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Conteúdo Web 2 - Seção 2 – Continuação

 Não pode faltar

A imagem da luz era colocada como o antídoto ao que se considerava um atraso e, sobretudo, um entrave ao
desenvolvimento dos sujeitos e das sociedades: a ignorância, a superstição, o fanatismo religioso, a intolerância e os
abusos da Igreja e do Estado.
A razão passa a ser entendida como necessária, portanto, para iluminar uma nova visão de mundo, fundada em
valores como tolerância religiosa, liberdade de pensamento, liberdade política, liberdade religiosa, direito de
resistência à tirania, separação do Estado e da religião (laicidade), educação universal. Muitos desses valores, que
foram afirmados por diversos pensadores, exerceram um papel importante para efetivar mudanças no plano jurídico,
político e econômico-social daquela época e permanecem sendo fundamentais para pensarmos as sociedades até hoje
Acreditar na razão e na sua capacidade libertadora também acompanhava um ideal de sociedade que tinha de se
aperfeiçoar, progredir, caminhando em direção às luzes propiciadas pelo conhecimento científico, baseado na
observação e na demonstração empírica, e não em dogmas. Essa questão será depois muito discutida, e também
criticada, sobretudo por teorias – por exemplo, Adorno e Horkheimer (1986); Foucault (1994) – que polemizam em
relação ao fato de que a racionalidade moderna, a técnica e a ciência impliquem automaticamente a emancipação
humana.
A noção de direitos humanos na modernidade é gerada nesse rico berço cultural do Iluminismo e não deixa de
refletir uma forma de crítica à sociedade, com um papel também transformador, que, naquela época, foi encabeçado
pela nascente classe burguesa. O liberalismo guiava os princípios econômicos, e o jusnaturalismo – origem do
latim ius naturale, direito natural – o Direito, com base na doutrina que considera todos os indivíduos portadores de
direitos inatos naturais. É importante perceber que a doutrina jusnaturalista, que tem diferentes vertentes teóricas,
mesmo na Antiguidade e na Idade Média, é reafirmada e desenvolvida no período iluminista a partir de uma base
racional (não religiosa). A igualdade e a liberdade formais são norteadoras dessa concepção jusnaturalista moderna.
Esses períodos mais obscuros e mortíferos da humanidade explicitam, na verdade, a sistemática aplicação de uma
lógica punitiva em um contexto ditatorial. No entanto, se pararmos para refletir, percebemos que essas lógicas
também podem estar presentes no funcionamento das sociedades em um Estado democrático e, até mesmo, na nossa
cotidianidade, perpassada por instituições como a escola, os hospitais e as prisões.
Seria necessário um tratamento mais aprofundado para entendermos por que a população adere irrefletidamente
ao punitivismo, entendido como uma lógica de punição, ou seja, a ideia de que a punição, o castigo, a pena é a única
e mais eficaz solução. Sem considerar o papel da mídia de construir essa visão única para olhar para o problema da
violência – silenciando outras violências em nível macro, como a do sistema econômico ou da ação do próprio Estado
–, é impossível entender essa questão.
Michel Foucault (1926-1984) nos ajuda a refletir sobre esse dilema antigo e atual ao explicar que o punitivismo é
também uma forma de governar do poder, que passa pela incorporação da lógica de punição pelos sujeitos. O autor é
uma referência para reconhecermos o caráter brutal da repressão e do controle no funcionamento das sociedades
modernas que, paralelamente à afirmação dos direitos humanos, colocaram no centro de sua organização “a vontade
de punir”, as técnicas de punição e vigilância permanentes, legitimadas por saberes que evoluíram para um tipo
específico de práticas disciplinares, amplamente disseminadas e, mais do que tudo, internalizadas pelos próprios
sujeitos.
A relação “poder-saber”, expressa em discursos científicos e no senso comum sobre a punição, também tem um papel
fundamental para a construção da verdade sobre o crime e para a legitimação de sua punição pelas práticas
disciplinares, que incluem a vigilância contínua.
O filósofo nos explica que esse saber construído é também uma forma de controle político e social que se transforma
em práticas generalizadas, atingindo determinados grupos sociais, em particular os classificados como “anormais”:
“loucos”, detentos, homossexuais, prostitutas, dentre outros.
O campo do saber está, portanto, intrinsecamente ligado ao exercício do poder por se basear em discursos científicos
para legitimar as suas práticas.

Seção 3 - Sociedade Brasileira e cidadania

- Democracia e cidadania: quem tem o poder?

• Não pode faltar

Iniciaremos nosso percurso didático pelo tratamento da relação entre democracia, cidadania e direitos
fundamentais. Na contemporaneidade, essa relação está prevista no que se chamou de quarta geração dos
direitos fundamentais, que, segundo o jurista Paulo Bonavides (2004), surgiu no final do século XX, no bojo da
globalização e das décadas neoliberais, após um “processo cumulativo e qualitativo” de formação das primeiras
gerações dos direitos fundamentais.
O autor nos oferece uma síntese da história dos direitos fundamentais, lembrando-nos do fator que os distingue: os
direitos fundamentais são aqueles previstos na Constituição (têm, portanto, garantia constitucional) e são
essencialmente voltados a “criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade
humana”.
Antes de entendermos mais a quarta geração dos direitos fundamentais, saiba, a seguir, o que as primeiras gerações
previam:
• 1ª geração dos direitos fundamentais
Como esclarece Bonavides (2004), a primeira geração dos direitos fundamentais surgiu durante a Revolução Francesa
(1789) para afirmar os direitos individuais, sobretudo os direitos civis e políticos.
• 2ª geração dos direitos fundamentais
A segunda geração se manifestou particularmente nas Constituições do pós-Segunda Guerra Mundial, inclusive na
brasileira (de forma um pouco tardia), com o fim de exigir a implementação, pelo Estado, de políticas concretas para
se efetivar os direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos. Dessa segunda geração deriva o dever, do Estado e
da sociedade, de garantir o básico para se prover uma vida digna a todos os cidadãos, ou seja, o direito do acesso
universal à saúde, à educação, a um trabalho e moradia dignos, entre outros.
• 3ª geração dos direitos fundamentais
Para além das necessidades básicas, percebeu-se,no final do século XX, a importância da terceira geração dos direitos
fundamentais, que proclama garantias universais para o gênero humano,como a paz entre os povos, a preservação
do meio ambiente, a comunicação livre e não submetida a monopólios e, por fim, a proteção de locais que, pela sua
importância cultural e artística, são patrimônio comum da humanidade.

Mas estejamos atentos. Bonavides (2004) também nos faz um alerta de que esse desenho geracional dos direitos
fundamentais, previstos na nossa Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) e de enorme importância para a nossa
sociedade, não é suficiente para a efetivação desses direitos na realidade. Essa discussão foi colocada particularmente
na década de 1990, justamente o período no qual os sintomas socioeconômicos maléficos das políticas de abertura
dos países à globalização e de redução dos gastos públicos – a partir do princípio neoliberal do Estado mínimo –
passam a se manifestar mais explicitamente em âmbito global, com particular intensidade nas sociedades dos países
mais pobres, que são chamados, hoje, de Sul Global.
Nesse contexto, percebeu-se que a não efetivação dos direitos fundamentais guarda uma estreita relação com a forma
de exercício de poder na maioria dos países, ou seja, em âmbito global, que nega a efetiva participação da maioria dos
cidadãos nas decisões políticas que lhes afetam diretamente. Diversos mecanismos servem a essa situação, desde a
negação do acesso à renda, trabalho, educação, saúde, transporte e moradia, até as tecnologias utilizadas para
manipular a informação.
É por esse motivo que nasce a quarta geração dos direitos fundamentais, centrada na “ação de controle” do poder
político ao clamar pela participação consciente e corretamente informada, não apenas pelo mero exercício do direito
de voto, mas também pela presença nos diferentes espaços políticos onde são discutidas e decididas questões de
interesse comum. O pluralismo de opiniões, de crenças, de culturas, de etnias, de visões de mundo é um requisito
para que esse espaço democrático possa existir.
Segundo Bonavides (2004), essa quarta geração reflete a necessidade da construção de uma “globalização política”
na qual os direitos fundamentais não estejam separados do modo de funcionamento das democracias e sejam
colocados como uma prioridade diante de todos os outros fatores de funcionamento das sociedades, inclusive o
econômico.
A Constituição de 1988 se contrapõe frontalmente ao sistema político das duas décadas anteriores à sua instituição,
do regime militar, que interditou o exercício da cidadania, ou seja, a participação da população no poder político.
Essa garantia da cidadania, oferecida pela Constituição, é uma condição sine qua non dos direitos fundamentais e não
podemos esquecer disso!

Isso não nos exime, no entanto, de fazer uma crítica a mudanças reais que devem ocorrer nas sociedades para que os
direitos fundamentais, a democracia e a cidadania não se tornem apenas palavras vazias.

Sem dúvida alguma, quanto mais os direitos fundamentais são desrespeitados e/ou ignorados, mais haverá uma
assimetria no funcionamento do poder político. Essa perspectiva é extremamente importante para a compreensão dos
problemas vividos pelas sociedades na contemporaneidade.
Todavia, muitos especialistas no tema das desigualdades entendem que esse quadro é de fato difícil, mas não
impossível de ser resolvido. Estudiosos preocupados com a justiça social não deixam nenhuma dúvida em relação à
necessidade de políticas para agir na urgência da fome e do desemprego no Brasil, como o Programa Bolsa Família,
que se torna ainda mais necessário com o aumento do desemprego (em 2018, estimou-se em 14 milhões o número de
desempregados no Brasil, além de outras 15 milhões de pessoas vivendo do subemprego).

Mas, para encarar de fato esse desnível de distribuição de renda, eles mostram também a urgência da implementação
de programas políticos de caráter mais estrutural, como uma reforma no sistema de impostos – que no Brasil são
pagos desigualmente pelos mais pobres –; o aumento de salários para cobrir os custos de vida e oferecer maior poder
de compra aos trabalhadores; a reforma agrária; além de outras políticas que garantam os direitos fundamentais de
moradia, educação, saúde e preservação do meio ambiente.
As ciências sociais problematizam, na verdade, como essas desigualdades de distribuição de renda e riqueza têm cor
(não brancos) e sexo (feminino), combinando-se também com outros fatores, como escolaridade, qualificação, idade,
nacionalidade, opção e identidade sexual. A perspectiva da transubstancialidade (CRENSHAW, 2002), que articula as
dimensões de classe, gênero e etnia a fim de olhar para essas desigualdades, tem sido muito útil para evidenciar essas
particularidades.

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