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Práticas Interpretativas e Retórica Musical:

O lugar da Rhythmopoëia na Invenção

Prof. Luiz Henrique Fiaminghi (UDESC) – lhfiaminghi@yahoo.com.br

PPGMUS – UDESC – 2024/1


Aula 02 – 25/03/2024
Musica theorica – musica practica – musica poetica (Cano, p. 37 – 40)

Musica Theorica – especulação teórica sobre a origem do som; Estudo das proporções
numéricas dos intervalos musicais; Pitágoras; relação homem/cosmos/harmonia das
esferas; Boécio – musica mundana/humana e instrumentalis.

Musica practica – manuais práticos destinados a execução musical: notação musical, claves,
ornamentação; interpretação vocal e instrumental; técnica instrumental

Musica poetica – o fim da música é deleitar, comover e educar (delectare, movere, docere - Cícero)
o termo “poética”, do grego poiesis - criar – se refere a teorização, normatização, sistematização e invenção de
instruções, conhecimentos e recursos técnicos com os quais o artista conta no processo de composição.
Nikolaus Listenius em seu tratado Musica (1537) introduz, pela primeira vez, o termo Musica poetica.
Para o séc. XVII, o impacto da retórica na teoria musical não se limitou exclusivamente na terminologia, pois
conceitos e princípios retóricos foram adotados por músicos teóricos e práticos como fundamento de seu
trabalho criativo, ao mesmo tempo que os valores retóricos se começavam a identificar com os valores
musicais.
Joachim Burmeister (1564-1629) – Em seu Musica poetica (1606) é o primeiro texto conhecido que estabelece
uma definição precisa do termo análise musical: “Análise de uma composição é uma determinação de seu
modo particular e suas espécies de contraponto e de afetos dos períodos”.
Afetos – Teoria dos Afetos (Lopes Cano, p. 43 -72)

Miguel de Salinas (1541) – Retórica em lengua castellana:


“Afeto é um movimento ou perturbação que mais apropriadamente dizemos sobre as paixões da
alma, porque segundo as mudanças que oferecem, se inclinam à dor, à alegria, à misericórdia, à
crueldade, ao amor, ao ódio, etc. [...] Toda vitória do bem falar significa aos retóricos saber mover
estes afetos nos ouvintes, segundo a qualidade da causa”.

René Descartes (1649) – Les passion de l’âme:


Descartes define as paixões da alma “como as percepções, ou sentimentos, ou emoções da alma, que
se referem particularmente a ela, e que são causadas, sustentadas e fortificadas por um movimento
dos espíritos [espiritus animales]”.
Os espíritos animais são as partes mais ligeiras do sangue. São uma espécie de ar ou vento muito sutil
que se movimenta por todo o corpo por via da corrente sanguínea. Quando estes espíritos recebem
um estímulo apropriado, se movem rapidamente pelo corpo em direção ao cérebro em que se
internam até suas partes mais profundas. Nestas partes se localiza a glândula pineal, lugar onde
reside a alma. A agitação que a alma experimenta pela ação dos espíritos é a causa direta de uma
paixão.

J. Matheson (1739)- “tudo o que ocorre sem um elogiável afeto, pode ser considerado
como nada, não produz nada, não significa nada”.
Sistema Retórico Clássico – Sistema Retórico Musical

• Aristóteles (384-322 a.C.): Poética, Retórica.


• Cícero (106-43 a.C.): De Inventione, De Oratore, De Optimo Genere, Oratorum,
Partitiones oratoriae, Orador, Topica.
• Anônimo (contemporâneo de Cícero): Rhetorica ad Herennium.
• Quintiliano (35 - aprox.100 d.C.): Institutio Oratoria.

A retórica clássica, baseada nestes autores, foi dividida em cinco partes ou fases
preparatórias do discurso:

I. Inventio - Invenção

II. Dispositio – Disposição

III. Elocutio - Elocução

IV. Memoria – Memória

V. Pronuntiatio – Ação (Performação)


I. INVENTIO
Descobrimento ou invenção das ideias e argumentos que sustentarão o discurso e sua tese.
Para Invenção, foi desenvolvia uma complexa rede de informações conhecida como topica
(tópicas). Esta rede se edificou a partir de uma imagem espacial: cada ideia ocupa um lugar
determinado na mente do orador, cada ideia ocupa um locus ou lugar.
O sistema com que a inventio opera foi denominado tópica (conjunto de tópicos). A rede de
tópica da retórica clássica compreendia sete loci:
Locus a persona: Quis ? (Quem?)
Locus a re: Quid ? (O quê?)
Locus a loco: Ubi? (Aonde?)
Locus ab instrumento: Quibus auxiliaris? (Com o quê?)
Locus a causa: Cur? (Por quê?)
Locus a modo: Quo modo? (Como?)
Locus a tempore: Quando? (Quando?)
Inventio na retórica musical

Os compositores barrocos aplicaram os princípios da inventio retórica para obter ideias ou “argumentos ”
musicais apropriados. Ao sistema operativo da inventio musical se denominou, pleonasticamente, loci topici.
A rede de loci topici mais completa, sistematizada por Johann Mattheson (1681-1767) no Tratado O Mestre de
Capela Perfeito (Der Vollkomene Capellmeiter, 1739), compreende quinze loci diferentes:

1. Locus notationis
2. Locus descriptionis 11. Locus circumstantiarum
3. Locus generis et specie 12. Locus comparatorum
4. Locus Totius et partius 13. Locus oppositorum
5. Locus causae efficientis 14. Locus exemplorum
6. Locus causae materialis 15. Locus testimoniorum
7. Locus causae formalis
8. Locus causae finalis
9. Locus effectorum
10. Locus adjunctorum
1. Locus notationis ou “lugar da notação”

Aqui se localizam as possibilidades criativas que emergem da notação musical per se. Existem quatro casos:

1.1 Valor temporal das notas: é a combinação de diversos pés métricos (rhythmopoeia), repetições por aumentação,
diminuição, etc.

1.2 Intercâmbio de notas: são recursos como a inversão, o retrógrado, o espelhamento ou o retrógrado da inversão de
um sujeito ou tema musical.

1.3 Repetição ou resposta: é a imitação ou complementação de um tema ou ideia musical. Charles Butler (1626),
chama consecution ao seguimento lógico, de acordo com a ordem gramatical determinada de um enunciado musical.

1.4 Imitações em canon: dentre estas a fuga é, por suas características retóricas, o princípio de imitação que foi mais
destacado pelos tratadistas. Athanasius Kircher (1650) a chamou de figura principalis.
George Houle – Meter in Music, 1600-1800: Performance, Perception, and Notation

Cap. III – Rhythmopoeia: Quantitative Meters in Poetry and Music (p. 62 - 75)

“Outra perspectiva sobre a organização métrica é provida pela rhythmopoeia, um estudo que traduz metros
poéticos quantitativos (pés métricos) nos seus equivalentes em música. Rhythmopoeia [na teoria rítmica
grega] definia unidades métricas, diferentemente do tactus, que regulava o fluir da música sem o viés de
agrupamentos métricos. O “pé musical” da rhythmopoeia, equivalente ao pé métrico poético, eram
simétricos ou assimétricos e poderiam ser simplesmente repetidos ou constantemente variados para formar
uma frase”.
dactyl rhythm Rhythmopoeia - Marin Mersenne - Harmonie Universelle (1636)
Johann Mattheson (1681-1764) Rhythmopoeia – Der vollkommene Capellmeister (1739)
Dactyl Rhythm
Chapter VI, part II, p. 354,355

ratio 2:1 – ᴗᴗ Ratio 3:1:2 – ᴗᴗ


Algumas considerações sobre o minueto: dança ou música ? Qual a relação disso tudo com Retórica?

Colon – membro, dois pontos; semicolon – semi-membro; comma - vírgula


Coreografia do minueto segundo Rameau (Pierre Rameau, 1674 – 1748) - Le Maître à Danser (1725, Paris)
https://www.youtube.com/watch?v=3uoHr22VmFQ

Jean-Philippe Rameau (1683-1764)

Johann Friedrich Fasch (1688-1785) – “minueto concertato”

https://www.youtube.com/watch?v=wJ4qGTv8IEo
Algumas considerações sobre o minueto: dança ou música ? Qual a relação disso tudo com Retórica?

https://www.youtube.com/watch?v=1QpX0hLW6Wo – Berlin Philarmonic, Herbert von Karajan, 1965 (14:30)

https://www.bachvereniging.nl/en/bwv/bwv-1046 - Nederland Bach Society, 2018


Menuet I – Concerto de Brandemburgo n. 1 BWV 1046 (Redução para violino e BC)

Viol. 1

B.C.

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