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ão
HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS

• 30.1 • poucos os interesses industriais a representar.


A FORMAÇÃO DA BURGUESIA Assim, já nos anos 20, o CIC acabou esvaziado
CEARENSE com o aparecimento de outras entidades de clas-
se, como a Federação da Agricultura, Comércio
Em 15 de março de 1987, o estreante na e Indústria do Ceará (FACIC), de 1929, reunin-
política e empresário Tasso Jereissati tomava do ao mesmo tempo comerciantes, industriais e
posse no comando do Executivo cearense. O proprietários rurais.
“galeguinho dos olhos azuis”, como ficou co- Em 1950 apareceu a Federação das In-
nhecido na campanha eleitoral de 1986, devido dústrias do Ceará (FIEC) – da mesma forma
ao seu fenótipo diferente da população, con- que suas congêneres em outras unidades da fe-
seguira derrotar os famosos coronéis do Ceará deração, dentro da concepção sindical getulista
(Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César Cals) –, cujo presidente passou a acumular automati-
e inaugurar uma nova etapa na história política camente a presidência do CIC. Este atrelamen-
do Estado. to entre as duas entidades permaneceria até
A vitória de Tasso constituiu-se um 1978, quando um grupo de “jovens empresá-
duro golpe nas tradicionais oligarquias locais. rios” assumiu o controle do Centro Industrial e
Todavia, não significou o fim do domínio das implantou sua autonomia em relação à FIEC.
elites econômicas sobre o povo cearense. Na No que diferiam esses “novos empre-
verdade, o grupo político do governador, for- sários”? E por que obtiveram tanto destaque a
mado principalmente pela burguesia industrial, ponto de assumir o governo do Estado? O que
rompera com as antigas classes dominantes, as- defendiam? Para responder tais indagações é
sumindo o controle dos destinos do Estado. A preciso relembrar alguns aspectos da história
chegada de Tasso ao poder foi o coroamento econômica cearense.
de um projeto político burguês, cujas origens O Ceará sempre foi uma área pouco di-
estão no ano de 1978, envolvendo o Centro In- nâmica e periférica do Brasil. Estado pobre, de
dustrial do Ceará. solos ruins, sujeita a secas periódicas, distante
O CIC fora fundado em 1919 com o dos grandes pólos do capitalismo mundiais, com
objetivo de defender os anseios da embrionária uma estrutura fundiária nunca tocada, elevada
indústria cearense e preparar a frágil classe em- concentração de renda, o Ceará nunca apresen-
presarial para contrapor-se ao operariado que, tou elites fortes como acontecia na Zona da Mata
naquele momento, igualmente se arregimentava açucareira de Pernambuco e Bahia. Por séculos,
por melhores condições de vida. Entre os seus sua frágil economia baseou-se no comércio, na
primeiros presidentes estavam Tomás Pompeu produção agro-pastoril, na lavoura de subsistên-
de Sousa e o ex-governador João Tomé de Sabóia cia e nas atividades extrativistas.
e Silva (1916-20). Contudo, num estado pobre, A partir dos anos 1960, porém, no con-
de economia agroexportadora, a rigor eram texto do “nacional-desenvolvimentismo” e na

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CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL CEARENSE

crença de que a maneira para superar o subde- Virgílio Távora (1962-66/1979-82) e de órgãos
senvolvimento estava na industrialização, pas- como o Banco do Nordeste (BNB, em 1954)
sou-se a mudar o perfil econômico do Ceará. e da Superintendência de Desenvolvimento do
A “modernização conservadora” cearense fez- Nordeste (SUDENE, fundada em 1959). Cou-
se com o planejamento governamental e com be ao Estado fornecer os “estímulos industriais”
apoio do Estado – daí a importância do gover- (obras de infra-estrutura e isenções fiscais), pois
no dos coronéis, especialmente das gestões de a burguesia não tinha capital para tanto.

As elites cearenses e as diminutas classes médias altas acumularam riquezas basicamen-


te com a agropecuária (especialmente algodão) e o comércio, afora o desempenho de ativida-
des liberais e de importantes funções na máquina pública. O Estado sempre desempenhou um
papel destacado para a ascensão social no Ceará, gerando oportunidades através de concursos
ou da criação de órgãos nos quais se acomodavam funcionários graduados, não raras vezes
utilizando-se de apradinhamentos políticos e bajulação.
Ante a concentração de renda, a quantidade de ricos era infinitamente diminuta em
relação ao grosso da população. Há especulações sobre a origem das fortunas de muitos ele-
mentos da elite local, visto que grandes patrimônios se fizeram “da noite para o dia”. Daí a
polêmica sobre o livro Aldeota, de Jáder de Carvalho. Publicado em 1963, a obra mistura fic-
ção com aspectos reais da sociedade de Fortaleza, revelando a origem “pouco nobre” de várias
fortunas e mal disfarçando alguns nomes verdadeiros.
A partir de atividades ilegais, como o contrabando de café, uísque, carros, tecidos,
etc., que entravam e saíam, sem dificuldades pelo Porto de Chaval, perto de Camocim,
formaram-se muitos dos ricos do Ceará. A obra logo esgotou e ganhou uma aura de
“proibida”. Vale lembrar que a elite econômica local, mesmo buscando conforto, signos
exteriores de ostentação e diferenciação social, não possuía um patamar financeiro que
a situasse como tal em áreas mais ricas do Brasil. Ou seja, ante a pobreza geral do povo
cearense, os poucos ricos destacavam-se, embora num contexto nacional, se mostrassem
débeis.

Assim, aos poucos, o Ceará foi efetiva- Durante a ditadura militar, o presidente
mente se industrializando – em geral com fá- da FIEC, José Flávio da Costa Lima chegou a
bricas do setor tradicional, ou seja, indústrias enviar, junto com empresários de outros esta-
têxteis e de vestuário, calçados e artefatos de dos, um documento ao presidente João Figuei-
tecidos – e possibilitando o fortalecimento redo, expondo temores com a distensão polí-
político da burguesia local. Esta era composta tica e o retorno à democracia. É bom lembrar
na maior parte por cearenses natos, autodida- que boa parte do empresariado brasileiro tinha
tas, homens com pouca instrução, “formados apoiado o Golpe de 1964 e a Ditadura Militar,
nos balcões e nas máquinas”. A maioria desses inclusive colaborando materialmente para a re-
empresários acumulou patrimônio através de pressão e eliminação dos opositores.
atividades comerciais anteriores e reuniam-se
na tradicional FIEC, apresentando uma visão
corporativista do mundo (ou seja, preocupa- • 30.3 •
vam-se apenas com o interesse dos industriais), OS “JOVENS EMPRESÁRIOS”
beneficiando-se dos financiamentos e cliente- E O CIC
lismo do Estado.
A FIEC, por isso, não questionava as es- No final da década de 1970, não obstan-
truturas de poder que, obviamente, eram favo- te, surgiu uma nova geração de empresários no
ráveis aos seus membros. Limitava-se a apoiar Ceará que foi aos poucos assumindo o coman-
as ações dos governantes e tecnocratas nacio- do das indústrias e comércio. Era um grupo
nais, mostrar fidelidade à Ditadura e benefi- homogêneo, de idade variando entre 35 e 45
ciar-se de recursos públicos. Tinha uma casca anos, diferente dos pais pelo fato de terem pas-
de mofo e conservadorismo. sado pelas universidades e feito cursos de pós-

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HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS

graduação. Os “rapazes” tinham, pois, maior “guru” do grupo. Ao lado de Beni estavam ou-
embasamento teórico e técnico e uma concep- tros pesos pesados da economia cearense como
ção diferente da realidade. Sabiam, estudavam Tasso Jereissati (Grupo Jereissati), Francisco
o que era capitalismo, o que é uma sociedade Assis Machado Neto (Construtora Mota Ma-
capitalista e qual deve ser o comportamento chado), Byron Costa de Queiroz (executivo do
dos capitalistas. Grupo Ivan Bezerra), José Sérgio de Oliveira
Para aqueles “jovens empresários”, não Machado (Indústria Têxtil Vilejack), Edson
deveriam os industriais estar sujeitos aos bu- Queiroz Filho (Grupo Edson Queiroz), Edníl-
rocratas estatais ou a políticos que os represen- ton Gomes de Soarez (Colégio Sete de Setem-
tassem, mas no comando do Estado! Não lhes bro) e Amarílio Proença de Macedo (Grupo J.
agradava ter de pagar propina para conseguir Macedo).
recursos para um projeto industrial; não dese- A nova postura do CIC logo provocou
javam depender dos “humores” dos tecnocratas alguns atritos com o conservadorismo da FIEC
da Ditadura – tudo isso dificultava a acumula- – o que, contudo, não era suficiente para uma
ção de capitais, o que se agravou com a crise ruptura estrutural, pois, afinal, todos eram em-
econômica vivida pelo estado no final dos anos presários: Beni, Tasso, Amarílio e companhia
1970 e começo dos 1980. Queriam acabar com romperam com o estigma corporativista com
os “intermediários”, almejavam um Estado me- que as entidades representativas estavam im-
nos intervencionista, saneado financeiramente, pregnadas. Desenvolveram um projeto polí-
rápido, ágil, “moderno”, a seu total dispor. Um tico arrojado. O CIC começa a defender uma
Estado que subordinasse a política aos objeti- gestão empresarial da administração pública,
vos do mercado, estimulasse a expansão dos sem clientelismo, fisiologismo paternalismo
negócios privados e o crescimento econômico. ou corrupção. Critica duramente o mau ge-
Em 1978, o presidente da FIEC, José renciamento dos recursos públicos, a grande
Flávio da Costa Lima, percebendo a homo- quantidade de funcionários públicos com baixa
geneidade desse grupo jovem e suas diferen- produtividade e a falta de um projeto econô-
ças com os tradicionais empresários, resolveu mico compatível com os anseios empresariais
ceder-lhe o quase desativado CIC que, dessa mais “modernos”.
maneira, foi desligado da Federação das Indús- Os “jovens empresários” também ata-
trias. A intenção de Costa Lima era que os “me- cavam os desequilíbrios regionais do Brasil e
ninos” desenvolvessem suas “potencialidades”, defendiam a indústria do Nordeste – para eles,
uma vez que era difícil a convivência dessas o governo federal privilegiava a economia do
duas gerações numa mesma entidade. Centro-Sul. Posicionavam-se contra o controle
A partir daí o CIC entrou numa nova e intervencionismo estatal na economia (esse
fase, mobilizando não só o empresariado, mas discurso, note-se, aparecia sem o vigor que
outros segmentos sociais e tendo notável pre- ganhou recentemente com o avanço do neo-
sença na vida pública cearense. Ao contrário do liberalismo). Chegavam mesmo a dizer que a
corporativismo da FIEC, o Centro Industrial deterioração social do País ligava-se à inope-
buscava também contato com os movimentos rância do serviço público e à burocratização do
sociais, especialmente com a facção empresarial Estado. Apresentavam um discurso de preo-
paulista conhecida por “Grupo dos Oito”, que cupação com a grave questão social brasileira,
em 1978 já havia lançado um manifesto defen- em especial com a cearense – não por serem
dendo a abertura política da Ditadura. “bonzinhos” (também!), mas em função de,
O primeiro presidente do CIC nessa melhorando o padrão de vida da população,
nova etapa (gestão 1978-1980) foi Benedito esta compraria mais confecções, refrigerantes,
Clayton Veras Alcântara (Beni Veras), empre- cervejas, etc. que eles vendiam! Tinham um
sário do ramo de confecções (executivo da In- discurso social-democrata, de defesa da pro-
dústria Têxtil Guararapes, atual proprietário priedade privada e do livre mercado, devendo
da Confex). Natural de Crateús, filho de um o Estado atuar apenas para estimular a econo-
alfaiate marxista, militou no movimento estu- mia e investir nas áreas sociais (educação, saú-
dantil e foi ligado ao Partido Comunista Brasi- de, geração de emprego, etc.), combatendo a
leiro (PCB), o que lhe deu uma boa experiência miséria absoluta – isso, contudo, sem práticas
nos movimentos de massa – era considerado o assistencialistas, as quais, para os empresários,

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estimulavam a ociosidade, a estagnação e a ma- desmandos reinantes. Os “rapazes” estimulam


nipulação política. Na visão do CIC, precisava- o governador Gonzaga Mota a romper com os
se “humanizar” o capitalismo. “padrinhos” políticos “coronéis”, fundam um
Definiram-se as lideranças do CIC des- comitê “pró-eleições Diretas Já” para presiden-
de o momento da reorganização da entidade, te e, com a impossibilidade destas, apóiam a
como portadores da missão de “conscientizar” eleição de Tancredo Neves em 1985.
os industriais do Ceará sobre problemáticas lo- Contudo, possuíam os “jovens em-
cais, regionais e nacionais, de modo a habilitá- presários” consciência de que para realizar as
los para a atuação política. Instrumentalizam “mudanças” preconizadas, necessitavam, efe-
tais propósitos a realização periódica de “de- tivamente, conquistar o poder institucional. A
bates”, “seminários”, “encontros”, envolvendo possibilidade de tal intento surgiria em 1986,
personagens do meio empresarial, intelectual quando da sucessão do governador Gonzaga
e político do País, acontecimentos acompa- Mota, o “Totó”.
nhados de grande publicidade local e nacional.
Cristaliza-se, assim, a substantivação da entida-
de como “fórum de debates”. • 30.4 •
Há aqui contradições entre o discurso e O “GALEGUINHO”
a prática dos “jovens empresários”. As raízes fa-
miliares ligavam-nos aos velhos industriais que Mota foi eleito pelo PDS
enriqueceram através dos estímulos, vícios e em 1982, para governar o Es-
virtudes do Estado. Os “garotos” do CIC eram tado como produto do vergo-
“netos” da SUDENE, BNB, etc., instituições nhoso Acordo de Brasília, em
que aplicaram vultosas quantias de dinheiro pú- que, por um pacto entre os
blico em suas empresas. Seriam os “jovens em- “donos tradicionais” do
presários” os mais adequados moralmente para Ceará, os coronéis Vir-
fazer aquelas críticas? E mais: os “meninos” fala- gílio Távora, Adauto
vam em democracia, porém, em 1979, apoiaram Bezerra e César Cals,
o governador (eleito indiretamente e indicado dar-se-ia a cada qual
pelo presidente-ditador Geisel) Virgílio Távora um terço da adminis-
e até deram sugestões administrativas ao secre- tração pública, restan-
tário de Planejamento do coronel, Luis Gonzaga do a Gonzaga Mota “carimbar Tasso derrotou os coronéis
Fonseca da Mota. Referendaram a eleição (di- os papéis”. “Totó”, jovem, ati- na eleição de 1986.
reta) de Mota para o comando do Executivo es- çado por vários setores sociais
tadual em 1982, contra o candidato do PMDB, e sentindo o gosto sedutor do
Mauro Benevides que, pelo menos em tese, re- poder, acabou rompendo gradativamente com
presentava o ideal de redemocratizar o País. os coronéis. Ganhou destaque na mídia nacio-
No ano de 1980, assumiu a segunda di- nal ao cortar relações com a Ditadura Militar e
reção do CIC na nova etapa, sobre a presidência apoiar Tancredo Neves, indo acomodar-se com
de Amarílio Macedo e, em 1981, a terceira di- seu grupo político no PMBD.
retoria, entregue a Tasso Jereissati. No discurso Quanto a sua sucessão, em princípio,
de posse deste há uma passagem na qual, pela “Totó” procurou negociar com os coronéis
primeira vez, fica explícito a projeto burguês de Virgílio Távora (PDS), César Cals (PSD) e
conquistar o poder. Disse Tasso: O CIC tem o Adauto Bezerra (PFL) para que, junto com o
compromisso em nível estadual regional e na- PMDB, marchassem unidos numa composi-
cional com a formação, o mais rápido possível, ção de forças imbatíveis. Mas a discussão sobre
de uma classe política e forte capaz de influen- quem encabeçaria a chapa inviabilizou qual-
ciar e até assumir o poder. quer coligação.
Com o desmoronar da Ditadura Militar, Depois, Mota pensou em lançar como
a crise econômica brasileira e a pressão popular candidato do PMDB ao governo o ex-senador
pela redemocratização do País no início da dé- Mauro Benevides, político conservador. Suas
cada de 1980, o Centro Industrial incrementou chances de triunfo nas eleições eram remotas,
sua atuação política, ganhando cada vez mais sobretudo pela falta de recursos financeiros
uma imagem “progressista” e de oposição aos e por ser um nome tão tradicional quanto o

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dos coronéis. Ao que consta, por intervenção em franca desestruturação e, não possuindo
do então presidente da República José Sarney, orientação ideológica, eram facilmente cooptá-
“Totó” acabou indicando como candidato, para veis ou atraídos com as promessas futuras dos
surpresa de muita gente, o mais destacado da- “jovens empresários”. Na verdade, o ocaso dos
queles “jovens empresários” que haviam revi- coronéis evidenciava mais uma vez a fragilida-
talizado o CIC, Tasso Jereissati. de das antigas elites cearenses. Os coronéis do-
Tasso Ribeiro Jereissati nasceu em For- minaram o Estado com punho firme graças ao
taleza no ano de 1947, sendo filho do senador apoio da Ditadura. Com a democracia liberal
Carlos Jereissati, figura que exerceu intensa ati- sucumbiram. Ao mesmo tempo, o eixo tradi-
vidade política no estado nas décadas de 1950- cional da economia, centrado no binômio ga-
1960 como presidente do velho PTB. Com a do-algodão, e um dos sustentáculos dos currais
morte precoce do pai em 1963, o “galeguinho” eleitorais dos coronéis no interior, após sofrer
mudou-se para o Centro-Sul do País, forman- abalos contínuos, ruiu por completo como um
do-se em administração na Fundação Getúlio castelo de areia.
Vargas (São Paulo). Tasso era então um dos ho- As sucessivas secas nos anos 1970, cul-
mens mais ricos do Ceará, dono de um holding minando com a desesperadora estiagem de
que envolvia shoppings centers, hotéis, moi- 1979/84 quase liquidaram a pecuária. O algo-
nhos, agroindústrias, fábricas de bebidas, etc. dão entrou em colapso no final da década de
Em abril de 1986 ingressou no PMBD a con- 1970, colapso esse que igualmente ocorreu em
vite de Mota que, na prática, não passou de um outros estados e que se ligava à política do go-
trampolim para que os “jovens empresários” verno federal voltada para dificultar as expor-
conquistassem o comando do Estado – tanto tações, baixando os preços da fibra para bene-
que depois “Totó” seria totalmente renegado ficiar as indústrias têxteis do País. Assim, os
pelos “meninos” do CIC. cotonicultores tiveram seus lucros reduzidos,
Para Jereissati, o PMDB era excelente não melhorando a qualidade da lavoura e per-
lugar, pois era, antes de tudo, o partido da situ- dendo espaços no mercado internacional. Além
ação no governo do Estado. Em segundo lugar, disso, faltou política de investimento por parte
porque encontra nos princípios defendidos his- dos governos e, quando havia os recursos, era
toricamente pelo MDB-PMDB, meios para sa- inacessível aos pequenos lavradores. Para com-
cramentar as contestações aos antigos quadros pletar, as próprias secas e a praga do bicudo (o
políticos então em disputa. Da parte do PMDB governo não combateu eficientemente) acaba-
não haveria melhor candidato. O Jereissati traz ram por liquidar o algodão em poucos anos. A
consigo as bases industriais do CIC e da FIEC cotonicultura, sustentáculo da economia cea-
e com elas recursos para financiar a campanha rense por séculos, entrava em colapso!
eleitoral, tem visibilidade nacional como gran- Ora, a crise da economia tradicional cea-
de empresário, o apoio de proprietários (locais rense abalou a força das oligarquias municipais
e nacionais) de meios de comunicação e con- interioranas, as aliadas naturais dos coronéis.
siderado prestígio junto a setores emergentes Para complicar, mudanças estruturais ocorriam
das classes médias, conquistado como liderança ainda no estado – o capitalismo avançava cada
empresarial progressista. vez mais no meio rural; surgiram grandes pro-
Os “jovens empresários” necessitavam jetos agroindustriais (frutas para exportação,
confrontar-se com duas forças políticas: os três pecuária intensiva, lavouras de qualidade, etc.),
coronéis e suas bases interioranas (leia-se “cur- incorporando novas técnicas de produção, dis-
rais eleitorais”), bem como as esquerdas que, pensando mão-de-obra, “engolindo” terras de
em 1985, elegeram sensacionalmente Maria pequenos camponeses ou impondo-lhes rela-
Luiza Fontenele para a prefeitura de Fortaleza. ções assalariadas.
Derrotar os coronéis, por incrível que Desempregados, sem-terras, assalaria-
pareça dizer isso hoje, até que não foi difícil. dos... Veja que aos poucos os sertanejos vão
Em Fortaleza, ante o descontentamento popu- conquistando sua “independência política”, ou
lar com a crise social econômica, e a oposição seja, rompem os sistemas de “troca de favores”
das classes médias à Ditadura, César, Adauto e e fidelidade que assegurava o voto dos trabalha-
Virgílio apresentavam dificuldades de penetra- dores aos candidatos dos donos da terra (e nos
ção. No interior os currais eleitorais estavam coronéis!). Para tal “independência” (o que não

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CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL CEARENSE

implicava em melhores condições de existência ria Luiza não logrou êxito. As razões para tan-
para o povo) contribuiu ainda a ala progressista to são várias. O “Grupo da Maria” (dissidente
da Igreja Católica, que, atuando com sindica- do PCdoB) cometeu vários equívocos. Maria
tos, Comissões Pastorais da Terra (CTP), Co- Luiza, socióloga, deputada estadual em duas le-
munidades Eclesiais de Base (CEBs) e partidos gislaturas pelo PMDB, isolou-se na prefeitura.
de esquerda, procurou organizar os sertanejos Inabilidosamente, atritou-se com as várias fac-
na conscientização política e luta contra o sis- ções do Partido dos Trabalhadores, cujas dis-
tema latifundiário – não foi à toa que nos anos putas também atrapalhavam a Gestão Popular
1980 eclodiram vários conflitos no campo (en- – acabou depois expulsa da agremiação. Maria
tre 1985-90 registraram-se 21 assassinatos de defrontou-se igualmente com a forte oposição
trabalhadores rurais). de certos movimentos populares, ligados ao
Surgia no sertão o chamado “voto solto”, arqui-rival PCdoB.
ou seja, aquele voto que não tem uma orienta- Imagine uma mulher desquitada, de es-
ção ideológica que pré-determine a sua direção, querda, no comando de uma cidade importante
mas que também já não tem cabresto. Esse voto do País – lembremos que no pós-Ditadura, era a
que sempre predominou nas capitais brasileiras primeira vez que os setores progressistas admi-
e que se expandia pelo interior cearense, po- nistravam uma capital brasileira. Faltou experi-
dia ser conseguido pela compra – intermediada ência. Afora isso, as classes dominantes cearenses
por cabos eleitorais – ou através de discursos e os governos estadual e federal promoveram um
eficazes por meios de comunicação em massa. escandaloso boicote à petista. Na época vigorava
Discursos eficazes e muita propaganda Tasso a Constituição de 1967, com forte centralização
realizou nas eleições de 1986. do poder. Isso significa que, entre outras coisas,
Quanto às esquerdas a questão era ou- os prefeitos não tinham autonomia para gastar;
tra. Em 15 de novembro de 1985 a cidade de para qualquer obra importante deveriam pedir
Fortaleza conheceu, para temor dos conserva- dinheiro aos executivos estadual e federal. Ora,
dores, uma das maiores surpresas eleitorais de Sarney, Gonzaga Mota e depois Tasso dificulta-
sua história: Maria Luiza Fontenele, do PT, ele- ram ao máximo o repasse de recursos à admi-
geu-se prefeita derrotando os “favoritos” Paes nistração de Maria – para que “alimentar” o ini-
de Andrade (PMDB) e Lúcio Alcântara (PFL), migo? Sem dinheiro era complicado administrar
e contrariando todas as pesquisas de opinião. uma prefeitura falida, com dívidas gigantescas.
Era um evidente sinal de como as tradicionais Os servidores, com salários atrasados, entraram
oligarquias estavam em crise, abrindo espaços em greves (greves, quem diria, apoiadas pelas
para “novos atores políticos”, entre os quais elites!). A cidade teve seus serviços essenciais
obviamente encontravam-se os “jovens empre- quase que paralisados; professores, médicos, ga-
sários” e os setores progressistas. Os primeiros ris de braços cruzados; escolas, hospitais fecha-
tinham um projeto político burguês-capitalis- dos; lixo se acumulando pelas ruas; buracos na
ta; os segundos não possuíam um plano claro pavimentação das avenidas.
alternativo e pagaram um preço alto por isso. Fontenele, e isso até seus detratores re-
As esquerdas, recém-saídas da clandestinidade, conhecem, buscou moralizar a máquina pú-
não perceberam com realismo o significado blica, acabando com o empreguismo, com os
daquele momento. Ficaram com suas lutas in- “funcionários fantasmas”, etc. Proliferou a
ternas, picuinhas ideológicas e medíocres ob- ocupação de terrenos por pessoas sem mora-
jetivos imediatos – lutas, picuinhas e objetivos dia, havendo mesmo o apoio ou a conivência da
que as oligarquias tradicionais e prefeitura, que estimulava a construção de ca-
os “jovens empresários” esti- sas em mutirão (isto é, pela própria população,
mularam. para irritação das construtoras). Essa agressão
Do ponto de vista da à propriedade privada irritava as classes domi-
gestão administrativa, Ma- nantes. A Câmara Municipal – dominada por
vereadores reacionários e de honestidade du-
vidosa – fazia contra Maria radical oposição e
várias vezes tentou cassar-lhe o mandato. As
Maria Luiza foi eleita prefeita bases de apoio iam diminuindo. A imprensa
de Fortaleza em 1985 – sinal
de crise das oligarquias. (após a suspensão de alguns contratos de publi-

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HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS

cidade municipal) realizava críticas sistemáticas um candidato das elites usava um discurso es-
e diárias: além de não veicular notícias promo- sencialmente de esquerda. A coligação com os
cionais da prefeitura, diariamente alardeava os comunistas aproximou Tasso dos movimentos
problemas da cidade com destaque. organizados de trabalhadores, enquanto a mo-
A imagem vitoriosa da Maria da campa- bilização dos empresários colocava à disposição
nha foi rapidamente substituída pela imagem da campanha muitos recursos, entre os quais
da prefeita “incompetente”, rótulo que atingiu os financeiros. Vários intelectuais, artistas e pa-
duramente a esquerda, de modo especial ao PT, dres apoiaram o Projeto das “Mudanças”.
inviabilizando suas pretensões eleitorais nas O discurso do “novo”, ao lado de um
disputas majoritárias posteriores no Ceará. eficiente marketing político, elaborado por
competentes agentes publicitários nacionais,
encantou as massas miseráveis dos sertões.
• 30.5 • Ressalte-se que num País no qual parcela sig-
AS ELEIÇÕES DE 1986 nificativa da população é pobre, analfabeta ou
semi-analfabeta e não tem recursos ou acessos
Foi nesse contexto de ebulição política facilitados a informações críticas ou alternativas
que ocorreram as eleições de 1986. Os “jovens (jornais, livros, etc.), a televisão tornou-se um
empresários” organizaram o “Movimento Pró- poderoso instrumento a serviço da classe do-
Mudança” que, além do PMDB, aglutinou até minante. A mídia eletrônica tem se caracteri-
parte da esquerda cearense, no caso o PCB e zado como fundamental nas eleições. Os “ma-
o PCdoB. Contra a candidatura de Tasso, os rketeiros” apresentam os candidatos ao eleitor
coronéis e as tradicionais oligarquias, reunidos como quem vende uma mercadoria! Até os
no PFL, PDS e PTB, formaram a “Coligação comícios políticos ganharam uma “roupagem
Democrática”, apresentando Adauto Bezerra eletrônica”, um verdadeiro “show televisivo”,
(PFL) como concorrente ao Executivo cearen- daí o aparecimento de uma nova expressão,
se. O PT, coligando-se com o Partido Socialista “showmício”. Nesse quesito é impossível ne-
Brasileiro (PSB), lançou para governador o pa- gar a superioridade do grupo empresarial que
dre Aroldo Coelho (PT). organizou a campanha do candidato do PMDB
Quando o PMDB referendou a candi- – pode-se dizer que o marketing de Tasso mar-
datura de Tasso Jereissati, os coronéis argüiram cou o início de uma nova forma de fazer propa-
a vitória antecipadamente e cometeram o erro ganda no Ceará, referência mesmo nacional.
estratégico de subestimar o adversário político: O conteúdo da campanha de Adauto era
“o que é mais fácil para você: disputar com um ridículo. Fundava-se no slogan “Te conheço
profissional (Mauro Benevides) ou com um Ceará”, buscando lembrar o que os coronéis
amador (Tasso)?” Jereissati não deixou essa haviam feito pelo estado, isto é, ressaltando
indagação de Bezerra sem resposta: “Sou um a “gratidão” e o “voto de favor”, exatamente
amador de poder, mas sou um profissional do elementos da política tradicional em que Tas-
espírito público. Toda a minha vida foi pautada so tanto batia. Adauto apontava que Gonzaga
nos princípios relativos ao espírito correto da Mota havia “destruído” o Ceará – ora, mas o
palavra”. coronel era vice do “Totó” e, portanto, cúm-
A campanha desenvolveu-se em meio a plice dos atos denunciados! Jereissati era vis-
um confronto entre o que parecia ser o “moder- to como “candidato dos comunistas” devido a
no” e o “arcaico”. O sucesso nacional do plano aliança do PMDB com os PC’s – em Juazeiro
Cruzado (lançado pelo presidente José Sarney, chegou a circular um panfleto no qual se lia
congelando preços e reduzindo a inflação) e a que o “galeguinho” era a “besta fera” que viria
retórica “mudancista” foram importantes para destruir a cidade de padre Cícero. Paradoxal-
Tasso. A candidatura do “galeguinho” passava- mente, tachava-se o “galeguinho” de ser um
se como uma ruptura com os coronéis, com a “representante das multinacionais” (o empre-
Ditadura, com o Estado corrupto, ineficiente e sário produz no Ceará a Coca-Cola, produto
paternalista. A ligação da pobreza ao domínio símbolo do imperialismo norte-americano).
das antigas oligarquias e a promessa de pôr fim Denunciavam-se violências praticadas por Je-
à miséria absoluta no campo tiveram bastante reissati contra trabalhadores rurais nas proprie-
ressonância junto ao povo. Pela primeira vez dades dele. Esforço inútil de Bezerra. Com o

355
CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL CEARENSE

colapso da cotonicultura, ruíram também suas feito durante a campanha, abalaria a imagem de
bases interioranas. O longo ciclo dos coronéis o Tasso como candidato oficial. A fim de evitar
havia desgastado. Até a expressão “coronel Adau- a intervenção federal, os “jovens empresários”
to” lembrava o secular coronelismo nordestino, exigiram uma medida “moralizante”, a demis-
matriz de tanta desgraça de nosso povo. são do presidente da entidade, Fernando Terra
Um outro fator fundamental na campa- – este seria, como se diz no linguajar popular, o
nha do “Galeguinho” foi o uso da máquina pú- “boi das piranhas”.
blica – e olha que o “Movimento Pró-mudan- Mota, de início, comprometeu-se com
ça” pregava a moralização do Estado! O PMDB, a exigência; mas, em seguida, pressionado pela
em 1986, anunciava-se de oposição, mas tinha família, retrocedeu. Isso irritou o grupo do CIC
o apoio do governador Gonzaga Mota e o poder e Gonzaga afastou-se da campanha. “Totó” e
na esfera federal (presidente Sarney)... Contra- “Galeguinho” chegaram a trocar insultos pela
dições e mais contradições. Sabe-se que Tasso imprensa. Depois, passado o pleito eleitoral,
condicionou sua candidatura à permanência de houve a intervenção no BEC.
“Totó” no Executivo estadual até o fim do man- Mesmo assim, o “Movimento Pró-mu-
dato, pois, caso contrário, a direção do Ceará dança” obteve uma vitória esmagadora, inclusi-
passaria às mãos dos adversários coronéis. Es- ve no interior, reduto tradicional dos coronéis:
candalosamente o governo realizou a admissão elegeu Tasso (com 52,3% dos votos válidos
sem concurso de centenas de servidores públi- contra 30% de Adauto), os dois senadores (Cid
cos – logicamente, futuros eleitores do “candi- Carvalho e Mauro Benevides) e a maioria dos
dato das mudanças”! Num momento em que deputados estadual e federal. Adauto não con-
a desarticulação da economia algodoeira pena- seguiu derrotar Jereissati sequer em Juazeiro,
lizava as finanças dos municípios interioranos, sua terra natal. A era dos coronéis acabara.
concessões a estes de benefícios imediatos, ou Inaugurava-se um novo ciclo de poder no esta-
promessas de vantagens futuras, produziram do. Começava a Geração Cambeba.
não poucos deslocamentos de chefes políticos
do PDS-PFL para o lado do “Galeguinho”, o
que era anunciado com muito alarde e euforia • 30.6 •
na imprensa como “avanço do moderno”. Os OS EMPRESÁRIOS NO PODER
“jovens empresários” faziam alianças com as
velhas e corruptas oligarquias que tanto criti- O domínio secular das oligarquias, a
cavam. Sem o uso desses “dispositivos corone- concentração fundiária, a Ditadura Militar e o
lísticos” pairam sérias dúvidas se o triunfo de ciclo dos coronéis deixaram uma herança mal-
Tasso teria sido tão tranqüilo como foi. dita para os cearenses. Em 1986 o estado estava
A inevitabilidade da vitória não foi su- praticamente quebrado, apresentando um qua-
ficiente para evitar perturbações à candidatura dro alarmante de pobreza e concentração de
“mudancista”. Já no início da campanha come- renda (66% de pobres), além de uma máquina
çaram a ocorrer atritos entre Tasso e o governa- administrativa ineficiente, corrupta e sobrecar-
dor Gonzaga Mota. Este, que abdicara de uma regada de servidores públicos, muitos dos quais
eleição garantida na Câmara Federal para ficar “fantasmas”, outros em greve devido ao atraso
no comando do Estado e “facilitar” o triunfo de três meses de pagamento. A arrecadação de
de Jeressati, sentia-se constrangido em ouvir impostos era suficiente para cobrir apenas dois
do empresário críticas ásperas sobre a questão terços da folha de pagamentos. O BEC estava
social do estado, da corrupção da máquina pú- sob intervenção federal. Nos sertões, além da
blica ou ainda sobre o vergonhoso Acordo de miséria em larga escala, predominavam impu-
Brasília que o havia levado ao poder em 1982. nemente os crimes de pistolagem.
Contudo, a separação definitiva entre Foi em meio a esse quadro quase apo-
os dois políticos ocorreu devido ao Banco do calíptico que Tasso Jereissati, aos 37 anos, as-
Estado do Ceará (BEC). O Banco estava quase sumiu o governo em 1987. Passando a admi-
falido e envolvido em escandalosas negociatas nistrar da nova sede do executivo, no Centro
que favoreciam algumas poucas “pessoas de in- Administrativo Governador Virgílio Távora,
fluência”. Nos bastidores, comentava-se que o no bairro do Cambeba (palavra que desde
Banco Central iria intervir no BEC – o que, então passou a designar os governistas e seus

356
HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS

simpatizantes, embora estes não gostem, pre- • 30.7 •


ferindo a expressão “Governo das Mudanças”), TASSO I
suas ações voltaram-se para colocar em prática
o projeto político-burguês defendido pelos “jo- Quinze decretos assinados por Tasso,
vens empresários” do CIC. após a cerimônia de posse de seu primeiro
Bom esclarecer que os empresários não mandato (1987-91), provocaram enorme reper-
tinham, de antemão, um plano definido e de- cussão. Foram demitidos de uma só vez quase
talhado de desenvolvimento para o Ceará. Esse trinta mil funcionários contratados ilegalmente
plano foi sendo elaborado paulatinamente, à na administração Gonzaga Mota. Outros vinte
medida que os anos e os fatos se delineavam no mil servidores “fantasmas” foram chamados a
horizonte político. Não obstante, passadas mais comparecer ao local de trabalho sob pena de
de duas décadas da ascensão de Tasso, pode-se serem excluídos da folha de pagamento. Inti-
dizer que a Geração Cambeba caracterizou-se, maram-se particulares para devolver ao Estado
sobremaneira, pela “modernização” da máquina os bens públicos que usufruíam. Combateu-se
administrativa cearense, ou seja, a promoção de a corrupção.
uma “gestão técnica” e pró-capitalismo do Es- Ao mesmo tempo, o Cambeba saneava
tado, de modo que se buscasse o equilíbrio or- o BEC e recuperava a estrutura fiscal do Es-
çamentário (o que aconteceu principalmente no tado – informatizaram-se os postos de arreca-
primeiro mandato de Tasso e na gestão de Ciro dação de impostos, contrataram-se mais fis-
Gomes, com a austeridade nos gastos públi- cais, reformulou-se o aparato legal tributário,
cos, aumento da arrecadação de tributos, corte promoveram-se campanhas publicitárias, etc.
de gratificações, eliminação de cargos públicos, O Ceará fez pioneiramente no Brasil o que o
achatamento de salários dos servidores, etc.), jargão neoliberal chama de “ajuste fiscal”, isto
a eficiência da máquina estatal (por exemplo, é, fortaleceu as finanças públicas, fosse aumen-
com a informatização da burocracia e a qualifi- tando as receitas, fosse diminuindo as despesas,
cação dos servidores públicos), a probidade no visando equilibrar as contas do Estado, ampliar
trato com a coisa pública (sem privilégios a par- a capacidade de investimento deste em infra-
ticulares, grupos ou políticos, o que, contudo, estruturas (porto, aeroporto, etc.) e possibilitar
acabou acontecendo, pelos benefícios obtidos estímulos à expansão econômica, o que se rea-
pelos próprios empresários no governo), o in- lizou principalmente com a isenção de tributos
vestimento em obras de infra-estruturas (sobre- para atrair indústrias, como adiante veremos.
tudo a partir do segundo mandato de Tasso, com Segmentos sociais ligados às estruturas
verbas e empréstimos do governo federal e de tradicionais reagiram às medidas do “galegui-
órgãos internacionais de desenvolvimento) e os nho”. A princípio, boa parte da imprensa entrou
estímulos à indústria e atividade conexas. em choque com o governador (embora, depois,
Assim, na visão dos empresários, se obte- se tornasse subserviente), devido à demissão de
ria um Estado “enxuto, eficiente e aparelhado”, jornalistas de cargos públicos e ao não paga-
que em vez de servir a “grupos clientelistas”, mento de dívidas contraídas pela gestão “Totó”
possibilitaria a acumulação e expansão capita- com donos de jornais, rádios e televisão. Antes,
lista (o que realmente aconteceu, beneficiando era comum que profissionais de imprensa re-
a própria burguesia dirigente) e o desenvolvi- cebessem dinheiro (os chamados “birôs”) para
mento social do Ceará, diminuindo radical- bajular os coronéis e propalava-se mesmo que
mente a pobreza local (o que não se realizou determinados veículos de comunicação tinham
e seria sempre o ponto fraco do “Governo das suas folhas de pagamento cobertas pelo erário
Mudanças”). Apesar das pregações “moderni- público estadual. Em resposta às críticas, nos
zantes” dos “meninos do CIC”, acabou se for- primeiros meses o Cambeba deixou de veicular
mando uma oligarquia urbano-empresarial, propagandas nos jornais locais.
com considerável força política, diferenciando- O PMDB não era, na verdade, o parti-
se das frágeis oligarquias tradicionais cearenses. do do governador, mas apenas um instrumento
Os empresários descartaram intermediários e para levar os “jovens empresários” ao poder.
assumiram o governo diretamente em nome Membros da agremiação romperam ainda em
de seus interesses e projetos políticos e econô- 1987 com Tasso, pois sentiam-se despresti-
micos. giados pela nova administração. As secretarias

357
CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL CEARENSE

mais importantes do “Governo das Mudanças” tempo em que se preparava para as eleições
foram ocupadas por técnicos e empresários do municipais de 1988 e estaduais de 1990.
CIC, visando exatamente afastá-las das pres- Assim é que: a) reedita na Secretaria de
sões dos políticos tradicionais, francamente Governo, sob a coordenação de Sérgio Macha-
desprezados pelo Cambeba. Constituíram-se do, funções análogas à da Secretaria para As-
esses tecnocratas e burgueses o “núcleo duro suntos Municipais do governo de Adauto Be-
do governo”, com grande poder decisório. Sér- zerra, por meio da qual conquista a adesão de
gio Machado dirigia a recém criada secretaria prefeitos interioranos; b) realiza obras de maior
de Governo, tratando da coordenação política vulto emmunicípios-chaves, em diferentes re-
da gestão e das demandas das oligarquias inte- giões do estado particularmente em Juazeiro
rioranas e políticos, os quais sequer eram rece- do Norte e Canindé (em cuja sede transitam,
bidos por Tasso e nem sempre tinham atendidas como centro de peregrinação de fiéis de padre
suas demandas – Sérgio chegou a ser chamado, Cícero e São Francisco, considerável número
por isso, de “primeiro-ministro”; Assis Macha- de eleitores) (..); c) faz alianças com o PDS e
do Neto deixou a presidência do Centro In- PFL nos municípios onde encontra oposição
dustrial para ocupar a Secretaria de Transpor- do PMDB; d) institui as categorias de Agen-
te e Obras; Beni Veras foi nomeado Assessor tes de Saúde e Agentes de Mudança. Como
Especial do governador; Byron Queiroz ficou corpos móveis de servidores, se ocupam, res-
com a Secretaria do Planejamento; Francisco pectivamente em oferecer técnicas sanitárias às
Lima Matos, técnico do BNB, presidiu a Se- populações interioranas e exercer as funções
cretaria da Fazenda. O PMDB ocupou lugares de liderança comunitária na capital do estado.
secundários e inexpressivos no governo, salvo Ambos operam como forma institucionaliza-
talvez o secretário de Agricultura, Eudoro San- da de “cabos eleitorais”; e) estreita os vínculos
tana, ligado a ala à esquerda daquele Partido. com as direções de federação e sindicatos dos
Os peemedebistas reclamavam da falta trabalhadores rurais; e f) promove a candida-
de acesso ao governador. Acostumados a re- tura de empresários, executivos de empresa e
ceber e distribuir cargos entre os seus corre- profissionais de formação universitária para
ligionários (como era tradicional no Ceará), cargos do legislativo e, em menor extensão,
ficaram indignados ao não terem seus pedidos para as administrações municipais.
aceitos. Esperavam inocuamente na sala do se-
cretário Sérgio Machado, num verdadeiro “chá
de cadeira”. Consideravam isso um “desrespei- • 30.8 •
to” aos políticos. A “rebelião” do Partido era COOPTANDO OS MOVIMENTOS
também incitada pelo ex-governador Gonzaga POPULARES
Mota, totalmente isolado das decisões adminis-
trativas por Jereissati. O Cambeba se orgulhava em dizer que
Dessa forma, o PMDB rachou. Parte da a partir de Tasso os “segmentos organizados do
sigla, englobando vários deputados estaduais povo” passaram a participar direta e democra-
(entre eles Antônio Câmara, presidente da As- ticamente das decisões governamentais, sem
sembléia Legislativa) e federais, além do pró- intermediação de políticos. Contudo, o que
prio “Totó”, passaram a se opor ao governador, o governo chamava de “participação” não ia
enquanto a outra parte, sob a chefia de Mauro além de mera execução e gestão dos programas
Benevides, continuou ligada ao Cambeba. elaborados pelo Estado. Inverteu-se o proces-
Contando com a minoria na Assembléia so social: em vez da comunidade espontanea-
Legislativa, o Executivo enfrentou enormes di- mente organizar entidades defensoras de seus
ficuldades para desenvolver o “projeto mudan- interesses, era o governo que estimulava essa
cista”, sendo rotineiro o choque entre os dois criação, de modo que se formaram associações
poderes. Mas Tasso não deixou por menos. Ao populares dóceis e subservientes ao grupo no
longo do seu quadriênio (1987-91), procurou poder – não poucas vezes as lideranças dessas
desestruturar as bases eleitorais remanescentes entidades eram ligadas a correligionários cam-
dos adversários (chamados genericamente de bebistas! Além disso, num quadro de escassez
“forças do atraso”, de “reacionários” e de de- de recursos para eventos sociais, eram os movi-
tentores de interesses contrariados) ao mesmo mentos populares, e não o “Governo das Mu-

358
HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS

danças”, que acabavam responsabilizados pela lada em 1987) e da Federação da Agricultura,


seleção dos beneficiados dos projetos (muitas Comércio e Indústria do Ceará (FACIC), que
pessoas carentes ficam fora destes, gerando realizam duras críticas ao que chamavam de
descontentamentos) e por eventuais “falhas” na “sectarismo ideológico e faccioso” da questão
execução dos mesmos. Portanto, constituía-se agrária no Estado. Dessa forma, ante descon-
um modo de “não queimar” a imagem de Tasso tentamentos e pressões, o Cambeba reformu-
e companhia. lou em 1989 sua proposta de reforma agrária:
A Secretaria de Ação Social tornou-se reordenou as prioridades da aplicação dos re-
uma notória cooptadora de entidades e lideran- cursos no setor agrário, extinguiu órgãos, de-
ças populares. Os “agentes de mudanças” foram mitiu dirigentes (prova foi a saída do governo
criados visando “ouvir e atender” as demandas de Eudoro Santana). Daí em diante o execu-
das comunidades e, obviamente, formar novas tivo cearense priorizaria não mais a reforma
lideranças compromissadas com o Cambeba – agrária, mas a produção agrícola, favorecendo
era, na realidade, uma infiltração do governo as agroindústrias, várias delas pertencentes aos
dentro dos movimentos populares na intenção próprios empresários no governo.
de barrar a influência das esquerdas (sobretudo O isolamento de Tasso em relação aos
em Fortaleza) e preparar apoios para as eleições movimentos políticos e sociais de oposição lhe
vindouras. O governo estadual, por exemplo, valeu a pecha de autoritário. As manifestações
estimulou a criação da Federação de Entidades populares com as quais o governo não concor-
Comunitárias do Estado do Ceará (FECECE), dava, como nos tempos da Ditadura Militar e
provocando o enfraquecimento de entidades dos coronéis, passaram a ser chamadas de “ma-
de bairros e favelas já existentes, de tendência nipulação das esquerdas” e truculentamente
progressista. A FETRAECE (Federação dos reprimidas muitas vezes.
Trabalhadores do Estado do Ceará), que apoiou O autoritarismo cambebista logo fez o
a eleição de Tasso em 1986, foi por anos um PCB e o PCdoB migrarem para a oposição –
mero fantoche nas mãos do governo, visando até hoje os comunistas são cobrados por terem
manipular os sertanejos, sobretudo porque em apoiado Tasso. Curiosamente, aos adversários
1989 o Movimento dos Sem-Terra (MST) pas- do governo, juntar-se-ia uma das peças funda-
sou a atuar no estado por uma reforma agrária mentais da nova fase do CIC, Amarílio Macedo
popular. – o motivo? O mesmo: a intolerância tassista.
Curiosamente, o “Governo das Mu- Amarílio Macedo, ao contrário de Je-
danças” até que se dispôs a fazer no início uma ressati e outros cambebistas, demonstrava uma
reforma agrária, oferecendo condições favorá- tendência para o diálogo com os setores orga-
veis para tanto: nomeação para cargos públicos nizados da sociedade civil. Durante a campa-
dirigentes com experiência e respaldo popular nha de 1986, foi o coordenador dos “Grupos
(como Eudoro Santana para a Secretaria de Pró-Mudanças” que eram organizados nos
Agricultura), captação de verbas federais, cria- municípios cearenses para apoiar Tasso e dis-
ção de órgãos de articulação, etc. Tal processo cutir projetos de interesse das comunidades
mobilizou ainda mais os setores progressistas (nesses grupos, havia, inclusive, destacada
e de esquerda no aprofundamento da luta pela presença de militantes comunistas). Vitoriosa
terra, situação que passou a incomodar o gover- a chapa do “Galeguinho”, tais grupos foram
no – o Cambeba não capitalizava politicamente mantidos, aumentando mesmo os debates em
os resultados e temia perder o controle do pro- torno de propostas novas para o governo. Isso
cesso. Além disso, o governo mostrava descon- começou a preocupar o Cambeba, pois sentia-
tentamento com os rumos tomados pela refor- se pressionado pelas organizações populares e
ma agrária; esta deveria, sim, estar articulada ao de esquerda (as quais exigiam o cumprimento e
modelo capitalista em implantação no estado, aprofundamento das promessas de campanha),
ou seja, a pequena propriedade rural submis- sem contar que os “Grupos Pró-Mudanças”
sa aos interesses das grandes agro-indústrias, o davam grande poder de mobilização a Amarí-
que não estava acontecendo. lio de Macedo, herdeiro de uma das maiores
Por outro lado, houve a reação ruidosa fortunas do Ceará, alguém independente e que
dos latifundiários através da União Democrá- não se submetia ao centralismo do “Governo
tica Rural (UDR, cuja secção local foi insta- das Mudanças”.

359
CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL CEARENSE

Macedo foi pressionado e acabou por Mesmo assim o Grupo do CIC não se
fechar aqueles grupos de discussão – mas tam- sentia confortável no PMDB. Inclusive a opo-
bém rompeu com Tasso. Era uma fissura no sição local de setores do partido fez-se refle-
Grupo do CIC (o empresário Edson Queiroz tir na executiva nacional. Em 1987, quando o
Filho também seria outro que romperia com presidente da República José Sarney fez um
o Cambeba – o que levaria, aliás, a alguns atri- convite para que Tasso assumisse o Ministério
tos do governo com o Sistema Verdes Mares e da Fazenda, o nome do “galeguinho” foi vetado
à fundação por Tasso de “sua” televisão, a TV pelo então deputado federal Ulysses Guima-
Jangadeiro, em 1990). Os efeitos da ruptura se- rães (presidente da sigla e eminência parda da
riam notados nas eleições municipais de 1988. presidência).
Macedo articulará o movimento supraparti- Jereissati entendeu finalmente que não
dário “Fortaleza, Sim; Cambeba, não”, cujo encontraria espaços no PMDB para ampliar o
propósito era arregimentar o “voto útil” para projeto político do CIC, no estado ou nacio-
o mais forte candidato de perfil progressista, nalmente. Passou a procurar novo partido. Em
o radialista policial e deputado estadual Edson 1989 haveria eleições diretas para presidente da
Silva, do PDT. No entanto, a divisão das es- República – as primeiras após o fim da Ditadu-
querdas dificultou essa ação (o PT e o “Grupo ra Militar. A direita, as elites e a maior parte da
da Maria” – agora no Partido Humanista – lan- imprensa apoiaram Fernando Collor de Mello,
çaram candidatos próprios). do inexpressivo Partido da Reconstrução Na-
Em resposta, o Cambeba atacava: “For- cional (PRN), para barrar as chances de vitória
taleza, sim; Cambada, não”. Tasso lançou como da esquerda (Lula do PT, Brizola do PDT).
candidato do PMDB a prefeito da capital o Tasso se negou a apoiar o candidato do
seu jovem líder na Assembléia Legislativa, de- PMDB ao Palácio do Planalto, o mesmo Ulys-
putado Ciro Ferreira Gomes. Foi uma eleição ses Guimarães, e acenou com a possibilidade
acirrada, na qual a direita, com o apoio da mí- de apoiar Collor – vários de seus secretários
dia, ressaltava a “incompetência” da esquerda, mais à esquerda deixam os cargos por isso. Mas
embora os peemedebistas estivessem bastante havia dificuldades para Jereissati aderir à cam-
desgastados com o governo Sarney. Numa pro- panha do “caçador de marajás”: nacionalmen-
va dos efeitos políticos dos “agentes das mu- te, Collor teve a adesão do PFL, que no Ceará
danças”, Ciro venceu apertado, com diferença era liderado por Adauto Bezerra, o coronel que
de menos de 1% dos votos sobre Edson Silva, Tasso tachava de exemplo maior das “forças
num resultado, aliás, questionado pela oposi- do atraso” no estado. O grupo do CIC, então
ção, que denunciou fraudes. Euforia do Cam- acabou apoiando o candidato Mário Covas, do
beba. Conquistar Fortaleza era fundamental PSDB (Partido da Social-Democracia Brasilei-
no projeto burguês de monopolizar a política ra, fundado em 1988 a partir de uma dissidência
cearense – o PMDB conseguiu eleger ainda do PMDB), sigla à qual se filiou em 1990 com
59 prefeitos dos então 178 municípios, o que, a maioria dos seus correligionários, esvaziando
somado aos 16 eleitos pelo PMB (Partido Mu- o PMDB local.
nicipalista Brasileiro, sigla criada pelo governo O PSDB possuía espaços os quais pode-
para abrigar políticos que por rivalidades locais riam – e foram – ocupados pela Geração Cam-
não podiam ingressar nas hostes peemedebis- beba. Tanto que ao encerrar seu mandato como
tas), deu ao Cambeba o controle total de 43% governador em 1991, Tasso foi eleito presiden-
das prefeituras cearenses. te nacional daquela agremiação. Nas eleições
As primeiras ações de Ciro Gomes como presidenciais de 1989, em termos de Ceará, no
gestor municipal (1988-90) foram “recuperar” e primeiro turno venceu Collor, ficando em 2º
“modernizar” Fortaleza. Contando com apoio fi- lugar Brizola (vitorioso em Fortaleza), em 3º
nanceiro do governo estadual (já que a prefeitura Mário Covas e em 4º lugar, Lula. No segundo
não possuía recursos), a cidade foi limpa, os bu- turno, Jereissati pronunciou-se “neutro” e seus
racos das ruas tapados, colocados em dia os ven- partidários empenharam-se na campanha de
cimentos do funcionalismo, etc. Os níveis de po- Collor, vitorioso no estado (embora Lula tenha
pularidade de Ciro e Tasso alcançaram as alturas, ganho em Fortaleza).
sendo considerados os “melhores administrado- A relação do governador Tasso (e depois
res” do Brasil, segundo as pesquisas de opinião. Ciro) com Collor foi delicada. O presidente

360
HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS

colocou adversários políticos de “galeguinho” e contando com o apoio da máquina pública,


em cargos importantes da máquina federal no Ciro foi eleito governador já no primeiro tur-
Nordeste e no Ceará. Adauto assumiu a supe- no, com 54% dos votos derrotando Paulo Lus-
rintendência da SUDENE; Luis Marques, o tosa (PFL). A coligação PSDB-PDT elegeu 10
DNOCS, etc. Collor chegou a mandar realizar deputados federais e 22 deputados estaduais,
uma devassa fiscal nas empresas de Jereissati! assegurando ao Cambeba ampla maioria – ver-
Isso mudou, contudo, quando, acossado com a dadeiro “rolo compressor” – na Assembléia
possibilidade do impeachment em 1992, Collor Legislativa. A partir de então o poder legislati-
buscou apoio do PSDB – Tasso chegou a ser vo virou quase um apêndice do “Governo das
convidado para ocupar um ministério. Mas aí Mudanças”. Consolidava-se o projeto político
já era tarde demais... E o “caçador de marajás” do CIC no Estado.
foi “abatido” da presidência com a corrupção
do caso PC.
• 30.10 •
CIRO
• 30.9 •
AS ELEIÇÕES DE 1990: Ciro Ferreira Gomes nasceu em Pin-
A HEGEMONIA BURGUESA damonhangaba (SP) no ano de 1957, mas foi
criado em Sobral onde sua família chefiava
Em 1990 aconteceu mais um choque um dos mais tradicionais grupos políticos do
entre a burguesia empresarial cambebista e as norte cearense. Figura jovem, de “boa aparên-
tradicionais e enfraquecidas forças oligárqui- cia”, orador excepcional, a vida pública de Ciro
cas, agora reforçadas pelo PMDB. Tasso, no caracterizou-se pela incoerência ideológica e
melhor estilo do “centralismo democrático”, a busca constante de novos espaços políticos.
indicou como candidato do PSDB ao governo Militou no movimento estudantil na Facul-
o prefeito Ciro Gomes, com base em algumas dade de Direito (pela qual bacharelou-se – é
pesquisas de opinião. Essa indicação marcou o advogado), elegendo-se deputado estadual em
início do afastamento do “Projeto das Mudan- 1982 pelo PDS dos coronéis. Depois, ingressou
ças” de Sérgio Machado, que contava ser o can- no PMDB e reelegeu-se deputado estadual em
didato tucano (pássaro símbolo do PSDB). 1986, tornando-se líder e defensor de Tasso na
Importante ressaltar que, para dor de ca- Assembléia Legislativa. Sua “moderna” admi-
beça do Cambeba, com a candidatura de Ciro nistração à frente da prefeitura de Fortaleza o
ao executivo estadual, a prefeitura da capital credenciou a ser eleito governador com apenas
passou para o vice Juraci Magalhães, perten- 33 anos, um dos mais novos do Brasil.
cente ao agora inimigo PMDB. Médico, Ma- Tornar Gomes governador foi uma jo-
galhães fora um dos fundadores do MDB no gada arriscada de Tasso, afinal, ele não era em-
Ceará e um de seus principais dirigentes. Era presário, muito menos pertencente ao grupo
um hábil político de bastidores, tanto que não original do CIC de 1978 e no Ceará havia uma
havia até então ocupado nenhum mandato pú- tradição das “criaturas rebelarem-se contra os
blico. Sua indicação para vice de Ciro em 1988 criadores e alçar vôo sozinhas” ante a fragili-
fora um prêmio pela militância de décadas no dade das elites. Ciro, todavia, é o que podemos
partido. Juraci logo impôs sua forma de admi- chamar de burguês geren-
nistrar, impedindo o PSDB de reconquistar a cial, ou seja, um ele-
prefeitura de Fortaleza nas eleições seguintes mento da classe média
(em 1992, elegeu um preposto para o cargo, (embora vinculado a
Antônio Cambraia; em 1996 voltou ao poder e uma oligarquia fami-
em 2000 foi reeleito). liar) a serviço do em-
Nas eleições governamentais de 1990, presariado dominante.
o vice de Ciro na chapa oficial foi Lúcio Al-
cântara, antigo aliado dos coronéis, agora no
PDT, e o candidato ao Senado, o “guru” Beni
Ciro Gomes deu continui-
Veras (PSDB) – era a coligação “Geração Ce-
dade ao projeto político das
ará Melhor”. Com muito dinheiro, prestígio “mudanças”.

361
CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL CEARENSE

Ciro continuaria o projeto capitalista iniciado magistério; criticou acidamente médicos em


por Jereissati no Estado. Seu grupo político (os greve (que estariam “querendo atrair clientes
“ciristas”) era, naquele momento pelo menos, para um plano particular de saúde”), polemi-
pequeno e não muito expressivo, não tendo zou com a imprensa e juízes da justiça do tra-
condição de romper com a burguesia, conten- balho, reprimiu sem-terras e manifestações da
tíssima com a “modernidade administrativa” CUT; comprou até briga com o Conselho de
de Tasso, embora segmentos empresariais* te- Enfermagem do Ceará, o qual chegou a con-
nham, a princípio, feito ressalvas contra a es- siderar os “agentes de saúde” instituídos pelo
colha de Gomes. Vários técnicos e empresários governo como “incompetentes”.
vinculados ao CIC ocuparam cargos importan- Para ratificar a idéia de “grande líder des-
tes dentro do governo, como a secretaria da Fa- temido”, Gomes usou como poucos a mídia.
zenda, entregue a Byron Queiroz. Assim, tal no Aliás, não só ele, mas toda a Geração Cambe-
governo de Tasso I, as secretarias econômicas ba. O Ceará transformou-se num dos estados
foram preservadas das “influências políticas”. que mais investia em propaganda no Brasil. Os
A vinculação de Ciro ao projeto empre- comerciais do governo vinculados na televisão
sarial das “mudanças” fica evidente quando em impressionam pela qualidade técnica. Artigos
1991 ele apóia a criação do “Pacto de Coopera- eram publicados em vários jornais e revistas não
ção” (fundado por Amarílio Macedo, que assim só locais, mas também nacionais. Periódicos do
se reaproximava do PSDB, embora continuasse Centro-Sul e até internacionais publicavam re-
visto com desconfiança pelos tassistas). Tal “Pac- portagem evidenciando o “progresso cearense”,
to” consiste num fórum permanente no qual li- escasseando as matérias críticas. Parecia que o
deranças da sociedade civil, dos poderes públicos Ceará era uma “ilha da fantasia”, um “paraíso
e, sobretudo, empresariais discutiam suas ne- de modernidade e prosperidade”. Para divulgar
cessidades e apontam soluções ao governo. Era, o estado (e, lógico, seu nome!) Ciro chegou a
portanto, uma forma de dar maior receptividade ajudar financeiramente a novela da Rede Globo
e atenção aos anseios das elites cearenses. “Tropicaliente” (1994), cuja trama passava-se
Ciro diferenciou-se de Tasso no modo no Ceará e exibia toda a infra-estrutura turís-
de governar. Jereissati era um gestor empresa- tica e industrial. O mesmo ocorreu (na gestão
rial, reservado (são raras suas entrevistas na im- Tasso II) com o patrocínio da escola de samba
prensa local), sisudo, que guiava o Estado com “Imperatriz Leopoldinense”, campeã do carna-
mão-de-ferro, não dado a negociações. Gomes, val do Rio de Janeiro de 1995 com o enredo
por sua vez, concentrou mais as ações políticas, “Mais Vale um Jegue que me Carregue que um
não delegando a outros como fazia Tasso através Camelo que me Derrube... Lá no Ceará”.
da Secretaria de Governo – ou seja, Ciro apre- Obviamente afirmar que o prestígio do
sentou um melhor relacionamento com as elites Cambeba deveu-se apenas ao uso da mídia é
e grupos políticos cearenses, ainda que conser- ser ingênuo. O crescimento econômico e in-
vando o projeto burguês da gestão anterior. dustrial do estado angariavam apoios. Na gestão
Contraditoriamente, a concentração Ciro (1991-95) o SANEAR (projeto gigantesco
de poderes não livrou a gestão Ciro Gomes para ampliar a rede coletora de esgotos) foi im-
de ações autoritárias (afinal, ele é cria de uma portantíssimo; preocupou-se com a educação,
tradicional oligarquia cearense). Ciro sabe que aumentando os gastos na área (embora sem
no Brasil, País sem partidos políticos fortes, é muitos resultados positivos – ampliou o ques-
o carisma da figura pública que o torna “líder tionável método do “tele-ensino”); esforçou-
respeitável”. Daí suas declarações bombásticas, se para recompor o salário do magistério (que
os “torpedos”, os quais provocam polêmicas e passou a receber um reajuste de 10% a mais que
o projetam nacionalmente. Ciro é um típico o restante do funcionalismo público); auferiu
exemplo de político profissional. alguns bons resultados na saúde: ampliou-se a
No poder, o governador atritou-se com cobertura vacinal, diminuiu-se a incidência de
vários setores. Brigou com professores devido várias doenças (apesar dos surtos de dengue e
a um discutível “provão” para avaliar o nível do cólera em 1993-94 – o próprio governador foi
______________
*
Em 1992, Cirino Gurgel, ex-presidente do CIC, tornou-se presidente da FIEC, o que significou que os agora já não tão
“jovens empresários” consolidaram sua influência para todo o setor empresarial.

362
HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS

vitimado pela perigosa dengue hemorrágica), tivos municipais eram do PSDB, número que
reduziu-se a mortalidade infantil (o que valeu aumentou nos anos seguintes. Este é um dos
ao estado o prêmio Maurice Patè, da UNICEF, flancos mais abertos do “Governo das Mudan-
em 1993), etc. ças”: o fato de abrigar hoje esclerosados grupos
Do mesmo modo que não podemos oligárquicos no interior, os mesmos que ontem
atribuir aos “coronéis” a idéia absoluta de “for- adornavam os palácios dos coronéis. São ele-
ças do atraso”, também não se pode associar mentos que não possuem nenhum compro-
totalmente o Cambeba à “modernidade plena”. misso social. Almejam só manter os privilégios,
Tem igualmente seus vícios, usando ações e e vários deles estão envolvido em negociatas e
instituições públicas para benefícios particula- atos de corrupção, que o “rolo compressor” go-
res. A este respeito é exemplar a principal obra vernista impede de apurar.
executada pelo governador Ciro Gomes, em Em suma, o governo Ciro Gomes, ape-
Fortaleza. Construindo um parque ecológico sar de alguns aspectos peculiares, não quebra o
com a finalidade de preservar o meio natural, modelo administrativo da gestão anterior, dando
delineia-se um sistema viário que, referenciado continuidade e mesmo aperfeiçoando a “moder-
pelo Shopping Center Iguatemi de proprieda- nização” da máquina pública (como ao aprovar o
de do então presidente nacional do PSDB, Tas- plano de cargos e carreiras dos servidores públi-
so Jereissati, não só amplia o acesso ao centro cos, que estimulava a capacitação e qualificação
de compras, como o torna parte integrante do do servidor como um dos pilares para ascensão
parque. As vantagens desse empreendimento na burocracia) e o esforço de ajuste fiscal inicia-
público para o proprietário são óbvias. do por Tasso I, através da sistemática fiscalização
Em 1992 Ciro defrontou-se com mais da arrecadação de impostos e controle da exe-
uma seca de nossa história. E como se fosse um cução orçamentária estadual. Prosseguiu igual-
roteiro ruim de teatro, repetiram-se as cenas trá- mente o modelo de industrialização, enfatizan-
gicas de desespero, migrações, fome e saques. do, contudo, sua interiorização, levando fábricas
Fortaleza “inchou” com os retirantes e viu ame- para o interior do estado.
açado o abastecimento d’água, que só não foi Em setembro de 1994 Ciro deixou o
ao colapso porque numa verdadeira “operação Executivo cearense para ocupar o cargo de
de guerra” construiu-se em apenas três meses, ministro da Fazenda do governo de Itamar
usando a mão-de-obra de cinco mil homens, Franco. Isso porque o prestígio do jovem po-
o denominado “Canal do Trabalhador”, o qual lítico poderia abafar um escândalo envolvendo
com seus 115 km de extensão trouxe água do o então ministro Rubens Ricupero (sucessor
rio Jaguaribe para a capital. Ciro foi visto como do cargo do presidenciável e futuro presiden-
“herói” pela façanha – a partir daí, para minorar te Fernando Henrique Cardoso), que chegou
os efeitos das estiagens, o “Governo das Mudan- a confessar nos bastidores de uma entrevista
ças” passou a integrar as bacias hidrográficas ce- (gravada, porém, pela TV) que o Plano Real era
arenses através de canais e adutoras. eleitoreiro e o governo não possuía escrúpulos,
Outro transtorno para Gomes foi a der- pois “mostrava para a opinião pública o bom e
rota do candidato do PSDB, Assis Machado escondia o ruim”.
Neto, na eleição municipal de Fortaleza em Ciro, assim, ganhou maior projeção na-
1992. A vitória ficou com o candidato de Jura- cional e passou a alimentar o sonho de presidir
ci Magalhães (agora “arqui-rival” do governa- o Brasil. “Esquecido” depois pelo presiden-
dor), o então desconhecido Antônio Cambraia. te FHC e vendo poucos espaços políticos no
Apesar dessa frustração, de maneira genérica, PSDB nacional – muito ligado ao empresaria-
o pleito foi favorável aos tucanos no resto do do de São Paulo, com quem o ministro teve al-
estado. O PSDB elegeu 92 dos 184 prefeitos. guns atritos –, Gomes deixou o “ninho tucano”
Com municípios falidos ante a crise econômi- em 1997 e ingressou no pequeno PPS (Partido
ca – por incrível que pareça, várias cidades do Popular Socialista, facção majoritária do an-
Ceará só tinham alguma movimentação finan- tigo PCB que renunciara ao marxismo com
ceira quando eram pagas as pequenas aposenta- a derrocada do “socialismo real” no mundo).
dorias dos anciãos sertanejos –, para sobreviver Tornou-se, então, um duro crítico do mode-
vários prefeitos acabam aderindo ao Cambeba. lo neoliberal implantado no País por Fernando
Em 1995, por exemplo, já 109 chefes de execu- Henrique.

363
CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL CEARENSE

Contraditoriamente, porém, Ciro conti- Nesse momento, em 1995, foi lançado


nuou a apoiar Tasso no Ceará, que apoiava FHC o Projeto São José visando combater a pobreza
e aplicava no estado a mesma fórmula econômi- no campo por meio da construção de peque-
ca... Havia, contudo, uma explicação do porquê nos açudes, abastecimento de energia elétrica
Gomes ter esse comportamento: sabia perfeita- e financiamentos a pequenos empreendimen-
mente da hegemonia da oligarquia urbano-in- tos produtivos comunitários (casas-de-farinha,
dustrial no Ceará e que os inimigos do Cambeba padarias, confecções, irrigação, compra de má-
sobreviviam politicamente com dificuldades (as quinas e tratores, etc.) – os projetos seriam pro-
esquerdas, Juraci Magalhães), ou eram coop- postos pelas associações e entidades comunitá-
tados (o ex-prefeito Antônio Cambraia, Edson rias do interior, cabendo ao governo aprovar e
Silva) ou implacavelmente extintos (que o di- liberar as verbas. É inegável a relevância do São
gam os coronéis e aqueles peemedebistas que José para a qualidade de vida das populações
romperam com Tasso!). Ciro foi candidato à carentes beneficiadas – sucessos foram obtidos,
Presidência da República em 1998 (ficou em 3º apesar da limitação dos recursos e de inúmeras
lugar, derrotando FHC no Ceará com um “dis- denúncias do uso clientelista do projeto, que
creto” apoio de Tasso) e em 2002. priorizavam os projetos e reivindicações dos
correligionários do Cambeba nos municípios
(muitas das associações foram criadas apenas
• 30.11 • para receber os recursos, sem nenhuma repre-
TASSO II sentatividade na comunidade), afora os casos
de corrupção e desvios de verba pública.
Ainda em 1994 Tasso Jereissati foi re- Na segunda gestão, entretanto, Jereissati
conduzido ao governo cearense com 43,8% definiu como prioridade a execução de gran-
dos votos, derrotando no primeiro turno seu des projetos estruturais capazes de fortalecer a
principal opositor, Juraci Magalhães. O PSDB economia do Ceará a longo prazo, uma vez que
igualmente elegeu os dois senadores, Lúcio Al- as finanças públicas tinham sido recuperadas
cântara (que deixara, portanto, o PDT) e Sérgio e robustecidas nas administrações passadas do
Machado, bem como a maioria dos deputados Cambeba. Daí a construção do Porto do Pecém
estaduais e federais. (área onde deveria situar-se também um com-
Com o segundo governo (1995-99), plexo industrial, tendo como referência uma
Tasso consolidou sua liderança política não só siderúrgica), a internacionalização do aeropor-
no estado, mas igualmente em âmbito federal, to Pinto Martins, o Metrofor (para mais rápido
favorecido pela eleição de FHC a para presi- escoar a mão-de-obra da região metropolitana
dência – aliás, várias obras no Ceará foram rea- de Fortaleza), os linhões Banabuiú-Fortaleza e
lizadas graças em muito a verbas presidenciais, da CHESF (ampliando a oferta de energia elé-
que, assim, buscava um maior espaço político trica), a melhoria das rodovias estaduais, a in-
para o PSDB no Nordeste (como dito, o tu- terligação das bacias hidrográficas, a construção
canato é muito ligado às reacionárias elites e do açude Castanhão (o que implicou a cons-
classes médias de São Paulo e tem dificuldades trução da primeira cidade planejada do estado,
eleitorais em outras regiões). Nova Jaguaribara, pois a antiga foi inundada
Jereissati manteve o estilo “cambebista” de pelas águas do açude), apoio à agricultura irri-
governar, embora de início tenha tentado estabe- gada (beneficiando sobremaneira a agroindús-
lecer uma maior abertura do governo à partici- tria) e investimentos no setor turístico.
pação da sociedade ao criar os Conselhos de De- A atenção à indústria continuou – ao
senvolvimento Regional. Estes reuniam agentes longo dos anos, instalaram-se centenas de in-
governamentais com entidades representativas dústrias no estado, muitas delas no interior, de
da sociedade civil visando discutir os problemas modo que o setor cresceu numa média anual de
do estado e propor soluções – a experiência du- 3,6%. Para se ter idéia, a participação da indús-
rou pouco mais de seis meses! O centralismo e tria na composição do Produto Interno Bruto
o autoritarismo persistiriam, apresentando Tasso, saltou de 19% em 1970 para 40% em 2000.
como seu novo braço direito na Secretaria de Go- Para ter essas indústrias, o Cambeba de-
verno o empresário Francisco de Assis Machado senvolveu uma agressiva política fiscal, atraindo
Neto (um novo “primeiro-ministro). empresas nacionais e até estrangeiras. O Estado

364
HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS

isentava as fábricas de 75% do ICMS (Imposto e a propaganda do “Governo das Mudanças”.


sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) O modelo do Cambeba beneficiou principal-
por até 15 anos. O percentual e o tempo de mente os mais ricos, acirrando as desigualda-
isenção ampliavam-se à medida que as indús- des sociais. Reproduziu-se o velho artifício de
trias eram instaladas mais distantes da região fazer o bolo da riqueza crescer, sem reparti-lo.
metropolitana de Fortaleza, num claro objetivo A população ficou com alguns farelos e os mes-
de levar investimento para os sertões (embo- mos comensais de sempre se empanturraram
ra as indústrias continuassem se concentrando de lucros.
próximo à capital). O executivo fornecia ainda A concentração de renda no Ceará cons-
o básico, como o terreno (doado ou financia- titui-se uma obscenidade. Apenas uma ínfima
do aos empresários), água, energia e telefone. minoria é que pode consumir carros importa-
Chegava mesmo a construir os galpões das in- dos, freqüentar shopping centers, vestir “rou-
dústrias e recrutar os trabalhadores. pas de grife” – e é essa minoria que mantém a
A opção política pela atração de indústrias lucratividade das grandes redes empresariais do
com a renúncia de parte do ICMS revelou-se, estado. De acordo com a Pesquisa Nacional por
na visão do governo, inevitável para a sobrevi- Amostras de Domicílio (PNAD) de 2005, 17%
vência econômica do Ceará diante da chamada dos cearenses com mais de 10 anos de idade
guerra fiscal entre os estados (ou seja, os es- sobreviviam sem rendimento fixo; 52% rece-
tados competem entre si, cada qual buscando biam menos de um salário mínimo; 1,1% da
oferecer mais isenções fiscais e incentivos). De população ganhava entre 10 e 20 salários mí-
acordo com dados da Secretaria do Desenvol- nimos e somente 0,7% dos cearenses tinham
vimento Econômico do Estado (SDE), o Ce- renda superior a 20 salários mínimos! Esses
ará tornou-se o segundo estado com a maior dados já foram piores, é verdade, mas no Brasil
concentração de indústrias têxteis. Também é todos, nas últimas décadas, houve uma descon-
o terceiro pólo calçadista do País e se transfor- centração da renda, o que nos leva a questionar
mou no campeão do ranking metal-mecânico qual a real importância do modelo econômico
do Norte e Nordeste. Segundo o IBGE, o es- do Cambeba para minorar as diferenças sociais
tado é hoje o maior empregador industrial do no Ceará.
Nordeste. O trabalhador cearense recebe 40% a
Desde meados dos anos 1990, o turismo menos que os do Sul/Sudeste. Esse, aliás, é um
vem se destacando também na economia do dos outros atrativos que levam empresários a
Ceará, sendo responsável pela multiplicação de fechar suas fábricas em outras regiões e as ins-
diversos empreendimentos, boa parte realizada talarem aqui. Na ótica dos aliados do Cambeba,
por estrangeiros, em pousadas, hotéis, restau- “para quem não ganhava nada, um salário mí-
rantes, etc. Em 1995, fora criada a Secretaria de nimo é um bom salário”. É uma linha de racio-
Estadual de Turismo, visando planejar a ativi- cínio cínica. O trabalho chega, mas os baixos
dade turística em moldes capitalistas. níveis salariais mantêm o povo na situação de
O Produto Interno Bruto no Ceará au- pobreza e na mesma escala social. O empresá-
mentou nos últimos anos, colocando o estado rio fica cada vez mais rico, já o empregado...
na 10ª posição no ranking nacional, à frente de Para complicar, os empregados de muitas
unidades de Federação como Goiás, Espírito indústrias não possuem garantias trabalhistas
Santo e Pará (participação cearense no PIB na- (férias, décimo terceiro-salário, etc.), chegan-
cional passou de 1,60% para 2,00%, entre 1987- do a trabalhar treze horas por dia. O segredo
2001). O Ceará é um dos estados que mais estava na criação de “cooperativas” – os operá-
crescem no País (4,02% ao ano), em números rios “associavam-se” para produzir autonoma-
superiores aos do Brasil (2,28%) e aos do Nor- mente para uma indústria e não apresentavam
deste (2,44%). A renda per capita igualmente oficialmente nenhum vínculo empregatício
avançou. com a empresa. Isso era uma clara burla das
Esses dados faziam os cambebistas da- leis trabalhistas do País, denunciada inclusive
rem pulos de alegria, orgulhosos. Mas desvia- por membros locais da Justiça do Trabalho, que
vam a conversa quando eram lembrados da he- “misteriosamente” acabaram afastados das suas
catombe social cearense. O duro dia-a-dia do funções...
nosso povo contrasta com os dados econômicos Isoladamente, conforme os estudiosos

365
CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL CEARENSE

do assunto, o crescimento industrial e a cons- – Tasso, em represália, recusou-se a engajar-se


trução de grandes obras de infra-estrutura não na campanha de Serra, anunciando em público
mudarão a realidade dos pobres do Ceará. É o apoio a Ciro Gomes.
mais provável que uma estratégia que estimule A popularidade não livrou Tasso de di-
igualmente o crescimento de serviços, a exem- ficuldades em seu terceiro mandato. Uma de-
plo do turismo, e da agricultura, priorizando las foi o aumento da violência – conseqüência
e apoiando com microcrédito os pequenos e direta da dramática situação social brasileira e
médios proprietários (rurais e urbanos), afora cearense. A Geração Cambeba buscou tam-
investimentos em massa na educação, saúde e bém imprimir sua marca na política de segu-
reforma agrária, resultem numa redução mais rança pública. Internamente, tentou recuperar
ampla da pobreza. Mas essa nunca foi uma es- os princípios da disciplina, da hierarquia e da
tratégia principal do “Governo das Mudanças”, moralidade, isolando o lado considerado “po-
pelas vinculações que mantêm com a burguesia dre” dos órgãos de segurança. Por tal razão,
e grupos oligárquicos cearenses. foram escolhidas para as cúpulas, dirigentes de
O Cambeba recebeu a agricultura cea- origem externa ao Ceará e com formação po-
rense em crise e não conseguiu mudar tal si- licial diferente da Polícia Civil e Militar. Foi o
tuação – exatamente o setor que mais absorve caso, por exemplo, dos gaúchos Moroni “Big”
mão-de-obra (com o aperfeiçoamento tecnoló- Torgan e Renato Torrano, ambos delegados da
gico, as indústrias geram cada vez menos em- Polícia Federal e que ocuparam cargos na dire-
pregos). A rigor, a maior parte dos recursos ção da Secretária de Segurança. Isso, por sinal,
que o “Governo das Mudanças” destinava ao provocou um “mal estar” nos quadros locais,
setor beneficiava as grandes agroindústrias. Os que se viram desprestigiados pelo governo.
números são emblemáticos para se entender o Em 1987, foi feito grande campanha
cenário da agricultura cearense: em 1985, por para combater os crimes de pistolagem no esta-
exemplo, 48% da população economicamente do, tidos como uma “prática arcaica, dos tem-
ativa do Ceará estava na agricultura e dividia pos dos coronéis” a ser extinta pela “moderna”
entre si 15% da riqueza cearense. Em 1999, o gestão do “Governo das Mudanças”. Diversos
número de pessoas no campo passou para 40% pistoleiros foram presos, o que era anuncian-
e a participação delas no PIB caiu para apenas do com sensacionalismo pela imprensa e trou-
6%. Segundo dados da Secretaria de Planeja- xe muitos dividendos políticos para Moroni e
mento do Estado (Seplan), a renda média men- Torrano, tanto que depois estes fizeram carrei-
sal dos trabalhadores rurais representa menos ra no parlamento.
de um terço da renda dos que trabalham na Apesar disso, a política de segurança
Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). E pública do Cambeba não obteve a “moderni-
tome êxodo rural, favelização, violência, men- zação” desejada. Persistiram os casos de pisto-
dicância, prostituição... lagem (em número menor, é verdade), assal-
tos, roubos, homicídios, etc., atormentando a
população, sobretudo na periferia de Fortaleza
• 30.12 • e no interior, áreas menos assistidas pela polí-
TASSO III cia. As delegacias e penitenciárias do Estado são
verdadeiros depósitos para os pobres e aqueles
Apesar disso, o “galeguinho” apresentava que estão fora do mundo do consumo. Rebeli-
ampla popularidade entre os cearenses, confor- ões ocorrem constantemente – numa delas, em
me registravam as pesquisas de opinião – tanto 1994, inclusive, foi feito refém no IPPS o então
que com a possibilidade jurídica da reeleição, arcebispo Dom Aloísio Lorscheider.
foi mais uma vez eleito para o Executivo es- Há igualmente não poucos casos de vio-
tadual em 1998 (derrotando ironicamente seu lência praticados pela própria polícia: prisões
“padrinho político” Gonzaga Mota, do PMDB) ilegais, abuso de autoridades, extorsões, tráfico
novamente já no primeiro turno com 52% dos de drogas, torturas, execuções de criminosos,
votos. Credenciou-se a ser o candidato do suspeitos e inocentes (muitos desses crimes,
PSDB nas eleições presidenciais de 2002, o que inclusive, foram denunciados pelo agente da
não aconteceu; o Partido escolheu como can- policia civil João França, em 2000, ao ser preso
didato José Serra, ministro da Saúde de FHC cometendo um ilícito). O corporativismo poli-

366
HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS

cial muitas vezes impede a punição dos solda- se a Teleceará (comprada pelo grupo nacional
dos responsáveis. Como tradição de uma so- Telemar/Oi, que, por “coincidência”, apresenta
ciedade autoritária e de mínimo respeito pelos com um dos sócios Francisco Jereissati, irmão
direitos humanos, impera na mentalidade de de Tasso) e a Coelce (que passou para um con-
boa parte dos policiais e da população o princí- sórcio de chilenos, espanhóis e portugueses).
pio segundo o qual “bandido tem que ser trata- Os serviços tiveram sua qualidade reduzida – e
do no tapa”. Isso apenas reforça a impunidade e as tarifas escandalosamente elevadas! O aten-
o arbítrio dos agentes policiais do Estado. dimento ao público passou a ser ainda mais
É uma força policial preparada, sobretu- criticado pela população. Funcionários compe-
do, para a defesa do patrimônio privado e da tentes foram demitidos e terceirizou-se a mão-
segurança das classes dominantes, e voltada de-obra, provocando, aliás, vários óbitos de
para a repressão das camadas populares e não eletricitários menos experientes. O BEC – no-
para a prevenção, mesmo quando a questão é vamente falido em algumas negociatas nunca
político-social. Foi o caso dos “excessos” come- devidamente explicadas – foi federalizado (isto
tidos pela PM em dezembro de 1997, quando é, passou para as mãos do governo federal) e,
numa operação de guerra e de terror centenas após uma acirrada luta judicial, acabou igual-
de membros do MST, entre os quais crianças, mente privatizado em 2005, por pressão dire-
mulheres e idosos, foram cercados em frente à ta do “grupo mudancista”, pois temia-se que
Secretaria de Agricultura na avenida Bezerra de a apuração dos escândalos do Banco pudesse
Menezes, em Fortaleza. O governo, em vez de respingar em alguns empresários e políticos
negociar, objetivou enfraquecimento do movi- aliados do Cambeba.
mento e o retorno imediato dos trabalhadores
aos seus municípios...
Obviamente que a culpa não é apenas • 30.13 •
dos policiais. Eles são o produto de uma políti- A HEGEMONIA CONTESTADA
ca de segurança pública a qual sempre viu com
desconfiança e reprimiu o negro, o pobre e o Tasso e os empresários do CIC im-
favelado. Os PMs recebem uma má formação, plantaram no Estado desde 1987 um modelo
autoritária, nas academias militares, são trata- capitalista que não alterou substancialmente a
dos asperamente por seus oficiais e submetidos situação de pobreza da maioria da população.
a uma sobrecarga desumana de trabalho, têm Era um grupo oligárquico forte, poderoso e
uma baixa (humilhante) remuneração e lhes influente, ao contrário das tradicionais oli-
faltam melhores condições de trabalho (o que garquias cearenses, as quais, com o passar dos
em muitos casos custa a vida desses policiais ao anos, sobretudo no final da década de 1990,
defrontar-se com marginais mais bem arma- acabaram se aliando e submetendo-se quase
dos). Tudo isso ajuda a entender a paralisação que por completo aos desígnios do Cambeba e
policial de julho de 1997, quando houve troca da “moderna” burguesia.
de balas entre grevistas e o GATE (Grupo de Mesmo considerando tal poderio, Je-
Ações Táticas Especiais), deixando vários feri- reissati acabou alvo de um fenômeno comum
dos. Tasso não negociou com os manifestantes, em política: a longa permanência no poder
prendeu os líderes, afastou quase uma centena desgasta. As belas imagens dos comerciais do
de policiais (civis e militares) participantes do governo e o discurso batido de “mudanças,
movimento. Mas a crise da segurança pública modernidade”, etc., proferidos por Tasso e
continuou... aliados passaram ao longo dos anos, sobretudo
Nos anos 1990, com Fernando Henri- no início do século XXI, a surtir menos efei-
que Cardoso, o PSDB abraçou com entusias- tos. O “Governo das Mudanças” estava em-
mo o neoliberalismo. Este, ao contrário do que poeirado e desgastado por seu autoritarismo,
muitos pensam, defende ainda a presença do pelos escândalos não apurados, pelas alianças
Estado na economia, mas a serviço da grande com as velhas, corruptas e atrasadas oligarquias
burguesia, eliminando garantias sociais da clas- municipais, pelas acusações de favorecimento
se trabalhadora – é a liberdade para explorar a grupos econômicos privados, clientelismo,
(ainda mais) as massas! Jereissati reproduziu tal etc. Para complicar a situação do Cambeba, o
modelo no Ceará. No ano de 1998 privatizou- estilo centralizador e autoritário de Tasso e dos

367
CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL CEARENSE

empresários inibiu o aparecimento de novos Lins (PT) reconquistaram a importante pre-


quadros dentro das hostes do PSDB – os tuca- feitura de Fortaleza, ficando o candidato do
nos não conseguiram produzir novas lideran- PSDB em humilhante quarto lugar – na capi-
ças, tanto que no pleito de 2002 lançaram como tal, era maior o descontentamento existente em
candidato ao governo Lúcio Alcântara, antigo relação ao modelo político e resultados socioe-
partidário dos coronéis. conômicos produzidos pela Geração Cambeba,
O Ceará cresceu economicamente nos havendo uma atuação mais forte das esquerdas
últimos anos, embora os níveis de miséria e (sindicatos, universidades, etc.), uma maior
concentração de renda tenham permanecido pressão das camadas populares reclamando de
quase intocáveis. Apesar da fragilidade e limi- seus problemas de saúde, educação, emprego,
tes da presente democracia liberal brasileira, etc. (embora, por outro lado, o aumento da
por mais que o poder econômico e a máquina influência de seitas evangélicas politicamente
pública consigam votos e correligionários, os conservadoras na periferia contribua para ar-
gestores públicos devem prestar contas a cada refecer a pressão contestatória popular), e uma
quatro anos aos cidadãos quando das eleições. acirrada militância contra o “Governo das Mu-
A maioria dos cearenses, com seu “voto solto”, danças” das classes médias, impossibilitadas de
não ideológico, percebeu obviamente como ascensão social via máquina pública – que o
a vida pouco melhorou no longo período do modelo neoliberal de Tasso desprestigiava.
“Governo das Mudanças” e começou a dar res- Até Ciro Gomes, inclusive nomeado
postas nas urnas. pelo presidente Lula ministro da Integração
O aviso fora dado claramente já em Nacional, ensaiou os primeiros passos de um
2002, quando por pouco o candidato Zé Airton distanciamento de seu grupo do PSDB. Os ci-
(do PT e ex-prefeito do município de Icapuí), ristas deixaram o PPS (que rompera com Lula,
não foi eleito governador, perdendo por ínfima numa postura não aceita por Ciro) e entraram
margem de votos numa acirrada disputa eleito- no PSB, obtendo a filiação de várias lideranças
ral decidida em segundo turno – uma diferença estaduais e realizando mesmo críticas ao gover-
de pouco mais de 3 mil votos em um universo no estadual de Lúcio Alcântara, eleito em 2002
de 4 milhões e 800 mil eleitores. Verdade que – nesse mister, destacou-se o ex-prefeito de
o candidato petista foi ajudado pela “onda ver- Sobral e irmão de Ciro, Cid Gomes, que ma-
melha” que varria o Brasil, ou seja, a campanha nifestava a esperança de suceder Lúcio. Ciro,
vitoriosa de Lula presidente – mas não apenas astuto como sempre, percebeu o óbvio desgaste
isso o beneficiou, pois em outros estados a tal da Era Cambeba e, montado numa nova base
“onda” não impediu que os grupos no poder de poder (fundamentada na máquina pública
conseguissem triunfos eleitorais mais facil- federal e no prestígio nacional conseguido com
mente. O castelo cambebista estava desmoro- os milhões de votos obtidos nas duas vezes que
nando. Tasso, que se candidatou ao Senado, se candidatou à presidência da República) pode
embora eleito, teve menos votos em Fortaleza se dar ao luxo de buscar um maior espaço po-
que o candidato petista Mário Mamede (a ou- lítico para seu grupo no Ceará e autonomia em
tra vaga senatorial ficou com Patrícia Gomes relação a Tasso.
Sabóia, ex-esposa de Ciro Gomes, do PPS). A gestão de Lúcio Gonçalo de Alcânta-
Políticos mais espertos, vendo o desgas- ra (2003-07) foi uma sobrevida do Cambeba.
te da oligarquia empresarial e não encontrando Herdou um fardo maldito, por mais que ten-
espaços para seus interesses, passaram para a tasse se desvencilhar. Tentou impor um estilo
oposição. As dissidências pipocavam e as oposi- próprio de administrar, mostrando mais dis-
ções cresciam. Foi o que se deu ainda em 2002, posição para o diálogo com a sociedade. Sinto-
quando Wellington Landim, político natural mático e simbólico disso foi a transferência da
de Brejo Santo e então presidente da Assem- sede do Executivo do Cambeba para o Palácio
bléia Legislativa, e Sérgio Machado, um dos Iracema. Contudo, a presença tassista dentro
quadros mais importantes da geração Cambeba de sua gestão era por demais visível, a começar
e do CIC, romperam com Tasso, lançando-se pelo vice-governador, Maia Júnior, que acu-
respectivamente pelo PSB (Partido Socialista mulou a poderosa Secretária de Planejamento
Brasileiro) e PMDB candidatos ao governo do (responsável pelo orçamento do Estado!), pelo
Estado. Em 2004 as esquerdas, com Luizianne Secretário de Governo Luis Pontes (respon-

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HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS

sável pelos contatos políticos) e pelo líder do setores empresariais dominantes e das oligar-
PSDB na Assembléia, João Jaime, todos escu- quias municipais aliadas de Jereissati. Daí sua
deiros fiéis do Cambeba. Como chegou a dizer derrota nas eleições governamentais de 2006,
um membro do próprio governo à imprensa, para o que contribuiu também uma nova “onda
Tasso dava a Lúcio “uma liberdade vigiada”. vermelha” – o reeleito Lula e as esquerdas, com
Alcântara recebeu o Estado em situação a prefeita Luiziane Lins, apoiaram o candidato
econômica delicada – em vitorioso Cid Ferreira Gomes, do PSB. Some-
virtude do endividamento se a isso ainda a imagem criada em torno de
de gestões passadas com Cid, jovem político, “brilhante” prefeito de
grandes obras e da cri- Sobral e que poderia fazer igualmente bom go-
se econômica vivida pelo verno no Estado.
País desde 1998, quando Ao contrário do propalado por muita
da elevação do dólar, o que gente, de que “Cid e Lúcio eram farinha do
comprometeu os investi- mesmo Tasso” (ou seja, o governador elei-
mentos do governo e a to seria mero capacho do galego), a vitória do
assistência à população. ex-prefeito de Sobral foi, sim, uma estrondosa
Por fidelidade a Tasso, derrota para o grupo oligárquico empresarial de
Lúcio não denunciou Tasso Jereissati e encerrou (momentaneamen-
nada e realizou um go- te, pelo menos) a hegemonia política mantida
Lúcio Alcântara buscou se verno amarrado, com pou- por este no Estado desde 1987 – Tasso passou
desvencilhar da imagem do cas realizações. Manteve o para a história como o político que mais tempo
Cambeba.
modelo sócio-econômico comandou o Ceará (20 anos), superando, in-
de apoio ao grande capital clusive, os famigerados Accioly. Sua influência,
através de incentivos fiscais para atração de in- porém, continua forte, no legislativo, na im-
vestimentos industriais e turísticos, e da busca prensa adestrada, na justiça, na burocracia, nas
da concretização de projetos estruturantes (por elites e mesmo entre a população. Tasso, esperta
exemplo, a construção do “Canal da Integra- e estrategicamente, mesmo derrotado por Cid,
ção”, projeto de ligação das bacias hidrográficas buscou logo se reaproximar deste, hipotecando
locais, com vinculações à construção de uma apoio do PSBD ao novo governo “pelo bem do
siderúrgica no complexo portuário do Pecém). Ceará” – isso para evitar uma debandada de po-
Alcântara pagou caro pela continuidade líticos do Partido, como acontecia normalmen-
do Cambeba. Sua fidelidade não foi correspon- te no estado quando um grupo perdia eleições,
dida pelo líder Tasso, que no início de 2006, e conservar preciosas bases interioranas.
vendo as dificuldades que a oligarquia teria para Cid Gomes, ao contrário de Ciro, re-
permanecer no governo, resolveu descartar Lú- velou-se um habilidoso político de bastidores,
cio, sugerindo uma aliança com o emergente conseguindo congregar em torno de sua gestão
grupo dos Ferreira Gomes, cuja base de poder diversas facções partidárias. Formou um secre-
se assentava, como vimos, sobretudo na esfera tariado eminentemente político, com tucanos,
federal, na influência de Ciro Gomes junto ao petistas e até comunistas! Era a velha tradição
governo Lula. Vale ressaltar que os programas das oligarquias cearenses de formar grandes
assistencialistas da presidência de Lula, além coligações mantendo a ordem sócio-política –
de atrair eleitores para o petista e as esquerdas, uma ordem agora voltada para a cada vez mais
diminuíam a dependência da população em influente burguesia. Se a oposição institucio-
relação às antigas lideranças locais, várias delas nal já era pequena quando da Era Tasso, com
aliadas de Tasso. Mais uma vez, perceba, um o Governo Cid, praticamente sumiu – muitos
fator “externo”, nacional, interferia na história deputados do PSDB passaram a se comportar
política cearense, no caso, desestruturando os como se fossem vereadores de Fortaleza (visan-
votos de Tasso no interior. do criticar a gestão de Luizianne Lins, reeleita
Lúcio, ofendido em sua pretensão legí- em 2008) e vários militantes de esquerda, com
tima de concorrer à reeleição, rompeu ruidosa- origens nos movimentos sociais, bem acomo-
mente com Tasso. Tarde demais. Apenas pio- dados na máquina pública, silenciaram-se diante
rou tudo: continuou com o fardo do desgaste das contradições da gestão Cid, chegando a pe-
dos 20 anos de Cambeba e perdeu o apoio de dir “maior compreensão” à mobilização popu-

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CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL
Cid Gomes manteve CEARENSE
o modelo
econômico da Era Tasso.

lar. Tais militantes, que antes neficiem mesmo aos grandes empresários locais
eram defenestrados pelos con- e tenham custos ecológicos danosos.
servadores locais, começaram A reforma agrária não existiu – mas se
a ser homenageados e exaltados privilegiou o grande agro-negócio. Na área de
como exemplos de “ho- segurança, apesar da falta de dados confiáveis,
mens públicos moder- provavelmente não houve grandes mudanças.
nos”... O “Ronda do Quarteirão” teve efeitos bem mais
Os Ferreiras Go- propagandísticos que práticos, sem falar que ge-
mes mantiveram prati- rou atritos dentro da corporação policial, pela
camente o mesmo modelo diferença de salário e preparo dos policiais do
econômico adotado nos 20 anos de Cambeba. “Ronda” em relação aos demais (embora tenha
Um modelo de isenções fiscais para atrair in- sido denunciados também casos de corrupção,
dústrias, o que, por si apenas, como vimos, não propina, abuso de poder, etc. dos policiais do
muda a realidade social dos cearenses. A econo- “Ronda”). No Ceará, policiais passaram a usar
mia do Estado continuou a crescer, mas a riqueza fardas azuis bebê, a andar de Hilux (carro pelo
permaneceu nas mãos de alguns poucos. Como qual as elites locais têm verdadeira paixão...),
as finanças do Estado não andam bem, abaladas mas continuaram a ter uma péssima preparação
também pela crise do capitalismo de 2008/09, os e um dos piores salários do Brasil... Um sinal
recursos para “obras de impacto” escassearam. A claro do fiasco social cearense foi a colocação de
“grande obra” do governo Cid foi o “Eixão das “grades de proteção” numa área nobre de For-
Águas” (novo nome do “Canal da Integração”), taleza (Parque do Cocó), pois o Estado não tem
que havia sido iniciado em gestões passadas, e condições de garantir a segurança.
persistiram os esforços para construção da side- Resumindo, se, politicamente, o triunfo
rúrgica e concretização do pólo metal-mecânico de Cid foi a derrota de Tasso, em termos de
do Pecém – apontados como “fundamentais economia e administração o projeto burguês
para o desenvolvimento” cearense, embora be- continuou o mesmo. Mais do mesmo.

1- Sintetizar a origem do CIC.


2- Relacionar “modernização conservadora”.
3- Definir o que foram os “Jovens empresários” e suas concepções políticas e econômicas.
4- Apontas e analisar os principais fatores que contribuíram para a vitória de Tasso Jereissati
em 1986.
5- Apontar as principais características da Geração Cambeba.
6- Sintetizar o primeiro mandato de Tasso.
7- Analisar as relações entre o Cambeba e os movimentos populares.
8- Analisar a importância das eleições para prefeito de Fortaleza em 1988 e sua importância
para o Cambeba.
9- Sintetizar o governo de Cid Gomes.
10- Analisar a frase: “Do mesmo modo que não podemos atribuir aos “coronéis” a idéia abso-
luta de “forças do atraso”, também não se pode associar totalmente o Cambeba à “moder-
nidade plena”.
11- Sintetizar o segundo governo de Tasso.
12- Analisar o modelo industrial adotado pelo Cambeba e suas conseqüências.
13- Analisar a questão da segurança pública na Geração Cambeba.
14- Analisar o neoliberalismo implementado por Tasso no Ceará.
15- Discorrer sobre a contestação à hegemonia do Cambeba.
16- Sintetiza o governo Lúcio Alcântara.
17- Analisar o governo Cid Gomes.

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