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O nazismo era um movimento de esquerda


ou de direita?
Camilla Costa
Da BBC Brasil em São Paulo

7 maio 2017

GETTY IMAGES

Em meio a crise econômica e política na Alemanha, nazismo trazia ideia de "revolução social". mas
só para os "arianos"

"Cara, cai na real! Ser de esquerda é ser a favor de milhares de mortes causadas pelo
comunismo e nazismo no mundo. Reflita!", diz uma mensagem de janeiro no Twitter. "O
socialismo/comunismo é uma ideologia de esquerda irmã do nazismo", diz outra do final de
abril. Outro participante da rede social pergunta: "Quantas pessoas será que estão em
grupos de libertários no Facebook discutindo se nazismo é esquerda ou direita neste exato
momento?".

A discussão sobre se o movimento nazista alemão - cujo governo matou milhões de pessoas
e levou à Segunda Guerra Mundial - teria as mesmas origens do marxismo ferve nas redes
sociais há alguns meses, com a crescente polarização do debate político no Brasil.

Mas historiadores entrevistados pela BBC Brasil esclarecem o que dizem ser uma "confusão
de conceitos" que alimenta a discussão - e explicam que o movimento se apresentava como
uma "terceira via".

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"Tanto o nazismo alemão quanto o fascismo italiano surgem após a Primeira Guerra Mundial,
contra o socialismo marxista - que tinha sido vitorioso na Rússia na revolução de outubro de
1917 -, mas também contra o capitalismo liberal que existia na época. É por isso que existe
essa confusão", afirma Denise Rollemberg, professora de História Contemporânea da
Universidade Federal Fluminense (UFF).

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"Não era que o nazismo fosse à esquerda, mas tinha um ponto de vista crítico em relação ao
capitalismo que era comum à crítica que o socialismo marxista fazia também. O que o
nazismo falava é que eles queriam fazer um tipo de socialismo, mas que fosse nacionalista,
para a Alemanha. Sem a perspectiva de unir revoluções no mundo inteiro, que o marxismo
tinha."

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O projeto do movimento nazista, segundo Rollemberg, previa uma "revolução social para os
alemães", diferentemente do projeto dos partidos de direita da época, "que vinham de uma
cultura política do século 19, de exclusão completa e falta de diálogo com as massas".

Mesmo assim, ela diz, seria complicado classificá-lo no espectro político atual. "Eles
rejeitavam o que era a direita tradicional da época e também a esquerda que estava se
estabelecendo. Eles procuravam se mostrar como um terceiro caminho", afirma.

REPRODUÇÃO TWITTER
REPRODUÇÃO TWITTER

Nacionalismo
A ideia de uma "revolução social para a Alemanha" deu origem ao Partido Nacional-Socialista
alemão, em 1919. O "socialista" no nome é um dos principais argumentos usados nos
debates de internet que falam no nazismo como um movimento de esquerda, mas
historiadores discordam.

"Me parece que isso é uma grande ignorância da História e de como as coisas aconteceram",
disse à BBC Brasil Izidoro Blikstein, professor de Linguística e Semiótica da USP e
especialista em análise do discurso nazista e totalitário.

"O que é fundamental aí é o termo 'nacional', não o termo 'socialista'. Essa é a linha de força
fundamental do nazismo - a defesa daquilo que é nacional e 'próprio dos alemães'. Aí entra a
chamada teoria do arianismo", explica.

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A mística fascista que admirava Hitler e que está sendo 'ressuscitada' pela extrema-
direita

De acordo com Blikstein, os teóricos do nazismo


procuraram uma fundamentação teórica e
filosófica para defender a ideia de que eles eram Podcast
descendentes diretos dos "árias", que seriam uma
espécie de tribo europeia original.

"Estudiosos na Europa tinham o 'sonho da raça


pura' nessa época. Quanto mais próximos da
tribo ariana, mais pura seria a raça. E esses
teóricos acreditavam que o grupo germânico era
o mais próximo. Daí surgiu a tese de que, para
serem felizes, tinham que defender a raça ariana,
para ficar longe de subversões e decadência.
(Alegavam que) a raça pura poderia salvar a
humanidade."

A ideia de uma defesa do povo germânico


BBC Lê
ganhou popularidade em um momento de perda
de territórios, profunda recessão e forte inflação A equipe da BBC News Brasil lê para você
após a Primeira Guerra Mundial - e tornou-se o algumas de suas melhores reportagens
centro do movimento nazista. Episódios

"Era preciso recuperar a moral do pobre coitado,


que não tinha dinheiro e era 'massacrado pelos capitalistas'", explica Blikstein. Nesse
contexto, afirma, o nazismo vendia a ideia de "reeguer o orgulho da nação ariana. O
pressuposto disso seria eliminar os não arianos. E essa teoria foi aplicada até as últimas
consequências".

GETTY IMAGES

Segundo especialistas, judeus eram perseguidos por simbolizarem dois "inimigos" do nazismo: o
capitalismo liberal e o socialismo marxista

'Marxistas e capitalistas'

Mesmo propagando a ideia de que o nazismo planejava uma revolução social na Alemanha -
o que incluía, por exemplo, maior intervenção do Estado na economia -, o partido fazia
questão de deixar clara sua oposição ao marxismo.

"Os comícios hitleristas eram profundamente antimarxistas", disse à BBC Brasil a


antropóloga Adriana Dias, da Unicamp, que é estudiosa de movimentos neonazistas.
"O nazismo e o fascismo diziam que não existia a luta de classes - como defendia o
socialismo - e, sim, uma luta a favor dos limites linguísticos e raciais. As escolas nacional-
socialistas que se espalharam pela Alemanha ensinavam aos jovens que os judeus eram os
criadores do marxismo e que, além de antimarxistas, deveriam ser antissemitas."

Os judeus, aliás, tornaram-se o ponto focal da perseguição nazista porque representavam


tanto o socialismo como o capitalismo liberal, mesmo que isso possa parecer antagônico nos
dias de hoje.

"Havia uma simbologia do judeu como representante, por um lado, do socialismo


revolucionário - porque Marx vinha de uma família judia convertida ao protestantismo, assim
como muitos bolcheviques", diz a historiadora Denise Rollemberg.

"Por outro lado, os judeus eram associados ao capitalismo financeiro porque os judeus
assimilados (que assumiram as culturas de outros países, para além da nação religiosa) que
viviam na Europa tinham uma tradição de empréstimos de dinheiro e de negócios."

'Precisão científica'
A "precisão científica" do extermínio de judeus na Alemanha nazista também dificulta as
comparações com a perseguição política no regime socialista soviético, na opinião de Izidoro
Blikstein.

"Há muitos genocídios pelo mundo, mas nenhum igual ao nazismo, porque este era
plenamente apoiado por falsa teoria científica e linguística e levada até as últimas
consequências. A União Soviética também tinha campos de trabalhos forçados, mas não
existia uma doutrina para justificar isso", afirma.

"Mas há traços comuns entre o nazismo o regime (soviético) de Stálin. A propaganda, por
exemplo, e o fato de que ambos eram regimes totalitários, que controlavam e legislavam
sobre a vida pública e também privada do cidadão", admite.

Além dos judeus, o regime nazista também perseguiu democratas liberais, socialistas,
ciganos, testemunhas de Jeová e homossexuais - algo que, hoje, contribui para que o
nazismo seja classificado como extrema-direita, e o aproxima de grupos que pregam contra a
comunidade LGBT, contra imigrantes e contra muçulmanos, por exemplo.

"Todo esse projeto de repressão, censura, campos de concentração e extermínio nazista era
direcionado a quem estava fora do que eles chamavam de 'comunidade popular', o povo
alemão. Mas alemães que eram democratas liberais e socialistas também eram excluídos por
serem contrários ao projeto nazista e colocarem em risco essa comunidade popular", explica
Denise Rollemberg.
No entanto, para Blikstein, a ideia de raça é tão central ao nazismo que, assim como não se
pode usar o projeto de revolução social para classificá-lo como "esquerda", também é difícil
defini-lo como a "direita" que conhecemos hoje.

"Dizer apenas que Hitler era um político de direita é apequenar o nazismo. Foi mais do que
direita ou esquerda. Foi uma doutrina arquitetada para defender uma raça, embora esse
conceito seja discutível e pouco científico", diz.

REPRODUÇÃO TWITTER

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'Crise de referências'
Uma recapitulação do projeto e do regime nazista, de acordo com os especialistas no
assunto, aumenta a confusão: deveria haver igualdade social e distribuição de renda, mas
imigrantes, judeus, opositores políticos e até filhos "não talentosos" de alemães seriam
excluídos dela por serem "menos puros"; o Estado prometia interferir mais na economia para
benefício dos cidadãos, mas empresas privadas tiveram os maiores lucros com a máquina de
extermínio e de guerra nazista; o movimento dizia defender os trabalhadores, mas sindicatos
trabalhistas foram extintos, assim como o direito de greve; o socialismo marxista era
considerado ruim, mas o liberalismo também.

Como seria possível defender todas estas ideias ao mesmo tempo?

"Quando o partido foi constituído, ele tinha uma vertente mais à esquerda e uma mais à
direita. No início, tinha um discurso bastante antiburguês. Mas ao assumir o poder na
Alemanha, o grupo à direita foi fazendo mais alianças com a burguesia e expulsando o grupo
à esquerda", diz a historiadora da UFF.

"Além disso, o nazismo nasce no meio de uma crise de referências muito grande após a
Primeira Guerra. Muitos passaram de um lado para outro. Os valores muitas vezes vão se
embaralhar, e esses conceitos de direita e esquerda atuais não resolvem bem o problema."

Entre historiadores, a tentativa de traçar paralelos entre o nazismo e o fascismo europeus e o


regime stalinista na União Soviética também não é nova, segundo Rollemberg.

"Todos eles eram regimes totalitários, mas o totalitarismo pode estar de qualquer lado. Hoje
entendemos que há o totalitarismo de direita, como o nazismo e o fascismo, e o de esquerda,
como o da União Soviética."

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