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Márcio Antônio da Rocha

Marcela Magalhães Terra

Guilherme da Cruz e Zica

Luiza Freitas de Mendonça

Sara Rosane Ferreira Moreira

1) Analise, criticamente, a petição da ADPF 153 em face do Sistema Internacional


de Direitos Humanos.

A exordial da OAB sustenta que a anistia prevista na Lei nº 6.683/79 não deve
abranger os delitos comuns perpetrados por agentes estatais durante o regime militar,
tais como a tortura, o homicídio, o desaparecimento forçado, entre outros. Tal
entendimento coaduna-se com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), que reputa inadmissíveis as autoanistias em casos de graves
violações de direitos humanos.

A CIDH possui firme entendimento no sentido de que as leis de anistia que


obstam a investigação e a punição de severas transgressões aos direitos humanos
afiguram-se incompatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Precedentes como Barrios Altos vs. Peru e Almonacid Arellano vs. Chile corroboram
essa interpretação.

Segundo o direito internacional, as vítimas e suas famílias têm o direito à justiça,


à verdade e à reparação. A manutenção da interpretação da Lei de Anistia que impede a
responsabilização dos agentes do Estado é vista como uma violação desses direitos. A
Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já emitiu decisões contra a
aplicação de leis de anistia que impedem a investigação e punição de crimes contra a
humanidade. A petição da ADPF 153 alinha-se com essas decisões, buscando conformar
a legislação brasileira às obrigações internacionais.

Destarte, sob a perspectiva do Sistema Internacional de Direitos Humanos, a


ADPF 153 suscita uma questão de extrema relevância ao impugnar a extensão da anistia
a delitos comuns que consubstanciam graves violações de direitos humanos.

2) Analise a decisão do STF pertinente a esta ADPF.


Em 2010, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos (7 a 2), julgou
improcedente a ADPF 153. A Corte Suprema assentou o entendimento de que a Lei de
Anistia resultou de um acordo político e que sua revisão pelo Poder Judiciário
vulneraria o princípio da separação dos poderes.

O STF decidiu, no julgamento da referida ADPF, que a Lei n. 6.683/79 é uma


lei-medida, imediata e concreta, de modo que a ela se impõe a interpretação condizente
com a realidade em que foi editada e não com qualquer contexto histórico posterior. Em
complementação, o STF decidiu que a EC n. 26/85 reafirmou a Lei de Anistia teve a
legitimidade reconhecida pela Constituição da República.

Essa decisão tem sido alvo de críticas por parte da doutrina constitucional e
internacionalista, que preconiza que o STF deveria ter empreendido um controle de
convencionalidade, interpretando a Lei de Anistia em consonância com os tratados
internacionais de direitos humanos dos quais a República Federativa do Brasil é
signatária.

O Brasil experimenta um quadro de Justiça de Transição, definido pela


passagem do regime militar (1964-1985), autoritário e promotor de abusos e de
violações de direitos humanos, para a forma democrática de governo, sobretudo com a
implementação da carta constitucional de 1988. O processo de transição democrática,
no caso brasileiro, está marcado por avanços e recuos que dificultam a percepção de sua
real efetivação. Na realidade, o silêncio que continua a encobrir os fatos do período, a
pouca disposição de rompê-lo por parte das instâncias institucionais do Estado e a
permanência do quadro de violações coletivas de direitos humanos dão a ver que a
sociedade brasileira caminha apenas lentamente, para não dizer que se distancia, rumo a
uma experiência de fundo democrático.

De qualquer maneira, ainda antes do fim da vigência da ditadura civil-militar, na


fase de relaxamento do regime, após longo período de desgastes políticos e econômicos,
já se registravam sinais de transição, notadamente pela publicação da Lei n. 6.683/1979,
a lei de anistia.

Essa lei representa o marco central do processo de transição brasileiro, tanto para
sua evolução quanto para os impasses que, ainda hoje, o retardam. Se, por um lado, a
anistia possibilitou o retorno de exilados políticos ao país e o aliviamento das
perseguições políticas pelo Estado, por outro lado, não puniu nem responsabilizou
penalmente os agentes estatais por seus atos repressivos. Surpreende, ainda, o fato de
estes atores terem, em inércia, continuado em seus postos, amparados pelo grosseiro
perdão que o referido instrumento normativo tornou legal. O caráter bilateral da anistia
brasileira, portanto, contribuiu para que assumisse uma versão ambígua, que perdoava
genericamente e que se omitia de apontar opressores e vítimas de violações de direitos
humanos.

Três décadas depois, no exame da ADPF n. 153, o Supremo Tribunal Federal


(STF) manteve a interpretação da lei enquanto acordo bilateral que beneficiava
“criminosos” políticos e agentes repressores do Estado. Essa decisão, para além de
sinalizar a histórica coesão entre nossas elites militares e judiciais, corresponde a um
dos principais eventos recentes que põem em xeque o processo de transição no Brasil.
No mesmo ano, 2010, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos por violações de seus agentes praticados contra sobreviventes da Guerrilha do
Araguaia, durante o período de exceção, evidenciando a dissonância local com os
compromissos do país com a proteção internacional dos direitos humanos. Registre-se
que a decisão do Supremo veio anos depois de uma série afirmativa de política de
“responsabilização” gradualmente construída desde a redemocratização, haja vista a
publicação da lei dos desaparecidos (Lei n. 9.140/95) e a instituição da comissão de
anistia, em 2002.

3) Faça uma reflexão sobre a Lei de Anistia e seus efeitos no ordenamento jurídico
brasileiro.

A despeito de ter representado um marco no processo de redemocratização do


país, a Lei nº 6.683/79 enseja controvérsias no que concerne à sua interpretação e
aplicação. De um lado, argumenta-se que a anistia resultou de um pacto político
imprescindível para a transição democrática e que sua revisão judicial poderia acarretar
insegurança jurídica. De outro, sustenta-se que a anistia não pode constituir óbice à
investigação e à punição de graves violações de direitos humanos, sob pena de afronta à
Constituição Federal e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

A perpetuação de uma exegese ampliativa da Lei de Anistia, nesse sentido, pode


contribuir para a impunidade e negar às vítimas e a seus familiares o direito à verdade, à
memória e à justiça.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em sua decisão acerca do Caso
Gomes Lund e outros, “Guerrilha do Araguaia”, argumentou que as disposições da lei
de anistia brasileira, que impedem a investigação e sanção de graves violações de
direitos humanos são incompatíveis com a Convenção, carecem de efeitos jurídicos e
não podem seguir como um obstáculo à investigação dos fatos nessa decisão, nem para
investigação e punição dos responsáveis, tampouco podem ter impacto semelhante
sobre outros casos de graves violações de direitos humanos ocorridos no Brasil.

Impende, portanto, um debate aprofundado acerca da Lei nº 6.683/79, com vistas


a uma interpretação que a harmonize com a Constituição Federal, com os tratados
internacionais de direitos humanos e com os princípios democráticos, de modo a
assegurar a responsabilização por graves violações e a concretização dos direitos
fundamentais.

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