O bar apresentava movimento regular para aquele horário. Havia muitos
clientes, mas contava com alguns lugares ainda vazios. Próximo às dezoito horas acomodei-me numa das mesas junto à parede lateral, de frente para a entrada principal, como há muito era o meu costume. Pedi uma cerveja ao garçom, conhecido de longa data, que me brindou com a cerveja mais gelada que havia no estabelecimento. Beirava ao limite do ponto de congelamento. Aquele ponto em que qualquer joule de energia é o suficiente para decretar o congelamento do precioso líquido. É claro que, em ocorrendo o congelamento, o prejuízo caberia ao estabelecimento que, sem dúvida nenhuma, o repassaria ao garçom. Então, cervejas nessa temperatura (estupidamente geladas, como dizem), só para clientes especialíssimos, como eu. Pensava nesses importantíssimos assuntos da vida de todos nós quando adentrou ao estabelecimento um carroceiro. Sabia ou, melhor dizendo, deduzi a profissão do dito cujo porque o indivíduo deixou a carroça, com o respectivo cavalo, na porta do bar. E mais, entrou acompanhado de um lindo menininho. Dirigiu-se ao balcão e solicitou ao garçom que lhe desse uma cerveja "bem gelada" e um guaraná para o garotinho. Assim que o garçom trouxe as bebidas, pediu também, um pão (“cacetinho”, como é conhecido aqui no sul), sem manteiga. Todos os presentes no bar, os olhares denunciavam isto, pensaram a mesma coisa: que filho da puta esse carroceiro. Tem dinheiro para pagar uma cerveja, mas não tem para alimentar a criança! Sentia-se o coração acelerado dos presentes, loucos para bater naquele carroceiro pão-duro. O garçom, também indignado, serviu finalmente o pão. Por certo estava escolhendo o maior e mais macio “cacetinho” que havia no bar. Ao entregá-lo ao carroceiro, esse disse ao garçom: - Pode levar o pratinho de volta, não preciso dele! Os presentes ficaram ainda mais revoltados. Todos se entreolharam. Sentia-se um clima tenso no ar! O carroceiro pegou o pão e o levou para a rua. Os presentes, atônitos, acompanhavam aquela cena surreal. O carroceiro aproximou-se da carroça e ofereceu o pão ao cavalo. O animal devorou o pão imediatamente! Retornou ao balcão e terminou de tomar a sua cerveja. Assim que o garotinho terminou de tomar o refrigerante, chamou o garçom e pediu a conta. O garçom respondeu: - O senhor não deve mais nada, a sua conta já foi paga por aquele senhor ali, apontando para um cidadão que se encontra junto à janela, na parede lateral oposta àquela em que eu estava. Alguém havia se antecipado a minha ideia!
(OBS: História contado pelo Júlio, em 17/11/2007.)
Menção Honrosa – Concurso da ALTO
MALLMITH, Décio. A Cerveja (Conto). In Literatos – Volume 1. V Prêmio Literário
Gonzaga de Carvalho. Academia de Letras de Teófilo Otoni – ALTO. p. 84. ISBN: 978- 65-88800-00-3. Teófilo Otoni: Academia de Letras de Teófilo Otoni, 2020.