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Guimarães, R. S.; Vergueiro, V.; Marcos, M. A. de & Fortunato, I. (org.).

Gênero e cultura: perspectivas formativas vol. 2


São Paulo: Edições Hipótese, 2018.
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Capítulo 04 – ANÁLISE DA PERCEPÇÃO DE ALUNOS COMO FORMA DE
PENSAR PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM EDUCAÇÃO SEXUAL

Bruno Tavares
Gabriela Rodrigues
Ísis Mello
Kathleen Yasmin de Almeida
Monique Gonçalves d’Avilla
Renato Hajenius Aché de Freitas
Thaís Leal Silva
Vitória Vogel Dal Bosco

Entre os séculos XVI a XIX, surgiram inúmeros “discursos do sexo”, advindos


das mais diversas instituições como a igreja, ciência e o direito, os quais produziam
“verdades” acerca das sexualidades. Esses discursos serviam a um propósito de
normatização e regulação da sexualidade, e por consequência, das pessoas
(Foucault, 1984). Já no século XX, esses discursos regulatórios foram questionados,
principalmente com a insurgência das lutas feministas nos anos 60. Contrapondo
essas “verdades” bem estabelecidas, essas teorizações feministas iniciaram o uso
do conceito de gênero, como forma de desnaturalização da categoria mulher, a qual
era inferiorizada sob justificativas essencialistas (Simião, 2005). No cenário
brasileiro, entretanto, o termo gênero começou a ser discutido em trabalhos
acadêmicos apenas nos anos 80 (Pedro, 2005).
Ainda no século XX, Katz (1986) se contrapõe aos discursos essencialistas de
gênero e sexualidade, apontando que tais categorias são influenciadas por fatores
biopsicossociais, ou seja, ao analisá-los é necessário levar em conta suas
características biológicas, psicológicas e sociais. Por serem categorias
multidimensionais, são comuns disputas acerca da produção de “verdades” sobre
gênero e sexualidade dentro dessas diversas áreas de conhecimento, entretanto:

Ainda que teóricas e intelectuais disputem quanto aos modos de


compreender e atribuir sentido a esses processos, elas e eles
costumam concordar que não é o momento do nascimento e da
nomeação de um corpo como macho ou como fêmea que faz deste
um sujeito masculino ou feminino. A construção de gênero e da
sexualidade dá-se ao longo de toda a vida, continuamente,
infindavelmente (Louro, 2008, p. 18).

As disputas entre as ciências humanas e ciências biológicas também marcam


a história dos conceitos de corpo, gênero e sexualidade. As ciências humanas
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buscam combater os determinismos biológicos acerca de tais conceitos,
reivindicando a “formulação de interpretações que não levassem em conta apenas
aspectos biológicos, tidos como naturais e imutáveis” (Senkevics, Polidoro, 2012, p.
16). Da mesma forma, a biologia contrapõe ideias totalizantes de que as categorias
de gênero e sexualidade são construídas apenas socialmente.
Segundo Fernandes (2009), o ser humano pode ser concebido tanto como um
corpo biológico, como um corpo social. Dessa forma, fica claro que nenhuma dessas
áreas de forma isolada detém todas as “verdades” acerca desses corpos. Por isso,
enfatiza-se aqui a importância de enxergar essas categorias de corpo, gênero e
sexualidade partindo de uma visão mais interdisciplinar e integradora dos
conhecimentos. Só assim, colocando todas suas dimensões em jogo, é que se pode
construir um conhecimento mais amplo e efetivo, que toque em diversos aspectos
da condição humana.

Os (des)caminhos da Educação Sexual no Brasil


No Brasil, as primeiras experiências voltadas à educação em sexualidade
remontam ao início do século passado. Isso fica claro, por exemplo, quando “no ano
de 1922, o importante intelectual e reformador educacional brasileiro, Fernando de
Azevedo, respondeu a um inquérito promovido pelo Instituto de Higiene da
Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo sobre educação sexual” (César,
2009, p. 40). Ainda em 1933, criou-se o periódico Boletim, o qual foi preconizado
pelo Círculo Brasileiro de Educação Sexual. Essas iniciativas foram marcos até certo
ponto positivos, ao pautar a sexualidade na escola; entretanto isso era feito de modo
preventivo, higienista e como forma de moralizar as questões de sexualidade
(César, 2009). Ainda sobre as incipientes tentativas de se implantar a educação
sexual no Brasil:

Uma primeira iniciativa de incluir a Educação Sexual num currículo


escolar data de 1930, no Colégio Batista do Rio de Janeiro, cuja
experiência prosseguiu por vários anos, até que em 1954, o professor
responsável foi processado e demitido do cargo (Figueiró, 1998, p.
124).

Após a década de 60, mesmo com a insurgência dos movimentos feministas,


gays e lésbicos pelo mundo, o Brasil retornou aos modelos conservadores e
moralizantes, devido à tomada do poder pelos militares, em 1964. Dessa forma, não

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foi dada continuidade às primeiras experiências em educação sexual dos anos 20 e
30. Isso porque:

Como a ditadura impôs um regime de controle e moralização dos


costumes, especialmente decorrente da aliança entre os militares e o
majoritário grupo conservador da igreja católica, a educação sexual foi
definitivamente banida de qualquer discussão pedagógica por parte do
Estado e toda e qualquer iniciativa escolar foi suprimida com rigor
(César, 2009, p. 41).

Com a redemocratização do Brasil no início dos anos 80, a educação sexual


começou a ser redescoberta pelos jovens, que começavam a formar outros valores
a seu respeito (Pinheiro, 1997), que não necessariamente aqueles voltados ao
projeto de família nuclear tradicional. Em tal década, a disseminação de HIV/AIDS
reacendeu o debate acerca de sexualidade e, mais especificamente, da educação
sexual. Isso porque esse espaço se configurou enquanto um mecanismo de frear os
avanços dessa e de outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), além de
auxiliar na redução dos casos de gravidez na adolescência, comuns à época.
Por todos esses fatores mencionados anteriormente, o início dos anos 90
caracterizou-se como um período onde

[...] o discurso da sexualidade nas escolas brasileiras foi


definitivamente colonizado pela ideia de saúde e prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez na adolescência,
tomadas como sinônimo de problema de saúde física e social. O tema
da prevenção foi assumido de maneira tão definitiva que os programas
estabeleceram uma conexão direta com outro problema que deveria
ser debelado no interior da instituição escolar, isto é, o uso de drogas.
Assim, projetos como prevenção de DST/AIDS, gravidez e uso de
drogas foram desenvolvidos com base na ideia de prevenção como
paradigma do discurso sobre a educação sexual (César, 2009, p. 42).

Contrapondo essa ideia preventiva e higienista de educação sexual, no fim


dos anos 90, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os
quais colocavam a educação sexual no eixo de temas que deveriam ser tratados nas
escolas de forma transversal. Esses temas transversais, ao contrário dos temas
comuns, requerem um tratamento multifacetado e multidisciplinar, dada sua
complexidade social (Brasil, 1997). Entretanto, a não obrigatoriedade desses PCN
fez com que o tratamento das questões sugeridas nem sempre ocorresse da forma
estabelecida no documento. Tal fato foi verificado em pesquisas que mostraram a

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não efetivação dos PCN em relação à transversalidade da educação sexual (Da
Silva, Neto, 2006; Alencar et al., 2008; Lira, Jofili, 2010).
As temáticas de sexualidade, ao contrário do que é preconizado pelos PCN,
que seria seu tratamento transversal, são restritas às disciplinas de ciências e
biologia (Quirino, Rocha, 2012, 2013; Coelho, Campos, 2015). Desse modo, são
retirados os fatores culturais, sociais e até políticos de sua discussão, favorecendo
um discurso reducionista e que, muitas vezes, mantém inúmeros preconceitos aos
que escapam às normas de gênero e sexualidade. Inclusive, esse preconceito pode
se tornar um importante mecanismo de redução do desempenho escolar e até
resultar em evasão escolar (Miranda, 2013).

Extensão em Educação Sexual no PET/Biologia/UFSC


Face ao exposto, fica claro que nos dias de hoje ainda não está garantido o
tratamento efetivo da educação sexual nas escolas. E, como um projeto de
Extensão Universitária que busca atender aos anseios da sociedade, vemos que é
grande a demanda por essa temática nas escolas públicas. O projeto de Extensão
em Educação Sexual faz parte do Programa de Educação Tutorial - PET- dos cursos
de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina. Esse se
constitui, portanto, em uma modalidade acadêmica que tem sérios compromissos
epistemológicos, pedagógicos, éticos e sociais (MEC, 2006). Dentro dessa lógica,
vale ressaltar que nossas ações são pensadas de modo a contemplar as várias
facetas dos estudos de gênero e sexualidade, não se restringindo aos
conhecimentos biológicos.
Ademais, ancorados na Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, buscamos
fazer o ensino de forma dialógica e problematizadora em consonância com as
realidades dos alunos. No método Paulo Freire de alfabetização de adultos, a fase
inicial do processo consiste em conhecer o “universo vocabular” da população a ser
alfabetizada, para utilizar aquelas palavras com as quais os educandos têm certa
familiaridade (Brandão, 1981). Tal pesquisa inicial é de suma importância, uma vez
que o educando terá maior facilidade de compreender conteúdos que se mostrem
cotidianos a ele, o que possibilitará a leitura de sua realidade de forma a se
posicionar criticamente em relação a ela. Nesse sentido, torna-se necessário avaliar
a concepção de uma população, como forma de conseguir nortear os

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posicionamentos de ensino-aprendizagem que melhor conversem com suas
realidades.
Desse modo, a presente pesquisa teve como objetivo principal mostrar a
apreensão da percepção trazida pelos alunos acerca de gênero e sexualidade,
através da aplicação de um questionário diagnóstico. Além disso, buscou-se refletir
acerca de nossa prática enquanto um projeto de extensão, apontando alternativas
pedagógicas ao modelo biologizante e prescritivo de tratar Educação Sexual. Por
fim, esperamos que nossas experiências aqui relatadas sirvam como inspiração para
outras empreitadas educacionais, tanto a respeito de gênero e sexualidade, quanto
em outros enfoques.

Percurso Metodológico
A abordagem didático-pedagógica de nosso grupo segue princípios
freireanos, em que a educação é pensada de forma dialógica e problematizadora,
alcançando-se assim, uma visão crítica da realidade, levando à libertação dos
indivíduos (Freire, 2016). Na abordagem de Paulo Freire:

[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto


educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado,
também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que
crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem
(Freire, 2016, p. 120).

Para tanto, na presente pesquisa, objetivou-se diagnosticar, através de um


questionário, a concepção prévia dos alunos acerca de questões envolvendo gênero
e sexualidade. O uso do questionário como forma de conhecer o posicionamento
quanto à temática já se mostrou eficiente em estudos anteriores (Miranda, Freitas,
Silva, 2015; Oliveira et al., 2017). Esse primeiro ato de conhecer o “universo” dos
participantes antes de iniciar de fato a construção conjunta do conhecimento,
auxiliou na preparação das aulas que foram ministradas posteriormente.
A partir dessas respostas foi possível elaborar uma programação de 4 horas
que procurou atender os pontos mais carentes que os alunos apresentaram nos
questionários. Sendo assim, tratou-se de três grandes temas: gênero, sexualidade e
ditadura da beleza, que foram trabalhados de formas dinâmica e integradora,
fugindo do padrão de aula tradicional. Ademais, cada aula foi ministrada por três
membros do grupo de Sexualidade na Escola e na Universidade, para jovens de 16-

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21 anos do CIEE (Centro de Integração Empresa-escola de Santa Catarina). O
Centro atende jovens que estejam regularmente matriculados em instituições de
ensino particular ou pública, cursando ensino médio, educação profissional, ensino
superior ou educação especial.
Um total de 72 alunos participou da pesquisa, sendo 43 do sexo feminino e 29
do sexo masculino1. Como forma de facilitar as posteriores análises dos
questionários, foi utilizado um sistema de marcação composto pela letra inicial do
sexo do indivíduo somado a um número. Por exemplo: o primeiro questionário do
sexo masculino recebeu o código M1, o segundo M2, e assim por diante. Ao fim,
formaram-se os códigos de identificação de M1 a M29 e F1 a F43.
A natureza da pesquisa aqui empreendida se caracteriza enquanto quali-
quantitativa. Primeiramente, utilizou-se a metodologia de Análise do Conteúdo
(Bardin, 1977) como forma de nortear a leitura e interpretação das respostas dadas
pelos alunos ao questionário aplicado. Tal análise segue uma ordenação:

É na descrição que se explora o texto na medida em que o mesmo


vai sendo desconstruído. Feito isso, parte-se para a etapa da
categorização, momento em que, seguindo certos critérios definidos
pelo analista, o texto é novamente reconstruído. Após a categorização,
parte-se para a inferência. É neste momento que se atribui, por meio
de deduções lógicas e justificadas, significado ao discurso (Santos,
Dalto, 2012, p. 3).

Após a formação de categorias, de acordo com as respostas de cada


pergunta, foi feita a quantificação dessas categorias para revelar padrões
preponderantes dentro de cada questão. As análises foram testadas
estatisticamente pelo método de Goodman, onde o G calculado é menor que o G
crítico, dando validade para as afirmações.
Entre as dinâmicas feitas em sala de aula, cabe destacar aqui a Dinâmica da
Bola, realizada como forma de introduzir o debate sobre estereótipos de gênero com
a turma. A dinâmica consiste em uma prática na qual os alunos ficam em círculo, e
do seu centro, um integrante do grupo de professores arremessa a bola para um
aluno de cada vez, e fala a palavra “Menina” ou “Menino”. Então, o aluno deverá
falar rapidamente algum objeto ou atividade relacionada à palavra. Tal dinâmica foi

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Uma das limitações percebidas após a aplicação dos questionários foi o fato de não termos feito um
recorte quanto à orientação sexual e identidade de gênero dos alunos, de modo a relacioná-las com
nossas análises.

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escolhida como ilustrativa de nosso trabalho, devido à sua potencialidade em
mostrar convicções e preceitos não formulados pelos alunos – levando-se em conta
a rapidez do processo–, mas que fazem parte de seus valores interpessoais.

Resultados e Discussão

a) Biologização2 das categorias Mulher/Homem


A categoria preponderante formada a partir das respostas dos alunos (M=
33% e F= 33%) às perguntas “O que é uma mulher?” e “O que é um homem?”,
associa diretamente essas categorias ao sexo biológico. Como forma de ilustrar
essa questão, destacou-se abaixo algumas frases escritas pelos alunos:

“definidos pelos órgãos genitais” (F10).


“o que compreendemos biologicamente” (F17).
“uma pessoa com sexo feminino [...] uma pessoa com sexo masculino [...]”
(F37).
“conforme os órgãos sexuais” (M13).
“definidos biologicamente” (M17).

Essa naturalização pode ser explicada se levarmos em consideração que na


educação básica as disciplinas de ciências e biologia dominam o tratamento das
questões de gênero e sexualidade (Quirino, Rocha, 2013; Louro, 2001; Altmann,
2005). Tal fato, somado à deficiente formação (inicial e continuada) dos professores
dessas disciplinas em gênero e sexualidade (Da Silva, Neto, 2006), acaba
resultando na exclusão das dimensões socioculturais e políticas dessas questões
(Campos, 2015).
As respostas essencialistas reproduzidas pelos alunos reforçam ainda a não
efetividade da proposta transversal da educação sexual preconizada nos PCN. Esse
fato está de acordo com inúmeras pesquisas anteriores que colocam a não
efetividade dos PCN em relação à sua transversalidade (Da Silva, Neto, 2006;
Alencar et al., 2008; Lira, Jofili, 2010).

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O termo “biologização” está sendo utilizado no sentido de uma explicação única através de
conhecimentos biológicos.

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b) Equidade de Gênero
Em relação às questões 3 e 4: “Quais profissões são para mulheres?” e
“Quais profissões são para homens?”, a maioria das respostas (F= 86% e M= 86%)
evidenciou que as profissões não estão necessariamente ligadas ao gênero, ou seja,
não existem profissões que só os homens ou só as mulheres podem exercer.
A maioria das respostas na questão 5 (F= 85,7% M= 89,6%): “Quais cores
são para meninos e quais cores são para meninas?”, apontam para a concepção de
que não deve-se associar cores aos gêneros, sendo que ambos podem explorar
todas as cores. Essa quebra de estereótipo das cores contrapõe a polarização: azul
para meninos e rosa para meninas, que é reconhecidamente reafirmada no espaço
escolar, inclusive nos materiais e livros didáticos (Duarte, Reis, Sá-Silva, 2017).
Ao responderem a questão 6: “Quais são os comportamentos para mulheres
e para homens?”, grande parte dos alunos (F= 67,4% M= 62%), afirmou,
novamente, o discurso de equidade entre os gêneros, onde o comportamento de
uma pessoa não deve estar atrelado diretamente ao seu gênero.
Assim como nas questões anteriores, as respostas da questão 7: “Qual o
papel do homem e da mulher na família?”, seguiram o discurso de equidade de
gênero (F= 60% M= 67,8%), segundo o qual os alunos expressam, de forma geral,
que não deve existir um papel pré-definido para o homem ou para a mulher na
família.
Após essas análises, chegou-se à conclusão de que a maioria dos alunos se
posicionou em concordância com a equidade de gênero. Assim, criou-se a categoria
“Equidade de Gênero” a qual expressa tal posicionamento levantado pelos alunos,
nos diversos temas trabalhados nas questões: profissões, cores, comportamentos e
papel dos gêneros na família. E, como forma de melhor visualizar a categoria
formada, são apresentadas respostas ilustrativas dos alunos, separadas de acordo
com o tema das questões, as quais evidenciam a formação de tal categoria (tabela
01).

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Tabela 01. Categoria “Equidade de Gênero”, resultado da análise do conteúdo (Bardin,
1977). Os números entre parênteses, logo abaixo dos temas, representam as respectivas
questões.

Os resultados aqui expostos contrapõem achados anteriores que


evidenciaram a presença de estereótipos de gênero nos discursos de alunos
brasileiros e portugueses (Fonseca, Cabecinhas, 2013). Ou seja, esses achados
mostram, mesmo localmente, que é possível causar abalos nas matrizes normativas
de gênero e sexualidade. Curiosamente, em se tratando da Dinâmica da Bola, os
alunos divergiram dos resultados apresentados anteriormente, uma vez que grande
parte deles associou as palavras “Menino” e “Menina” às atividades e objetos
estereotipados dessas categorias. Dessa forma, atividades como futebol, basquete e
outros esportes foram associados à palavra “Menino”, enquanto pintar as unhas e
arrumar o cabelo foi associado à “Menina”.

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c) Práticas Pedagógicas em Educação Sexual: articulando múltiplos discursos
Concordamos com Maio, Oliveira e Peixoto (2018) quando afirmam que a
Educação Sexual ocorre tanto na igreja, quanto na família, mas que cabe à escola
uma abordagem científica sobre essas questões, jogando luz sobre as diversas
formas de vivenciar os gêneros e as sexualidades. Nesse sentido, pode-se afirmar
que:
As ações educativas decorrentes das famílias se distanciam muitas
vezes daquelas emanadas da escola, enquanto a primeira educa
seguindo suas tradições morais e, em sua maioria, religiosas, a
segunda educa sob o viés da ciência [ou assim deveria ser]. Talvez
seja esse um dos motivos que fez com que, ao longo da história, a
escola tivesse se constituído como espaço formal de ensino e
aprendizagem, com competência de discurso fundamentado nas
diversas ciências, se distanciando cada vez mais do senso-comum
(Maio, Oliveira, Peixoto, 2018, p. 53, grifo dos autores)

Como destacado na citação acima, a escola, enquanto espaço formal de


ensino-aprendizagem tem uma grande potencialidade no tratamento às questões de
Educação Sexual. Isso se deve, como relatado pelos autores, à dinâmica de
socialização das diversas ciências na construção do conhecimento. E, é nesse
sentido que ressaltamos a importância dos múltiplos discursos na constituição de
uma Educação Sexual plural e coerente com o espaço formal de educação.
Ainda que façamos parte de um grupo de extensão pertencente ao curso de
Ciências Biológicas, reiteramos a importância da transversalidade da Educação
Sexual (Brasil, 1997; Lira, Jofili, 2010), como possibilidade da construção dessas
“múltiplas vozes”, evitando discursos únicos e totalizantes. Só assim, com
articulações de múltiplos discursos, será possível superar uma visão biologizante da
Educação Sexual.
Dessa forma, pensar práticas pedagógicas em Educação Sexual deve passar
necessariamente pela apropriação de discursos biológicos, psicológicos e sociais
(Senkevics, Polidoro, 2012; Maio, Oliveira e Peixoto, 2018), para que as questões de
corpo, gênero e sexualidade, sejam vislumbradas em toda sua complexidade. Tendo
isso em vista:

Se a temática sexualidade for tratada com responsabilidade, discutida


nas instâncias do corpo biológico, psicológico e social, podem se
esperar resultados surpreendentes, visto que desconstroem tabus e
preconceitos que calam, ensurdecem e cegam a sociedade (Maio,
Oliveira, Peixoto, 2018, p. 59)

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Considerações Finais
Como forma de apreender os principais significados e concepções dos alunos
em relação à temática de gênero e sexualidade, valemo-nos de um questionário
diagnóstico. E, utilizando como referencial metodológico, a análise do conteúdo
(Bardin, 1977), as respostas dos alunos ao questionário foram analisadas e
interpretadas, gerando assim, as principais concepções dos alunos acerca do tema
pesquisado.
Em relação às duas primeiras questões, referentes às categorias de homem e
mulher, notou-se que o discurso biologizante e essencialista de gênero preponderou
nas respostas dos alunos. Desse modo, a preparação das aulas de gênero que
foram ministradas, foi orientada levando em conta essa dificuldade dos alunos em
enxergar a categoria de forma multifatorial (biológica, psicológica, social).
Em relação às análises das questões posteriores, evidenciou-se um sentido
de equidade de gênero presente nas respostas da maioria dos estudantes.
Entretanto, na sala de aula, ao realizarem a Dinâmica da Bola, a maioria deles
associou ações e objetos estereotipados em relação às palavras “Menina” e
“Menino”. Tal fato evidencia um possível enraizamento de sentidos estereotipados
nos alunos, os quais só os expuseram quando tiveram que responder de forma
rápida.
Levando em conta tudo o que apontamos acima, reiteramos a importância de
se construir uma Educação Sexual que, para além de informações preventivas e
higienistas, abarque também os vários aspectos da sexualidade humana. E,
retomando a reflexão sobre as práticas pedagógicas em Educação Sexual na
atualidade, reiteramos a importância da articulação dos múltiplos discursos para se
alcançar um entendimento efetivo das questões de corpo, gênero e sexualidade em
suas diferentes dimensões (bio-psico-sociais), superando um reducionismo à
biologia.
Por fim, vale ressaltar que, como no passado, a educação sexual hoje pode
ser encarada enquanto um espaço de resistência à onda conservadora que impera
no Brasil e no mundo. Essa que se materializa por meio de ataques à educação, e
especificamente às pautas concernentes aos estudos de gênero e sexualidade,
resultando na retirada de termos como “gênero” e “orientação sexual” de importantes
documentos educacionais brasileiros (Santos, 2017). Assim, fica evidente a
necessidade da criação de espaços de discussão sobre a temática de gênero e

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sexualidade, e inclusive de resistência aos ataques conservadores em relação aos
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