Keith Jenkins é professor-adjunto de História na
University College Chichester, um dos principais e mais renomados centros ingleses para formação de professores. A sua obra A História Repensada, foi traduzida por Mário Vilela e publicada no Brasil em 2001 pela editora contexto, neste livro o autor propõe uma reflexão metodológica, questionando mais do que respondendo a proposições que estão inseridas no trabalho do pesquisador. Este livro, segundo Jenkins, é uma obra que foi escrita como um “manual de história”, destinado o professores e alunos, com o objetivo de colaborar e provocar um debate reflexivo - crítico sobre a escrita da história, onde o historiador deve ter controle sobre seu próprio discurso, que para o autor significa” ter poder sobre o que você quer que a história seja, em vez de aceitar o que outras pessoas dizem que ela é, em consequência, isso outorga poder a você, e não a essas outras pessoas” (JENKINS,2001,pg.109). O objetivo do autor neste texto é examinar o que é a História de dois ângulos: por um lado, a história na perpectiva teórica e, em segundo lugar, como ela funciona na prática. Por fim, ele esboça uma relação entre teoria e prática. A ideia é familiarizar o leitor com alguns dos debater em torno da História. 1. Da teoria Para falar em termos teórico, a autor inicia pela concepção de que a história constitui uma série de discursos a respeito do mundo, tendo como foco principal o passado. Dessa perspectiva, “a história como discurso está, portanto, numa categoria diferente daquela sobre a qual discursa”. A segunda observação importante é de que o passado e a história enquanto discurso encontram-se livres um do outro, não tendo qualquer relação necessária e única. Desse modo, aquilo que ocorreu no passado pode ser submetido a diferentes práticas discursivas. No que diz respeito à história, a historiografia mostra isso muito bem. Para ser mais claro, o autor se aprofunda na distinção entre passado e história, realizando um exercício mental instigante. A dificuldade de percepção no senso comum dessa diferença decorre do fato mesmo de que a palavra História geralmente é interpretada como sendo as duas coisas: o passado e o discurso sobre esse passado. Para ficar mais claro então, seria necessário começar por fazer algumas distinções: Por passado o autor define tudo que se passou antes, em todos os lugares; Para tratar os discursos produzidos por historiadores a respeito desse passado, o autor prefere o termo historiografia (escrita da história) Mas por que razão essa distinção é importante? Por que o passado já aconteceu, não existe mais. Nunca teremos acesso à integralidade do passado. Nós só conseguimos abordá-lo através dos vestígios, rastros e sinais deixados pela experiência humana. São esses elementos que constituem a matéria prima do trabalho dos historiadores. Mas o discurso produzido pelos historiadores não é um discurso uno, homogêneo. Ele também é plural, resultante de diferentes visões sobre o passado. Isto é exemplificado no texto através da obra de Geoffrey Elton. Essa visão é importante pelo fato também de que a História nunca consegue resgatar todo o passado, todas as diferentes visões da época e as histórias dos diferentes sujeitos. Ao longo da história, diversos grupos, pessoas, povos e classes não tiveram a sua história escrita. E durante muito tempo a história esteve presa somente aos relatos e narrativas sobre os grandes homens, os poderosos e dominantes, cujos vestígios da presença geralmente são mais vastos. Ainda sobre as relações entre passado e discurso sobre o passado, Jenkins reforça logo em seguida que, a despeito do que possa parecer aos leigos, a historiografia nunca produz apenas uma leitura do passado, de um fenômeno ou de um acontecimento. Evidentemente, algo ocorreu e o historiador se interessa por isso, mas para tentar resgatar esse passado, para descrevê-lo nós acabamos por produzir uma coisa diferente desse passado, um discurso sobre ele. Nesse sentido, uma vez estando clara essa distinção, o problema passa a ser então saber como o historiador tenta conciliar as duas coisas. É nesse domínio que se destacam três campos teóricos muito importantes para o historiador: A epistemologia A metodologia A ideologia. A epistemologia, como o próprio termo já sugere (episteme vem do grego e significa conhecimento), no campo historiográfico diz respeito à reflexão sobre como conhecemos o passado na história. Que tipo de preocupações, escolhas e opções são realizadas por aqueles que desejam investigar o passado. E isto, que fique claro, decorre do fato de que não é o passado que se impõe sobre nós. O que o passado no diz ou pode dizer depende do tipo de questões que lançamos sobre ele, nossos interesses de pesquisa, nossas curiosidades. Além disso, muito embora o discurso historiográfico tente captar a realidade e apreender a verdade de um fenômeno, isto, para o autor, nunca seria passível de ser realizado. E isto por causa da fragilidade epistemológica da história. Para essa Fragilidade Epistemológica, o autor apresenta 4 causas básicas: Em primeiro lugar, nenhum historiador consegue abarcar e assim recuperar a totalidade dos acontecimentos passados. Sempre relatamos uma parte dos acontecimentos, uma fração do que ocorreu, um ponto de vista sobre o ocorrido. Quer dizer, embora por vezes seja apresentado desta forma, o relato de um historiador nunca corresponde exatamente ao passado. Em segundo lugar, nenhum relato consegue recuperar o passado por que o passado são experiências, situações, dilemas, vivências... O que nós fazemos são interpretações de interpretações. Relatos, descrições, narrativas que nunca podem ser tomadas como última palavra sobre o assunto. Não há nenhuma acontecimento, processos, fenômeno que possua uma única explicação válida e definitiva. Estamos condenados sempre a rever e a reler o passado em função de novas fontes, de novas preocupações... A história depende, em terceiro lugar, também de um sujeito histórico, de um narrador, de um olhar. Evidentemente, não estamos aqui no plano da literatura, da ficção, mas a história é um conhecimento mediado pela escrita, condicionado pelas fontes de que dispõe e também pelas avaliações dos outros historiadores. Mesmo assim, o que o historiador escreve ainda depende de suas predileções, de suas visões e preocupações formuladas no presente.. “As fontes impedem a liberdade total do historiador e, ao mesmo tempo, não fixam as coisas de tal modo que se ponha mesmo fim a infinitas interpretações” (p. 33). A quarta e não menos importante das razões da fraqueza epistemológica da história decorre do fato de que pela sua posição de observador à distância, cuja perspectiva goza das vantagens da retrospectiva (como se já conhecêssemos o fim da história) garante ao historiadores a possibilidade de saber mais do que as pessoas sabiam, mesmo que elas tenham vivido o tempo histórico, o período analisado. Por sua própria condição, isto é, como sujeito histórico de outra época e também marcado pela sua condição, o que o historiador faz é tentar traduzir essa experiência passado para o presente, utilizando-se tanto de conceitos do passado, como também de conceitos do presente. Quer dizer, ao tentar reconstituir o passado, o historiador acaba sempre dando novas feições às coisas, ressaltando aspectos que eram vistos como menos importantes, resumindo ou complexificando a realidade. Se a história apresenta todas essas fragilidades, em certa medida o mesmo pode ser dito quanto às suas metodologias. E isto muito embora todos os historiadores se empenhem em ser o mais objetivos possível, e que a busca da verdade transcenda as posições ideológicas e metodológicas dentro dessa disciplina. “O historiador sabe que o que está estudando é real, mas sabe que nunca conseguirá recuperar todo o real [...] ele sabe que o processo da pesquisa e reconstituição histórica não termina nunca, mas também está cônscio de que isso não torna seu trabalho irreal ou ilegítimo”. Após examinar diferentes posições políticas das correntes historiográficas, Jenkins sentencia então que para a maioria dos historiadores, o conhecimento e a legitimidade do conhecimento advêm de regras e procedimentos metodológicos rígidos – quer dizer a liberdade administrativa dos historiadores encontra-se condicionada pelo rigor metodológico e pela administração que fazem das provas sobre as quais se baseiam suas explicações. Porém, para Jenkins o que em última instância determina a interpretação não está exatamente no método ou nas provas, mas na ideologia. A questão pode ser formulada da seguinte maneira: em um espaço que conta com tantas opções teórico-metodológicas, que critério adotamos para selecionar uma delas como referência para os nossos trabalhos? E os conceitos selecionados, seriam eles neutros, objetivos? Para o autor, todas as teorias e conceitos expressam um ponto de vista ideológico sobre o mundo. Mesmo naquelas análises consideradas como mais neutras, ainda aqui se encontra uma visão de mundo, uma forma de interpretar a realidade que nunca é inteiramente descritiva. O conhecimento é ele também perpassado por relações de poder. Nada na forma como descrevemos o passado, como são selecionados os acontecimentos, os atores dignos de serem rememorados encontra-se longe de uma posição ideológica. Ela pode não estar explícita, mas encontra-se sempre lá! Por isso o autor afirma: “O fato de que a história propriamente dita seja um constructo ideológico significa que ela está sendo constantemente retrabalhada e reordenada por todos aqueles que, em diferentes graus, são afetados pelas relações de poder – pois os dominados, tanto quanto os dominantes, tem suas próprias versões do passado para legitimar suas respectivas práticas, versões que precisam ser tachadas de impróprias e assim excluídas de qualquer posição no projeto do discurso dominante”. Para encerrar então Jenkins sentencia: a História se compõe de epistemologia, metodologia e ideologia. A epistemologia nos diz que a experiência vivida e o discurso sobre o passado não são a mesma coisa, visto que suas conexões apresentam uma série de fragilidades. Metodologicamente, ainda que a busca pela verdade e pela objetividade se imponham aos historiadores de maneira quase que unânime – o rigor da administração das provas é fundamental neste caso – existem muitas metodologias disponíveis no mercado intelectual. Essas metodologias não são instrumentos neutros, visto que se constituem sempre como um campo de batalhas de litígios e de posicionamentos ideológicos de fundo (visões de mundo), o que nos remete sempre a questões de poder, dentro e fora do universo da história propriamente dita. Repensando a HISTÓRIA PROISSIONAL, isto é, produzida por historiadores que em geral são assalariados e trabalham no ensino superior. A questão desse tópico é caracterizar a atuação dos profissionais da história e a maneira como eles produzem essas histórias. Como eles fazem isso?
A) Partindo dos seus valores, posições e perspectivas ideológicas;
B) Dependem sempre dos seus pressupostos epistemológicos, independentemente de ter consciência ou não disso, e empregam vocabulários próprios, conceitos característicos: tempo, duração, processo, transformação, permanência, diferença, desigualdade... C) Os historiadores têm rotinas e procedimentos para lidar com o material; D) Os historiadores exercem pressão uns sobre outros e dialogam entre si e com fontes novas; E) Suas pesquisas devem se traduzir na escrita, o que constitui uma atividade mais complexa do que pode parecer a princípio; F) Ao produzir textos para serem lidos e consumidos, os historiadores ativam o processo de (re)interpretação ininterrupta de fenômenos, acontecimentos e processos; Levando em consideração as fragilidades epistemológicas da história, a pluralidade de metodologias e teorias disponíveis e a inevitável dimensão política e ideológica da história, surge então um dilema, uma aflição junto aos aspirantes: A aflição é esta: se entendermos que a história é o que fazem os historiadores; que eles a fazem com base em frágeis comprovações; que a história é inevitavelmente interpretativa; que há pelo menos meia dúzia de lados em cada discussão e que, por isso, a história é relativa... Se entendermos tudo isso, então podemos muito bem pensar: “Bom, se a história parece ser só interpretação e ninguém sabe nada realmente, então para que estudá-la? Se tudo é relativo, para que fazer história? Trata-se de um estado de espírito que poderíamos chamar de “desventura do relativismo” O QUE É A HISTÓRIA? PRA QUEM É A HISTÓRIA?