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SEMINÁRIO TEOLÓGICO BETEL BRASILEIRO

GLAUCIA LÚCIA DA SILVA SANTOS

NO PRINCÍPIO ELE ERA A PALAVRA


EXEGESE DO EVANGELHO DE JOÃO 1.1-5

NITERÓI
2024
Glaucia Lúcia Da Silva Santos

NO PRINCÍPIO ELE ERA A PALAVRA


EXEGESE DO EVANGELHO DE JOÃO 1.1-5

NITERÓI
2024
Glaucia Lúcia Da Silva Santos

NO PRINCÍPIO ELE ERA A PALAVRA


EXEGESE DO EVANGELHO DE JOÃO 1.1-5

Trabalho apresentado em ____/____/______

Niterói – Rio de Janeiro

Conceito: ____________________

Assinado: _____________________________
Rafael Ribeiro – Me. Professor

NITERÓI
2024
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, expresso minha gratidão a Deus por orientar meu caminho e por
me proporcionar coragem e discernimento ao longo de toda a minha trajetória
acadêmica.

A gratidão é imensa pela dedicação, carinho e estímulo incessante que recebi da


minha família ao longo do tempo. Sem a presença deles, alcançar tudo isso não seria
viável.

Expresso minha gratidão aos docentes e tutores que, de forma generosa, partilharam
seu saber, paciência e guia durante o desenvolvimento deste projeto. Seu auxílio foi
essencial para o meu desenvolvimento tanto acadêmico quanto pessoal.

Para concluir, quero expressar minha gratidão a todos que, de alguma maneira,
colaboraram para que este projeto chegasse ao fim, direta ou indiretamente. Cada
gesto de ajuda e encorajamento foi essencial para a finalização deste trabalho.

Agradeço imensamente!
Sumário
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 6
2 JUSTIFICATIVA PARA A ESCOLHA DO TEXTO................................................6
2.1 Aproximação ao texto e ao contexto ............................................................. 8
2.1.1 Comparativo das versões em português ........................................................ 8
2.1.2 Contexto histórico........................................................................................... 9
2.1.3 Contexto cultural ............................................................................................ 9
2.2 Análise literária .............................................................................................. 10
2.2.1 Delimitação do texto ..................................................................................... 11
2.2.2 Estrutura do texto ......................................................................................... 12
2.2.3 Análise do gênero literário ............................................................................ 14
2.2.4 Análise redacional ........................................................................................ 15
2.3 Comentário exegético ................................................................................... 16
2.3.1 No princípio era a Palavra... ......................................................................... 18
2.3.2 Ele estava com Deus... ................................................................................ 19
2.3.3 Todas as coisas foram feitas... ..................................................................... 19
2.3.4 Nele estava a vida... ..................................................................................... 19
2.3.5 A luz resplandece nas trevas... .................................................................... 20
2.4 Análise teológica ............................................................................................ 20
3 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 23
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 25
1. INTRODUÇÃO

A presente exegese abordará a perícope do Evangelho de João 1.1-5,


objetivando atender aos requisitos interpretativos do texto bíblico, e constitui-se na
apresentação dos resultados de uma pesquisa textual amparada por pesquisas em
fontes bibliográficas.
A abertura do quarto Evangelho é envolvente e enigmática. Difere-se dos
demais por apresentar características estritamente teológicas. A exegese abordará a
divindade de Jesus (Jesus é Deus?) e levará o leitor a questionar-se, e gerará
reflexões filosóficas e existenciais sobre seu ser e o divino.
O propósito é relatar sobre a maior grandeza que existe no mundo, sobre aquilo
que é a única magnitude realmente grande e importante, Jesus Cristo, seu viver, falar,
atuar, sofrer, morrer e ressurgir. O presente relato deverá mostrar à igreja, crente em
Jesus, toda a glória dEle, para fortalecer, purificar e aprofundar sua fé.
João deixa de lado tudo o que Mateus e Lucas informam sobre o nascimento e
a infância de Jesus. Isso já é do conhecimento geral dos exegetas e estudantes da
Bíblia. E, por si só, ainda não é o essencial e decisivo que precisa ser dito sobre o
mistério da pessoa de Jesus.
Logo no início de seu escrito, João visa dirigir o olhar de seus leitores
justamente para esse mistério, para que compreendam de maneira correta tudo o que
é relatado sobre Jesus.
Portanto, pensar sobre a divindade é de um caráter imanente à vida do ser
humano. Refletir sobre o Criador, seu modo de governo e as características de Seu
ser são pontos relevantes e que fizeram parte da História. E por este viés, surgem as
questões: Por que o evangelista escolheu este tema e esta abordagem para iniciar
seus escritos? Por que é apresentada uma linguagem aparentemente helenista para
tratar deste assunto? O que seria do cristianismo sem a revelação de Jo 1.1-5?
2. JUSTIFICATIVA PARA A ESCOLHA DO TEXTO
A exegese tem por objetivo os estudos sobre esta passagem, que ainda é
motivo de divergências entre os estudiosos. Ao mesmo tempo em que esta perícope
é um dos alicerces apologéticos do cristianismo, algumas seitas a utilizam para
defender heresias que fogem do sentido exato do texto.

“No princípio era o Verbo” apresenta implicações fundamentais para a vida da


Igreja e dos discípulos de Jesus, e o objetivo deste trabalho é analisar tais implicações,
buscando aproximação com o sentido original do texto a fim de entender o seu
contexto, significado primário e teologia.

A metodologia utilizada na presente exegese tem por fundamento o chamado


“Método Gramático-Histórico”, que ressalta a importância do texto e de seu contexto
para a devida interpretação da passagem, valendo-se das contribuições recentes dos
manuais de metodologia exegética.
Foram usadas a obra de Uwe Wegner, “Exegese do Novo Testamento: Manual
de metodologia”, além da obra do renomado e estudioso Wilhelm Egger, em seu livro
“Metodologia do Novo Testamento”, assim como a obra “Metodologia de Exegese
Bíblica”, do exegeta Cássio Murilo Dias Silva. Sobretudo, a análise do bloco textual,
por meio destas obras, que tratam da fidelidade às Escrituras Sagradas, dirige-se até
a sua correta interpretação e a relevante exposição para a edificação dos santos,
tendo como motivação a glória do Senhor Jesus Cristo. Para isso, a partir do texto
grego, nos princípios bíblicos da passagem, a análise pretende aplicá-los aos nossos
dias. Referências completas a estas obras serão feitas no decorrer do trabalho, bem
como na bibliografia.

1. Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος.

No Ἐν princípio ἀρχῇ era ἦν o ὁ verbo, Λόγος, e καὶ o ὁ verbo Λόγος estava ἦν com
πρὸς - τὸν Deus, Θεόν, e καὶ Deus Θεὸς era ἦν o ὁ verbo. Λόγος.

2. οὗτος ἦν ἐν ἀρχῇ πρὸς τὸν θεόν.

Ele οὗτος estava ἦν no ἔν princípio ἀρχή com πρός Deus θεός.


3. πάντα δι’ αὐτοῦ ἐγένετο, καὶ χωρὶς αὐτοῦ ἐγένετο οὐδὲ ἕν. ὃ γέγονεν

Todas as coisas πᾶς foram feitas γίνομαι por intermédio διά dele αὐτός, e καί, sem
χωρίς ele αὐτός, nada οὐδέ do que εἷς foi feito γίνομαι se fez γίνομαι .

4. ἐν αὐτῷ ζωὴ ἦν, καὶ ἡ ζωὴ ἦν τὸ φῶς τῶν ἀνθρώπων·

A vida ζωή estava ἦν nele ἔν αὐτός e καί a vida ζωή era ἦν a luz φῶς dos homens
ἄνθρωπος.

5. καὶ τὸ φῶς ἐν τῇ σκοτίᾳ φαίνει, καὶ ἡ σκοτία αὐτὸ οὐ κατέλαβεν.

A luz φῶς resplandece φαίνω nas ἔν trevas σκοτία, e καί as trevas σκοτία não οὐ
prevaleceram καταλαμβάνω contra ela αὐτός.
Versão em português – Almeida Revista e Atualizada (ARA)

2.1 A delimitação da perícope

2.1.1 Comparativo das versões em português

Nenhuma das versões em português traz diferenças significativas ao leitor.


Porém, há um ponto delicado que é o termo principal de toda a perícope, a expressão
ὁ λόγος (logos), que é traduzida pela ARA e pela ARC como “o Verbo”. Utilizar-se
desta tradução não é um equívoco, mas entendo que a tradução “a Palavra” – como
usado na NVI – estaria mais próxima da tradução literal. Além disso, é o uso mais
comum em todo o Novo Testamento para a expressão grega logos, como
observamos, por exemplo, no conhecido texto de 2Timóteo 4.2: “Prega a palavra
(logos)”.
Apesar disso, a NVI apresenta uma modificação que a desqualifica entre as
demais, embora não seja grave a ponto de interferir na tradução final. Assim, entre a
ARA e ARC, opto pela ARA como a melhor versão. Basicamente, a opção se deu pela
escolha equivocada do termo “e as trevas não a compreenderam” utilizada pela ARC
no final da perícope.
2.1.2 Contexto histórico
O contexto histórico do Evangelho de João está compreendido no período do
Século I dC, na região da Palestina. Entre os elementos relevantes do contexto
histórico para a compreensão desse evangelho estão a atribuição tradicional a João,
um dos discípulos de Jesus, embora a autoria seja objeto de debate acadêmico. A
data de composição geralmente é colocada entre os anos 90 e 110 dC, sendo
considerado o último dos quatro Evangelhos a ser escrito.
A autoria do Evangelho de João é uma questão complexa e debatida. Alguns
eruditos argumentam que o autor poderia ser alguém com uma formação judaica-
helenística, enquanto outros autores defendem que a autoria pode ser mais
profundamente enraizada na tradição judaica.
Aspectos helenísticos (gregos) deste Evangelho, no entanto, militam contra a
correção da tradição primitiva, como o fato de o apóstolo João não ser um
judeu helenista. Além disso, os paralelos com os tratados filosóficos não-
cristãos, conhecidos como “Hermética”, dizem argumentar que certamente
existem paralelos na terminologia, tanto em Philo como em Hermes, mas
esse fator não mostra de forma conclusiva que o autor era um helenista.
Alguns são paralelos semelhantes na literatura judaica de Qumran e as
provas tendem a diminuir a força do argumento helenista (WENHAM, 2009,
p. 1245).

2.1.3 Contextos cultural, político e religioso


Durante algum tempo, a pesquisa crítica pensou em situar o evangelho como
livro de um autor desconhecido numa época bem posterior. Todas as datas mais
tardias foram refutadas, desde que se encontrou no Egito um fragmento de papiro
com algumas frases do capítulo 18 do evangelho de João. Aquele pedacinho de papiro
comprova que o evangelho já estava disseminado no Egito por volta do ano 100.
Consequentemente, deve ter sido escrito o mais tardar no final do Século I. Isso
coincide com a notícia de que a igreja antiga, através de Ireneu de Leão, de que João
teria vivido na Ásia Menor, ou melhor, em Éfeso, até a época de Trajano (98-117 d.C.),
publicando ali o seu evangelho, depois de Mateus, Marcos e Lucas.
No que se refere ao ambiente cultural e religioso, João possui um método
próprio de falar. Seus conceitos e suas figuras, sua concepção da redenção, que o
separa, mas também o relaciona com os demais Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas),
não se fundamentam, no seu modo de ser, mas em seu ambiente, pois, o autor do
quarto Evangelho não introduz sua concepção com explicações. Ao contrário, a
pressupõe como conhecida, conforme sinalizado acima, uma vez que a “Diáspora dos
Judeus” ocorreu no contexto histórico da escrita. Carson destaca que o uso particular
de terminologia e simbolismo no Evangelho de João podem ter ressonâncias tanto na
tradição judaica quanto na filosofia helenística:

Sob o domínio romano, é um ponto crucial. Carson discute como as tensões


sociais e religiosas influenciaram o modo como o Evangelho de João foi
redigido e recebido. O Evangelho de João pode refletir as preocupações e a
teologia da comunidade cristã associada a João. Isso pode incluir
considerações sobre a oposição com as sinagogas e a interação com outros
grupos religiosos (CARSON, D.A., 2009. p 1247)..

Além disso, há evidências internas que são decisivamente favoráveis à


identificação do discípulo amado, João, o apóstolo, como autor. Seu conhecimento é
incontestável a respeito de costumes, festas e topografia judaica. Muitos críticos,
entretanto, aceitam o presbítero João, que foi um discípulo do apóstolo João, como
autor do Evangelho. Esta hipótese é baseada na evidência de Papias, bispo de
Hierápolis, que se refere a duas pessoas de nome João em sua “Exposição dos
oráculos do Senhor”, em que ele o chama de "Presbítero".
Outros prestam certo respeito à posição tradicional, sugerindo que João, o
Presbítero, fosse apenas o amanuense do apóstolo.
Entendo que a autoria de João, o apóstolo, é testificada pelo fato de se tratar
do único Evangelho que se refere a um dos apóstolos.

2.2 Análise literária


A perícope em estudo faz parte do prólogo Joanino, que se inicia no versículo
um e se estende até o cinco. Desta forma, por se tratar de um início de escrito, não
possui delimitação superior, uma vez que o livro se inicia na perícope analisada.
O trecho em análise se trata de uma das características mais marcantes deste
Evangelho. Isso se dá pela apresentação de Jesus como o eterno logos, ou “a
Palavra”, como vimos, isto é, aquele que revela o Pai. É possível notar claramente
que, a partir do verso seis, há um novo parágrafo, uma nova fala, em que é
apresentado João Batista; portanto, é uma nova perícope. Assim, entendo que a
delimitação é até o v.5, e apresenta o essencial de todo o prólogo, a saber, que Cristo
revela o Pai porque compartilha da divindade do Pai. Ele é quem criou o universo
(v.3). Como se pode ver adiante no Evangelho, Jesus é um com o Pai, o “EU SOU”
(5.18; 8.58; 10.30-33; cf. Êxodo 3.14)1.

2.2.1 Delimitação da perícope

Não parece haver muito debate sobre a delimitação da perícope de


João 1.1-52. Ela faz parte de uma seção maior, que vai do verso 1 ao 18
para a maioria dos comentaristas3. Assim, o que se vê é que alguns
comentaristas subdividem tematicamente todo o Prólogo4, e alguns o
abordam sem subdivisões 5. Ainda assim, é possível analisar a coesão
interna e autossustentabilidade temática de João 1.1-5.

1
Bíblia de Estudo de Genebra
2
Com exceção de Lopes, que a trata explicitamente como de 1-4 (Cf. LOPES, Hernandes Dias. João: As Glórias
do Filho de Deus. Org. Juan Carlos Martinez. Comentários Expositivos Hagnos. SãoPaulo: Hagnos, 2015, p. 23.
Edição Logos Bible). Baker Exegetical Commentary on the New Testament. GrandRapids: Baker Publishing
Group, 2004, p. 25. Disponível em Google Books; BRUCE, F. F.João, introdução e comentário Série Cultura
Bíblica. Trad. Hans Udo Fuchs, São Paulo: Vida Nova, 1987, p.33ss.
3
Neste caso, a exceção é vista em Brown, que trata a sessão como sendo de 1-14 (Cf. ROBERT Jamieson;
FAUSSET, A. R.; BROWN, David. Commentary Critical and Explanatory on the Whole Bible Oak Harbor, WA:
Logos Research Systems, Inc., 1997, vol. 2, p. 127. Edição Logos Bible), e LIGHTFOOT, J. B.
4
Bruner, por exemplo, vê nove parágrafos consecutivos interligados de 1.1-18 (Cf. BRUNER,Frederick Dale. The
Gospel of John, a commentary. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Co, 2012, p.3. Disponível em Google Books).
Os demais que subdividem o prólogo são: KEENER, Craig S.TheGospel of John, a commentary. Grand Rapids:
Baker Publishing Group, 2012. Disponível em GoogleBooks; CARSON, D. A. The Gospel According to John
5
É o que se vê em: TENNEY, Merrill C.John, The Gospel of Belief . Eerdmans Classic BiblicalCommentaries.
Grand Rapids: Eerdmans Publishing Co, 1997. Disponível em Google Books;MOPSUESTIA, Theodore of.
Commentary on the Gospel of John. Ancient Christian Texts. Trad. MarcosConti. Illinois: InterVarsity Press, 2010,
p.5ss. Disponível em Google Books.
Bruce alega que a segunda sessão do prólogo se inicia no verso 6, em
que há a inserção de elementos narrativos de caráter mais histórico.

2.2.2 Estrutura do texto

A tradição sinótica possui pequenas unidades literárias claramente


delimitáveis. Inclusive os sermões de Jesus são composições de palavras
originalmente isoladas. Em João é diferente: os discursos formam verdadeiras
unidades temáticas, com as quais, em muitos casos, as próprias narrativas se
conectam. A história da multiplicação dos pães, por exemplo (cap. 6), desemboca num
discurso em torno do pão da vida, que é o próprio Jesus. Coisa análoga se observa
no capítulo 3, onde o diálogo com Nicodemos se transforma gradativamente em
monólogo de Jesus (cf. também cap. 4; 5; 9; entre outros). Os sermões de Jesus
interpretam as narrativas, e estas ilustram a sua prédica, centrada, aliás, à
dissemelhança dos sinóticos, na autorrevelação de Jesus como enviado de Deus.
Outra diferença fundamental reside na estrutura. O esquema dos sinóticos é
abandonado. Conforme João, Jesus esteve várias vezes em Jerusalém antes da
crucificação. O período da atividade de Jesus se estende por um espaço de tempo
bem maior (2 a 3 anos) do que nos sinóticos. Enquanto em Mateus, Marcos e Lucas
o ministério de Jesus inicia após a prisão de João Batista, no quarto evangelho ambos
atuam por algum tempo lado a lado (cf. João 1.19; Marcos 1.14).
Analisando em blocos, portanto, identifico uma divisão em seis partes:
1) O prólogo (1.1-18);
2) O testemunho de João Batista e a vocação dos primeiros
discípulos (1.19-51);
3) A atividade pública de Jesus: Ele revela a sua glória perante o
mundo (2-12);
4) A última ceia e os discursos de despedida: Jesus revela a sua
glória perante os discípulos (13-17);
5) Paixão, morte e ressurreição de Jesus (18-20);
6) Epílogo (acrescentado posteriormente) (21)
João vive num mundo altamente sincretista, no qual se fundem pensamentos
judaicos, helenísticos, gnósticos. Verifica-se, no quarto evangelho, influências de
todos estes lados. O evangelista se nutre de herança judaica, escreve em linguagem
semítica e pressupõe familiaridade com as leis, a esperança messiânica e outras
características dos judeus.
João está especialmente próximo de algumas concepções teológicas
cultivadas na seita de Qumran. Encontra-se nos documentos da mesma um dualismo
semelhante ao de João. Sobretudo, porém, chama a atenção afinidades a um certo
tipo de gnosticismo, o dos mandeus, que fornece surpreendentes analogias para as
palavras “eu sou...”, em João.
Ora, influências não podem ser negadas. Dependência, entretanto, não existe
sob hipótese alguma. João não se vendeu a ninguém. Tomou emprestados conceitos
do mundo religioso circundante, e os colocou a serviço de seu testemunho,
reformulando-os e dando-lhes novo conteúdo. Um dos encantos da exegese é
descobrir como João se aproxima de pensamentos religiosos alheios e
simultaneamente deles se distancia.
Contudo, para compreender as peculiaridades de João, e em parte também a
referida falta de ordem na apresentação dos assuntos, é necessário considerar o estilo
argumentativo do evangelista: João prefere a forma meditativa que, em vez de
desenvolver os pensamentos em sequência lógica, gira em torno dos assuntos,
ressaltando ora este, ora aquele aspecto. O pensamento de João não se movimenta
em linha reta, mas em forma de círculos concêntricos.
O quarto evangelho, pois, é muito autônomo em relação aos sinóticos. Exclui-
se, de todo, qualquer forma de dependência literária. Naturalmente, também João se
baseia em tradição. Discute-se a possibilidade de ele ter usado uma fonte que reunia
milagres, outra que continha a história da Paixão, e uma terceira que lhe teria
fornecido o material dos discursos de Jesus. São hipóteses, sendo provável a
existência das primeiras duas fontes, altamente incerta a da última. De qualquer
maneira, já a tradição a que recorreu o evangelista, divergiu da tradição sinótica, de
modo que as peculiaridades deste evangelho devem ser explicadas não só a partir da
individualidade de seu autor, mas a partir de toda uma corrente traditiva.
Permanece a pergunta: João, porventura, desconhecia os sinóticos? Isso é
pouco provável, uma vez que reveste sua obra do mesmo gênero literário que Marcos,
Mateus e Lucas. A categoria do evangelho, pois, lhe era familiar. Mais do que isso,
porém, é impossível comprovar. Seria temerário concluir que João tivesse
intencionado completar, aperfeiçoar ou até substituir os evangelhos sinóticos. Não
existem indícios para tanto. Trata-se, nesta obra, muito antes, de uma articulação
peculiar do Evangelho frente aos desafios de determinado ambiente e época.
Isto posto, é perceptível, ao longo de toda perícope, a presença de alguns
verbos marcantes e determinantes em toda obra joanina. Interessante observar o
tempo verbal empregado nesses verbos, atentando ainda para suas variações e
combinações, pois, em nossa perspectiva, denota um caráter enfático.
Por fim, então, o que pode ser dito do λόγος é acerca de Sua eternidade (Ἐ
νἀρχῇ ἦν ὁ λόγος), de Sua presença e da comunhão com Deus (καὶ ὁ λόγος ἦνπρὸς τὸν
θεόν), pois era Deus (καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος). Essa é a Palavra eterna, desde sempre
presente com o Pai, que não é menos que Deus, e que João passará a tratar em seu
Evangelho. Nas palavras de Ryle acerca do Verbo, lemos que:

Ele não é meramente um anjo criado ou um ser inferior a Deus, o Pai; é


investido de poder, da parte do Pai, para redimir os pecadores. Não é menos
que o Deus perfeito; é igual ao Pai, no que concerne à sua divindade; Ele é
Deus e tem a mesma natureza que o Pai, existindo antes da fundação do
mundo.6

2.2.3 Análise do gênero literário

Os ensinos de Cristo predominam neste Evangelho. Contudo, não em forma


de parábolas, como nos Sinóticos, mas em forma de primorosos discursos. Isso
significa que, enquanto estava na Judéia, falando aos líderes judeus, ou aos
discípulos no Cenáculo, Cristo considerou a forma não-parabólica de ensino como a
mais apropriada àquela situação em particular7.

6
RYLE, J. C.Meditações no Evangelho de João Org. Tiago J. Santos Filho, 2ª Ed. São José dos Campos, SP: FIEL,
2018, p. 18. Edição do Logos Bible
7
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. p. 56.
Quanto ao gênero do escrito, o Evangelho de João se distingue pela profundidade
com que penetra na vida de Jesus. Sem criar nada falso ou artificial, o evangelista
quis descobrir, com a visão de um crente e a intuição de um místico, todo o significado
dos atos e palavras do Verbo de Deus feito homem8. O princípio de interpretação é de
importância para quem procura expor o significado deste Evangelho.
O livro de João difere dos demais Evangelhos porque contém muitas
passagens que não se encontram nos outros, e omite outras que eles registram.
Nenhum evangelista apresentou exposições tão completas sobre a divindade de
Jesus Cristo, da justificação por meio da fé, das distintas funções do Filho, das
operações do Espírito Santo e das prerrogativas dos crentes9. Embora os demais
evangelistas não omitam tais conceitos, é no estilo literário de João que encontramos
tais conceitos de maneira mais proeminente.

2.2.4 Análise redacional

É preciso abordar a questão da mensagem para a época de escrita sob o


propósito o livro como um todo. Como escrito anteriormente, os registros do
Evangelho de João10 objetivam a crença em Jesus como Cristo, o Filho de Deus.
O Evangelho segundo João é bem diferente dos outros. Se os Sinóticos
apresentam a mesma visão e possuem muitos textos comuns, em João, os “poucos”
milagres são denominados “sinais”. Praticamente não há parábolas. O evangelho não
é tanto biográfico, é mais teológico e contemplativo, carregado de símbolos. João se
concentra na pessoa de Jesus, com menor acentuação biográfica do que os Sinóticos.
O centro do ministério de Jesus se dá mais em Jerusalém do que na Galileia. Neste
evangelho, Jesus faz longos discursos.

8
BATTAGLIA, Alviero N. Oscar, Comentário ao Evangelho de João. 9.
9
RYLE, J. C. Comentário do Evangelho Segundo São João. p. 9.
10
nos dias de João ao contrário, João alega que isso sempre foi assim. Por que faz isso? Para apontar para a Palavra
encarnada (ὁ λόγος σὰρξ ἐγένετο), tabernaculando (ἐσκήνωσεν, v. 14) entre os homens, revelando o
Pai (ἐξηγήσατο, v. 18). Essa Palavra eterna triunfa sobre a escuridão, mesmo quando os homens obscurecidos não
o recebem nem compreendem.2.8 MENSAGEM PARA A ÉPOCA DA ESCRITA Precisamos abordar a questão
da mensagem. https://ultimato.com.br/sites/john-stott/2022/04/12/evangelhodejoão/
A sua unidade literária dá a sensação de grande coesão e consciente
persecução de um objetivo, pois o Evangelho de João não deixa claro, em nenhum
momento, a autoria de João. Porém, pela riqueza de detalhes, fica subentendido que
“o discípulo amado” é o seu autor.

2.3 Comentário exegético

No quarto evangelho se fala, com grande frequência, no antagonismo de luz e


trevas, vida e morte, verdade e mentira, acima e abaixo. É o que se chama de
dualismo joanino. Não que João afirmasse a existência de dois mundos, um mau e
outro bom. O mundo é um só, criado por Deus, e nisto João se afasta da concepção
gnóstica. Ele não entrega o mundo, mas o reclama como propriedade de Deus.
Verdade é, porém, que o mundo jaz em trevas, tornou-se mau, caiu na mentira,
rejeitando a verdade, a luz e a vida. Os homens preferem as trevas à luz, o pecado a
Deus. Por isso, o diabo passou a ser o dono do mundo (12.31)
Não obstante, é exatamente neste mundo que a luz começa a brilhar. É o
mundo que Deus amou de tal maneira que deu seu Filho unigênito em seu favor (3.16).
Em outras palavras, o mundo não é condenado ou declarado mau, em princípio,
embora seja dominado pelas forças das trevas; antes, é o lugar da revelação de Deus
No antagonismo de luz e trevas, as pessoas são chamadas à decisão a favor da luz,
que lhes proporciona a vida. O mundo não precisa ficar assim como está. Pode voltar
a ser o mundo de Deus.
E para João, quem o possibilita é Jesus Cristo. A cristologia de João se destaca
pela forte ênfase na divindade de Jesus. Sempre é realçada a intima união entre o
Filho e o Pai (cf. 8,55; 10, 30; etc.). Jesus é o logos pré-existente. Ele vem da parte
do Pai e, após concluída sua missão no mundo, para lá retorna (13.1; 14.3).
Isto, porém, não impede que João fale com grande naturalidade da
humanidade de Jesus. Ele é o filho de José (1.45; 6.42), é o Verbo encarnado, o
homem (19.5). E é nisso que consiste a missão de Jesus: revelar o Pai, trazê-lo para
dentro deste mundo, possibilitar a fé. O mundo, em última análise, é extremamente
sedento por vida.
A partir destas observações se explicam também as particularidades da
escatologia de João. Quem crê, passou da morte para a vida (5.24), tem em Jesus o
caminho, a verdade e a vida (14,6). E isso vale, de igual modo, para o tempo após a
morte e ressurreição de Jesus. Pois, apesar de Jesus ter voltado ao Pai, não deixou
seus discípulos órfãos no mundo. O Paracleto, o Espírito da verdade (15.26; 10 1388),
o substitui. Ele assiste a comunidade (14.16), lembrando-a de Jesus (14.26) e
guiando-a a toda a verdade (16.13). Nele, o próprio Jesus se faz presente.
Mesmo diante de tantas evidências bíblicas, históricas, teológicas e religiosas,
há correntes religiosas que interpretam de modo diferente não apenas o texto, mas o
contexto envolvido no Evangelho de João. Os Testemunhas de Jeová, por exemplo,
divergem, em sua tradução da Bíblia, com a doutrina original do cristianismo
registrada nas traduções bíblicas Almeida Revista e Atualizada (ARA), Almeida
Revista e Corrigida (ARC) e a Nova Versão Internacional (NVI). Os seguidores desta
seita parecem cristãos e usam uma versão bíblica, mas em suas doutrinas
fundamentais negam a divindade de Cristo e a doutrina da Trindade, dando margem
ao politeísmo ao fazer uma confusão conceitual com o termo 'deuses', com 'd'
minúsculo, sugerindo que se aplica a qualquer ser poderoso (anjo, Jesus, Satanás).
O que nos dá plena certeza de que Jesus “é a Palavra”, “é Deus”, é exatamente o que
escreve BLACK (2009, p. 200-201):

A Regra de Colwell (publicada em 1933) afirma que os nominativos de


predicado anartro, que precede a cópula (o verbo "ser"), são geralmente
definidos em seu significado. As implicações dessa regra são especialmente
notáveis em João 1.1: “θεὸς ἦν ὁ λόγος", “o Verbo era Deus". “θεός”, o
nominativo predicado, é anartro e precede a cópula ἦν. O resultado é que
θεός é quase certamente definido em seu significado: "a Palavra era Deus".
e não meramente "um deus".

Fica evidente que João11 tinha em mente iniciar seu Evangelho da forma que o
apresentou, como numa grande preleção ou sermão bem elaborado, e foi
sobremaneira feliz ao tratar, logo de início, de um assunto tão importante de uma
forma que chamasse a atenção de seus leitores, fossem eles helenistas ou judeus.

11
Em função da análise realizada e argumentos levantados, vamos sempre considerar o apóstolo como o autor.
Como analisado, “No princípio” nos remete ao texto de Gênesis 1.1. Parece que
João teve a intenção de usar o mesmo termo, com o propósito de afirmar que Cristo
não foi criado, mas é criador. Trata-se, portanto, de um eco claro das primeiras
palavras do Antigo Testamento. Vemos a Palavra em sua glória pré-encarnada, para
apreciarmos Seu amor misericordioso, ao vir a Terra a fim de salvar os pecadores12.

2.3.1 No princípio era a Palavra...

Analiso o termo logos, em detalhes, e fica claro que João o utiliza não no
mesmo sentido da filosofia grega, mas no pensamento semântico. Ainda assim, é
possível que seus leitores tenham feito esta correlação, o que foi favorável para o
Evangelho. João afirma, expressamente, que o Verbo é Deus. O logos já existia, e
esta é uma maneira de afirmar a eternidade que só Deus possui.
Os Testemunhas de Jeová observam que a palavra traduzida "Deus", aqui, não
é precedida do artigo definido e, com base nisto, dizem que a expressão significa
"um deus”, mais do que propriamente "Deus". É um erro entender assim. O artigo é
omitido por causa da ordem da palavra na sentença grega (o predicado "Deus" foi
colocado antes para ser enfatizado). O Novo Testamento nunca sustenta a ideia de
"um deus", expressão que implica politeísmo e conflitaria com o consistente
monoteísmo da Bíblia. No N.T., a palavra grega para "Deus" ocorre frequentemente
sem o artigo definido, dependendo da exigência da gramática grega13.
O uso da expressão “diante de” sugere intimidade, relação pessoal estreita,
comunhão. Além disso, na última oração, o predicado foi trocado, a fim de que a ênfase
caísse sobre a divindade plena de Cristo.

12
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. p. 96.
13
Biblia de Estudo de Genebra. p. 1228
2.3.2 Ele estava com Deus...

Este verso retoma com um pronome o último termo do degrau mais alto e
conclui a frase reunindo todos os elementos. É possível que a repetição se dê em tom
de ênfase frente às influências heréticas do período do escrito. Cristo gozava, desde
a eternidade, da comunhão amorosa do Pai.

2.3.3 Todas as coisas foram feitas...

O verso é construído segundo a lei estilística do paralelismo antitético. Os


pronomes referidos à “Palavra” constituem a ligação entre as duas partes. É declarado
que Cristo é o Criador de todas as coisas. Importante aqui é o leitor deduzir que Cristo
não poderia ser criado, e que todas as coisas foram criadas por Ele. Assim, este verso
continua a dar ênfase à divindade do “Verbo”.

2.3.4 Nele estava a vida...

Aqui é importante uma relação com o que será dito posteriormente, no capítulo
5, verso 26: “tem vida em si mesmo”. Além disso, como será apresentado em todo o
Evangelho, Cristo é a luz dos homens, que oferece a maravilhosa esperança aos
homens, a saber, a redenção.
A composição aqui é circular, analisada sob o contexto posterior da perícope.
Os versículos quatro e cinco apresentam a vida do Verbo como luz dos homens. Os
versos seis a oito interrompem o desenvolvimento introduzindo João Batista; mas o
versículo nove retoma o assunto, preparando o trecho seguinte.
Destaque para a expressão “Nele” – e não “por meio Dele”, em que se
encontra a vida. E para “Vida”, aqui, analisada sob o contexto próximo, a referência
é sobre a vida espiritual. Ao mesmo tempo é a causa, a fonte, e o princípio de toda
vida física (HENDRIKSEN, p. 102). A humanidade é caracterizada por trevas, que é o
oposto à luz. A verdade e o amor são sinônimos da luz, mas se estende também a
todos os atributos de Deus.
2.3.5 A luz resplandece nas trevas...

Luz e trevas são os termos de uma antítese tipicamente joanina dentro do


âmbito do NT. Mas, Battaglia ressalta que também no âmbito judaico encontramos a
mesma terminologia. Aqui temos um dualismo ético. Não há dois princípios, mas
somente a luz divina. Se o homem a acolhe, está na luz; se a repele, vive nas trevas14.
Assim, este versículo anuncia o próprio enredo do Evangelho: uma luta entre forças
da fé e da descrença. A luz continua brilhando. Há uma mudança no tempo verbal
quando comparado com os versículos anteriores.
A luz sempre esteve brilhando, contudo, as “trevas se apropriaram dela”15.
Trevas aqui se refere à Humanidade; não se trata de um conceito abstrato. João
também usará a expressão “mundo” depois, com o mesmo sentido. As “trevas” não
apenas procedem negativamente, mas odeiam a luz. O que temos aqui é uma antítese
absoluta entre luz e trevas, o reino de Deus e o mundo, e entre Cristo e as forças do
maligno.

2.4 Análise teológica

Escrito em estilo simples, o último dos quatro Evangelhos exibe uma


profundeza teológica que ultrapassa os sinóticos16. O apóstolo João deseja, como
testemunha ocular, não apenas registrar os fatos e sinais que presenciou, mas
apresentar a mensagem de salvação, as boas novas para um mundo perdido. Parece
motivado, também, neste processo, a defender a fé cristã de heresias que se
manifestavam no meio da nascente igreja. Desta forma, sua teologia é
cristocêntrica17, explicando aos seus leitores o cerne do significado dos
acontecimentos que presenciara alguns anos antes. Seu tema é: Jesus Cristo, o Filho
de Deus.

14
BATTAGLIA, Alviero N. Oscar, Comentário ao Evangelho de João. p. 37.
15
Tradução sugerida por Hendriksen
16
GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. p. 109.
17
Embora tal elucubração do termo tenha sido cunhado séculos mais tarde, me refiro aqui a
postura de apresentar o Cristo no foco de todo o pensamento.
Por isso, a passagem analisada é de fundamental importância para o entendimento
de seu escrito.
É importante observar que o Evangelho de João, à luz de suas próprias
ênfases teológicas e hermenêuticas, não apresenta uma única perspectiva teológica;
antes, atribui grande importância à autoridade das Escrituras. Os batistas acreditam
na Bíblia e procuram interpretar o Evangelho de João à luz dessa crença,
diferentemente de seitas como as Testemunhas de Jeová.
Uma característica central da teologia batista é a ênfase na salvação pela fé
em Jesus Cristo. O Evangelho de João, com suas declarações enfáticas sobre a
necessidade de crer em Jesus para obter a vida eterna, é muitas vezes destacado
nesse contexto: o conceito do novo nascimento, mencionado no diálogo de Jesus com
Nicodemos, em João 3, e frequentemente enfatizado pelos batistas como uma
experiência espiritual essencial para a salvação.
Percebe-se na análise do pensamento joanino uma qualidade salutar:
apresentar os problemas referentes à existência e à divindade de forma
surpreendente para o seu período. Isso nos leva a uma reflexão: Como seriam as
formulações sistemáticas e dogmáticas de nossa teologia se tal escrito não tivesse
permanecido entre nós? É interessante observar que, no mínimo, nossas concepções
da divindade de Cristo, bem como de sua encarnação e a relação das pessoas
da Trindade seriam obscuras.
Estes podem ser destacados como os três aspectos teológicos mais
importantes que a perícope – e todo o Evangelho – destacam. Provavelmente sem
este escrito, o cristianismo hoje seria mais atacado em suas formulações dogmáticas,
o que me leva a pensar também sobre seu importante papel apologético.
Assim, vemos que o propósito teológico do autor é extremamente bem-
sucedido: relatar sobre a maior grandeza que existe no mundo, sobre Aquele que é
aúnica magnitude realmente grande e importante, Jesus Cristo, Seu viver, falar, atuar,
sofrer, morrer e ressuscitar.
Por fim, a teologia do Evangelho de João nos mostra que os dons, os feitos e
as atuações de Jesus não são o mais importante, mas sim o próprio Jesus em sua
pessoa, em seu maravilhoso ministério entre nós.
2.5 Atualização e aplicação
Sobre o fato de João não se identificar no Evangelho, destaco que o autor
escreve “aquele a quem Jesus amava”, não movido pelo egoísmo, mas a fim de
ressaltar que o conteúdo do Evangelho merece crença, porquanto proveio de alguém
a quem Jesus confiava. Tal observação é relevante para os críticos escriturísticos de
nossos tempos.
João expõe temas teológicos, alternando narrativas e discursos. Desta forma,
as palavras de Jesus ressaltam em todo o Evangelho. Por isso, muitas ações
constantes no quarto Evangelho possuem caráter simbólico. Por exemplo, a lavagem
dos pés dos discípulos por parte de Jesus, representa o efeito purificador de Sua obra
remidora18.
Quanto à perícope em estudo, destaca-se o fato de João iniciar o Evangelho
com um tema teológico sob a categoria da revelação. Jesus é a Palavra reveladora
de Deus. Nesse papel, Ele revela a verdade, a qual é mais que mera veracidade.
Trata-se da realidade última da própria pessoa e do caráter de Deus, conforme
testemunhado por Jesus, pelo próprio Pai, pelo Espírito Santo, pelas Escrituras e por
outros19.
Esta aplicação teológica, contudo, parece distante de ser verdade em alguns
círculos evangélicos. É fato muito divulgado o crescimento dos evangélicos no Brasil.
Somos mais de 26 milhões, segundo as pesquisas mais recentes. A quantidade de
igrejas cresce de forma rápida e muitas delas usam métodos questionáveis. No
entanto, acertou o jornalista, não-cristão, em sua matéria na revista
Superinteressante:

Não dá mais para fingir que não vemos. Um a cada seis brasileiros já é
evangélico – e o número continua crescendo. [...] O resultado é que quanto
mais crescem, menos os evangélicos mudam a cara do país” – bem ao
contrário da revolução que ocorreu na Europa com as ideias de Lutero e
Calvino20.

18
Da mesma forma, encontramos em todo o Evangelho diversos outros sinais que carregam significados
teológicos.
19
GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. p. 113.
20
“Evangélicos”. Revista Superinteressante, Edição 197, Fev. 2004. Disponível também em
http://super.abril.com.br/superarquivo/2004/conteudo_124376.shtml
O resgate de uma teologia cristocêntrica, que exalta esta realidade revelatória
de Cristo no homem, é necessário para uma real abordagem cristã para a sociedade,
pois, nas palavras do apóstolo, o mundo, a sociedade controlada por Satanás,
faz oposição à luz, e por isso torna-se objeto da ira divina.

3. CONCLUSÃO

A boa nova de Cristo é a mais sublime revelação que um ser humano pode
receber e, por isso, João escreveu seu Evangelho. Como evangelista da fé, é
cristológico em seu conteúdo, salientando a divindade de Jesus. Seu Evangelho
anuncia o poderoso Filho de Deus, que decidiu tornar-se humano com vistas à
redenção da Humanidade.
No texto analisado, a deidade de Jesus é encarecida, mas em todo o Evangelho
também é posto em realce sua humanidade. Ao escrever sobre a vida de Cristo, João
leva seus leitores a se colocarem “face a face” com o Mestre, que exige do homem
uma decisão. Do início ao fim, o autor o descreve como Deus, sempre ressaltando
sua humanidade, e seu propósito redentivo.
A perícope do prólogo, analisada em destaque neste estudo, ressalta a
mensagem apresentada em todo o Evangelho. Ali, João introduz o caráter principal
do livro: a Palavra é Deus, o Criador, o Autor da vida, Aquele que foi manifestado na
carne e nos revela o Pai. Destaca-se, ainda em nossa perícope, o vocabulário principal
do livro, a saber, vida, luz e trevas, além do principal assunto: conflito, que permanece
até culminar com a cruz e a ressurreição de Cristo.
Nenhum dos Evangelhos pretende nos dar uma visão acabada de vida de
Jesus, mas, ao contrário, uma seleção que leve ao ponto que o autor tinha em mente.
E João atingiu seu objetivo, descrito no próprio livro: para que os leitores creiam que
Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e que por intermédio da fé tenham vida em seu
nome (cf. João 20.31). Devidamente inspirado, João consegue descrever esta
verdade e este desafio já em seus primeiros versos, enfatizando a glória de Deus em
Cristo, sendo o próprio Deus emcarnado.
A profunda unidade e, ao mesmo tempo, diversidade do ser divino expressos
nos primeiros versos do Evangelho de João, detam origem, como vimos, à doutrina
da Trindade. Além disso, por todo o Evangelho – como também foi citado – há
uma ênfase na natureza humana de Jesus. Somente alguém que fosse realmente
humano poderia ser o divino redentor da Humanidade.
Por fim, analisar a perícope do epílogo de João é analisar o âmago do
Evangelho – a boa nova da salvação pela fé em Jesus Cristo. A passagem atinge seu
objetivo mostrando Jesus como a única pessoa “homem-Deus”, que desceu de Deus
para ser um de nós, de modo que, pela fé nEle, seremos renovados e voltaremos para
Deus com Ele. João nos convida não apenas a olhar o que Jesus representa,
teoricamente, na teologia, mas a refletir as implicações da encarnação em nossa
própria vida21.

21
Obra Revisada: Tradição Histórica no Quarto Evangelho C. H. Dodd Revisão por: Birger Pearson Vigiliae
Christianae Vol. 21, nº 2 (maio de 1967), pg 102.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA. Acesso via Software Biblos. Bíblica, Sistemática e


Contemporânea.

“Evangélicos”. Revista Superinteressante, Edição 197, Fev. 2004. Disponível também


em http://super.abril.com.br/superarquivo/2004/conteudo_124376.shtml Tradição
Histórica no Quarto Evangelho C. H. Dodd Revisão por: Birger Pearson Vigiliae
Christianae Vol. 21, nº 2 (maio de 1967), pg 102.

Bock Darrell L., Baker Exegética comentário sobre o Novo Testamento.


GrandRapids: Grupo de Publicação, 2004, p. 25. Disponível em Google Books

BATTAGLIA, Alviero N. Oscar, Comentário ao Evangelho de João. p. 37. Tradução


sugerida por Hendriksen.

Bíblia de Estudo de Genebra.

Bíblia de Estudo de Genebra. p. 1228

BLACK, D. A 2009, p. 200-201

BRUCE, F. F. João, Introdução e comentário Série Cultura Bíblica. Trad. Hans Udo
Fuchs, São Paulo: Vida Nova, 1987, p.33ss.

BRUNER, Frederick Dale. The Gospel of John, a commentary. Grand Rapids:


Eerdmans Publishing Co, 2012, p.3. Disponível em Google Books).

Os demais que subdividem o prólogo são: KEENER, Craig S., The Gospel of John, a
commentary. Grand Rapids: Baker Publishing Group, 2012. Disponível em
GoogleBooks;

CARSON, D. A. The Gospel According to John. Disponível em Google Books.

CARSON, D. A., Comentário Bíblico Vida Nova, 2009 São Paulo. p 1247

CF. COMENTÁRIO SEÇÃO, “A Natureza da Palavra, pois Deus era a Palavra”, p.


34
CF. JAMIESON, Robert; FAUSSET, A. R.; BROWN, David. Commentary Critical and
Explanatory on the Whole Bible Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, Inc.,
1997, vol. 2, p. 127. Edição Logos Bible.

Cf. REGA, Lourenço Stelio; BERGMANN, Johannes. Noções do grego Bíblico,


gramática fundamental. 3ª Ed. São Paulo: Vida Nova, 2014, p.116.

Cf. WALLACE, Daniel B. Gramática Grega: Uma Sintaxe Exegética do Novo


Testamento, org. Edvaldo Cardoso Matos e Marcos Paulo Soares, trad. Roque
Nascimento Albuquerque, primeira edição em português. São Paulo, SP: Editora
Batista Regular, 2009, p.46. Edição Logos Bible.). Wallace Cf. Ibid, p. 40

Cf.LIGHTFOOT, J. B. O Evangelho de João, p. 84.

Cf.O MANSON, Roger L.Variantes Textuais do Novo Testamento , p. 163

GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. p. 113.

HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. p. 102.

HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. p. 56.

HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. p. 56. Edição


Crítica do Novo Testamento de Nestle-Aland, 28ª Edição [AN28 - Novum
Testamentum Graece, Nestle-Aland 28 Edition. Copyright (c) 1993 Deutsch
Bibelgesellschaft, Stuttgart]. Fonte: Bible Works 7.0

HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: João. p. 96.

https://ultimato.com.br/sites/john-stott/2022/04/12/evangelhodejoão/

JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA, Trad Nova Almeida 2017. Sociedade Bíblica do


Brasil.

JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA, Almeida Revista e Corrigida (ARC) é uma tradução


evangélica da Bíblia, fruto da revisão em 1898.

CROSSAN, John Dominic. O Jesus Histórico 1994- pg. 87


LOPES, Hernandes Dias. João As Glórias do Filho de Deus. Org. Juan Carlos
Martinez. Comentários Expositivos Hagnos. São Paulo: Hagnos, 2015, p. 23.

NOVA VERSÃO INTERNACIONAL (NVI) é uma tradução ou


versão evangélica da Bíblia em português de 2001, traduzida pela International Bible
Society, atualmente chamada "Bíblica Brasil"

RYLE, J. C. Meditações no Evangelho de João Org. Tiago J. Santos Filho, 2ª Ed.


São José dos Campos, SP: FIEL, 2018, p. 18. Edição do Logos Bible

TENNEY, Merril C. John, The Gospel of Belief. Eerdmans Classic Biblical


Commentaries. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Co, 1997. Disponível em Google
Books; MOPSUESTIA, Theodore of. Commentary on the Gospel of John. Ancient
Christian Texts. Trad. Marcos Conti. Illinois: InterVarsity Press, 2010, p.5ss. Disponível
em Google Books.

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ tradução do Novo Mundo (TMN) é uma tradução


da Bíblia em um idioma moderno, editada e usada pelas Testemunhas de Jeová. A
primeira versão foi publicada em inglês em 1950.

WENHAM, G. J., Comentário Bíblico Vida Nova, 2009 São Paulo p 1246

Cf.O MANSON, Roger L. Variantes Textuais do Novo Testamento , p. 163


Esta obra foi impressa em papel ofício 75gm² e, escrita usando-se as fontes (dizer o
nome e corpo das fontes) encadernada tipo de encadernação); exemplo, espiral, capa
dura, comum, brochura Esta obra foi impressa em papel ofício 75gm² e, escrita
usando-se as fontes (dizer o nome e corpo das fontes) encadernada tipo de
encadernação); exemplo, espiral, capa dura, comum, brochura.

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