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Nota Introdutória do Libcom

Karl Marx e Abraham Lincoln trocaram cartas no final da Guerra Civil. Embora
estivessem separados por muito mais do que o Oceano Atlântico, concordavam na
causa do “trabalho livre” e na urgente necessidade do fim da escravidão. Em sua
introdução Robin Blackburn argumenta que Lincoln sinalizou em sua resposta a
importância da comunidade alemã-americana e o papel da Internacional
Comunista em oposição ao reconhecimento Europeu da Confederação[1].
(...)

DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES PARA ABRAHAM


LINCOLN

Para Abraham Lincoln

Presidente dos Estados Unidos da América

Senhor,

Nós parabenizamos o povo americano pela sua reeleição por larga maioria.
Se a resistência ao poder escravo era a palavra de ordem de sua primeira eleição,
o triunfante grito de guerra de sua reeleição é a morte da escravidão.

Desde o início da titânica luta norte-americana, os trabalhadores da Europa


sentiram instintivamente que a bandeira das estrelas determinava o destino de sua
classe. A disputa pelos territórios que abriu a terrível epopeia, não foi para decidir
se o solo virgem de extensos caminhos deveria ser trilhado pelo trabalho do
imigrante ou prostituído pelo vagabundo dirigente de escravo [2]?

Quando uma oligarquia de 300 mil proprietários de escravos se atreveu a


inscrever, pela primeira vez nos anais do mundo, “escravidão” na bandeira da
revolta armada; quando nos lugares mais difíceis há quase um século a ideia de
uma grande república democrática surgiu pela primeira vez, donde a primeira
Declaração dos Direitos do Homem foi emitido e dado o primeiro impulso a
revolução europeia do século XVIII; quando a contrarrevolução desses princípios,
com sistemático rigor, gloriou-se em romper “às ideias acolhidas no tempo de
formação da velha Constituição” e manteve a “escravidão por ser uma instituição
benéfica, de fato, a única solução do grande problema na relação entre capital e
trabalho”, e cinicamente proclamou a propriedade no homem “a pedra angular do
novo edifício”, então a classe trabalhadora da Europa entendeu de uma só vez;
mesmo antes do partidarismo fanático das classes altas Confederadas terem dado
o triste alerta que a rebelião escravocrata era o sinal para uma cruzada sagrada
geral da propriedade contra o trabalho; para os trabalhadores, com suas
esperanças no futuro, as conquistas passadas estavam em jogo naquele tremendo
conflito no outro lado do Atlântico. Em toda parte, suportaram pacientemente as
dificuldades impostas pela crise do algodão, se opuseram entusiasticamente a
intervenção pró-escravidão, impertinências de seus “melhores”, e de muitas partes
da Europa deram seu sangue contribuindo para a boa causa.

Enquanto os trabalhadores, verdadeira força política no Norte, permitiram


que a escravidão definisse sua própria república, permitindo que o negro fosse
dominado e vendido sem sua concordância e se vangloriavam na alta prerrogativa
de que o trabalhador de pele branca para se vender podia escolher seu próprio
mestre, não conseguiram alcançar a verdadeira liberdade de trabalho ou apoiar
seus irmãos europeus na luta por emancipação, no entanto, essa barreira ao
progresso foi derrubada pelo mar vermelho da guerra civil.

Os Trabalhadores da Europa têm certeza que com a Guerra de


Independência Americana iniciou-se uma nova era de ascendência da classe
média, então a guerra anti-escravidão americana será feita pelas classes
trabalhadoras. Consideram isso uma questão séria da época, que se abateu sobre
Abraham Lincoln, o filho solitário da classe que liderará o seu país por meio da
incomparável luta pelo resgate de uma raça encadeada [3] e a reconstrução de um
mundo social.

Karl Marx, em nome da Associação Internacional dos Trabalhadores, o Conselho


Central.

Bee-Hive (Londres), 7 de janeiro de 1865


A RESPOSTA DO EMBAIXADOR AMERICANO ENDEREÇADA À ASSOCIAÇÃO
INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES

Para o editor do Times

Senhor,

Algumas semanas atrás uma carta de felicitações foi enviada do Conselho


Central da Associação acima para o Senhor Lincoln. A carta foi transmitida através
da Legação dos Estados Unidos e a resposta seguinte foi recebida. Sua
publicação é obrigatória,

Respeitosamente,

1. R. Cremer

Legação dos Estados Unidos

Londres, 31 de janeiro

Senhor,

Tenho a intenção de informá-lo que a missiva do Conselho Central de sua


associação, que foi devidamente transmitida por meio da Legação ao presidente
dos Estados Unidos, foi recebida por ele. Na medida que os sentimentos
expressos são pessoais, eles foram aceitos com um desejo ansioso e sincero de
que ele possa provar que não é indigno da confiança que tem e que foi
recentemente depositada a ele por seus concidadãos, por tantos amigos da
humanidade e do progresso em todo o mundo. O governo dos Estados Unidos tem
a consciência clara de que a política nem é, nem deve ser reacionária, mas ao
mesmo tempo aderiu ao curso que foi adotado desde o início, de se abster de todo
e qualquer propagandismo e de intervenção fora da lei. Busca o esforço por
igualdade e exata justiça para todos os estados e para todos os homens, isto
baseia-se nos resultados benéficos desse esforço com o apoio em casa, com o
respeito e a boa vontade ao redor do mundo. Nações não existem sozinhas, por si
mesmas, mas para promover o bem-estar e a felicidade da humanidade por
relações e exemplos benevolentes. E nestas relações que os Estados Unidos
firmam sua causa no presente conflito com os insurgentes que buscam manter a
escravidão como causa da natureza humana, e obteve novo encorajamento para
perseverar com o testemunho dos Trabalhadores da Europa, a atitude nacional foi
favorecida com sua esclarecida aprovação e sinceras simpatias.

Eu tenho a honra de ser, Senhor, seu obediente servo

Charles Francis Adams.

Times, 6 de fevereiro de 1865

[1] A Europa à época apoiou os Estados Confederados que eram favoráveis a


manutenção do trabalho escravo (N. do T.)

[2] No original: The tramp of the slave driver, mais ou menos como capitão do mato no
Brasil.

[3]Raça encadeada fora o melhor termo que achei para essa tradução, o que significa que
Marx contrário a separação étnico-racial, muito em voga em sua época, era a favor do
encadeamento étnico-racial. De acordo com o dicionário encadear é ligar-se a outros;
seguir pela ordem natural, etc… (N. do T.)

Extraído de: Cartas entre Karl Marx e Abraham Lincoln | LavraPalavra

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