APOCALIPSE Uma grande narrativa teológica para fortalecer o discipulado nas comunidades joaninas da Ásia Menor
NARRAR A FÉ PARA AJUDAR A
COMUNIDADE RESISTIR A HOSTILIDADE, AMEAÇAS E SUSCITAR A ESPERANÇA. O livro do Apocalipse inclui diversos corpus literários capaz de combinar seu caráter epistolar com uma linguagem apocalíptico- profética dentro de uma moldura narrativa. A TRAMA NARRATIVA DO LIVRO DO APOCALIPSE
1)Exposição ou situação inicial: Prólogo
Mensagem às sete Igrejas;
2) Complicação ou questão incitante: Visões proféticas;
3) A ação transformadora: Deus julga a história
4) Solução ou desenlace Destruição da Babilônia
da complicação: e o reinado de Cristo
5) Situação final: Deus cria o novo céus e a
e a nova terra. E nesta narrativa João relata o que lhe aconteceu na ilha de Patmos. Ele descreve o que viu e ouviu quando foi conduzido pelo Espírito a contemplar os céus, transmitindo aos seus ouvintes e leitores sua experiencia mística como narrador e personagem de uma história artisticamente contada como um drama cósmico. Este drama chega ao clímax de seu conflito nos capítulos centrais, narrando a grande luta do bem contra o mal. Deus julga a história e restaura a obra da criação. 1,1-8: Prólogo
1,9 - 3,22: Primeira visão: visão inaugural e a carta às sete igrejas
4,1 - 5,14: Segunda visão: o trono celeste
6,1-17; 8,1-5: Terceira visão: os sete selos
7,9-17: Quarta visão: quatro anjos (primeiro interlúdio)
8,6-9,21; 11,14-19: Quinta visão: as sete trombetas
12,1-15,4: Sétima visão: a mulher e o dragão (terceiro interlúdio)
15,5-16,21: Oitava visão: as sete taças
17,1-19,10: Nona visão: a queda da Babilônia
19,11-21: Décima visão: o cavaleiro montado no cavalo branco
20,1-15 Décima primeira visão: o milênio
No Novo Testamento o verbo διηγέομαι (narrar) frequentemente está relacionado com o ato de explicar, descrever, relatar de forma ordenada, os eventos a respeito de Jesus Cristo, e a proclamação da fé cristã na comunidade (cf. Lc 1,1; 8,39; 9,10; Mc 5,16; At 9,27). O desígnio teológico do enredo do livro do Apocalipse evoca uma série de imagens que apresentam um Deus transcendente, fonte de vida, e todas as criaturas do céu da terra reconhecem que Ele é o Senhor da história; Ele governa o universo do princípio ao fim: Ap 10, 1-11 – O anjo poderoso é de uma dignidade excepcional – entrega o livrinho para que aquele que recebe tenha um espírito profético. O v. 7 implicitamente fala do grande julgamento. Ap 11,1-14 – As duas Testemunhas
Um personagem angélico aparece diante do vidente
para medir o Templo. O texto caracteriza-se por uma linguagem litúrgica sacerdotal. As duas testemunhas : Elias e Moisés – Lei e os Profetas; O testemunho da Igreja é apresentado aqui como a realização da profecia. Ap 12 : A mulher, seu filho e o Dragão O dragão é a personificação hierárquica do poder que persegue a mulher. Ele tem poder sobre a besta.
O dragão é precipitado para a terra, lugar de seu domínio.
Ele acusa os fiéis diante de Deus. Mas, é derrotado pelo Cristo.
A vitória do Cordeiro é também a vitória de seus
seguidores.
A comunidade dos fiéis não estão mais à mercê do dragão.
Ap 13 – As duas Bestas - A primeira besta vem do mar e a segunda vem da terra. Elas são criaturas do dragão. A simbologia remete ao sistema imperial romano. - O imperador governa as províncias por meio de autoridades políticas locais. - Os governadores das províncias reproduzem a ordem política em todo império. - Diademas, coroas, chifres, blasfêmias são símbolos políticos, vinculados à blasfêmias – implicitamente falando o cultor imperial. Os imperadores eram deificados. Os capítulos 15 e 16 do livro do Apocalipse são considerados uma unidade completa da visão das sete taças e o julgamento divino; dentro dessa macro narrativa, o capítulo 15 funciona como introdução do julgamento. O texto coloca em cena os personagens: João como narrador, os sete anjos, um dos quatro animais, e o grupo dos santos; o cenário apresenta a terra, descrita como um mar de vidro misturado com fogo e o céu, onde o vidente contempla o templo e o tabernáculo de Deus. Os acontecimentos se desenvolvem dentro de um tempo: o julgamento eminente. No espaço os eventos cósmicos que estão para acontecer, envolvem o céu e a terra. O símbolo das sete taças descritas em Ap 15 e 16 designam uma série de pragas derramadas sobre a terra como sinal do julgamento divino. Essas imagens possuem um rico fundamento e profundo significado teológico que reforça a ênfase da tradição do Êxodo nas visões narradas nesses capítulos. O termo φιάλη (taça ou cálice) no Antigo Testamento (Is 51,17.23; Jr 25,15,19; Lm 4,21; Ez 23,31-33; Sl 116,12-19) é uma metáfora do julgamento de Deus que é derramado sobre a terra. A taça da ira de Deus é geralmente entendida dentro da moldura teológica da aliança como expressão da infidelidade do povo escolhido. Embora o simbolismo da taça da ira divina não seja proeminente na literatura do segundo Templo, a temática da ira de Deus é muito frequente nesses escritos. Neste período surgem novos desenvolvimentos conferindo novos significados para este simbolismo. A taça taça ou cálice já se tornou um utensílio usado durante rituais e cultos sagrados. O sacrifício de Jesus, ao derramar seu sangue na cruz, na teologia do Novo Testamento se torna o selo da nova aliança. É importante notar que na cena em que Jesus se angustia no Getsêmani (Mt 26,39) ποτήριον, o vocábulo ποτήριον (cálice) tem o mesmo sentido simbólico de φιάλη no Apocalipse. Dentre os vários motes teológicos que são abordados pelo autor do Apocalipse presentes em outros livros do Antigo Testamento, o Êxodo tem particular significância. Considerando que as Escrituras eram importantes para o autor do Livro do Apocalipse, isto seria esperado que eventos tão significativos do Antigo Testamento desenvolveria um papel central na sua mensagem. Um desses eventos centrais que perpassam todas as Escrituras são as narrativas exodais. A referência mais clara do êxodo no Livro doa Apocalipse se encontra no capítulo 15 por que faz uma referência direta às pragas do Egito (cf. Ap 15,1), Moisés (cf, Ap 15,3) e a tenda do Testemunho (cf. Ap 15,5). O capítulo 15 do Livro do Apocalipse fornece uma significativa referência à tradição do Êxodo, colocando o cântico de Moisés (Ex 15,1-18; Dt 32,1-4; Sl 90) em uma oração de louvor ao Cordeiro. Os três versículos introdutórios (Ap 15,1-3) é um discurso narrativo, nos quais a voz do narrador coloca em cena os sete anjos portadores das sete pragas. Eles saíram vitoriosos da luta contra a Besta e entoam o Cântico de Moisés, servo de Deus e do Cordeiro. O texto de Ap 15,2-4 descreve a cena da vitória dos santos que entoam o cântico de Moisés e do Cordeiro. A narrativa coloca-os como os personagens principais; eles são todos aqueles que venceram a Besta, sua imagem e o número do seu nome. Eles venceram a batalha e agora dão glória a Deus pela grandeza de suas obras, seus feitos e santidade. Depois de vencer a Besta eles louvam a Deus pela conquista de três coisas: vencer a besta, sua imagem e o número de seu nome. A cena introdutória de Ap 15,1-5 descreve a preparação do derramamento das sete taças e introduz o sentido teológico fundamental do julgamento por meio de pragas que expressam a ira de Deus. As cenas das sete taças que trazem o furor de Deus são modeladas a partir das narrativas exodais das pragas do Egito A diferença nos números das pragas reflete a influência da literatura apocalítica do segundo Templo que tem uma preferência pelo número sete, que é adotado por João. Ela atualiza a tradição exodal a partir da linguagem e simbolismo da apocalíptica, pois era familiar aos seus leitores. O desenlace das pragas mencionadas antes do cântico de Moisés e do Cordeiro narradas em Ap 15 e 16 estabelecem uma semelhança aos eventos que aconteceram no Egito; chagas malignas, o sangue que faz as criaturas morrer, escuridão, espíritos imundos em forma de rãs, raios, relâmpagos, trovões e terremotos. Enfim, o julgamento de Apocalipse 15 e 16 tem como pano de fundo as dez pragas narradas no Êxodo Apocalipse Pragas Êxodo
16, 1 Chagas malignas 9,8 – 12
16,3-4 Sangue que provoca morte nas criaturas 7, 17-19
16,10 Escuridão 10,21-23
16, 13 Os três espíritos do mal com aparência de rãs 8,1-15
16,17-21 Raios, relâmpagos, trovões e terremotos 9,23
Um ponto central da narrativa do Êxodo, é a decisão permanente de YHWH habitar no meio de seu povo escolhido, numa tenda especialmente construída para Ele (Ex 25,8). A tenda de YHWH é também designada como tenda do encontro (Ex 29.42), tabernáculo (Ex 25,9). Santuário ou tabernáculo do testemunho (Nm17,23). A imagem da tenda celeste descrita em Ap 15,5 se aproxima do tabernáculo de testemunho da tradição do Êxodo. O templo do tabernáculo é o lugar que abriga, que guarda, que preserva a Lei recebida na teofania do Sinai. O templo do tabernáculo é o lugar que abriga, que guarda, que preserva a Lei recebida na teofania do Sinai. Desse modo, aqui o autor do Apocalipse recorda também que a aliança é inseparável da Lei recebida no deserto. Implicitamente o autor do Apocalipse procura preservar na memória das comunidades cristãs da Ásia Menor, que a relação de Deus para com seu povo é pactual e que a aliança constituída no passado é eterna. O cenário de teofania em Ap 15,8 com a fumaça que toma conta do templo recorda a entrega do tabernáculo no Sinai. Enquanto no Antigo Testamento as nuvens, as fumaças são imagens que se associam ao lugar da morada de Deus, em Apocalipse 15 designa a presença divina que está para executar o julgamento, por meio dos anjos, seus servos ou ministros. As pragas que estão para serem executadas, no final também evocam a presença divina que intervém para libertar as comunidades fiéis ao Cordeiro que estão sofrendo pelo mal infligido pela Besta. O cântico de Moisés mencionado em Ap 15,3- 4, insere o aposto “servo de Deus”, ao descrever Moisés. Sua designação como servo de Deus é frequentemente encontrada no Antigo Testamento, mas sua denominação como servo de Deus e a narrativa do cântico juntos, só aparece em Êxodo 14 – 15 e Ap 15,3. Mesmo que do ponto de vista linguístico Ap 15 e Ex 15 não apresentam um paralelo explicito, no que se refere às temáticas é evidente a intertextualidade dos textos; ambos cantam e louvam a Deus por suas grandes obras, seu poder, sua santidade, seus caminhos são justos e verdadeiros e só ele é digno de toda glória. APOCALIPSE ÊXODO “Israel viu a proeza realizada “...cantando o cântico de pelo Senhor Deus contra os Moisés, o servo de Deus, e o cântico do Cordeiro: egípcios. E o povo temeu ao Grandes e maravilhosas são Senhor Deus, e creram no as tuas obras, ó Senhor Senhor Deus e em Moisés seu Deus Todo-poderoso; teus servo. Então, Moisés e os caminhos são justos e israelitas entoaram esse canto ao verdadeiros, ò Rei das Senhor Deus: Cantarei ao Senhor nações” (Ap 15,3). Deus, porque se vestiu de glória; Ele lançou ao mar o cavalo e ao cavaleiro” (Ex 14,31-15,1). “Quem não temeria, Quem é igual a ti, ó Senhor Deus, ó Senhor, e não entre os deuses? Quem é igual a ti, glorificaria o teu tão ilustre em santidade? Terrível nome? Sim! Só tu és nas façanhas, hábil em Maravilhas? santo! Todas as (Ex15,11). nações virão prostrar- “Os povos ouviram falar e se diante de ti, pois começaram a tremer; dores se tuas justas decisões se espalharam no meio dos filisteus, e tornaram manifestas” ficaram com medo os habitantes (Ap 15,4). de Edom. Os chefes de Moab, o terror os dominou” (Ex 15,14-15). Em síntese, o cântico de Ex 15 e Ap 15 louvam a Deus pela sua ação salvífica, porque seus feitos são grandes e maravilhosos, pelo temor e o respeito do ser humano em seu favor, pela singularidade de sua santidade e glória. Nesses aspectos os dois cânticos entoam as mesmas proclamações ao Senhor Deus, mesmo que expressas em diferentes palavras. O capítulo 17 põe em cena uma besta personificada como, um ser vindo do abismo que era, mas não é mais. Ao contrário de Deus que é Aquele que era, que é e que vem, a besta era, mas não existe mais. Junto à besta esta uma mulher, descrita como prostituta, cheia de abominações, embriagada com o sangue dos santos. O autor fala da prostituição no sentido simbólico atribuído pelos profetas do AT – Remete à realidade da idolatria. A embriaguez da mulher está vinculada ao sangue dos mártires. A metáfora lembra a hostilidade de Roma para com os cristãos. O capítulo 18 narra a queda da Babilônia. O anjo que desce do céus proclama a queda da Babilônia.
Uma voz do céus pede que o povo fiel saia
desta cidade, como no Êxodo. A Babilônia é descrita como o lugar dos flagelos, do sofrimento, do pecado e da injustiça. Para criar o novo céu e a nova terra, Deus elimina o mal. Deus derruba os poderosos de seus tronos, mas a comunidade precisa ser fiel. A comunidade que segue o Cordeiro é chamada resistir, a ser testemunha fiel até a morte à proposta divina.