernizantes de produção irracional (contracultural), assim como
aconteceu no final da década de 60, período em que o Brasil vive momentos de saturação
tecnológica o Tropicalismo aparece repropondo a volta do pensamento antropofágico.
A criação cultural “individualizada”
Pensando as relações entre literatura e mercado é importante assinalar a visão de Bosi com
relação à cultura criadora representada pelos escritores e artistas. As expressões artísticas de
modo geral estão ao mesmo tempo dentro e fora das instituições sociais na medida em que
vivenciam tempos diversos e muitas vezes, conflitantes, “como o tempo corporal da
sensibilidade e da imaginação e o tempo social da divisão do trabalho” (p. 343). Assim, a
criação de uma obra é freqüentemente o resultado de tensões internas vivenciadas pelo
indivíduo criado. Segundo Bosi, essas tensões são reflexos entre o compromisso que o criador
tem com suas forças espirituais, ansiosas para se expressarem (expressão pessoal) e a tradição
formal já historicizada (comunicação pública) que muitas vezes condiciona os modos de
comunicação.
Nesta luta, a obra é mais rica, densa e duradoura quando seu criador consegue participar da
dialética que está vivendo sua própria cultura, e também quando está dilaceradas entre as
“instâncias altas”, internacionalizantes e instâncias populares. Segundo ele, as obras-primas
como Macunaíma de Mário de Andrade, Vidas Secas de Graciliano Ramos, Grandes Sertão:
Veredas de Guimarães Rosa e Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto, jamais
poderiam ser produzidas se seus autores não tivessem atravessado as barreiras ideológicas e
psicológicas que os separam do cotidiano ou do imaginário popular.
O ensaísta aponta vários artistas que tem conseguido apesar das diferenças de orientação
estética, realizar “uma possível mediação entre público culto e temática, se não linguagem,
popular” (p. 344). Para Bosi, nas artes de espetáculo fica ainda mais difícil falar de cultura
erudita distanciada da cultura de massa e cultura popular, diferente da arte escrita destinada a
um público individualizado. Bosi encerra seu ensaio com as seguintes reflexões:
Para esse universo e, em geral, para todo trabalho criador, o essencial é assumir uma atitude
de respeito e de esperança. Não é o Estado, nem a Universidade, nem a Igreja, nem a
Imprensa, nem qualquer das instituições conhecidas que deverá encarregar-se do destino das
letras e das artes. O clima natural desta é o da liberdade de pesquisa formal e de descoberta de
temas e perspectivas. A arte tem seus modos próprios de realizar os fins mais altos da
socialização humana, como a autoconsciência, a comunhão com o outro, a comunhão com a
natureza, a busca da transcendência no coração da imanência.(Bosi, 2006, p.344)
Post – Scriptum 1992
Alfredo Bosi, em seu post-scriptum, redigido treze anos após a elaboração do ensaio Cultura
brasileira e culturas brasileiras assinala que preferiu deixá-lo quase intacto em sua publicação

8
em Dialética da Colonização, já que poderia parecer remendo novo em roupa usada e também
para que restasse ao menos o caráter histórico de seu testemunho. Mantendo-se firme no
mesmo eixo do texto anterior que girava em torno da qualidade plural da cultura, no registro
de 1992, o autor assinala que é possível propor uma análise diferencial dos conjuntos ali
examinados. De modo geral, Bosi faz uma análise descritiva das mudanças ocorridas com os
olhos voltados, principalmente, na cultura letrada, universitária ou não, e em “amplos setores
da comunicação de massa, percebe-se uma aparência de desintegração, que o gosto dos
rótulos vem atribuindo à pós modernidade vigente nas sociedades capitalistas a partir dos
meado do anos 70”(p.347). A partir daí Bosi traça um panorama da realidade cultural daquele
período, de caráter descritivo e analítico. Embora essa análise seja significativa para entender
os fenômenos ocorridos nesse período, esse texto objetiva apenas identificar alguns aspectos
de caráter geral.
Nesse período é possível perceber muitas mudanças, principalmente, no que se refere à
expressão da tecnologia informática, que passa a reger, não só a área das comunicações como
também o setor industrial e de serviços, aparecendo como caráter mais saliente da reprodução
cultural. No primeiro mundo ouve-se denominar uma época de aparelhagem baseada na
computação e na automação, o contexto pós-moderno vai se apropriar das variáveis como
Cibernética, Informática e Robótica. Bosi assinala que:
Na prática da erudição e da pesquisa científica são notórios os efeitos considerados positivos
das novas técnicas. Os informes são procurados, obtidos, fixados, dispostos, indexados,
combinados, multiplicados e retransmitidos, numa palavra, processados, com uma rapidez
extraordinária, o que facilita todo tipo de captação e arranjo de dados em qualquer ramo do
conhecimento. (Bosi, 2006, p. 349)
O autor lança a questão, estaria então a era da reprodutibilidade técnica, anunciada por Walter
Benjamin, atingindo o seu clímax? Tudo indica que esses meios eletrônicos continuarão a
fazer parte da dinâmica das sociedades modernas. Bosi assinala que o Brasil também conhece
o fenômeno planetário da pós-modernidade. Ele pontua dois sentidos opostos deste fenômeno,
pois pós-moderno pode não ser nada além do que o desenvolvimento extremo do capitalismo
globalizado marcado pela universalização do fetiche-mercadoria, a rapidez da comunicação
entendida como um fim em si mesmo, a obsessão infantil pelo “maior” e “do mais”, a
destruição da natureza, o consumismo exasperado etc.
Contudo o pós-moderno (anti-moderno), pode representar também um movimento de crítica,
resistência, reação ao aspectos deteriorados pela modernidade capitalista, agravados no
Terceiro Mundo em crise, este anti-moderno respeita a natureza, rejeita o “progresso” da
população e da loucura das cidades, honra o homem trabalhador, ama a arte do passado como
um ligado a ser transmitido, não se curva ao capitalismo selvagem. Em suma, luta contra a
maré de conformidade repousada dentro do ser humano diante da realidade pós-moderna.. Em
resumo, aquele que se diz pós-moderno deve precisar se filia à ultramodernidade ou à
antimodernidade. Para Bosi, o difícil, seria saber naquela situação o seria, a rigor
“modernidade”.
Conclusão
O texto de Bosi suscita reflexões importantes a respeito das culturas brasileiras, sendo
fundamental perceber o caráter de pluralidade e de inter-relação entre as culturas que de certo
modo, não se fundem, porém estão em constante relação de troca, tensão, hibridismo e
sempre em transformação. Segundo Bosi, em entrevista à Revista de Cultura e Extensão (on-
line), atualmente a palavra cultura tem assumido uma riqueza de possibilidade de
significação, mas geralmente, quando se fala em cultura a primeira idéia é a de transmissão de
valores e conhecimentos de uma geração para outra podendo ser de um passado próximo
(século XIX ou XX) ou mais remoto (épocass arcaicas ou antes de cristo).Voltando à
etimologia, descrita pelo autor no ensaio Colônia, culta e cultura, que prevê a dimensão de
projeto (culturus-futuro) da palavra cultura, é possível dizer que não é suficiente herdar do
passado todas as riquezas, é necessário que se continue a aprofundar certos veios e ter a
consciência de que se a cultura está sempre in progress, estará sempre em fase de desvios
portanto não é algo estabelecido para sempre, como é o caso das culturas em decadência,
como por exemplo, a cultura bizantina que durante mil anos repetiu as fórmulas do Império

9
Romano do Oriente.
Para Bosi, no mundo contemporâneo, não há como se ater á fixidez das fórmulas já que a
cultura é bastante complexa e não se atém apenas aos conhecimentos históricos, mas também,
aos científicos, técnicos, etc. Então, é necessário não só criar projetos de cultura, mas sim,
socializá-los estendendo, dividindo, distribuindo, de maneira ampla e justa, essas idéias
democráticas que devem ser próprias de uma sociedade democrática.
Algumas expressões muito recorrentes na sociedade atual como:cultura de cidadania, cultura
ecológica, segundo o crítico, estão vinculadas a uma concepção democratizante da palavra
cultura, que não existia há algum tempo atrás .Logo, cultura não está apenas relacionada a
conhecimento, mas também a valor, o que para Bosi, representa um progresso, porque
significa não só a soma de informações, mas também de atitudes públicas. Na mesma
entrevista, o autor destaca dentro do universo universitário e na mídia, o crescimento da idéia
de que todas as culturas merecem ser valorizadas e respeitadas e que o ideal desse mundo
globalizado não está apenas na interdependência econômica, mas na interdependência
cultural. Assim, tem-se na sociedade atual acesso pela imagem, pelos livros e pela mídia, a
outras culturas. Com essa nova visão percebe-se uma cultura da tolerância, o que para Bosi,
representa uma grande conquista, somando-se a isso, a visão de valor positivo que pode
desentranhar da palavra cultura.
Para Alfredo Bosi, atualmente é difícil falar da pluralidade cultural do Brasil de forma
compartimentada, pois as culturas estão misturadas umas com as outras, embora seja
importante notar que algumas particularidades ainda permaneçam e que é necessário admitir
que a indústria cultural avança para todos os lados, porque o regime capitalista vigente em
nossa sociedade transforma praticamente todos os bens simbólicos em mercadorias. E seus
criadores de certa forma, também precisam fazer parte desse mercado, seja como produtor,
comerciante ou consumidor.
Dentro desse contexto, há uma inter-relação bastante complexa na qual uma se alimenta da
outra, ainda que seja possível perceber que o universo da economia capitalista esteja vivendo
uma situação de constante crescimento, de acumulação e de progressão. Faz-se necessário
retomar as idéias de Bosi, quando fala do projeto democrático-socializante que deveria reinar
na Educação no qual defende uma proposta vinculada aos ideais de Paulo Freire, tão atual
em nossa sociedade brasileira:
Educar para trabalho junto ao povo, educar para repensar a tradição cultural, educar para criar
novos valores de solidariedade; e, no momento atual, mais que nunca, pôr em prática o ensino
do maior mestre da Educação Brasileira, Paulo Freire: educar para a liberdade. (Bosi, 2006, p.
342)

Referências Bibliográficas de Apoio


Antologia de Textos Fundadores do Comparatismo Literário
Interamericano. In: www.cdrom.ufrgs.br/bosi/comentarios.htm.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: LIMA,
Luiz Costa (org). Teoria da cultura de massa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 221-
256.
BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. 4ª ed. São Paulo: Companhia das letras, 1992.
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1970
HORKKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor. O Iluminismo como mistificação de massa. In:
LIMA, Luiz Costa (org). Teoria da cultura de massa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
p. 169-216.
MACDONALD, Dwight. Massicultura e medicultura. In: ECO, Umberto et al. A indústria da
Cultura. Lisboa: Meridiano, 1971. p. 67-149.
MORIM, Edgar. A integração cultura. In: ____. Cultura de massas no século XX: o espírito
do tempo – I: neurose. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1977.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
Revista de Cultura e Extensão – Entrevista – USP – Pró-Reitoria de Cultura e Extensão
Universitária. In: www.cdrom.ufrgs.br/bosi/comentarios.htm.

10

Você também pode gostar