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HISTORIOGRAFIA E ENSINO DA HISTÓRIA NA PRIMEIRA REPÚBLICA:


ALGUMAS OBSERVAÇÕES i

Rebeca Gontijo
Bolsista PRODOC da CAPES no Programa de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro

A análise da historiografia e do ensino da história na Primeira República (1889-1930)


pressupõe o enfrentamento de algumas interpretações consolidadas. É preciso considerar, por
exemplo, que a história da história no Brasil – considerando um duplo viés, o historiográfico e o
escolar – costuma ser dividida em “antes e depois” dos anos 1930, prevalecendo certa visão
negativa acerca da produção literário-intelectual anterior a essa data, incluindo a produção
historiográfica – comumente vista como “positivista” – e a didática – caracterizada pela associação
entre nacionalismo e cientificismo.ii Além dessa divisão fundamental, alguns referenciais
prevalecem na história da disciplina (e da educação) que focaliza a primeira metade do século XX,
contribuindo, de certo modo, para alimentar o desinteresse pelas três primeiras décadas
republicanas. Destaca-se a contribuição da Escola Nova – cujo ideário foi introduzido no Brasil nos
anos 1920 – na crítica a três aspectos: o predomínio da cronologia e da história política nos
programas de ensino; a ênfase dada à relação entre nacionalismo e militarismo; e a metodologia
baseada na memorização de conteúdos.iii Outra contribuição valorizada é a da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo, criada em 1934, dedicada à formação universitária do
professor secundário. Valoriza-se, sobretudo, a participação de cientistas estrangeiros,
principalmente franceses, na construção do campo de estudos sociais no Brasil, com destaque para
as áreas de Sociologia, História e Geografia.iv Por fim, os investimentos ocorridos durante o Estado
Novo (1937-1945), no sentido da organização da educação e da cultura, bem como, na produção de
materiais didáticos, também costumam ser privilegiados pelos estudos sobre a história da história.v
Contudo, há poucas pesquisas sobre a historiografia e o ensino da história na Primeira República,
sendo que uma parte delas apenas tangencia a produção do período, contrastando-a com as práticas
observadas no Império e no Estado Novo.vi Mas, a relevância do estudo sobre a historiografia e o
ensino da história na Primeira República não deve ser buscada apenas na ausência de pesquisas
sobre o tema. Mais interessante é considerar o fato de que a mudança de regime político promove,
aqui como em outros lugares, uma certa urgência de reflexão sobre os saberes e poderes necessários
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a sua efetiva consolidação. Tal mudança pode contribuir para uma melhor visibilidade das
continuidades e das rupturas em relação ao período que antecede à República, em vista da
necessidade de criar novas tradições.vii
Um primeiro passo para o estudo da historiografia e do ensino da história no período em
questão é compreender os problemas da educação daquela época, bem como, os esforços no sentido
de equacionar a tríade Estado-Povo-Nação. Em outras palavras, é preciso situar os sucessos e os
fracassos dos projetos e das práticas historiográficas, assim como das experiências do ensino de
história então realizadas, em relação aos desafios existentes nas décadas que sucederam a Abolição
(1888) e a Proclamação da República (1889).viii
De acordo com Ângela de Castro Gomes, a construção de prédios escolares e a aplicação de
métodos de ensino eram os aspectos mais visíveis do investimento da República nascente no plano
educacional. À escola e ao professor eram atribuídos os papéis principais na árdua tarefa de formar
a nacionalidade, num momento em que muitos negavam a existência da nação e do povo
brasileiro.ix Com a Proclamação da República, difundiu-se a perspectiva de que a escola e o ensino
deveriam denunciar os atrasos impostos pela monarquia e assumir o papel de regenerar os
indivíduos e a própria nação, colocando o país na rota do progresso e da civilização. Assim como
ocorrera ao longo do século XIX, o conhecimento do passado tinha grande importância, indicando o
papel estratégico atribuído à escrita e ao ensino da história para a consolidação do novo regime,
vislumbrada através da efetivação de uma “pedagogia do cidadão” adequada à nova conjuntura.
Para o escritor e crítico literário José Veríssimo, por exemplo, a finalidade do ensino da história era:
(...) dar-nos pelo conhecimento da origem comum, das dificuldades em comum
sofridas e em comum vencidas, da marcha e evolução dos mesmos costumes, das mesmas leis
e da mesma organização, dos processos custosa, lenta, mas seguramente adquiridos, a noção
exata da solidariedade nacional, e com ela o amor da pátria que nos legaram os nossos
antepassados e o desejo firme de continuá-los, para legá-la às gerações vindouras
sucessivamente melhorada.x

Outro intérprete, Manoel Bomfim, considerava que a educação era uma tarefa “urgentíssima
para a República e para a Pátria”, sendo que o ensino da história precisava ser revisto. Para esse
autor, a história a ser ensinada baseava-se em antagonismos: o elemento nacional opunha-se ao
estrangeiro (lusitano); o povo se opunha às classes dirigentes. De modo distinto, a história deveria
ser útil no sentido de formar tradições comuns, glorificando heróis e valorizando a consciência
nacional. A tarefa específica do professor seria capacitar os alunos para “julgar” os fatos e os
personagens, identificar causas e efeitos e incutir-lhe sentimentos de “admiração, entusiasmo... ou
compaixão, repulsa, reprovação”.xi Contudo, para além dessa visão patriótica da história, Manoel
Bomfim propunha que:
O estudo da história não se poderia limitar a simples enunciados dos fatos, que ficariam,
deste modo, sem valor. No entanto, é esse o caráter que lhe dão em muitos casos; e, com isto, se
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torna o ensino inteiramente árido, estéril, difícil e inútil. É nessas condições que vemos reduzir-se a
instrução histórica à crônica exclusivamente política, ou militar – recitação de nomes de príncipes,
listas de datas, indicação de casas reinantes... (...). Ora, uma das utilidades da história é mostrar-nos
em que medida os indivíduos influem, realmente, sobre a marcha dos acontecimentos, e de que
forma se refletem sobre a alma dos heróis as necessidades e as aspirações gerais.xii
Sobretudo, o estudioso da história – assim como o professor dos primeiros tempos
republicanos – deveria ser capaz de captar e transmitir o “sentimento da terra e da gente”.
Sentimento a ser expresso através de uma narrativa distinta daquelas pontuadas por nomes e datas,
apresentados através de formas variadas, como os relatórios, os anais e as memórias, bastante
utilizados ao longo do século XIX.xiii Em outras palavras, a escrita e o ensino da história-pátria
deveriam contribuir para a integração do povo brasileiro de modo a fundamentar a nova
nacionalidade projetada pela República.
Um dos dilemas vividos nas primeiras décadas do século XX dizia respeito à definição do
melhor modo de escrever a história nacional. Prevalecia a expectativa de uma “grande obra”: um
grande livro capaz de reconstituir a história nacional, em consonância com dois parâmetros: o da
metodologia científica e o do patriotismo. Não havia incongruência entre a utilização de um método
moderno de investigação histórica e um olhar teleológico, que observava o passado enquanto
prenúncio necessário do presente.xiv A carência de documentos era motivo de muita preocupação,
sendo notável o investimento realizado no sentido de obtê-los e divulgá-los.xv Os procedimentos
seguidos na construção do conhecimento histórico e a forma de exposição e ensino do mesmo
tornaram-se objetos de discussão, ultrapassando o círculo de “especialistas” e educadores. As
críticas às interpretações correntes, bem como, aos intérpretes, proliferaram, ao lado das receitas
sobre como a história do Brasil deveria ser escrita, evidenciando a preocupação com a narrativa.xvi
Para Álvaro Bomílcar, por exemplo: “O Brasil tem uma história honrada, mas pouco interessante;
não pela carência de fatos dignos de menção ou de sistematizadores eminentíssimos, mas por falta
de um Michelet, capaz de consubstanciá-los numa obra virtual e volitiva, de acordo com os
interesses nacionais”.xvii
Uma nova história do Brasil deveria ser distinta do modelo proposto por Francisco Adolfo
de Varnhagen na sua História Geral do Brasil (1854/1857). Essa obra, mesmo criticada, era vista
como referencial tanto para a pesquisa quanto para o ensino da história,xviii não apenas por
apresentar o maior volume de documentos até então reunidos, mas, também, por ser a primeira (e,
durante muito tempo, única) história geral da nação escrita por um brasileiro. Varnhagen era
criticado por ter escrito “sem crítica e sem estilo, consumindo largas páginas com fatos somenos,
quando deixava nas sombras de ligeiros traços acontecimentos notáveis, dignos de mais
desenvolvida notícia”.xix
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Supostamente, a busca de documentos e os esforços para ampliar o acesso aos mesmos, ao


lado das reflexões sobre a natureza e o uso das fontes no estudo histórico; sobre os métodos de
análise; os problemas da narrativa e da interpretação, constituíram uma espécie de agenda de
discussão sobre a pesquisa e a escrita da história. Tal agenda pode ser identificada, ainda que seja
fragmentada e dispersa devido aos meios efêmeros utilizados para sua divulgação. Essa não era
feita por meio de manifestos ou livros, mas através de artigos e resenhas publicadas em jornais e
revistas, assim como, por meio de discursos, prefácios, traduções e notas. São apontamentos úteis
não tanto para estabelecer como a história deveria ser interpretada e escrita, mas para indicar aquilo
que o historiador não deveria esquecer ao longo do trabalho, sob a pena de não ter sua autoridade
reconhecida. Serviam, desse modo, para dar algum sentido tanto à produção historiográfica, quanto
às discussões sobre o ensino da história e a chamada “questão nacional”, impondo-se até pelo
menos os anos 1930, ainda que adquirindo novos itens, reiterando e rejeitando antigas proposições.
A identidade do Brasil estaria vinculada à (re)construção de suas experiências no tempo,
sendo que, a leitura do passado deveria inspirar confiança no futuro da nação.xx Mas, esse esforço
para atribuir um sentido positivo ao passado nacional contrapunha-se à visão de que a história
brasileira era marcada por mazelas, que impediam a afirmação de tradições nacionais comuns. Para
Alceu Amoroso Lima, por exemplo, havia muito o que esquecer “antes de começarmos a
lembrar”.xxi Os conteúdos ensinados deveriam consolidar uma interpretação do passado como algo
homogêneo, valorizando a tradição de lutas pela defesa do território e pela unidade nacional, além
dos feitos heróicos identificados com os ideais republicanos. Em outras palavras, nesse trabalho de
construção de uma nação republicana, era necessário identificar no passado os elementos capazes de
contribuir para legitimá-la. Heróis, símbolos, hinos e celebrações foram articulados de modo a
constituir um espaço simbólico nacional-republicano. Era preciso afirmar que o novo regime
político não era obra do acaso, mas resultado de um longo processo, cuja memória precisava ser
resguardada.xxii
Cabe lembrar que essa (re)construção da história nacional ocorria num momento em que a
escrita da história não era trabalho específico de historiadores de ofício. A história era escrita e
ensinada por homens de letras: um conjunto bastante amplo e heterogêneo de polígrafos, que incluía
bacharéis em direito, médicos, engenheiros e literatos, que se ocupavam de modo diferenciado do
ensino, da escrita da história, dos debates políticos, da literatura e dos temas sociais, através de
atividades como, por exemplo, o jornalismo, o magistério e a crítica literária. Alguns ocupavam
cargos públicos, exercendo serviços burocráticos, atuando na política, na diplomacia, na
administração e organização de arquivos e bibliotecas. Além disso, aqueles que se dedicavam ao
estudo e à escrita da história, lidavam com um amplo leque de assuntos. Além de história, também
podiam escrever sobre fauna, flora, etnografia, folclore, filologia, lingüística, geografia e geologia,
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por exemplo.xxiii No entanto, apesar da dificuldade em circunscrever a produção historiográfica,


observa-se que a pesquisa e a escrita da história eram atividades desenvolvidas ao longo do tempo,
pois exigiam o acúmulo de alguma erudição, a disponibilidade de tempo e recursos financeiros. Tais
tarefas eram vistas como um trabalho árduo, que demandava considerável investimento pessoal para
a obtenção e leitura de documentos manuscritos e publicações estrangeiras, assim como, para a
redação e divulgação de textos. Esses mesmos estudiosos, com sua formação, atuação e produção
intelectual diversificada, deram os primeiros passos no sentido da especialização dos campos de
conhecimento, de modo a permitir a associação de determinados trabalhos ao domínio de certas
práticas de pesquisa, leitura e escrita. Eram impelidos por um gosto muito particular pela pesquisa
em arquivos e pela árdua leitura de manuscritos e trabalhos em língua estrangeira. Além disso,
outro fator capaz de estimular o estudo da história era a participação em determinadas redes de
sociabilidade, tecidas em torno de figuras-chave do mundo intelectual, que incentivavam pesquisas,
indicavam leituras, propunham temas e roteiros de trabalho, de modo a estabelecer a colaboração
em projetos individuais e coletivos. Tais redes também eram responsáveis pelo reconhecimento do
historiador, contribuindo para atestar sua competência no estudo da história. Como observou
Ângela de Castro Gomes, por mais difícil que fosse, a identificação do historiador poderia ser feita
através da localização de tradições historiográficas, representadas por temas, procedimentos de
investigação, referências organizacionais e figuras-chave.xxiv
Nas primeiras décadas republicanas a principal referência organizacional para os estudos
históricos era o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838. Ao longo do século
XIX, sua tarefa havia sido estabelecer uma história da nação brasileira capaz de lhe garantir uma
identidade própria em relação ao conjunto das Nações civilizadas. Identidade capaz de se impor
tanto externa quanto internamente.xxv Outra referência importante no período – uma das figuras-
chave no campo de estudos históricos em formação – era Capistrano de Abreu (1853-1927),
estudioso da história colonial, da geografia brasileira e das línguas indígenas, reconhecido por sua
grande erudição e capacidade investigativa. Como muitos de seus contemporâneos, tornou-se
historiador através da prática de pesquisa em arquivos, notabilizando-se como tradutor, anotador,
prefaciador e, sobretudo, como incentivador de estudos. Resumidamente, o plano de escrita da
história de Capistrano estaria organizado em três partes principais: o descobrimento do Brasil
(considerando as pretensões francesa, espanhola e portuguesa); a “formação do organismo
brasileiro” (exploração e ocupação do litoral e do sertão, iniciados nos séculos XVI e XVII); e a
evolução (transformação ocorrida entre os séculos XVII e XIX). Através desse plano ele teria
contribuído para romper com o elogio da colonização portuguesa, valorizando a conquista e
formação do Brasil por um “brasileiro mestiço”, principalmente de índios e brancos. De acordo com
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alguns intérpretes, o Brasil que surge em seus estudos não é mais o do Estado Imperial, mas o do
povo brasileiro, visto em sua unidade e diversidade.xxvi
Naquela época, homens de letras como Capistrano podiam ser conduzidos ao estudo da
história por imperativos ético-políticos, que exigiam respostas para os problemas nacionais que
fossem, ao mesmo tempo, pragmáticas e embasadas em metodologia científica.xxvii Um dos
problemas mais urgentes era definir quem era o povo brasileiro; problema cuja equação deveria
contribuir para explicar a formação da nacionalidade.xxviii
A partir de meados da década de 1910 observa-se um renovado “entusiasmo pela educação”,
acompanhado por movimentos cívico-patrióticos. Há uma preocupação cada vez maior com o
aprendizado da Língua nacional, com o enaltecimento da Geografia e a revisão da História do
Brasil. Ao mesmo tempo, o campo de estudos históricos encontrava-se em plena formação,
exigindo certa autonomia em relação a outros tipos de estudo; estabelecendo as regras para uma
historiografia cientificamente orientada e impondo um ideal cívico-patriótico com o qual aqueles
que escreviam a história deveriam se identificar. Resumidamente, observa-se a existência de uma
dupla exigência: a de objetividade e a de posicionamento intelectual, capaz de produzir tensões no
interior da prática historiográfica.xxix Supostamente, foi em meio a essa dupla exigência que o
campo dos estudos históricos ganhou certa autonomia, definindo-se enquanto um tipo de prática
dominada por um especialista: o historiador, identificado pela capacidade de construir seu objeto,
de desenvolver procedimentos de análise crítica, de refletir sobre aquilo que produz – o
texto/conhecimento histórico – e, ao mesmo tempo, por situar-se em meio a uma tradição intelectual
de estudos. Aquilo que o historiador produzia, legitimado pelo modo como produzia, tinha um valor
propedêutico que não podia ser dispensado. Tal como ocorrera ao longo do século XIX, a escrita da
história das primeiras décadas republicanas também era vista como algo indissociável da ação
política. Desse modo, a constituição de um campo de estudos históricos e a identificação de um
profissional atuante nesse campo conciliava os projetos intelectuais com as demandas do campo
político.xxx Tais demandas eram dirigidas diretamente àqueles que se dedicavam à escrita e ao
ensino da história.
Por tudo o que foi dito, é possível considerar que o fim do século XIX e as primeiras
décadas do século XX constituem um período importante para a construção de um campo de
estudos históricos no Brasil, quando se discutiu a tradição historiográfica herdada do Império,
buscando novos paradigmas para a historiografia e o ensino da história nacional, considerados
estratégicos para a República.
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Notas:

i
O presente texto resulta de um primeiro esforço no sentido de complexificar um dos pontos tratados no capítulo 6 da
minha tese de doutorado, O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador (Niterói: UFF, 2006).
Trata-se do ponto referente ao ensino da história na I República, visto aqui em relação à formação do campo de estudos
históricos.
ii
Ver, por exemplo: CÂNDIDO, Antônio. Literatura e cultura de 1900 a 1945. In: _____. Literatura e sociedade. São
Paulo, Companhia Editora Nacional, 1965; BOSI, Alfredo. As letras na Primeira República. In: FAUSTO, Boris (Org.).
História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, tomo III, vol. 9, 1997, p.293-319; LIMA,
Luiz Costa. Da existência precária: o sistema intelectual brasileiro. In: _____. Dispersa demanda (ensaios sobre
literatura e teoria). Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1981, p.3-29. Originalmente publicado in Cadernos de Opinião,
Rio de Janeiro, n. 2-5, 1978; BITTENCOURT, Circe. Os confrontos de uma disciplina escolar: da história sagrada à
história profana. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol.13, n.25/26, set. 1992 / ago. 1993, p.193-221; NADAI,
Elza. O ensino de história no Brasil: trajetória e perspectiva. Revista Brasileira de História, São Paulo, vol.13, n.25/26,
set. 1992 / ago. 1993, p.152-153.
iii
Ver NADAI, ibidem, p.152-153; SCHMIDT, Maria Auxiliadora. História com Pedagogia: a contribuição da obra de
Jonathas Serrano na construção do código disciplinar da História do Brasil. Revista Brasileira de História. São Paulo,
vol.24, n.48, 2004, p.189-211. Estudos recentes de história da educação chamam a atenção para o fato de que o
movimento da Escola Nova subestimou as experiências educacionais vividas nas primeiras três décadas republicanas.
Alguns dos princípios defendidos pela Escola Nova, tais como a defesa da escola pública universal e gratuita e a
questão do ensino leigo já eram tema de debates desde o fim do século XIX. Tais experiências foram assimiladas e
aprofundadas pelo movimento escolanovista, recebendo novos significados políticos e pedagógicos a partir de meados
da década de 1920. Ver CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Educação e política nos anos 20: a desilusão com a
República e o entusiasmo pela educação. In: LORENZO, Helena e COSTA, Wilma (Orgs.). A década de 1920 e as
origens do Brasil moderno. São Paulo: Unesp, 1997, p.115-132; GOMES, Ângela de Castro. A escola republicana:
entre luzes e sombras. In: _____; PANDOLFI, Dulce Chaves e ALBERTI, Verena (Orgs.). A República no Brasil. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira / FGV-CPDOC, 2002, op. cit., p.410.
iv
NADAI, op. cit., p.153-154. Ao lado da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo, que veio a integrar a
USP, em 1934, outro importante centro de formação de professores para o ensino secundário de história foi a
Universidade do Distrito Federal, organizada por Anísio Teixeira em 1935.
v
Ver: REZNIK, Luís. O lugar da História do Brasil. In: MATTOS, Ilmar Rohloff de (Org.). Histórias do ensino da
História no Brasil. Rio de Janeiro: Access, 1998, p.67-89; e GOMES, Angela de Castro. História e historiadores. Rio
de Janeiro: FGV, 1996.
vi
Uma exceção é o trabalho de HANSEN Patrícia Santos. Feições & Fisionomia. A História do Brasil de João Ribeiro.
Rio de Janeiro: Access, 2000. Os trabalhos A instrução e a República (1941), de Moacyr Primitivo; e A educação na
Primeira República (1977), de Jorge Nagle são referências constantes, porém, não abordam o ensino da história. Outra
referência é o livro de José Murilo de Carvalho, A formação das almas (1990), que embora focalize o período em
questão, também não analisa a historiografia e o ensino de história. O trabalho de Ângela de Castro Gomes, A escola
republicana (2002) traz importante síntese para o conhecimento da educação em fins do século XIX e início do XX,
mas também não trata especificamente do ensino da história. A tese de Circe Bittencourt, Livro didático e conhecimento
histórico (1993), é uma contribuição relevante, contudo, a produção didática da Primeira República é apenas uma entre
outras focalizadas. Os já citados artigos de Bittencourt, Os confrontos de uma disciplina escolar (1993) – elaborado a
partir de partes de sua tese – e de Elza Nadai, O ensino de história no Brasil (1993) parecem ser as referências mais
utilizadas para pensar o ensino da história no início da República. Ambos analisam as disputas entre intelectuais e
políticos empenhados na organização e institucionalização da história como saber escolar.
vii
Para o caso francês, ver: FURET, François. O nascimento da história. In: _____. A oficina da história. S.l.: Gradiva,
s/d, p109-135. Sobre a invenção de tradições, ver, por exemplo: HOBSBAWM, Eric. Introdução: a invenção das
tradições. In: HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984,
p.9-23.
viii
Ver GOMES, “A escola republicana”, op. cit., p.388. Essa perspectiva considera a necessidade de situar a história
como saber escolar – bem como a produção historiográfica – em relação a seus lugares sociais ou contextos históricos
de produção. Ver CERTEAU, Michel. A operação historiográfica. In: A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense,
1982, p.65-119; e, também CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de
pesquisa. Teoria & Educação. Porto Alegre: Pannomica, n. 2, 1990, p.177-229.
ix
GOMES, op. cit., p. 387, 393 e 404-405.
x
VERÍSSIMO, op. cit., p. 133-138.
xi
BOMFIM, Manoel. Nacionalização da escola. Educação e Ensino. Revista Pedagógica Mensal da Instrução Pública
Municipal do Distrito Federal, julho de 1897, ano I, n.1, p.23.
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xii
BOMFIM apud ALVES FILHO, Aluízio. Pensamento político no Brasil – Manoel Bomfim: um ensaísta esquecido.
Rio de Janeiro: Achiamé, 1979, p.42. A citação foi extraída de BOMFIM, Lições de pedagogia. Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1915.
xiii
Ver SCHAPOCHNIK, op. cit., p. 70-71.
xiv
DE LUCA, op. cit., p.95-96. Circe Bittencourt enfatizou a contradição, no início da República, entre o apelo
nacionalista-ideológico e o cientificismo, baseado em princípios de neutralidade e objetividade. Tal contradição teria
marcado a produção de materiais didáticos no período em questão. Ver BITTENCOURT, op. cit., p.213.
xv
A reescrita da história nos anos 1910 e 1920, por exemplo, foi incentivada por Washington Luis, quando prefeito de
São Paulo (1914-1919) e presidente do estado (1920-1924). Estudioso da história, ele apoiou a publicação de valiosos
documentos, tais como: as Actas da Câmara de Santo André (1914) e de São Paulo (iniciada em 1914); o Registro
Geral da Câmara de São Paulo (1917); os Inventários e testamentos (iniciada em 1920); e as Sesmarias (iniciada em
1921). Essas publicações serviram de base para os trabalhos de Alcântara Machado, Afonso d’Escragnolle Taunay,
Basílio de Magalhães, Paulo Prado, Alfredo Ellis Júnior etc., que tratam, de diferentes formas, da ocupação do interior
do país. Tais iniciativas eram isoladas, decorrendo, em grande parte, do esforço de alguns nomes no sentido de obter
apoio para tais publicações entre políticos, empresários e burocratas, demonstrando um estreito e útil vínculo entre os
historiadores e o campo do poder.
xvi
DE LUCA, op. cit., p.95.
xvii
BOMÍLCAR apud LIPPI DE OLIVEIRA, op. cit., p.133. A citação é extraída do livro A política no Brasil ou o
nacionalismo radical (1920).
xviii
No ensino da história, o paradigma de Varnhagen se impôs através das obras de Joaquim Manuel de Macedo,
professor do Imperial Colégio de Pedro II, que difundiu os princípios e conteúdos expostos na História Geral do Brasil.
Segundo Selma Rinaldi de Mattos, as obras de Macedo possuíam um perfil conservador, dedicado a fixar conteúdos,
valores e imagens de uma História do Brasil, com o objetivo de legitimar a ordem imperial perante sucessivas gerações.
Além disso, também visavam situar o império do Brasil no conjunto das “Nações civilizadas”, bem como destacar o
lugar das elites na sociedade imperial. Ver MATTOS, Selma Rinaldi de. O Brasil em lições: a história como disciplina
escolar em Joaquim Manuel de Macedo. Rio de Janeiro: Access, 2000, p.17. Ver também: WEHLING, Arno. Estado,
História, Memória: Varnhagen e a construção da identidade nacional. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 212-216.
xix
ARARIPE, Tristão de Alencar. “Indicações sobre a História Nacional”. Revista do IHGB, vol. LVII, parte 2, 1894, p.
289. Ao longo do século XIX, a produção de relatórios, anais e memórias era vista como uma alternativa provisória,
uma vez constatada a inexistência de um modelo de escrita da história nacional capaz de distinguir-se da crônica e das
belas-letras, por meio da construção de um tipo específico de narrativa, guiada por um aparato crítico-científico de
análise documental. Sendo assim, lamentava-se a existência de uma lacuna historiográfica a ser preenchida. Lacuna
surgida de uma dupla carência: de documentos e de um modelo de escrita da história. Parte dessa carência foi
preenchida pela proposta do naturalista alemão Karl Friedrich Phillip Von Martius, intitulada Como se deve escrever a
história do Brasil (1845), e pela História Geral do Brasil (1854/1857), de Varnhagen.
xx
Ver OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. A construção da história da nação. In: _____. A questão nacional na Primeira
República. São Paulo, Brasiliense, 1990, p.127-144; DE LUCA, Tânia Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para
a (n)ação. São Paulo: Unesp, 1999, p.85-130.
xxi
LIMA, Alceu Amoroso. Os remédios inestéticos. Revista do Brasil, vol. 14, n. 56, ago./1920, p.360-361.
xxii
O calendário cívico do regime republicano fora instituído em 1890, evocando fatos ligados à fraternidade universal e
à comunhão nacional. Ligadas à fraternidade universal estariam as seguintes datas: 1o de Janeiro (fraternidade
universal), 14 de Julho (tomada da bastilha), 12 de Outubro (dia das crianças) e 2 de Novembro (finados). Quanto à
comunhão nacional, comemorava-se o 21 de Abril (Tiradentes), o 3 de Maio (descoberta do Brasil), o 13 de Maio
(“fraternidade dos brasileiros”, expressa através da Lei Áurea), o 7 de Setembro (Independência do Brasil) e o 15 de
Novembro (Proclamação da República). Segundo Marly Silva da Motta, o ponto central da comemoração do Centenário
era a definição do significado político do grito do Ipiranga e o papel de diversos personagens históricos no processo de
independência. Diz a autora que: “avaliando a herança dos três séculos de colonização portuguesa no Brasil, discutindo
o sentido do grito do Ipiranga, elegendo Bonifácio como o grande ‘patriarca da independência’, os pensadores do
centenário construíram uma ‘história’ (na verdade, uma memória), que firmou uma longa tradição na transmissão do
conhecimento histórico”. MOTTA, Marly Silva da. A nação faz 100 anos: a questão nacional no centenário da
Independência. Rio de Janeiro: FGV, 1992, p.14 e 20. Ver também: CARVALHO, José Murilo de. A formação das
almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. A
questão nacional na I República. São Paulo: Brasiliense, 1990.
xxiii
No início do século XX, o autodidatismo tendia a diminuir rapidamente, mas não havia uma ligação estreita entre a
formação profissional e a produção intelectual. Diante desse quadro, pode-se considerar que é muito difícil delimitar o
que constituiria a produção historiográfica desenvolvida nas primeiras décadas do século XX, sendo possível supor que
não houvesse um único modelo de contribuição valorizado como estudo histórico. Em decorrência disso, o perfil do
historiador era muito diferenciado em termos de contribuições. GOMES, Ângela de Castro. História e historiadores.
Rio de Janeiro, FGV, 1996, p.38.
xxiv
Essa caracterização do campo de estudos históricos no início do século XX foi elaborada por GOMES, Ângela de
Castro. História e historiadores. Rio de Janeiro, FGV, 1996, p. 12, 38, 43-47, 75-77.
‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 9

xxv
Sobre o IHGB ao longo do século XIX, ver GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos:
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos – Dossiê
Caminhos da Historiografia. Rio de Janeiro, n. 1, 1988, p.5-27; GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal. Debaixo da
imediata proteção de Sua Majestade Imperial. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889). São Paulo,
USP / FFLCH, tese de doutorado, 1994.
xxvi
RIBEIRO, Maria Luiza Gaffrée, op. cit., p.50; REIS, José Carlos. Anos 1900: Capistrano de Abreu. O surgimento
de um povo novo: o brasileiro. In: _____. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: FGV, 1999,
p.114; PEREIRA, Daniel Mesquita. Descobrimentos de Capistrano: a História do Brasil “a grandes traços e largas
malhas”. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura da Pontifícia Universidade
Católica, Tese de Doutorado, 2002.
xxvii
Sobre o pragmatismo do trabalho historiográfico no início da República, ver GOMES, História e historiadores, op.
cit., p.76-77.
xxviii
NAXARA, Márcia Regina Capelari. Estrangeiro em sua própria terra: representações do brasileiro, 1870/1920.
São Paulo: Anablume, 1998.
xxix
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Ronda noturna: narrativa, crítica e verdade em Capistrano de Abreu. Estudos
Históricos – Dossiê Caminhos da Historiografia, Rio de Janeiro, vol. 1, n. 1, 1988, p.32. No início da República,
marcado por um clima geral de instabilidade política e de incerteza acerca do futuro do país, muitos homens de letras se
engajaram na construção de um espaço próprio, capaz de favorecer a profissionalização do intelectual e, ao mesmo
tempo, promover certo distanciamento em relação ao mundo do poder. Esse engajamento foi lido posteriormente como
um projeto apolítico, promovido por intelectuais que haviam atuado em defesa do novo regime, mas que, decepcionados
com os rumos da República e sentindo-se por ela excluídos, optaram pelo afastamento em relação à política (sobretudo,
a partidária). Ver, por exemplo: SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na
Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1983; NEEDELL, Jeffrey. Belle époque tropical. São Paulo: Companhia
das Letras, 1993. Outra leitura, mais condizente com o que está sendo defendido aqui, considera esse projeto como
marcadamente político, justamente, por defender um distanciamento dos intelectuais do campo do poder. Um outro
olhar sobre a produção intelectual das primeiras décadas do século XX pode ser encontrado em: GOMES, op. cit., p.49;
LUCA, Tânia Regina de. “República Velha: temas, interpretações, abordagens”. In: SILVA, Fernando Teixeira da;
NAXARA, Márcia Regina Capelari; CAMILOTTI, Virgínia (Orgs.). República, Liberalismo, Cidadania. Piracicaba,
SP: Unimep, 2003, p.33-51; PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda Pereira. “Uma miragem de República: sonhos e
desilusões de um grupo literário”. In: SILVA, Fernando Teixeira da; NAXARA, Márcia Regina Capelari;
CAMILOTTI, Virgínia (Orgs.). República, Liberalismo, Cidadania. Piracicaba, SP: Unimep, 2003, p.53-72;
RODRIGUES, João Paulo Coelho de Souza. A dança das cadeiras: literatura e política na Academia Brasileira de
Letras (1896-1913). Campinas, Unicamp, 2001.
xxx
Sobre a importância política da história no Brasil do século XIX, ver, por exemplo: GUIMARÃES, ibidem; E, no
início da República: GOMES, op. cit., p.75-124; LIPPI DE OLIVEIRA, op. cit., p. 127-143; DE LUCA, op. cit., p.85-
126; e JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. O diálogo convergente: políticos e historiadores no início da República.
In: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p. 119-
143. Especificando um pouco mais: embora lidasse com uma vasta gama de assuntos, esse historiador afirmava sua
especialidade, entre outras coisas, a partir do exercício de um método de crítica documental, capaz de distingui-lo dos
demais homens de letras. Ao lado do método, a erudição também contribuía para definir o historiador, do mesmo modo
que a relação de seu nome – mesmo que por oposição – a uma tradição de estudos históricos, herdada do século XIX,
podia ajudar a consolidar seu papel. Tradição essa bastante marcada pelo esforço de localizar e armazenar documentos,
submetendo-os à crítica especializada. Mas, essa autonomia proferida pelo exercício de um método científico não
excluía as ligações com o campo do poder.

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