Você está na página 1de 5

Estudo de obras literárias UFU Prof.

Jorge Alessandro
Estudo da obra

Prof. Jorge Alessandro


Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.
(Manoel de Barros)
Análise temática e estrutural

Menino do mato
Entrevista com o Autor Dividido em duas partes
Caderno de aprendiz
CULT – A exemplo de Memórias Inventadas III (2007),
Menino do Mato (2010) remonta ao tema da infância. Menino do mato: Apresenta 6 poemas longos
Após muitas décadas dedicadas à poesia, suas obras Caderno de aprendiz: 36 poemas mais curtos e sintéticos
mais recentes simbolizam o fechamento de um ciclo que
retorna ao primitivo?
Manoel de Barros – Acho que não retorno ao primitivismo. Importante!
Por antes acho que continuo primitivo, vez que meu caminho Os poemas de Manoel de Barros
seria para encostar na semente da palavra, ou seja: o início frequentemente abordam o próprio fazer
do canto. Porque o ser humano começa a se expressar pelo poético numa atitude Metalinguística.
canto. Assim, o poema volta-se para o próprio
CULT – Uma das marcas centrais de sua poesia é a poema e para a reflexão sobre a dimensão
tentativa de alcançar aquilo que está antes da palavra, ou criadora da palavra.
seja, a sensibilidade primeira que desencadeia a poesia.
Poderíamos então afirmar que a formação do poeta
Manoel de Barros se deu fundamentalmente na infância?
Manoel – Eu fui abençoado por uma infância no mato. Não “Desver o Mundo” - Metáfora fundante da poesia em
tínhamos vizinhos, não havia outras casas, outros meninos. Menino do mato: Ver além da aparência plana das coisas,
Só nós – eu e dois irmãos. E o chão de formiga e de destituir os condicionamentos do olhar, ver o não-visto e dizer
lagartixas. A mãe não tinha tempo de nos levar ao colo. O pai o não-dito.
campeava. E a gente brincava de inventar brinquedos. Fui na
luta para a poesia depois.
CULT – O trabalho com a linguagem em seus poemas
revela a possibilidade que ela possui de alargar os
horizontes do “primitivo” ou, ao contrário, é reflexo da
impossibilidade de alcançar a essência poética?
Manoel – Eu sempre quis o criançamento da palavra. Eu
sempre desejei o despropósito das palavras. A palavra que
produzisse a melodia letral. Que sempre me parecesse a _________________________________________
essência poética do absurdo. _________________________________________
CULT – Sua obra escapa a rótulos, como “poesia do
Pantanal”, “poesia de folclore e costumes”, entre outros.
Como definir a poesia de Manoel de Barros?
Questiona os saberes racionais, adquiridos em
Manoel – Sabemos nós que poesia mexe com palavras e
não com paisagens. Por isso não sou poeta pantaneiro, nem livros e valoriza a percepção infantil dos sentidos.
ecológico. Meu trabalho é verbal. Eu tenho o desejo,
portanto, de mudar a feição da natureza, pelo encantamento
verbal.
CULT – Ao longo de sua obra, o senhor criou diversas
metáforas para designar a poesia. Qual a sua favorita?
Manoel – Acho que a favorita e que algumas pessoas
citam é: poesia é voar fora da asa. _________________________________________
_________________________________________
Disponível em:
http://revistacult.uol.com.br/home/2010/05/voar-fora-da-asa/ _________________________________________
Estudo de obras literárias UFU Prof. Jorge Alessandro

_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
Os poemas possuem um tom infantilizado e brincante
(saber lúdico) típico da criança que está descobrindo o _________________________________________
mundo (adota-se o ponto de vista da eterna criança, para
quem a linguagem está em constante estado de criação).

_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________

_________________________________________
_________________________________________ O Menino está inserido em um universo distante dos
_________________________________________ centros urbanos e, portanto, suas referências e seus
interesses revelam elementos naturais, estritamente do mato.

As imagens poéticas de Manuel de Barros criam o


contraste entre a morte e o nascimento, a decomposição e a
floração, a dureza e a fluidez, e inércia e o movimento. Neste
paradoxo está o movimento das existências.

A leitura de mundo do poeta em Menino do mato


potencializa o sentimento de exílio, de abandono, escuridão, _____________________________________________
o nada, o resto. _____________________________________________
_____________________________________________
O poeta elege a natureza como fonte primordial de sua
poesia (Pedra, pássaro, árvore, caracol, rio...). A natureza é o
espelho da palavra.
Estudo de obras literárias UFU Prof. Jorge Alessandro

Há um processo de gênesis, retorno ao instante


primordial, a palavra assume uma dimensão “adâmica” - no
princípio era o Verbo - atribuindo poder divino às palavras.

_________________________________________
_________________________________________ _________________________________________
_________________________________________
________________________________________

Importante!
A poética de Manoel de Barros valoriza as coisas
ínfimas e desimportantes (o velho, os detalhes, as
criaturas pequenas, o ordinário). Acolhe-se aquilo que
na sociedade capitalista não possui valor ou sentido.
Há, portanto, na sua poesia um caráter de resistência
ao mundo engessado, utilitarista e consumista do
mundo pós-moderno.
Cultura do capital _________________________________________
Valores do mercado _________________________________________
Prisão do Ego cartesiano
Lógica iluminista Os versos traduzem poeticamente um modo de ser e
Controle social ideológico existir, expressando nitidamente a autodescoberta do “eu”.

Na poesia de Manoel de Barros, os sentidos são _________________________________________


formas de apropriação poética. Seus versos, então, são
carregados de sinestesia.
_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
Estudo de obras literárias UFU Prof. Jorge Alessandro

03. Leia o poema extraído do livro Menino do


Mato (2010), de Manoel de Barros.
A Linguagem
► Estranhamento sintático-semântico na construção das
frases. (Linguagem “desacostumada”) Repleta de
neologismos e de marcas da infância (Delírio do verbo)

► O livro traz a marca da oralidade: escreve como se fala.


Percebe-se na linguagem o modo de proceder dos
contadores de história ou dos provérbios populares.
Assinale a alternativa correta.
A) Os sentidos e a redução do universo são expostos pelos
elementos da natureza.
B) O retorno de si pela criança e pela fusão da natureza
Questões evidencia a pluralidade do sujeito do discurso.
C) A poesia procura chegar ao simbolizado, afastando-se da
01. Sobre o autor Manoel de Barros, é correto afirmar experiência do narrador.
que: D) O trabalho com a linguagem encurta a poesia nas
A) Há uso de vocabulário coloquial e de uma sintaxe pautada paisagens.
na oralidade. E) O encaminhamento das palavras afasta-se da prosa,
B) A poesia de Manoel de Barros não é uma leitura fácil, visto marca central do poeta.
que as possibilidades de comunicação são dificultadas pelos
neologismos. 04. Leia o poema "As lições de R. Q.", de Manoel de
C) Em sua poesia não há reflexões voltadas para os seres Barros, abaixo transcrito, e resolva o que se pede.
humanos em relação com a natureza e a linguagem. Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano):
D) A arte literária de Manoel de Barros não procura A expressão reta não sonha.
transfigurar a realidade. Não use o traço acostumado.
E) A metalinguagem não é uma característica da poesia de A força de um artista vem das suas derrotas.
Manoel de Barros. Só a alma atormentada pode trazer para a voz um
formato de pássaro.
Eu queria usar palavras de ave para escrever. Arte não tem pensa:
Onde a gente morava era um lugar imensamente e sem O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
nomeação. É preciso transver o mundo.
Ali a gente brincava de brincar com palavras Isto seja:
tipo assim: Hoje eu vi uma formiga ajoelhada na pedra! Deus deu a forma. Os artistas desformam.
[...] É preciso desformar o mundo:
O menino tinha no olhar um silêncio de chão Tirar da natureza as naturalidades.
e na sua voz uma candura de Fontes. Fazer cavalo verde, por exemplo [...]
BARROS, Manoel de. Menino do mato. In: Poesia completa. São
Paulo: Leya, 2010. p. 449. Considerando no contexto das tendências dominantes
da poesia de Manoel de Barros, no Livro sobre nada,
02. Em relação ao trecho do poema acima e ao livro pode-se afirmar que, neste texto, o "eu lírico" vê o
Menino do mato, assinale a alternativa correta. mundo como:
A) A expressão “imensamente e sem/nomeação” caracteriza A) Oportunidade de manifestar seu desapego tanto pelo
o espaço da poesia, que é vista como uma ida aos primórdios sagrado como pelo profano.
das palavras, trazendo o olhar inaugural da criança. B) Ânsia de integração em uma sociedade em que o sujeito
B) Menino do mato é um livro autobiográfico, o qual algumas só é reconhecido pela excentricidade e estranheza.
experiências traumáticas da infância são relatadas a partir do C) Transfiguração do mundo, que corresponde à experiência
olhar adulto já distante daquele universo rural. dos próprios sentidos.
C) o eu-lírico se desdobra na máscara do menino, narrando D) Frustração, uma vez que o artista é um derrotado, e Deus,
em terceira pessoa, mostrando um completo distanciamento uma ameaça.
diante dessa história autobiográfica. E) Esvaziamento do sentido de Arte, de Natureza e da
D) a imagem “silêncio de chão” remete a uma terra infértil e ausência de sonhos.
rústica, não apropriada ao cultivo de formas poéticas mais
atuais e rebuscadas. I
Estudo de obras literárias UFU Prof. Jorge Alessandro
(...)
O menino tinha no olhar um silêncio de chão TEXTO 1
e na sua voz uma candura de Fontes. Escrever é tantas vezes lembrar-se do
O Pai achava que a gente queria desver o mundo que nunca existiu. Como conseguirei
para encontrar nas palavras novas coisas de ver saber do que nem ao menos sei? assim:
assim: eu via a manhã pousada sobre as margens do como se me lembrasse. Com um esforço
rio do mesmo modo que uma garça aberta na solidão de "memória", como se eu nunca tivesse
de uma pedra. nascido. Nunca nasci, nunca vivi: mas
(...) eu me lembro, e a lembrança é em carne
BARROS, Manoel de. Menino do mato. Rio de Janeiro: Editora viva.
Objetiva, 2015. p.13 (Clarice Lispector, Os melhores momentos)

05. Em Menino do mato, um eu lírico menino tem o


TEXTO 2
desejo de apreender, sem se preocupar com explicações,
Infantil
as coisas do mundo, criar novidades por meio das
O menino ia no mato
palavras e de sua inocência pueril. Essa mesma ideia
E a onça comeu ele.
perpassa o fragmento:
Depois o caminhão passou por dentro
A) “Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa
do corpo do menino
dizendo que vira no campo dois dragões da independência
E ele foi contar para a mãe.
cuspindo fogo e lendo fotonovelas. [...] Quando o menino
A mãe disse: Mas se a onça comeu você,
voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram
como é que
pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete
o caminhão passou por dentro do seu
voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-
corpo?
lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a
É que o caminhão só passou renteando
meu corpo
mesmo um caso de poesia.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro:
E eu desviei depressa.
José Olympio, 1985. p. 24. Olha, mãe, eu só queria inventar uma
B) “Vai embora gato/ De cima do telhado/ Senão o poesia.
papaizinho/ Te faz desintegrado/ Dorme, filhinho, / Que esta Eu não preciso de fazer razão.
vida é cômica, / Estrôncio 90/ Mentalidade atômica/ Sonha (Manoel de Barros)
querido/ Enquanto sobe o jato/ Vamos pairando/ Com nosso
pé-de-pato/ Bicho-papão, bicho-papão, / Me multa esse 06. Os três textos apresentam ideias comuns, pois
Poláris/ Que parou na contramão/ Boi-boi-boi, / boi da cara discutem, cada um à sua maneira,
preta/ Liquida o homem verde/ Que caiu doutro planeta.” A) A literatura como sujeição à realidade.
FERNANDES, Millôr. Papáverum Millôr. Rio de Janeiro: Nórdica, 1974. B) A artificialidade na arte de criar.
p. 142. C) O fazer próprio à arte literária.
C) “[...] Em meus tempos de criança, era aquela encantação. D) A irrelevância da escrita.
Lia-se continuamente e avidamente um mundaréu de E) A ausência de objetividade na escrita.
histórias (e não estórias) principalmente as do Tico-Tico. Mas
lia-se corrido, isto é, frase após frase, do princípio ao fim.
Ora, as crianças de hoje não se acostumam a ler
correntemente, porque apenas olham as figuras dessas
histórias em quadrinhos, cujo „texto‟ se limita a simples frases
interjetivas e assim mesmo muita vez incorretas. No fundo,
uma fraseologia de guinchos e uivos, uma subliteratura de
homem das cavernas.”
QUINTANA, Mário. 80 anos de poesia. São Paulo: Globo, 2002.
D) “Em meio a um cristal de ecos/ O poeta vai pela rua/ Seus
olhos verdes de éter/ Abrem cavernas na lua. / A lua volta de
flanco/ Eriçada de luxúria/ O poeta, aloucado e branco/ Palpa
as nádegas da lua. / [...]/ O poeta todo se lava/ De palidez e
doçura. / Ardente e desesperada/ A lua vira em decúbito.”
Contatos:
MORAES, Vinicius. Antologia poética. Rio de Janeiro: José Olympio, Email: livrovivo@hotmail.com
1975.
www.facebook.com/jorgelivrovivo
Whatsapp: (38) 99179-4259
Site: jorgealessandro.wix.com/livrovivo

Você também pode gostar