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O CAPITALISMO, A EMPRESA TRANSNACIONAL E A PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Prof. Dr. Paulo Dias de Moura Ribeiro


Prof. Dr. Marcelo Benacchio
I – A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

DECLARAÇÃO SOBRE O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO*, 1986


Artigo 1º
1. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, em virtude do qual toda
pessoa e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico,
social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.
Artigo 2º
1. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deveria ser participante ativo e beneficiário do direito ao
desenvolvimento.
3. Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento, que visem ao
constante aprimoramento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos, com base em sua participação
ativa, livre e significativa e no desenvolvimento e na distribuição equitativa dos benefícios daí resultantes.
Artigo 4º Os Estados têm o dever de, individual e coletivamente, tomar medidas para formular as políticas
internacionais de desenvolvimento, com vistas a facilitar a plena realização do direito ao desenvolvimento.
1. É necessária ação permanente para promover um desenvolvimento mais rápido dos países em desenvolvimento.
Como complemento dos esforços dos países em desenvolvimento, uma cooperação internacional efetiva é essencial
para prover esses países de meios e facilidades apropriados para incrementar seu amplo desenvolvimento.

*Resolução 41/128 da Assembleia Geral das Nações Unidas. Adotada por 146 Estados, com um voto contrário (EUA) e 8 abstenções. Reconhece o desenvolvimento como
um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa a melhoria constante do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base na sua
participação ativa, livre e significativa no processo de desenvolvimento e na justa distribuição dos benefícios dele derivados.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
II - garantir o desenvolvimento nacional;
Art. 5º, XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário* para
sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos
nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País.
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.
§ 1º A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso
das ciências.
§ 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o
desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos
que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.
§ 4º A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País,
formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao
empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.
Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento
cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

*O termo “privilégio temporário” era utilizado pelo artigo 1º da Convenção de Paris de 1883, revisão de Haia de 1925, promulgada pelo Decreto nº 75.572/1975
PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, 1966*
Artigo 15
1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de:
a) Participar da vida cultural;
b) Desfrutar o progresso científico e suas aplicações;
c) Beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou
artística de que seja autor.
2. As medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar com a finalidade de assegurar o pleno
exercício desse direito incluirão aquelas necessárias à conservação, ao desenvolvimento e à difusão da ciência e da
cultura.
3. Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade indispensável à pesquisa científica e
à atividade criadora.
4. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem os benefícios que derivam do fomento e do desenvolvimento da
cooperação e das relações internacionais no domínio da ciência e da cultura.

CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS PARA A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, 1883*


Artigo 1º
2. a proteção da propriedade industrial tem por objeto as patentes de invenção, os modelos
de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as
marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de
origem, bem como a repressão da concorrência desleal.

*Promulgado pelo Decreto nº 591/1992


**Com a revisão de Estocolmo de 1967, promulgada pelo Decreto nº 635/1992
Os países desenvolvidos tecnologicamente, sobretudo dos EUA, da Comunidade Europeia e do Japão - todos com indústria mundial
dominante nas áreas farmacêutica, química, de software e de entretenimento – introduziram nas negociações da Rodada do Uruguai,
referente ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), um Acordo (TRIPS) de fortalecimento da proteção dos direitos de
propriedade intelectual (DPI), com a transferência de competências da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI, em
inglês WIPO), cujas posições eram consideradas mais favoráveis aos países em desenvolvimento, para a recém-criada Organização
Mundial do Comércio (OMC).

O princípio do compromisso único (single undertaking) estabelece que, ao fazer parte da OMC, os países signatários devem
automaticamente adotar todos os acordos que integram o pacote da organização, dentre os quais o TRIPS. Caso as regras
estabelecidas pelo TRIPS sejam violadas, o país que se achar prejudicado pode iniciar uma consulta perante a OMC e, caso ela não
seja suficiente para dirimir o conflito, o país que se achar prejudicado pode iniciar um painel perante o Órgão de Solução de
Controvérsias da OMC. Se os árbitros entenderem que houve violação das regras da OMC, o país infrator estará sujeito a sanções
comerciais.

TRADE-RELATED ASPECTS OF INTELLECTUAL PROPERTY RIGHTS – TRIPS, 1994*

Artigo 7 - Objetivos
A proteção e a aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir
para a promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia, em benefício
mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-estar
social econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações.

*Promulgado pelo Decreto nº 1.355/1994. Vigência a partir de 1º/01/1995.


Quanto ao fomento da transferência de tecnologia, existem duas abordagens, excludentes entre si*:

 Abordagem regulatória (regulatory approach): busca fomentar a transferência de tecnologia por meio da colaboração entre
os países, a partir do reconhecimento da natureza potencialmente desigual dessa transação. Objetiva controlar as
consequências econômicas adversas sofridas pelos países em desenvolvimento, por meio da proteção de suas normas
internas voltadas à transferência de tecnologia e da proibição de disposições que sejam prejudiciais aos objetivos de
desenvolvimento desses países.

 Abordagem do desenvolvimento baseado no mercado (market-based development approach): enfatiza o caráter privado
da propriedade da tecnologia, não levando em consideração a existência de desigualdade entre as partes numa
transferência de tecnologia (a empresa que lhe é proprietária é livre para transferi-la da forma que julgar mais apropriada).
Contudo, podem ser previstas obrigações e restrições às empresas transnacionais, de forma a coibir eventuais abusos de
poder de mercado.

O TRIPS adota a abordagem do desenvolvimento baseado no mercado - os países em desenvolvimento, que constituem 75%
dos Estados-membros da OMC, devem adequar suas legislações internas ao TRIPS, desconsiderando muitas vezes a
realidade fática do desenvolvimento econômico que esses membros possuem.

Na visão dos países desenvolvidos:


• O fortalecimento da proteção dos DPI é uma forma de incentivo e estímulo à inovação (teoria
do estímulo ao investimento);
• As patentes são instrumentos essenciais ao desenvolvimento econômico internacional porque
elas garantem um retorno sobre o capital e tempo investido em pesquisa e desenvolvimento
(P&D) por parte de suas empresas transnacionais.

*Fonte: www.Unctad.Org.
Grande parte da tecnologia adquirida pelos países em desenvolvimento chega na forma de investimentos estrangeiros diretos
(IED), provenientes de empresas transnacionais.

À medida que as empresas transnacionais deslocam para os países em desenvolvimento parcela de sua produção, em busca de
força de trabalho e de infraestrutura menos custosas, elas precisam de maior proteção aos DPI, de forma a assegurar que sua
tecnologia e conhecimento não serão disponibilizados a outras companhias, naqueles países.

Na visão dos países em desenvolvimento:


• A flexibilização da proteção dos DPI é meio necessário para o desenvolvimento do país;
• Como a maioria das patentes é detida por empresas transnacionais, elas acabam sendo utilizadas como instrumentos de
controle sobre o crescimento e desenvolvimento dos países em desenvolvimento.

O fato de os países em desenvolvimento protegerem os DPI nos moldes dos países desenvolvidos asseguram-lhe, tão somente,
o aumento de IED, mas não lhes garante a transferência de tecnologia, ou seja, não os tornam menos dependentes da tecnologia
dos países desenvolvidos. Isso porque, sem o desenvolvimento de capacitações científicas e tecnológicas, nenhum sistema de
patentes será capaz de promover a geração de inovações - ou mesmo a concorrência e a competitividade que estão associadas
à ideia de inovação – e, de modo mais específico, a criação de empresas voltadas para a produção e desenvolvimento de novos
produtos ou tecnologias.

Experiências de países como Alemanha, Japão, Suíça e Holanda indicam que um baixo nível de proteção foi um fator central no
fortalecimento de suas capacidades produtivas e de P&D. Após superarem o atraso tecnológico, países atualmente
desenvolvidos fortaleceram seus direitos de patentes e correlatos, limitando o acesso dos demais às inovações por eles geradas
e, deste modo, dominaram a geração de tecnologias e o patenteamento em nível global*.

*A Revisão Da Lei De Patentes : Inovação Em Prol Da Competitividade Nacional. Relator: Newton Lima. Brasília. Edições Câmara, 2013, p.38.
Na CEDH há jurisprudência que interpreta as violações aos DPI como ofensas aos direitos humanos:
Application nº 73049/01, 2017**:
6. The first issue which arises with regard to the question of the applicability of Article 1 of Protocol No. 1 in the instant case is whether that provision
applies to intellectual property as such. In deciding that it does, the Chamber referred to the case-law of the European Commission of Human Rights
(Application nº 12633/87, 1990). (…) 78. These elements taken as a whole suggest that the applicant company’s legal position as an applicant for the
registration of a trademark came within Article 1 of Protocol No. 1, as it gave rise to interests of a proprietary nature. It is true that the registration of the
mark – and the greater protection it afforded – would only become final if the mark did not infringe legitimate third-party rights, so that, in that sense, the
rights attached to an application for registration were conditional. Nevertheless, when it filed its application for registration, the applicant company was
entitled to expect that it would be examined under the applicable legislation if it satisfied the other relevant substantive and procedural conditions. The
applicant company therefore owned a set of proprietary rights – linked to its application for the registration of a trade mark – that were recognized under
portuguese law, even though they could be revoked under certain conditions. This suffices to make Article 1 of Protocol No. 1 applicable in the instant
case and to make it unnecessary for the court to examine whether the applicant company could claim to have had a ‘legitimate expectation’.

O TRIPS concedeu aos países em desenvolvimento, incluído aí o Brasil, um prazo de 10 anos – ou seja, até 1º de janeiro
de 2005 – para incorporarem em suas legislações internas o padrão mínimo dos DPI - permitindo o fortalecimento de
empresas nacionais para enfrentar a concorrência com as empresas transnacionais. A Índia adotou o período de transição
e se tornou o principal fornecedor internacional de medicamentos genéricos a preços acessíveis para a população mundial
– bem como capacitou sua indústria verdadeiramente nacional.

Os países desenvolvidos, especialmente os EUA, perceberam que as flexibilidades


concedidas pelo TRIPS poderiam limitar os interesses comerciais de suas empresas. Por
isso, passaram a defender uma agenda de acordos bilaterais de livre comércio (TRIPS-Plus)
sujeitando os países em desenvolvimento a aumentarem o nível de proteção dos DPI
estabelecido pelo TRIPS, como é o caso das patentes de revalidação (pipeline), das patentes
de novos usos e novas formas.

*European Court of Human Rights (73049/01). Case of ANHEUSER-BUSCH INC. v. PORTUGAL. https://www.stradalex.com/en/sl_src_publ_jur_int/document/echr_73049-01
O Brasil, pressionado principalmente pelos EUA, promulgou da Lei nº 9.279/1996 (LPI), não fazendo uso de diversas salvaguardas
autorizadas pelo TRIPS, beneficiando assim os interesses estrangeiros.

Isso porque, em 1988 os EUA alteraram a Seção 301 (Special 301*) da Lei de Comércio (Trade Act of 1974)
para incluírem a remoção de preferências tarifárias e a imposição de sanções a países que não ofereçam
“proteção adequada e efetiva” aos DPI de titularidade de empresas estadunidenses em países estrangeiros.
Os EUA decidem como e quando irão tomar medidas que afetam o comércio de outros países, sem, contudo,
observar regras multilaterais de comércio internacional, como as consultas que podem ser feitas no âmbito da
OMC e a iniciação de um painel perante o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC.

André Fontes, Desembargador do TRF-2, alertava que: “a indústria brasileira tende a desaparecer porque o sistema foi feito com
armadilha. Não há promoção tecnológica. Nós fomos doutrinados a pensar que o melhor para o Brasil é patente e proteção. A lei
patentária no Brasil é ‘vendida’ para a sociedade com a ideia que proteção significa desenvolvimento. Isso não é verdade. O que
promove desenvolvimento no Brasil é a tecnologia, e nós precisamos ter tecnologia. A proteção é uma decorrência do investimento
tecnológico”.**

Na Resolução nº 7/2000, a ONU requereu que os governos implementem em suas legislações nacionais e em suas políticas
públicas, medidas que protejam a função social da propriedade intelectual, demonstrando, claramente, que os direitos de patentes
não são um fim em si mesmo, mas sim um meio para se chegar ao desenvolvimento econômico, social e tecnológico.

* Fonte: https://ustr.Gov/sites/default/files/issueareas/IP/2022%20special%20301%20report.Pdf
**A Revisão Da Lei De Patentes : Inovação Em Prol Da Competitividade Nacional. Relator: Newton Lima. Brasília. Edições Câmara, 2013, p.34
De 1993 a 2012, o déficit na balança comercial na área de patentes e direitos correlatos aumentou 3.600%,
representando mais de US$ 3 bilhões negativos anuais*. O déficit na área de saúde em 2010 foi de US$ 10 bilhões.

De 2000 a 2012, no total de depósitos recebidos pelo INPI, a participação dos pedidos de residentes brasileiros
(incluindo empresas estrangeiras que possuem escritório legalmente constituído no Brasil) diminuiu de 31% para 23% e
a participação dos não residentes cresceu de 68% para 77%.

• Depósitos via PCT (tratado de cooperação em matéria de patentes) passaram de 10.607 para 22.688.
• Depósitos diretos apresentaram um crescimento de 6,2%, passando de 10.247 para 10.881 (incluídos os certificados
de adição).

*Banco Central do Brasil. Fonte: https://ip-iurisdictio.org/propriedade-intelectual-internacional-e-a-acao-direta-de-inconstitucionalidade-5-529-df/


A disparidade entre a elevada produção de conhecimento das instituições brasileiras e o baixo número de patentes de
inovação nacionais, e a dificuldade de interação entre as instituições de pesquisa e inovação tecnológica e o setor
produtivo, como fatores incidentes sobre o desenvolvimento econômico e social do Brasil, motivou a promulgação da Lei
nº 10.973/2004 – Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação – regime mais flexível para licenciamento tecnológico,
subvenção, convênios de pesquisa, desenvolvimento e inovação, entre outros temas.

No período de 2000 a 2012, cerca de 93% dos registros de contratos eram de cedentes não residentes no país, o que
representa cerca de 1000 contratos por ano.

É de grande importância a averbação de contratos de tecnologia, bem como a análise de eventuais cláusulas restritivas
ou abusivas – restrição à exportação, restrição à pesquisa, restrição à negociação de tecnologia concorrente, restrição
ao questionamento da patente ou direito licenciado –, já que essas cláusulas podem ser prejudiciais ao desenvolvimento
do Brasil ou à atividade da empresa ou instituição, pública ou privada, que adquire a tecnologia.
Lei nº 9.279/96. Art. 211. O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de
franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros.
Parágrafo único. A decisão relativa aos pedidos de registro de contratos de que trata este artigo será proferida no prazo
de 30 (trinta) dias, contados da data do pedido de registro.

Lei nº 5.648/70. Art. 2º O INPI tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a
propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se
quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre
propriedade industrial. (Redação dada pela Lei nº 9.279/96)

(...) Ação mandamental impetrada na origem, na qual empresas (Unilever Brasil LTDA e outro) voltaram-se contra ato
administrativo praticado pelo INPI que, ao averbar contratos de transferência de tecnologia por elas celebrados, alterou
cláusulas, de forma unilateral, fazendo-os passar de onerosos para gratuitos. (...) A supressão operada na redação originária
do art. 2º da Lei 5.648/70, em razão do advento do artigo 240 da Lei 9.279/96, não implica, por si só, em uma conclusão
mecânica restritiva da capacidade de intervenção do INPI. Imprescindibilidade de conformação das atividades da autarquia
federal com a cláusula geral de resguardo das funções social, econômica, jurídica e técnica. Possibilidade do INPI intervir no
âmbito negocial de transferência de tecnologia, diante de sua missão constitucional e infraconstitucional de regulamentação
das atividades atinentes à propriedade industrial. Inexistência de extrapolação de atribuições. STJ. REsp. 1.200.528/RJ, Rel.
Min. Francisco Falcão, julgado em 16/02/2017.

Tornou-se evidente que o sistema de patentes não teria um fim em si mesmo. Proteger patente de invenção não seria o
objetivo do sistema de patentes. O objetivo seria promover a atividade inventiva, o avanço tecnológico e a transferência
e a capacitação tecnológica, remunerando equitativamente o inventor e almejando um fim maior: promover o
desenvolvimento científico, econômico, social e tecnológico.
Assim, com o objetivo de impulsionar a pesquisa nacional e a criação de soluções tecnológicas que aperfeiçoassem a
atuação do setor produtivo, foi promulgada a EC nº 85/2015 (inseriu os §§ 6º e 7º ao art. 218, o parágrafo único ao art.
219 e os artigos 219-A e 219-B, dentre outros).
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e
tecnológica e a inovação.
§ 6º O Estado, na execução das atividades previstas no caput , estimulará a articulação entre entes, tanto públicos quanto
privados, nas diversas esferas de governo.
§ 7º O Estado promoverá e incentivará a atuação no exterior das instituições públicas de ciência, tecnologia e inovação,
com vistas à execução das atividades previstas no caput.
Art. 219. Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos
demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais
ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e
transferência de tecnologia.

Nesse diapasão, a Lei nº 13.243/2016 alterou a Lei nº 10.973/2004, aprimorando as regras para transferência de recursos
e contratação de bens e serviços, e tornando mais flexíveis as regras orçamentárias, entre outras medidas.

Posteriormente, o Decreto nº 9.283/2018 afastou expressamente a aplicação de


normas que dificultavam a execução de atividades na área de pesquisa,
desenvolvimento e inovação, simplificando o regime de prestação de contas, de
movimentação orçamentária, de recebimento de recursos de empresas para
executar projetos em universidades e de cessão de imóveis para criar os
denominados “ambientes promotores de inovação”.
Em 2019, os depositantes residentes depositaram 5.465 pedidos, o que representou uma elevação de 9,7% em relação ao
ano anterior, quando foram recebidos 4.980 depósitos.

Os não residentes apresentaram um pequeno aumento de 0,3% em seus depósitos, que variaram de 19.877, em 2018, para
19.931 em 2019. Consequentemente, a participação dos pedidos dos residentes evoluiu de 20,0% em 2018 para 21,5% em
2019.

Conclui-se, assim, que o sistema de patentes representa uma dubiedade entre a eficiência dinâmica – de que a patente funciona como
incentivo à inovação – e a ineficiência estática, gerada pelo poder de monopólio permitido pela patente.

O desafio constante é delinear um mecanismo de proteção eficiente que forneça incentivos à inovação ao mesmo tempo em que
minimize os custos sociais associados ao monopólio.
II – PATENTE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS, QUÍMICOS E ALIMENTÍCIOS

PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, 1966*

Artigo 11
1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à
alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medida
apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no
livre consentimento.
2. Os Estados-partes no presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente
e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessários para:
a) melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos,
pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e
a utilização mais eficazes dos recursos naturais.
b) assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos
países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios.

Artigo 12
1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.
2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que
se façam necessárias para assegurar:
a) a diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças;
b) a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;
c) a prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças;
d) a criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade.

*Promulgado pelo Decreto nº 591/1992


TRADE-RELATED ASPECTS OF INTELLECTUAL PROPERTY RIGHTS – TRIPS, 1994*

Artigo 8 - Princípios
1. Os membros, ao formular ou emendar suas leis e regulamentos, podem adotar medidas necessárias para proteger a saúde e nutrição públicas e para
promover o interesse público em setores de importância vital para seu desenvolvimento socioeconômico e tecnológico, desde que estas medidas sejam
compatíveis com o disposto neste acordo.
2. Desde que compatíveis com o disposto neste acordo, poderão ser necessárias medidas apropriadas para evitar o abuso dos direitos de propriedade
intelectual por seus titulares ou para evitar o recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem adversamente a
transferência internacional de tecnologia.

Artigo 27 – Matéria patenteável


1. Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será
patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4 do artigo
65, no parágrafo 8 do artigo 70 e no parágrafo 3 deste artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação
quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente.

Artigo 70 - Proteção da Matéria Existente


8. Quando um Membro, na data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, não conceder proteção patentária a produtos farmacêuticos nem
aos produtos químicos para a agricultura em conformidade com as obrigações previstas no Artigo 27, esse Membro:
a) não obstante as disposições da Parte VI, estabelecerá, a partir da data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, um meio pelo qual os
pedidos de patente para essas invenções possam ser depositados;
b) aplicará as essas solicitações, a partir da data de aplicação deste Acordo, os critérios de patentabilidade estabelecidos neste instrumento como se tais
critérios estivessem sendo aplicados nesse Membro na data do depósito dos pedidos, quando uma prioridade possa ser obtida e seja reivindicada, na
data de prioridade do pedido;
c) estabelecerá proteção patentária, em conformidade com este Acordo, a partir da concessão da patente e durante o resto da duração da mesma, a
contar da data de apresentação da solicitação em conformidade com o artigo 33 deste Acordo, para as solicitações que cumpram os critérios de proteção
referidos na alínea (b) acima.

* Promulgado pelo Decreto nº 1.355/1994. Vigência a partir de 1º/01/1995.


 África do Sul

Em fevereiro de 1998, a South African Pharmaceutical Manufacturers Association e 40 laboratórios, em sua maior parte
multinacionais, entraram com uma ação contra o governo da África do Sul sob a alegação de que dispositivos da legislação sul-
africana (Amendment Act) violavam a constituição sul-africana e o TRIPS. O objetivo do Amendment Act era introduzir um marco
legal que permitisse promover a competição e aumentar a disponibilidade de medicamentos a preços acessíveis, mediante a
utilização de produtos genéricos, preços transparentes para todos os medicamentos e a importação paralela de produtos
patenteados.

Os EUA ameaçavam suspender os benefícios comerciais e aplicar outras sanções ao


governo sul-africano. A ajuda norte-americana ao desenvolvimento da África do Sul foi
condicionada à retirada de tais dispositivos*. A UE adotou idêntica postura e aliou-se aos
EUA para pressionar o governo sul-africano a rejeitar a nova legislação. Sob o forte
escrutínio da opinião pública, os EUA modificaram sua posição no final de 1999.

Durante o julgamento, foi constatado que o projeto de emenda da lei sul-africana havia sido
elaborado pela OMPI, fato que minava o argumento de que a emenda violava as obrigações
da África do Sul no âmbito da OMC. A ação foi retirada em abril de 2001.

*Us public law 105-277 (105th congress, 1999) estabeleceu que “...None of the funds appropriated under this heading may be available for assistance for the central government of the republic of south africa,
until the secretary of state reports in writing to the appropriate committees of the congress of south africa to negotiate the repeal, suspension, or termination of section 15 (c) of south africa’s medicines and
related substances control amendment act n. 90 of 1997”.Unctad. Intellectual property rights: implications for development. UNCTAD 2003.
 Brasil
Lei 9.279/96. Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma
abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.
§ 1º Ensejam, igualmente, licença compulsória:
I - A não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a
falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação; ou
II - A comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado.
§ 2º A licença só poderá ser requerida por pessoa com legítimo interesse e que tenha capacidade técnica e econômica para realizar a
exploração eficiente do objeto da patente, que deverá destinar-se, predominantemente, ao mercado interno, extinguindo-se nesse caso a
excepcionalidade prevista no inciso I do parágrafo anterior.
§ 3º No caso de a licença compulsória ser concedida em razão de abuso de poder econômico, ao licenciado, que propõe fabricação local,
será garantido um prazo, limitado ao estabelecido no art. 74, para proceder à importação do objeto da licença, desde que tenha sido
colocado no mercado diretamente pelo titular ou com o seu consentimento.
§ 4º No caso de importação para exploração de patente e no caso da importação prevista no parágrafo anterior, será igualmente admitida
a importação por terceiros de produto fabricado de acordo com patente de processo ou de produto, desde que tenha sido colocado no
mercado diretamente pelo titular ou com o seu consentimento.
§ 5º A licença compulsória de que trata o § 1º somente será requerida após decorridos 3 (três) anos da concessão da patente.

Em janeiro de 2001, os EUA solicitaram a abertura de um painel na OMC contra o Brasil sob o argumento de
inconsistência do artigo 68 da LPI com as obrigações assumidas no TRIPS.

Num momento em que o programa brasileiro de acesso universal e gratuito aos medicamentos para a AIDS começava a
ser reconhecido internacionalmente, a preocupação norte-americana era a de que outros países introduzissem o
exemplo brasileiro em seus ordenamentos jurídicos internos, gerando um impacto negativo nas rendas das empresas
norte-americanas que controlavam a produção e a comercialização de medicamentos em escala mundial.
Em defesa, o Brasil ameaçava abrir um painel contra os EUA questionando o artigo 204 (Preference for United States
Industry) da US Code, que estabelecia o requisito de exploração local para invenções criadas por pequenas empresas
ou organizações sem fins lucrativos*; e o Technology Transfer Commercialization Act of 2000, que dispunha sobre a
concessão de licença exclusiva, ou parcialmente exclusiva, de invenções de propriedade do Estado, se isso constituísse
um incentivo necessário para atrair o investimento necessário à aplicação prática da invenção ou para promover a
utilização da invenção pelo público**.

Em junho de 2001, os EUA retiraram o painel contra o Brasil sob o compromisso brasileiro de não prosseguir no
questionamento da lei de patentes norte-americana* e “without prejudicie of the US and Brazil’s different interpretations
of the consistency of Article 68 with the TRIPS Agreement”, ou seja, não significava o reconhecimento, pelos EUA, da
compatibilidade da legislação brasileira com os dispositivos de TRIPS.

Essa questão, como se revelou nos anos seguintes, voltaria a ser suscitada durante
as revisões da Special 301, em que a suposta incompatibilidade do artigo 68 ainda
foi invocada, ao lado de outras queixas (anuência prévia da Anvisa e backlog de
patentes), pela indústria farmacêutica para manter o Brasil “sob observação”.

*Quando pequenas empresas ou entidades sem fins lucrativos obtiverem patentes sobre invenções financiadas pelo Estado, as patentes só serão licenciadas a
terceiros com exclusividade se os potenciais licenciados concordarem “em que os produtos que incorporem a invenção ou que sejam produzidos mediante o
uso da invenção serão fabricados substancialmente nos Estados Unidos”.
**Trade Policy Review, doc. WT/TPR/S/126.
***O embaixador José Alfredo Graça Lima, ao explicar a razão pela qual não se faz menção, no comunicado conjunto, ao compromisso brasileiro de retirar a
ação contra os EUA, afirma: “Não havia necessidade de mencionar uma ‘contrapartida’ na forma de retirada da queixa. Bastava que o lado brasileiro deixasse
de cumprir os prazos para prosseguimento da ação que o case automaticamente deixava de existir”.
O impacto negativo das patentes na efetivação dos direitos humanos foi objeto de análise de organizações multilaterais além da OMC.
A Subcomissão sobre Direitos Humanos da ONU afirmou que “existem reais ou potenciais conflitos entre a implementação do Acordo
TRIPS e a realização de direitos econômicos, sociais e culturais” e dentre esses conflitos destacou as “restrições ao acesso a
medicamentos patenteados e suas implicações ao gozo do direito à saúde”*

Em 2001, a Comissão de Direitos Humanos da ONU aprovou a Resolução nº 33**, proposta


pelo Brasil, que classificou o acesso a medicamentos essenciais como um direito humano à
saúde. De acordo com essa resolução, países membros das Nações Unidas devem adotar
legislação “para salvaguardar o acesso a farmacêuticos (...) de limitações impostas por
terceiras partes”.

DECLARAÇÃO DE DOHA SOBRE O ACORDO TRIPS E SAÚDE PÚBLICA, 2001***

1. Reconhecemos a gravidade dos problemas de saúde pública que afligem muitos países em desenvolvimento e países menos
desenvolvidos, especialmente aqueles que resultam do HIV/AIDS, da tuberculose, da malária e de outras epidemias.

4. Concordamos que o Acordo TRIPS não deve e não pode prevenir os países membros de adotar medidas para proteger a saúde
pública. Deste modo, ao mesmo tempo que reiteramos nosso compromisso com o Acordo TRIPS, afirmamos que o Acordo pode e
deve ser interpretado e implementado de modo a implicar apoio ao direito dos Membros da OMC de proteger a saúde pública e, em
particular, de promover o acesso de todos aos medicamentos.

*United Nations High Commissioner for Human Rights. ”Intellectual property rights and human rights. Sub-Commission on Human Rights Resolution 2000/7”.
**United Nations. Commission on Human Rights. ”Access to medication in the context of pandemics such as HIV/AIDS”. E/CN.4/Res/2001/33.
***https://bioeticaediplomacia.org/wp-content/uploads/2013/10/Declaracao-sobre-o-Acordo-de-TRIPS.pdf
O Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU* declarou que:

“qualquer regime de propriedade intelectual que torne mais difícil para um Estado parte
cumprir com suas obrigações centrais especialmente em relação a saúde, alimentação e
educação, ou qualquer outro direito previsto no Pacto, é incompatível com as obrigações
legais vinculantes desse Estado parte”.

Ainda, em seu Comentário Geral nº 17/2006, esclareceu que os Estados signatários do Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, como o Brasil, “(...) têm a obrigação de prevenir que preços excessivamente elevados
para o acesso a medicamentos essenciais (…) prejudiquem o direito à saúde de grandes segmentos da população”.

Em 2009, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou a Resolução 12/24**, que “reconhece que o acesso aos
medicamentos é um dos elementos fundamentais para alcançar progressivamente a total realização do direito do pleno
usufruto do mais alto padrão possível de saúde física e mental” e “salienta a responsabilidade dos estados de assegurarem
o acesso de todos, sem discriminação, aos medicamentos, em particular os medicamentos essenciais, que são acessíveis,
seguros, eficazes e de boa qualidade”.

*United Nations. Substantive Issues Arising in the Implementation of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights. Follow-up to the day of General Discussion
on Article 15.1 (C), Monday, 26 November 2001. Human Rights and Intellectual Property. Statement by the Committee on Economic Social and Cultural Rights. E/C.12/2001/15, Par.
12.
**United Nations. General Assembly. Human Rights Council. Resolution 12/24. Access to medicine in the context of the right of everyone to the enjoyment of the highest attainable
standard of physical and mental health. A/HRC/Res/12/24. Paragraph 1. (2009).
Em junho de 2022, os 164 países membros da OMC aprovaram um acordo (Pacote de Genebra) de quebra temporária das
patentes das vacinas contra a Covid-19 (destinadas aos países em desenvolvimento, foi adotada para facilitar a produção
local dos imunizantes) e de ações para lutar contra a insegurança alimentar no mundo, que cresceu com a invasão da
Rússia à Ucrânia (diminuiu a oferta de cereais e fertilizantes, provocando o aumento dos preços e expondo milhões de
pessoas à fome) - protegendo as compras de alimentos feitas pelo Programa Alimentar Mundial de restrições que poderiam
ser impostas por alguns países.

13. We further reaffirm that Members have the right to use, to the full, the TRIPS Agreement and the Doha Declaration on the TRIPS
Agreement and Public Health of 2001, which provide flexibility to protect public health including in future pandemics.

15. We recognize that increasing the level of global preparedness to COVID-19 and future pandemics requires strengthened
productive, scientific and technological capacity across the world. We also recognize that such capacity is instrumental for developing
solutions to public health crises beyond COVID-19, including those relating to HIV/AIDS, tuberculosis, malaria and other epidemics, as
well as neglected tropical diseases, and for diversifying manufacturing locations. In line with WTO rules, we underscore the importance
of promoting technology transfer that contributes to building capacity in related sectors.

Fonte: https://docs.wto.org/dol2fe/Pages/SS/directdoc.aspx?filename=q:/WT/MIN22/31.pdf&Open=True
A Lei nº 14.353/2022 foi promulgada com o objetivo de fornecer instrumentos alternativos que viabilizem a resolução de contenciosos
comerciais de interesse do Brasil enquanto o Órgão de Apelação da OMC não reestabelecer sua capacidade operacional, paralisada
desde 2019 em função da impossibilidade de nomear novos integrantes. Isso porque, em caso de decisão favorável ao Brasil, a parte
perdedora pode optar por eximir-se das consequências da condenação por meio de apelação - por tempo indeterminado -, e em prejuízo
dos direitos estabelecidos nos acordos da OMC e dos interesses comerciais do Brasil. As regras multilaterais vigentes, contidas no
Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC), não preveem quaisquer mecanismos para
remediar tais situações.

Assim, à Câmara de Comércio Exterior – CAMEX foi atribuída competência para suspender concessões e outras obrigações em
retaliação a membros da OMC que se utilizem dessas apelações como manobra legal para impedir a resolução de um contencioso (em
consonância com o Regulamento UE 654/2014.

A Lei nº 14.353/2022 também alterou a Lei nº 12.270/2010, que dispõe sobre a retaliação relativas aos DPI.
Art. 1º Esta lei dispõe sobre medidas de suspensão de concessões ou de outras obrigações do país relativas aos direitos de propriedade intelectual e outros, na
hipótese de descumprimento de obrigações multilaterais por Membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), nas seguintes hipóteses:
I – A República Federativa do Brasil for autorizada pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC a suspender a aplicação de concessões ou de outras
obrigações para o referido Membro previstas em acordos da OMC; ou
II - O Relatório de Grupo Especial da OMC confirmar, no todo ou em parte, as alegações apresentadas pela República Federativa do Brasil, na condição de parte
demandante, desde que:
a) exista apelação pelo Membro da OMC, na condição de parte demandada, nos termos do artigo 17 do Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos
sobre Solução de Controvérsias, constante do Anexo 2 da Ata Final que incorpora os resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do
GATT, promulgada pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994;
b) não possa a apelação ser apreciada pelo Órgão de Apelação ou não possa o Relatório deste último ser aprovado pelo Órgão de Solução de Controvérsias da
OMC; e
c) tenha decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias após notificação da República Federativa do Brasil ao Membro da OMC demandado sobre a intenção de
suspensão de concessões ou de outras obrigações.
Parágrafo único. Na hipótese prevista no inciso II do caput deste artigo, a suspensão de concessões ou de outras obrigações não será superior à anulação ou
aos prejuízo os causados aos benefícios comerciais do país pelo referido membro da OMC.
 Backlog de patentes e a postergação abusiva (evergreening)

Lei nº 9.279/96. Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data
de depósito.
Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a
contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou
por motivo de força maior.

O dispositivo (considerado TRIPS-Plus) passou a garantir uma proteção amplíssima às invenções


farmacêuticas, por no mínimo 20 anos, mas sem um termo final pré-definido. Com isso, disseminou-se a
chamada “evergreening” (perenização ou postergação abusiva), que consiste no depósito sucessivo de
pedidos de patentes derivadas (inovações incrementais – me toos) de uma patente original (produto já
existente ou processo já conhecido), no intuito de prolongar a exploração exclusiva para além dos 20
anos, mesmo ausente qualquer benefício real para a sociedade.

Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/1996. Lei de propriedade industrial. Ampliação do prazo
de vigência de patentes na hipótese de demora administrativa para a apreciação do pedido. Indeterminação do prazo de exploração
exclusiva do invento. Ofensa à segurança jurídica, à temporalidade da patente, à função social da propriedade intelectual, à duração
razoável do processo, à eficiência da administração pública, à livre concorrência, à defesa do consumidor e ao direito à saúde.
Procedência do pedido. Modulação dos efeitos da decisão. STF, Plenário, ADI n° 5.529/DF, julgada em 12/05/2021.*

*http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código A32E-B354-DF4E-F58A e senha 859D-611D-95EE-BCE4


(...) 7. Estando vigente o parágrafo único do art. 40, o prazo entre o depósito e a concessão de uma patente sempre será indeterminado, com ou sem backlog no INPI, visto que o
tempo de processamento pelo escritório de patentes é um elemento indeterminado, dadas a complexidade envolvida na análise desse tipo de pedido - que é variável e depende do
produto e do setor tecnológico pertinentes - e as intercorrências que podem ocorrer no trâmite administrativo –, algumas delas ensejadas pelos próprios requerentes no intuito de se
beneficiarem da extensão automática prevista na norma questionada. Nesse sentido, mesmo que o INPI venha a superar o atraso crônico na análise dos pedidos de patentes,
remanescerá a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40. 8. A prorrogação do prazo de vigência da patente prevista na Lei de Propriedade Industrial, além de não
contribuir para a solução do atraso crônico dos processos submetidos ao INPI, acaba por induzir ao descumprimento dos prazos previstos no caput do art. 40, pois ameniza as
consequências da mora administrativa e prolonga o período de privilégio usufruído pelos depositantes, em prejuízo dos demais atores do mercado, além da própria Administração
Pública e da sociedade como um todo. Há elementos suficientes nos autos que apontam para o fato de que a norma questionada retroalimenta o backlog, contribuindo para gerar o
fenômeno que ela busca contornar, em direta afronta aos princípios da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF) e da eficiência administrativa (art. 37, caput, CF). 9. O
impacto da extensão do prazo de vigência de patentes no Sistema Único de Saúde (SUS) é digno de atenção, pois, sendo ele um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo
e contando com uma rede de atendimento que visa universalizar o acesso à saúde gratuita, demanda recursos públicos compatíveis com sua amplitude e complexidade, os quais,
todavia, esbarram em problemas financeiros e orçamentários típicos de um país em desenvolvimento como o Brasil. O domínio comercial proporcionado pela patente por períodos
muito longos tem impacto no acesso da população a serviços públicos de saúde, uma vez que onera o sistema ao eliminar a concorrência e impor a aquisição de itens
farmacêuticos por preço estipulado unilateralmente pelo titular do direito, acrescido do pagamento de royalties sobre os itens patenteados que o Poder Público adquire e distribui.
(...)

11. O prolongamento indevido dos prazos de vigência de patentes farmacêuticas reveste-se de caráter injusto e inconstitucional, por privilegiar o interesse particular em detrimento
da coletividade, impactando de forma extrema a prestação de serviços de saúde pública no país e, consequentemente, contrariando o direito constitucional à saúde (art. 196 da
Constituição de 1988). A extensão do prazo de vigência das patentes afeta diretamente as políticas públicas de saúde do país e obsta o acesso dos cidadãos a medicamentos,
ações e serviços de saúde, causando prejuízos não apenas a concorrentes e consumidores, mas, principalmente, àqueles que dependem do Sistema Único de Saúde para garantir
sua integridade física e sua sobrevivência. 12. A indeterminação do prazo contido no parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279/1996 gera insegurança jurídica e ofende o próprio
Estado Democrático de Direito. A previsibilidade quanto ao prazo de vigência das patentes é essencial para que os agentes de mercado (depositantes, potenciais concorrentes e
investidores) possam fazer escolhas racionais. Ademais, a ausência de regras claras dá margem ao arbítrio e à utilização oportunista e anti-isonômica das regras do jogo, tais
como as estratégias utilizadas pelos depositantes para prolongar o período de exploração exclusiva dos produtos. (...)

15. O parágrafo único do art. 40 da LPI autoriza o adiamento da entrada da concorrência no mercado e a permanência dos efeitos da exclusividade por prazo indeterminado e
excessivo, proporcionando a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, profundando a desigualdade entre os agentes econômicos
e transformando o que era justificável e razoável em inconstitucional, estando configurada, portanto, ofensa à função social da propriedade intelectual (art. 5º, inciso XXIX, c/c o art.
170, inciso III), à livre concorrência e à defesa do consumidor (art. 170, incisos IV e V).
Trecho do Voto Ministro Dias Toffoli (Relator). Nos Estados Unidos, onde o prazo total de vigência das patentes também é de 20
anos, a contar do depósito do respectivo pedido, a Lei de Patentes prevê o instituto do Patent Term Adjustment (PTA), que
consiste no ajuste de um dia de prazo, a contar de 3 anos de processamento do pedido, para cada dia de atraso atribuível ao
escritório de patentes, excluídos os dias de atraso por culpa do requerente. Há também o instituto do Patent Term Extension
(PTE), aplicável aos produtos que demandam análise de autoridades regulatórias antes da decisão do escritório de patentes,
como é o caso dos medicamentos. A extensão depende de requerimento do interessado e sua duração equivale à soma dos
períodos de teste e de aprovação do produto, até o máximo de 5 anos (35 U.S.C. § 154 e 35 U.S.C. § 156). Trata-se de
instrumentos de extensão diferentes do adotado pelo Brasil. No caso do PTA, a contabilidade do período acrescido ao prazo de
vigência decorre da aferição do atraso que é atribuível ao escritório de patentes, subtraída a demora causada pelo próprio
requerente, o que denota uma análise de cada caso concreto, de acordo com os parâmetros indicados na lei, e não uma
prorrogação automática. Por sua vez, o PTE demanda requerimento do interessado, é direcionado a setor tecnológico específico
e diz respeito ao tempo de decisão de autoridades regulatórias, e não a todo o processo perante o escritório de patentes. O PTA,
originário dos EUA, foi incorporado às legislações do Chile, da Colômbia, da Coreia do Sul, do Peru e de Singapura,
valendo destacar que, na Colômbia e no Peru, não se reconhece tal extensão às patentes farmacêuticas, com
fundamento na “relação entre a ampla concorrência e o acesso a medicamentos em países em desenvolvimento”.

As empresas transnacionais têm buscado outras estratégias. Dentre elas, a Johnson & Johnson moveu uma ação
(Processo nº 1054432-34.2021, 14ª Vara Federal/DF) buscando impedir a revisão do prazo de vigência de uma de suas
patentes (que protegia o medicamento Stelara®), realizada pelo INPI em cumprimento à ADI 5.529. A empresa alegou
que houve demora desproporcional e injustificada do órgão, sem que tenha havido, da parte dela, qualquer contribuição
para isso. A autora pedia compensação prorrogando-se o prazo de vigência da patente pelo período equivalente ao
atraso, cuja extensão entende deva ser apurada mediante perícia. No entanto, o juízo examinou o feito administrativo e
não vislumbrou ilegalidade por parte do INPI. Afirmou ainda que a sua decisão (que alterou o prazo de 7/2/2027, para
7/8/2021), está na exata consonância com o conteúdo da decisão do Ministro Relator Dias Tofolli.
O sistema denominado mailbox consistiu em mecanismo transitório adotado para salvaguarda de pedidos de patentes relacionadas a produtos farmacêuticos e
produtos agroquímicos, cuja tutela jurídica resultou da internalização no país, em 1/1/1995, do Acordo TRIPS. Tratando-se de patentes excepcionalmente
requeridas pelo sistema mailbox, a LPI, em suas disposições finais e transitórias, estabeleceu regra expressa assegurando proteção, a partir da data da
respectiva concessão, limitada ao prazo remanescente previsto no caput do seu art. 40 (20 anos contados do dia do depósito), circunstância que afasta, como
corolário, a possibilidade de incidência do prazo excepcional do respectivo parágrafo único (10 anos a partir da concessão). (...) Conforme decidido pelo STF
(ADI 5.529/DF), a indeterminação do prazo contido no parágrafo único do art. 40 da LPI gera insegurança jurídica e ofende o próprio estado democrático de
direito. Inexistência, na espécie, de violação à proteção da boa-fé e da segurança jurídica. (...) Ao titular da patente é assegurado, pelo art. 44 da LPI, o direito de
obter indenização por exploração indevida de seu objeto a partir da data da publicação do pedido (e não apenas a partir do momento em que a patente é
concedida). Dessa forma, apesar da expedição tardia das cartas-patente pelo INPI, as invenções não estiveram desprovidas de amparo jurídico durante esse
lapso temporal. Para os fins do art. 927 do CPC/15, fixa-se a seguinte tese: O marco inicial e o prazo de vigência previstos no parágrafo único do art. 40 da LPI
não são aplicáveis às patentes depositadas na forma estipulada pelo art. 229, parágrafo único, dessa mesma lei (patentes mailbox). STJ, Resp. 1869959-RJ,
tema repetitivo 1065, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 27/04/2022.

O regime de patente nominado pipeline autoriza a revalidação, no território nacional, de patente concedida ou depositada em outro país, isso ao se observarem
certas condições. Para sua concessão, o princípio da novidade é mitigado e sequer são examinados os requisitos usuais para a patente. Então, é clara sua
natureza excepcional, de caráter temporário, pois esse regime não é previsto em tratados internacionais. Vem daí a necessidade de ser interpretado
restritivamente, seja por contrapor o sistema comum de patentes seja por restringir a concorrência e a livre iniciativa. Então, quando no trato de vigência dessa
qualidade de patente, seu prazo de proteção nesse país deve ser o remanescente que a patente tem no exterior, contado a partir da data do primeiro depósito
no sistema de concessão original (o primeiro depósito no exterior), prazo que deve incidir desde a data do depósito no Brasil, limitado tal período a 20 anos.
Anote-se que se considera o dia do primeiro depósito como o termo inicial de contagem do prazo remanescente mesmo que esse depósito seja abandonado
pelo depositante; pois, a partir daquele primeiro fato já surge a proteção ao invento (prioridade unionista), conforme apregoam os arts. 40 e 230, § 4º, da Lei
9.279/96; art. 33 do Acordo TRIPS e art. 4º bis da CUP. Diante disso, constata-se que nem sempre a data de entrada em domínio público da patente pipeline no
Brasil vai corresponder à data no exterior, o que é justificado pelo princípio da independência das patentes (art. 4º bis da CUP), aplicável de modo absoluto. Vale
anotar, por último, que o art. 5º, XXIX, da CF/88 elege, junto com o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, o interesse social como norte a ser
considerado no trato de direitos de propriedade industrial, além de o art. 5º da LICC dispor que o juiz deve atender aos fins sociais e ao bem comum quando
aplicar a lei. Com esses fundamentos, a Turma negou provimento ao especial do laboratório de medicamentos, pois o primeiro depósito do pedido de patente, no
exterior, da medicação em questão, que foi efetivamente abandonado (depois, foi novamente formulado), data de fevereiro de 1990 e o pedido de revalidação no
país é de junho de 1996, daí que correta a estipulação pelo INPI do prazo de vigência até fevereiro de 2010. REsp 1.145.637-RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina
(Desembargador convocado do TJ-RS), j. em 15/12/2009. No mesmo sentido: REsp 1092139-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, T3, j. em 21/10/2010 e
REsp. 1201454-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, T3, j. em 14/10/2014.
III – MARCAS NOTORIAMENTE CONHECIDAS

CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS PARA A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, 1883*


Artigo 6 bis
1. Os países da união comprometem-se a recusar ou invalidar o registro, quer administrativamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido do
interessado e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, suscetíveis de estabelecer
confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registro ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já
marca de uma pessoa amparada pela presente convenção, e utilizada para produtos idênticos ou similares. O mesmo sucederá quando a parte
essencial da marca constitui reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação suscetível de estabelecer confusão com esta.

TRADE-RELATED ASPECTS OF INTELLECTUAL PROPERTY RIGHTS – TRIPS, 1994*


Artigo 16 - Direitos conferidos
1. O titular de marca registrada gozará do direito exclusivo de impedir que terceiros, sem seu consentimento, utilizem em operações comerciais sinais
idênticos ou similares para bens ou serviços que sejam idênticos ou similares àqueles para os quais a marca está registrada, quando esse uso possa
resultar em confusão. No caso de utilização de um sinal idêntico para bens e serviços idênticos presumir-se-á uma possibilidade de confusão. Os
direitos descritos acima não prejudicarão quaisquer direitos prévios existentes, nem afetarão a possibilidade dos membros reconhecerem direitos
baseados no uso.
2. O disposto no artigo 6bis da convenção de paris (1967) aplicar-se-á, mutatis mutandis, a serviços. Ao determinar se uma marca é notoriamente
conhecida, os membros levarão em consideração o conhecimento da marca no setor pertinente do público, inclusive o conhecimento que tenha sido
obtido naquele membro, como resultado de promoção da marca.
3. O disposto no artigo 6bis da convenção de paris (1967) aplicar-se-á, mutatis mutandis, aos bens e serviços que não sejam similares àqueles para
os quais uma marca esteja registrada, desde que o uso dessa marca, em relação àqueles bens e serviços, possa indicar uma conexão entre aqueles
bens e serviços e o titular da marca registrada e desde que seja provável que esse uso prejudique os interesses do titular da marca registrada.

*Com a revisão de Estocolmo de 1967, promulgada pelo Decreto nº 635/1992.


**Promulgado pelo Decreto nº 1.355/1994. Vigência a partir de 1º/01/1995.
Lei nº 9.279/96. Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º
bis (I), da Convenção da União de Paris para proteção da propriedade industrial, goza de proteção especial,
independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil.
§ 1º A proteção de que trata este artigo aplica-se também às marcas de serviço.
§ 2º O INPI poderá indeferir de ofício pedido de registro de marca que reproduza ou imite, no todo ou em
parte, marca notoriamente conhecida.

O art. 6º bis, 1, da Convenção da União de Paris, que foi ratificado pelo Decreto 75.572/75 e cujo teor foi confirmado pelo art. 126 da Lei
9.279/96, confere proteção internacional às marcas notoriamente conhecidas, independentemente de formalização de registro no Brasil, e
vedam o registro ou autorizam seu cancelamento, conforme o caso, das marcas que configurem reprodução, imitação ou tradução suscetível
de estabelecer confusão entre os consumidores com aquela dotada de notoriedade. Referida proteção não fica restrita aos produtos que
sejam registráveis na mesma classe, exigindo-se apenas que sejam integrantes do mesmo ramo de atividade. As marcas notoriamente
conhecidas, que gozam da proteção do art. 6º bis, 1, da CUP, constituem exceção ao princípio da territorialidade, isto é, mesmo não
registradas no país, impedem o registro de outra marca que a reproduzam em seu ramo de atividade. Além disso, não se confundem com a
marca de alto renome, que, fazendo exceção ao princípio da especificidade, impõe o prévio registro e a declaração do INPI de notoriedade e
goza de proteção em todos os ramos de atividade, tal como previsto no art. 125 da Lei 9.279/96. Quando as instâncias ordinárias, com amplo
exame do conjunto fático-probatório, cuja revisão está obstada pela incidência da Súmula 7/STJ, concluem que determinada marca
estrangeira possui notoriedade reconhecida no ramo de suplementos alimentares em diversos países, não havendo dúvida acerca da
possibilidade de provocar confusão nos consumidores, deve, portanto, ser mantido o cancelamento do registro da marca nacional de nome
semelhante. Recurso especial conhecido e desprovido. STJ. REsp. 1447352/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, j. em
14/06/2016.*

*Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
As marcas de alto renome, registradas previamente no INPI como tal, gozam, nos termos do art. 125 da Lei 9.279/96, de proteção em todos os
ramos de atividade, enquanto as marcas notoriamente conhecidas gozam de proteção internacional, independentemente de formalização de
registro no Brasil, apenas em seu ramo de atividade, consoante dispõem os arts. 126 da referida lei e 6º bis, 1, da Convenção da União de
Paris, ratificada pelo Decreto 75.572/75. Neste último, é plenamente aplicável o princípio da especialidade, o qual autoriza a coexistência de
marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos. O aludido princípio visa a evitar a
confusão no mercado de consumo do produto ou serviço prestado por duas ou mais marcas, de modo que, para tanto, deve ser levado em
consideração o consumidor sob a perspectiva do homem médio. No caso dos autos, o uso das duas marcas não é capaz de gerar confusão aos
consumidores, assim considerando o homem médio, mormente em razão da clara distinção entre as atividades realizadas por cada uma delas.
Não há risco, de fato, de que o consumidor possa ser levado a pensar que a danceteria seria de propriedade (ou franqueada) da MOET
CHÂNDON francesa, proprietária do famoso champanhe. Não se tratando a recorrente de marca de alto renome, mas de marca notoriamente
conhecida e, portanto, protegida apenas no seu mesmo ramo de atividade, não há como alterar as conclusões constantes do acórdão recorrido.
Recurso especial improvido. STJ. REsp. 1209919/SC, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região), Quarta
Turma, j. em 13/03/2018.

 Resolução alternativa de disputa (WIPO Arbitration and Mediation Center)

A colaboração entre o INPI e a OMPI foi oficializada por meio da assinatura do Memorando de
Entendimento, em 12 de setembro de 2012. Desde 15 de julho de 2013, o INPI oferece às partes a opção de
mediação para resolver a controvérsia via mediação, de acordo com o regulamento de mediação da OMPI.

No compromisso e requerimento de mediação, as partes podem adaptar o procedimento de mediação de


acordo com suas necessidades, estabelecendo, por exemplo, a abrangência da disputa, o tempo destinado
para a mediação e o idioma a ser utilizado durante a mediação (tais assuntos podem igualmente ser
acordados após a nomeação do mediador).
Caso nº DBR 2013-0010* (Microsoft Informática LTDA/Brasil x Microsoft Corporation/EUA)

A reclamante é titular de inúmeras marcas no Brasil para assinalar produtos e serviços


(...) marca nº 823629198 XBOX (...); marca nº 825029848 XBOX (...); marca nº
824867097 XBOX LIVE (...), e marca nº 829056424 XBOX 360 (...), conforme prova
apresentada (...) e o seu registro é anterior aos nomes de domínio em disputa. (...)

Em outras decisões em procedimentos administrativos envolvendo as marcas da


reclamante XBOX e XBOX LIVE foi entendido que estas são famosas e notoriamente
conhecidas (...)

Os nomes de domínio em disputa reproduzem na íntegra a marca da reclamante adicionando apenas o sufixo “one” – que
significa número um na língua inglesa – e o número “1” respectivamente, sendo que nenhum confere qualquer característica ou
diferenciação que permita, se outras questões não se verificassem, afastar a confundibilidade com a marca da reclamante. Ora,
de acordo com o regulamento, o teste para aferir a identidade e/ou a confundibilidade tem que ser limitado à comparação direta
entre, no caso concreto, os direitos de marca da reclamante e os nomes de domínio em disputa do reclamado, o que, como
verificamos acima, não deixa qualquer tipo de dúvida, uma vez que o elemento principal e distintivo dos nomes de domínio em
disputa é o termo “XBOX”, que reproduz na íntegra a marca da reclamante. Quanto ao sufixo, é assente na jurisprudência do
Centro que acrescentar termos genéricos a marcas anteriormente registradas e conhecidas do mercado não é suficiente para
afastar a similaridade entre as marcas e o nome de domínio, nem afastar a possibilidade de confusão entre os mesmos.

(...) a reclamante apresentou provas suficientes de que sua marca XBOX é notoriamente conhecida, o que leva os
especialistas a concluírem que o reclamado não poderia desconhecer a existência da marca XBOX e a titularidade da
reclamante sob a mesma. Assim, entendem os especialistas que o reclamado não possui direitos ou interesses legítimos
com relação aos nomes de domínio em disputa.

*https://www.Wipo.Int/amc/en/domains/search/text.Jsp?Case=dbr2013-0010
 Rússia

Como forma de demonstrar repúdio à invasão na Ucrânia, empresas multinacionais interromperam as atividades na Rússia e
suspenderam atuação no território. Essas sanções, em consequência, acabaram provocando reações do governo russo. Uma
delas pode abrir precedentes para mudanças nas regras internacionais em torno dos DPI.

O Ministério da Economia e Desenvolvimento da Rússia chegou a declarar que


consideraria as restrições de marcas que tivessem deixado à Rússia ou que
fossem aliadas de países considerados inimigos.

O departamento russo responsável pelo registro de propriedade intelectual


aprovou o pedido de uma marca da empresa “Uncle´s Vanya” com um logo similar
ao do McDonald’s, indo contra às regras internacionais de proteção dos DPI.

Essa aprovação quebra o TRIPS, o que pode e deverá ter um impacto significativo
em todo o mundo, pois abriu precedente para outros países – que se sentirem
desfavorecidos nos acordos internacionais - fazerem o mesmo, colocando em
risco o sistema de propriedade intelectual – em especial a proteção das marcas e
das patentes vigentes - que ordena o comércio nos países membros da OMC.

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