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1.

Educação das Relações Étnico-raciais no Ensino de Biologia e Ciências: perspectivas, desafios e práticas
A discussão acerca da educação das relações étnico-raciais (ERER) no ensino de ciências e biologia abrange aspectos que vão desde a
desconstrução e descolonização dos currículos escolares, ademanda por material didático específico para essa articulação, até a necessidade
de inserção da temática na formação inicial e continuada de professores/as da área (VERRANGIA, 2014).
Os cientistas da Biologia, com apontamentos sobre as diferenças entre indivíduos, contribuíram para a construção so cial do racismo
(FREITAS, 2016, p.9). Desde os trabalhos de Carolus Linnaeus (1707-1778), que é considerado o pai da taxonomia, já se observava a
caracterização dos humanos a partir de aspectos físicos e morais ao definirem: “Homo americanus -vermelho, obstinado, regendo-tse
por costumes; Homo europaeus -branco, inteligente, regendo-se por leis; Homo africanus -preto, manhoso, regendo-se porcaprichos; Homo
asiaticus -amarelo, rude, regendo-se por opiniões” (AREIA, 2005, p.165).
Pode-se observar que a primeira classificação científica já estabelecia uma suposta superioridade dos brancos, principalmente sobre os
negros (AREIA, 2005, p.165). Um discípulo de Linnaeus, Johann Friedrich Blumenbach propõe uma hierarq uia entre “uma raça primordial
(caucasiana) e quatro formas de degeneração deste modelo (etíope, mongoloide, americana e malasiana)”, o que reforça ainda mais esta
caracterização diferenciada (FERREIRA; HAMLIN, 2010, p.822).
Os trabalhos de ARROYO (2011)EMIRANDA E RIASCO(2016)apontam como osistema educacional, por meio docurrículo,acaba apagan doa
história de determinados grupos(povosindígenas, quilombolas, afrodescendentes).Ao tempo em que reforçao padrão europeu de conhecimento,
produção científica, estética, valores etc. como modelo a ser seguido por todo o mundo(PINHEIRO, 2019; GOMES, 2012). Issos e torna um
desafio aos docentes que compreendem a necessidade de uma abordagem que valorize conhecimentos, culturas, valores e saberes depovosnão
europeus, assim como a diversidade cultural e a educação das relações étnico-raciais.
Neste sentido, pesquisadores/as têm-se dedicado a estudar possíveis formas de abordar a ERER no ensino de ciências, seja a partir de uma
abordagem histórica sobre o racismo científico e suas implicações nas relações étnico-raciais até os dias atuais (SEPÚLVEDA, 2018;
MACHADO et al., 2018), ou a partir de uma abordagem em saúde, através da problematização da racialização de doenças, como no caso da doença
falciforme (MEYER, 2020), ou através de abordagens de valorização étnico-racial, por meio da promoção decontribuições de grupos e de
personalidades pretas para o desenvolvimento das ciências (PINHEIRO, 2019) e, também, sob uma perspectiva etnobiológica, promovendo a
valorização dos conhecimentos tradicionais afro-brasileiros e da diversidade cultural (SILVA; RAMOS, 2019; CABRAL; RODRIGUES, 2022)
dentre outros trabalhos que nos mostram as potencialidades do ensino de ciências

2. Darwinismo, Origem da Espécie Humana e Educação Antirracista.

De acordo com Carvalho, Nunes-Neto e El-Hani (2011), a Biologia Evolutiva é compreendida como um dos principais campos do conhecimento
biológico e apresenta papel estruturante na seleção de conteúdos para o Ensino de Biologia. Para Mayr (2001), além da evo lução ser um dos
conceitos mais importantes da biologia, a sua relevância repercute em questões sociais, econômicas e culturais, onde a teoria darwinista pode
contribuir significativamente para tomada de decisões (Futuyma & Morgante, 2002) em situações sociocientíficas (Sadler, 2005)
É importante destacar a forte influência do darwinismo social4 para fortalecer a ideia de raças na própria ciência biológica, utilizando-se critérios
deterministas como alicerce, como atributos externos e fenótipos essenciais e a partir disso estabelecer uma hierarquia das raças (SCHWARCZ,
2012, p. 20).
Essa possível articulação foi aprofundada por Dias, Sepulveda e Arteaga (2022b) que destacou princípios e potencialidade de p romovê-la a partir
de controvérsias sociocientíficas, com abordagens a partir da história das ciências e de estudos paleoantropológicos, problematizando a iconografia
progressiva e linear da evolução humana em diálogo com questões históricas de discriminação racial, darwinismo social e eugen ia.
Tais referências educativas podem ser alcançadas por meio do Ensino de Evolução que auxilie na interpretação dos fatores evolutivos que
contribuíram para diversidade fenotípica da espécie humana e na compreensão de que as diferentes características variam independentemente
dentro de uma espécie, sendo a cor da pele, o formato dos olhos ou os grupos sanguíneos, por exemplo, clinas independentes e discordantes, parte
do motivo pelo qual não se podem reconhecer raças biológicas diferentes na espécie humana (RIDLEY, 2007), muito embora seja uma realidade
sócio-histórica

Representações de Natureza e Culturas produzidas pela escola, mídia e diferentes sistemas de conhecimento

No ano de 2021, uma imagem ganhou as páginas das redes sociais no Brasil e no mundo com milhares de compartilhamentos: a ilus tração de um
feto negro sendo gerado no útero de uma mulher negra (Figura 1). A imagem viralizada integra um conjunto de ilustrações anatômicas e
esquemas da fisiologia de doenças com pessoas negras, uma iniciativa independente do médico nigeriano Chidiebere Ibe4. Em relatos
nas suas redes sociais, o médico e ilustrador aponta para a relação entre o racismo médico e a falta de representatividade de corpos negros
nos livros acadêmicos, especialmente para o curso de Medicina.
Embora nosso interesse recaia sobre a presença de representações de corpos negros nessas coleções, a possibilidade de ausência da representação
de pessoas negras também constitui parte da análise, na qual esta ausência do negro “ajuda a construir o imaginário racista da ausência de
humanidade na população negra, dessa forma justifica a exploração e violência sobre ela exercidas” (SILVÉRIO; MOTOKANE, 2019, p.36) e
poderá servista como uma fuga ao cumprimento da Lei 10.639/03.
O discurso imagético que esse tipo de ilustração reproduz possui uma dimensão unificadora e universalizadorados corpos humano s. É um tipo de
imagem que, apesar de humana, é não-personificada. É geralmente recortada, fragmentada, desprovida de elementos que gerem
individualidade e têm como intuito e, provavelmente como pressuposto, representar todos os corpos humanos em um corpo
único(TRIVELATO, 2005).
Estudos realizados com livros didáticos de Ciências e Biologia parecem indicarum padrão de baixa representatividade decorpos negros ou de
representaçõessubalternizadasnarealização de funções sociais e, sobretudo, de ausência de problematizaçãodas implicações da construção das
tipologias raciais e o racismo (SILVA, 2004;SILVÉRIO e MOTOKANE, 2019; SANTOSe TOLENTINO-NETO, 2018, entre outros). De outro
modo, mesmo quando imagens de negros se encontram presentes, a superioridade atribuída aos brancos em outras imagens contribui para
fomentar o preconceito e o racismo já incrustrado nas estruturas sociais, constatando a inexistência de cientistas negros ou em funções que
mostrem sua contribuição para a sociedade (LOPES, 2016).

Ensino de Ciências e Biologia e o Estágio Supervisionado no contexto da Educação de Jovens e Adultos

A lei N° 9.394 da LDB de 20 de dezembro de 1996 no seu artigo 4° e inciso VII já define que a oferta de educação escolar regu lar para jovens e
adultos deve ter características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades. Neste sentido é muito positivo a forma que a
escola busca condições de acesso e permanência desses alunos na escola.
A escola DEVE manter um diálogo entre os saberes dos alunos em prol da educação, na construção da cidadania e dos direitos humanos. Para
Arroyo (2001, p. 226) “a educação popular e a EJA enfatizam uma visão totalizante do jovem e adulto como ser humano, com dire ito a se forma
como ser pleno, social, cultural, cognitivo, ético, estético, de memória [...]”. Nesse contexto é importante garantir a esses sujeitos o acesso a uma
educação que os proporcione uma formação cidadã, que os possibilite participar ativamente do meio social.
As atividades propostas para a EJA devem sempre seguir um planejamento pedagógico que vincule à vivência desses estudantes às teorias,
por isso é muito importante ouso da problematização e das atividades práticas. Merazzi e Oaigen (2007) propõem que os métodos aplicados
a jovens e adultos devem ser integradores do sujeito à sua realidade, e asatividadespráticas são ferramentasfacilitadoras nessa perspectiva.
Sobre os materiais didáticos disponíveis e utilizados nas aulas de biologia, tanto professores quanto os alunos alegam que é importante adaptar
o material para a EJA, osprofessores relataram que há carência em materiais para aulas práticas e que é imp ortante participar de cursos
de formação complementar.Arroyo (2017) ressalta que a EJA precisa
serencaradacomoaçãoafirmativa,ouseja,osmateriaisnãopodemsergeneralistaseosprojetos

A pesquisa em Educação em Ciências: histórico, perspectivas atuais e desafios metodológicos.

Krasilchik (2005), destaca que a Biologia pode ser uma das disciplinas mais relevantes e merecedoras da atenção dos educandos, ou uma das mais
insignificantes, dependendo do que for ensinado e de como isso for feito. A autora chama a atenção dos professores de Biologia para as questões:
o que ensinar e como ensinar? O professor e, neste caso, o de Biologia, deve atentar para o significado da Ciência e da Tecno logia, evitando
posturas alienantes.
De acordo com o exposto, Krasilchik (2005, p.12), descreve quatro níveis de alfabetização biológica: 1º - Nominal - quando o estudante reconhece
os termos, mas não sabe seu significado biológico. 2º - Funcional - quando os termos memorizados são definidos corretamente, sem que os
estudantes compreendam seu significado. 3º - Estrutural - quando os estudantes são capazes de explicar adequadamente, em suas próprias palavras
e baseando-se em experiências pessoais, os conceitos biológicos. 4º - Multidimensional - quando os estudantes aplicam o conhecimento e
habilidades adquiridas, relacionando-as com o conhecimento de outras áreas, para resolver problemas reais.
Delizoicov (2000) refere-se à forte crítica que o ensino das Ciências Naturais sofre por seu excessivo distanciamento dos fenômenos e das situações
que constituem o universo dos alunos. Descreve ainda que, esforços de se trabalhar os mesmos conteúdos de ensino mais vinculados àquele universo
mostram que é possível, no nível médio de ensino, uma efetiva aproximação dos modelos e das abstrações contidas no conhecimen to científico e
sua aplicação em situações reais.
Sendo assim, considera-se definitivo que professores e estudantes construam com autonomia seus saberes entendendo que o processo de busca por
metodologia de ensino é um processo permanente de pesquisa. “Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para
constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo (FREIRE, 1997, p. 32)”. É nesta perspectiva que o ensino de B iologia precisa
transitar.

Etnobiologia e Decolonialidade: contribuições para ensino intercultural de Ciências e Biologia.

Na tentativa de facilitar o ensino e a aprendizagem da referida disciplina escolar, parti da etnobiologia, que estuda as rela ções entre a natureza e
sistemas culturais (DIEGUES & ARRUDA, 2001), para a investigação dos conhecimentos tradicionais relativos à agricultura local.
O reconhecimento e a inclusão do conhecimento etnobiológico dos estudantes agricultores na sala de aula permitiram estabelecer um diálogo entre
saberes, o que motivou esses estudantes, favorecendo seu engajamento nas atividades de aprendizagem (BAPTISTA & EL-HANI, 2006).
Não há uma definição única do que seja a etnobiologia (BERLIN, 1992). Entretanto, é possível distinguir, a grosso modo, duas visões sobre este
campo de investigação. Numa visão mais estrita, o objeto da etnobiologia é o27 estudo dos sistemas taxonômicos encontrados nas diversas culturas.
As pesquisas etnobiológicas, segundo Berlin (1992), podem ter duas diferentes abordagens: (1) Abordagem utilitarista, que que stiona como e de
que modo as sociedades humanas utilizam a natureza; e (2) Abordagem intelectualista, que procura saber como e de q ue modo as sociedades
humanas vêem ou concebem a natureza.19
Na proposição teórica decolonial de Mignolo (2017) e Walsh (2019), na história da América Latina, os conhecimentos da ciência do “outro” dos
subalternos nunca estiveram presentes ou reconhecidos pela ciência hegemônica eurocêntrica. Estes pensadores de vanguarda do ensino decolonial
e intercultural atestam que há urgência de inclusão destes dois eixos fundantes citados como um princípio ideológico e pedagó gico na luta
anticolonialista do saber, para tal se faz necessário práticas emancipatórias e contra-hegemônicas de ordem local (conforme o lócus desta pesquisa)
e em todo ensino básico na América Latina.
Há uma série de saberes populares que não entram na escola por não serem cientificamente elaborados e legitimados pela ciência, sendo assim a
mesma representa e transmite os conhecimentos produzidos pela história da humanidade na visão do branco colonizado r.
Estudiosos da cultura como Williams (1992) e Geertz (2004;2014) - embora de correntes diferentes - chamam a atenção a atenção para que
consigamos perceber as diferentes culturas dos indivíduos que frequentam o interior das instituições escolares, bem como a diversidade comunidade
em que a escola está inserida. Cultura essa não cientificamente elaborada, mas de experiências de vida, de sobrevivência no e spaço social, que,
segundo meu ponto de vista, merece um lugar no currículo escolar, seja na socialização de seus saberes, suas formas de observar o mundo a sua
volta, enfrentando as adversidades do dia a dia, e destes adquirir novos saberes por intervenção do currículo escolar oficial.

Educação Não-formal no ensino Ciências e Biologia


Recorro a Gohn (2001), para compreender a trajetória histórica da educação não-formal, no Brasil. Para essa autora, até a década de 1980 a educação
não-formal era um campo de pouca importância, pois as atenções eram sempre voltadas para a educação formal, institucionalizada, escolar.
A educação não-formal tem sido apontada como um campo destacado nos fóruns de discussão, publicações e nas pesquisas em Educação. Porém,
tenho constatado uma lacuna no que se refere às investigações acerca do ensino de biologia nos espaços educativos em qu e a educação não-formal
acontece, pois ainda há uma predominância de trabalhos investigativos que abordam o ensino de biologia na escola, destacando a formação de
professores, o currículo, o ensino-aprendizagem etc. (Barzano,2008)
A ampliação da discussão dos conhecimentos no campo biológico, divulgados em uma velocidade maior, a partir do final do século XX, faz surgir
diversos movimentos e iniciativas em favor do reconhecimento das ações educativas em espaços não formais. Apesar da existência das muitas
críticas, “a importância dos espaços educacionais não formais e informais ampliou-se de maneira paralela ao desenvolvimento científico e
tecnológico da humanidade e à decorrente necessidade de “alfabetizar cientificamente” (MARANDINO, 2009, p. 133).
Diante do exposto, defender as aulas de campo para o ensino de Ciências e Biologia, como metodologia para a promoção de ações
educativas e como instrumento para superar a fragmentação do conhecimento, significa valorizar a criatividade do grupo e da escola. Além
disso, as aulas de campo são práticas eficientes para concepção de uma nova perspectiva de relação entre o hom em e a natureza,
estabelecendo relações entre o conhecimento científico e os ambientes naturais (SENICIATO; CAVASSAN, 2004).
Santiago (2018) destaca a importância do fortalecimento do sentido de pertencimento ao local vivido, a partir da valorização da história e cultura
de uma comunidade, ressaltando que a interação entre a comunidade e a escola pode gerar um movimento coletivo de leitura de mundo e de luta
pela realidade histórica, incentivando o enfrentamento das situações, a mudança de atitudes e o protagonismo do disc entes.

Tendências curriculares e metodologias de ensino das ciências da natureza.


As tendências com abordagem cognitiva estão embasadas, principalmente em Piaget e Vygotsky, com suas teorias sobre o processo de
aprendizagem. Desse modo, relacionam a educação e o ensino de ciências ao propor que o conhecimento é uma construção individu al que acontece
na interação entre sujeitos e nos contextos sociais, no qual encontram-se inseridos. Assim, o indivíduo progride pela apropriação da cultura através
das interações sociais, cuja vivência favorece sua interiorização (FACHÍN-TERÁN, 2013).
Sobre a tendência de experimentação. Em linhas gerais, essa tendência proporciona aos alunos a possibilidade de participarem de diversas fases da
investigação científica, “desde o planejamento, passando pelo levantamento de hipóteses e pela execução, incluindo a discussão, contribui para a
construção do seu conhecimento” (GIANI, 2010, p.29). Ou seja, a tendência experimental deve ser compreendida a partir de uma visão
investigativa e cooperativa, sendo então, instrumento de facilitação da aprendizagem.
No que tange, a tendência de Ciência, Tecnologia e Sociedade, configura-se com a relação da ciência com as aplicações tecnológicas e os fenômenos
na vida cotidiana. Ressalta-se que no Brasil a vertente CTS tem enfatizado a necessidade de tomada de decisões acerca de temas tecnológicos e
científicos pela população, incentivando então o letramento científico, onde os alunos são aptos a exercer ações sociais de f orma responsável
(SANTOS E MORTIMER, 2000).
A aprendizagem a partir de espaços não-formais é muito significativa para o ensino de ciências. Desse modo, esta tendência é reforçada por
Marandino (2002), quando diz que são muitos e diversos os espaços e tempos sociais onde é possível acessar conhecimen tos e efetivamente
aprender. Especialmente com relação às ciências naturais, são inúmeros os locais que disponibilizam informações sobre temátic as científicas e
convidam o público a interagir, conhecer e aprender.
E por fim, tem-se ouvido bastante dizer que a tecnologia invadiu o cotidiano, ainda que essa expressão possa ecoar de maneira perturbadora n o
pensamento popular. Essa visão como algo negativo pode aflorar um sentimento de medo de que as novas tecnologias exerçam um domínio sobre
a civilização como robôs e equipamentos inteligentes que venham a substituir o homem. No entanto, esse não é o significado de tecnologia, sendo
que ela já faz parte de nossas vidas e está em todo lugar, inclusive nas atividades cotidianas mais comuns – dormir, comer, trabalhar, conversar,
deslocarmo-nos – que nem percebemos que não são coisas naturais (KENSKI, 2003).

O Ensino de Ciências da Natureza nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Longhini (2008) reforça a necessidade de se ensinar ciências físicas desde o começo da escolarização como fator diferencial e fundamental para
promover a alfabetização científica das crianças.
Nesse sentido, Bartelmebs e Moraes (2012) apresentam o ensino de conteúdos de astronomia como possibilidade para alcançar essa alfabetização.
Lima e Loureiro (2013, p. 15) destacam ainda que “as crianças desde o início do seu processo de escolarização apresentam grande interesse pelos
fenômenos naturais e pela busca de explicações dos comos e porquês as coisas são como são”.
Entretanto, Almeida et al. (2001) perceberam nas aulas de Ciências dos anos iniciais, um maior enfoque, por parte dos professores, aos conteúdos
relacionados a Ciências Biológicas e Saúde. As demais áreas do conhecimento relacionadas às Ciências da Natureza frequentemente não são
contempladas, o que, segundo os autores, pode estar associado a dificuldades nas metodologias e domínio dos conteúdos para abordar tais temas
em sala de aula.
A presença da disciplina de Ciências no currículo escolar brasileiro é relativamente recente. Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB), Lei n. 4061/61, em 1961, o ensino de Ciências passou a ser disciplina obrigatória apenas para os anos finais do Ensino
Fundamental.
Para Fumagalli (1998), o ensino de Ciências ainda vive um paradoxo: enquanto o discurso pedagógico é enfático na defesa do en sino de Ciências
para a Educação Básica como um todo, no cotidiano escolar “[...] o conhecimento científico 208 Nadir C. DELIZOICOV; Iône I. P. SLONGO. O
ensino de Ciências nos anos iniciais do ensino... e tecnológico é subestimado [...], seu ensino ocupa um lugar residual, principalmente nas primeiras
e segundas séries nas quais chega a ser incidental” (FUMAGALLI, 1998, p. 15).
Portanto cabe ao ensino de Ciências possibilitar às crianças a apropriação de conhecimentos relacionados à ciência e à tecnologia, para que possam
ler o mundo a sua volta e atuar nele de forma consciente, crítica e responsável. As mídias em geral alvejam c otidianamente os estudantes com
informações, as quais nem sempre estão adequadas do ponto de vista científico. Isso só faz aprofundar a responsabilidade do e nsino de Ciências
formal. É cobrado deste ensino contemplar conteúdos que tenham ressonância no cotidiano dos alunos auxiliando-os, não apenas a melhor
compreender o mundo físico a sua volta, mas também a reconhecerem-se como sujeitos ativos na tomada de decisões individuais e coletivas,
intervindo em sua realidade (BRASIL, 2000).
A formação do professor para os anos iniciais do Ensino Fundamental deve possibilitar aos futuros docentes reconhecer que o e nsino de Ciências
deixou de ser um ensino para poucos e deve ser mais democrático, atingindo a todos os alunos sem discriminação so cial ou cognitiva
(DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2009).

Políticas Públicas de Educação e o Ensino de Ciências da Natureza: BNCC e o novo ensino médio(NEM)

O Novo Ensino Médio (NEM) intenciona implementar escolas de Ensino Médio (EM) em tempo integral com previsão de ser efetivado , em todo
Brasil, a partir do ano letivo de 2022 com a ampliação da carga horária, de acordo com a Lei nº 13.415, de 16 de fevereir o de 2017 (BRASIL,
2017).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB de 1996, sofreu alterações para absorver o NEM, principalmente a partir da Seção IV, Art. 35
(BRASIL, 1996); tendo quatro áreas de conhecimento/itinerários formativos: Linguagens e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias,
Ciências da Natureza e suas tecnologias e Ciências Humanas e Sociais aplicadas.
Entretanto, no Art. 36 da LDB são elencados os arranjos curriculares do Art. 35, e acrescentado a ‘Formação técnica e profissional’. Logo, há cinco
áreas de conhecimento. As cinco áreas de conhecimento supracitadas estão na Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, nomeadas como
itinerários formativos.
Para Cássio e Catelli Jr. (2019), a BNCC é uma política de centralização curricular que se tornou o epicentro das políticas educacionais, controlando
o trabalho docente, pois a BNCC direciona o professor a abordar assuntos que serão foco das avaliações, o Sistema de Avaliação da Educação
Básica (Saeb).
Para o NEM ser aprovado, o EM foi primeiramente “demonizado” para a sociedade, considerando que não é este o modelo que os es tudantes
desejam para si, sendo necessária uma “mudança” (LIMA-FILHO, 2019). A mudança no EM veio com o NEM, com as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2018a), com a BNCC (BRASIL, 2018b) e com as referências para elaboração dos itinerários formativos
(BRASIL, 2018c).
Para Cássio e Catelli Jr, “a ênfase maior recaía na inadequação dos currículos e no desestímulo que este EM tradicional gerav a para a permanência
dos estudantes” (2019, p. 48). Com esse discurso, o NEM foi aprovado.
Moura; Camel e Guerra (2020) discutem a importância em ensinar Ciências para os estudantes da educação básica e alertam que e studantes de
diferentes classes sociais podem vir a precisar de um currículo mais contextualizado. Os autores problematizam a normatividade do currículo por
conta das avaliações e afirmam que a BNCC apresenta um currículo homogeinizante e centralizador preocupado com avaliações, sem possibilitar
maior liberdade ao professor da escola pública.
Apontam que o conhecimento da Ciência deve ser integral e não memorístico e sim, seu ensino deve ser capaz de permitir aos es tudantes sua
criticidade e entendimento em diversos contextos.
Para Silva e Boutin (2018) o NEM e a BNCC foram aprovadas com rapidez e em resposta às pressões dos interesses privados. No N EM há
claramente a necessidade de se ter um EM integral, mas esse ensino integral não é qualitativo, ou seja, deseja-se que os estudantes permaneçam
mais tempo no colégio, na educação formal para transmitir conhecimentos e valores da classe dominante, legitimando-os.
Süssekind (2019) afirma que as reformas atuais para a educação básica desumaniza o trabalho docente quando declara a BNCC com o o currículo
a ser seguido. E tanto o NEM quanto a BNCC ‘subalternizam’ os estudantes já que os tratam como objetos da aprendizagem.
Ainda com a autora, “a BNCC e a reforma do EM possuem vínculos inseparáveis com os testes externos padronizados, o material d idático
apostilado e uniformizado, a formação de professores com caráter general-tecnicista” (SÜSSEKIND, 2019, p. 100).
O currículo escolar é alterado por cada governante, por cada poder e classe hegemônica preponderante. A população que depende da escola pública
é a que mais sofre com os desafios apresentados e a falta de continuidade nas políticas públicas educacionais (BARBOSA, 2018). A atual alteração
é o NEM com a legitimação da BNCC.

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