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HISTÓRIA DO CEARÁ | AIRTON DE FARIAS
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CAPÍTULO 9 | ECONOMIA COLONIAL CEARENSE
crença de que a maneira para superar o subde- Virgílio Távora (1962-66/1979-82) e de órgãos
senvolvimento estava na industrialização, pas- como o Banco do Nordeste (BNB, em 1954)
sou-se a mudar o perfil econômico do Ceará. e da Superintendência de Desenvolvimento do
A “modernização conservadora” cearense fez- Nordeste (SUDENE, fundada em 1959). Cou-
se com o planejamento governamental e com be ao Estado fornecer os “estímulos industriais”
apoio do Estado – daí a importância do gover- (obras de infra-estrutura e isenções fiscais), pois
no dos coronéis, especialmente das gestões de a burguesia não tinha capital para tanto.
Assim, aos poucos, o Ceará foi efetiva- Durante a ditadura militar, o presidente
mente se industrializando – em geral com fá- da FIEC, José Flávio da Costa Lima chegou a
bricas do setor tradicional, ou seja, indústrias enviar, junto com empresários de outros esta-
têxteis e de vestuário, calçados e artefatos de dos, um documento ao presidente João Figuei-
tecidos – e possibilitando o fortalecimento redo, expondo temores com a distensão polí-
político da burguesia local. Esta era composta tica e o retorno à democracia. É bom lembrar
na maior parte por cearenses natos, autodida- que boa parte do empresariado brasileiro tinha
tas, homens com pouca instrução, “formados apoiado o Golpe de 1964 e a Ditadura Militar,
nos balcões e nas máquinas”. A maioria desses inclusive colaborando materialmente para a re-
empresários acumulou patrimônio através de pressão e eliminação dos opositores.
atividades comerciais anteriores e reuniam-se
na tradicional FIEC, apresentando uma visão
corporativista do mundo (ou seja, preocupa- • 30.3 •
vam-se apenas com o interesse dos industriais), OS “JOVENS EMPRESÁRIOS”
beneficiando-se dos financiamentos e cliente- E O CIC
lismo do Estado.
A FIEC, por isso, não questionava as es- No final da década de 1970, não obstan-
truturas de poder que, obviamente, eram favo- te, surgiu uma nova geração de empresários no
ráveis aos seus membros. Limitava-se a apoiar Ceará que foi aos poucos assumindo o coman-
as ações dos governantes e tecnocratas nacio- do das indústrias e comércio. Era um grupo
nais, mostrar fidelidade à Ditadura e benefi- homogêneo, de idade variando entre 35 e 45
ciar-se de recursos públicos. Tinha uma casca anos, diferente dos pais pelo fato de terem pas-
de mofo e conservadorismo. sado pelas universidades e feito cursos de pós-
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graduação. Os “rapazes” tinham, pois, maior “guru” do grupo. Ao lado de Beni estavam ou-
embasamento teórico e técnico e uma concep- tros pesos pesados da economia cearense como
ção diferente da realidade. Sabiam, estudavam Tasso Jereissati (Grupo Jereissati), Francisco
o que era capitalismo, o que é uma sociedade Assis Machado Neto (Construtora Mota Ma-
capitalista e qual deve ser o comportamento chado), Byron Costa de Queiroz (executivo do
dos capitalistas. Grupo Ivan Bezerra), José Sérgio de Oliveira
Para aqueles “jovens empresários”, não Machado (Indústria Têxtil Vilejack), Edson
deveriam os industriais estar sujeitos aos bu- Queiroz Filho (Grupo Edson Queiroz), Edníl-
rocratas estatais ou a políticos que os represen- ton Gomes de Soarez (Colégio Sete de Setem-
tassem, mas no comando do Estado! Não lhes bro) e Amarílio Proença de Macedo (Grupo J.
agradava ter de pagar propina para conseguir Macedo).
recursos para um projeto industrial; não dese- A nova postura do CIC logo provocou
javam depender dos “humores” dos tecnocratas alguns atritos com o conservadorismo da FIEC
da Ditadura – tudo isso dificultava a acumula- – o que, contudo, não era suficiente para uma
ção de capitais, o que se agravou com a crise ruptura estrutural, pois, afinal, todos eram em-
econômica vivida pelo estado no final dos anos presários: Beni, Tasso, Amarílio e companhia
1970 e começo dos 1980. Queriam acabar com romperam com o estigma corporativista com
os “intermediários”, almejavam um Estado me- que as entidades representativas estavam im-
nos intervencionista, saneado financeiramente, pregnadas. Desenvolveram um projeto polí-
rápido, ágil, “moderno”, a seu total dispor. Um tico arrojado. O CIC começa a defender uma
Estado que subordinasse a política aos objeti- gestão empresarial da administração pública,
vos do mercado, estimulasse a expansão dos sem clientelismo, fisiologismo paternalismo
negócios privados e o crescimento econômico. ou corrupção. Critica duramente o mau ge-
Em 1978, o presidente da FIEC, José renciamento dos recursos públicos, a grande
Flávio da Costa Lima, percebendo a homo- quantidade de funcionários públicos com baixa
geneidade desse grupo jovem e suas diferen- produtividade e a falta de um projeto econô-
ças com os tradicionais empresários, resolveu mico compatível com os anseios empresariais
ceder-lhe o quase desativado CIC que, dessa mais “modernos”.
maneira, foi desligado da Federação das Indús- Os “jovens empresários” também ata-
trias. A intenção de Costa Lima era que os “me- cavam os desequilíbrios regionais do Brasil e
ninos” desenvolvessem suas “potencialidades”, defendiam a indústria do Nordeste – para eles,
uma vez que era difícil a convivência dessas o governo federal privilegiava a economia do
duas gerações numa mesma entidade. Centro-Sul. Posicionavam-se contra o controle
A partir daí o CIC entrou numa nova e intervencionismo estatal na economia (esse
fase, mobilizando não só o empresariado, mas discurso, note-se, aparecia sem o vigor que
outros segmentos sociais e tendo notável pre- ganhou recentemente com o avanço do neo-
sença na vida pública cearense. Ao contrário do liberalismo). Chegavam mesmo a dizer que a
corporativismo da FIEC, o Centro Industrial deterioração social do País ligava-se à inope-
buscava também contato com os movimentos rância do serviço público e à burocratização do
sociais, especialmente com a facção empresarial Estado. Apresentavam um discurso de preo-
paulista conhecida por “Grupo dos Oito”, que cupação com a grave questão social brasileira,
em 1978 já havia lançado um manifesto defen- em especial com a cearense – não por serem
dendo a abertura política da Ditadura. “bonzinhos” (também!), mas em função de,
O primeiro presidente do CIC nessa melhorando o padrão de vida da população,
nova etapa (gestão 1978-1980) foi Benedito esta compraria mais confecções, refrigerantes,
Clayton Veras Alcântara (Beni Veras), empre- cervejas, etc. que eles vendiam! Tinham um
sário do ramo de confecções (executivo da In- discurso social-democrata, de defesa da pro-
dústria Têxtil Guararapes, atual proprietário priedade privada e do livre mercado, devendo
da Confex). Natural de Crateús, filho de um o Estado atuar apenas para estimular a econo-
alfaiate marxista, militou no movimento estu- mia e investir nas áreas sociais (educação, saú-
dantil e foi ligado ao Partido Comunista Brasi- de, geração de emprego, etc.), combatendo a
leiro (PCB), o que lhe deu uma boa experiência miséria absoluta – isso, contudo, sem práticas
nos movimentos de massa – era considerado o assistencialistas, as quais, para os empresários,
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dos coronéis. Ao que consta, por intervenção em franca desestruturação e, não possuindo
do então presidente da República José Sarney, orientação ideológica, eram facilmente cooptá-
“Totó” acabou indicando como candidato, para veis ou atraídos com as promessas futuras dos
surpresa de muita gente, o mais destacado da- “jovens empresários”. Na verdade, o ocaso dos
queles “jovens empresários” que haviam revi- coronéis evidenciava mais uma vez a fragilida-
talizado o CIC, Tasso Jereissati. de das antigas elites cearenses. Os coronéis do-
Tasso Ribeiro Jereissati nasceu em For- minaram o Estado com punho firme graças ao
taleza no ano de 1947, sendo filho do senador apoio da Ditadura. Com a democracia liberal
Carlos Jereissati, figura que exerceu intensa ati- sucumbiram. Ao mesmo tempo, o eixo tradi-
vidade política no estado nas décadas de 1950- cional da economia, centrado no binômio ga-
1960 como presidente do velho PTB. Com a do-algodão, e um dos sustentáculos dos currais
morte precoce do pai em 1963, o “galeguinho” eleitorais dos coronéis no interior, após sofrer
mudou-se para o Centro-Sul do País, forman- abalos contínuos, ruiu por completo como um
do-se em administração na Fundação Getúlio castelo de areia.
Vargas (São Paulo). Tasso era então um dos ho- As sucessivas secas nos anos 1970, cul-
mens mais ricos do Ceará, dono de um holding minando com a desesperadora estiagem de
que envolvia shoppings centers, hotéis, moi- 1979/84 quase liquidaram a pecuária. O algo-
nhos, agroindústrias, fábricas de bebidas, etc. dão entrou em colapso no final da década de
Em abril de 1986 ingressou no PMBD a con- 1970, colapso esse que igualmente ocorreu em
vite de Mota que, na prática, não passou de um outros estados e que se ligava à política do go-
trampolim para que os “jovens empresários” verno federal voltada para dificultar as expor-
conquistassem o comando do Estado – tanto tações, baixando os preços da fibra para bene-
que depois “Totó” seria totalmente renegado ficiar as indústrias têxteis do País. Assim, os
pelos “meninos” do CIC. cotonicultores tiveram seus lucros reduzidos,
Para Jereissati, o PMDB era excelente não melhorando a qualidade da lavoura e per-
lugar, pois era, antes de tudo, o partido da situ- dendo espaços no mercado internacional. Além
ação no governo do Estado. Em segundo lugar, disso, faltou política de investimento por parte
porque encontra nos princípios defendidos his- dos governos e, quando havia os recursos, era
toricamente pelo MDB-PMDB, meios para sa- inacessível aos pequenos lavradores. Para com-
cramentar as contestações aos antigos quadros pletar, as próprias secas e a praga do bicudo (o
políticos então em disputa. Da parte do PMDB governo não combateu eficientemente) acaba-
não haveria melhor candidato. O Jereissati traz ram por liquidar o algodão em poucos anos. A
consigo as bases industriais do CIC e da FIEC cotonicultura, sustentáculo da economia cea-
e com elas recursos para financiar a campanha rense por séculos, entrava em colapso!
eleitoral, tem visibilidade nacional como gran- Ora, a crise da economia tradicional cea-
de empresário, o apoio de proprietários (locais rense abalou a força das oligarquias municipais
e nacionais) de meios de comunicação e con- interioranas, as aliadas naturais dos coronéis.
siderado prestígio junto a setores emergentes Para complicar, mudanças estruturais ocorriam
das classes médias, conquistado como liderança ainda no estado – o capitalismo avançava cada
empresarial progressista. vez mais no meio rural; surgiram grandes pro-
Os “jovens empresários” necessitavam jetos agroindustriais (frutas para exportação,
confrontar-se com duas forças políticas: os três pecuária intensiva, lavouras de qualidade, etc.),
coronéis e suas bases interioranas (leia-se “cur- incorporando novas técnicas de produção, dis-
rais eleitorais”), bem como as esquerdas que, pensando mão-de-obra, “engolindo” terras de
em 1985, elegeram sensacionalmente Maria pequenos camponeses ou impondo-lhes rela-
Luiza Fontenele para a prefeitura de Fortaleza. ções assalariadas.
Derrotar os coronéis, por incrível que Desempregados, sem-terras, assalaria-
pareça dizer isso hoje, até que não foi difícil. dos... Veja que aos poucos os sertanejos vão
Em Fortaleza, ante o descontentamento popu- conquistando sua “independência política”, ou
lar com a crise social econômica, e a oposição seja, rompem os sistemas de “troca de favores”
das classes médias à Ditadura, César, Adauto e e fidelidade que assegurava o voto dos trabalha-
Virgílio apresentavam dificuldades de penetra- dores aos candidatos dos donos da terra (e nos
ção. No interior os currais eleitorais estavam coronéis!). Para tal “independência” (o que não
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implicava em melhores condições de existência ria Luiza não logrou êxito. As razões para tan-
para o povo) contribuiu ainda a ala progressista to são várias. O “Grupo da Maria” (dissidente
da Igreja Católica, que, atuando com sindica- do PCdoB) cometeu vários equívocos. Maria
tos, Comissões Pastorais da Terra (CTP), Co- Luiza, socióloga, deputada estadual em duas le-
munidades Eclesiais de Base (CEBs) e partidos gislaturas pelo PMDB, isolou-se na prefeitura.
de esquerda, procurou organizar os sertanejos Inabilidosamente, atritou-se com as várias fac-
na conscientização política e luta contra o sis- ções do Partido dos Trabalhadores, cujas dis-
tema latifundiário – não foi à toa que nos anos putas também atrapalhavam a Gestão Popular
1980 eclodiram vários conflitos no campo (en- – acabou depois expulsa da agremiação. Maria
tre 1985-90 registraram-se 21 assassinatos de defrontou-se igualmente com a forte oposição
trabalhadores rurais). de certos movimentos populares, ligados ao
Surgia no sertão o chamado “voto solto”, arqui-rival PCdoB.
ou seja, aquele voto que não tem uma orienta- Imagine uma mulher desquitada, de es-
ção ideológica que pré-determine a sua direção, querda, no comando de uma cidade importante
mas que também já não tem cabresto. Esse voto do País – lembremos que no pós-Ditadura, era a
que sempre predominou nas capitais brasileiras primeira vez que os setores progressistas admi-
e que se expandia pelo interior cearense, po- nistravam uma capital brasileira. Faltou experi-
dia ser conseguido pela compra – intermediada ência. Afora isso, as classes dominantes cearenses
por cabos eleitorais – ou através de discursos e os governos estadual e federal promoveram um
eficazes por meios de comunicação em massa. escandaloso boicote à petista. Na época vigorava
Discursos eficazes e muita propaganda Tasso a Constituição de 1967, com forte centralização
realizou nas eleições de 1986. do poder. Isso significa que, entre outras coisas,
Quanto às esquerdas a questão era ou- os prefeitos não tinham autonomia para gastar;
tra. Em 15 de novembro de 1985 a cidade de para qualquer obra importante deveriam pedir
Fortaleza conheceu, para temor dos conserva- dinheiro aos executivos estadual e federal. Ora,
dores, uma das maiores surpresas eleitorais de Sarney, Gonzaga Mota e depois Tasso dificulta-
sua história: Maria Luiza Fontenele, do PT, ele- ram ao máximo o repasse de recursos à admi-
geu-se prefeita derrotando os “favoritos” Paes nistração de Maria – para que “alimentar” o ini-
de Andrade (PMDB) e Lúcio Alcântara (PFL), migo? Sem dinheiro era complicado administrar
e contrariando todas as pesquisas de opinião. uma prefeitura falida, com dívidas gigantescas.
Era um evidente sinal de como as tradicionais Os servidores, com salários atrasados, entraram
oligarquias estavam em crise, abrindo espaços em greves (greves, quem diria, apoiadas pelas
para “novos atores políticos”, entre os quais elites!). A cidade teve seus serviços essenciais
obviamente encontravam-se os “jovens empre- quase que paralisados; professores, médicos, ga-
sários” e os setores progressistas. Os primeiros ris de braços cruzados; escolas, hospitais fecha-
tinham um projeto político burguês-capitalis- dos; lixo se acumulando pelas ruas; buracos na
ta; os segundos não possuíam um plano claro pavimentação das avenidas.
alternativo e pagaram um preço alto por isso. Fontenele, e isso até seus detratores re-
As esquerdas, recém-saídas da clandestinidade, conhecem, buscou moralizar a máquina pú-
não perceberam com realismo o significado blica, acabando com o empreguismo, com os
daquele momento. Ficaram com suas lutas in- “funcionários fantasmas”, etc. Proliferou a
ternas, picuinhas ideológicas e medíocres ob- ocupação de terrenos por pessoas sem mora-
jetivos imediatos – lutas, picuinhas e objetivos dia, havendo mesmo o apoio ou a conivência da
que as oligarquias tradicionais e prefeitura, que estimulava a construção de ca-
os “jovens empresários” esti- sas em mutirão (isto é, pela própria população,
mularam. para irritação das construtoras). Essa agressão
Do ponto de vista da à propriedade privada irritava as classes domi-
gestão administrativa, Ma- nantes. A Câmara Municipal – dominada por
vereadores reacionários e de honestidade du-
vidosa – fazia contra Maria radical oposição e
várias vezes tentou cassar-lhe o mandato. As
Maria Luiza foi eleita prefeita bases de apoio iam diminuindo. A imprensa
de Fortaleza em 1985 – sinal
de crise das oligarquias. (após a suspensão de alguns contratos de publi-
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cidade municipal) realizava críticas sistemáticas um candidato das elites usava um discurso es-
e diárias: além de não veicular notícias promo- sencialmente de esquerda. A coligação com os
cionais da prefeitura, diariamente alardeava os comunistas aproximou Tasso dos movimentos
problemas da cidade com destaque. organizados de trabalhadores, enquanto a mo-
A imagem vitoriosa da Maria da campa- bilização dos empresários colocava à disposição
nha foi rapidamente substituída pela imagem da campanha muitos recursos, entre os quais
da prefeita “incompetente”, rótulo que atingiu os financeiros. Vários intelectuais, artistas e pa-
duramente a esquerda, de modo especial ao PT, dres apoiaram o Projeto das “Mudanças”.
inviabilizando suas pretensões eleitorais nas O discurso do “novo”, ao lado de um
disputas majoritárias posteriores no Ceará. eficiente marketing político, elaborado por
competentes agentes publicitários nacionais,
encantou as massas miseráveis dos sertões.
• 30.5 • Ressalte-se que num País no qual parcela sig-
AS ELEIÇÕES DE 1986 nificativa da população é pobre, analfabeta ou
semi-analfabeta e não tem recursos ou acessos
Foi nesse contexto de ebulição política facilitados a informações críticas ou alternativas
que ocorreram as eleições de 1986. Os “jovens (jornais, livros, etc.), a televisão tornou-se um
empresários” organizaram o “Movimento Pró- poderoso instrumento a serviço da classe do-
Mudança” que, além do PMDB, aglutinou até minante. A mídia eletrônica tem se caracteri-
parte da esquerda cearense, no caso o PCB e zado como fundamental nas eleições. Os “ma-
o PCdoB. Contra a candidatura de Tasso, os rketeiros” apresentam os candidatos ao eleitor
coronéis e as tradicionais oligarquias, reunidos como quem vende uma mercadoria! Até os
no PFL, PDS e PTB, formaram a “Coligação comícios políticos ganharam uma “roupagem
Democrática”, apresentando Adauto Bezerra eletrônica”, um verdadeiro “show televisivo”,
(PFL) como concorrente ao Executivo cearen- daí o aparecimento de uma nova expressão,
se. O PT, coligando-se com o Partido Socialista “showmício”. Nesse quesito é impossível ne-
Brasileiro (PSB), lançou para governador o pa- gar a superioridade do grupo empresarial que
dre Aroldo Coelho (PT). organizou a campanha do candidato do PMDB
Quando o PMDB referendou a candi- – pode-se dizer que o marketing de Tasso mar-
datura de Tasso Jereissati, os coronéis argüiram cou o início de uma nova forma de fazer propa-
a vitória antecipadamente e cometeram o erro ganda no Ceará, referência mesmo nacional.
estratégico de subestimar o adversário político: O conteúdo da campanha de Adauto era
“o que é mais fácil para você: disputar com um ridículo. Fundava-se no slogan “Te conheço
profissional (Mauro Benevides) ou com um Ceará”, buscando lembrar o que os coronéis
amador (Tasso)?” Jereissati não deixou essa haviam feito pelo estado, isto é, ressaltando
indagação de Bezerra sem resposta: “Sou um a “gratidão” e o “voto de favor”, exatamente
amador de poder, mas sou um profissional do elementos da política tradicional em que Tas-
espírito público. Toda a minha vida foi pautada so tanto batia. Adauto apontava que Gonzaga
nos princípios relativos ao espírito correto da Mota havia “destruído” o Ceará – ora, mas o
palavra”. coronel era vice do “Totó” e, portanto, cúm-
A campanha desenvolveu-se em meio a plice dos atos denunciados! Jereissati era vis-
um confronto entre o que parecia ser o “moder- to como “candidato dos comunistas” devido a
no” e o “arcaico”. O sucesso nacional do plano aliança do PMDB com os PC’s – em Juazeiro
Cruzado (lançado pelo presidente José Sarney, chegou a circular um panfleto no qual se lia
congelando preços e reduzindo a inflação) e a que o “galeguinho” era a “besta fera” que viria
retórica “mudancista” foram importantes para destruir a cidade de padre Cícero. Paradoxal-
Tasso. A candidatura do “galeguinho” passava- mente, tachava-se o “galeguinho” de ser um
se como uma ruptura com os coronéis, com a “representante das multinacionais” (o empre-
Ditadura, com o Estado corrupto, ineficiente e sário produz no Ceará a Coca-Cola, produto
paternalista. A ligação da pobreza ao domínio símbolo do imperialismo norte-americano).
das antigas oligarquias e a promessa de pôr fim Denunciavam-se violências praticadas por Je-
à miséria absoluta no campo tiveram bastante reissati contra trabalhadores rurais nas proprie-
ressonância junto ao povo. Pela primeira vez dades dele. Esforço inútil de Bezerra. Com o
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colapso da cotonicultura, ruíram também suas feito durante a campanha, abalaria a imagem de
bases interioranas. O longo ciclo dos coronéis o Tasso como candidato oficial. A fim de evitar
havia desgastado. Até a expressão “coronel Adau- a intervenção federal, os “jovens empresários”
to” lembrava o secular coronelismo nordestino, exigiram uma medida “moralizante”, a demis-
matriz de tanta desgraça de nosso povo. são do presidente da entidade, Fernando Terra
Um outro fator fundamental na campa- – este seria, como se diz no linguajar popular, o
nha do “Galeguinho” foi o uso da máquina pú- “boi das piranhas”.
blica – e olha que o “Movimento Pró-mudan- Mota, de início, comprometeu-se com
ça” pregava a moralização do Estado! O PMDB, a exigência; mas, em seguida, pressionado pela
em 1986, anunciava-se de oposição, mas tinha família, retrocedeu. Isso irritou o grupo do CIC
o apoio do governador Gonzaga Mota e o poder e Gonzaga afastou-se da campanha. “Totó” e
na esfera federal (presidente Sarney)... Contra- “Galeguinho” chegaram a trocar insultos pela
dições e mais contradições. Sabe-se que Tasso imprensa. Depois, passado o pleito eleitoral,
condicionou sua candidatura à permanência de houve a intervenção no BEC.
“Totó” no Executivo estadual até o fim do man- Mesmo assim, o “Movimento Pró-mu-
dato, pois, caso contrário, a direção do Ceará dança” obteve uma vitória esmagadora, inclusi-
passaria às mãos dos adversários coronéis. Es- ve no interior, reduto tradicional dos coronéis:
candalosamente o governo realizou a admissão elegeu Tasso (com 52,3% dos votos válidos
sem concurso de centenas de servidores públi- contra 30% de Adauto), os dois senadores (Cid
cos – logicamente, futuros eleitores do “candi- Carvalho e Mauro Benevides) e a maioria dos
dato das mudanças”! Num momento em que deputados estadual e federal. Adauto não con-
a desarticulação da economia algodoeira pena- seguiu derrotar Jereissati sequer em Juazeiro,
lizava as finanças dos municípios interioranos, sua terra natal. A era dos coronéis acabara.
concessões a estes de benefícios imediatos, ou Inaugurava-se um novo ciclo de poder no esta-
promessas de vantagens futuras, produziram do. Começava a Geração Cambeba.
não poucos deslocamentos de chefes políticos
do PDS-PFL para o lado do “Galeguinho”, o
que era anunciado com muito alarde e euforia • 30.6 •
na imprensa como “avanço do moderno”. Os OS EMPRESÁRIOS NO PODER
“jovens empresários” faziam alianças com as
velhas e corruptas oligarquias que tanto criti- O domínio secular das oligarquias, a
cavam. Sem o uso desses “dispositivos corone- concentração fundiária, a Ditadura Militar e o
lísticos” pairam sérias dúvidas se o triunfo de ciclo dos coronéis deixaram uma herança mal-
Tasso teria sido tão tranqüilo como foi. dita para os cearenses. Em 1986 o estado estava
A inevitabilidade da vitória não foi su- praticamente quebrado, apresentando um qua-
ficiente para evitar perturbações à candidatura dro alarmante de pobreza e concentração de
“mudancista”. Já no início da campanha come- renda (66% de pobres), além de uma máquina
çaram a ocorrer atritos entre Tasso e o governa- administrativa ineficiente, corrupta e sobrecar-
dor Gonzaga Mota. Este, que abdicara de uma regada de servidores públicos, muitos dos quais
eleição garantida na Câmara Federal para ficar “fantasmas”, outros em greve devido ao atraso
no comando do Estado e “facilitar” o triunfo de três meses de pagamento. A arrecadação de
de Jeressati, sentia-se constrangido em ouvir impostos era suficiente para cobrir apenas dois
do empresário críticas ásperas sobre a questão terços da folha de pagamentos. O BEC estava
social do estado, da corrupção da máquina pú- sob intervenção federal. Nos sertões, além da
blica ou ainda sobre o vergonhoso Acordo de miséria em larga escala, predominavam impu-
Brasília que o havia levado ao poder em 1982. nemente os crimes de pistolagem.
Contudo, a separação definitiva entre Foi em meio a esse quadro quase apo-
os dois políticos ocorreu devido ao Banco do calíptico que Tasso Jereissati, aos 37 anos, as-
Estado do Ceará (BEC). O Banco estava quase sumiu o governo em 1987. Passando a admi-
falido e envolvido em escandalosas negociatas nistrar da nova sede do executivo, no Centro
que favoreciam algumas poucas “pessoas de in- Administrativo Governador Virgílio Távora,
fluência”. Nos bastidores, comentava-se que o no bairro do Cambeba (palavra que desde
Banco Central iria intervir no BEC – o que, então passou a designar os governistas e seus
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mais importantes do “Governo das Mudanças” tempo em que se preparava para as eleições
foram ocupadas por técnicos e empresários do municipais de 1988 e estaduais de 1990.
CIC, visando exatamente afastá-las das pres- Assim é que: a) reedita na Secretaria de
sões dos políticos tradicionais, francamente Governo, sob a coordenação de Sérgio Macha-
desprezados pelo Cambeba. Constituíram-se do, funções análogas à da Secretaria para As-
esses tecnocratas e burgueses o “núcleo duro suntos Municipais do governo de Adauto Be-
do governo”, com grande poder decisório. Sér- zerra, por meio da qual conquista a adesão de
gio Machado dirigia a recém criada secretaria prefeitos interioranos; b) realiza obras de maior
de Governo, tratando da coordenação política vulto emmunicípios-chaves, em diferentes re-
da gestão e das demandas das oligarquias inte- giões do estado particularmente em Juazeiro
rioranas e políticos, os quais sequer eram rece- do Norte e Canindé (em cuja sede transitam,
bidos por Tasso e nem sempre tinham atendidas como centro de peregrinação de fiéis de padre
suas demandas – Sérgio chegou a ser chamado, Cícero e São Francisco, considerável número
por isso, de “primeiro-ministro”; Assis Macha- de eleitores) (..); c) faz alianças com o PDS e
do Neto deixou a presidência do Centro In- PFL nos municípios onde encontra oposição
dustrial para ocupar a Secretaria de Transpor- do PMDB; d) institui as categorias de Agen-
te e Obras; Beni Veras foi nomeado Assessor tes de Saúde e Agentes de Mudança. Como
Especial do governador; Byron Queiroz ficou corpos móveis de servidores, se ocupam, res-
com a Secretaria do Planejamento; Francisco pectivamente em oferecer técnicas sanitárias às
Lima Matos, técnico do BNB, presidiu a Se- populações interioranas e exercer as funções
cretaria da Fazenda. O PMDB ocupou lugares de liderança comunitária na capital do estado.
secundários e inexpressivos no governo, salvo Ambos operam como forma institucionaliza-
talvez o secretário de Agricultura, Eudoro San- da de “cabos eleitorais”; e) estreita os vínculos
tana, ligado a ala à esquerda daquele Partido. com as direções de federação e sindicatos dos
Os peemedebistas reclamavam da falta trabalhadores rurais; e f) promove a candida-
de acesso ao governador. Acostumados a re- tura de empresários, executivos de empresa e
ceber e distribuir cargos entre os seus corre- profissionais de formação universitária para
ligionários (como era tradicional no Ceará), cargos do legislativo e, em menor extensão,
ficaram indignados ao não terem seus pedidos para as administrações municipais.
aceitos. Esperavam inocuamente na sala do se-
cretário Sérgio Machado, num verdadeiro “chá
de cadeira”. Consideravam isso um “desrespei- • 30.8 •
to” aos políticos. A “rebelião” do Partido era COOPTANDO OS MOVIMENTOS
também incitada pelo ex-governador Gonzaga POPULARES
Mota, totalmente isolado das decisões adminis-
trativas por Jereissati. O Cambeba se orgulhava em dizer que
Dessa forma, o PMDB rachou. Parte da a partir de Tasso os “segmentos organizados do
sigla, englobando vários deputados estaduais povo” passaram a participar direta e democra-
(entre eles Antônio Câmara, presidente da As- ticamente das decisões governamentais, sem
sembléia Legislativa) e federais, além do pró- intermediação de políticos. Contudo, o que
prio “Totó”, passaram a se opor ao governador, o governo chamava de “participação” não ia
enquanto a outra parte, sob a chefia de Mauro além de mera execução e gestão dos programas
Benevides, continuou ligada ao Cambeba. elaborados pelo Estado. Inverteu-se o proces-
Contando com a minoria na Assembléia so social: em vez da comunidade espontanea-
Legislativa, o Executivo enfrentou enormes di- mente organizar entidades defensoras de seus
ficuldades para desenvolver o “projeto mudan- interesses, era o governo que estimulava essa
cista”, sendo rotineiro o choque entre os dois criação, de modo que se formaram associações
poderes. Mas Tasso não deixou por menos. Ao populares dóceis e subservientes ao grupo no
longo do seu quadriênio (1987-91), procurou poder – não poucas vezes as lideranças dessas
desestruturar as bases eleitorais remanescentes entidades eram ligadas a correligionários cam-
dos adversários (chamados genericamente de bebistas! Além disso, num quadro de escassez
“forças do atraso”, de “reacionários” e de de- de recursos para eventos sociais, eram os movi-
tentores de interesses contrariados) ao mesmo mentos populares, e não o “Governo das Mu-
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Macedo foi pressionado e acabou por Mesmo assim o Grupo do CIC não se
fechar aqueles grupos de discussão – mas tam- sentia confortável no PMDB. Inclusive a opo-
bém rompeu com Tasso. Era uma fissura no sição local de setores do partido fez-se refle-
Grupo do CIC (o empresário Edson Queiroz tir na executiva nacional. Em 1987, quando o
Filho também seria outro que romperia com presidente da República José Sarney fez um
o Cambeba – o que levaria, aliás, a alguns atri- convite para que Tasso assumisse o Ministério
tos do governo com o Sistema Verdes Mares e da Fazenda, o nome do “galeguinho” foi vetado
à fundação por Tasso de “sua” televisão, a TV pelo então deputado federal Ulysses Guima-
Jangadeiro, em 1990). Os efeitos da ruptura se- rães (presidente da sigla e eminência parda da
riam notados nas eleições municipais de 1988. presidência).
Macedo articulará o movimento supraparti- Jereissati entendeu finalmente que não
dário “Fortaleza, Sim; Cambeba, não”, cujo encontraria espaços no PMDB para ampliar o
propósito era arregimentar o “voto útil” para projeto político do CIC, no estado ou nacio-
o mais forte candidato de perfil progressista, nalmente. Passou a procurar novo partido. Em
o radialista policial e deputado estadual Edson 1989 haveria eleições diretas para presidente da
Silva, do PDT. No entanto, a divisão das es- República – as primeiras após o fim da Ditadu-
querdas dificultou essa ação (o PT e o “Grupo ra Militar. A direita, as elites e a maior parte da
da Maria” – agora no Partido Humanista – lan- imprensa apoiaram Fernando Collor de Mello,
çaram candidatos próprios). do inexpressivo Partido da Reconstrução Na-
Em resposta, o Cambeba atacava: “For- cional (PRN), para barrar as chances de vitória
taleza, sim; Cambada, não”. Tasso lançou como da esquerda (Lula do PT, Brizola do PDT).
candidato do PMDB a prefeito da capital o Tasso se negou a apoiar o candidato do
seu jovem líder na Assembléia Legislativa, de- PMDB ao Palácio do Planalto, o mesmo Ulys-
putado Ciro Ferreira Gomes. Foi uma eleição ses Guimarães, e acenou com a possibilidade
acirrada, na qual a direita, com o apoio da mí- de apoiar Collor – vários de seus secretários
dia, ressaltava a “incompetência” da esquerda, mais à esquerda deixam os cargos por isso. Mas
embora os peemedebistas estivessem bastante havia dificuldades para Jereissati aderir à cam-
desgastados com o governo Sarney. Numa pro- panha do “caçador de marajás”: nacionalmen-
va dos efeitos políticos dos “agentes das mu- te, Collor teve a adesão do PFL, que no Ceará
danças”, Ciro venceu apertado, com diferença era liderado por Adauto Bezerra, o coronel que
de menos de 1% dos votos sobre Edson Silva, Tasso tachava de exemplo maior das “forças
num resultado, aliás, questionado pela oposi- do atraso” no estado. O grupo do CIC, então
ção, que denunciou fraudes. Euforia do Cam- acabou apoiando o candidato Mário Covas, do
beba. Conquistar Fortaleza era fundamental PSDB (Partido da Social-Democracia Brasilei-
no projeto burguês de monopolizar a política ra, fundado em 1988 a partir de uma dissidência
cearense – o PMDB conseguiu eleger ainda do PMDB), sigla à qual se filiou em 1990 com
59 prefeitos dos então 178 municípios, o que, a maioria dos seus correligionários, esvaziando
somado aos 16 eleitos pelo PMB (Partido Mu- o PMDB local.
nicipalista Brasileiro, sigla criada pelo governo O PSDB possuía espaços os quais pode-
para abrigar políticos que por rivalidades locais riam – e foram – ocupados pela Geração Cam-
não podiam ingressar nas hostes peemedebis- beba. Tanto que ao encerrar seu mandato como
tas), deu ao Cambeba o controle total de 43% governador em 1991, Tasso foi eleito presiden-
das prefeituras cearenses. te nacional daquela agremiação. Nas eleições
As primeiras ações de Ciro Gomes como presidenciais de 1989, em termos de Ceará, no
gestor municipal (1988-90) foram “recuperar” e primeiro turno venceu Collor, ficando em 2º
“modernizar” Fortaleza. Contando com apoio fi- lugar Brizola (vitorioso em Fortaleza), em 3º
nanceiro do governo estadual (já que a prefeitura Mário Covas e em 4º lugar, Lula. No segundo
não possuía recursos), a cidade foi limpa, os bu- turno, Jereissati pronunciou-se “neutro” e seus
racos das ruas tapados, colocados em dia os ven- partidários empenharam-se na campanha de
cimentos do funcionalismo, etc. Os níveis de po- Collor, vitorioso no estado (embora Lula tenha
pularidade de Ciro e Tasso alcançaram as alturas, ganho em Fortaleza).
sendo considerados os “melhores administrado- A relação do governador Tasso (e depois
res” do Brasil, segundo as pesquisas de opinião. Ciro) com Collor foi delicada. O presidente
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vitimado pela perigosa dengue hemorrágica), tivos municipais eram do PSDB, número que
reduziu-se a mortalidade infantil (o que valeu aumentou nos anos seguintes. Este é um dos
ao estado o prêmio Maurice Patè, da UNICEF, flancos mais abertos do “Governo das Mudan-
em 1993), etc. ças”: o fato de abrigar hoje esclerosados grupos
Do mesmo modo que não podemos oligárquicos no interior, os mesmos que ontem
atribuir aos “coronéis” a idéia absoluta de “for- adornavam os palácios dos coronéis. São ele-
ças do atraso”, também não se pode associar mentos que não possuem nenhum compro-
totalmente o Cambeba à “modernidade plena”. misso social. Almejam só manter os privilégios,
Tem igualmente seus vícios, usando ações e e vários deles estão envolvido em negociatas e
instituições públicas para benefícios particula- atos de corrupção, que o “rolo compressor” go-
res. A este respeito é exemplar a principal obra vernista impede de apurar.
executada pelo governador Ciro Gomes, em Em suma, o governo Ciro Gomes, ape-
Fortaleza. Construindo um parque ecológico sar de alguns aspectos peculiares, não quebra o
com a finalidade de preservar o meio natural, modelo administrativo da gestão anterior, dando
delineia-se um sistema viário que, referenciado continuidade e mesmo aperfeiçoando a “moder-
pelo Shopping Center Iguatemi de proprieda- nização” da máquina pública (como ao aprovar o
de do então presidente nacional do PSDB, Tas- plano de cargos e carreiras dos servidores públi-
so Jereissati, não só amplia o acesso ao centro cos, que estimulava a capacitação e qualificação
de compras, como o torna parte integrante do do servidor como um dos pilares para ascensão
parque. As vantagens desse empreendimento na burocracia) e o esforço de ajuste fiscal inicia-
público para o proprietário são óbvias. do por Tasso I, através da sistemática fiscalização
Em 1992 Ciro defrontou-se com mais da arrecadação de impostos e controle da exe-
uma seca de nossa história. E como se fosse um cução orçamentária estadual. Prosseguiu igual-
roteiro ruim de teatro, repetiram-se as cenas trá- mente o modelo de industrialização, enfatizan-
gicas de desespero, migrações, fome e saques. do, contudo, sua interiorização, levando fábricas
Fortaleza “inchou” com os retirantes e viu ame- para o interior do estado.
açado o abastecimento d’água, que só não foi Em setembro de 1994 Ciro deixou o
ao colapso porque numa verdadeira “operação Executivo cearense para ocupar o cargo de
de guerra” construiu-se em apenas três meses, ministro da Fazenda do governo de Itamar
usando a mão-de-obra de cinco mil homens, Franco. Isso porque o prestígio do jovem po-
o denominado “Canal do Trabalhador”, o qual lítico poderia abafar um escândalo envolvendo
com seus 115 km de extensão trouxe água do o então ministro Rubens Ricupero (sucessor
rio Jaguaribe para a capital. Ciro foi visto como do cargo do presidenciável e futuro presiden-
“herói” pela façanha – a partir daí, para minorar te Fernando Henrique Cardoso), que chegou
os efeitos das estiagens, o “Governo das Mudan- a confessar nos bastidores de uma entrevista
ças” passou a integrar as bacias hidrográficas ce- (gravada, porém, pela TV) que o Plano Real era
arenses através de canais e adutoras. eleitoreiro e o governo não possuía escrúpulos,
Outro transtorno para Gomes foi a der- pois “mostrava para a opinião pública o bom e
rota do candidato do PSDB, Assis Machado escondia o ruim”.
Neto, na eleição municipal de Fortaleza em Ciro, assim, ganhou maior projeção na-
1992. A vitória ficou com o candidato de Jura- cional e passou a alimentar o sonho de presidir
ci Magalhães (agora “arqui-rival” do governa- o Brasil. “Esquecido” depois pelo presiden-
dor), o então desconhecido Antônio Cambraia. te FHC e vendo poucos espaços políticos no
Apesar dessa frustração, de maneira genérica, PSDB nacional – muito ligado ao empresaria-
o pleito foi favorável aos tucanos no resto do do de São Paulo, com quem o ministro teve al-
estado. O PSDB elegeu 92 dos 184 prefeitos. guns atritos –, Gomes deixou o “ninho tucano”
Com municípios falidos ante a crise econômi- em 1997 e ingressou no pequeno PPS (Partido
ca – por incrível que pareça, várias cidades do Popular Socialista, facção majoritária do an-
Ceará só tinham alguma movimentação finan- tigo PCB que renunciara ao marxismo com
ceira quando eram pagas as pequenas aposenta- a derrocada do “socialismo real” no mundo).
dorias dos anciãos sertanejos –, para sobreviver Tornou-se, então, um duro crítico do mode-
vários prefeitos acabam aderindo ao Cambeba. lo neoliberal implantado no País por Fernando
Em 1995, por exemplo, já 109 chefes de execu- Henrique.
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cial muitas vezes impede a punição dos solda- se a Teleceará (comprada pelo grupo nacional
dos responsáveis. Como tradição de uma so- Telemar/Oi, que, por “coincidência”, apresenta
ciedade autoritária e de mínimo respeito pelos com um dos sócios Francisco Jereissati, irmão
direitos humanos, impera na mentalidade de de Tasso) e a Coelce (que passou para um con-
boa parte dos policiais e da população o princí- sórcio de chilenos, espanhóis e portugueses).
pio segundo o qual “bandido tem que ser trata- Os serviços tiveram sua qualidade reduzida – e
do no tapa”. Isso apenas reforça a impunidade e as tarifas escandalosamente elevadas! O aten-
o arbítrio dos agentes policiais do Estado. dimento ao público passou a ser ainda mais
É uma força policial preparada, sobretu- criticado pela população. Funcionários compe-
do, para a defesa do patrimônio privado e da tentes foram demitidos e terceirizou-se a mão-
segurança das classes dominantes, e voltada de-obra, provocando, aliás, vários óbitos de
para a repressão das camadas populares e não eletricitários menos experientes. O BEC – no-
para a prevenção, mesmo quando a questão é vamente falido em algumas negociatas nunca
político-social. Foi o caso dos “excessos” come- devidamente explicadas – foi federalizado (isto
tidos pela PM em dezembro de 1997, quando é, passou para as mãos do governo federal) e,
numa operação de guerra e de terror centenas após uma acirrada luta judicial, acabou igual-
de membros do MST, entre os quais crianças, mente privatizado em 2005, por pressão dire-
mulheres e idosos, foram cercados em frente à ta do “grupo mudancista”, pois temia-se que
Secretaria de Agricultura na avenida Bezerra de a apuração dos escândalos do Banco pudesse
Menezes, em Fortaleza. O governo, em vez de respingar em alguns empresários e políticos
negociar, objetivou enfraquecimento do movi- aliados do Cambeba.
mento e o retorno imediato dos trabalhadores
aos seus municípios...
Obviamente que a culpa não é apenas • 30.13 •
dos policiais. Eles são o produto de uma políti- A HEGEMONIA CONTESTADA
ca de segurança pública a qual sempre viu com
desconfiança e reprimiu o negro, o pobre e o Tasso e os empresários do CIC im-
favelado. Os PMs recebem uma má formação, plantaram no Estado desde 1987 um modelo
autoritária, nas academias militares, são trata- capitalista que não alterou substancialmente a
dos asperamente por seus oficiais e submetidos situação de pobreza da maioria da população.
a uma sobrecarga desumana de trabalho, têm Era um grupo oligárquico forte, poderoso e
uma baixa (humilhante) remuneração e lhes influente, ao contrário das tradicionais oli-
faltam melhores condições de trabalho (o que garquias cearenses, as quais, com o passar dos
em muitos casos custa a vida desses policiais ao anos, sobretudo no final da década de 1990,
defrontar-se com marginais mais bem arma- acabaram se aliando e submetendo-se quase
dos). Tudo isso ajuda a entender a paralisação que por completo aos desígnios do Cambeba e
policial de julho de 1997, quando houve troca da “moderna” burguesia.
de balas entre grevistas e o GATE (Grupo de Mesmo considerando tal poderio, Je-
Ações Táticas Especiais), deixando vários feri- reissati acabou alvo de um fenômeno comum
dos. Tasso não negociou com os manifestantes, em política: a longa permanência no poder
prendeu os líderes, afastou quase uma centena desgasta. As belas imagens dos comerciais do
de policiais (civis e militares) participantes do governo e o discurso batido de “mudanças,
movimento. Mas a crise da segurança pública modernidade”, etc., proferidos por Tasso e
continuou... aliados passaram ao longo dos anos, sobretudo
Nos anos 1990, com Fernando Henri- no início do século XXI, a surtir menos efei-
que Cardoso, o PSDB abraçou com entusias- tos. O “Governo das Mudanças” estava em-
mo o neoliberalismo. Este, ao contrário do que poeirado e desgastado por seu autoritarismo,
muitos pensam, defende ainda a presença do pelos escândalos não apurados, pelas alianças
Estado na economia, mas a serviço da grande com as velhas, corruptas e atrasadas oligarquias
burguesia, eliminando garantias sociais da clas- municipais, pelas acusações de favorecimento
se trabalhadora – é a liberdade para explorar a grupos econômicos privados, clientelismo,
(ainda mais) as massas! Jereissati reproduziu tal etc. Para complicar a situação do Cambeba, o
modelo no Ceará. No ano de 1998 privatizou- estilo centralizador e autoritário de Tasso e dos
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sável pelos contatos políticos) e pelo líder do setores empresariais dominantes e das oligar-
PSDB na Assembléia, João Jaime, todos escu- quias municipais aliadas de Jereissati. Daí sua
deiros fiéis do Cambeba. Como chegou a dizer derrota nas eleições governamentais de 2006,
um membro do próprio governo à imprensa, para o que contribuiu também uma nova “onda
Tasso dava a Lúcio “uma liberdade vigiada”. vermelha” – o reeleito Lula e as esquerdas, com
Alcântara recebeu o Estado em situação a prefeita Luiziane Lins, apoiaram o candidato
econômica delicada – em vitorioso Cid Ferreira Gomes, do PSB. Some-
virtude do endividamento se a isso ainda a imagem criada em torno de
de gestões passadas com Cid, jovem político, “brilhante” prefeito de
grandes obras e da cri- Sobral e que poderia fazer igualmente bom go-
se econômica vivida pelo verno no Estado.
País desde 1998, quando Ao contrário do propalado por muita
da elevação do dólar, o que gente, de que “Cid e Lúcio eram farinha do
comprometeu os investi- mesmo Tasso” (ou seja, o governador elei-
mentos do governo e a to seria mero capacho do galego), a vitória do
assistência à população. ex-prefeito de Sobral foi, sim, uma estrondosa
Por fidelidade a Tasso, derrota para o grupo oligárquico empresarial de
Lúcio não denunciou Tasso Jereissati e encerrou (momentaneamen-
nada e realizou um go- te, pelo menos) a hegemonia política mantida
Lúcio Alcântara buscou se verno amarrado, com pou- por este no Estado desde 1987 – Tasso passou
desvencilhar da imagem do cas realizações. Manteve o para a história como o político que mais tempo
Cambeba.
modelo sócio-econômico comandou o Ceará (20 anos), superando, in-
de apoio ao grande capital clusive, os famigerados Accioly. Sua influência,
através de incentivos fiscais para atração de in- porém, continua forte, no legislativo, na im-
vestimentos industriais e turísticos, e da busca prensa adestrada, na justiça, na burocracia, nas
da concretização de projetos estruturantes (por elites e mesmo entre a população. Tasso, esperta
exemplo, a construção do “Canal da Integra- e estrategicamente, mesmo derrotado por Cid,
ção”, projeto de ligação das bacias hidrográficas buscou logo se reaproximar deste, hipotecando
locais, com vinculações à construção de uma apoio do PSBD ao novo governo “pelo bem do
siderúrgica no complexo portuário do Pecém). Ceará” – isso para evitar uma debandada de po-
Alcântara pagou caro pela continuidade líticos do Partido, como acontecia normalmen-
do Cambeba. Sua fidelidade não foi correspon- te no estado quando um grupo perdia eleições,
dida pelo líder Tasso, que no início de 2006, e conservar preciosas bases interioranas.
vendo as dificuldades que a oligarquia teria para Cid Gomes, ao contrário de Ciro, re-
permanecer no governo, resolveu descartar Lú- velou-se um habilidoso político de bastidores,
cio, sugerindo uma aliança com o emergente conseguindo congregar em torno de sua gestão
grupo dos Ferreira Gomes, cuja base de poder diversas facções partidárias. Formou um secre-
se assentava, como vimos, sobretudo na esfera tariado eminentemente político, com tucanos,
federal, na influência de Ciro Gomes junto ao petistas e até comunistas! Era a velha tradição
governo Lula. Vale ressaltar que os programas das oligarquias cearenses de formar grandes
assistencialistas da presidência de Lula, além coligações mantendo a ordem sócio-política –
de atrair eleitores para o petista e as esquerdas, uma ordem agora voltada para a cada vez mais
diminuíam a dependência da população em influente burguesia. Se a oposição institucio-
relação às antigas lideranças locais, várias delas nal já era pequena quando da Era Tasso, com
aliadas de Tasso. Mais uma vez, perceba, um o Governo Cid, praticamente sumiu – muitos
fator “externo”, nacional, interferia na história deputados do PSDB passaram a se comportar
política cearense, no caso, desestruturando os como se fossem vereadores de Fortaleza (visan-
votos de Tasso no interior. do criticar a gestão de Luizianne Lins, reeleita
Lúcio, ofendido em sua pretensão legí- em 2008) e vários militantes de esquerda, com
tima de concorrer à reeleição, rompeu ruidosa- origens nos movimentos sociais, bem acomo-
mente com Tasso. Tarde demais. Apenas pio- dados na máquina pública, silenciaram-se diante
rou tudo: continuou com o fardo do desgaste das contradições da gestão Cid, chegando a pe-
dos 20 anos de Cambeba e perdeu o apoio de dir “maior compreensão” à mobilização popu-
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Cid Gomes manteve CEARENSE
o modelo
econômico da Era Tasso.
lar. Tais militantes, que antes neficiem mesmo aos grandes empresários locais
eram defenestrados pelos con- e tenham custos ecológicos danosos.
servadores locais, começaram A reforma agrária não existiu – mas se
a ser homenageados e exaltados privilegiou o grande agro-negócio. Na área de
como exemplos de “ho- segurança, apesar da falta de dados confiáveis,
mens públicos moder- provavelmente não houve grandes mudanças.
nos”... O “Ronda do Quarteirão” teve efeitos bem mais
Os Ferreiras Go- propagandísticos que práticos, sem falar que ge-
mes mantiveram prati- rou atritos dentro da corporação policial, pela
camente o mesmo modelo diferença de salário e preparo dos policiais do
econômico adotado nos 20 anos de Cambeba. “Ronda” em relação aos demais (embora tenha
Um modelo de isenções fiscais para atrair in- sido denunciados também casos de corrupção,
dústrias, o que, por si apenas, como vimos, não propina, abuso de poder, etc. dos policiais do
muda a realidade social dos cearenses. A econo- “Ronda”). No Ceará, policiais passaram a usar
mia do Estado continuou a crescer, mas a riqueza fardas azuis bebê, a andar de Hilux (carro pelo
permaneceu nas mãos de alguns poucos. Como qual as elites locais têm verdadeira paixão...),
as finanças do Estado não andam bem, abaladas mas continuaram a ter uma péssima preparação
também pela crise do capitalismo de 2008/09, os e um dos piores salários do Brasil... Um sinal
recursos para “obras de impacto” escassearam. A claro do fiasco social cearense foi a colocação de
“grande obra” do governo Cid foi o “Eixão das “grades de proteção” numa área nobre de For-
Águas” (novo nome do “Canal da Integração”), taleza (Parque do Cocó), pois o Estado não tem
que havia sido iniciado em gestões passadas, e condições de garantir a segurança.
persistiram os esforços para construção da side- Resumindo, se, politicamente, o triunfo
rúrgica e concretização do pólo metal-mecânico de Cid foi a derrota de Tasso, em termos de
do Pecém – apontados como “fundamentais economia e administração o projeto burguês
para o desenvolvimento” cearense, embora be- continuou o mesmo. Mais do mesmo.
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