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Resumos de História

A estagnação do mundo rural

Nos anos 50 e 60, o país agrário continuava um mundo sobrepovoado e pobre..


Os bloqueios ao desenvolvimento agrícola eram numerosos:

• A falta de vias de comunicação que, eficientemente, ligassem as zonas


produtoras às cidades do litoral, locais de consumo e exportação

• O mau dimensionamento das propriedades. No Norte, predominava o


minifúndio, que mal dava para as necessidades da família e não possibilitava a
mecanização; no Sul, estendiam-se propriedades imensas, que, de tão grandes,
se encontravam subaproveitadas

• A exploração de mais de um terço da área agrícola em regime de


arrendamento precário

• Os baixos preços dos produtos agrícolas, que desmotivavam o investimento


em máquinas e transportes;

• A miséria da maioria dos trabalhadores rurais, que a custo conseguiam sobre-


viver. Isolada do mundo, mal alimentada e sem instrução, a população camponesa
mantinha-se na mesma rotina atrasada dos seus pais e avós.

Estes problemas nunca foram solucionados e a política agrícola acabou por se


esgotar em subsídios e incentivos vários que pouco efeito tiveram.
A década saldou-se por um enorme decréscimo na taxa de crescimento do Produto
Agrícola Nacional e por um êxodo rural ma-ciço, que esvaziou as aldeias do interior.

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A emigração

A emigração reduziu-se drasticamente nas décadas de 30 e 40, devido, primeiro, à Grande


Depressão e, em seguida, à Segunda Guerra Mundial.
Estas duas décadas correspondem a um crescimento demográfico intenso que,
sobrepovoou o país, originando um excesso de mão de obra que a economia não foi capaz
de absorver.
Esta pressão demográfica resultou numa imensa dispersão dos campos, quer em direção às
cidades do litoral, quer, sobretudo, ao estrangeiro. Entre 1946 e 1973 terão emigrado cerca
de 2 milhões de portugueses, metade dos quais saiu na década de 60.
O contingente migratório português provinha de todo o Portugal, com particular destaque
para as regiões do Norte e das ilhas. Rumou em direção à Europa - só a França recebeu
mais de 900 mil portugueses - e, em menor escala, às Américas do Norte e do Sul. Os altos
salários do mundo industrializado, o clima de repressão política e a rejeição de muitos face
ao recrutamento para a Guerra Colonial potenciaram o fluxo migratório.
Grande parte desta emigração fez-se clandestinamente. A legislação portuguesa sujeitava
o direito de emigrar "aos interesses económicos do país e à valorização dos territórios do
Ultramar pelo aumento da população branca", colocando-lhe restrições.
O Estado procurou salvaguardar os
interesses dos nossos emigrantes,
celebrando, no início dos anos 60,
acordos com os principais países de
acolhimento.
Estes acordos permitiram a obtenção de
regalias sociais e a livre transferência, para
Portugal, das remunerações amealhadas. O
país passou, por esta via, a receber um
montante muito considerável de divisas: as
remessas dos emigrantes representavam, no
início da década de 70, mais de 6% do PIB.
Sinal de pobreza e de subdesenvolvimento,
a emigração desfalcou o país de
trabalhadores, contribuiu para o
envelhecimento da população e privou do

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normal convívio com as famílias um grande número de portugueses.
Para o Estado Novo, no entanto, a emigração foi um fator de paci cação social e de
equilíbrio económico, que permitiu ajustar o mercado de trabalho e fez entrar as divisas
necessárias ao equilíbrio da economia.

Esta política conduziu à consolidação dos grandes grupos económico-


-financeiros e ao acelerar do crescimento nacional.
No entanto, o país continuou a sentir, como um pesado fardo, as exigências da Guerra
Colonial e o seu enorme atraso face à Europa desenvolvida

A modernização da sociedade portuguesa:


alterações na demogra a e nos comportamentos

A urbanização
Nos anos 50 e 60, o processo de urbanização acelerou-se e absorveu, em parte, o
êxodo rural. Crescem, sobretudo, as cidades do litoral
- Braga e Setúbal, onde se concentram as indústrias e os serviços.
- Em Lisboa e no Porto espalham-se os subúrbios, onde se fixam os que não
podem pagar o custo crescente das habitações no centro. Nestes arredores,
autênticos "dormitórios" das grandes cidades,
concentra-se a maior parte da sua população ativa.
Esta expansão urbana não foi acompanhada da
construção das infraestruturas necessárias ao
acolhimento de uma população de poucos recursos.
Faltam nas habitações sociais, as estruturas sanitárias,
uma rede de transportes eficiente. Fruto destes
desajustamentos, aumentam as construções
clandestinas, proliferam os bairros de lata, degradam-
se as condições de vida (incremento da criminalidade,
da prostituição...). E, embora tenha havia algum
investimento em pontes e outras vias de comunicação,
as longas esperas pelos meios de transporte e a
viagem em condições de sobrelotação tornam-se a
rotina quotidiana de quem usa os transportes públicos.
Apesar dos muitos problemas em aberto, o
crescimento das cidades representou um passo em
direção a um mundo mais moderno e cosmopolita,
que aproximou Portugal dos padrões europeus.
Contribuiu para a expansão do setor dos serviços, para

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um maior acesso aos bens de consumo, ao ensino, aos meios de comunicação. A
urbanização fez aumentar o número dos que ouviam a rádio, se inteiravam das
notícias, participavam num sindicato ou numa associação. Deste modo, formou-se
um conjunto populacional numeroso e escolarizado, capaz de intervir social e
politicamente.

Novos comportamentos
Foi sobretudo na década de 60 que a sociedade portuguesa sentiu os ventos da
mudança. Mais conscientes do que se passava "lá fora", os portugueses não
podiam deixar de confrontar a realidade tradicional e fechada em que viviam com
toda a novidade e agitação que percorria o mundo ocidental.
As novidades chegavam por vias diversas: os emigrantes regressavam às suas
aldeias profundamente mudados; os turistas, que no fim da década se contavam
em quase três milhões por ano, animavam as praias e as cidades com a sua
informalidade; as lojas atreviam-se a divulgar a moda londrina, tornando corrente a
minissaia; programas de rádio e revistas de música traziam os sons e os cabelos
compridos dos Beatles ao dia a dia da juventude; a televisão trazia aos lares filmes
e programas estrangeiros.
Aos poucos, Portugal foi-se aproximando dos padrões de comportamento
europeus. A sólida parede de conservadorismo que protegia o Estado Novo estava
prestes a desmoronar-se

O imobilismo político
Enquanto a sociedade evoluía e, progressivamente, se aproximava dos padrões
europeus, o regime salazarista mantinha o mesmo autoritarismo e apegava-se a
fórmulas gastas e desajustadas aos novos tempos. Capaz ainda de sobreviver à
derrota dos fascismos, o Estado Novo encontrava-se, no início dos anos 70, à beira
do fim.

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O fim da guerra e o nascimento da oposição democrática
Nos dias 7 e 8 de maio de 1945, grandes manifestações de alegria celebraram, nas
ruas da capital, a derrota da Alemanha.
As democracias tinham vencido a guerra e mostrado, assim, a sua superioridade
face às ditaduras fascista e nazi. Salazar tirou, deste facto, as devidas ilações: o seu
regime deveria (pelo menos na aparência) democratizar-se ou corria o risco de cair.
Neste contexto, o Governo toma a iniciativa de antecipar a revisão constitucional,
dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições antecipadas, que
Salazar anuncia "tão livres como na livre Inglaterra".
Um clima de otimismo instala-se entre os opositores ao Estado Novo. Acredita-se
na vaga democrática que percorre a Europa, julgando-a capaz de, por si só, forçar a
abertura do regime.
Em 8 de outubro, numa entusiástica reunião no Centro Republicano Almirante Reis,
nasce o MUD - Movimento de Unidade Democrática, que congrega as forças até
aí clandestinas da oposição.
O impacto deste movimento ultrapassou todas as previsões. Em pouco tempo,
reuniram-se 50 000 assinaturas e as adesões alastraram por todo o país. Tinha
nascido a oposição
democrática.
Para garantir a
legitimidade do ato
eleitoral, o MUD
formula algumas
exigências, que
c o n s i d e r a
fundamentais. Entre
elas, o adiamento das
eleições por seis meses
(a fim de se instituírem
partidos políticos), a
reformulação dos
cadernos eleitorais (que
abrangiam apenas
cerca de 15% da
população), além da
imprescindível liberdade de opinião, de reunião e de informação.
Nenhuma das reivindicações do Movimento foi satisfeita e este desistiu, à boca das
urnas, por considerar que o ato eleitoral não passaria de uma farsa. Pouco
depois, iniciou-se a repressão: muitos aderentes ao MUD foram interrogados,
presos ou despedidos do seu trabalho.

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Em 1949, as forças oposicionistas voltam a mobilizar-se, desta vez em torno da
candidatura de Norton de Matos. Era a primeira vez que um candidato da
oposição concorria à Presidência da República, mas, face a uma severa repressão,
Norton de Matos apresentou também a sua desistência pouco antes das
eleições.
Entretanto, o clima de Guerra Fria foi tomando conta da Europa e as preocupações
das democracias ocidentais orientaram-se, prioritariamente, para a contenção do
comunismo, objetivo que o salazarismo servia em pleno.
Em 1949, o país torna-se também membro fundador da NATO.

O Sobressalto político de 1958


Nos anos que se seguiram, a oposição democrática dividiu-se e enfraqueceu.
O governo pensava ter a situação controlada até que, em 1958, a candidatura de
Humberto Delgado a novas eleições presidenciais desencadeou um autêntico
terramoto político.
O anúncio do seu propósito de não desistir das eleições e a forma destemida como
anunciou a sua intenção de demitir Salazar, caso viesse a ser eleito, fizeram da sua
campanha um acontecimento ímpar de mobilização popular.
O resultado oficial das eleições deu a vitória por esmagadora maioria ao candidato
da situação, o contra-almirante Américo Tomás.
Mas a credibilidade dos resultados e, com ela, a do próprio regime saíram
seriamente abaladas desta prova. Salazar sentiu-o e, para evitar novo risco de um
"golpe de Estado constitucional", anulou o sistema de sufrágio direto, passando o
chefe de Estado a ser eleito por um
colégio eleitoral restrito.
Os anos de 1959-62 foram marcados
por um forte recrudescimento da
oposição, que passou a contar com
elementos que, até então, lhe tinham sido
alheios.
No rescaldo das eleições, o bispo do
Porto, D. António Ferreira Gomes, escreve
uma dura carta a Salazar, em que denuncia
a miséria do povo e a falta de liberdades
cívicas. A coragem do bispo custou-lhe
10 anos de exílio, mas inspirou um grupo
crescente de católicos que, entre vigílias e
manifestos públicos, não pouparam
críticas à política do Estado Novo.
Enquanto a instabilidade crescia ao ponto
de se tentarem dois golpes de força para

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derrubar o regime, a ditadura portuguesa
mostrava bem o seu carácter repressivo ao fazer,
em apenas dois anos (1958-60), mais 1200 presos
políticos e ao reprimir, com mortos e feridos, as
manifestações de 31 de janeiro, do 5 de Outubro
e do 1.° de Maio.
A má imagem que, deste modo, o regime projeta
no estrangeiro reforça-se com o exílio de
Humberto Delgado e o apresamento do navio
português
Santa Maria, tomado de assalto, a 22 de janeiro
de 1961, por um comando revolucionário
encabeçado por Henrique Galvão, em pleno mar
das Caraíbas. Malgrado as acusações de pirataria
que o nosso Governo se esforça por lançar sobre
Galvão, o assalto ao Santa Maria é reconhecido
pelas potências estrangeiras como um ato de
protesto político.
Pouco depois, a eclosão da Guerra Colonial traz ao regime a sua maior e
derradeira prova.

A questão colonial
A vaga descolonizadora que se seguiu à Segunda Guerra Mundial afetou
fortemente Portugal. A ideia de um país predestinado para dominar um grande
império, tão cara à propaganda do Estado Novo, deixou de se ajustar a um mundo
em que os valores da igualdade entre os povos e do direito à autodeterminação
ganhavam força de dia para dia. Num tal contexto, o regime salazarista viu-se
obrigado a rever a retórica imperialista e a sua política colonial.

Do "Império Português" ao "Ultramar Português"


A adaptação aos novos tempos processou-se em duas vertentes complementares,
uma ideológica, outra jurídica.
Em termos ideológicos, a "mística do império", que, na década de 30, fora um dos
pilares do Estado Novo, é substituída pela ideia da "singularidade da colonização
portuguesa", inspirada nas teorias de Gilberto Freire.
Segundo este sociólogo brasileiro, os portugueses haviam demonstrado uma
surpreendente capacidade de adaptação à vida nas regiões tropicais, onde, por

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ausência de convicções racistas, se tinham entregue à miscigenação e à fusão de
culturas. Esta teoria, conhecida como lusotropicalismo, serviu, nos anos 50, para
individualizar a colonização portuguesa, retirando-lhe o carácter opressivo que
assumia no caso das outras nações. A estas características acrescentava-se o papel
de Portugal como nação evangelizadora, papel que desempenhara, e continuava a
desempenhar, como nenhuma outra.
No campo jurídico, opta-se por eliminar as expressões colónia e império colonial de
todos os diplomas legais. Em 1951, revogou-se o Ato Colonial e inseriu-se o
estatuto dos territórios por ele abrangidos na própria Constituição Portuguesa (Doc.
12C). Por outras palavras, Portugal deixou, legalmente, de ter colónias. Estas,
doravante designadas por Províncias Ultramarinas, ganharam equivalência jurídica a
qualquer província do continente: o país estendia-se, sem qualquer quebra de
unidade que não fosse a geográfica, "do mar Português".
Minho a Timor". O "Império Português" desaparecera, substituído pelo "Ultra-Com
estas alterações formais esperava o Estado Novo resistir à dinâmica
histórica e manter intactos os vastos territórios ultramarinos.

O fomento económico das colónias


Como reforço desta nova abordagem política, as colónias receberam também um
impulso económico signi cativo. Havia que mostrar ao mundo que a unidade
entre o Portugal europeu e o Portugal de além-mar era um facto, e que o país se
empenhava em desenvolver harmoniosamente os vários territórios que o
compunham.
A primeira preocupação foi o incremento da população branca. Favoreceu-se a
emigração para o Ultramar e chegaram mesmo a organizar-se colonatos em
Angola e Moçambique. Aumentaram também os investimentos públicos e
privados, passando os territórios africanos, com destaque para Angola e
Moçambique, a estar contemplados nas verbas dos Planos de Fomento.
• Estado português procedeu à criação de infraestruturas (caminhos de ferro,
estradas, pontes, aeroportos, centrais hidroelétricas); promoveu o setor agrícola
(sisal, açúcar e café em Angola; oleaginosas, algodão e açúcar, em Moçambique)
e extrativo (diamantes, petróleo e minério de ferro, em Angola), virados para o
mercado externo, e apoiou as iniciativas industriais, que conheceram um forte
crescimento. Ao contrário do que seria de prever, o desenvolvimento económico
das províncias ultramarinas intensi cou-se com o início da Guerra Colonial. O
deflagrar do conflito (1961, em Angola, e 1964, em Moçambique) não só
coincidiu com a época de maior dinamismo da economia portuguesa, como veio
reforçar a necessidade de uma presença nacional forte, que legitimasse, aos olhos
do mundo, a posse dos territórios do Ultramar.

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A luta armada
Apesar de todos os esforços, o governo português não conseguiu contrariar os
ventos de mudança que sopravam sobre África. Nos territórios portugueses
formaram-se também, nos anos 50 e 60, movimentos independentistas dispostos
a lutar contra a dominação portuguesa:

- Em Angola, em 1955, surge a UPA (União das Populações de Angola), liderada


por Holden Roberto, que, sete anos mais tarde, se transforma na FNLA (Frente
Nacional de Libertação de Angola); o MPLA (Movimento Popular de
Libertação de Angola), dirigido por Agostinho Neto, forma-se em 1956; e a
UNITA (União para a Independência Total de Angola) surge pela mão de Jonas
Savimbi, dissidente da FNLA, em 1966;

- Em Moçambique, a luta é encabeçada pela FRELIMO (Frente de Libertação de


Moçambique), criada por Eduardo Mondlane, em 1962;

- Na Guiné distingue-se o PAIGC (Partido para a Independência da Guiné e


Cabo Verde), fundado por Amílcar Cabral, em 1956.

Os confrontos iniciaram-se em Angola, em fevereiro e março de 1961, com


ataques do MPLA em Luanda e violentos ataques da UPA a várias fazendas e
postos administrativos do Norte.
Em 1963, o conflito estendeu-se à Guiné e, no ano seguinte, a Moçambique'
Abriram-se assim três frentes de combate.
A resistência portuguesa ultrapassou, em muito, os prognósticos da comunidade
internacional, que previam, para um conflito de tal envergadura, a capitulação
rápida desta nação pequena e economicamente atrasada. À medida que os anos
passavam e o país resistia, Portugal granjeou, até, de alguns setores, uma certa
admiração pela tenacidade com que defendia a "sua" causa.
Mas esta causa, como todas as que contrariam a corrente da História, tinha, à
partida, muito poucas probabilidades de sucesso.

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O isolamento internacional
Internacionalmente, a questão das colónias ganhou dimensão quando da entrada
do nosso país na ONU, em 1955.
Portugal recusou-se de imediato a admitir que as disposições da Carta relativas à
administração de "territórios não autónomos"* lhe fossem aplicadas,
argumentando que as províncias ultramarinas eram parte integrante do território
português.
A tensão agravou-se na década de 60, com a admissão na ONU dos países recém-
descolonizados e a aprovação de Resoluções como a 1514, que reforçou as
disposições da Carta sobre o direito à autodeterminação dos povos sob domínio
estrangeiro
Em 1961, ano em que se inicia a guerra em Angola, Portugal esteve
particularmente em foco nas Nações Unidas, acabando esta organização por
condenar o nosso país devido ao persistente não cumprimento dos princípios
da Carta e das resoluções aprovadas. Estas condenações repetiram-se
insistentemente, com apelos claros a Portugal para que reconhecesse o direito à
autodeterminação das colónias africanas.
Tal postura conduziu, inevitavelmente, ao desprestígio do nosso país, que foi
excluído de vários organismos das Nações Unidas, como o Conselho Económico e
Social, por exemplo.
Além das dificuldades que lhe foram colocadas na ONU, Portugal viu-se a braços,
no início dos anos 60, com a hostilidade da administração americana. Sobretudo
durante a "era Kennedy", os americanos mostravam-se convictos de que o
prolongamento da guerra jogaria a favor dos interesses soviéticos, já que afastava
os Estados africanos de Portugal e, em consequência, dos seus aliados da NATO.
Deste modo, não só financiaram alguns grupos nacionalistas (como a UPA, em
Angola), como propuseram sucessivos planos de descolonização, procurando
vencer as resistências de Salazar com chorudas propostas de auxílio económico.

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Agarrado às suas convicções, reiterando que "Portugal não está à venda" e "a
Pátria não se discute", Salazar encarou o facto de ficarmos "orgulhosamente sós".
Internamente, porém, as dúvidas sobre a legitimidade do conflito e, sobre-tudo,
sobre o seu desfecho foram-se avolumando e o descontentamento cresceu na
sociedade portuguesa. Aquando da substituição de Salazar, em 1968, tornara-se já
claro que o futuro da guerra determinaria o futuro do regime.

O marcelismo

Reformismo político não sustentado


Em setembro de 1968, face à doença grave de Salazar', o Presidente da República
vê-se obrigado a encetar os procedimentos institucionais para a sua substituição. A
escolha recaiu sobre o professor Marcello Caetano, um dos notáveis do Estado
Novo que, no entanto, se permitira discordar, em mais do que uma ocasião, da
política salazarista. Apresentava-se, por isso, como um político mais liberal, capaz
de alargar a base de apoio do regime.
Logo no discurso da tomada de posse, Marcello Caetano define as linhas
orientadoras do seu governo: continuar a obra de Salazar, à qual presta
homenagem, sem por isso prescindir da necessária renovação política. Pretendia-se,
em suma, "evoluir na continuidade", concedendo aos portugueses a
"liberdade possível".

Nos primeiros meses de mandato, o novo governo dá sinais de abertura. que


enchem de esperanças os opositores políticos: faz regressar do exílio algumas
personalidades, como o bispo do Porto e Mário Soares, modera a atuação da
polícia política (que passará a chamar-se Direção-Geral de Segurança -
DGS), ordena o abrandamento da Censura (mais tarde designada Exame
Prévio), abre a União Nacional (rebatizada, em 1970, Ação Nacional Popular -
ANP) a sensibilidades políticas mais liberais.
Foi neste clima de mudança, que ficou conhecido como "primavera marcelista",
que se prepararam as eleições legislativas de 1969. Procurando legitimá-las aos
olhos da opinião pública, o governo alargou o sufrágio feminino (a todas as
mulheres escolarizadas), permitiu maior liberdade de campanha à oposição, bem
como a consulta dos cadernos eleitorais e a scalização das mesas de voto. A
nova Assembleia, ficou conhecido por "ala liberal".
No entanto, embora possa considerar-se o menos manipulado de todos os que
ocorreram durante o Estado Novo, o ato eleitoral saldou-se por uma série de
atropelos aos princípios democráticos e o mesmo resultado se sempre: 100% dos
lugares de deputados para a União Nacional; 0% para a oposição.

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Frustradas as esperanças de uma real democratização do regime, o presidente do
conselho viu-se sem o apoio dos liberais, que lhe condenavam a falta de força para
implementar as reformas necessárias, é alvo da hostilidade dos núcleos mais
conservadores, que o culpavam pela onda de instabilidade que, entretanto, tinha
assolado o pais.
Obrigado a reprimir um poderoso surto de agitação estudantil, greves operárias e
até ações bombistas, Marcello Caetano endurece a repressão política: as
associações de estudantes mais ativas são encerradas, a legislação sindical aperta-
se, a polícia política desencadeia uma nova vaga de prisões, alguns opositores,
como Mário Soares, são novamente remetidos ao exílio. Desencantados e
incapazes de fazer passar as suas propostas de reforma do regime, os deputados da
"ala liberal" abandonam progressivamente a Assembleia Nacional.
Alvo de todas as críticas, à frente de um regime que não acompanhara a
modernização da sociedade e as aspirações dos portugueses, Marcello Caetano
via-se ainda a braços com o grave problema da Guerra Colonial.

O impacto da guerra colonial


Ao assumir o governo, Marcello Caetano assumiu também a continuação da guerra
em África. Mantinha-se a ideia de que a guerra era atiçada por interesses
estrangeiros e de que a independência não correspondia aos verdadeiros anseios
da população africana. Havia também que continuar a proteger a população da
metrópole que residia nas colónias.
Assim, o estatuto das províncias ultramarinas pouco se alterou. Foram dotadas de
novas instituições governativas mas
continuaram fortemente dependentes de
Lisboa, como parte integrante do território
português.
Em tais circunstâncias, a luta armada foi
endurecendo e, embora controlada em
Angola e Moçambique, a situação militar
deteriorou-se na Guiné, onde o PAIGC
a d q u i r i u c o n t ro l o s o b re u m a p a r t e
significativa do território.
Na ONU, o país sofre a maior de todas as
humilhações quando, em 1973, a
Assembleia-Geral reconhece a
independência da Guiné-Bissau, à rebelia
do Estado português.

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O 25 de Abril e o desmantelamento das estruturas do
Estado Novo

O Movimento das Forças Armadas


Nos primeiros anos da década de 70, o impasse em que se encontrava a Guerra
Colonial começou também a pesar sobre o exército. Os progressos do PAIGC na
Guiné, o encarniçamento da guerra em Moçambique e a persistente condenação
internacional deram a muitos oficiais de carreira a convicção de que estavam a lutar
por uma causa perdida. Foi este sentimento que induziu o general Spínola a
publicar Portugal e o Futuro, e foi igualmente este sentimento que transformou um
movimento de oficiais - o Movimento dos Capitães, iniciado por meras questões
de promoção na carreira - movimento revolucionário que derrubou o Estado
Novo
Considerando que este último objetivo exigia a intervenção de altas patentes, o
Movimento dos Capitães depositou a sua confiança nos generais Costa Gomes e
Spínola, respetivamente, chefe e vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças
Armadas.
Face a estas posições, que conhecia, e ao impacto do livro de Spínola, Marcello
Caetano convoca os oficiais generais das Forças Armadas para uma sessão solene
em que seria reiterada a sua lealdade ao Governo. Costa Gomes e Spínola não
compareceram à reunião (14 de março), sendo, no mesmo dia, retirados dos seus
cargos.
Estes acontecimentos deram força aqueles que, dentro do movimento
(agora denominado Movimento das Forças Armadas - MFA), acreditavam na
urgência de um golpe militar que, restaurando as liberdades cívicas, permitisse a
tão desejada solução para o problema colonial.
Depois de uma tentativa precipitada, em março' , que as forças governamentais
debelaram com facilidade, o MFA preparou minuciosamente a operação militar
que, na madrugada do dia 25 de abril de 1974, pôs m ao Estado
Novo

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Operação "Fim-Regime"
A operação "Fim-Regime" do Movimento das Forças Armadas decorreu sob a
coordenação do major Otelo Saraiva de Carvalho, de acordo com o plano
previamente definido: depois da transmissão, pela rádio, das canções-senha (E
Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho, cerca das 23 horas, e Grândola, Vila
Morena, de Zeca Afonso, hora e meia mais tarde), as unidades militares saem dos
quartéis para cumprirem, com êxito, as missões que lhes estavam destinadas:
ocupação das estações de rádio e da RTP, controlo do aeroporto e dos quartéis-
generais das regiões militares de Lisboa e do Norte, cerco dos ministérios militares
do Terreiro do Paço, entre outras.
A única falha no plano previsto - a prévia neutralização dos comandos do
Regimento de Cavalaria 7 de Lisboa, que não aderira ao golpe - originou uma das
poucas situações verdadeiramente difíceis com que o MFA se defrontou:
A resistência do quartel terminou, quando Marcello Caetano se rendeu,
dignamente, ao general Spínola'
No fim do dia, o "Movimento dos Capitães" sagrava-se já vitorioso. A multidão
acorrera às ruas em apoio aos militares, a quem distribuía cravos vermelhos.
Praticamente, só a polícia política resistia ainda. A facilidade com que o regime
autoritário caiu às mãos do seu próprio exército é a prova evidente do anacronismo
e total isolamento em que tinha merguIhado a vida política portuguesa.

O desmantelamento das estruturas do Estado Novo


No próprio dia da revolução, Portugal viu-se sob a autoridade de uma Junta de
Salvação Nacional, constituída por acordo entre o MFA e a hierarquia das Forças
Armadas. A Junta tomou imediatamente, de acordo com o programa do MFA, um
conjunto de medidas tendentes à liberalização da política partidária e ao
desmembramento das estruturas do regime deposto:
• O presidente da República, Américo Tomás, e o presidente do Conselho,
Marcello Caetano, foram destituídos, bem como todos os governadores civis
e outros quadros administrativos. Américo Tomás e Marcello Caetano partiram
para a Madeira e, pouco depois, para o exílio, no Brasil. o A PIDE-DGS, a Legião
Portuguesa e as Organizações de Juventude foram extintas, bem como a
Censura (Exame Prévio) e a Ação Nacional Popular.
• Os presos políticos foram amnistiados e libertados e, concomitante-mente, as
personalidades no exílio puderam regressar a Portugal.
• Foi autorizada a formação de partidos políticos e de sindicatos livres, sendo
legalizadas as organizações que, até aí, operavam clandestinamente, como era o
caso, entre outros, da central sindical unitária (Intersindical), do Partido

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Comunista Português (fundado em 1921) e do Partido Socialista (fundado em
1973, a partir da Ação Socialista Portuguesa).

O MFA comprometeu-se, igualmente, a passar o poder para as mãos dos civis,


definindo o prazo máximo de um ano para a realização de eleições constituintes.
Para assegurar o funcionamento das instituições governativas até a sua
normalização democrática, a Junta de Salvação Nacional nomeou como presidente
da República o general António de Spínola, que escolheu o advogado Adelino da
Palma Carlos para chefiar o I Governo Provisório.
Assim se dava início à democratização, um dos três Dês (Democratizar, Desenvolver,
Descolonizar) que nortearam o Movimento das Forças Armadas.

O período pré-constitucional (1974-1976)

Tensões políticas e opções económicas


Entre a "Revolução dos Cravos" e a institucionalização, em 1976, de um regime
pluralista democrático, o país viveu um período de grande instabilidade. Marcado
pelo entusiasmo popular e pela aquisição das tão desejadas liberdades cívicas, o
período pré-constitucional conheceu também grandes tensões sociais e fortes
afrontamentos políticos.

O "período Spínola"
Poucos dias passados sobre o golpe militar, os anseios de justiça social, longamente
reprimidos, tinham já explodido numa onda de reivindicações laborais, greves e
manifestações constantes. Embora influenciada pelos partidos de esquerda, esta
evolução social era, em grande parte, espontânea e, por isso, dificilmente
controlável. Carente de autoridade e incapaz de assumir uma efetiva liderança do
país, o I Governo Provisório demitiu-se menos de dois meses após a tomada de
posse, deixando o presidente Spínola isolado na quase impossível tarefa de conter
as forças revolucionárias.
De facto, o poder fracionara-se já em dois polos opostos: de um lado, um grupo
mais moderado, afeto ao general Spínola; do outro, a Comissão Coordenadora do
MFA e os seus apoiantes, que começavam a advogar modificações profundas na
sociedade portuguesa, de feição socialista.
Apesar de todo o prestígio que adquirira, Spínola vai perdendo terreno para as
forças de esquerda. A vaga incontrolável de manifestações populares, a presença
reforçada de militares no Il Governo Provisório e a escolha de Vasco Gonçalves,
afeto à ala esquerdista do MFA, para a chefia do governo, mostram a perda de
influência do presidente. Inconformado, Spínola denuncia o desvio do Programa

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inicial do MFA, mas em vão. Em 28 de setembro, uma manifestação em seu apoio,
que pretendia mobilizar a "maioria silenciosa" dos Portugueses que estariam contra
o rumo socialista da revolução, foi eficazmente boicotada pelas forças de esquerda.
Dois dias depois, o presidente demite-se.
A Junta de Salvação Nacional, que o impacto da demissão de Spínola reduzira a
três membros (o general Costa Gomes e os almirantes Pinheiro de Azevedo e Rosa
Coutinho), indigita Costa Gomes para a Presidência da República.

A radicalização do processo revolucionário


A partir desse momento, a Revolução tende a radicalizar-se. Otelo Saraiva de
Carvalho, o estratégia do 25 de Abril, aparece cada vez mais afeto à extrema-
-esquerda. Numa derradeira tentativa de contrariar esta inflexão à esquerda e
recuperar o poder, Spínola encabeça, em 11 de março de 1975, um golpe militar
que fracassa rotundamente, obrigando o general e alguns oficiais a procurar
refúgio em Espanha.
Os acontecimentos de 11 de março são tomados como uma "ameaça con-
trarrevolucionária" e contribuem para acentuar o radicalismo que já se fazia sentir.
Nessa mesma noite, numa Assembleia das Forças Armadas, forma-se o Conselho
da Revolução, que passa a funcionar como órgão executivo do MFA.
Concentrando os poderes da Junta de Salvação Nacional e do Conselho de Estado
(que são extintos), o Conselho da Revolução tornou-se o verdadeiro centro do
poder. Evidenciando uma ligação clara ao ideário comunista, o Conselho da
Revolução propõe-se orientar o Processo Revolucionário em Curso - PREC, que,
assumidamente, conduziria o país rumo ao socialismo.

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Tudo parecia, nesta altura, encaminhar Portugal para a adoção de um modelo
coletivista, sob a égide das Forças Armadas.

A intervenção do Estado no domínio económico-financeiro


A progressiva viragem à esquerda do processo revolucionário foi acompanhada de
um conjunto de medidas governativas que visavam três grandes objetivos:
• a destruição dos grandes grupos económicos, considerados monopolistas;
• a apropriação, pelo Estado, dos setores-chave da economia;
• o o reforço dos direitos dos trabalhadores.
A intervenção do Estado em matéria económico-financeira começou pela
nacionalização dos bancos emissores (Banco de Portugal, Banco Nacional Ultra-
marino, Banco de Angola). O Estado arroga-se o direito de intervir nas empresas.
À luz deste direito, consagrado por decreto-lei, os corpos gerentes de numerosas
empresas privadas (muitos sob acusação de sabotagem económica) foram
substituídos por comissões de trabalhadores nomeadas pelo Governo.
A radicalização do processo revolucionário, após o 11 de Março, vai alargar este
intervencionismo estatal: logo após o golpe nacionalizam-se todos os bancos e, no
mês seguinte, as grandes empresas ligadas aos setores económicos de base. Estas
medidas, que pretendiam "reconstruir a economia por uma via de transição para o
socialismo", determinaram o fim dos grupos económicos "monopolistas",
considerados o expoente do capitalismo, e permitiram ao Estado um maior
controlo sobre a economia .
Foi aprovada legislação com vista à proteção dos trabalhadores mais
desfavorecidos: dificultaram-se, ao extremo, os despedimentos, instituiu-se um
salário mínimo nacional, aumentaram-se as pensões sociais e de reforma, entre
outras medidas.

A reforma agrária
Entretanto, no Sul do país, o mundo rural vive uma situação explosiva. As tensões
há muito acumuladas entre os proprietários das terras e os trabalhadores agricolas,
sujeitos a uma situação de miséria crescente, desembocam num confronto aberto,
que encaminha as explorações agrícolas para uma via coletivista.
Em janeiro de 1975, registam-se as primeiras ocupações de terras pelos
trabalhadores e, impulsionado pelo Partido Comunista, rapidamente o movimento
se estende por todo o Alentejo e alguns municípios vizinhos.
O processo da reforma agrária recebeu, entre abril e julho do mesmo ano,
cobertura legal. Mais uma vez sob a pressão das forças políticas de esquerda, o
Governo avança com a expropriação das grandes herdades, com vista à
constituição de Unidades Coletivas de Produção (UCP). Embora a propriedade do
solo expropriado tenha passado para o Estado, cada UCP detinha a posse plena
das alfaias agrícolas e uma total liberdade de autogestão. Ao todo, ter-se-ão

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constituído cerca de 500 destas unidades, envolvendo um total de 60 mil
camponeses.

Agitação social e poder popular


O tempo do PREC foi marcado por uma enorme agitação política e social.
Enquanto os sucessivos governos e o Conselho da Revolução legislavam no sentido
de conduzir o país rumo ao socialismo, crescia a ideia da legitimidade do poder
popular, como expressão da vontade das massas trabalhadoras.
Por todo o país, sucediam-se várias séries de medidas de quadros técnicos e outros
funcionários considerados "de direita" e, em muitas empresas privadas, as
comissões de trabalhadores assumiram o comando, destituindo e impedindo
mesmo os proprietários de entrarem nas instalações; nas cidades e vilas,
constituíram-se, em cada bairro, "comissões de moradores" e "comités de
ocupantes", que levaram a cabo a ocupação de casas vagas, do Estado ou de
particulares, quer para fins habitacionais, quer para instalação de equipamentos
sociais de iniciativa popular (creches, centros clínicos, parques infantis); no Sul,
como já vimos, as grandes herdades foram ocupadas pelos trabalhadores rurais,
que passaram a geri-las sob a forma de "unidades coletivas de produção".
Num clima de grandes manifestações, permanentes apelos à luta, palavras de
ordem e frequentes comícios, até a Justiça se viu subvertida pela realização de
julgamentos populares. Portugal viveu então um período de grande entusiasmo,
mas também de anarquia. Este ambiente anárquico gerou sentimentos de opressão
e medo nas classes média e alta, levando milhares de portugueses a abandonar o
país.

As eleições de 1975 e a inversão do processo revolucionário


A inversão do processo revolucionário ficou a dever-se, em grande parte, à forte
pressão feita pelo Partido Socialista para que se efetivasse, tal como prescrito no
Programa do MFA, a "convocação, no prazo de doze meses, de uma Assembleia
Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal direto e secreto".
Estas eleições realizaram-se exatamente um ano depois do golpe de Estado - 25 de
abril de 1975 -, marcando, de forma exemplar, a vida cívica e política portuguesa.
Acorreu às urnas o maior universo eleitoral de sempre (91,7% dos eleitores), e tanto
a campanha como o ato eleitoral, para os quais os pessimistas previam tumultos e
confrontos, decorreram dentro das normas de respeito e de pluralidade
democrática.
Os resultados da votação foram determinantes para a inflexão da via marxista
revolucionária. O PS sagrou-se vencedor, com 38% dos votos, logo seguido do
PPD (atual PSD), que conseguiu 26%. Em contrapartida, as forças da esquerda
mais radical receberam uma votação modesta.

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Reforçado pelo apoio eleitoral, o Partido Socialista encabeça, com rmeza, a luta
contra o radicalismo revolucionário, no sentido do regresso ao espírito inicial do
MFA. É neste "Verão Quente" que um grupo de nove oficiais do próprio Conselho
da Revolução, encabeçados pelo
major Melo Antunes, critica
abertamente os setores mais radicais
do MFA, pronunciando-se pelo
afastamento da
"equipa dirigente" do movimento.
Uma atuação hábil destas forças
moderadas leva à destituição do
primeiro-ministro Vasco Gonçalves, à
formação de novo Governo (o Vl,
chefiado por Pinheiro de Azevedo) e,
por fim, à nomeação do capitão
Vasco Lourenço (um dos "nove") para
o comando da região militar de
Lisboa, em substituição de Otelo.
Estas alterações são o rastilho para
um último golpe militar, em 25 de
novembro, encabeçado pelos paraquedistas de Tancos, em defesa de Otelo e do
processo revolucionário. Este golpe, que, por pouco, não coloca o país numa
guerra civil, acaba por se malograr e, com ele, as tentativas da esquerda
revolucionária para tomar o poder. Ficava aberto o caminho para a implantação
de uma democracia liberal

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fi
A descolonização dos territórios africanos
Logo na noite de 25 de abril, por pressão do general Spínola, a afirmação do
"claro reconhecimento do direito à autodeterminação" dos territórios africanos, que
constava do programa previamente elaborado pelo MFA, foi eliminada. Em seu
lugar declarava-se, apenas, a intenção de implementar "uma política ultramarina
que conduza à paz".
Ainda no rescaldo do golpe militar, as pressões internacionais começam a fazer-se
sentir. A 10 de maio, a ONU e a OUA apelam à Junta de Salvação Nacional para
que, inequivocamente, consagre o princípio da independência das colónias.
Durante os meses que se seguiram, a OUA interfere no processo negocial, exigindo
a independência de todos os territórios. Os movimentos de libertação unem-se no
mesmo sentido.
A nível interno, a "independência pura e simples" das colónias colhia o apoio da
maioria dos partidos que se legalizaram depois do 25 de Abril e também nesse
sentido se orientavam os apelos das manifestações que enchiam as ruas do país
É nesta conjuntura que o Conselho de Estado aprova a Lei n.° 7/74, reconhecendo
o direito das colónias à independência, decisão que o Presidente da República
comunica aos Portugueses, a 27 de julho, numa declaração considerada
"histórica".
Intensificam-se, então, as negociações com o PAIGC (para a Guiné e Cabo Verde), a
FRELIMO (para Moçambique) e o MPLA, a FNLA e a UNITA (para Angola), únicos
movimentos aos quais Portugal reconhece legitimidade para representar o povo
dos respetivos territórios.

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Realizações e dificuldades
As negociações decorreram sem dificuldades de maior e concluíram-se em apenas
cinco meses. A situação mais complexa era a de Angola, dada a existência de três
movimentos de libertação, mas, a 15 de janeiro de 1975, assinava-se o acordo
que marcava a independência desta nossa antiga colónia para 11 de novembro do
mesmo ano.
Portugal encontrava-se numa posição muito frágil, quer para impor condições,
quer para fazer respeitar os acordos: o slogan da extrema-esquerda "Nem mais
um soldado para as colónias", a desmotivação generalizada do exército, a
deterioração das relações entre os militares africanos e os comandos europeus e a
instabilidade política que se vivia na metrópole retiraram ao nosso país a
capacidade necessária para fazer face aos con itos que, naturalmente,
surgiram. Desta forma, não foi possível assegurar, como previsto, os interesses dos
Portugueses residentes no Ultramar.
Em Moçambique, os confrontos, que rapidamente tomaram um cariz racial,
iniciaram-se quase de imediato, desencadeando a fuga da população branca.
Mas o caso mais grave foi, naturalmente, o de Angola. Aí as dificuldades não
pararam de crescer: os três movimentos mostraram-se incapazes de ultrapassar os
seus antagonismos e o Governo de transição nunca funcionou.Em março de 1975, a
guerra civil em Angola era já um facto. As forças portuguesas, carentes de um
comando decidido e de meios militares, limitavam-se a controlar os principais
centros urbanos, onde os nacionais esperavam, ansiosa-mente, o regresso a
Portugal
Nos meses de setembro e
outubro, uma autêntica ponte
aérea evacua de Angola os
cidadãos portugueses que
pretendem regressar. Em 10 de
novembro (véspera da data
acordada para a independência),
depois de demoradas consultas
aos órgãos de soberania e de
diligências na ONU, o Presidente
da República decide, na
impossibilidade de cumprir o
Acordo de Alvor, transferir o
poder para o povo Angolano,
não reconhecendo qualquer
estrutura governativa afeta aos
movimentos de libertação.

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fl
Depois da independência
Fruto de uma descolonização tardia e apressada e vítimas dos interesses de
potências estrangeiras, os territórios africanos não tiveram um destino feliz.
A Guiné, tornada república popular (tal como Angola e Moçambique), foi palco de
violência política e golpes de Estado militares. Moçambique, que arvorou em paz
a bandeira da independência, foi depois sacudido por uma sangrenta guerra civil
patrocinada pelos Estados de minoria branca da região. Em Angola, o Governo do
MPLA acabou por ser reconhecido internacionalmente (Portugal fê-lo em 28 de
fevereiro de 1976) mas nem por isso a paz voltou ao território. A despeito de todos
os esforços, as forças da UNITA e do MPLA confrontaram-se até 2002, quando o
líder daquele movimento, Jonas Savimbi, foi assassinado. O povo de Angola viveu,
pois, durante quatro décadas, num clima de guerra permanente.

A consolidação da democracia

A Constituição de 1976
A 2 de junho de 1975 abriu, em sessão solene, a Assembleia Constituinte. Era a
primeira que se reunia desde a elaboração da Constituição de 1911 e, tal como
então acontecera, os seus trabalhos decorreram num ambiente pós-revolucionário.
Apesar de eleitos democraticamente, os deputados não possuíam total liberdade
de decisão. Como condição para que se realizassem as eleições, o MFA impusera,
aos partidos concorrentes, a assinatura de um compromisso que preservava as
conquistas revolucionárias. Este documento ficou conhecido por Pacto MFA-
Partidos.
A Constituição define Portugal como "um Estado democrático", reconhece o
pluralismo partidário e confere a todos os cidadãos "a mesma dignidade social"
Esta opção liberalizante vê-se reforçada pela eleição direta, mediante sufrágio
universal, da Assembleia Legislativa e ao Presidente da República, pela
independência dos tribunais, entre outras disposições. O respeito pela vontade
popular exprimiu-se ainda na concessão de autonomia política às regiões insulares
dos Açores e da Madeira, e na instituição de um modelo de poder local
descentralizado e eleito por via direta. A nova Constituição entrou em vigor no
dia 25 de abril de 1976, exatamente dois anos após a "Revolução dos Cravos".
Apesar de todas as críticas e alterações de que foi alvo, a Constituição de 1976
foi, sem dúvida, o documento fundador da democracia portuguesa.

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A revisão constitucional de 1982 e o funcionamento das instituições
democráticas
A Constituição de 1976 foi, desde logo, objeto de crítica por parte de várias forças
partidárias, que a acusavam de um excessivo comprometimento com o
socialismo e de um acentuado dé ce democrático. Assim, passados os quatro
anos definidos como "período de transição", a Assembleia da República procedeu,
como previsto, à primeira revisão constitucional.
Concluída em setembro de 1982, a revisão atenuou a polémica em torno da Lei
Fundamental, apesar de, em termos económicos, não se ter afastado
significativamente da linha ideológica inicialmente definida: manteve inalterados os
artigos que proibiam retrocessos nas nacionalizações e na reforma agrária', e
manteve os princípios socializantes, embora mais suavizados.
As alterações de maior vulto deram-se ao nível das instituições políticas. Foi abolido
o Conselho da Revolução como órgão de soberania que concorre para a
Presidência da República, o que libertou o poder central de qualquer
condicionamento militar. As Forças Armadas viram-se assim, por completo, su-
bordinadas ao poder político, que passou a assentar, unicamente, na legitimidade
democrática. Na mesma linha, limitaram-se os poderes do Presidente e
aumentaram-se os da instituição parlamentar.
Estas alterações representaram mais um passo na democratização do regime,
reforçando o seu cariz democrático-liberal, assente no sufrágio popular e no
equilíbrio entre os diversos órgãos de soberania):
• O Presidente da República, eleito por sufrágio direto e por maioria absoluta,
o que lhe confere grande legitimidade democrática. O Presidente é assistido por
um Conselho de Estado, cuja consulta é obrigatória em todas as decisões
relevantes. O mandato presidencial é de 5 anos, sendo interdito ao mesmo
presidente mais do que dois mandatos consecutivos.
• Competem ao Presidente funções de salvaguarda constitucional (daí o seu
poder de veto suspensivo das leis) e de moderação do poder político.
• A Assembleia da República, constituída por deputados eleitos por círculos
eleitorais correspondentes aos distritos e as regiões autónomas. Cada
legislatura tem a duração de 4 anos (salvo dissolução antecipada da Assembleia)
e os deputados organizam-se por grupos parlamentares, de acordo com os
partidos por que foram eleitos. A Assembleia da República é o órgão legislativo
por excelência e do jogo de forças dos partidos aí representados resulta a
constituição e a manutenção dos Governos.
• O Governo é o órgão executivo por excelência, ao qual compete a condução
da política geral do país. Manda a Constituição que o primeiro-ministro seja
designado pelo Presidente da República, de acordo com os resultados das
eleições legislativas, pelo que a escolha recai, regra geral, no chefe do partido
mais votado. Além das suas funções executivas, o Governo detém ainda uma

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vasta competência legislativa, que exerce através de decretos-leis e de propostas
de lei que apresenta à Assembleia da República.
• Os tribunais, cuja independência a Constituição de 1976 consagrou. Ao
determinar que os juízes fossem nomeados pelos Conselhos Superiores da
Magistratura (e não pelo ministro da Justiça, como anteriormente), a
Constituição tornou o poder judicial verdadeiramente autónomo, proporcionando
as condições para a sua imparcialidade. A revisão de 1982 criou, ainda, o Tribunal
Constitucional, ao qual compete zelar pelo cumprimento das disposições
constitucionais, receber e aceitar as candidaturas à Presidência da República,
proceder ao registo dos partidos políticos, entre outras funções.
Além destes órgãos, a Constituição de 1976 implementou, como já referi-mos, a
autonomia das regiões dos Açores e da Madeira, bem como um poder
autárquico descentralizado.
O governo das regiões autónomas, exerce-se através de uma Assembleia
Legislativa Regional (eleita nos mesmos moldes da Assembleia da República), um
Governo regional e um ministro da República, designado pelo Chefe de Estado, a
quem cabe nomear o Governo regional e promulgar os diplomas legais, entre
outras funções.
Quanto ao poder local, estruturou-se este em municípios e em freguesias, dispondo
ambos de um órgão deliberativo (a Assembleia Municipal e a Assembleia de
Freguesia) e de um órgão executivo (a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia).
Eleitos diretamente pelas respetivas populações, as autarquias têm desempenhado
um papel relevante no desenvolvimento local e na resolução dos problemas
específicos das áreas em que se inserem.

A entrada de Portugal nas Comunidades Europeias


De forma simples, podemos dividir o processo de democratização português em
três períodos: o período pré-constitucional, em que se desmantelam as estruturas
do Estado Novo e se vive a instabilidade revolucionária; a institucionalização do
regime democrático, que se inicia com a entrada em vigor de uma Lei
Fundamental - a Constituição de 1976 - e o funcionamento de órgãos de
soberania eleitos por sufrágio universal; e, finalmente, um período de consolidação
do sistema democrático, marcado pela revisão constitucional de 1982, que já
abordámos, e pela entrada de Portugal nas Comunidades Europeias.
A candidatura às Comunidades foi apresentada logo em 1977, pelo I Governo
Constitucional, chefiado por Mário Soares. Depois de longas negociações, assina-
se, em junho de 1985, o Tratado de Adesão, que entra em vigor no dia 1 de janeiro
do ano seguinte. Na mesma altura, a vizinha Espanha, já liberta do regime
franquista, é também acolhida nas Comunidades.

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A integração de Portugal num grupo de nações que se posicionava "na
vanguarda do mundo"constituiu uma verdadeira viragem histórica, que
contribuiu para a consolidação da democracia e a modernização do país.
Embora disponham de leis próprias e mantenham as suas características específicas,
os países da Europa Unida tomam as instituições democráticas da Comunidade
como modelo e, por via das normas que são obrigados a cumprir, ajustam as suas
próprias instituições políticas às instituições comunitárias. Esta situação
representava, para Portugal, a certeza de que não haveria, no futuro, desvios face
ao modelo democrático que escolhera. Na verdade, sucessivas revisões
constitucionais foram adaptando o sistema de governação nacional às exigências
da nossa integração europeia.
A adesão à CEE representou igualmente um enorme impulso no
desenvolvimento do país, que bene ciou de importantes ajudas comunitárias.
Essas injeções de capital, que visavam encurtar a distância que nos separava dos
nossos parceiros europeus, permitiram a construção rápida de infraestruturas (água,
saneamento básico, estradas, escolas ...), o investimento maciço em formação
profissional, a modernização dos setores produtivos. O setor dos serviços tornou-
se, então, dominante e registou-se um crescimento muito significativo no consumo
privado, que se aproximou dos padrões europeus. A escolaridade, os serviços de
saúde, a segurança social puderam continuar a sua marcha em frente, e aos jovens
abriu-se um mundo mais vasto do que aquele em que tinham crescido os seus pais.
A Europa passou a constituir o pano de fundo em que se desenrola a vida do país.
É ela que serve de referência às instituições, ao bem-estar económico, às aspirações
sociais e às expetativas dos Portugueses.

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