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NO SÉCULO XIX
O MÉTODO MONITORIAL/MÚTUO
A ESCOLA ELEMENTAR
NO SÉCULO XIX
O MÉTODO MONITORIAL/MÚTUO
1
Pierre Lesage
Rogério Fernandes
Claudina López
Mariano Narodowski
Ana Maria Moura Lins
Tereza Maria Fachada Cardoso
Heloisa Villela
Walquíria Miranda Rosa
Maria Lúcia Hilsdorf
Jaime Giolo
Wagner Rodrigues Valente
2
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Laboratório de Publicidade
Produção da capa
CDU 371.3(091)
Este livro, no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reproduzido por qualquer meio
sem autorização expressa e por escrito do autor ou da editora.
3
APRESENTAÇÃO
1
Optamos por adotar as duas expressões método/ensino monitorial, de origem inglesa, e
método/ensino mútuo, tradução francesa da proposta de Lancaster e Bell. No Brasil, os documentos
adotam ambas as terminologias.
2
NÓVOA, Antonio. História da educação. Lisboa: Universidade de Lisboa, 1994. p. 91.
4
A PEDAGOGIA NAS ESCOLAS MÚTUAS NO SÉCULO XIX3
Pierre Lesage4
O método individual
O método individual é, de longe, o mais divulgado e propaga-se em particular nas
zonas rurais que têm o privilégio de dispor de uma escola. Alguns aspectos
característicos desse modo de ensino merecem ser lembrados e sublinhados. O
professor chama sucessivamente para perto de si cada aluno e lhe dá atenção por
alguns minutos. O estudo se resume geralmente a uma única matéria de ensino – a
leitura: cada um deve ler o livro ou o almanaque que trouxe. Depois, o aluno retorna a
seu lugar e se exercita em repetir e em compreender aquilo que o professor acabou de
mostrar-lhe. Tal organização gera a indisciplina - freqüentemente chovem tapas!
Nenhum programa é obrigatório, e as variações de uma escola a outra são
múltiplas. Os professores, necessitados e sem competência, segundo expressão de
Maurice Gontard, são recrutados de maneira muito empírica: nenhum diploma é
exigido, e o ensino não é mais que uma função secundária. Jean-Henri Fabre, nos seus
3
Este artigo foi publicado na Revue Française de Pédagogie. n. 31, INRP, avril/mai/ juin 1975, p. 62-
69 Tradução e reprodução autorizada. Tradução de Maria Helena Camara Bastos. Revisão: Clélia
Guimarães e Ellen Garber.
4
Pesquisador do Institut National de Recherche et de Documentation Pédagogique, escreveu sobre o
tema L’enseignement mútuel de 1815 au debut de la III Republique (1975); La Galerie des Maîtres
d’école et des Instituteurs - 1820-1945 (1987).
5
Souvenirs Entomologiques, traçou desse professor, seu primeiro professor, um retrato
tanto triste quanto interessante: mostra-o ora barbeiro, ora tocador de sino, ora
administrador de bens... e professor, se for o caso. Pode-se imaginar a eficácia irrisória
de tal método.
Método simultâneo
O ensino ministrado pelos irmãos das escolas cristãs/ lassalistas é de outra
qualidade. É coletivo e apresentado a grupos de alunos reunidos em função da matéria
a ser estudada. O ensino dado pelo professor não se dirige mais a um único aluno,
como no modo individual, mas pode atender a cinqüenta ou sessenta alunos ao mesmo
tempo.
Esse ensino, atribuído a Jean-Baptiste de la Salle, adquire, a partir do fim do
século XVII, um certo sucesso. O método, muito bem explicado pelo seu iniciador no
guia Conduite des écoles chrétiennes, comporta , em nível da estrutura, três classes
sucessivas. A primeira é consagrada unicamente à leitura, estando dividida em
subgrupos, em certos momentos da jornada escolar: esses subgrupos são constituídos
segundo o grau de adiantamento dos alunos nessa disciplina. A segunda classe recebe
os alunos que terminaram a aprendizagem da leitura (em francês e latim) e destina-se à
aprendizagem da escrita, do modelo em voga às diversas formas de caligrafia. Na
terceira classe, em que o número de alunos é bastante reduzido, são abordadas as
disciplinas mais complexas e mais elaboradas: gramática, ortografia e cálculo.
Sem dúvida, esse sistema apresentava, em relação ao modo individual,
incontestáveis vantagens, em nível tanto de aprendizagem quanto de vida na classe.
Mas as deficiências são patentes. Estas escolas eram, inicialmente, pouco numerosas.
Em razão da obrigação imposta pela ordem da presença de três irmãos em cada
estabelecimento, só eram encontradas instaladas em cidades ou pequenos vilarejos
com relativa densidade populacional. As perdas de tempo eram consideráveis, devido à
importância dos efetivos e à insuficiência do método. Assim, quatro anos se faziam
necessários na primeira classe para saber ler e ter alguma chance de passar à segunda
classe. A monótona repetição das tarefas cotidianas ligada à pobreza dos programas
suscitava aborrecimento, distração, sanções severas.
A escola mútua rompe categoricamente com esses princípios e essas práticas.
O método mútuo
Enquanto, nos métodos individual ou simultâneo, o agente de ensino é o
professor, no método mútuo, é o aluno que é investido dessa função: “O princípio
fundamental deste método consiste ... na reciprocidade de ensino entre os alunos, o
mais capaz servindo de professor àquele que é menos capaz, e é assim que a
instrução é ao mesmo tempo simultânea, pois todos avançam gradualmente, seja qual
for o número de alunos”5.
Bell e Lancaster, e seus discípulos franceses, Jomard, de Gerando, de Lasteyrie,
de Laborde, colocam como postulado a diversidade das faculdades, a desigualdade de
progresso, de ritmos de compreensão e de aquisição. Eles são favoráveis à divisão da
escola em classes diferentes, conforme as disciplinas e o nível de conhecimento dos
alunos; nessa classificação, a idade não tem nenhuma interferência. Os alunos, assim
reunidos, participam dos mesmos exercícios. O programa de estudo que desenvolvem
é idêntico em conteúdo e nos métodos. Se os alunos de uma divisão têm um
5
Joseph Hamel. L’enseignement mutuel. 1818. p. 1 e 2.
6
desempenho muito elevado em uma disciplina, a leitura ou a aritmética, são
constituídos subgrupos que evoluem paralelamente; os métodos e os suportes de
ensino continuam idênticos.
A partir desses dados iniciais, como se apresenta uma escola do novo sistema?
1. O local
Seja qual for o número de alunos, uma centena nas vilas francesas, mil na escola
de Lancaster a Londres, duas centenas nas escolas parisienses, eles são agrupados
numa sala única, retangular, sem separação.
Jomard, que desenvolveu uma atividade extraordinária e fecunda nos primeiros
anos de implantação do método de ensino mútuo, fixou as normas desejáveis para o
número de alunos, variando de setenta a mil. Ele indica, por exemplo, para 350 alunos,
a necessidade de uma sala de 18m de comprimento por 9m de largura. Na Inglaterra e
na zona rural francesa, utiliza-se freqüentemente um celeiro para a nova escola. Na
França, os edifícios religiosos, desocupados após o período revolucionário são
numerosos e respondem perfeitamente às normas desejadas. Esses edifícios acolhem
muitas escolas mútuas.
2. As estruturas pedagógicas
Os agrupamentos de alunos - flexíveis, móveis, diferenciados - resultam da
natureza das matérias de estudo e das atividades praticadas na disciplina.
Cada matéria ensinada nas escolas mútuas baseia-se em um programa preciso e
organizado, expresso em todos os guias ou tratados escritos por influentes estudiosos
do método - Nyon, Bally, ou Sarazin. Esse programa é dividido em oito graus
hierarquizados, que devem ser percorridos sucessivamente. Cada grau se chama
classe, e é assim que se fala de oito classes de escrita ou de aritmética.
O termo classe é totalmente exclusivo da noção de arquitetura ou de espaço. Só é
entendido em relação à aquisição e ao conhecimento; a primeira classe é a dos
iniciantes, e a oitava é a dos que concluem o curso escolar.
Os ritmos de aprendizagem e as aquisições variam conforme os alunos e
conforme a disciplina. Assim, ao fim de seis meses de presença, o aluno x poderá estar
na quarta classe de leitura, na quinta classe de escrita e na segunda classe de
aritmética. A atribuição a uma classe é unicamente resultado do nível de conhecimento.
Essa primeira divisão é acompanhada, no interior de cada classe e dentro de cada
disciplina, pela constituição de grupos limitados, e nele são estabelecidas as atividades
que devem ser praticadas. Em aritmética, por exemplo, os trabalhos escritos se fazem
sobre a ardósia, realizam-se sobre os bancos reservados para esse uso, com 16 a 18
alunos no máximo por banco, segundo as normas estabelecidas por Jomard. Os
exercícios orais, em leitura ou aritmética, são realizados com a ajuda de um quadro-
negro; a aritmética e o desenho linear se fazem, de início, com grupos de no máximo
nove alunos – os alunos se põem lado a lado, formando um semicírculo. Desde então,
dá-se a esse tipo de atividade o nome de trabalho em círculo. Assim, numa escola
mútua com 36 alunos na terceira classe de aritmética, o trabalho nos bancos se fará em
dois grupos com dois monitores, e os exercícios, no quadro-negro com quatro grupos e
quatro monitores. O número efetivo de classes poderá, assim, variar segundo as
escolas e ao longo do curso no ano; a única limitação imposta é a da extensão do local.
A partir dessas estruturas, estabelece-se o plano de uma escola mútua, conforme
o esquema seguinte.
7
Lareira Entrada principal
Professor
Mestre
Estrado
Monitor geral Estrado
Monitor
Meio
círculos
Janelas
Bancos
Bancos
Lareira
Entrada
8
3. Mobiliário e material
A preocupação com a economia é uma das características fundamentais do novo
ensino. Decorrente disso, o mobiliário é bastante reduzido até a III República. Os
bancos e púlpitos são feitos de tábuas muito simples, fixadas com grossos pregos - os
bancos não têm encosto: um luxo supérfluo!
O estrado é colocado mais elevadamente: 0,65m, em média. Para subir até a
mesa do professor, há vários degraus. O professor reina sobre o grupo de alunos mais
por essa posição física do que por sua posição pessoal.
O relógio é um objeto indispensável: o ensino e as atividades são cronometradas
minuto a minuto.
Os semicírculos, ainda chamados círculos de leitura, dão às escolas mútuas um
aspecto típico e original. São, geralmente, arcos de ferro, semicirculares, que podem
ser elevados ou abaixados à vontade. Algumas vezes, a materialização do semicírculo
é feita simplesmente sobre as tábuas: ranhuras, pregos grossos ou faixas trançadas na
forma de arco.
Os quadros negros são sistematicamente utilizados para o desenho linear e para a
aritmética - eles medem 1m de comprimento por 0,70m de largura; têm, na parte
superior, um metro móvel e são colocados no interior de cada semicírculo.
Quando o trabalho é realizado nas mesas, nas atividades de escrita, os telégrafos
permitem a ligação e a comunicação entre o monitor geral e os monitores particulares.
Uma placa fixada na extremidade superior de um bastão redondo, de 1,70m de altura, é
instalada na primeira mesa de cada classe, graças a dois buracos feitos em cima e em
baixo da mesa escolar. Sobre uma das faces, é inscrito o número da classe (de 1 a 8);
sobre a outra, a menção EX (exame), mudada por volta de 1830 para COR (correção).
Esses telégrafos são transportáveis. Eles são transportáveis sempre que houver
aumento ou diminuição no número de alunos. O professor e o monitor geral têm, assim,
a composição exata de cada classe e o número da mesa ocupada por cada um deles.
Quando um exercício é finalizado, o monitor de classe vira o telégrafo e apresenta a
face EX; todos os monitores fazem o mesmo. O monitor geral, então, ordena que se
façam a inspeção e as correções eventuais. Isso concluído, apresenta de novo o
número da classe, e os exercícios recomeçam. Perto dos telégrafos se acham também
os porta-quadros.
O material também é bastante reduzido e vai enriquecendo-se pouco ao longo do
século.
As varas dos monitores servem para indicar, sobre as mesas, as letras ou
palavras que devem ser lidas, o detalhe das operações a ser efetuado, os traçados que
devem ser reproduzidos. Eles não existem geralmente nas escolas rurais, senão graças
à boa vontade e à engenhosidade dos monitores que as procuram nos bosques
vizinhos.
Grande parte das despesas se deve à aquisição das ardósias, utilizadas
constantemente em todas as disciplinas; constituem uma inovação essencial do método
mútuo, de que outras escolas não fazem uso. O esforço de sistematização e de
estandardização é levado ao extremo. Tudo é previsto: qualidade do objeto, dimensões
conforme as classes onde se acham os alunos, altura das linhas em função da escrita
grosseira, número de linhas para preencher a ardósia. O mesmo cuidado é dado aos
acessórios: lápis, porta-lápis em anéis e almofada.
Uma segunda inovação é a substituição dos livros por quadros. A primeira razão é
de ordem pecuniária: um quadro único é suficiente para nove alunos. Mas os motivos
pedagógicos não são menos importantes. O formato permite uma leitura e uma
9
disposição fáceis. O cuidado na apresentação e na valorização de certos caracteres é
acompanhado de uma preocupação na disposição em páginas diferente da que é feita
nos manuais. Os livros, portanto, não são excluídos, mas são reservados à oitava
classe. O mesmo acontece com as penas, a tinta e o papel.
Enfim, as escolas mútuas são, desde a origem, dotadas de material administrativo
muito completo e minuciosamente estudado pelos seus responsáveis. Sete registros,
cotidianamente em uso, garantem uma gestão objetiva dos estabelecimentos. Um deles
merece menção especial: é o registro de inscrição, ainda hoje chamado O grande livro
da escola. Nesse registro anual, inicialmente caderno de matrícula, é inscrito o nome de
família, o prenome e a idade do aluno, a profissão e o endereço dos pais. Mas, ao lado
dessa função utilitária e prática, esse livro intervém na conduta pedagógica do
estabelecimento e no controle dos conhecimentos. O professor anota ali a data exata
de entrada e saída de cada aluno, em cada classe, nas disciplinas instrumentais e no
desenho linear.
Joseph Hamel, em 1819, chama esse registro de paidométrico; o registro da
escola Gaultier de Paris é rico em anotações sobre a duração dos estudos e as
dificuldades de aprendizagem encontradas.
11
mensais ou ocasionais, nas classes e decide eventualmente mudanças de classe. É
ele, enfim, que, em último instância, distribui punições e recompensas.
Os monitores não constituem senão um dos elementos fundamentais do novo
método. Mais no nível das práticas, eles são o elemento essencial ou, segundo a
fórmula de Maurice Gontard, o agente obreiro do método.
Como afirma Bally, desde 1819, “a base de ensino mútuo repousa sobre a
instrução ministrada pelos alunos mais fortes àqueles que são mais fracos. Esse
princípio que dá o mérito a esse método necessitou de uma organização muito especial
para criar uma hierarquia razoável, que pudesse promover de maneira muito eficaz, o
sucesso de todos”6. Essa hierarquia se traduz concretamente por graus, funções e
responsabilidades, rigorosamente codificados.
Os ajudantes diretos do professor levam o título de monitores gerais. Eles são os
subdelegados do professor7. Eles recebem do professor delegação de autoridade e
estão habilitados a intervir, no domínio que lhes cabe, junto aos monitores comuns ou
dos alunos. Seu número vai crescendo à medida que são introduzidas novas
disciplinas. Em 1837, por exemplo, eles são seis: ordem, leitura, escrita, aritmética,
desenho (ou costura), gramática/canto.
O monitor geral cuida do bom funcionamento das entradas e saídas da escola e
dos deslocamentos decorrentes das mudanças de atividades. Ele procede à chamada
dos monitores e, em caso de ausência de um deles, designa o seu substituto. É ele,
também, que dirige as preces de início e fim de cada meia jornada. Ele é auxiliado
pelos monitores-porteiros, nossos zeladores atuais, cuja função é temporária, e pelos
monitores do quarteirão/bairro, que são permanentes: reunir os alunos e conduzi-los em
boa ordem à escola de manhã e reconduzi-los no final da tarde.
Os monitores gerais de ensino são encarregados, cada um, de uma das
disciplinas da escola. Eles dirigem os monitores particulares, que lhes são afetos,
regulamentam as evoluções durante a lição ou a evolução dos exercícios e indicam os
momentos de mudar de procedimento; listam, no fim de cada lição, os nomes dos
alunos que devem ser punidos ou recompensados. Marcas distintivas designam-nos à
atenção geral: uma medalha de prata, com a esfinge do rei de um lado, e a ordem ou
matéria de ensino no outro lado. Além disso, eles têm uma ardósia presa à lapela que
lhes permite anotações apropriadas durante a lição.
Os monitores particulares, responsáveis por classes ou grupos, são escolhidos na
oitava classe da disciplina, contanto que tenham também uma boa conduta. Os
monitores de classes são responsáveis por uma das oitos seções existentes em cada
disciplina. Eles são a ligação entre o monitor geral e os alunos. Se o efetivo da classe é
pequeno, eles dirigem os exercícios conforme as diretrizes recebidas e segundo as
técnicas que lhes foram ensinadas pelo professor. Eles são, particularmente, muito
atentos às ordens transmitidas pelo monitor geral. Se o número de alunos da classe é
numeroso, eles têm a responsabilidade de uma parte da classe e são assessorados por
monitores ocasionais. Esses últimos não têm o direito nem ao título oficial de monitores,
nem ao símbolo distintivo da função. Só os monitores de classe usam uma medalha em
bronze, tendo no seu reverso um número de 1 a 8.
6. Os comandos
6
BALLY. Guide de l’enseignement mutuel. 1819. p. 144 e 145, parágrafo 209.
7
NYON. Manual pratique ou Précis de la méthode d’enseignement mutuel. 1816. p. 25.
12
Para conduzir corretamente as dezenas ou centenas de alunos, fazê-los progredir
e evitar toda perda de tempo, os responsáveis pelo ensino mútuo prevêem ordem
precisas, rápidas, de compreensão imediata. A unidade do método e a importância dos
efetivos levam-nos a ter uma direção firme e rigorosa. Todos os tratados ou manuais
insistem na necessidade material de uma codificação rigorosa e minuciosa. A maioria
descreve, sob forma de um quadro, os detalhes integrais dos signos/sinais a serem
utilizados e dos movimentos correspondentes. Isso deixa perplexa a pedagogia
contemporânea!
A comunicação, nesse nível, é toda mecânica e inteiramente hierarquizada. Ela
parte somente do professor ou do monitor geral para os monitores e para os alunos, e
não no sentido contrário. É um meio de ação, não um meio de trocas.
As ordens são transmitidas de quatro maneiras: pela voz, pela sineta, pelo apito
ou pelos sinais. A voz intervém pouco. As ordens transmitidas dessa maneira se
dirigem geralmente aos monitores, às vezes especialmente a uma classe. A sineta
chama a atenção. Ela precede uma informação ou um movimento a executar. O apito
tem duplo uso: permite intervenções na ordem geral da escola, impor o silêncio, por
exemplo, e comanda o início ou o fim de certos exercícios durante a lição, dizer em
coro, soletrar, cessar a leitura. Somente o professor é habilitado para fazer uso do
apito. Quanto aos sinais manuais, eles são muito utilizados. São destinados a evocar o
ato ou o movimento que deve ser acompanhado; eles atraem o olhar e devem levar
serenidade para a coletividade.
8
LASTEYRIE, Charles de. Nouveau système d’éducation pour les écoles primaires. 1815, p. 40 e 41.
13
que, até então, eram usadas; e não será demais reconhecer terem
procurado substituir no coração dos alunos o sentimento de medo pelo
sentimento de honra, ou, como disse M. de Laborde, o sentimento da
vergonha bem administrado9.
Isso não quer dizer que, de fato e em seguida, tenham desaparecido os castigos
físicos; mas é importante destacar que houve mudanças no espírito, nos fatos, nas
práticas cotidianas - todos estavam de acordo em que o mais importante eram as
recompensas, ao invés das punições.
Uma outra novidade foi fazer da hierarquia, em nível dos alunos, algo temporário,
em movimento, em mudança. As situações não são imutáveis ou sacralizadas. Honra e
servidão se sucedem constantemente.
Enfim, a inovação sentida de forma confusa na época, explicada por vezes de
maneira inadequada por seus adeptos, objeto de desprezo ou de zombaria por seus
detratores, foi a mudança na relação entre o professor e seus alunos, que chega a seu
ápice nos juris de alunos. Aliás, Cabet não é insensível a essa mudança da noção de
poder já que a integra no seu sistema escolar.
Conclusão
As razões de sucesso do método mútuo, que subsistem durante meio século, as
vicissitudes que conhecemos, os motivos de seu desaparecimento necessitam de
explicações, que fogem ao espaço desse artigo. Assim, faremos somente algumas
considerações de ordem pedagógica, sugeridas por este estudo.
O método de ensino mútuo, pelos debates que provocou, marca profundamente a
didática do século XIX. A história da pedagogia não será mais estudada durante esse
período sem uma constante referência a ele. E graças a ele, a questão escolar tornar-
se-á, ao menos em nível institucional, um problema nacional. Além de uma busca de
método, ampliam-se as perspectivas de desenvolvimento e de generalização do ensino
elementar.
Os seus promotores multiplicaram as iniciativas: salas de abrigo, cursos para
adultos, escolas noturnas, estabelecimentos femininos, bibliotecas, curso normal para a
formação de professores. Eles demonstraram, muitas vezes solenemente, sua estima
aos professores, mas também outorgaram vantagens visíveis. Objetivamente,
esforçam-se em auxiliar o professor cotidianamente: elaboram guias, tratados ou
manuais, que trazem numerosas informações sobre as novas técnicas; publicam uma
revista pedagógica, Journal d’Éducation, com variados artigos.
No nível das práticas, o novo método traz principalmente técnicas e instrumentos:
utilização permanente da ardósia, recurso constante aos quadros de ensino, uso
intensivo do quadro-negro. Novas relações pedagógicas se instauram na escola, e o
problema de comunicação no interior da instituição é abordado sob uma nova
perspectiva. Uma nova concepção das estruturas pedagógicas se revela possível e
eficaz em certos domínios do ensino. A escola mútua teve o mérito de mostrar, de
maneira muito pragmática, que os ritmos de aquisição e as diversas atitudes exigem
agrupamentos variáveis, diferentes, temporários.
Enfim, o desaparecimento da escola mútua nos obriga a interrogar as causas
externas de sua desagregação - de ordem política, social e filosófica, e acrescentar, no
9
GREARD, Octave. Education et instruction. Tome II. Enseignement primaire. 1887. p. 53.
14
meio do século XIX, fatores internos que fizeram acelerar o processo de
desaparecimento.
Os professores envelhecidos caem na rotina. Não são mais “professores
ensinando, mas diretores fazendo ensinar”10. Eles dão cada vez menos importância à
formação de seus monitores e à sua renovação. Quanto aos novos professores, saídos
das escolas normais, têm pouca informação sobre o método, pois o mesmo não figura
nos programas da instituição. O Journal d’Education também não dá destaque ao
método, consagrando os grandes debates que agitam o país: gratuidade, obrigação,
liberdade de ensino.
As metodologias das disciplinas ministradas e a parte cada vez maior dada à
formação geral marcam os limites do método mútuo e o papel e possibilidades dos
monitores. A introdução do método misto, que tende a utilizar, conforme as atividades,
os procedimentos dos dois métodos, mútuo e simultâneo, é sedutora em teoria. O
método mútuo se choca com a prática cotidiana, as contingências de local, de
estruturas pedagógicas, de emprego do tempo, de efetivos freqüentemente
inconcebíveis. Assim, multiplicam-se as confusões na condução do ensino, e nascem
as insatisfações dos professores, dos alunos, das famílias.
A partir de 1850, as proposições de renovação, freqüentemente transcritas em
circulares, são numerosas e, na ocasião, pertinentes. Mas elas não têm efeito. Pelo
contrário, a vontade e a ação de Octave Greard foram determinantes para que
houvesse adequação dos objetivos, dos meios e acordo com o pessoal interessado.
Assim, pode nascer uma nova organização da escola elementar, o que a torna
indispensável.
A epopéia do método mútuo está definitivamente concluída. Mas nos parece
lamentável que seu estudo não ajude, mesmo que modestamente, à reflexão
pedagógica contemporânea, porque segundo a proposição de Henri Marrou, “a
consideração do contraste com o que é diferente não é menos útil do que considerar os
aspectos idênticos para fecundar a imaginação criadora e produzir uma decisão nova”.
10
MATTER, Jacques. Nouveau manuel des écoles primaires, moyennes ou normales; ou Guide complet
des instituteurs et des institutrices. 1836, p. 77.
15
A DIFUSÃO DO ENSINO MÚTUO EM PORTUGAL
NO COMEÇO DO SÉCULO XIX
Rogério Fernandes11
11
Professor da Universidade de Lisboa, Portugual.
16
do reconhecimento, cada vez mais explícito, da necessidade de progresso das
instituições educativas em geral.
18
Por outro lado, as escolas parecem aliciar mediocremente os soldados. Com
efeito, a classe de sargentos perfazia quarenta alunos (cerca de 60% do total), dos
quais 26 eram segundos-sargentos e 14 primeiros-sargentos. Entre os cabos,
recrutavam-se 11 alunos, freqüentando a instituição apenas três soldados e dois
furriéis.
Nestas circunstâncias, a Escola Geral não logrou preencher toda a sua
capacidade, que era de 159 discípulos, estando inscritos, em 1816, apenas 71 alunos.
No ano imediato, a afluência de candidatos civis parece ter sido ainda menos
satisfatória, porquanto as autoridades fizeram publicar um anúncio na Gazeta de
Lisboa, declarando haver vagas por preencher no lugar de ajudantes. A 1º de abril de
1818 achamos referência apenas a dois candidatos civis ao lugar de mestres.
A freqüência da Escola Geral revelou-se cada vez mais insatisfatória. Um relatório
de Couto e Melo, dado à estampa em finais daquele ano, revela que, desde a sua
criação até 30 de agosto, a instituição formara 81 professores de Primeiras Letras. A
ser assim, desde os 68 candidatos do grupo inicial até finais de 1818, tinham-se
formado apenas mais 13 professores, o que indica uma queda considerável de
inscrições. A situação não conheceria melhorias no futuro imediato. Um mapa
elaborado a 31 de outubro de 1919 e abrangendo os alunos matriculados entre 2 de
dezembro de 1818 e 23 de outubro de 1819 dava-nos conta de existirem 16 discípulos-
mestres, dois dos quais eram civis.
21
escrever correctamente um tema assinalado em novembro de 1818 para as lições de
caligrafia, tudo isto rematado com explicações sobre a nova ortografia a adoptar.
Por outra banda, a Tábua distributiva do tempo de aula por todo o ano, que se
mandara afixar em todas as escolas militares, determinava aos professores a leitura de
composições escritas pelo seu punho, a propósito do que citava Couto e Melo dois
textos de outros tantos docentes, textos que certamente lhe tinham sido remetidos.
O facto de os novos métodos chamarem a atenção de círculos cada vez mais
amplos e o crescimento dos docentes nas fileiras do Exército tornariam impraticável a
criação de um sistema de contacto postal directo. Por isso, em documento datado de
1819, Couto e Melo declarava:
O director das escolas, posto que mui distante de poder ouvir os senhores
professores delas, contudo podem-lhe enviar pelos senhores ajudantes dos Corpos a
que pertencem (...) todas as dúvidas que se lhes oferecerem no seguimento do ensino
pelos novos métodos, e mesmo por pessoas que não sejam seus discípulos, porque
prontamente lhes dará resposta.
Assim, a Escola Geral de Habilitação de Belém não foi somente a primeira
instituição portuguesa de formação inicial de professores como foi também a primeira a
ampliar a sua acção mercê de um sistema complementar dirigido aos docentes em
exercício.
25
Deste modo, Lecocq propunha o seguinte plano: escolher um edifício situado em
lugar saudável e densamente habitado, a fim de se poder concentrar na escola o maior
número possível de alunos e, preferencialmente, em local onde não houvesse
excessivo trânsito de viaturas a fim de evitar os acidentes. O edifício deveria obedecer
ainda a outras condições referentes a mobiliário e material didáctico especiais: pelo
menos uma grande sala de tecto elevado, destinada ao ensino dos meninos,
guarnecida do seguinte mobiliário: mesa para o professor, bancos e carteiras, tabelas
de leitura, de aritmética, etc.
Além da sala, um espaço somente coberto pela metade, onde os alunos se
ajuntassem antes de entrar na sala e onde, à saída, formassem pelotões segundo os
bairros onde habitavam. Como se vê, impunha-se aos alunos numa disciplina
tipicamente militar, embora as escolas fossem civis.
Segundo parece, tais instalações destinavam-se aos alunos da classe prática. No
referente aos candidatos a professores em formação, haveria uma pequena sala
destinada "ao curso da Escola normal", dotada de uma banca e de cadeiras, o que
sugere um ensino em pequeno grupo.
A escola prática, ou seja, a classe de crianças, deveria ser regida por um mestre
que, primeiramente, teria de freqüentar um curso na escola normal e, além disso,
conhecer o francês, cabendo-lhe um ordenado suficiente para se tornar independente
dos seus discípulos. Esta referência dirigia-se por certo aos alunos adultos em
formação prática no que chamaríamos aula de "aplicação".
Lecocq requeria ainda a existência de certo número de meninos já adiantados em
primeiras letras os quais viriam ser posteriormente decuriões e que entrariam desde
logo na Escola Prática. Esse número de alunos cumpriria fosse aumentando
gradualmente, podendo ser recrutado na Casa Pia ou na Cordoaria.
Finalmente, o autor do plano lembrava a necessidade de tratar da impressão das
tabelas, revelando que elas tinham sido traduzidas do francês quanto a certos temas,
ao passo que, no referente a outras matérias, tinham sido feitas "à imitação".
Por último, Lecocq esclarecia o carácter de formação prática do curso. A sua
duração não excederia dois meses, durante os quais se explicariam os "princípios do
método" e se procederia às suas aplicações, sendo praticados pelos discípulos na
segunda classe, cuja a direcção lhes seria, por vezes, confiada (Id., ib.).
A escola virá a ser instalada na Casa Pia de Lisboa. Em 30 de dezembro de 1823,
o intendente geral da Polícia anunciava ao ministro Joaquim Pedro Gomes de Oliveira
que pusera ao dispor de Lecocq o edifício do Desterro e informava que, perante ele, se
candidatara a ajudante um tal Francisco António de Michelis, de quem constava já ter
servido em França num estabelecimento semelhante e que, para mais, era casado com
uma francesa "que bem sabe desempenhar as funções domésticas e económicas de
tais escolas." (id., ib.).
Lecocq procura abrir a escola na mesma data, solicitando a impressão de tabelas
de leitura e de aritmética.
Em começos de 1824, o intendente das Obras Públicas, brigadeiro Duarte Fava,
propôs o aproveitamento de uma imprensa litográfica que ficara desactivada devido ao
malogro do projecto de um Liceu de Belas Artes 14. Pouco depois, anuncia-se que
Michelis e sua mulher estavam prontos a entrar no estabelecimento, esclarecendo-se
que Michelis deveria ficar a reger a Escola Normal na falta de João José Lecocq. Perto
do fim do ano, Matias Lannes pretende o provimento de porteiro da escola.
14
Não podemos concretizar a alusão a esse liceu por falta de documentação informativa.
26
O estabelecimento mudaria de instalações em setembro de 1824, trasladando-se,
sob a designação de Escola Normal do Método do Ensino Mútuo, para o Palácio do
Rossio.
Pela documentação existente em relação a esse período, verifica-se que a Escola
Normal compreendia uma aula de crianças, de que era mestre Michelis, e que deveria
servir de modelo às instituições futuras, e uma aula de adultos, candidatos a escolas
mútuas elementares, de que era "instituidor" Lecocq. Por outro lado, averigua-se não
existir na Casa Pia nenhuma escola normal feminina.
Em 1826, a Escola Normal parecia começar a dar sinais de evolução favorável.
João José Lecocq, em outubro daquele ano, dava conta da evolução das matrículas: 48
discípulos, entre os quais se achariam "muitos de grandes esperanças", e sete
voluntários, "que em razão de se poderem algumas vezes encontrar as lições com as
obrigações de seus empregos", não tinham querido matricular-se.
Lecocq viria a ser afastado da escola por delito de homossexualidade com alunos
do estabelecimento. É possível que, a partir do Miguelismo e até 1834, a instituição
tenha entrado na sombra devido à recusa do ensino mútuo pelo absolutismo.
Referências
Fontes impressas
ALBUQUERQUE, Luís de (1960). Notas para a história do ensino em Portugal.
Coimbra: Textos Vértice.
AZEVEDO, Rafael Ávila de (1972). Tradição educativa e renovação pedagógica.
Subsídios para a história da pedagogia em Portugal. Século XIX. Porto: Edição do
Autor.
FERNANDES, Rogério (1994). Os caminhos do ABC. Sociedade portuguesa e ensino
das primeiras letras. Porto: Porto Editora.
LANCASTER, José (1823). Systema britânico de educação: sendo um complexo
tratado de melhoramentos e invenções praticadas por... Traduzido do original inglês por
Guilherme Skinner, estudante do segundo ano de matemática e desenho na Real
Academia da cidade do Porto; para ilustração das Academias e Aulas do Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarves, tanto para meninos como para meninas. Dedicado e
oferecido ao Ilm. Sr. Francisco Van Zeller. Posto: na Typ. da Viuva Alvarez Ribeiro &
Filhos.
MELO, João Crisóstomo Couto e (1816). Ideia geral dos novos métodos de ensinar a
ler, escrever e contar ensaiados na Escola Geral de Belém e mandados seguir nas
escolas particulares do Eisército (SIC) e Marinha. Lisbôua (resic): Na Impressão Régia.
27
. (1822). Relatório dos progressos das escolas do ensino mútuo feito a Sua
Magestade El Rei o Senhor D. João VI em sua Augusta Presença pelo dirétôr (SIC) das
maêsmas (resic) escolas na sessão pública celebrada em 15 de outubro de 1821.
Lisboa.
. (s.d.) Exposição do novo método do ensino mútuo seguido nas escolas
militares de primeiras letras. Lisboa.
XAVIER, Cândido José (1818). Do ensino mútuo chamado de Lancaster. Annaes das
Sciencias, das Artes e das Letras, II, I, Outubro, p. 1-40.
. (1819). Dos professores do ensino mútuo em 1818 nos países das diferentes
partes do mundo; e das novas escolas do ensino mútuo em Portugal. Annaes das
Sciencias, das Artes e das Letras, VI, I, Paris, p. 53-79.
. (1820). Ensino mútuo em 1819. Annaes das Sciencias, das Artes e das Letras,
X, Paris, p. 89-105.
. (1827). Resenha analítica ou princípios gerais do método do ensino mútuo.
Lisboa: Na Typ. de A. Lino de Oliveira.
Fontes manuscritas
ANTT (Arquivo Nacional da Torre do Tombo). Ministério do Reino. Maço 277.
AHM (Arquivo Histórico Militar) Caixas 12, 13, 14.
28
EL MEJOR DE LOS MÉTODOS POSIBLES
La introducción del método lancasteriano en Iberoamérica en el
temprano siglo XIX
Claudina López15
Mariano Narodowski16
15
Lic. en Ciencias de la Educación; investigadora del Programa Sujeto y Política Educacional de la
Universidad Nacional de Quilmes (UNQ).
16
Dr. en Educación; profesor Titular de la Universidad Nacional de Quilmes (UNQ); director del
programa.
17
Thomson, James, Letters and the Moral and Religious State of the South America Written during a
Residence of Nearly Seven Years in Buenos Aires, Chile, Perú, and Colombia, London, 1827, 5-6-
1820.
18
Existen dos biografías ineludibles para el análisis de las actividades educativas y pastorales de
Thomson en América: Juan C. Varetto, Diego Thomson, apóstol de la instrucción pública e inicidador
de la obra evangélica en América Latina, Imprenta Evangélica, Buenos Aires, 1918 y Arnoldo Canclini,
Diego Thomson, apóstol de la enseñanza y distribuidor de la Biblia en América Latina y España,
Sociedad Bíblica Argentina, Buenos Aires, 1985.
29
Británico, en verdad Thomson era escocés, nacido en Creetown el 1º de setiembre
de 1788, propestante, apenas hablaba el castellano. Thomson podía haber suscitado
rechazos en la ya de por sí conflictiva sociedad porteña de la época. Al análisis inicial le
cuesta entender cómo esa particular mezcla entre sus actividades educacionales y sus
emprendimientos teológicos y evangélicos no encendieron otra disputa de carácter
político, de esas que se dirimían a destierro, sangre y fuego, una vez agotada las
instancias de la política intelectual. Es evidente que el interés y las actividades
religiosas de Thomson mal podían pasar inadvertidas en el católico Buenos Aires del
segundo decenio del siglo XIX. A pesar esto, durante los meses siguientes a su arribo,
prestigio intelectual y pedagógico van en constante aumento. Los probables motivos: el
valor que en el escueto mercado de conocimientos local poseen sus conocimientos
acerca del último grito de la moda pedagógica europea: el método lancasteriano. Tal
como lo señala el clásico libro de Antonino Salvadores, “...si las autoridades le
brindaron su protección fue debido a la importancia que para la provincia significaba el
sistema lancasteriano, como medio de propagar la educación y a la que la propaganda
del culto protestante no podía significar un peligro para las escuelas desde el momento
en que la enseñanza de la religión católica era obligatoria.” 19 En función de la presencia
de este saber, Salvadores infiere la causa por la cual los más activos católicos de
Buenos Aires, como el Padre Castañeda, no protestaron ni hicieron estallar su “Santa
Furia” contra los intentos evangelizadores de Thomson20.
Por ejemplo, las lógicas diferencias religiosas no impiden que estreche lazos con
los franciscanos quienes ofrecen a Thomson nada menos que el Convento Principal de
la Orden para que se reúna una Sociedad Lancasteriana pergueñada por el educador
británico y que será presidida por el Presbítero Muñiz. En ese mismo ámbito, este
pedagogo no-católico dictará sus clases a los maestros porteños y allí se difundirá no el
credo religioso protestante, obviamente, sino el de la nueva panacea social: los
secretos de la educación escolar. Los padres franciscanos también cederán el
Convento para que, dirigida por Thomson, funcione de acuerdo a los nuevos métodos
traídos de Europa una escuela que habrá de albergar a 100 alumnos21.
Desde su arribo al Río de la Plata, Thomson poseyó no pocas facilidades para el
desarrollo de su tarea educativa. Facilidades brindadas no solamente por los religiosos
franciscanos sino también por la autoridad política de la ciudad, el cabildo de Buenos
Aires. Pero no acaban en el apoyo financiero los reconocimientos: en virtud de sus
conocimientos y de su acendrado prestigio, el cabildo lo designa el 17 de agosto de
1819, a sólo diez meses de su arribo, como instructor a cargo de la Normal y el 29 de
agosto de 1820 ya se lo designa director de escuelas22, el máximo cargo de la política
educativa de la época.
La importancia de esta designación es enorme puesto que los asuntos educativos
venían manejándose primero por medio de dos diputados escolares al Cabildo y luego
con la creación de la mencionada dirección, cuya titularidad venía siendo ocupada por
Saturnino Segurola23. Con el nombramiento de Thomson, el cabildo apuesta a la
19
Salvadores, Antonino. La instrucción primaria desde 1810 hasta la sanción de la ley 1420, Talleres
Gráficos del Consejo Nacional de Educación, Buenos Aires, 1941, p.91-92.
20
Salvadores..., p. 90. Véase también Arturo Capdevila La santa furia del Padre Castañeda, Espasa
Calpe, Buenos Aires, 1938.
21
Thomson, James Letters
22
Véase Acuerdos del extinguido Cabildo de Buenos Aires (en adelante Acuerdos...), serie IV, tomo
VIII. p.400 y serie IV, Tomo IX, p.245.
23
Véase Zuretti, Juan La enseñanza y el Cabildo de Buenos Aires, Librería del Colegio, Buenos Aires,
1984.
30
difusión del método de enseñanza y lo hace no a través de un funcionario del Estado,
un burócrata, un político o un clérigo. Recae la responsabilidad en quien posee la
capacidad técnica, pese a las diferencias de diverso índole – diferencias irreconocibles,
por cierto – de aplicar la preciada nueva metodología educativa.
En líneas generales podría afirmarse que la acción política-educativa de Thomson
estuvo dirigida a obligar a los maestros de las escuelas del cabildo a enseñar por medio
del nuevo método lancasteriano: se organizaban conferencias en el convento a las que
los maestros debían concurrir para adquirir los conocimientos necesarios que luego
aplicarían en sus respectivas escuelas. El acto inaugural fue narrado por Thomson de la
siguiente manera:
Merced a ese prestigo y a pesar de las críticas que desde algunos sectores
generaba su credo religioso, durante los siete meses a cargo de la Dirección de
Escuelas, Thomson logra el apoyo gubernamental y de la jerarquía católica en la
aplicación del método lancasteriano: en momentos de graves conflictos políticos y
financieros. Thomson recibe fondos a su juicio suficientes. Por ejemplo el 15 de
noviembre de 1820 el gobierno anuncia el auspicio a una suscripción pública dirigida
por Thomson y destinada a recaudar fondos para el sostenimiento de las escuelas de
enseñanza mutua25. Como corolario de este extraño proceso de legitimación de un
saber pedagógico, se le otorga una carta de ciudadanía extraordinaria en virtud de un
decreto del gobierno de Buenos Aires en mayo de 182126:
31
puesto más alto con que cuenta la administración local en lo referido a la política
educativa.
Es de Thomson y del saber de Thomson que habla este trabajo. Saber
pedagógico sustentado en una novedad metodológica, la enseñanza mutua, capaz de
convertirse en el pasaporte que lo coloca en el centro de la educación porteña de los
finales de la segunda década del siglo XIX. Saber a partir del cual es posible organizar
un proceso de escolarización “moderno”, con pautas racionales científicamente válidas
y sustentadas en la eficiencia de la sociedad europea crecientemente industrializada le
reclama a sus acciones educacionales. Saber que legitima al diferente y le otorga un
status especial. Saber que, en fin, amortiguó hasta neutralizar las denuncias en contra
de quien profesaba y difundía en la infancia y la juventud un culto extraño al
predominante.
32
Lancaster representaban lo nuevo, una utopía de una nueva moral basada en el
método individual; al contrario, el modelo de Bell expresa el viejo y estático orden social
británico que comienza a morir en los inicios del siglo XIX; su acción era respaldada por
la National Society for Promotion the Education of the Poor in the Principles of the
Established Church30.
Este enfrentamiento poseía en la cuestión religiosa a su eje central. La posición de
Bell atendía a una visión tradicional en la que a la enseñanza gratuita de la
lectoescritura y el cálculo debía adosársele una fuerte enseñanza religiosa. Por el
contrario, la posición lancasteriana remitía a una mayor neutralidad de la institución
escolar en lo referido a estos aspectos: la cuestión no va a ser menor en el desarrollo
del método en América Latina y será una de las causas explícitas del fracaso de la
actividad de Lancaster en Caracas, como veremos más adelante.
Con independencia de las características de las propuestas de Bell y Lancaster la
pregunta es: ¿qué hay de nuevo en el método de enseñanza mutua?. Ya hemos
discutido en otro lado31 que en la tradición pedagógica occidental, la figura del monitor
existía desde tiempo atrás; o sea, no se trata de una creación ex-nihilo de la pedagogía
lancasteriana o del movimiento pedagógico inglés de finales del siglo XVIII. En los
siglos XVII y XVIII, tanto en la pedagogía jesuítica como en la Didáctica Magna del
teólogo moravo Jan Amos Comenius, por ejemplo, los “decuriones” se encargan de
suplantar al maestro en algunas situaciones. Es posible afirmar que el uso generalizado
del concepto de “monitor” parece haber sido introducido al léxico moderno del discurso
pedagógico, a principios del siglo XVIII, por Jean Baptiste de la Salle en la Conduite des
Écoles Chretinnes32.
Sin embargo la pedagogía lancasteriana monitorial marca una diferencia central
respecto de estos modelos educacionales anteriores puesto que mientras en el pasado
el “decurión” o el “monitor” ocupaban un papel accesorio, de “ayudante”, y la figura del
docente es irremplazable en todos los aspectos del proceso de enseñanza, en el
modelo de enseñanza mutua los monitores habrán de sostener una muy buena parte
del andamiaje de la organización escolar y de la transmisión de los conocimientos
curriculares.
Otra característica central que atraviesa el método monitorial, y que resulta
novedosa en el discurso pedagógico moderno, es el utilitarismo que impregna su
propuesta didáctica. En los modelos pedagógicos anteriores, la conservación del orden
escolar por parte del maestro estaba sujeta a la eficacia de la aplicación de un método
didáctico (como en la propuesta didáctica de Comenuis, para quien los actos
indisciplinados de los alumnos constituyen el emergente de la falta de capacidad
docente para aplicar unas indicaciones metodológicas infalibles) o la vigilancia
constante y meticulosa sobre el cuerpo infantil (como en la postura lassalleana)33.
Al contrario de lo anterior, en el método de mutua enseñanza será la actividad del
alumno en pos de la obtención de premios (según los textos lancasterianos, estos
premios podrán ser materiales, incluso en dinero) y del eludir castigos, lo que
garantizará un desarrollo ordenado y equilibrado de la actividad escolar. De hecho,
30
Op. Cit., p. 83-83.
31
Narodowski, Mariano. Infancia y poder. La conformación de la pedagogía moderna. Aique, Buenos
Aires, 1994.
32
Jan Amos Comenius Didáctica Magna, Akal, Madrid, 1986 (primera edición d ella traducción
castellana de 1992) y Jean Baptiste de La Salle Conduite des Ecoles Chertiennes, Cahiers
Lassallienes, Rome, 1996.
33
Sobre la cuestión ver Infancia y poder, cap. 2 y 3.
33
Jeremy Bentham en su Chrestomathia, demuestra un explícito entusiasmo por lo
métodos de Bel y Lancaster. En la primera parte de este trabajo Bentham muestra
varias de las ventajas del método lancasteriano citando Improvements in Education en
lo relativo a la cuestión de premios y castigos 34. En esta línea, el clásico artículo de P. J.
Miller35 muestra cómo por medio del sistema de monitores -y en relación a las posturas
benthamianas- la educación popular británica comienza a procesar valores específicos
relativos a lo que el autor denomina “síndrome gerencial” dentro de las instituciones
escolares británicas de comienzos del siglo XIX.
En resumen, el método lancasteriano propone la búsqueda constante de
gratificaciones por parte de los alumnos como forma de consagrar un determinado
orden en la institución escolar. Para comenzar, el llegar a ser monitor, constituye para
esta propuesta, uno de los premios principales.
Pero al mismo tiempo la aplicación de castigos corporales comienza a ser
rechazada o al menos muy fuertemente criticada como único medio de manutención
escolar a favor de la implementación de un sistema de formación de la infancia basado
en una moral utilitarista donde cada actividad infantil es evaluada para dar lugar a la
cuantificación de la recompensa o la pena.
34
Bentaham, J. Chrettomathia in Browing, J. (Ed.) The Works of Jeremy Bentahm, Russell and Russell,
New York, 1962.
35
Miller, P.J. Factories, Monitorial Schools and Jeeremy Bentham: The Origins of the ‘Management
Syndrome’ In: Popular Education Journal of Education Administration and History, v. 2, 1973.
36
Newland, Carlos Buenos Aires no es Pampa. La educación elemental porteña 1810-1860, Grupo
Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1992.
37
Madame Quignon Manual para las escuelas elementales de niñas, o resumen d ella enseñanza
mutua aplicada a la lectura, escritura, cálculo y costura, traducción del francés al idioma español por la
señora Doña Isabel Casamayor De Luca, secretaria de la Sociedad de Beneficencia, Imprenta de los
Expóxitos, Buenos Aires, 1823.
34
del método, “exitando a toda la población a recibir sus ventajas [del sistema mutuo]
como un mismo cuerpo, bajo un mismo sistema y en un mismo establecimiento”38.
En cuanto a las características del reglamento elaborado por Baladía 39, más allá
de que todo reglamento por su naturaleza en represivo, dado que las normas que lo
componen especifican el deber ser, cual es el actuar correcto, cual el incorrecto y sus
respectivas consecuencias, se observa que éste se caracteriza por ser
extremadamente puntilloso, implacable y meticuloso. Haciendo una esquemática y
general recorrida de sus doscientos artículos, es posible anticipar que el mismo se
centra en40: un fuerte disciplinamiento y control escolares; un acentuado sistema
punitivo para los alumnos por las faltas; un sistema de premios (puestos) y castigos
(penas); la estipulación meticulosa de operaciones intelectuales específicas como la
escritura, la lectura, la aritmética y la memoria; el “hacer público”, es decir que se entere
toda la escuela y la sociedad, de las obligaciones, de las faltas, de los castigos y de los
premios obtenidos; la existencia de un código escolar como complemento del código
penal general por el que se rige la sociedad; el aprovechamiento del tiempo, como
elemento que atraviesa a toda la propuesta; un firme, constante y casi hasta
persecutorio sistema de examinación de los alumnos en cada clase; un sistema judicial
implacable, se juzga y se castiga a los alumnos todos los días; y el utilitarismo, dado
que el utilitarismo integral es la suma de los aprovechamientos individuales.
Más allá de la existencia del Reglamento, algunos autores41 argumentan que el
mismo tuvo posibilidad de ser implementado solamente en la escuela creada por el
propio Baladía, denominada “Ginmasio Argentino”, ya que no tuvo cabida en las
escuelas públicas controladas por el Estado.
El método mutuo persigue un afán disciplinario basado en la uniformidad de las
actividades escolares y ninguna de estas puede quedar librada no ya al azar sino
tampoco a la libre voluntad del maestro único, quien ahora será quien deberá seguir
minuciosamente una a una las instrucciones proporcionadas por textos, manuales y
reglamentos. En otras palabras, el método de enseñanza mutua se habría de constituir
en un instrumento capaz de institucionalizar la escolarización a través de un
ordenamiento racional de la totalidad de los esfuerzos educacionales en un espacio
político determinado.
Este ordenamiento es comprendido en dos niveles. Por un lado, en la actividad
cotidiana del educador en la que nada es dejado a su voluntad sino que sus
novimientos son enteramente pautados, tendiendo a una utilización planificada de todos
los recursos didácticos a disposición. Por otro lado, este ordenamiento se expresa en
las posibilidades que ofrece el método respecto a la articulación horizontal de la oferta
escolar: se prevé un engarce ajustado entre la diferentes expresiones institucionales de
la escolaridad.
38
Orígenes y progresos del nuevo sistema de enseñanza mutua del Señor Lancaster, Imprenta de los
Expósitos, Buenos Aires, 1819, p. 9.
39
Baladía, Pablo. Reglamento de Enseñanza Mutua. Libro para las comunicaciones de Gobierno.
Archivo Histórico de la Pcia de Buenos Aires (A.H.P.B..A.), 1825.
40
López Claudina. La educación escolar en el siglo XIX: el caso del Reglamento de Enseñanza Mutua
de Pablo Baladía. Argentina, Universidad Nacional del Centro (Pcia. de Bs. As.), 1997. (Tesis de
licenciatura).
41
Newland, Carlos. Buenos Aires no es pampa: la educación elemental porteña 1820-1860. Grupo
Editor Latinoamericano, Buenos Aires, Argentina, 1992. Y Narodowski, Mariano. La experiencia
lancasteriana en Iberoamérica: el caso de Buenos Aires. Instituto de Estudios Histórico Sociales
(I.E.H.S.) v.9 1994, p.255-277.
35
Es cierto que la proclama lancasteriana no es la única proclama pedagógica que
hacía del orden y la homogeneidad un estandarte. Sin embargo, en esta propuesta
aparece clara la aplicabilidad en términos financieros de la homogeneidad en un nivel
masivo, ya que lo poco oneroso que resultara implementar el método parece constituir
la segunda razón de peso para su adopción en la recientemente independizada
Iberoamérica. Si se piensa en que las escuelas elementales de principios de siglo XIX,
donde se sigue un método tradicional que se arrastra desde los tiempos de la colonia,
un maestro no podía atender a más de 20 o 30 alumnos (incluso contando, a veces,
con ayudantes pagos)42 podrá advertirse la bienvenida con que los políticos
iberoamericanos reciben al método: con un mínimo de recursos, el estado podrá
proveer de enseñanza elemental a la totalidad de la población infantil.
En un texto de 1823 adjudicable a Bernardino Rivadavia, por entonces secretario
de gobierno de Buenos Aires, se advierten estas expectativas positivas. Es notable la
contundencia del autor cuando critica a la enseñanza primaria en tiempos coloniales y
pondera las virtudes del método monitorial:
“Entonces (en la Colonia) se ignoraba que había en el mundo una manera de
enseñar tan sencilla, tan breve y tan barata que no dejaba protesto a los más
miserables para no prestarse al medio más fácil de ilustración general que han
conocido los siglos. No es preciso advertir que este es el método de enseñanza
mutua”43.
Sencilléz, brevedad y baratura. Los discursos de la época muestran hasta que
punto políticos y pedagogos latinoamericanos del temprano siglo XIX encuentran en el
sistema mutuo la solución a muchas de las pretensiones políticas educacionales. La
tentación era enorme: se suponía que con una dotación mínima de docentes era
posible ofrecer educación básica a un número considerable de alumnos. La
alfabetización de porciones significativas de la población es ahora una cuestión
técnicamente resuelta, que solamente debe ser implementada con los cuidados
técnicos-pedagógicos-necesarios.
Pero además, estos partidarios del método sostienen, yendo bien más lejos, que
el ideal de la Ilustración General propagandizado a partir de la Revolución Francesa,
produjo por fin una técnica adecuada para llevarlo a cabo en regiones cuyas economías
y recursos aparecen diezmados por la guerra. En América Latina en general, y en
Buenos Aires en particular, el uso del sistema de monitores parece encaminarse a
garantizar la concreción de ciertas proclamas iluministas en lo que respecta a la
educación básica y universal: un sistema de educación que podrá llegar a cubrir la
necesidades de escolarización de la masa infantil pobre. Es decir, con independencia
de la notoria influencia británica en lo relativo al método mutuo, los impulsores
42
Newland, Carlos La educación escolar en hipanoamérica. Continuidad y cambio en un entorno
colonial en Martinez Boom, Alberto y Narodowski, Mariano Escuela, historia y poder. Miradas desde
América Latina. Novedades Educativas, Buenos Aires, 1996.
43
Prologo al libro de: Laborde, Alejandro de (Conde de Laborde): Plan de la enseñanza para las
escuelas de primeras letras o edición compuesta del Plan publicado en francés en 1815 según los
métodos del señor Bell y del señor Lancaster, por una traducción anónima de 1816 y manual práctico
del método de mutua enseñanza publicado en Cádiz en 1818 por la Sociedad Económica de Amigos
del País de aquella provincia, Imprenta de los Expósitos, Buenos Aires, 1823. Como se observa, en un
mismo volumen se editaron dos libros lancasterianos. En cuanto al prologo, el mismo está firmado con
las iniciales B.R. por lo que es posible afirmar que, muy probablemente, fuera redactado por el propio
Bernardino Rivadavia. Sobre la autoría del prologo puede verse Narodowski, Mariano Libros de texto
de Pedagogía en la formación de docentes en Buenos Aires (1810-1830), Primer Seminario MANES
(Manuales Escolares), Universidad Nacional de Educación a Distancia, Madrid, 1996
36
latinoamericanos del método de enseñanza mutua ubican a la Instrucción Pública como
origen de la prosperidad social, lo que remite directamente al pensamiento del español
ministro de Carlos IV Gaspar Melchor de Jovellanos (1744-1811)44: gracias al sistema
lancasteriano, el ideal iluminista, finalmente, era practicable.
Es en relación a esto que Weinberg denominara “modelo de la ilustración” (y a la
adaptación o resignificación de estas ideas en el contexto de la independencia
iberoamericana)45 que varios de los líderes de la independencia sudamericana no
ocultaban sus simpatías por el desarrollo del método. Entre la segunda y la quinta
década del siglo XIX, el método se difundió desde el norte hasta el sur de las Américas.
En varios países y ciudades recientemente independizados políticamente del dominio
de la metrópoli europea, el método de enseñanza mutua se expande generando por
primera vez un movimiento pedagógico continental de características teóricas y
metodológicas semejantes y que se alimentaba de una misma fuente teórica.
Obviamente en cada situación social y nacional el método lancasteriano implicó
diversos modos de expansión en la realidad de las nacientes instituciones escolares
modernas.
El general José de San Martín, nombrado “Preceptor de la Libertad del Perú” el 3
de agosto de 1821, instituyó la utilización del método lancasteriano en Lima, valiéndose
de los servicios de un pedagogo escocés que había llegado a la capital peruana
procedente de Valparaíso (Chile) el 11 de julio 1822”46: el inefable James Thomson.
Esta coincidencia delata una notable congruencia entre procesos políticos
independentistas y la utilización, desde las nuevas conducciones políticas, del discurso
de la pedagogía monitorial. Por ejemplo para el análisis del caso peruano, interesa
destacar que en su correspondencia, Thomson relata con que premura fue recibido
personalmente por San Martín en el día de su arribo a Lima y con que presteza fueron
contratados de inmediato sus servicios para la implementación del método británico47.
El 6 de julio de 1822 y por orden de Bernardo de Moteagudo se decreta en la Lima
libre del poderío español la implementación del método, lo que incluía- como fuera
usual en Buenos Aires y Santiago, las escuela anteriores en el viaje de Thomson- el
establecimiento de una Escuela Normal bajo la dirección de Thomson, la utilización del
colegio de Santo Tomás de Lima para su funcionamiento (hecho análogo a la utilización
del Convento de los franciscanos en Buenos Aires) con el consiguiente desplazamiento
de sus religiosos a otros destinos y la obligación de concurrencia a la Normal de todos
los maestros de las escuelas públicas acompañados de “dos discípulos de los más
adelantados”. En el artículo cuarto del decreto se precisaban los propósitos de
homogeneización del sistema de escolarización por medio del sistema de Lancaster:
44
Puede verse Mérida Nicolich, Eloísa El concepto de Instrucción Pública. Sus notas características en
Campomanes, Jovellanos, Cabarrús y Quintana en Ossenbach Sauter, Gabriela y Puelles Beníes
(Orgs.), Manuel la revolución francesa y su influencia en la educación en España, Universidad
nacional de Educación a distancia y universidad Complutense de Madrid, Madrid, 1990.
45
Weinberg, Gregorio Modelos educativos en la historia de América Latina, Kapeluz Unesco-Cepal-
PNNUD, Buenos Aires, 1984, capítulo 3.
46
Thomson, Letters…, p. 34. Puede verse también Amunátegui Solar, Domingo: El sistema
lancasteriano en Chile y otros países sudamericanos, Imprenta Cervantes, Santiago, 1895. La opinión
de Amunátegui respecto de nuestro pedagogo itinerante y evangelizador James Thomson es por lo
menos ambigua: “…el lector se pregunta si está en presencia de un protestante sincero o de un
hipócrita desvergonzado.”, p. 39.
47
Letters…, p .34-35.
37
“En el término preciso de seis meses, deberán cerrarse todas las escuelas públicas de
la capital, cuyos maestros no hayan adoptado el sistema de enseñanza mutua”48.
Según Bruno-Jofre, la organización lancasteriana le impone al Perú sus “primeras
escuelas públicas” las que, en época de Thomson, estaban caracterizadas no
solamente por los arquetipos de la enseñanza monitorial sino especialmente por la “…
enseñanza cristiana no denominacional”, “que fue parte de un esfuerzo por abrirle al
Perú las puestas al progreso y la civilización…”49, esfuerzo doctrinariamente respaldado
por la British and Foreign School Saciety. Con la llegada de Bolivar a Lima, a la Normal
de dicha capital se habrá de agregar, en 1825, el establecimiento de una Escuela
Normal erigida y organizada según los preceptos pedagógicos del sistema lancastriano
en cada uno de los departamentos del Perú50.
Simón Bolívar era un empedernido defensor del método de enseñanza mutua y ya
desde sus viajes iniciáticos a Europa hacia 1810, había entrado en contacto con los
pensadores utilitaristas británicos con los que conocería el nuevo método de enseñanza
mutua: Bolívar había entrado en contacto tanto con Lancaster como con Bentham, a los
que había conocido en Londres51. Bolívar intentó extender el método monitorial a todas
las escuelas de Caracas. En mayo de 1823 se produce lo impensado: en una carta
desde Baltimore dirigida a Bolívar, el propio Lancaster se ofrece para establecerse en
Colombia. Detalla su interés en introducir su sistema de educación, “perfeccionando y
reformando entre la juventud de esa nación”. Finalmente concluye se escrito: “Y espero,
que ya que mi sistema excitó en tu mente un interés tan vivo y poderoso cuando
estabas en Londres, recibirá ahora tu aprobación definitiva y tu apoyo personal”52.
Joseph Lancaster llega a Colombia procedente de Estados Unidos, de la ciudad
de Baltimore. En este país el método de enseñanza mutua mantuvo una importante
extensión en su aplicación especialmente en Filadelfia y New York, donde también
participará el propio Lancaster de la organización general de las tareas relativas a la
generalización del proceso de escolarización53. Pero además, las perspectivas
civilizadoras que se le atribuían a su implementación de una tecnología escolar que
respondía directamente al mandato de la Ilustración General y la posibilidad, a través
de su configuración, de educar a sectores poblacionales tradicionalmente marginados
del aprendizaje de las primeras letras tanto como la baratura de aplicación, llevaron a
utilizarlo en intentos de educación de algunos sectores de la comunidad aborigen
norteamericana54.
48
Gaceta de Gobierno, Tomo III, Nro. 4, citado por Zuretti, Juan Carlos: El General San Martín y la
Cultura. Ensayo conmemorativo. Universidad de Buenos Aires, Facultad de Filosofía y Letras, Buenos
Aires, 1950, p. 147.
49
Bruno-Jofre, Rosa del Carmen. La introducción del sistema lancasteriano en Perú: liberalismo,
masonería y libertad religiosa en Bastián, Jean (Comp.) Pretestantes, liberales y francmasones.
Sociedades de ideas y modernidad en América Latina siglo XIX, Fondo de Cultura Económica,
México, 1990.
50
Decreto del 31 de enero de 1825 citado por Rumazo Gonzalez, Alfonso El pensamiento educador de
Simón Rodríguez, Ensayos, Caracas, 1977, p. 67.
51
Fernandez Heres, Rafael La educación venezolana bajo el siglo de la ilustración, Biblioteca de la
academia Nacional de la Historia, Buenos Aires, 1995, p. 285.
52
Citado por Fernandez Heres, La educación venezolana…, p. 284.
53
Hogan David. Examination merit and moral: The market revolition and disciplinary power in
Philadelphia’s public schools, 1838-1868, Historical Studies in Education/Revue d’histoire de
l’education (HSE/RHÉ) 4 (1), 1992, p.31-78.
54
Véase a este respecto el amplio análisis que se efectúa en el artículo de Rayman, Ronald: “Joseph
Lancaster’s Monitorial System of Instruction and the American Indian Education, 11815-1838”, History
of Education Quaterly, 21 (1), 1981, p. 395-409.
38
Lancaster reside en Caracas entre 1824 y 1827 al amparo de una Junta Protectora
que había conseguido suscripciones y donativos por valor de 1124 pesos para sufragar
los gastos de viaje55. Pero al impulso inicial se le sobreponen problemas de dos tipos:
por una parte la falta de fondos y la crisis económica determinaba la falta de pagos y las
constantes quejas de Lancaster, quien se lamentaba frente a los funcionarios del
municipio y amenazaba permanentemente con volver a Inglaterra si no se le pagaban
las cuotas que se le debían56. Parece ser que la situación de Caracas no fue de la
mejores. A pesar de haberse casado en esta ciudad y en contrario que presentara en
su proyecto de viaje a la América recién emancipada, sus biógrafos hacen notar que
Lancaster “se tornó agrio y desencantado opositor del gobierno colombiano” 57. Esto,
probablemente influido por los pagos de las deudas, los que nunca llegan a honrarse.
Gabriel García Marquez relata el general en su laberinto la situación de Bolívar frente a
Lancaster.
La tercera [carta de Bolívar] fue para el ministro de Colombia en Londres,
el poeta José Fernandez de Madrid, pidiéndole que pagara una letra que
el general había girado en favor de Sir Robert Wilson, y otra del profesor
inglés Lancaster, a quien se le debía veinte mil pesos por implantar en
Caracas su novedoso sistema de educación mutua. ‘Mi honor está
comprometido en ello’, le decía58.
55
Fernandez Heres, p. 289.
56
Citado por Fernandez heres, p. 293.
57
Salcedo Bastardo, José Luis El Primer deber con el acervo documental de Bolivar sobre la educación
y la cultura, Equinoccio, Ediciones de la Universidad simón Bolivar, Caracas, 1973, p.149.
58
García Marquez, Gabriel, El general en su laberinto, Oveja Negra, Bogotá, 1989, p. 143.
59
Puede verse por ejemplo Vaughn, Edgard: Joseph Lancaster en Caracas (1824-1827) y sus
relaciones con el libertador Simón Bolivar, Ministerio de Educación, Caracas, 1989; el mismo
Fernandez Heres, La escuela caraqueña de Jospeh Lancaster, San Cristobal, 1989; Weinberg,
Gregorio: Las ideas lancasterianas de Simón Bolivar y Simón Rodriguez, s/f (mimeo) y también
Luzuriaga, Lorenzo: Origen de las ideas educacionales en Simón Bolivar y Simón Rodriguez, s/f,
(mimeo) Universidad Central de Venezuela, Caracas, s/f. Véase también Milgarejo Vivanzo, José: La
enseñanza lancasteriana, Edición Normal Veracruzana, 1975.
60
Fernandez Heres, p. 297.
61
Fernandez Heres, p. 298-299.
39
De Lancaster y su proyecto no quedó nada, sino el recuerdo, y el propio
Revenga en mayo de 1829 el informe que dirigió al Presidente del
Consejo de Ministros, expresaba que ni en esa provincia ni en ninguna
otra de estos cuatro departamentos, se encuentra una sola escuela de
enseñanza mutua, aunque la ley quiso que las hubiese en todas las
especies en todas la parroquias de Colombia62.
40
método. Según la autora, en este año las escuelas lancasterianas de la Capital
atienden a 5847 alumnos66.
En Brasil se tienen noticias de la introducción del método en 1821 en Río de
Janeiro, siendo fomentado por las autoridades educacionales durante una década y
media e implantando con cierto éxito aparente en la región norte y nordeste, de acuerdo
a algunos historiadores. Según fuentes recolectadas en uno de los textos clásicos de la
historia de la educación brasileña67, es probable que haya sido el Brasil – junto con
México – el país en el que el método persistiera por mayor tiempo, aunque de un modo
poco centralizado y más ligado a intereses particulares.
La política en torno a la introducción del método lancasteriano en el Brasil data del
año 1821 cuando el pedagogo portugués Antonio Falcão de Frota somete a la
consideración del Senado una “Memoria”68 en la que describe las ventajas del sistema,
basadas, como de costumbre en la facilidad y baratura para la educación escolar de los
niños y las niñas. El modelo que se propone es el de la Escuela Lancasteriana de
Montevideo, en la entonces Banda Oriental o Provincia Cisplatina. En base a este
proyecto, D. Pedro I, Emperador del Brasil, emite un Decreto creando en Río de Janeiro
una Escuela Mutua y no otorga el control de la misma a una Dirección de Escuelas,
como en Buenos Aires, o a una Sociedad de particulares, como en México sino al
Ministerio de Guerra. En la Memoria de Falcão de Frota, se hace constar que el
inspirador y organizador de la escuela mutua montevideana no había sido otro que…
James Thomson…
A diferencia de los países hispanoamericanos, en Brasil el sistema lancasteriano
parece construir una operación semejante a la militarización de la educación escolar; o
mejor dicho, la institución escolar moderna nace a partir de la organización militar: el
Ministerio de Guerra supervisa las escuelas y los nuevos establecimientos
lancasterianos de las distintas provincias son dirigidos por militares que se forman como
maestros lancasterianos en Río de Janeiro. En el Decreto de D. Pedro I puede verse:
“Vi por bien mandar crear en esta Corte una Escuela de Primeras Letras, en la que se
enseñará por el Método de Enseñanza Mutua, siendo en beneficio no solamente de los
militares del Ejército sino de todas las clases de mis súbditos que quieran aprovechar
tan ventajoso establecimiento”69.
Esta militarización, que hacía decir al emperador que de la escuela podían
aprovecharse quienes no fuesen militares, parecía atravesada por una visión aún no
infantilizada respecto de quienes iban a ser procesados mediante la escolarización. No
parece indicar el Decreto Imperial que la escuela que se estaba creando sea una
escuela infantil. Sin embargo, como señala Antonio Chizzoti70, lo que sí es una obsesión
en la dirigencia política imperial es al utilización del método de enseñanza mutua con el
fin de estructurar un “sistema” escolar en el país.
En 1827, la situación legal se modifica, se moderniza y cambia por completo con
la nueva ley del 15 de octubre. En ella, se destacan tres cuestiones relevantes. Primero,
que todas las escuelas que se establezcan sean de enseñanza mutua (art. 4); segundo,
que los castigos corporales se eliminen, aplicándose a efectos disciplinarios la
66
Tank de Estrada…, p. 512 y ss.
67
Pires de Almeida, José: Historia da instrução pública no Brasil (1500-1850), INP-PUC, São Paulo,
1989.
68
Antonio José Falcão de Frota, Memoria, Senado da Camara-Biblioteca Nacional, Río de Janeiro,
1821.
69
Decreto del 1 de marzo de 1823.
70
Chizzotti, Antonio. A Constituinte de 1823 e a educação. en FÁVERO, Osmar. A educação nas
Constituintes brasileiras, Editora Autores Asociados, Campinas, 1996.
41
propuesta de Lancaster, es decir, el sistema de premios y castigos (art.16) y tercero, el
gobierno de la educación pública estará en manos del Ministerio del Imperio y ya no
más del Ministerio de Guerra (art.17)71. Como advierten varios autores, a partir de
finales de la tercera década del siglo XIX el cuerpo infantil comienza a ser un elemento
central en el proceso de escolarización en el Brasil72.
Desafortunadamente, no son muchos los datos estadísticos que la historiografía
educacional brasileña ha elaborado acerca del comportamiento de la matrícula en el
período de aplicación del método. Sin embargo, algunos autores redefinen “un
generalizado crecimiento de las estadísticas educacionales” para el período 1827-1860
en las provincias del Mato Grosso y en menor medida en el Goiás. En lo referente a
Mato Grosso, se indica no solamente un importante crecimiento del número de
inscriptos sino también una evaluación de la tasa de escolarización y una caída de la
demanda de educación elemental en escuelas particulares73, a favor de escuelas
públicas de enseñanza mutua.
Si bien el Brasil del temprano siglo XIX presenta un sostenido crecimiento de la
oferta de educación escolar a través del sistema mutuo, en lo que respecta al desarrollo
pedagógico las diferencias con México y Argentina son significativas. Durante el
período, no se editaron ni se tradujeron libros de pedagogía lancasteriana: sólo se
posee evidencias de la circulación del material en lengua inglesa, por los que los
maestros brasileños (al contrario de los mexicanos y los de Buenos Aires) difícilmente
hayan tenido acceso directo a las ideas de los más importantes educadores de la
época. El único texto traducido presentado para su divulgación, jamás fue publicado74.
El paso de Thomson por Montevideo brindó sus frutos porque a su llegada en abril
de 182075 le sigue el arribo del maestro español recientemente emigrado al Plata José
Catalá y Codina, quien llega a Montevideo procedente de Buenos Aires a implementar
el método mutuo de enseñanza de acuerdo a las indicaciones que le diera Thomson 76.
En realidad, ya en 1820 existía una escuela lancasteriana pública creada por el Cabildo
a cargo del maestro Francisco Calabuig. Más todavía, según el clásico estudio de
Jesualdo la primera escuela de enseñanza mutua se había creado en 1816 en
Concepción del Uruguay77.
¿Cuál era la diferencia entre las escuelas uruguayas anteriores a la llegada de
Thomson y el emprendimiento de Catalá? Evidentemente, existe en estos pedagogos la
intención no tanto de inaugurar una experiencia pedagógica aislada del acuerdo a los
dictados de la moda pedagógica europea sino el de crear un verdadero sistema de
educación de la infancia. El día anterior a la inauguración de su escuela central Catalá
convoca a una asamblea de vecinos en la que expone los principales puntos relativos a
71
Ley Imperial del 15 de Octubre de 1827.
72
Ferreira Bretas, Genesco Historia da instrução pública em Goiás, Universidade Federal de Goiás,
Goiania, 1991, p.139 y siguientes.
73
Sosa, Jesualdo La escuela lancasteriana. Ensayo histórico-pedagógico de la escuela uruguaya
durante la dominación luso-brasileña (1817-1825), en especial del método de Lancaster; acompañado
de un Apéndice documental. Revista Histórica, año XLVII, tomo XX, n. 58-60, 1953.
74
Se trata de la obra Eusébio Vanério, Tradução do Ingles de Escola Britanica e Estrangeira. Systema
ou Methodo de Mr. Lancaster, Arquivo Naional, Código 807, v. 12, Rio de Janeiro, 1820.
75
Canclini, p.65.
76
Véase Araújo, Orestes Historia de la educación uruguaya, Montevideo, 1911 y el más reciente trabajo
de Bralich, Jorge Una historia de la educación en el Uruguay. Del padre Astete a las computadoras,
Fundación de Cultura Universitaria, Montevideo, 1996.
77
Sosa, Jesualdo La escuela lancasteriana. Ensayo histórico-pedagógico de la escuela uruguaya
durante la dominación luso-brasileña (1817-1825), en especial del método de Lancaster; acompañado
de un Apéndice documental”. Revista Histórica, año XLVII, tomo XX, n. 58-60, 1953.
42
las ventajas del método lancasteriano: primero, señala el educador, el método de
enseñanza mutuo es un sistema más veloz que el tradicional; segundo, la diferencia
ronda en los cuatro años entre un sistema y el otro; tercero, los niños pueden dedicar
esos cuatro años a tareas productivas. Catalá concluye finalmente su alocución con el
siguiente cálculo económico:
Debo pues suponer que cada niño puede ganar en cualquier trabajo que
emprenda (…) seis pesos por mes, que multiplicados por 12 que son los
meses del año deducimos que cada niño gana al año 72 pesos;
multiplicada ahora esta cantidad por mil, que es el número de niños [de la
escuela], asciende a 72000 pesos; y multiplicada esta última cantidad por
4, que son los 4 años que se ahorran los niños y dedican al trabajo
después de educados, hace un producto total de 288.000 pesos78.
La modernización escolar
Estos procesos educacionales acaecidos en las diferentes regiones
latinoamericanas en el contexto de un proceso de emancipación política predisponen a
esbozar una de las principales hipótesis del presente estudio. La introducción del
método de enseñanza mutua en América permite pensar en un intento moderno de
transformación de la educación escolar; el primer intento de los países recién
independizados por darse, a través de diferentes tácticas político-organizativas, un
sistema propio de educación escolar adaptando la más importante innovación educativa
del momento: el método lancasteriano.
En primer término podría afirmarse que en las primeras décadas del siglo XIX, la
educación estará vinculada a cambios políticos y sociales que tienden a encuadrarse en
las reglas generales de una república o monarquía modernas. A partir de este criterio,
la instrucción en escuelas deja de ser un modo de preparación individual o un
emprendimiento encuadrado dentro de ciertas prácticas evangelizadoras para
convertirse, antes que nada, en el medio por el cual el discurso pedagógico dispone de
78
Citado por Bralich, Jorge La enseñanza privada en el Uruguay en el siglo XIX, Montevideo, 1993
(mimeo).
79
Idem.
43
un mecanismo específico sobre el cuerpo infantil que habrá de producir o consolidar las
necesarias transformaciones políticas, sociales o económicas de las sociedades.
Resulta evidente en el caso de estas sociedades de independencia reciente que la
masificación de la educación a través del método monitorial permitiría evolucionar
desde una organización socio-política colonial y heterónoma a una organización
independiente; y desde formas tradicionales de producción a las nuevas formas que
debería adoptar la agricultura, el comercio y muy especialmente la industria.
Esto último adquiere una enorme envergadura desde el momento en que la
escuela mutua constituye el dispositivo tecnológico central para el cumplimiento de la
proclama ideológico-doctrinaria básica de la Ilustración General, al menos en el sentido
que le habían otorgado a ese concepto los pensadores y políticos predominantes en
sus nuevas sociedades. Pero con independencia de la cuestión estrictamente
doctrinaria, parece posible pensar que el método de enseñanza en América Latina ha
ofrecido un cuadro altamente seductor en la medida en que propone una modalidad
pedagógica que reduce al máximo los castigos corporales y al mismo tiempo pondera
muy positivamente ciertas reglas de juego competitivas y meritocráticas relativas a una
moral utilitaria. Moral que resulta del todo acorde a las nuevas formas de organización
productiva, que se esperaba que en poco tiempo se desarrollase en las nuevas
naciones independientes: ya que aún no poseemos máquinas ni grandes industrias,
parecían razonar los pedagogos del temprano siglo XIX latinoamericano, al menos
convirtamos a las escuelas en usinas de trabajadores prácticos y competitivos capaces
de adaptarse rápidamente a las demandas organizacionales de las fábricas.
Por otro lado, el intento de generalización de la educación elemental por medio de
escuelas mutuas parece posicionarse a partir del reconocimiento y la valoración de una
recionalidad técnica del método lancasteriano y no solamente en proclamas
ideológicas, éticas e incluso económicas, las que de hecho pueden llegar a variar en
gran medida cuando son histórica o culturalmente diversos los sectores sociales que
respaldan o justifican la aplicación del método. En capítulos posteriores del presente
trabajo habremos de intentar explicar cómo a partir de este escenario signado por la
credibilidad en el dispositivo escolar logrado por el discurso de la pedagogía
lancasteriana, es que aparecen otros personajes en América Latina: Thomson, Falcão
de Frota, Lancaster, Catalá; pedagogos modernos, figuras recortadas del poder político
y relativamente autónomo de él; unas figuras profesionales legitimadas preferentemente
por los conocimientos técnicos que poseen acerca de los fenómenos educacionales y
muy especialmente por su capacidad operativa de organizar un sistema escolar, con
independencia de sus creencias religiosas o sus afanes personales.
Para concluir, vale destacar que en los inicios del siglo XIX el Estado comienza a
desarrollar un rol, unificador y homogeneizante de la educación escolar o, en otros
términos, la educación comienza a ser “razón de estado” por encima (y disciplinando)
los intereses corporativos de los maestros y los pedagogos. Por supuesto, cada
sociedad afronta la cuestión de manera diferente y en los anteriores párrafos se han
propuesto varios casos bien distintos entre sí: no es lo mismo una Dirección de
Escuelas (Buenos Aires), que una Sociedad de Particulares (México) o que el Ministerio
de Guerra (Río de Janeiro) cautelando el desarrollo del proceso de escolarización. Sin
embargo, y a pesar de las estrategias elegidas, en Caracas, Lima, Río de Janeiro o
México el Estado asume un rol protagónico en su interés por garantizar que los
procesos educacionales contribuyan a alcanzar los ideales pretendidos y a disciplinar el
cuerpo infantil por medio de una meticulosa y racional organización del sistema de
escuelas.
44
Esperanzas y desesperanzas del método lancasteriano
Las ventajas que desde el punto de vista discursivo enarbolaron el éxito
propagandístico del método en América Latina, se respaldaron en cuatro variables: el
tiempo, la administración, la amplitud, y la uniformidad-homogeneidad80:
• la variable tiempo encierra la rapidez, la expeditividad, la brevedad, la prontitud
en el aprendizaje y la reducción de la escolaridad, dado que bajo este método de
enseñanza era suficiente la mitad de tiempo en años para aprender, que con el método
tradicional;
• la variable administración abarca la economicidad en dinero, el ahorro y el menor
gasto, por la exigencia que cada escuela tuviese un maestro único ayudado por sus
monitores, lo que implicaba una disminución en la contratación de docentes, en este
sentido se afirma que: “el sistema tenía por objeto la educación de los pobres y lo
barato que resultaba era su atractivo principal. El costo por alumno era muy pequeño
cuando las escuelas eran grandes ya que sólo requerían una persona asalariada: el
director81;
• la amplitud del método estuvo determinada por el intento de escolaridad masiva,
para que ésta se extendiera a la mayor parte de la población y por no limitarse
exclusivamente a la escuela, ya que el modelo de este método no solo era propicio para
el ámbito escolar sino que se prolongaba también en el sector extraescolar, como el
trabajo fabril y;
• con la variable uniformidad y homogeneidad en los procesos escolares, se buscó
que todas las escuelas enseñaran lo mismo y al mismo tiempo, a tal punto que si un
alumno se cambiaba de escuela pudiera retomar en el punto donde había dejado. De
este modo se brindaba la posibilidad de educar pública y gratuitamente a todos los
ciudadano, en especial al sector infantil pobre y marginado de la enseñanza, por eso se
afirma que con este sistema hay “posibilidades de extensión de la oferta de educación
escolar”82.
Así como hubo ventajas que enaltecieron el método, poco a poco comenzaron a
surgir desventajas que dieron por tierra a las anteriores. Entre las inconvenientes más
destacadas referidas a América Latina se encontraron (Querrién, Narodowski,
Szuchman)83 la reducción de los salarios de los maestros, las resistencias al método por
parte de los maestros y padres, y la falta de capacidad para llevarlo a cabo:
• la primera desventaja pone en evidencia el disconformismo de los mismos
maestros, ya que para llevar adelante este método debían estudiarlo formándose ellos
primero en él, para poder emplearlo en segundo término. Los maestros estaban
80
López, Claudina. La educación escolar en el siglo XIX: el caso del Reglamento de Enseñanza Mutua
de Pablo Baladía. Argentina, Universidad Nacional del Centro (Pcia. de Bs. As.), 1997. (Tesis de
licenciatura)
81
Good, H. G.. Historia de la Educación Norteamericana. 1era. ed. México, Unión Tipográfica Editorial
Hispano América, 1996. p.149.
82
Narodowski, Mariano. La pedagogía y la cuestión del nacimiento de la escuela moderna: el caso de
Buenos Aires. Espacios en Blanco, n. 2, 1995, p. 15.
83
Querrién, Anne. Trabajos elementales sobre la escuela primaria.. Barcelona, La Piqueta, 1985;
Narodowski, Mariano. La expansión lancasteriana en Iberoamérica: El caso de Buenos Aires. Instituto
de Estudios Histórico Sociales (I:E:H:S.), v. 9 1994, p. 255-277.; Szuchman, Mark. Childhood
Education and Politic in Nineteenth-Century Argentina: The Case of Buenos Aires. The Hispanic
American Historical Review (H A H R), v. 70; 1, 1990, p.109-138.
45
disconformes porque su autoridad estaba desligitimada, e invadido a su poder
pedagógico por los especialista y el Estado;
• la segunda hace referencia por un lado, a la supresión de los ayudantes de los
maestros, por lo que el trabajo que aquellos realizaban recayó sobre éstos últimos y por
el otro lado, el conflicto entre dos bandos bien diferenciados unos, los que se ocupaban
de la educación desde el punto de vista de la planificación como las autoridades, los
políticos y los pedagogos especialistas, partidarios del método y los otros, los maestros
a quienes les competía poner en práctica el método diariamente;
• la tercera manifiesta un punto de vista común, tanto los maestros como los
padres de los alumnos coincidían en que era mejor el manejo tradicional del salón de
clases, sostenido por el método simultáneo. También existieron conflictos con éstos
últimos, dado que “muchos padres no admitían la absorción de sus hijos por parte de la
institución escolar y celaban que una organización tan pulcra no tuviera otro objetivo
que la leva de los jóvenes a los ejércitos”84;
• la cuarta desventaja refleja la desesperanza del método con respecto al
aprendizaje de los contenidos curriculares, dado que este sistema no enseñaba con la
facilidad y rapidez prometida sino que lo hacía con lentitud, lo cual denuncia su falta de
eficiencia. A esto se suma el desorden escolar “…como señalaba bastante
cáusticamente un inspector respecto a las clases “a gritos” de Borough Road: “el Sr.
Lancaster tuvo una buena idea: si permitía a los niños que hiciesen ruido, nunca se les
pasaría por la cabeza que la enseñanza les resultara un trabajo pesado” ”85, que se
opone al disciplinamiento, al ser trastocada la autoridad dado que el lugar del saber no
era fijo, se ponía en cuestión quien mandaba en la institución escolar, por esta razón
este método de enseñanza se vuelve incontrolable.
Por otro lado, el castigo fue un elemento central para mantener el orden frente a
las extralimitaciones, sin embargo un autor señala que “muchos de los motivos
utilizados no eran precisamente los más adecuados. Se hacía buen uso de castigos, así
como de recompensas y competencias... pero tales métodos hacían que los niños
fuesen engreídos y fatuos y no acrecentaban su sed de conocimientos ni su deseo de
cooperar entre sí”86. Por eso fueron reemplazados poco a poco por una moral utilitarista.
Conclusiones
Esta novedad metodológica denominada método mutuo, produjo una inquietud
progresiva en todos los países iberoamericanos, por la prontitud, la brevedad y la
economicidad en el hacer de su estructura organizativa institucional; de este modo fue
como despertó en los distintos gobiernos la prisa para contratar la capacidad técnica de
los especialistas recién llegados, tal urgencia se respaldó en que el método mutuo
pareció tener afinidad con las proclamas políticas de la época.
La legitimidad de este saber pedagógico, se apoyó esencialmente en cuestiones
que se tornaron oportunas para satisfacer la necesidad de escolarización de la
población - particularmente pobre- en el contexto de la reciente emancipación de las
84
Narodowski, Mariano. El lado oscuro de la luna. El temprano siglo XIX y la historiografía educacional
Argentina en Cucuzza Rubén (Comp.) Historia de la educación en debate. Buenos Aires, Miño y
Dávila, 1996a. p.276.
85
Hurt, J. S.. Education in evolution: church, state; Society and popular education 1800-70, p.89,citado
por Jones Dave. La genealogía del profesor urbano en Ball J. (Comp.) Foucault y la educación,
disciplina y saber (Madrid, Morata, 1993).
86
Good, H. G. Historia de la educación norteamericana. 1era. ed. México, Unión Tipo-gráfica Editorial
Hispano América, 1996, p. 158.
46
metrópolis. Tales cuestiones se centraron básicamente en: la uniformidad de las activi-
dades escolares, la planificación didáctica, el ordenamiento racional, la homogeneidad,
la baratura, la facilidad en la transmisión etc.; todas estas características dieron
garantías al método para lograr el éxito basado en el objetivo de escolarización masiva,
garantías que a su vez justificaron su significativa expansión denominándolo movi-
miento pedagógico continental, proveniente de una misma fuente teórica: los marcos de
referencia de los patrocinadores ingleses.
En los distintos países hubo insistencias para el establecimiento de escuelas
mutuas, decretos que reclamaron su presencia o incluso la exigencia de que las
escuelas públicas se convirtieran en mutuas, de acuerdo a cada realidad
iberoamericana. En este sentido, los aires de aceptación y el aumento progresivo de
sus avances se relacionó con las fuertes esperanzas que apostaban sus ventajas. Sin
embargo, todas las alabanzas y halagos brindados al principio, no fueron suficientes
para asegurar que su presencia se afincara definitivamente, dado que comenzaron a
aparecer cuestiones latentes que tal vez nunca terminaron de cerrarse tal, como el
tema de la religión.
Más allá de las ventajas que elogiaron al método, la realidad denunció que los
efectos fueron contrarios a los esperados, el discurso se esfumó y las experiencias
concretas parecieron refutar la teoría, entonces el apoyo que supo conquistar al
principio se fue haciendo cada vez más mezquino y paulatinamente el método llegó a
su fin, quedando solamente sus cenizas; a partir de las cuales resurgirán, ciertos
dispositivos que actualmente son considerados vestigios de aquel andamio pedagógico.
47
O MÉTODO LANCASTER
Educação elementar ou adestramento? uma
proposta pedagógica para Portugal e Brasil
no século XIX
87
Professora da Universidade Federal de Alagoas; doutora em Filosofia e História da Educação -
Unicamp/SP.
48
A segunda causa porque falta a gente deste reino é por não terem ofícios
com que ganhem de comer por sua indústria, que é o meio que Deus deu
para a sustentação de cada um; e como os homens não têm de que se
sustentar, não se querem casar, e muitos com esta ocasião se fazem
vadios, andando pedindo esmola pelas cidades e vilas, homens e
mulheres em tão grande número que parecem exércitos; e a desculpa que
dão para pedirem é que não acham em que trabalhar. (Faria, p. 188).
O método Lancaster irá representar no século XIX uma proposta redentora para a
classe operária, para os setores da produção que carecem de um operariado dócil,
disciplinado e que possuam os conhecimentos rudimentares da leitura, escrita e
aritmética.
No que se refere às despesas, o método apresenta a sua grande vantagem, uma
vez que um “mestre” pode encarregar-se do ensino de novecentos ou mil discípulos, e
além do salário desse mestre, não há senão a despesa da casa destinada à escola,
pedras, lápis, tinta, papel e livros elementares. Outra vantagem é com relação à
brevidade do tempo gasto, uma vez que a aplicação da disciplina da escola possibilita
a emulação bem dirigida e o avanço do discípulo de mais talento.
51
escolas; e 3a - generalizar a instrução necessária às classes inferiores da
sociedade”. (Mendonça, 1982, p. 368).
53
das que se fabricam, pois somos colocados no mundo, não somente para que façamos
de espectadores, mas também de atores” (Comenius, 1976, p. 145-6).
Distintamente, Lancaster limita a capacidade humana das classes inferiores à
aquisição, através da memorização e repetição, do alfabeto, das palavras e da destreza
da escrita. A distribuição dos meninos nos bancos e nas classes, conforme uma
gradação que é determinada pelo ajudante (decurião) ou do mestre, a partir daquilo que
o aluno tenha “adquirido”, oferece-nos a medida da aprendizagem, que repousa na
memorização e na interminável repetição de letras, sílabas e palavras, até atingir a
perfeição de decorar passagens longas da Bíblia.
A distribuição do material pedagógico, que obedece a uma organização rígida,
disposto em lugar elevado, longe do manuseio e ao alcance apenas dos olhos das
crianças, oferece-nos uma explicação da importância dada ao conhecimento que, para
muitos, haveria de se tornar algo passível apenas de ver ou memorizar, mas jamais
fazer parte intrínseca de sua própria existência. A divisão entre trabalho manual e
intelectual atinge na sociedade moderna seu ápice.
Tudo está disposto em tal ordem para dizer aos filhos da classe operária: “Não te
iludas, não perca tempo.” Cabe-lhe repetir as lições conforme a ordem e regularidade
impostas. Apenas isso. Nada além disso. Continuemos com a exposição do método:
O mestre tem também seus ajudantes que são tirados da classe mais
adiantada. No arranjamento da sala e seus móveis, há grande número de
circunstâncias que parecem de pouca importância, mas que merecem
muita atenção, pelo que contribuem à regularidade dos movimentos,
marchas e estudos dos meninos. Por exemplo, os bancos e mesas devem
ter somente a largura e distância entre si necessárias, para ocupar o
menor lugar possível, e dar acomodação para maior número de meninos;
os bancos e mesas não devem ter esquinas agudas, porque nelas se
ferem os meninos quando entram ou saem com rapidez; a sala deve
possuir bastante janelas, para que seja suficientemente ventilada; mas as
janelas tão altas que os meninos não possam olhar para fora, o que os
distrai consideravelmente do seu estudo.
A distribuição dos meninos em classes não pode ser demasiadamente
minuciosa; não deve haver número demasiado para as diferentes classes,
porque logo que um menino sobressai aos outros de sua classe, deve ser
mudado para outra classe superior, e não perder o seu tempo em repetir o
que já sabe com os outros que não estão tão adiantados. Com este
método um menino preguiçoso, ou de curtos talentos, não retarda o
progresso dos outros que são mais industriosos ou de maior engenho.
Este método faz que a instrução seja tanto mais fácil e vantajosa, quanto
a escola é mais numerosa, o que é o contrário do que sucede no método
usual que quanto maior é o número dos meninos tanto mais difíceis são
os progressos porque os mais provectos esperam pelos outros, e
enquanto estes repetem as suas lições, os outros estão perdendo o seu
tempo sem fazer coisa alguma.
Esta distribuição de classes se deve levar a tal ponto de exatidão, que se
um menino depois de ter passado para uma classe superior se esquece
do que aprendeu na inferior, é preciso torná-lo a passar para a classe de
que tinha saído, humilhação que serve de castigo assaz rigoroso e que
estimula a ambição dos meninos. Para isto, antes de um menino passar
54
para uma classe superior, se lhe deve oferecer a alternativa, ou de passar
para outra classe superior, ou de ficar algum tempo na em que está,
servindo de ajudante decurião.
Grande número de subdivisões nas classes, e a contínua passagem de
umas classes para outras são os mais importantes melhoramentos deste
plano de educação elementar (Op. cit., p. 368-9).
56
adiantados e os mais atrasados. Cada classe, além do mestre que pertence a toda a
escola, possui um decurião e um subdecurião.
Da distribuição de tarefas entre o mestre, o decurião e os subdecuriões depende o
progresso da escola. Ao mestre fica reservada a tarefa de avaliar a todos, ao passo
que o trabalho de assistir aos demais é feito pelo decurião e subdecurião. Nesse ponto
se explica a arte de tamanha economia apregoada pelo método. À medida que um
grupo de crianças adquire o domínio em cada classe, logo são nomeadas as duas de
melhor desempenho para assumir a árdua tarefa de ensinar aquilo que mal acabaram
de memorizar.
Continuando:
57
O decurião diz: “preparar”, a esta voz levantam todos os meninos da
classe o dedo índex para cima: o decurião nomeia a letra, por exemplo
“A”. Cada menino escreve o seu A na areia; e o decurião passa a
examinar as letras de cada um, e na volta a alisar a areia .
É pois necessário que a mesa sobre que está a areia tenha o caixilho por
tal maneira, que as bordas sirvam como de regrado, ocupando a letra toda
a largura da mesa que contém a areia, no que se marca o comprimento
do corpo da letra e das hastes superiores e inferiores, com suficiente
exatidão, para familiarizar os meninos com a figura das letras, e com as
devidas proporções entre o corpo e as hastes das letras.
Notaremos ultimamente, como parte mui essencial da regularidade da
escola, que os meninos devem aprender a sair do banco, formar o
semicírculo em torno da carta (cátedra); voltar para o banco; e sair por fim
da escola...
Mr. Lancaster toma, além disso, outra preocupação, quando os meninos
estão de pé em semicírculo junto à carta: faz que todos tenham as mãos
juntas detrás das costas; regulamento que previne brincarem uns com
outros e distraírem-se do que estão aprendendo, como os rapazes
costumam em quase todas as escolas ( Mendonça, 1982, p. 369-371).
58
Destacam-se a seguir os principais artigos da Carta de Lei de 15 de outubro de
1827, que propõem a aplicação do ensino mútuo:
Análises imprecisas como essa percorrem as bibliotecas sem que se tenha feito
um estudo comparativo entre as leis provinciais, a correspondência da Instrução
Pública e os relatórios dos diretores da Instrução Pública. Essa pesquisa, ao debruçar-
se sobre esses documentos, constata a impropriedade de conclusões apressadas como
a de Titara. Na verdade, quando foi sancionada a lei n. 21, de 9 de março de 1836,
regulamentando a instrução primária, já haviam sido publicadas inúmeras resoluções
da Assembléia, criando escolas de primeiras letras.
Faz mister destacar que as leis imperiais motivaram os governos provinciais de
Alagoas a tomar medidas em favor do ensino de primeiras letras. O regulamento de
1836 organiza as escolas em seus quatorze artigos, prescrevendo desde a
institucionalização da figura do “inspetor escolar” aos conteúdos para o ensino,
passando pela distribuição das matérias e horários convenientes para ministrá-las. O
grande destaque desse regulamento é a obrigatoriedade do registro de todas as
ocorrências do cotidiano da escola.
Na correspondência da Instrução Pública, os mapas de Aulas Públicas de
Primeiras Letras, que vão de 1836 a 1872, são fiéis às instruções propostas no método
Lancaster e respaldadas na Carta de Lei de 1827.
Vale destacar que as facilidades econômicas propostas pelo ensino mútuo,
objetivando oferecer educação elementar para a classe menos desfavorecida, não
permitiram que, nas décadas que se sucede-ram à proposta de implantação do método,
a instrução primária na província de Alagoas ultrapassasse 10% da população em
idade escolar.
60
Os governos provinciais se encarregavam de criar a escola e nomear o professor;
mas a instalação escolar, treinamento dos professores no método, a fiscalização
pedagógica e a eficiência educacional não entravam nas cogitações oficiais.
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Comentada por Marcos C. de Mendonça. Rio de Janeiro: Xerox do Brasil, 1981.
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SMITH, Adam. Inquérito sobre a natureza e a causa da riqueza das nações. Lisboa:
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61
O ENSINO MÚTUO NO BRASIL
(1808-1827)88
Introdução
O presente estudo pretende abordar a história do ensino monitorial/mútuo na
Inglaterra e na França e sua presença no Brasil no século XIX. A análise de um método
tem a função de ilustrar um período da história das idéias pedagógicas: de suas
origens, objetivos, princípios, críticas. Assim, analisarei o ensino mútuo no Brasil no
período que antecede a adoção oficial do método pelas autoridades governamentais
em 1827. As referências às experiências com o método serão abordadas com base na
da ótica francesa90, sem com isso querer negar as influências oriundas da Inglaterra.
Para Moacyr “na época em que o governo brasileiro introduziu ou quis introduzir este
sistema de instrução primária, o Brasil procurava imitar mais a Inglaterra que a França,
o que se compreende facilmente”91. Essa opção deveu-se ao contato com as fontes
francesas; é necessário um estudo da British and Foreign School Society e de seu
boletim, na busca de informações sobre o método no Brasil e o grau de influência
inglesa.
62
Zélis94, ao traçar a história do ensino mútuo, afirma que um esboço do mesmo é
encontrado nas escolas monásticas, nas escolas dos Irmãos de Vida Comum, na Alta
Idade Média, e em certas escolas de caridade, no período anterior à Revolução
Francesa95. Librecourt assinala também que Comenius havia preconizado esse método
por permitir ensinar tudo a todos96. O método, no entanto, seria sistematizado
separadamente por A. Bell (1753-1832) e por J. Lancaster (1778-1838), que reivindicam
a paternidade do mesmo. Nos métodos de ensino individual e simultâneo, o agente de
ensino é o professor. No método mútuo, a responsabilidade é dividida entre o professor
e os monitores, visando a uma democratização das funções de ensinar.
A. Bell, médico e pastor anglicano, aplicou princípios do método nas Índias
Inglesas, em Madras, onde dirigiu um orfanato de 1787 a 1794. Não podendo contar
com mestres capacitados, teve a idéia de utilizar os melhores alunos – os monitores –
para transmitir aos demais alunos os conhecimentos que haviam aprendido com o
professor. Com esse método, conseguiu instruir quase duas centenas de alunos.
Quando retornou à Inglaterra, publicou Essai d’éducation fait au collège de Madras
(1797), onde relata sua experiência: “o meio pelo qual uma escola inteira pode instruir-
se ela mesma sob a supervisão de um só professor.”
Ao mesmo tempo, Lancaster, da seita dos Quackers, criou uma escola para
crianças pobres em Londres (oitocentos meninos e trezentas meninas) em 1798.
Diante do problema de instruir gratuitamente grande número de alunos sem utilizar
muitos professores, decidiu dividir a escola em várias classes, colocando em cada
classe como monitor um aluno, com conhecimento superior ao dos outros e sob direção
imediata do professor. Lancaster percebeu que, por esse método, um só professor era
suficiente para dirigir, com ordem e facilidade, uma escola de quinhentos e até mil
alunos. Publicou Amélioration dans l’éducation des classes industrieuses de la société,
onde destaca os resultados obtidos, estimulando a abertura de inúmeras escolas
imitando o método de Lancaster.
O monitorial system ou méthode mutuelle, nome adotado na França, baseia-se no
ensino dos alunos por eles mesmos. Todos os alunos da escola, algumas centenas sob
a direção de um só mestre, estão reunidos num vasto local que é dominado pela mesa
do professor, esta sob um estrado. Na sala, estão enfileiradas as classes97, tendo em
cada extremidade o púlpito do monitor e o quadro-negro. Os alunos estão divididos em
várias classes, seis em geral, todos com nível de conhecimento semelhante, ou seja,
nenhum aluno sabe nem mais nem menos que o outro. Depois de averiguado o
conhecimento do aluno, ele é integrado a uma classe. A classe tem um ritmo
determinado de estudo e um programa a desenvolver de leitura, escrita e aritmética.
Por exemplo, a leitura, para os menores da primeira classe, consiste em aprender o
alfabeto e traçar as letras sobre a areia; na segunda classe, os alunos são iniciados nas
sílabas de duas letras, que escrevem sobre a ardósia; na terceira, fazem a combinação
com três letras; na quarta, trabalham as palavras com várias sílabas; na quinta,
começam a ler; somente na sexta classe lêem correntemente. Cada aluno pode
94
ZÉLIS, Guy. L’École primaire en Belgique, depuis Moyen Âge. p. 133.
95
“O Plano de Educação Nacional de Lepeletier lido por Robespierre, a 13 de julho de 1793, inspirando-
se em técnicas do modo de ensino mútuo, previa uma gestão supervisionada das classes, de forma
que as crianças mais velhas pudessem auxiliar o professor, tomando conta dos mais novos e atuando
como repetidores das lições expostas pelo mestre”. BOTO, Carlota. A escola do homem novo: entre o
Iluminismo e a Revolução Francesa. p. 173.
96
LIBRECOURT, Alexandre. Bell e Lancaster. Promoteurs de l’enseignement mutuel.
97
O termo classe, no método mútuo, designa um conjunto de aquisições e conhecimentos; a primeira
corresponde aos iniciantes.
63
pertencer ao mesmo tempo a várias classes diferentes: ele pode estar mais avançado
em leitura do que na escrita ou no cálculo.
O trabalho em cada classe é dirigido por um instrutor, o monitor, principal agente
do método. Ele é um dos alunos da classe que, dentro de uma especialidade
determinada, se distingue pelos seus bons resultados e, por isso, é colocado à testa da
classe. O professor, antes do início da aula, dá uma explicação e indicações
particulares. Quando os demais alunos chegam à escola e tomam seus lugares, o
monitor de cada classe transmite aos seus colegas os conhecimentos que lhe foram
dados pelo professor. Por exemplo, para um exercício de leitura, o monitor indica o
texto a preparar e toma a leitura de seus colegas; quando um aluno comete um erro ou
hesita na leitura, ele o repreende e solicita que continue a leitura, até que a dificuldade
seja superada. O monitor é quem tem o controle da classe e classifica os alunos na
classe. Quando um aluno se distingue, quando se mantém regularmente como primeiro
da classe, pode ascender à classe superior, ocupando o último lugar. Se, depois de
algum tempo, não for observado progresso, ele retorna à classe que estava. Ele
também pode ajudar o monitor e, no caso de sua ausência ou na sua promoção,
substituí-lo. Assim, durante o ano, ocorre um movimento contínuo de classificação dos
alunos.
Com essa organização, o papel do professor é restrito. Ele não tem contato direto
com os alunos, a não ser antes da aula com os monitores. Durante a aula, ele
permanece em sua mesa, ao fundo da sala, sobre um alto e vasto estrado, e é assistido
por um ou dois monitores, os mais velhos e instruídos, que transmitem suas ordens e o
substituem em caso de falta. Como chefe de orquestra, ele regula a marcha da escola.
Para conduzir e avaliar corretamente as centenas de alunos, o professor emite ordens
precisas e de fácil compreensão, através de sineta, apito ou de um bastão. Além disso,
controla o movimento dos alunos: a entrada, a saída, a instalação nos bancos, as
mudanças de exercício; controla e regulariza o trabalho dos monitores e, se um deles
demonstra pouco zelo na função, coloca-o na classe superior e designa um sucessor;
inversamente, se percebe que um monitor abusa do seu poder, repreende-o. O
telégrafo assegura a comunicação entre o professor, o monitor geral e os demais
monitores. Por exemplo, quando um exercício termina, o monitor, por meio de um
cartão, indica a nova tarefa, que todos deverão fazer ao mesmo tempo.
Na escola mútua, o tempo é disciplinado:
98
SARAZIN, M. Manuel des écoles élémentaires ou exposé de la méthode d’enseignement mutuel. p.
52-53.
64
Sarazin apresenta um quadro do emprego do tempo99 durante toda a semana e,
particularmente, durante o turno da tarde, o qual é bastante ilustrativo do controle do
tempo:
numa classe de escrita, para fazer a entrada dos alunos na classe é dado
um toque do sino; a seguir, os monitores sobem nos bancos e mostram os
números dos telégrafos para os alunos que chegam. Os alunos, de mãos
dadas dois a dois, marcham juntos, sobre uma linha, sem bater os pés;
99
Idem, ibidem, p. 54.
65
para cessar a marcha e obter silêncio, é dado um sinal de apito. Os
alunos entram em suas classes respectivas de escrita. Cada aluno se
coloca diante de uma ardósia, mantendo-se sempre voltado para o
monitor, marcando o passo levemente100.
66
fórmulas e receitas; na transmissão de conhecimentos superficiais e sem valor, que
não leva os alunos à reflexão e não desenvolve a inteligência. O aluno é a grande
vítima da mecânica do ensino mútuo: está preso a um verdadeiro sistema militar, que o
leva a agir somente mediante uma ordem e a submeter-se a um condicionamento
destinado a torná-lo um cidadão dócil e obediente. Foucault104 considera o ensino
mútuo uma máquina de quebrar os corpos e as inteligências105.
Na França, o ensino mútuo foi adotado a partir de 1815, através da Commission
D’Enseignement Élémentaire, criada por Napoleão I, e de uma sociedade privada, a
Société pour L’Instruction Élémentaire106, criada por iniciativa de J.M. de Gérando,
Laborde, Lasteyrie e Jomard. Entre 1815 e 1820, edificaram-se mais de mil escolas
mútuas, que reúnem 150 000 alunos. Foi instalada em Paris uma escola normal de
ensino mútuo. A sociedade editou uma revista pedagógica, Journal d’éducation107, que
servia de instrumento de propaganda e de ligação entre as diferentes escolas. O
ensino mútuo se extinguiu progressivamente a partir da lei Guizot (1833) 108, por ter
suscitado críticas dos conservadores e de membros do clero: formar autômatos, ser
inventado por estrangeiros e por protestantes109.
67
preocupava-se com a difusão do ensino de primeiras letras a ser
ministrado nos “Pedagogos”. Recomendava, também, a transmissão de
conhecimentos indispensáveis aos agricultores, operários e comerciantes,
através do ensino nos “Institutos”, colocando-se assim como a primeira
sugestão oficial de organização de um sistema de ensino popular no
Brasil e na primeira tentativa de vincular à educação o preparo para as
atividades produtivas. Somente, em 1826, o Conego Januário da Cunha
Barbosa retomou o projeto Sockler, que foi transformado em lei no que
concerne ao ensino elementar114.
113
Esse projeto está publicado na revista História da Educação. Asphe/Pelotas, v. 2, n. 4, p. 145-205,
set. 1998.
114
PAIVA, Vanilda. Educação popular e educação de adultos. p. 60.
115
CORREIO BRAZILIENSE: Educação elementar -Introdução; A Origem do Novo Sistema em
Inglaterra -Bell, Lancaster; Princípios em que se funda este Sistema; Emprego das diferentes classes
de meninos na Escola - primeira e segunda classe; Educação Elementar – terceira classe e seguintes;
Manual do sistema da Sociedade de Escolas Britânicas e Estrangeiras para ensinar a ler, escrever,
contar e costurar, nas escolas elementares; Disciplina das Escolas - prêmios e castigos.
116
LINS, Ana Maria Moura. O método Lancaster e a educação elementar em Portugal, Brasil e na
província de Alagoas no século XIX. In: Congresso O Livro. Leitura e Escrita em Portugal e no Brasil
1500-1970. Lisboa, 23-26 de janeiro de 1996. Fundação Calouste Gulbenkian. Resumos.
117
CORREIO BRAZILIENSE. Educação elementar - Introdução. Londres, abril de 1816. p. 346-350
68
A Société pour l’Instruction Élémentaire, responsável pela introdução do ensino
mútuo na França, propagou a iniciativa e estimulou a criação de sociedades
congéneres no exterior através da revista pedagógica Journal d’Éducation118. Nesse
periódico encontramos inúmeras referências ao ensino mútuo no Brasil no período de
1819 a 1827. A correspondência de brasileiros e franceses, residentes no Brasil, com a
sociedade era publicada na seção “Étranger”119 do periódico e nos relatórios da
Assemblée Générale de la Société pour l’Instruction Élémentaire. Um olhar sobre o que
foi publicado nos permitirá resgatar e conhecer fatos relativos à aplicação do ensino
mútuo no país.
A primeira referência ao Brasil aparece no número de abril de 1817, onde se lê a
seguinte informação: “o governo pediu um professor e o jovem M. Cournand 120, filho de
um professor com este nome, que fez excelentes estudos, foi enviado para esta missão
(implantar o ensino mútuo)”121.
Em fevereiro de 1818, ao fazer um balanço das atividades da sociedade em
assembléia geral, M. Becquey enfatizou a informação referida, quando afirmou que “vós
sabem que um institutor partiu neste momento para o Brasil...” 122. Em julho de 1819, o
periódico publicou carta do conde de Scey123, recém-chegado ao Brasil, datada de 22
de maio, do Rio de Janeiro, ao presidente da Sociedade pela Instrução Elementar de
Paris, em que informava as suas iniciativas de aplicação do método:
Eu me ocupei de comunicar, no Brasil, os benefícios do ensino mútuo, fazendo
principalmente a aplicação em jovens negros, de um e outro sexo, que são trazidos da
costa da África, nos quais as faculdades morais são praticamente nulas. Eu já obtive
resultados que prometem ser venturosos. As idéias se fixam e o amor-próprio se
desenvolve pelo desejo de ser monitor, por mais difícil que seja formá-los. Até o
momento presente, faço todos os quadros à mão e os componho eu mesmo. Diante
das formalidades da alfândega e a censura sobre os objetos impressos, eu não pude
superar as dificuldades para a introdução dos materiais, necessários à aplicação do
método, a não ser que a sociedade pudesse me fazer chegar um ou dois exemplares
de todos os quadros, e de tudo que faz publicar, principalmente o que é relativo à
instrução das meninas, parte que eu pouco segui e que é muito importante neste país.
Seria necessário que essa remessa se realizasse por intermédio do Ministério e fosse
dirigida ao Cônsul da França, ao qual faria o reembolso das despesas e dos fretes.
118
TRONCHOT, em sua tese intitulada L’Enseignement mutuel em France de 1815 a 1833, aborda as
Sociedades pela Instrução Elementar Estrangeiras, que introduziram o método mútuo em seus países,
retirando informações desse periódico. TRONCHOT, R. L’enseignement mutuel en France de 1815 a
1833. p. 447 e 449.
119
Em 1818, por solicitação de Lasteyrie, foi criado um “Comitê de correspondência com as escolas
estrangeiras”, a fim de “expandir um exemplo que é grande, liberal e útil,(...)de propagar
indistintamente um método, os benefícios, e contribuir à expansão de nossa língua e de nosso
comércio.” TRONCHOT, R. op. cit. p. 440.
120
Não foi encontrado registro de entrada no Brasil desse professor. No Registro de Estrangeiros(1808-
1822), José H. Rodrigues, na introdução, afirma que, nessa época, deram entrada 15 professores. Em
Os franceses residentes no Brasil (1808-1822), Guilherme Auler faz referência a três professores de
língua francesa e dois de música.
121
JOURNAL D’ËDUCATION. n. 3, avril 1817. p. 34.
122
JOURNAL D’EDUCATION. Paris, n. 5, fév. 1818. p. 269.
123
Na publicação do Arquivo Nacional, Os franceses residentes no Rio de Janeiro (1808-1821),
encontramos a seguinte referência: “Mr. Le Conte de Scey. Residente na rua do Ouvidor, francês, 48
anos, mecânico, veio de Paris no navio holandês Aimble S. Jean, aqui chegou em 20 de abril de 1819,
vai morar com Mr. Gondin, apresentou passaporte.” A. N.: Rio de Janeiro,1960.
69
A sorte dos negros é tão desgraçada que concorrer para amenizá-la
entramos, sem dúvida ,nos aspectos filantrópicos da sociedade. Pela
instrução os negros conseguem reunir os fundos necessários para
comprar a sua liberdade e a de seus filhos. Não tenho mais nada a
acrescentar à essa observação.
Assim que meus ensaios tiverem tido aprovação do governo, enviarei
cópia do processo verbal à Sociedade e informá-la-ei dos resultados dos
meus esforços, que terão vencido, e o espero, todos os obstáculos124.
O conde parece ter sido o primeiro a implantar o método mútuo no Brasil. Sua
preciosa carta nos dá pistas e sinais fundamentais para melhor entender a implantação
do método mútuo: a sua aplicação em negros escravos, a educação percebida pelos
senhores de escravos como dispositivo de libertação, a rede de comunicação
estabelecida com a sociedade francesa.
Em agosto de 1819, novamente foi noticiada a situação do ensino mútuo no Brasil:
um outro francês que fundou uma escola no Brasil, em favor dos jovens
negros de ambos os sexos, vindos da costa da África, solicitou instruções
e conselhos à Sociedade. Este desejo foi acolhido com entusiasmo, e
enviamos ao Rio de Janeiro os modelos, livros, quadros, etc. Pela
instrução, os infelizes negros conseguiram comprar a sua liberdade e de
seus filhos126.
124
JOURNAL D’ÉDUCACION. Paris, ano IV, n. X, juillet 1819.
125
JOURNAL D’ËDUCATION. Paris, ano IV, n. XI, aôut 1819. p. 230.
126
JOURNAL D’ÉDUCATION. Paris, ano V, n. X, juillet 1820. p. 260.
70
Conde de Gestas 127 seguiu o meu exemplo em sua terra, e todos os seus
escravos receberam os conhecimentos elementares sobre a língua
francesa e portuguesa, educação religiosa, e ganhou muito com isso. Os
plantadores vizinhos, observando a boa conduta destes negros, em que o
grau de civilização aumentou a população, se apressarão com certeza em
empregar os mesmos meios, quando puderem ser bem assessorados e
procurar institutores. É para formar os meios mais rápidos e prontos, que
recorri à boa vontade dos senhores, e eu terei sempre o dever de lhes
informar dos resultados dos meus trabalhos128.
127
“Conde de Gestaes. Residente à rua do Conde, 65 e66, francês, 31 anos, nobre, casado, veio de
Lisboa há 8 anos a estabelecer-se e trouxe sua mulher a Condessa de Rogercis.” A. N. Os franceses
residentes no Rio de Janeiro (1808-1821). Rio de Janeiro, 1960. (Parece ter chegado em 1808).
128
JOURNAL D’ÉDUCATION. Paris, ano V, n. XI, aôut 1820. p. 313.
129
JOURNAL D’ÉDUCATION. Paris, ano VII, n. v, fev. 1822. p. 331.
130
CHAIA, Josephina. A educação brasileira. Índice Sistemático da Legislação (1808-1889). v. l1, p. 34.
131
JOURNAL D’ÉDUCATION. Paris, ano VII, n. X, jul.1823. p. 207.
71
criou para os operários uma escola de primeiras letras, dentro do Arsenal do Exército,
em que se ensinaria pelo método lancasteriano: “convindo promover a instrução de
uma classe tão distincta dos meus subditos, qual a da corporação militar, e achando-se
geralmente recebido o methodo do Ensino Mútuo, pela facilidade e precisão que se
desenvolve o espírito, e o prepara para a aquisição de novas e mais transcendentes
ideas...”
A decisão n. 11, de 29 de janeiro de 1823, “permite o estabelecimento de uma
aula de ensino mútuo na Côrte”, e o decreto de 1º de março de 1823, “cria uma escola
de primeiras letras, pelo método do Ensino Mútuo, para instrução das corporações
militares”, acrescenta que “sendo em benefício, não somente dos militares do Exercito,
mas de todas as classes dos meus subditos que queiram aproveitar-se de tão vantajoso
estabelecimento”132.
Almeida, referindo-se a esse decreto, afirma que
o governo cria uma Escola de Ensino Mútuo que deveria ser instalada no
Rio de Janeiro e, para propagar este sistema de instrução, uma ordem
ministerial de 29 de abril seguinte exigiu de cada província do Império o
envio de um soldado133 que seguiria as lições desta escola a fim de
aprender aí o método para, em seguida, propagá-lo na província de
origem. Uma outra ordem ministerial de 22 de agosto de 1825 insiste na
necessidade de propagar o ensino mútuo134.
132
PEREIRA, J. C. Considerações gerais sobre a década da independência e a educação através de
sua legislação específica. Revista de História. São Paulo, ano 25, v. XLVI, n. 94, 1973. p. 413-31.
133
A decisão n. 69, da Guerra, “manda tirar dos corpos de linha das Províncias um ou dois indivíduos
para freqüentarem nesta Côrte as escolas de ensino pelo Método Lancaster”. A decisão n. 130,
“manda abonar aos oficiais inferiores e cadetes que vierem das Províncias aprender o método do
ensino mútuo uma gratificação mensal enquanto freqüentarem a dita aula.”
134
ALMEIDA, J. R .P. de. op. cit. p.57.
72
escola normal no Corpo da Guarda de Bélem, tendo formado 68 professores em seis
meses. Em 1818, havia 55 escolas de ensino mútuo em Portugal, que foram
freqüentadas por 3 843 alunos, sendo 1 891 militares e 1 952 burgueses.135 Esses fatos
evidenciam a vinculação inicial das escolas de ensino mútuo em Portugal com o setor
militar, voltadas à instrução das primeiras letras dos seus quadros, o que
provavelmente influenciou a implantação do método no Brasil.
É interessante destacar a observação de Almeida sobre essa iniciativa oficial de
implantação do ensino mútuo: “O fato desta criação ser feita pelo Ministro da Guerra
mostra que a instrução pública não dependia de um único ministério, e que os diversos
ministros e a Câmara Municipal podiam tomar medidas a respeito deste assunto”136.
Peixoto, expressa visão contrária a essa: “Ensino que parte do Ministério da Guerra,
Minerva que torna a Palas, pareceu então miraculoso...”137.
A criação e orientação das escolas de ensino mútuo também pareceu ter sido
responsabilidade da Repartição dos Negócios da Guerra, como podemos constatar
pelas decisões: n. 203, de 27 de setembro de 1824, que “manda abrir uma escola de
Ensino Mútuo para indivíduos dos corpos da guarnição desta Corte...”; n. 150, de 13 de
julho de 1825, e n. 153, de 18 de julho de 1825, que, respectivamente, mandam criar
escolas de ensino mútuo nas províncias do Ceará e Pernambuco. A decisão n. 9, de 17
de janeiro de 1826, “remete aos Diretores das Escolas de Ensino Mútuo os exemplares
de paradigma dos registros necessários à manutenção das escola”; a de n. 38, de 17
de março de 1827, “manda que os professores das escolas de Ensino Mútuo remetam
de seis em seis meses uma conta circunstanciada do estado das mesmas escolas”.
Essa situação parece ter perdurado até 7 de fevereiro de 1828, quando a decisão de n.
25, da Guerra, “manda cessar a correspondência com a Repartição da Guerra
relativamente às Escolas de Ensino Mútuo por elas estabelecidas, devendo ser dirigida
à Repartição do Império”.
As medidas oficiais denotam o interesse na implantação do método, como
podemos verificar pela fala do imperador dom Pedro I, na inauguração da Assembléia
Constituinte, em 3 de maio de 1823, sobre a instrução pública, quando destaca a
iniciativa de criação de uma escola de ensino mútuo, entre outras medidas,
“conhecendo a vantagem do ensino mútuo também fiz abrir uma escola pelo método
lancasteriano”.138 Em decreto de 1º de março de 1823, ele já havia demonstrado
interesse pelo método, “pela facilidade e precisão com que desenvolve o espírito e o
prepara para a aquisição de novas e mais transcendentes idéias.”
A Memória do Sr. Martim Francisco Ribeiro de Andrada Machado, apresentada à
Assembléia Constituinte de 1823, destacava as vantagens do método mútuo:
135
JOURNAL D’ÉDUCATION. Paris, ano IV, n. XII, set.1819. p. 323.
136
ALMEIDA, J. R. P. op. cit. p. 57.
137
PEIXOTO, Afrânio Noções de história da educação. p. 288.
138
MOACYR, Primitivo. Op. cit., p. 71.
73
deste modo o professor co-ajudado pelos discípulos, pode manter a
ordem em todas...139
74
apresentaram à consideração um projeto de ensino público integral no qual fazem a
seguinte referência: “os mestres procurarão aproximar-se o mais possível do método
lancasteriano, repartindo o ensino por decúrias, afim de que os mais adiantados
discípulos se exercitem no ensino dos menos adiantados, na metade do tempo da aula,
e depois recebam eles mesmos as instruções do mestre no resto do tempo” 143.
Em 1826, Miguel Calmon Du Pin e Almeida (Americus, mais tarde marquês de
Abrantes) publicou a obra Cartas Políticas Extraídas do Padre Amaro, em dois tomos.
No segundo volume dessa obra, a carta n. XII tem por título “Idéias elementares sobre
um sistema de educação nacional”, onde o autor dedica-se à explicação do sistema
idealizado por J. Lancaster144.
O Decreto das Escolas de Primeiras Letras, de 15 de outubro de 1827, primeira lei
sobre a instrução pública nacional do Império do Brasil, propõe a criação de escolas
primárias com a adoção do método lancasteriano:
143
MOACYR, Primitivo. Op. cit., p. 150.
144
NISKIER, Arnaldo. Educação brasileira: 500 anos de história (1500-2000). p. 104-105.
145
MOACYR, Primitivo. Op. cit., p. 189-191.
146
CHAGAS, Valmir. Educação brasileira: o ensino de 1º e 2º graus., p. 17.
75
Nas discussões relativas ao projeto de lei para a instrução pública primária, são
registradas falas que tanto questionam o método: “que se dê ao mestre o arbítrio de
ensinar pelo sistema que julgar melhor e não se deve obrigá-lo ao método de
Lancaster; a escola de ensino mútuo é diferente das outras? pergunta o Sr. Hollanda
Cavalcanti”; como fazem a sua defesa:
Concluindo
Um primeiro olhar sobre as fontes selecionadas neste estudo permite-nos melhor
conhecer a história do ensino mútuo no Brasil, sua introdução e implementação no
período que antecede o ano de 1827, quando a primeira lei de instrução pública o
oficializou e o disseminou pelas províncias.
O método mútuo é uma etapa da história da instrução pública e das escolas de
primeiras letras no Brasil, como parte do processo de incorporação das modernidades
dos países centrais, em fase de industrialização e conseqüente formação de cidadãos
adaptados a essa realidade. A difusão da instrução elementar às massas
trabalhadoras, exigia a racionalização do ato pedagógico, pela rapidez em ensinar, pelo
baixo custo, pela disciplina e ordem, pelo uso de poucos professores e vários alunos-
mestres.
Vincent afirma que o ensino mútuo nasceu com o processo de industrialização,
com a função de transmitir rapidamente e com poucos gastos a todos os alunos os
saberes e o saber-fazer indispensável àquele momento histórico148. No Brasil, pelo
contrário, para Xavier,
76
expansão e difusão do método; análise da questão docente, sua origem nos quadros
militares e as modalidades de formação e treinamento no método; estudo das leituras
que sinalizaram o conhecimento e orientaram a aplicação do método, ou seja, verificar
tanto a circulação do periódico Journal d’éducation e do boletim da British and Foreign
School Society, como o material didático e os compêndios escolares utilizados.
Bibliografia
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ZÉLIS, Guy. L’école primaire en Belgique, depuis moyen âge. Belgique: Galerie
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77
O ENSINO MÚTUO EM MINAS GERAIS
(1823-1842)
Introdução
Este texto trata da história da divulgação, institucionalização e crise do sistema de
ensino mútuo na província de Minas Gerais.
Parte de um esforço que um grupo de pesquisadores e estudantes da linha de
pesquisa História Social e Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da UFMG, vem desenvolvendo já há alguns anos, com o apoio
da Fapemig e do CNPq, para melhor conhecer a história da educação na província,
posteriormente, estado de Minas Gerais. Este texto pretende ser também uma pequena
contribuição à investigação da história dos métodos de ensino em nosso país.
Esse é, sem dúvida, um dos aspectos menos conhecidos da tão desconhecida
história da educação em nossa província no século XIX. Se, de uma forma geral, muito
há que ser investigado em nossa história da educação, apesar dos inegáveis avanços
das últimas décadas, em se tratando da história dos métodos, nossas pesquisas
apenas se iniciaram. É, no entanto, na utilização de abordagens que enfocam o
processo mais amplo de escolarização - envolvendo dados estatísticos, taxas de
escolarização, dentre outros - e aquelas abordagens que se interrogam sobre os
espaços e tempos escolares e, nesses, sobre as práticas efetivas de ensino e
aprendizagem, que a história da educação tem conhecido seus avanços mais
significativos.
Assim, ao enfocar a questão do método de ensino mútuo, tomando como fonte
documental um jornal, os relatórios de presidentes de província, a legislação escolar e
documentos escritos por professores, queremos fazê-lo no interior de uma prática de
pesquisa coletiva que tem como intenção estudar os processos de escolarização, as
culturas e as práticas escolares, conjugando, alternadamente, o longo, o médio e o
curto prazo.
78
A matéria, ao que tudo indica, foi reproduzida no jornal pelo seu editor, apontado
por muitos como sendo Bernardo Pereira de Vasconcelos, futuro membro do Conselho
Superior da província mineira, senador do Império e, sem dúvida, um dos mais
influentes políticos mineiros na primeira metade do século XIX.
O texto “Educação elementar” está organizado em cinco partes, a saber:
“Introdução”, “Origem do novo sistema em Inglaterra”, “Princípios em que se funda esse
sistema”, “Emprego das diferentes classes de meninos na escola”. Este último tópico
inclui um subitem denominado “Disciplina das escolas. Prêmio”.
No primeiro número do jornal, antes mesmo de iniciar a matéria, o editor explicita
seus propósitos afirmando:
Como estão a estabelecer nesta Província duas escolas de ensino mútuo, a que
algumas pessoas de consideração chamam mudo, julguei, que faria um serviço ao
público, transcrevendo algumas lições de tão importante ensino. A vista destas lições
se convencerão os incrédulos, de quanto convém promover, e generalizar na Província
este ensino (18/7/1825).
Esse propósito de convencimento sobre a superioridade do método reaparece
agora na matéria propriamente dita, logo no primeiro parágrafo, quando, muito
rapidamente, faz-se um diagnóstico da situação da instrução pública no Brasil: “O
sistema de educação elementar, que se tem seguido no Brasil, desde o seu
descobrimento, tem sido mui dispendioso, e mui delimitado; ainda sem notar outros
defeitos, que de tempos em tempos se tem conhecido, e se tem tentado remediar com
algumas providências oportunas” ( 18/7/1825).
A “Introdução” continua com o autor chamando a atenção para o uso que se fazia
do método nos países civilizados, notadamente a Inglaterra, não deixando, porém, de
ressaltar que o mesmo não acontecia na França, devido às vicissitudes da política
desse país.
É abordada também a questão da necessidade de despesa com a instrução das
“classes inferiores” da sociedade, no que o método é apresentado como sendo de
grande vantagem:
No entanto, afirma o autor do texto, para realizar esse fim, era preciso enfrentar
um grande problema: “O problema, pois, que há de resolver é: como se poderá
generalizar uma boa educação elementar, sem grandes despesas do Governo, e sem
79
que tire as classes trabalhadoras o tempo, que é necessário que empreguem nos
diferentes ramos de suas respectivas ocupações?” (18/7).
Por isso, nada melhor que o método mútuo, que, além de permitir uma grande
economia de recursos, pois um professor poderia trabalhar com novecentos ou mil
discípulos, também representava uma enorme economia de tempo. Sintetizando os
fatores de sucesso do novo método afirma: “Três causas contribuem para essa
brevidade do ensino: 1ª é a aplicação bem sucedida da disciplina na escola; 2ª a
emulação bem dirigida; e 3ª não retardar os progressos do discípulo de mais talento
fazendo-o esperar pelos outros de menor engenho” (18/7).
Nos números seguintes do jornal, a matéria traz, sob o título de “Origens do novo
sistema em Inglaterra”, um resumo do histórico do método. Fala de sua origem na
Inglaterra, de sua adoção em outros países e afirma ser de pouca importância para o
leitor a polêmica instalada sobre a verdadeira paternidade do método: se do dr. Bell ou
de J. Lancaster. Ao longo dessa parte, é acentuada a participação de particulares no
concurso da instrução pública, ressaltando-se os resultados conseguidos nesse
particular pelos mentores do método chamando a atenção também para a importância e
necessidade das escolas para meninas.
Na terceira parte da matéria, principiada no dia 27 de julho, sob o título de
“Princípios em que se funda esse sistema”, o autor expõe o que, ao nosso ver, constitui
o cerne da proposta defendida. O texto inicia-se com a seguinte síntese: “Dissemos já,
que o novo método de educação que nos propusemos a explicar, tem em vista três
grandes vantagens. 1ª abreviar o tempo necessário para a educação das crianças; 2ª
diminuir as despesas das escolas; 3ª generalizar a instrução necessária às classes
inferiores da sociedade” (27/7).
Com o desenvolver do texto, a partir das dimensões espaço-temporais do método,
o autor propõe-se a demonstrar a partir de que elementos centrais ele se organiza,
apresentando as idéias em relação à sala de aula, aos materiais necessários, à divisão
das classes, ao papel dos decuriões, ao tempo, dentre outros aspectos. Em relação à
sala ele afirma:
Para obter estes fins é necessário, em primeiro lugar, que a sala da escola seja
construída e mobiliada da maneira mais conveniente a por em prática o novo plano.
A sala deve ser um paralelo gramo, proporcionado ao número dos meninos; pouco
mais ou menos dois pés quadrados para cada um (27/7).
Diz ainda ser necessário a existência de um número grande de janelas, as quais
devem ser suficientemente altas para que os meninos não possam enxergar o que se
passa fora do recinto escolar e, assim, se distrair.
Quanto ao material, o autor sublinha, ao longo dessa parte da matéria, a
necessidade de existência de bancos, mesas, mesas de areia, cartas ABC ou outras,
porta-chapéus onde for possível, ponteiros e pedras para escrita, dentre outros. Quanto
às classes, afirma:
A divisão dos meninos em classes se fundamenta neste princípio: que todos os
meninos que ocupam uma classe tenham os mesmos conhecimentos, e que logo que
algum sobressaia aos demais seja passado para a outra superior. Os decuriões de
cada classe são tirados da classe superior e cada decurião tem um ajudante que é o
menino mais bem instruído da classe que esse decurião ensina (27/7).
Afirma que as classes devem ser em número de quatro e subdivididas quando se
fizer necessário. O texto refere que
segundo o plano de Mr. Lancaster, são oito as classes (mas, numa escola de mil
meninos, pode-se convenientemente dividir em dez), da seguinte forma: 1ª A B C; 2ª
80
Palavras ou sílabas de duas letras; 3ª Dito de três letras; 4ª Dito de quatro letras; 5ª
Dito de cinco letras; 6ª Lições de palavras de muitas sílabas; 7ª Leitura da Bíblia; 8ª
Seleção dos meninos que melhor lêem na 7ª.
Afirma-se também que “as classes de escrever se acham divididas da mesma
forma que as classes de ler”. Já as classes de aritmética são 12. Chama-se atenção, a
seguir, para o papel fundamental desempenhado pelos decuriões e, ao longo de todo o
texto, é ressaltada a necessidade de se cuidar com esmero de sua escolha.
Quanto ao tempo, afirma-se:
Art. 4º:
As escolas serão de ensino mútuo nas capitais das Províncias; e o serão
também nas cidades, vilas e lugares mais populosos delas, em que for
possível estabelecerem-se.
Art. 5º:
Para as escolas de ensino mútuo se aplicarão os edifícios, que houverem
com suficiência dos lugares delas, arranjando-se com os utensílios
necessários à custa da Fazenda Pública e os Professores, que não
tiverem a necessária instrução deste ensino, irão instruir-se em curto
prazo e à custa dos seus ordenados, nas escolas das capitais.
Art. 15:
Estas escolas serão regidas pelos estatutos atuais no que se não
opuserem à presente lei; os castigos serão os praticados pelo método de
Lancaster.
82
20, como membro do Conselho Provincial em Minas Gerais, ele esteve à frente de
projetos e propostas de reforma da instrução. Como membro de tal conselho, esteve,
certamente, envolvido na discussão e aprovação de outro documento de fundamental
importância para a história do ensino mútuo em Minas Gerais. Trata-se de um pequeno
livro de não mais que 14 páginas, publicado em Ouro Preto em 1829, sob os auspícios
da província e que traz como título o seguinte: Castigos Lancasterianos - Em
conseqüência da Resolução do Exmo. Conselho de governo da Província de Minas
Gerais, mandado executar pelos Mestres de 1as. Letras e de Gramática Latina154.
No livro, como o próprio título o indica, são estabelecidos e descritos
minuciosamente os castigos lancasterianos a ser utilizados nas escolas da província.
Nele podemos perceber, mais uma vez, que o grande problema imposto pelo método
mútuo refere-se à questão da ordem nas escolas. Nessas, a questão do tempo e
ocupação do espaço, experienciadas no ritmo, no entrelaçamento entre os meninos e
as classes, no vaivém dos discípulos, devem merecer a contínua vigilância:
Principais faltas que ocorrem nas aulas:
Épocas de questionamentos
Apesar da intensa propaganda sobre a superioridade do método, ao que tudo
indica, a maioria das escolas, mesmo na capital da província, Ouro Preto, continuaram
a trabalhar segundo o método de ensino individual. De uma forma explícita, o
questionamento sobre a efetividade do método mútuo é colocado pelo presidente da
Província em seu relatório de 1832. Nele se lê:
A instrução primária recebeu o impulso pela proposta, que na passada seção
dirigistes à Assembléia Geral, e mereces a sua atenção; mas devo observar que o
estado das finanças da Província não permitirá talvez que se realizem todas as
vantagens, que ali se prometem aos professores. Um defeito mais que existe, e que
não foi ainda remediado: a Lei que mandou ensinar muitas matérias nas Escolas de
primeiras Letras não previu que faltariam Mestres, que bem preenchessem os seus
deveres.
As Escolas Lancasterianas, que tanto prosperam na Europa, pouco fruto
tem produzido entre nós (Relatório Ao Conselho Geral da Província de
MG, 1832).
154
Devemos a Elizabeth Madureira, professora da Universidade Federal do Mato Grosso, a indicação
desse livro. Somos-lhe muito gratos porque muito gentilmente enviou-nos uma cópia digitada do texto.
83
O relatório de 1835 do presidente da província dá-nos algumas informações sobre
as escolas de primeiras letras em Minas Gerais. Nele observamos que, enquanto o
número de escolas de ensino mútuo era de apenas nove, as de ensino individual para
meninos eram 108 e, para meninas, 13. As de ensino mútuo atendiam a 635 meninos
(média de 70,5 por escola); as de ensino individual de meninos, a 2 239 (média de 20,7
por escola), e as escolas ensino individual para meninas, a 236 (média de 18,2 por
escola). Esses números de meninos ou meninas das escolas nos mostram que uma
escola de ensino mútuo, apesar de atender mais de 3,5 vezes o número de meninos ou
meninas atendidos por uma de ensino individual, estava longe de ser freqüentada por
uma “multidão” deles, conforme preconizado quando da sua defesa.
Ainda no ano de 1835, era a vez d’O Universal voltar a dar notícias das escolas de
ensino mútuo. Só que, dessa vez, a notícia não era muito animadora para os
defensores do método. Segundo o jornal:
85
e o tempo que o professor pode gastar com cada aluno tanto no método individual
como no simultâneo.
O professor Peregrino inicia sua escrita dizendo que a Memória é um plano para
melhorar as escolas públicas de instrução primária, com base naquilo que foi por ele
observado nas principais escolas de Paris e no Manual de ensino simultâneo de M. M.
Lamotte Laurin e no Manual do ensino mútuo, compostos por dois membros da
Universidade de Paris, aos quais ele não nomeia. Ele se propõe a reger por algum
tempo uma escola normal, ao lado de um professor que será por ele habilitado para
continuar regendo-a. É, então, encarregado da organização e direção da Escola Normal
de Ouro Preto.
Ainda no início da Memória, o professor Peregrino faz uma crítica aos professores,
pois considera que esses não têm princípios de uma boa educação e vão para o
magistério para fugir dos trabalhos corporais, não possuindo vocação e habilitação para
exercer tão nobre função. Não deixa, entretanto, de considerar que há exceções.
Logo após, segue realizando uma crítica ao método individual que é, segundo ele,
adotado nas escolas da província mineira. Suas críticas fundam-se na morosidade,
ociosidade e perda de tempo, colocando tal método como o principal responsável pelo
atraso em que se encontra a instrução pública em Minas Gerais. Chega a calcular
minuciosamente quanto tempo o professor gasta com cada aluno na explicação de
cada lição, como nos mostra este trecho: “Assim supondo uma multidão de
circunstâncias favoráveis, que nunca jamais se podem encontrar, temos que, no
sistema individual, cada aluno tem por dia 4 1/2 minutos de lição de leitura, 3 de escrita,
1/2 de cálculo.” (folha 3).
Depois de ressaltar todas as desvantagens do método individual, mesmo tendo
pressuposto condições imaginárias favoráveis, Peregrino detém-se no método
simultâneo. Na sua defesa, Peregrino diz que somente através desse método seria
possível “melhorar o sistema de ensino, e de economizar mais o tempo, fazendo que
um certo número de alunos aproveite da mesma lição sendo eles classificados em
grupos conforme seus graus de inteligência”. Passa, então, a descrevê-lo.
O professor Peregrino descreve em sua Memória uma escola em condições
imaginárias, na qual seriam matriculados 72 alunos, sendo dividida em cinco classes,
que entre si estivessem mais ou menos no mesmo grau, que tivessem a mesma lição e
que só aprendessem a ler, escrever e calcular. Ressalta que uma das maiores
vantagens do método seria a economia do tempo e a comparação entre os trabalhos
que possibilitaria o maior adiantamento dos alunos.
Prossegue sua descrição dizendo como deveria proceder o professor. Esse
deveria começar a aula chamando diante de si a primeira divisão, iniciando a partir daí
a lição de leitura, que dura 18 minutos. Em seguida, seriam chamadas à frente as
outras divisões de modo que o professor trabalharia com cada uma delas pelo menos
três vezes por dia. Para sua defesa do ensino simultâneo, ele calcula o tempo que seria
gasto com cada divisão. Assim continua o professor Peregrino:
Durante a escrita cada divisão terá 12 minutos a cuidados do professor(...)
O professor despenderá seis minutos com cada divisão nos cálculos
arithiméticos(...) Vê-se pois que cada divisão terá por dia 36 minutos de
lição de leitura, 24 de escrita, e 12 de cálculo tudo debaixo da imediata
inspeção do professor, além do restante de tempo, em que trabalharão
sempre, e quase sempre observados pelo mesmo professor (Folha 4 V).
86
A seguir, e ainda com o objetivo de convencer sobre a magnitude da sua proposta,
passa a descrever detalhadamente como deveria funcionar uma escola que adotasse o
método de ensino simultâneo. Acrescenta ao fato de a escola ser freqüentada por 72
alunos como se deveria proceder à divisão dos alunos. Segundo ele, uma turma
deveria ter cinco divisões e oito classes, compondo-se a 1ª divisão da 1ª e 2ª classe; a
2ª, da 3ª e 4ª classes; a 3ª, da 5ª e 6ª classes; a da 4ª, da 7ª classe; a 5ª, da 8ª classe.
Defende que a escola chamada por ele de modelo deve ser uma escola de 2º
grau, pois acredita que somente através de uma escola de 2º grau se deveria começar
o ensaio, “a fim de generalizar por toda a província um só sistema de ensino, visto que
se de outra sorte, nunca poderia o governo, ter dados suficiente para conhecer o estado
d’este negócio de interesse vital para a província.”
Em seguida, passa a explorar e explicar cada uma das quatro partes por ele
anunciadas no início da Memória. Na primeira parte é tratado o arranjo material, onde
se descrevem as condições ideais para que funcione uma escola e para que possa ser
freqüentada com assiduidade pelos alunos. Ele descreve, de forma detalhada, as
medidas da sala, o pavimento, o teto e as paredes, as janelas; os materiais utilizados
pelos alunos e pelo professor, como bancos e escrivaninhas; as ardósias, hastes,
estrado e cadeira; os semicírculos utilizados, a latrina e, finalmente, como devem ser
as marcas de prêmio e os escritos de punição que são utilizados como uma forma de
garantir a ordem e o bom aproveitamento dos alunos.
Os castigos físicos são repreendidos, acreditando-se que o efeito moral causado
pelos prêmios e pelas punições surtiriam muito mais efeito. Os alunos que se
sobressaíssem por seu adiantamento, morigeração e conduta teriam os nomes escritos
no quadro honorífico e aqueles que mereciam ser estigmatizados e corrigidos, no
quadro-negro.
Na segunda parte, são descritos os meios disciplinares. Segundo o professor
Peregrino, em uma escola de ensino simultâneo, os meios disciplinares eram
considerados: 1º) os vigilantes, que seriam aqueles mais adiantados e os primeiros de
mesa, de modo que cada divisão teria um responsável por ela; 2º) os registros, onde
seriam descritas as faltas e correspondências; 3º) a distribuição dos tempos e dos
trabalhos, nesse tópico sugere que sejam realizadas aulas pela manhã e à tarde,
descreve o dia e o tempo que deve ser gasto com as atividades; 4º) as ordens; 5º) as
recompensas e punições; 6º) os exames, que eram avaliados por autoridades locais.
Na terceira parte, prevê as medidas legislativas, sugerindo mudanças na lei n. 13,
a fim de alcançar o progresso mais rápido da instrução pública, e na inspeção que são
realizadas nas escolas.
Na quarta parte, elenca os deveres do professor e faz algumas observações
gerais. É interessante observar como a função do professor é sacralizada, devendo ele
“elevar suas esperanças e seus receios acima das recompensas, e penas destinadas
neste mundo ao seu estado. (...) ora em vão procuraria o professor o digno salário da
sua missão(...) sua glória é trabalhar para os homens, e não esperar sua recompensa
se não de Deos.”
Ao final da sua exposição, o professor Peregrino justifica o porquê de ter
defendido o ensino simultâneo, sendo naquele momento tão proclamadas as vantagens
do ensino mútuo. As razões expostas por ele dizem respeito ao fato de ter sido
orientado pelo Mr Lamatte, para quem, nas escolas com mais de cem alunos, devia ser
utilizado método simultâneo. Segundo o professor, depois de ter descrito ao Mr Lamatte
as condições em que se achava instrução pública na província mineira, esse não
hesitara em aconselhar-lhe a adoção de tal método, que foi por ele julgado o mais
87
adequado para tais circunstâncias. Informa, ainda, em sua Memória, que o método
mútuo não era geralmente adotado na França.
Para o professor Peregrino, uma das razões pelas quais decidira não fazer a
opção pela adoção do método mútuo era o fato de nem sempre “se achar no Brasil
alguém à altura do Abbade Gouthier, pode-se dizer o criador do método mútuo.”.
Segundo ele, esse podia ser também um dos motivos pelo qual o governo francês,
sempre que era possível, substituía as aulas regidas pelo ensino mútuo pelas do
ensino simultâneo.
Em seguida, refere que os métodos de ensino simultâneo e mútuo são os únicos
aplicáveis em nossas escolas públicas de instrução primária. Para o professor
Peregrino, o método mútuo exigia um material considerável, um local vasto, além do
concurso de muitas circunstâncias favoráveis, como, por exemplo, a assiduidade dos
monitores. Para ele, era
indispensável para o ensino mútuo, é impossível nas pequenas povoações , a
onde os pais dispõem de seus filhos para os trabalhos de toda natureza, a muito intima
relação dos meninos depois da aula, as relações de vizinhança dos pais, e mais
parentes apõem- se que os monitores não excerção nos seus círculos a ação moral,
que em lugar pode produzir bons resultados.
O professor Peregrino defende o método simultâneo como o “verdadeiro método
das escolas paroquiais, e o único que convém em todas as localidades, a onde uma
população excessivamente grande não impõem a necessidade absoluta do ensino
mútuo”. Estabelece uma
156
Grifos da autora.
89
Considerações finais
Parece-nos que, menos do que conclusões, é possível, neste momento, indicar
possibilidades e/ou desdobramentos possíveis para nossas estudos nessa área.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o sistema de ensino mútuo, na
maioria da vezes, muito mais que um método de ensino, é apresentado como uma
modalidade de instrução elementar, como uma forma de organizar a escola e de essa
se relacionar com o social. Nessa perspectiva, o estudo do método mútuo significa
também uma oportunidade ímpar de se investigar a problemática da circulação e
apropriação de idéias e modelos educacionais no campo pedagógico.
Em seguida, chamou-nos a atenção a intensa discussão sobre a questão da
educação elementar que aconteceu nas duas décadas que vão da proclamação da
independência ao início dos anos 40 do século XIX. Isso, de certa forma, contradiz as
visões tradicionais que se tem sobre a história da instrução pública na província mineira
e no Brasil.
Outro aspecto, talvez o mais importante, é que as discussões em torno da questão
do método mútuo contribuíram com algo de fundamental da história da educação
brasileira: contribuíram na produção daquilo que estamos chamando de discurso
fundador a respeito da instrução e, sobretudo, da profissão docente em nosso país.
Nessas discussões e, através delas, produz-se e estabiliza-se um discurso sobre a
(in)competência e desinteresse dos mestres, sobre a responsabilidade dos mesmos
quanto ao fracasso da escola e, por fim, sobre o lugar e a função formadora das
escolas normais.
Finalmente, é preciso que se diga também que no período assinalado, travou-se
uma intensa batalha entre diversos grupos que aspiravam ao poder na província e no
país e, nessa batalha, definiu-se, de algum modo, sobre a importância da instrução no
processo de civilização das “camadas inferiores” da população e, mesmo, para a
estruturação do Estado brasileiro. Da década de 50 em diante, ao contrário dos
períodos anteriores, poucos foram aqueles que ousaram explicitar dúvidas quanto à
importância da escolarização para fazer do Brasil uma nação forte, pronta para o
progresso e abraçada à ordem e à civilização.
Referências bibliográficas
AZEVEDO, Fernando. A transmissão da cultura. São Paulo: Melhoramentos, 1976.
BASTOS, Maria Helena A formação de professores para o ensino mútuo no brasil: o
Curso Normal para Professores de Primeiras Letras do Barão Degerando. (1839).
(Mimeogr.)
LIMA, Nestor. Um século de ensino primário. Natal: Typ. D’A República”, 1927.
JORNAL O UNIVERSAL. Ouro Preto (MG), 1825-1842.
MINAS GERAIS. Instrução Pública. Ofícios de professores primários aos Presidentes
de Província. Códice 236 APM – Período Provincial.
MINAS GERAIS. Leis Mineiras – 1835.
MINAS GERAIS. Castigos Lancasterianos - em conseqüência da Resolução do Exmo.
Conselho de governo da Província de Minas Gerais, mandado executar pelos Mestres
de Primeiras Letras e de Gramática Latina. Ouro Preto: Governo Provincial, 1829.
MINAS GERAIS. Relatórios dos Presidentes de Província. Ano 1828 a 1842. APM.
REZENDE, Francisco de Paula. Minhas recordações. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.
90
ENSINO MÚTUO NA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO
Primeiros apontamentos
91
geometria, bancos e mesas para todos os alunos, ponteiros e estrados para os
monitores, campainhas e matracas para os sinais sonoros, caixas de areia para o treino
da escrita, ardósias e quadros-negros. Mas, tendo em vista que a alfabetização nas
escolas de ensino tradicional baseadas no método individual demorava, em média,
cinco anos e o programa de estudos elementares nessas escolas podia ser completado
em cerca de ano e meio, reduzia-se de fato o tempo de escolarização, com um ganho
expressivo para a sociedade.
Combinando, assim, o respeito à iniciativa individual do aluno e sua participação
ativa no processo de aprendizagem com uma organização panóptica da instituição, de
tal maneira que um único professor podia ficar responsável por dezenas, senão
centenas de crianças, o modelo escolar do ensino mútuo entre os alunos era
inteiramente defensável, qualquer que fosse o ponto de abordagem: metafísico,
cultural, político ou econômico. Enfim, o sistema de ensino mútuo certamente era visto
como a expressão escolar da “era das revoluções” liberais e burguesas, pela
possibilidade concreta que oferecia de atendimento às (seculares) reivindicações
pedagógicas de uma educação mais cooperativa, ativa e humana, e simultaneamente,
de formação para a vida produtiva contemporânea, disciplinada e racionalizada (Bastos,
1997, p. 118-20; Fernandes, 1994, p. 559-60, 566-67; Léon, 1983, p. 90-93; Léon,
1974, p. 345-47, 372-73).
Com essas características, compreende-se que o ensino mútuo tenha estado no
centro de uma controvérsia cultural e política que envolveu multidões de adeptos e
detratores.
Escolas militares de ensino mútuo de primeiras letras para marinheiros e soldados
surgiram em toda a parte: na França, em Portugal - as primeiras a adotar o sistema, em
1815 - e, também no Brasil, onde são referidas desde 1820 (Bastos, 1997, p. 126-29,
Nóvoa, 1987, v. I, p.325; Fernandes, 1994, p. 560-61, 566-68). É notável que militares
tenham percebido rapidamente as potencialidades do método para o treinamento de
suas corporações na conduta disciplinada, ordenada e de respeito à hierarquia. Não se
deve esquecer a nota de Dias (1968, p. 116): em Portugal, antes da reforma pombalina
da universidade, eram as bibliotecas de nobres, artistas e militares as mais abertas às
temáticas científicas. Por que não também às políticas e pedagógicas?
As sociedades industriais deram-lhe apoio e incentivo, considerando as vantagens
de poder contar, em curto prazo, com trabalhadores disciplinados e treinados segundo
princípios aproximados à lógica do trabalho fabril: “A excelência deste método baseia-
se no princípio da distribuição, que na Inglaterra já produziu efeitos tão maravilhosos
em todos os ramos da indústria”, opinava Hamel, em 1818, no “L’enseignement mutuel”
(apud Léon, 1983, p. 92).
A opinião liberal lhe foi solidária, vendo nele “a mais fiel imagem de uma
monarquia constitucional”: na França, em 1816, o Bolletin de la Société pour
l’Instruction Élémentaire proclamava que “a regra, como a lei, vale aí para todos (...); o
professor representa o monarca (...). A massa dos alunos tem seus direitos assim como
a nação. São todos iguais entre si (...) e todos podem progredir incessantemente pelo
mérito, e apenas pelo mérito” (apud Gaulupeau, 1992, p. 70). Mas, o ensino mútuo
tinha algo a dizer também à sensibilidade mutualista dos franceses. Duveau (1966, p.
47-48) afirma que “a experiência da [escola] mútua não teria acontecido sem a ligação
com o sistema econômico-social do mutualismo. (...) Entre os leaders da Ira.
International, encontramos muitos antigos alunos da [escola] Mútua”. E apresenta o
testemunho de um veterano da Comuna, que relembra:
92
É verdade que não se aprendia grande coisa; a leitura, a escrita, a
aritmética, um pouco de música...: mas aquilo que se aprendia, sabia-
se bem. Observei que a criança, por se fazer compreender pelos seus
camaradas, tem uma capacidade que os professores não possuem no
mesmo grau... Perguntei-me algumas vêzes se o hábito de ensinar,
adquirido na escola por muitas crianças de minha geração, não formou
esta pepineira de trabalhadores que prepararam nas associações e
reuniões públicas, a queda do Império.
95
bibliotecas: no “curso” dos franciscanos, de 1804 a 1818, teria sido divulgado o
kantismo, além dos autores do iluminismo português 159.
Com a morte de dom Mateus, seu espólio foi arrematado pelo presidente da
província, Lucas Monteiro de Barros, e anexado à "livraria" dos franciscanos para
formar a biblioteca pública da cidade. A aproximação entre cultura religiosa e cultura
leiga na esfera erudita, iluminista, possibilitou que os textos depositados nas bibliotecas
da Igreja, para formar padres, pudessem constituir-se, em 1828, em núcleo inicial da
Biblioteca Nacional do Curso Jurídico e formar juristas. Foi assim que padres e juristas
tiveram trânsito nas instituições da Igreja e do Estado, como mostra o caso exemplar do
bibliotecário, padre José Antonio dos Reis, um dos inúmeros padres ilustrados que,
freqüentando a Academia nos anos 20 e 30 (Wernet, 1987, p. 62-78), foram
aproveitados em funções públicas, administrativas e eclesiásticas: ele foi deputado, juiz
de paz, bispo de Cuiabá e membro da segunda legislatura do Conselho Geral (que
administrava a província antes de criar-se a presidência), ao lado de Rafael Tobias de
Aguiar, Paula Souza, Costa Carvalho, Amaral Gurgel e Diogo Feijó.
A referência à biblioteca é importante também porque pode mostrar que as idéias
da “modernização liberal” circulavam em círculos mais amplos da sociedade paulista do
que os do governo e da hierarquia eclesiástica. No desempenho de suas tarefas, o
padre-bibliotecário recuperou vários exemplares de livros desaparecidos: o antigo
ouvidor, dom Nuno, e um seu irmão, estavam com alguns volumes da Enciclopédia -
que depois foram localizados na casa do capitão Antonio da Silva Prado; o boticário,
com Crebillon; o major Inácio, filho do presidente da província, com tomos da História
universal; o coronel Lázaro, do Batalhão dos Caçadores, tinha dois volumes sobre a
arte militar; o coronel D. P. Müller, alguns volumes da Enciclopédia e a História
universal de Buffon; o padre Antonio Felix, de Itu, alguns volumes da Biblioteca do
homem público. Ele localizou ainda os Sermões, do padre Sales, com Marciano,
escravo de um falecido cônego, e outros textos com o conde de Palma, o coronel
Bernardo Gavião Peixoto e outros militares160.
Os “tomadores de livros” indicam não só a existência, em São Paulo, de uma
camada social intermediária certamente pequena, mas muito diversificada, entre os
escravos e aqueles que tinham terras e dinheiro, como desenham a figura do letrado
paulista, homólogo do letrado colonial mineiro, definido por M. A. Madeira como o
funcionário do governo cuja base de poder e prestígio é o domínio das letras: são leigos
e clérigos "a quem cabe discorrer com proficiência teórica sobre as bases racionais da
política prática ou do poder, exercido pela classe ou camada dominante, seja a nobreza
aburguesada ou a burguesia enobrecida, sob o comando do rei" (1993, p.20).
Governantes, ouvidores, majores, boticários, vigários, cônegos e bispos, tenentes,
ajudantes e coronéis, estavam todos lá, nas listas do padre José, lendo,
retendo/fazendo circular os textos que lhes permitiam uma conciliação entre
catolicismo, ilustração e liberalismo.
A criação da biblioteca é um dos tantos outros exemplos da atuação dos nossos
liberais da primeira geração, envolvidos com a organização de agências de educação,
assistência e ensino populares na linha dos princípios do pragmatismo humanitário e
159
Wernet apresenta autores que aceitam a discussão do criticismo no curso dos franciscanos, embora
Laerte R. de Carvalho (1952) defenda que não, inclusive porque é difícil falar na presença do kantismo
antes de 1817 na própria França.
160
Ofs. ao presidente da província, sem data, anexos, 864-69-1-66, 865-70-1-25. AE, MM.
96
filantrópico ilustrado, do anticatolicismo tradicional e da educação da massa
trabalhadora. Nesses anos em que se experimentava “uma nova sensibilidade à
experiência pedagógica estrangeira” – que bela formulação, a de Fernandes (1994, p.
555)! - seria quase impossível que o ensino mútuo, inserido na esfera da modernidade
liberal, não fosse encampado por ilustrados e liberais paulistas dos anos 20 e 30.
Membro do Conselho da Presidência da Província na década de 1820, Rafael
Tobias de Aguiar posicionou-se como um ilustrado ao encaminhar reivindicações e
sugerir ações no campo da cultura e da educação: é com o argumento iluminista de que
"sem luzes os povos jamais serão felizes" que ele irá propor, além da adoção do ensino
mútuo nas escolas elementares da província, a criação de várias aulas de primeiras
letras e de gramática latina, a implantação de exames públicos ao final do ano letivo, o
ensino simultâneo da língua francesa pelos professores de latim, a destinação de mais
recursos para a instrução pública e a instalação imediata da universidade, criada por lei
da Assembléia Constituinte e Legislativa de l823 (Barbanti, 1977, p. 7-8).
Primeiro presidente da província, Lucas A. Monteiro de Barros não só tomou a
iniciativa de criar a biblioteca para os futuros estudantes, como fundou abrigos de
órfãos, um Jardim Botânico, a Casa de Correção e Trabalhos; reformou o hospital com
sua roda de expostos e o Lazareto. Na figura de Monteiro de Barros reconhecemos o
político ilustrado, empreendedor, prático, organizador e administrador, racionalista e
humanitário; não é por outra razão que seus biógrafos ressaltam, além do ânimo
empreendedor, o caráter humanitário desse homem público que, aos sábados, abria as
portas do palácio governamental aos pobres para dar-lhes mantimentos e esmolas pela
verba dos socorros públicos (Ellis, 1957, p. 388-89).
Os seminários de educandos de São Paulo foram criados em meados de 1825
para abrigo e formação de crianças pobres, órfãs de militares que tinham servido à
pátria na guerras da Independência e morrido na indigência; posteriormente, a
legislação foi alterada para legalizar a presença, que já acontecia de fato, de expostos
na Roda da Santa Casa. Seus organizadores cuidaram para que essas instituições não
se transformassem em conventos e abrigassem congregações religiosas - como talvez
fosse o desejo do “catolicismo popular” (Algranti, 1993) - e determinaram nos estatutos
que as crianças abrigadas "tomassem estado" pelo casamento e pela vida profissional.
As autoridades procuravam dessa forma evitar que se repetisse a situação da Casa de
Educandas de Itu, a qual, embora se apresentasse como um educandário, estava, de
fato, organizada no seu cotidiano como um “conventinho”, repetindo a história de outras
instituições religiosas do período colonial. O governo provincial liberal procurou impor
seu controle sobre as Casas de Educandos por meio de medidas que lhe reservavam a
escolha do diretor e dos mestres de primeiras letras e impediam a permanência das
crianças que atingissem a idade de 18 anos, sem muito sucesso, aliás, na de Itu, pela
resistência que lhe foi oposta. O seminário dos meninos começou a funcionar com um
diretor, três ajudantes, um capelão e um professor de ensino mútuo. Por conta das
diferenças de gênero, o estabelecimento feminino era administrado por uma família,
que se encarregava também das tarefas educacionais e pedagógicas. O processo de
escolarização das meninas centrava-se no aprendizado de leitura, costura e bordados -
ao que tudo indica, de acordo com o método individual161.
Também a primeira aula pública feminina de ensino elementar da província - que
começou a funcionar em São Paulo, na freguesia da Sé, pela lei geral de 15 de outubro
de 1827 - foi lecionada no sistema de ensino individual por Benedita da Trindade e
161
“Lista de educandas” e “Relação de órfãs recolhidas no Seminário”, anexos do ofício ao presidente da
província, em 30.1.1827, 865-70-2-4, AE, MM.
97
Lado de Cristo, embora o texto legal determinasse o ensino mútuo para as escolas das
capitais. Ela era considerada uma boa mestra - nos inícios de 1832, uma comissão de
vereadores da Câmara Municipal visitou as escolas de primeiras letras da cidade e
achou que a aula de Benedita era a melhor delas162 - ainda que não ministrasse os
trabalhos de agulha ordenados para a “boa educação das súditas do império e mães de
família” e tivesse tido problemas por isso163.
Um dos relatórios que ela apresentou às autoridades oferece164 um precioso
testemunho sobre o método que empregava na sua aula, apoiado na organização de
uma sala de aula, mas não ainda de uma classe, pois o ensino era individual, sendo
cada criança atendida segundo a sua particular progressão nos estudos; e, no arranjo
linear, e não, seriado das matérias, de modo que havia uma seqüência de
aprendizagem muito marcada, na qual as “disciplinas” eram introduzidas e ensinadas
uma após a outra: ler o ABC; ler sílabas; ler sílabas e principiar a escrever; ler
correntemente cartas, livros e escrever mal; ler bem, escrever mal, contas de somar; ler
bem, escrever mal, contas de diminuir; ler bem, escrever mal, contas de somar e
tabuada; ler bem, escrever mal, contas de diminuir e gramática; ler e escrever bem,
contas de multiplicar; ler e escrever bem, contas de multiplicar e gramática; ler bem,
escrever bem, contas de repartir, gramática, a doutrina cristã, o Catecismo Histórico de
Fleury, a Constituição do Império “e outras miudezas que por curiosidade lhe ensinei,
bem como os princípios gerais de geografia".
Uma antiga aluna de Benedita, Agostinha Leme da Silva Prado, ocupou o seu
lugar na escola da Sé quando ela se aposentou em l859 (Rodrigues, p. 107-08). A meio
caminho entre as resistências da mestra e a adesão às exigências legais e sociais,
Agostinha ensinava os "trabalhos de agulha", mas não nas horas de estudo: no fim do
dia, enquanto as meninas esperavam, cada uma em seu lugar, que os pais as viessem
buscar. Quanto ao seu método de ensino, a professora Agostinha relata que passara a
adotar, na aula, a pedagogia do ensino mútuo, mas, provavelmente, trata-se do ensino
simultâneo, com a formação de uma classe, mais do que do emprego da metodologia
de Lancaster, que caíra em desuso na década anterior e não é referida na
documentação a nenhuma outra aula de menina da época. (Mas, com mulheres, de
fato, nunca se sabe...).
98
gratificação igual aos ordenados atuais, procedendo os necessários
exames, para se verificar sua capacidade, e de cuja providência se deverá
pedir a aprovação a S.M.I. por intermédio do senhor Presidente”. O
sargento do Exército João Francisco dos Santos, que era professor em
Santos, ofereceu-se e logo foi removido, “trazendo o regulamento que se
observa nas escolas da Corte165.
Ele recebeu parte do que pedira: “uma das coleções dos exemplares de Ventura;
um dicionário português; uma Ortografia; 400 prêmios de monitores e primeiros; 37
canetas de latão; 200 lajes de pedra; 3 libras de esponjas; e 100 pedras de escrever”167,
e teve de renovar as solicitações à administração provincial168. Requereu ainda que lhe
fossem enviados os exemplares da Constituição do Império e de obras de história do
Brasil indicadas para a aprendizagem da leitura pela legislação geral, não hesitando em
reivindicar que, se estivessem em falta, o presidente da província mandasse imprimi-los
na tipografia da cidade169.
Como não foi atendido, renovou o pedido no ano seguinte, em 1829, dessa vez
diretamente às autoridades da Corte: autorizado pelo diretor do seminário, viajou,
então, para comprar os materiais necessários, “deixando no seu lugar o monitor da
aula”170. Nesse ano também, solicitou o "aumento da aula", visto estarem freqüentando
165
“Atas do Conselho da Presidência da Província de São Paulo, 1824-29”, sessões de 3.11.1825 e
28.11.1825, DIHCSP, v. 86, p. 84, 119.
166
“Relação”, sem data e sem assinatura. Está junto com ofício 865-70-2-17. AE, M. Por referência
cruzada, pode-se dizer que data de 1827.
167
"Relação dos utensílios que ultimamente vieram para a escola do Colégio de Santana", de 29.3.1827,
anexo ao Of. 865 cit. acima.
168
Em meados de 1828, ele pediu cinqüenta lápis de pedras e três dúzias de tinteiros dos que "se
acham recolhidos no almoxarifado": Of. ao vice-presidente em exercício, bispo diocesano, em
28.6.1828, 866-71-1-53; em l829, 200 penas de lápis de pedra: Of. ao vice-presidente em exercício,
em 19.5.1829, 866-71-2-82; e, em 1830, 12 maços de lápis de pedra, cinqüenta canetas, uma coleção
de exemplares, duas libras de esponjas e cem perdões: Of. ao presidente da província, em 14.4.1830,
867-72-1-20. AE, MM.
169
Ofs. ao presidente da província, em 11.2.1828 e 12.12.1828, 866-71-1-27. AE, MM.
170
Ofs. ao presidente da província, em 14.2.1829 e 28.7.1829, 866-71-3-91 e 91a. Ofs. ao vice-
presidente em exercício, em 11.9.1829, 866-71-3-21, e ao presidente da província, em 26.11.1829,
866-71-3-66. AE, MM.
99
sua escola nove meninos da vizinhança além dos 17 educandos da casa: para
acomodar mais seis bancos, além dos quatro já existentes, o diretor do seminário
calculava que teria de derrubar uma parede, a um custo proibitivo171.
Em fins de 1830, João Francisco dos Santos deixou o trabalho no seminário e
assumiu a escola da Freguesia de Santa Ifigênia. O atento professor reporta aos
superiores a situação em que encontrou a sua nova escola: a casa onde estava
instalada a aula precisava de reparos no telhado, de uma latrina (os alunos usavam a
do quartel do 7º Batalhão de Caçadores, que ficava pegado, o que lhe parecia “um
grande inconveniente”); era pequena para acomodar os alunos que a procuravam
(cabiam 35 crianças, e ele tinha 57 alunos). Além disso, os meninos se distraíam muito
com os “exercícios do instrumental” do quartel vizinho: o Batalhão de Caçadores era a
tropa de primeira linha da província e podemos imaginar o fascínio que os treinos
militares despertavam nos alunos e a perturbação que representavam para o professor.
Também lhe faltavam os livros para ensinar pelo método mútuo: lembra que só
tinham vindo da Corte as quatro coleções anteriormente pedidas - e assim mesmo
“muito truncadas” - e que, ao sair do seminário de Santana, trouxera consigo,
emprestados, os livros que lá usava, mas sabia que, quando o lugar fosse preenchido
com um novo professor, teria de devolvê-los. Ele mesmo já tinha delineado um silabário
para as aulas, que gostaria de apresentar às autoridades e que poderia ser impresso
pelos cofres provinciais. Quanto aos materiais, precisava para a escola “uma coleção
de exemplares; cinqüenta tinteiros; trinta pedras e dez maços de lápis de pedra; uma
dúzia de canivetes; quatro dúzias de lápis de riscar; uma resma de papel; uma dúzia de
réguas; cento e cinqüenta perdões e duzentas penas”. Alguns meses depois, oficiou ao
presidente dizendo que ainda estava sem os "utensílios" de trabalho e insistia: quer 14
libras de esponja; oitenta canetas, dez maços de lápis de pedra, três potes para água e
uma caneca de folha. Reclamava que a casa tinha duas goteiras enormes no telhado e
que não podia dar aulas quando chovia (e como chovia, no verão, em São Paulo!).
Pedia também que dois cativos viessem trazer água para as crianças duas vezes por
semana, por conta da província, pois até agora pagava do seu bolso o serviço dos
aguadeiros172.
O professor João reclamava, denunciava, informava, opinava, sugeria,
perguntava. Às vezes se comportava nos limites da burocracia, quando pedia que o
governo lhe dissesse o que fazer, pois estava sendo procurado para ensinar cativos
libertos. Aflito, queria saber o que dizia a lei: se podia aceitá-los ou não173. Ele teria
lembrança de que as escolas coloniais da capital eram freqüentadas por escravos e
filhos de mães escravas? Ou sabia de outros professores que estavam aceitando essas
matrículas? De onde vinha e qual era o sentido da pressão: dos libertos, das
autoridades, dos empregadores dos ex-escravos, ou de dentro dele mesmo? Porque,
muitas vezes, ele não era apenas um funcionário zeloso (Nóvoa, 1991, p. 117-18) 174, e
partilhando as preocupações da população, comportava-se como o seu porta-voz. Ele
171
Of. ao presidente da província, em 11.6.1829, 866-71-3-93. AE, M.
172
Ofs. ao presidente da província, em 9.1.1831 e 12.1.1831, 867-72-1-79 e 79a e 26.1.1831, 867-72-1-
84. Of. ao vice-presidente em exercício, bispo diocesano, em 25.11.1830, 867-72-3-4 e "Relação dos
utensílios necessários à escola de ensino mútuo de Sta. Ifigênia", em 26.11.1830, anexo ao Of. 867-
72-3-4. Ofs. ao presidente da província, em 11.2.1831, 867-72-1-94 e em 12.3.1831, 867-72-2-4. AE,
MM.
173
Of. 867-72-1-79a, cit.
174
Para quem são processos contemporâneos o estabelecimento de um sistema escolar estatizado e a
profissionalização docente, de modo que ser docente profissional, especializado, significaria ser
funcionário público.
100
soube que o conserto do telhado da casa já fora orçado, mas precisava de providências
imediatas e indicou ao presidente a solução: remover a aula para uma boa sala - que
tivesse sua própria latrina - que descobriu estar disponível nos altos do sobrado do
quartel vizinho. "Os pais aguardam ansiosos esta medida", anunciava ele no fecho do
ofício175. (Bravos, mestre João Francisco!)
Em fins de 1831, a escola de Santa Ifigênia já tinha outro professor: tratava-se de
Carlos José da Silva Telles, aprovado no seu exame prático de ensino lancasteriano em
meados de setembro176. Na escola da freguesia da Sé, trabalhava o mestre mútuo
Vicente José da Costa Cabral. "Para o bom desempenho de seus deveres", pediram
ambos uma extensa lista de material:
Será que receberam tudo o que pediram? A não ser os "perdões" disciplinares,
parece que os demais recursos específicos do ensino mútuo não estavam sendo
providenciados pelas autoridades provinciais: nos inícios de l832, dentre os "utensílios
destinados às escolas de ensino mútuo de São Paulo e de Itu”, existiam no
Almoxarifado da cidade apenas “233 pedras em um caixão; 72 maços de lápis de
pedra; 3 ¼ libras de esponjas; 116 tinteiros com areeiros; e 2 maços de perdões”178.
O relatório de inspeção da Câmara Municipal179 confirmou que faltavam aos dois
professores “bons traslados impressos, tinta de escrever, uma pedra grande para os
exercícios de aritmética e geometria, e os quadros murais e semicírculos do método
mútuo”. Os meninos não treinavam a escrita em caixas de areia, como era regra do
método lancasteriano, nem escreviam à tinta sobre o papel, apenas "sobre a pedra",
isto é, na lousa de ardósia individual. O inspetor foi taxativo: "nas aulas de ensino
mútuo não vi exercícios de ensino mútuo". O regime disciplinar, porém, era
lancasteriano, sem castigos físicos, procedimento, aliás, que lhe suscitou muitas
175
Of. ao presidente da província, em 22.3.1831, 867-72-2-6. AE, M.
176
Of. a José M. F. de Abreu, em 18.9.1831, 867-72-2-60. AE, M.
177
Of. ao presidente da província, sem data, ass. pelos professores, 868-73-2-99. AE, M.
178
Of. do almoxarife ao presidente da província, em 29.1.1832, 868-73-1-23 e “Relação anexa”, 868-73-
1-23a. AE, MM.
179
Of. ao presidente da província, em 17.12.1832, 868-73-2-80, e "Relatório do Inspetor da cidade J. X.
de Azevedo Marques", em 4.12.1832, anexo, 868-73-2-80a . AE, MM.
101
críticas: "Observei a desinquietação que reina nas aulas, a pouca obediência para com
os mestres porque sabem que jamais serão punidos com a palmatória dentro da aula".
Os meninos recebiam com risos as punições “morais” do sistema mútuo, por meio dos
cartões, o que explicava, para o inspetor, o fato de "muitos pais mandarem os filhos aos
professores particulares – existiam quatro na freguesia da Sé180 - que ainda usavam o
antigo sistema disciplinar, “para que não se tornem imorais”".
Ao longo das décadas de 1830 e 40, há ainda indicações, aqui e ali, de
professores “de ensino mútuo” ou que fizeram “exames do método lancasteriano”:
Carlos José da Silva, da escola de Santa Ifigênia, em substituição ao professor Padre
Bento de Barros; Candido Justino de Assis, em 1834, candidato à escola de Lorena;
Agostinho José de Oliveira Machado e Daniel Augusto Machado, candidatos às duas
escolas de São Paulo, sobre os quais, aliás, o examinador anotou: "Achei-os bons em
teoria e sem muita prática no método lancastriano, mas podem dar bons
professores181". Mas, no levantamento de D. P. Müller, de 1836 (1923, p. 263-65),
dentre as 34 escolas de meninos de primeiras letras da província que ele elencou,
apenas duas - Bragança e Santos - aparecem como de “ensino mútuo”.
Nóvoa (1987, p. 326) considera que, não obstante as vantagens pecuniárias e
funcionais que a legislação concedia aos mestres mútuos em Portugal, o método
interessou mais aos reformadores dos que aos professores. Para São Paulo, qualquer
consideração nesse sentido parece prematura. A história do ensino mútuo em São
Paulo ainda está para ser feita, é verdade - das suas origens, da sua propagação, da
aceitação e das resistências em que esteve envolvido e, talvez, de insuspeitadas
permanências na prática escolar e educativa paulista da segunda metade do século XIX
-, mas, quem for escrevê-la, certamente, terá no horizonte dois pontos: primeiro, a sua
inserção na modernidade do primeiro liberalismo dos anos da independência - de matriz
iluminista, regalista e filantrópica, religiosa, antidemocrática e antipopular - a qual,
avançando para o liberalismo conservador dos “saquaremas”, desdobrou novos modos/
outras versões do processar a educação e a escolarização da sociedade; depois, o
redimensionamento da figura do professor de primeiras letras dos inícios do século XIX:
anacrônico, incapaz, desligado de toda a realidade social, mal-remunerado, sem
formação pedagógica, desassistido, rotineiro e conservador; é assim que ele tem sido
representado. No imaginário de um passado secular, indiferenciado, uniforme, referido
como “o XIX” / “o Império”, Damasceno, João Francisco e outros professores de ensino
mútuo (e por que não Agostinha?) impõem, desde já, uma exigência de coloratura.
Bibliografia
180
Ofs. da Câmara Municipal ao presidente da província, em 22.2.1834, 869-74-3-4. AE, M. Havia 75
alunos matriculados na escola pública da Sé, e 67, na de Santa Ifigênia, mas a freqüência era de
50%, de acordo com o “Relatório” de 4.12, cit. acima.
181
Of. ao presidente da província, em 4.6.1841, 881-86-1-88. AE, M.
102
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um estudo de suas origens. São Paulo: USP, 1977. Tese (doutorado).
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Abreviaturas
AE - Arquivo do Estado de São Paulo
M(M) - Manuscrito (s)
DIHCSP - Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo.
103
O ENSINO MÚTUO NO RIO GRANDE DO SUL
Jaime Giolo182
182
Doutor em Filosofia e História da Educação pela USP; professor Titular de Filosofia da Educação da
Universidade de Passo Fundo.
183
Sérgio Buarque de HOLANDA, Raízes do Brasil, p. 41.
184
Id. ibid.
185
“Nem proprietários nem proletários, seu acesso à vida social e a seus bens depende materialmente do
favor, indireto ou direto, de um grande” (Roberto SCHWARZ, As idéias fora de lugar, p. 153).
186
Virgínio Santa ROSA, apud Cruz COSTA, Pequena história da República, p. 14.
104
poéticos, exacerbando a imaginação já exaustivamente exacerbada pelos sóis tropicais.
Esses eram os futuros dirigentes, nascidos no latifúndio e esquecidos do espírito da
terra pela atração empolgante das cortes européias”187. Não é de admirar, pois, que os
discursos parlamentares e a retórica em geral, durante todo o período imperial
brasileiro, fossem tão ilustrados, universais e afinados com os temas em moda na
Europa quanto distantes, indiferentes e descomprometidos com o Brasil nosso de cada
dia. O método de Lancaster, empolgando a Europa, não poderia, levando em conta o
nosso modo de ser, deixar de empolgar nossos abstratos propósitos, que, via de regra,
não descolavam do papel a não ser sob o formato de inflamados e bem articulados
discursos.
O método de ensino mútuo, não sem controvérsias, parece ter tido sucesso na
Europa, mormente na Inglaterra188 e na França189. Ocorre que os Estados liberais
europeus, na rota das idéias iluministas, à medida que eram implantados, ao lado de
outras organizações civis bafejadas pelo liberalismo (as sociedades caritativas inglesas,
por exemplo), assumiam decididas políticas de formação do “cidadão” (e,
principalmente, do trabalhador), vistas como único recurso garantidor dos modernos
“contratos sociais”. Esse processo construtor da subjetividade (e das habilidades
laborais) requeria, necessariamente, o concurso da educação escolar. A escola foi
eleita como a instituição-chave do novo regime porque poderia conduzir metódica e
pacientemente as novas gerações pelos caminhos da ciência e do pensamento racional
(e, sobretudo, da eficiência produtiva). Podemos, portanto, afirmar com Althusser que a
burguesia, de posse do aparelho político, tratou de montar seu aparelho ideológico
fundamental, a escola: "Pensamos que o Aparelho Ideológico de Estado que foi
colocado em posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma
violenta luta de classes política e ideológica contra o antigo Aparelho Ideológico de
Estado dominante, é o Aparelho Ideológico escolar"190.
Os pensadores e políticos liberais, sobretudo os franceses, estavam certos de que
a Igreja não serviria para a edificação das novas relações sociais, a não ser em
aspectos muito secundários. A “crença na dignidade da pessoa humana e seu
aperfeiçoamento através da inteligência esclarecida”191, não poderia ser assumida por
uma instituição que, do ponto de vista do pensamento moderno, atuara historicamente
em favor do obscurantismo e da subjugação das pessoas. Se fosse para cumprir a
proposição da Comissão de Segurança Pública da França revolucionária, logo depois
da tomada da Bastilha - "deve remodelar-se inteiramente um povo que se deseja tornar
livre, destruir seus preconceitos, alterar os seus hábitos, limitar as suas necessidades,
desenraizar os seus vícios, purificar os seus desejos"192 - os altares deveriam,
forçosamente, ser substituídos pelos bancos da escola.
187
Cruz COSTA, Pequena história da República, p. 14.
188
“O sistema atingiu, rapidamente, grande popularidade na Inglaterra” (F. EBY, História da educação
moderna, p. 325).
189
Na França, “entre 1815 e 1820, edificam-se mais de mil escolas mútuas, que reúnem 150.000 alunos”
(Maria Helena Camara BASTOS, “A instrução pública e o ensino mútuo no Brasil: uma história pouco
conhecida”, p.121. Esse texto e também o artigo: “A formação de professores para o ensino mútuo no
Brasil: o curso normal para professores de primeiras letras do Barão de Gérando (1839),” da mesma
autora, são fundamentais para uma visão geral do método e de sua aplicação no Brasil.
190
Louis ALTHUSSER, Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado, p. 60.
191
Frederick EBY, História da educação moderna, p. 315.
192
Citado por Robert NISBET, O conservadorismo, p. 29.
105
Entendiam os revolucionários franceses que as conquistas da Revolução somente
seriam asseguradas se o próprio indivíduo fosse completamente remodelado.
Condorcet, filósofo e matemático, herdeiro intelectual de Voltaire, numa moção que foi
lida na assembléia revolucionária de 20 e 21 de abril de 1792, foi suficientemente
enfático:
193
Transcrito por Carlos Guilherme MOTA, História moderna e contemporânea, p. 162.
194
Priestly, apud Frederick EBY, História da educação moderna, p. 322.
195
Fernando de AZEVEDO, A cultura brasileira, p. 548.
106
Nem os maiores arroubos da independência conseguiram quebrar o círculo
vicioso que estrangulava o processo educacional brasileiro: pouquíssimas pessoas
tinham o mínimo de formação necessária para o exercício do magistério, mas nem
todas se ocupavam dele, porque a remuneração oferecida pelo trabalho era insignifi-
cante. Desse modo, poucos professores (e, geralmente, os mais medíocres) ensina-
vam, obtendo resultados poucos expressivos, o que constituía, na ótica da administra-
ção pública, um bom motivo para não elevar os salários.
107
Em relação à instrução popular, não se poderia esperar, para a província de São
Pedro do Rio Grande do Sul, resultados melhores do que os obtidos pelo restante do
país, já que o modelo sociopolítico-econômico brasileiro reproduzia-se exemplarmente
e ganhava, na região meridional, matizes mais carregados de agrarismo avesso à
cultura letrada. Estancieiros e militares compunham, à época da Independência, quase
toda a elite social rio-grandense; tudo o mais eram setores marginalizados e muito mal
assistidos pelo Estado. Instrução popular era, nesse ambiente, algo, sob todos os
aspectos, excêntrico e dispensável:
Até 1820 a instrução custeada pelos cofres públicos era inexistente, pois
não havia nenhuma aula de primeiras letras em todo o Rio Grande do São
Pedro. Em Porto Alegre, atestando a orientação pedagógica da época, já
funcionava uma aula de Latim. No ano seguinte abre-se mais uma de
Filosofia Racional na mesma cidade e mais duas de Latim em Rio Grande
e Rio Pardo. Quando às de primeiras letras, criadas por provisão real,
continuavam vagas, pois mestre algum queria tomá-las a seu cargo, à
vista dos reduzidíssimos honorários201.
Mas, apesar desse mau começo, também teve o Rio Grande de São Pedro seu
momento de entusiasmo com o ensino mútuo. Contagiado pela propaganda que vinha
da capital do Império em favor do método de Lancaster, o Conselho Provincial enviou,
em 1825, o professor Antônio Alvares Pereira (Coruja) ao Rio de Janeiro para adquirir a
ciência do mesmo. O contrato estabelecido entre o Conselho da Província e o
professor previa o seguinte
201
Carlos Dante de MORAES, apud Kraemer NETO, Nos tempos da velha escola, p. 48.
202
Nas transcrições de documentos primários aparecerá, às vezes, o termo “lancastrino”; às vezes,
“lancastiano”. Manteremos a forma original.
108
perfeitamente. E bem assim, receberá o ordenado arbitrado então para o
ensino pelo referido método.
6- Que dará Fiador abonado ao Governo às quantias mensais de quarenta
mil réis, que houver de receber; e outrossim, que o abonador se obrigará
a entrar para o cofre público com aquelas quantias, que estiverem
absorvidas, no caso da transgressão culpável de alguma das condições
acima.
7- Que finalmente ele se obrigará a cumprir bem, e fielmente as Cláusulas
aqui expedidas; e que não o fazendo, sujeitar-se-á ao castigo, que lhe
arbitrar Sua Majestade Imperial, a cuja Augusta Presença será sem
dúvida levado, como é mister, o teor destas condições: dando por este
modo o Conselho Administrativo cumprimento e desempenho à Imperial
Resolução, sobre o objeto da instrução nesta Província pelo método
Lancastrino. Porto Alegre, 6 de setembro de 1825203.
203
In: Regina Portella SCHNEIDER, A instrução pública no Rio Grande do Sul - 1770-1889. p. 25-26.
204
Cf. Id. ibid, p. 26.
205
Relatório de Caetano Maria Lopes Gama (1-12-1830), p. 70.
109
Ministro do Império levei as minhas súplicas a este respeito e solicitei as
providências que julguei possíveis; parece à primeira vista um desar para
a Província tanta penúria, mas se atender à recente guerra que sofreu, à
facilidade de subsistir de deficiente indústria, a par de outros cômodos, à
vocação particular que requer o magistério, não será difícil reconhecer a
causa deste mal206.
Se esse argumento tem plena validade para o Brasil como um todo, muito mais
vale para a província de São Pedro do Rio Grande do Sul, com todas as implicâncias
causadas por sua tardia formação histórica, pelo caráter subsidiário de sua economia e
pela instabilidade permanente, provocada por intermináveis campanhas militares.
Em 1835, o presidente Antônio Rodrigues Fernandes Braga escreveu em seu
relatório que o estado calamitoso da educação se explicava não apenas pela falta de
professores, mas, principalmente, pela má qualidade dos que estavam em exercício:
"Além de diminuto número de aulas em exercício, acresce ainda que a maioria dos
Professores, ou por ineptos ou por omissos, não cumprem, como devem, as suas
obrigações, e as Câmaras, às quais toca velar sobre a assiduidade e comportamento
dos Mestres, tem quase todas em abandono esta importante parte dos seus
deveres"210. O método era outra variante desse fracasso:
206
Relatório de Manoel Antonio Galvão (1/12/1931), p. 81.
207
Ibid., p. 82.
208
A. CAMPANHOLE & H. CAMPANHOLE, Constituições do Brasil, p. 683.
209
Maria Elizabete S. P. XAVIER, Poder político e educação de elite, p. 134.
210
Relatório de Antônio Rodrigues Fernandes Braga (1835), p. 109.
110
O método Lancaster, ou de ensino mútuo, que tão grandes vantagens
tem sobre o antigo método, como a experiência de outros Países nos
demonstra, não há prosperado no Brasil. A falta de conhecimento da mor
parte dos Mestres importa o nenhum proveito que de suas lições tiram os
alunos: porque não se pode ensinar o que não se conhece bem, e para
demonstrar qualquer verdade, a ponto de convencer a outrem que a
desconhece, é necessário estar dela perfeitamente possuído. Enquanto
não tivermos uma escola normal de ensino mútuo, eu creio que a
instrução primária muito ganhará com o uso do antigo método. Exija-se
por ora menos saber nos mestres, porém mais probidade e amor ao
trabalho, que teremos as escolas da Província preenchidas, e os
discípulos aproveitarão muito mais do que presentemente211.
211
Id. ibid.
212
In: O MENSAGEIRO, Porto Alegre, n. 21, sexta-feira, 15 de janeiro de 1836, p. 1.
213
COLLECÇÃO das Leis Provinciais de São Pedro do Rio Grande do Sul (1845), p. 30.
214
REGULAMENTO para as escolas de instrução primária da província de São Pedro do Rio Grande do
Sul, p. 4.
111
O método e a República Farroupilha
De 1835 a 1845, o Rio Grande do Sul ficou dividido em dois territórios: uma
parte, fiel à política imperial, continuou mantendo os estatutos de província de São
Pedro do Rio Grande do Sul; a outra parte, insuflada pelos ventos federalistas, acabou
proclamando, em 11 de setembro de 1836, a República Rio-Grandense, que duraria até
a Paz de Ponche Verde, celebrada em 28 de fevereiro de 1845.
Os dados parecem indicar que, apesar do ambiente impróprio à expansão
educacional, imposto pelas vicissitudes da guerra, os republicanos rio-grandenses
demonstraram uma efetiva preocupação com a educação popular. Deriva como lógico
que, se, de um lado, os farrapos precisavam fazer a revolução, de outro, necessitavam
despender energias na conformação da mentalidade popular à fragilíssima ordem
institucional que estava sendo implantada. Um novo modelo de Estado e inúmeras
relações sociais precisavam ser solidificados e, para isso, nada melhor que ampliar a
"rede" escolar. A semelhança da situação republicana rio-grandense com a dos Estados
liberais modernos não era apenas de discurso. Havia urgências de ordem institucional e
de ordem ideológica que precisavam ser aparelhadas. Domingos José de Almeida,
secretário do Interior do governo farrapo, expediu às câmaras municipais do estado um
ofício, em 1º de agosto de 1838, determinando a criação de escolas de primeiras letras
e que seguissem, quando possível, o método de Lancaster.
215
O POVO, Piratini, quarta-feira 7 de novembro de 1838, n. 20, p. 2.
112
criação de uma escola naquela vila e da destinação de verba para uma outra escola em
Santana do Livramento, para a qual, infelizmente, não havia ainda aparecido professor.
O método seria, conforme indicação do secretário do Interior, o do ensino mútuo.
216
O POVO, Piratini, quarta-feira 7 de novembro de 1838, n. 20, p. 3.
113
entendimento e apagar até a última centelha de vossa razão, eram as
idéias e os princípios dessa corte desmoralizada e pervertida do
desgraçado Brasil, para que não conhecêsseis os direitos que a Divindade
outorgou a todos os homens, e insensíveis e dóceis dobrásseis a humilha-
da cerviz ao ignominioso cativeiro; abusando assim de vossa inocência
para mais agravar seu crime; mas hoje que a mão dos Fados varando a
nossa sorte melhorou nossos destinos, vedes um Governo sábio e bem
intencionado, que apesar dos estorvos e das peias que lhes põem a
injusta guerra que nos fazem, promove essa ventura subministrando-vos
os meios de alargar vossa razão, fazendo-vos conhecer a Arte da
Escritura, pela qual conseguireis o estudo das ciências úteis à
humanidade, as luminosas idéias de todos os sábios do mundo e a
santidade e pureza da moral evangélica. Esta arte, que é o órgão da
sabedoria e o arremedo da eternidade, enfreia nossas desordenadas
paixões, insuflando-nos o temor da pública execração, e serve de núcleo
à virtude e ao heroísmo, levando com espanto, admiração e respeito
nossas boas ações à poste-ridade. Esta arte sublime que é o requinte da
sagacidade humana, que neutraliza os estragos do tempo e os obstáculos
do espaço, levando a todos os climas os pensamentos alheios, vencendo
em parte as barreiras que a Divindade pôs às circunscritas faculdades do
homem: esta arte, digo, é novamente aperfeiçoada pelo sagaz e
experimentado Lancaster, que mais conhecedor que todos os mestres da
mocidade, esquadrinhou os recortes mais eficazes para facilitar à
juventude a compreensão dessas regras(?), formando o “Sistema de
Ensino Mútuo”, hoje adotado em toda a ilustrada Europa pela excelência
de seu método.
É seguindo seus ditames que me proponho a ensinar-vos, esperando que
com vossa assídua aplicação secundareis meus esforços para podermos
ver realizadas as esperanças do Patriótico governo que nos rege e
cimentados os verdadeiros princípios sobre os quais se escora o grande
edifício de nossa Regeneração Política, que só reclama Moral e
Ilustração.
Viva a Religião Católica Apostólica Romana - Viva o Sistema Republicano
- Viva a Liberdade Rio-Grandense - Viva o seu Governo, porque é justo e
liberal.
São Gabriel, 12 de agosto de 1839. Luiz Carlos d’Oliveira217.
217
O POVO, Cassapava [Caçapava], quarta-feira, 16 de outubro de 1839, n. 110, p. 3.
218
Arnaldo NISKIER, Educação brasileira - 500 anos de história (1500-2000), p. 104.
114
qual se destaca a importância da educação popular e se faz a apologia do método de
Lancaster. Sobre a educação do povo, diz:
Mais adiante, ao tratar da primeira escola - “a que deve ensinar a ler, escrever e
contar, os conhecimentos da língua materna até as linguagens, a doutrina cristã e a
cartilha universal” -, descreve o método de ensino mútuo de Lancaster, “que
essencialmente não é outra coisa do que o método dos decuriões das escolas jesuítica
mais aperfeiçoado.”
Este sistema de José Lancaster, que tanta bulha tem feito e está fazendo
no mundo, consiste na aplicação de uma máxima mui antiga, segundo a
qual tudo quanto um homem sabe pode ensiná-lo - e o melhor modo de
saber bem as coisas é i-las ensinando. O sistema de Lancaster consiste
portanto em fazer com que os rapazes se ensinem uns aos outros. A
prática deste método pouco mais ou menos se reduz ao seguinte: cada
escola é dividida em classes de rapazes quase da mesma idade, e que
tenham feito iguais ou quase iguais progressos. O lugar de cada um será
determinado pelo seu adiantamento. Cada classe destas se divide em
decuriões e discípulos. Sendo, por exemplo, doze na classe, os seus
melhores são os decuriões (tutors se chamam em inglês).
Os decuriões devem fazer estudar as lições aos seus discípulos ao
mesmo passo que as estudam eles mesmos, vigiar no seu bom compor-
tamento, no sossego e boa ordem da classe. Cada uma destas classes
deve ter um certo número de vigias, ou de inspetores (nas escolas de
Lancaster dá-se-lhe o nome de monitors).
A obrigação desses monitores é vigiar exclusivamente sobre o que se
está fazendo na classe - ensinar os decuriões a aprender as lições, e
dizer-lhes o modo como as hão de ensinar aos seus discípulos; ver se
todos eles cumprem com o seu dever; tomar no fim lição a toda a classe.
Cada um destes monitors é tirado da classe onde aprende para aquela
cuja matéria de ensino já ele sabe a ponto de a poder ensinar.
O monitor deve portanto saber perfeitamente o que se aprende na classe
onde ele vai presidir - deve ser além disto, de uma regular conduta e
digno da confiança que dele se faz.
As lições de cada classe devem ser fáceis; cada uma deve não só
conter poucas idéias, mas deve ser posta em linguagem tal que seja no
mesmo grau clara, correta e concisa. Nada se deve antecipar; o que se
219
O POVO, Cassapava [Caçapava], sábado, 31 de agosto de 1839, n. 97, p. 3-4.
115
aprende numa lição deve preparar a lição seguinte. Devem as lições ser
de uma tal extensão que não levem mais de dez minutos a aprender,
quando muito, um quarto de hora; e logo que estiverem sabidas, devem
os decuriões fazê-las repetir tantas vezes quantas forem suficientes para
se ficarem sabido com exatidão. Deste modo podem estudar-se pelo
menos quatro lições em cada hora. Particular cuidado se deve tomar em
que não passe uma só palavra que não seja bem compreendida, e nunca
se deve principiar lição de novo sem estar bem aprendida a que se tiver
passado. (...). A grande vantagem deste sistema é que um rapaz nunca é
deixado a si só, para aprender a sua lição unicamente pelos seus próprios
esforços. (...). Outra vantagem do sistema é o muito que se poupa em
mestres.
Rousseau dizia que um mestre não podia ensinar mais de um discípulo;
mas no sistema de Lancaster um só mestre pode governar uma classe de
quinhentos ou seiscentos discípulos. Outra vantagem do sistema de
Lancaster é prevenir faltas por meio da assídua vigilância dos monitores.
Os diretores destas escolas asseveram que se passam meses sem se
verem na precisão de ordenar um castigo. A prática dos açoites e
palmatoadas nas escolas excita idéias de vingança e faz brotar toda a
casta de má inclinação. O rapaz que é castigado por uma falta pode
corrigir-se, mas a correção não resulta do castigo, resulta apesar dele.
Pancadas nunca influirão virtude alguma no coração humano; o que elas
produzem é irritá-lo (...) é fazer escravos que depois se fazem tiranos. Na
segunda escola, a que se pode dar o nome de escola média é este
sistema tão praticável, assim como na primeira(...)220.
220
O POVO, Cassapava [Caçapava], sábado, 21 de setembro de 1839, n. 103, p. 4. e quarta-feira, 25 de
setembro de 1839, n. 104. p. 3.
116
campanha para desmoralizar o governo republicano, acusando-o de utilizar a escola
para arregimentar a juventude para o exército farrapo. Domingos José de Almeida foi
obrigado a expedir, através de ofício e circular de 27 de junho de 1839, encaminhados
aos chefes de polícia, às Câmaras Municipais e ao chefe do Exército republicano
(General Neto) a seguinte ordem: "manda o mesmo governo declarar-vos que os alu-
nos, depois de matriculados em qualquer das aulas nacionais do Estado, e que as
freqüentem com proveito, estão isentos não só do recrutamento para a primeira linha,
como ainda da guarda nacional, e do serviço da polícia dos distritos"221.
Voltando ao quadro apresentado, podemos inferir, pela análise do número de
alunos existentes em cada localidade, que o método do ensino mútuo não se justificaria
sob o ponto de vista da otimização dos recursos docentes. Se levarmos em conta que,
à época, alunos de sexos diferentes freqüentavam aulas diferentes, concluiremos que
o tamanho das turmas (na hipótese de que, em cada localidade, existisse apenas uma
escola) não demandava o trabalho de monitores ou decuriões, podendo o professor dar
conta do recado sozinho. Para que, então, perguntamos, a predileção dos republicados
pelo ensino mútuo? Por questões ideológicas, certamente. O método de Lancaster era
tido como o método moderno por excelência, e os republicanos, combatendo contra o
Império, considerado o signo do atraso, tinham de se aliar aos valores modernos,
forçosamente.
De qualquer forma, o Projeto de Constituição da República Rio-Grandense, de 8
de fevereiro de 1843, faz completo silêncio no que respeita ao método. O único artigo
que trata da educação diz o seguinte:
O mais provável dessa omissão é que ela deve ser explicada pelo caráter do
próprio documento, no qual não caberia, a princípio, detalhar o método do ensino a ser
adotado. Mas não pode ser descartada a hipótese de que, já nessa época (1843), as
críticas ao método, estando generalizadas, teriam servido para suspender os discursos
apologéticos. A hipótese não é de todo sem sentido, se levarmos em conta que nenhum
documento oficial, depois dessa data, volta a insistir no referido método. Ele passou a
ser considerado, pelo que tudo indica, completamente superado. A expressão
completamente superado, contudo, deve ser precisada: o método de ensino mútuo foi
superado como método, mas não como técnica de ensino. Nas escolas unidocentes e
multisseriadas, podiam ser encontrados, até bem perto de nós, professores utilizando,
esporadicamente, para determinadas atividades, o expediente dos alunos mais
adiantados auxiliarem os menos adiantados ou em dificuldades.
Bibliografia
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222
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118
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA
O ENSINO MÚTUO NO BRASIL
O “curso normal para professores de primeiras letras do
barão de Gérando” (1839)223
Introdução
223
Este artigo foi publicado na revista História da Educação. Asphe/Pelotas, v. 2, n. 2, p. 95-119, abr.
1998. Revisto e ampliado. Integra a linha de pesquisa Educação Brasileira e Cultura Escolar: análise
de discursos e práticas educativas (século XIX e XX).
224
Doutora em História e Filosofia da Educação; professora no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade de Passo Fundo; professora Titular em História da Educação -
PPGEDU/Ufrgs; bolsista do CNPq.
225
Essa situação pode ser verificada através das recomendações dos ministros do Império aos
presidentes das províncias. Por exemplo, em setembro de 1831, o Ministro Lino Coutinho expediu o
seguinte aviso: “Havendo chegado ao conhecimento da Regência o mau estado em que quase
geralmente se acham logo em seu começo as Escolas Elementares de ensino mútuo, que o estado
com sacrifício não pequeno tem procurado estabelecer e espalhar, afim de meter na massa geral dos
cidadãos a primeira e a mais essencial instrução, de ler e escrever, sem o que se não pode dar
melhoria de indústria, e nem de moralidade, e isto talvez pelo pouco instrução a curto prazo e à custa
do seu ordenado nas escolas das capitais. cuidado da parte das Municipalidades, a quem cumpre
prestar uma escrupulosa atenção em negócio de tanta transcendência”. MOACYR, Primitivo. A
instrução e o Império. p. 193.
119
Visando sanar, em parte, o problema de formação de professores, foi criada a
primeira Escola Normal do Brasil (1835-1851), na capital da província do Rio de
Janeiro - Niterói, com o intuito de preparar os futuros mestres no domínio teórico-
prático do método monitorial/mútuo:
120
leitura, da caligrafia, aritmética, desenho linear, princípios da doutrina cristã, gramática
filosófica da língua portuguesa, com exercícios de análise e imitação de nossos
clássicos.” Para prover a primeira, o governo autorizava mandar à França dois
indivíduos, escolhidos em concurso, que dominassem o francês, a fim de aprenderem,
na Escola de Paris, o método teórico e prático do ensino mútuo. Esses alunos seriam
recomendados à Missão brasileira daquela Corte para que fossem considerados alunos
franceses. Os escolhidos deviam ter de 20 a 25 anos e prestar fiança idônea, a fim de
restituírem as despesas que fizessem à Fazenda pública229. Esse fato nos permite
também depreender as diferentes vias de contato que houve com a obra do barão de
Gérando.
Villela, quando analisa a Prática cotidiana na Escola Normal: o projeto e sua
realização, assinala que o presidente da província, Paulino Soares de Souza, “manda
distribuir para os alunos da Escola Normal e para todos os professores da Província o
Manual do Professor Primário escrito por um francês. Pretendia, assim difundir o
método lancasteriano e também os ensinamentos morais que continha esta obra.” A
autora não cita o autor, nem aprofunda a temática relativa aos conteúdos da formação
de professores na primeira Escola Normal do Brasil, apesar de afirmar, em vários
momentos, que a intenção das autoridades foi formar um “professor elemento difusor
da ideologia do Estado que um difusor de conhecimentos. (...) importava mais garantir
sua submissão do que uma formação teórica e prática sólida para exercer a
profissão”230. Quais os mecanismos que permitiriam atingir esses objetivos? A obra do
Barão de Gérando nos parece ser um dispositivo privilegiado para analisar essa
formação do professor.
Ao realizar a pesquisa sobre o ensino mútuo no Brasil, entrei em contato com essa
obra na Biblioteca Nacional da França231 e do Rio de Janeiro. Preocupada com as
questões relativas à formação docente - disciplinas, conteúdos, leituras -, considero de
relevância abordar a obra, primeiro manual didático-pedagógico publicado no Brasil 232,
constituindo-se um discurso fundador233. Tendo por mote o estudo da obra do barão de
Gérando, pretento tanto abordar a história da obra, do autor e das idéias pedagógicas
dirigidas ao professor-leitor; como avaliar o sentido de sua aplicação na Escola Normal
de Niterói como leitura obrigatória para todos os professores públicos de primeiras
letras da província, e sua permanência como obra fundadora.
Este estudo insere-se na perspectiva que Chartier nos coloca em sua obra A
ordem dos livros. Para o autor, o livro
sempre visou instaurar uma ordem; fosse a ordem de sua decifração, ou,
ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou que
229
MOACYR, Primitivo. A instrução e o Império. v. 2. P. 68-70.
230
VILLELA, Heloísa de O. op. cit. Capítulo III. p. 140-257.
231
Essa pesquisa foi possível graças ao convite de M. Pierre Caspard para permanecer dois meses
como Maître de Conférence do Département Mémoire de L’Éducation / Institut National de Recherche
Pédagogique - Paris ( jun/jul. 1996)
232
No Aviso do Editor, edição brasileira, consta que “é esta obra a primeira deste gênero que sai a lume
na nossa língua.”
233
Para ORLANDI, o discurso fundador é o que instala as condições de formação de outros discursos.
São enunciados que ecoam e reverberam efeitos de nossa história em nosso dia-a-dia, em nossa
reconstrução cotidiana de nossos laços sociais, em nossa identidade histórica. O que interessa é a
historicidade dos próprios processos discursivos. Trata-se de pensar como os diferentes processos
discursicos se relacionam e como atuam na perpetuação e cristalização de determinados sentidos em
detrimento de outros. Ou seja, processos discursivos que tecem e homogeneizam a memória de uma
época. ORLANDI, Eni P. (Org.) Discurso fundador. A formação do país e a construção da identidade
nacional. p. 11 a 27.
121
permitiu sua publicação. Essa dialética entre a imposição e a apropriação
não é a mesma em toda a parte, sempre e para todos.(...) Certamente, os
criadores, os poderes ou os experts sempre querem fixar um sentido e
enunciar a interpretação correta que deve impor limites à leitura (ou ao
olhar). (...) Daí o papel pedagógico, aculturador, disciplinador, atribuído
aos textos colocados em circulação para numerosos leitores. (...) A
recepção dos livros também inventa, desloca e distorce234.
122
circulavam no Brasil, como, por exemplo, Le visiteur des pauvres (1826)240. O dr.
Joaquim Ignácio Silveira da Motta, inspetor geral da Instrução Pública do Paraná e Rio
de Janeiro, em seu livro intitulado Conferências oficiais sobre instrução pública e
educação nacional (1878), recomenda aos seus leitores a obra do barão de Gérando 241.
Esses indícios nos permitem afirmar a significativa penetração e circulação da obra do
barão de Gérando, sendo as suas balizadas idéias reiteradamente utilizadas para
melhor fundamentar o que se queria implementar no país 242.
Janeiro: Typografia Nacional, 1884. (26 questão) p. 2 Na Conferência Literária Do surdo-Mudo sob
o Ponto de Vista Phisico, Moral e Intellectual, proferida em 2 de agosto de 1874, o dr. Menezes Viera
também cita o barão de Gérando, que durante muitos anos foi diretor do Institutto de Surdos-Mudos
de Paris.
240
Sobre essa obra, considerada como um clássico da antropologia francesa, ver PERROT, Michelle.
L’OEil du baron ou le visiteur du pauvre. In: MILNER, Max. Du visible a l’invisible. 1988. p. 63-71.
241
“É sentimento geral; entre as classes ignorantes, a necessidade de nutrir-se e de abrigar-se é a única
lei; a do alimento espiritual pouco se faz sentir, o operário e o lavrador que não conhecem outros
proveitos, senão os que tiram do trabalho dos seus braços não se preocupam com a cultura do
espírito e do coração e não desejam para os filhos o que les ignoram, e ao contrário evitam para não
se privarem do serviço momentâneo que dos filhos podem tirar. Degerando, na sua obra O visitador
do pobre, com a proficiência e espírito prático de quem se empregou por longo tempo na educação
popular, sustenta esse princípio, e estabelece: que ao inverso de todas as outras coisas em matéria
de instrução, tanto maior é a falta quanto menor é a procura. E é a razão por que o selvagem é
estacionário”. MOTTA, Joaquim Ignácio Silveira da. Conferências oficiais sobre instrução pública e
educação nacional. Rio de Janeiro: Typ. e Ed. Dias da Silva Jr., 1878. 174p. p. 121. (IHGB.
Miscelânia 204,6,9. n. 27).
242
Essa obra também circulou em outros países da América Latina. Maldonado, em seu texto Libros
franceses y educación nacional. Componentes de un proceso de transferencia cultural - Chile (1840-
1880), afirma que a obra do barão de Gérando foi traduzida para o espanhol por dom José Dolores
Bustos, inspetor das escolas primárias de Santiago, por ordem do ministro da Instrução Pública,
Salvador Sanfuentes, em 1847, para ser distribuída aos professores e que os instruísse no exercício
do seu cargo. Também foi traduzida a obra de E. Gorgeret - Curso completo de enseñanza mutua,
primeiro volume. CONEJEROS M., Juan Pablo. Libros franceses y educación nacional. Componentes
de un proceso de transferencia cultural - Chile (1840-1880). Santiago: Universidade Católica Blas
Cañas, 1998. mimeogr. p.14.
243
Esta biografia do barão de Gérando foi realizada a partir da consulta em: NIQUE,C. et LELIÈVRE,C.
Histoire biographique de l’enseignement en France. p. 179; TRONCHOT, Robert. L’enseignement
mutuel en France de 1815 a 1833. Les luttes politiques et religieuses autour de la question scolaire;
GONTARD, Maurice. L’ensegnement primaire en France de la Révolution à la Loi Guizot. Des petites
écoles de la monarchiee d’ancien régime aux écoles primaires de la monarchie bourgeoise (1789-
1833); HOEFER. Nouvelle biographie générale. Tome 19. p.142-144.
244
De Gérando teve uma grande reputação como filantropo, tanto por seus escritos como por seus
trabalhos como membro de instituições de assitência: foi administrador do Hospice Quinze-Vingts e da
Institution des Sourds-Muets, vice-presidente do Conselho de Saúde; membro ativo da Société de la
Morale Chrétienne, etc. DAJEZ, Frédéric. Les origines de l’école maternelle. p. 44.
123
transição, que permite a passagem da tradição cristã de escolas de caridade à um
projeto laico de escolas populares”245.
Em 1802, participou da fundação da Société d’Encouragement pour l’Industrie
Nationale, que propunha promover os conhecimentos úteis ao progresso da sociedade.
Em 1815, juntamente com Laborde246 e Lasteryrie, propôs a criação de uma
associação com o objetivo de procurar “para a classe inferior do povo um tipo de
educação intelectual e moral a mais apropriada às suas necessidades.” A Société pour
l’Instruction Élémentaire orientava suas atividades na perspectiva de que “a educação é
o primeiro meio de formar os homens virtuosos, amigos da ordem, submissos à lei,
inteligentes e trabalhadores” e que a educação é indispensável para “fundar uma
maneira útil e durável de felicidade e a verdadeira liberdade dos Estados”.
No estatuto da sociedade sobre as novas escolas para os pobres, eram propostas
a introdução e a difusão, na França, do método de ensino mútuo, que vinha sendo
utilizado na Inglaterra por Bell e Lancaster, sob o nome de sistema monitorial. A
sociedade também deveria estimular a fundação de escolas de primeiras letras nas
comunidades e criar escolas suas; criar uma escola normal para formar professores de
primeiras letras; a impressão e difusão de livros elementares; a difusão dos bons
métodos de ensino; a educação das meninas (até então completamente negligenciada);
a publicação de um jornal de educação, entre tantas outras atividades.
O barão de Gérando foi secretário-geral e presidente da Société pour l’Instruction
Élémentaire, que dominou a vida pedagógica francesa durante vinte anos e assegurou
a promoção do método mútuo, acompanhado de grande progresso da instrução
popular.
O ensino mútuo na França foi adotado desde de 1815, através da Comission
d’Enseignement Élémentaire, criada por Napoleão I, e pela Société pour L’Instruction
Élémentaire. Entre 1815 e 1820, edificaram-se mais de mil escolas mútuas, que
reuniam em torno de 150 000 alunos. A sociedade editou uma revista pedagógica -
Journal d’Éducation (1815-1914/21-1926), que servia de instrumento de propaganda e
de ligação entre as diferentes escolas e as sociedades pela Instrução Elementar
Estrangeiras.
Gérando, juntamente com Ambroise Rendu, também redigiu o decreto de 29 de
fevereiro de 1816, que estabeleceu as bases da instrução primária popular na França.
Por esse decreto, todas as comunas deveriam ministrar a instrução a todas as crianças,
fiscalizar as escolas e proceder ao recrutamento de professores. Para os autores, a
instrução primária “justamente a que é fundada sobre os verdadeiros princípios da
religião e da moral, é não somente um recurso fecundo de prosperidade pública, mas...
também contribui à boa ordem da sociedade, prepara à obediência as leis e a realizar
todos os gêneros de deveres.”
Além dessas atividades, o barão de Gérando escreveu obras de filosofia, em que
desenvolveu a idéia de que o homem pode e deve se aperfeiçoar moralmente, através,
245
CHARTIER, Anne-Marie. Compte-rendu: JACQUET-FRANCILLON, François. Naissance de l’école
du peuple, 1815-1870. Paris: Ed. de L’Atelier/Ed. Ouvrières, 1995. Paedagogica historica. International
Journal of the History of Education. XXXIII - 1997/2. p. 588-591. Agradeço à Anne-Marie Chartier o
envio desta resenha e do artigo de M. Perrot.
246
Alexandre Laborde (1774-1842) fez uma viagem à Inglaterra, no início do ano de 1815, quando
descobriu o método de ensino mútuo, que o seduziu. Redigiu uma obra na qual apresenta o método,
que segundo ele, deve “consolar o pobre sobre o seu estado humilde e elevar a geração inteira a
melhorar o nível das outras classes da sociedade, senão pelas vantagens exteriores, ao menos pelos
sentimentos e conhecimentos úteis. Instruir o homem do povo não mudará sua condição, mas o
tornará mais habilitado a cumprir seus deveres.” NIQUE, C. e LELIÈVRE, C. op. cit. p. 179.
124
principalmente, da educação; obras de pedagogia sobre o ensino de surdos-mudos, a
instrução de pobres, a educação moral; obras de caridade 247. Também ministrou aulas
de Pedagogia na Escola Normal durante quinze anos. Em suas aulas, insistia sobre a
dignidade do professor, sobre a importância de sua missão, que o fazia um funcionário
público, um mestre de moral. Como resultado desse longo magistério, publicou, em
1832, o Cours normal des instituteurs primaires, ou Directions relatives à l’éducation
physique, morale et intellectuelle dans les écoles primaires, em que desenvolve o que
considera o objetivo essencial da educação: a ordem: “É o sinal que atesta a presença
de inteligência... Dê aos alunos o gosto e o hábito da ordem, formando na alma das
crianças o amor à virtude... A ordem no conjunto da conduta, na vida, é a marca da
sabedoria.” Assim, para Gérando, a instrução primária necessária ao povo é a
educação da ordem. Essa dimensão está contextualizada em sua época, de freqüentes
desordens revolucioná-rias, que precisavam ser sustadas e controladas.
125
profissão, mas como um ministério moral, fazendo da instrução um ramo subordinado
da educação. Além disso, insiste nas qualidades que deverá possuir ou adquirir o
professor: a calma, que mantém a ordem; a modéstia, que o mantém grave e
reservado; a vigilância e o exemplo a dar. Fala de uma quase - magistratura do
professor249.
A atividade docente centra-se em dirigir o funcionamento da classe e em instruir
os monitores que ensinam, já que os alunos são professores uns dos outros. A
formação dos professores volta-se à orientação de suas atividades escolares,
principalmente dos seus deveres: vigilância e administração. A vigilância se estende
aos mínimos detalhes e no cuidado na aplicação correta dos procedimentos do método
mútuo. O papel do professor na classe se reduz à inspeção, isto é, deve observar
atentamente cada classe de alunos. A vigilância também é exercida sobre os
monitores, que são encorajados e animados, ou suspensos se cometem uma injustiça.
Assim, por exemplo, o papel do professor durante os exercícios é de ajudar uma classe
ou outra, de escutar e julgar, de aprovar ou ratificar. Ele somente sai do seu lugar
quando ocorre uma mudança de trabalhos. A atividade de administração é a vigilância
escrita e numérica, ou seja, o professor deve registrar todas as ocorrências escolares
num grande livro da escola: a inscrição, a freqüência, a contabilidade.
A ação moralizante do método mútuo não deveria limitar-se ao espaço da escola:
devia alcançar as famílias através das crianças. A intenção era fazer desaparecer
pouco a pouco o senso de ignorância, as velhas e funestas inclinações dos alunos e
parentes. Essa ação deveria ser exercida pelo professor - missionário da moral e da
verdade. Para os idealizadores, o método mútuo, pelos benefícios que trazia aos alunos
e também aos adultos, seria uma “vacina moral”, que permitiria a regeneração do
gênero humano250.
No Manuel complet de l’enseignement mutuel (1834), encontram-se explicitados
os conhecimentos que um professor devia possuir para ocupar a função:
Esses conhecimentos correspondiam àqueles que devia ensinar aos seus alunos,
mas também devia cuidar da saúde, desenvolver a inteligência e dirigir a moralidade
em formação das crianças de sua escola. Nessa perspectiva, devia desenvolver a
educação física, da saúde e da higiene; a educação intelectual; a educação moral252.
249
VINCENT, Guy. L’École primeire française. p. 45 e 187
250
GONTARD, Maurice. L’enseignement primaire en France de la Révolution à la Loi Guizot. p. 280.
251
Manuel complet de l’enseignement mutuel ou instructions pour les fondateurs et les directers des
écoles d’enseignement mutuel par deux membres de l’Université. p. 179
252
Idem, ibidem, p.139
126
No Brasil, a lei que criou a Escola Normal definiu para os candidatos, os requisitos
de ingresso, estabelecidos no artigo 4º: “Para ser admitido à matrícula na escola
Normal requer-se: ser cidadão brasileiro, maior de dezoito anos, com boa morigeração;
e saber ler e escrever.” Villela, sobre isso, afirma:
127
Provinciais258, o que permite depreender a preocupação das autoridades em informar o
professor sobre a legislação que norteava a sua atividade/ofício.
No “Aviso do Editor”, o professor-leitor depara-se com uma história da obra:
128
O diretor da Escola Normal, José da Costa Azevedo, era o responsável pela
distribuição da obra para os alunos e todos os professores públicos de primeiras letras
da província. Cabia-lhe também a distribuição das matérias, a ordem e sucessão dos
trabalhos, escolher os compêndios necessários, apenas sujeitando-os à aprovação do
presidente da província, de acordo com o artigo 7, do Regulamento da Escola Normal.
O barão de Gérando não escreveu um livro, mas publicou um conjunto de
conferências ministradas na Escola Normal de Paris durante doze anos. Dessa forma,
predomina na obra o tom de oralidade/conversa, o que pode ser constatado pela forma
como se dirige ao leitor – “amados ouvintes”. Esse tom dialogal fortalece o vínculo
autor-leitor, possibilitando uma melhor apreensão das lições. O autor faz uso constante
de perguntas ao professor-ouvinte, reforçando, dessa forma, a resposta que ele mesmo
dá à sua interrogação. Outro mecanismo de qualificação de sua fala é a autopromoção;
na verdade, o autor destaca a sua importância de autoridade no assunto: “Filósofo
pelos estudos de toda minha vida, honro-me de ter parte convosco em tais
pensamentos, assim como convosco participo destas esperanças.”
São dezesseis conferências, cujos títulos nos permitem perceber a natureza das
lições ministradas: Dignidade das Funções do Professor de Primeiras Letras;
Disposições e qualidades necessárias ao Professor de Ensino Primário; Educação nas
Escolas Primárias; Educação Physica; -Educação Intellectual, e primeiramente como
pode o Professor cultivar a attenção, imaginação e memória; Continuação da matéria
antecedente: Como pode o Professor de Primeiras Letras formar o juízo e a razão de
seus alunos; Continuação do precedente assunto: Instrução nas Escolas de Primeiras
Letras; Continuação do mesmo assunto: Método na Instrução Elementar; Educação
Moral nas Escolas de Primeiras Letras; Continuação da mesma matéria: Como pode
inspirar o Professor de Primeiras Letras aos discípulos o sentimento de seus deveres;
Educação Religiosa, parte que nela deve tomar o Professor de Primeiras Letras; Como
procede o Professor no ensino dos deveres; Como trabalha o Professor de Primeiras
letras em fortificar o caráter dos meninos; Algumas molas da Educação - Hábito e
Imitação; Continuação da matéria antecedente - Trabalho e Ordem; Últimos conselhos
aos Mestres de Primeiras Letras. Esse conjunto de conferências tem uma função
moralizadora e disciplinadora da atividade docente, isto é, fala das expectativas em
relação ao professor, ao ensino, ao aluno, fazendo insistentemente uma apologia do
ensino mútuo.
O Curso abre com a primeira conferência dirigida ao professor, considerado um
educador da infância, um oficial público, que o autor reconhece ser “honroso e nobre
este título de Professor Primário”. A função do professor é definida por suas relações
com o público: “seus serviços tem por objeto interesse comum, mandatário coletivo
recebe o depósito entregue em suas mãos por muitas famílias.(...) Exercita autoridade
real e legitima no circuito do seu estabelecimento; é uma espécie de Magistrado cuja
influência se estende para fora da Escola. (...) Delegado dos pais representa-os, e em
nome deste exercita o patrio poder”. Essa ênfase no público serve para destacar o
ministério civil que “por si mesmo se associa como secundário ao ministério religioso:
porquanto, a instrução é útil à Religião e à Moral, filha desta, e o Professor de Primeiras
Letras prepara a infância para a Religião, sendo assim a escola pórtico do templo”.
A natureza da função do professor é sacralizada pelo autor, que destaca: “Serão
os bons costumes e o da instrução, quer dizer, os mais preciosos, visto que dizem
respeito a tudo quanto há de mais eminente na humanidade... Vós proveis as primeiras
impressões do espírito e do coração; sóis para com vossos irmãos mensageiros da
129
razão e da virtude.” Essa ação pedagógica visava à melhoria da condição das classes
laboriosas, considerada de
130
Os exemplos de modelos de mestres ou mestres-modelos intentava universalizar
valores a fim de produzir sentido ao leitor sobre o modelo-ideal de professor. Esse
discurso idealizador das virtudes, que deveriam formar o todo harmonioso mestre,
intentava ser um guia prático para o professor no desempenho de suas funções.
131
meios de sair dela. Consolemo-los, armemo-los de valor contra a desgraça, de
capacidade para criarem recursos.
Perante essa difícil missão, o autor conclama os ouvintes: “Alegrai-vos, porque
podeis fazer vezes de pais aos que não tem, ser apoio da viúva, guia do orfão, enxugar
e evitar muitas lágrimas”.
Todo o discurso reforça o destino do professor-leitor – “dirigir os indivíduos das
classes laboriosas.” A fala indica as carências e as dificuldades que, segundo o autor,
essa classe possui, sendo a educação a grande salvação:
Os indivíduos das classes laboriosas tem pouco tempo para se aplicarem a
conhecimentos teóricos e poucas ocasiões de usar deles. Só a educação pode
preservar ou da pobreza ou do vício a quem não tem recursos mais que os braços.
Será condenado a privações, e a educação o acostumará a resignar-se sem queixume;
terá de fazer grandes esforços; de continuar com perseverança; ela lhe dará valor e
ânimo; ela o defenderá; ela o ensinará a tirar recursos de si mesmo; ela lhe dará a
necessária energia para superar obstáculos; ela lhe tornará fácil a economia pelos
hábitos de ordem e temperança; ela lhe ensinará a estar contente com a situação que
lhe coube de quinhão.
Assim, a educação primária asseguraria a prosperidade do Estado e dos seus
cidadãos, naturalizando as contradições da sociedade de classes, individualizando as
diferenças e desenvolvendo de uma atitude de resignação.
O autor, ao indicar o papel e ação do professor dirigida às classes laboriosas, faz
uma ressalva em nota de rodapé ao fato de não falar em educação popular, mas referir-
se sempre à educação primária. Assim, explica:
que muito se tem abusado das expressões povo e popular, para espalhar falsas
idéias e não desejo concorrer para este abuso. O povo não está separado da
Sociedade, mas sim é a sociedade. Não há educação especial para o povo, assim
como não há moral a parte para ele. Razão e virtude são patrimônio de todos. Há pois
somente uma educação particular para certa idade da infância, e para certas condições
da sociedade.
O barão de Gérando, ao reconhecer a desigualdade de condições entre os
homens, elege a educação/instrução como um dos dispositivos para minimizar essas
diferenças. Assim, recomenda ao professor:
259
Gérando foi um dos primeiros a dizer que o desenho na escola tem um objetivo educativo, e não
profissional. Visava à educação dos sentidos, que seria o caminho para desenvolver a educação física
e a educação intelectual. VINCENT, Guy. Op. cit. p. 196-197.
260
Em 1819, Gérando submete à Société pour L’Instruction Élémentaire o projeto de acrescentar nos
exercícios escolares o canto e a música. VINCENT, Guy. Op. cit. p. 195.
261
“O professor é o responsável em garantir o desenvolvimento da faculdade preciosa, mas cega, que é
a imaginação.” VINCENT, Guy. Op. cit. p. 45.
134
refletir e a entrar em si, tornando-os capazes de guiar-se - “o emprego de Monitor é
tirocínio para a razão.”
Essas conferências sobre a educação intelectual são concluídas com ênfase
sobre o real significado da instrução ao homem: “Dá o justo sentimento de sua
dignidade, mas também o faz modesto, porque lhe mostra que ignora ainda muitas
coisas; ensina-lhe a conhecer o verdadeiro valor das coisas, que consiste na realidade
e não nas aparências; na satisfação das necessidades de sua vocação e não em vãs
pretensões do seu amor próprio”.
A educação moral nas escolas de primeiras letras é considerada a coroa que
domina toda a educação do homem, por ser a que “forma o caráter, nos ensina a
dirigir-mos; que faz frutificar a Educação Física e Intelectual; que abrange todos os
instantes e interesses da vida; por ela entra o homem de posse da humanidade; é o fim
essencial de nossas meditações e desvelos.” Além disso, para o autor, a educação
moral não tem limites, pois são os dons da virtude patrimônio de todos - cultivar a
vontade, o amor próprio, a justiça. A educação moral não é aprender a obedecer às
leis, mas é “necessário e justo amem as leis de seu País, e que saibam gloriar-se
delas”. Na ordem moral, os direitos correspondem a deveres e, dos deveres, derivam
os direitos.
O ensino mútuo também favorece a educação moral pela simultaneidade das
atividades escolares: exercita os alunos a trabalhar em harmonia, a exprimir as
mesmas idéias. O método aproxima e une os alunos; faz entenderem-se e
confundirem-se uns nos outros; estabelece entre os alunos um contato recíproco e
contínuo; alterna os papéis e situações, fazendo com que cada aluno saiba pôr-se pelo
pensamento no lugar do outro.
O Curso normal considera como ponto-chave da educação moral ensinar os
professores como “inspirar nos discípulos o sentimento de seus deveres.” Para tal,
cumpre desenvolver a faculdade moral da consciência, considerada “aquela voz
interior, que nos ensina a discernir o bem do mal e nos revela a sagrada autoridade do
dever”.
O professor - “sacerdócio da moral” -, pelo seu exemplo, deve estimular a
obediência, o respeito às autoridades, o amor à virtude. O professor deve ser
estimulado a “obrar de modo a praticar o bem, que respire a vossa Escola contínuo
perfume de moralidade. Não deve nisto haver falha nem interrupção. O desempenho de
vossos deveres longe de cansar a alma, fortalecem-na e remoçam-na continuamente.”
São recomendadas leituras que possam ministrar exemplos apropriados, sugerir
reflexões, apresentar imagens do bem, estimular. Assim, a moral aparece ao aluno
como “tenra mãe, que lhe abre os braços para o proteger do mundo, e dar-lhes a
verdadeira vida.”
A educação moral também está associada à educação religiosa, considerada o
caminho para o ensino dos deveres e do respeito a esses. A religião é vista como
indispensável ao homem, “por lhe ensinar o que ele é, o que veio fazer a este mundo, e
para onde vai; por lhe permitir alcançar a plenitude do caráter moral que pertence à
humanidade”. Às classes menos favorecidas, a religião ajudará a explicar “o mérito da
longa provoção a que são chamados, oferecerá estímulos para todos esforços”. Ao
professor é recomendado o não-privilegiamento de um credo, mas noções elementares
da religião.
Na escola laica, a religião continua presente no cotidiano escolar e é
recomendada pelo seu alto valor educativo, como se pode perceber nesta fala:
135
A oração, pela qual começam nossos exercícios, concorrerá poderosamente para
a educação; porque tem o sentimento religioso admirável virtude para dar sossego e
serenidade ao espírito; para inspirar alegria e coragem na criatura humana; para prepa-
rar para o trabalho, produzindo de alguma forma na inteligência efeito semelhante ao de
ameno dia, que vem animar e aformosear a natureza.
Ensinar, doutrinar e inculcar profundamente é o objetivo a que deve voltar-se a
educação para ‘fortificar o caráter dos meninos”. A escola primária é vista como um
“ginásio moral”, em que o menino cedo se acostuma a lutar e vencer a vontade própria.
Dessa forma, o caráter não reside no arrebatamento das paixões, mas no poder que o
refreia, isto é, no império que exercitamos sobre nós mesmos - o controle individual e
social. Para a formação do caráter, a disciplina prudente, a ordem geral, a regularidade
dos exercícios e das atividades, a vigilância são os principais meios que a escola deve
dispor para “domar pouco a pouco as inclinações do menino.”
Na décima-quarta e décima-quinta conferência, o barão de Gérando esclarece o
professor-leitor sobre algumas molas da educação, as metas que devem dirigir a ação
da escola: hábito, imitação, trabalho e ordem. O hábito desenvolve-se pela repetição
constante e conveniente dos exercícios e atividades a fim de que o aluno retenha
melhor o que houver aprendido. A imitação parte da premissa do professor-modelo de
caráter e de vida, por isso a educação se faz “muito menos por instruções e mais por
exemplos”. O trabalho é visto como condição à independência, à felicidade, fonte de
gozo e honra, mas também como meio eficaz de educar, porque explica importantes
verdades: “porque lhe recorda continuamente que não foi a criatura humana lançada
sobre a terra para nesta viver ociosa e estéril, mas sim para ser útil por ação fecunda e
resultados duráveis”. Assim, a educação da indústria deve começar muito cedo,
principalmente nas classes menos favorecidas, porque através dela os meninos
aprendem a não ser ociosos e adquirem “provisões da alma, que lhes requer uma vida
de atividade, valor e perseverança”. O ensino de ofícios e de trabalhos de campo é
considerado o mais indicado para “formar o menino da indústria”. A ordem tem efeito
análogo ao trabalho, pois educa material, intelectual e moralmente. A defesa da ordem
se dá em oposição à desordem, vista como revolucionária.
A última conferência lista vinte e cinco conselhos aos professores de primeiras
letras, reforçando os “resultados mais essenciais das considerações” realizadas ao
longo do curso. Nessa perspectiva, é sugerido ao professor estudar as disposições de
caráter dos seus alunos; fornecer aos seus alunos “idéias justas de felicidade”;
conhecer o “valor do tempo” tanto para si como para seus alunos; buscar a harmonia
escolar em todos os sentidos; buscar a boa organização da escola, “para estabelecer a
sua autoridade, conservar a ordem, exercitar a emulação e a troca de mútuos
socorros”; ampliar a sua ação para além da escola, atendendo às famílias e à
comunidade, mas “sede severo na escolha das amizades”; ensinar a ler, escrever,
contar e desenhar, e noções de higiene, economia doméstica, educação física;
respeitar a autoridade legal; cumprir com seus deveres legais; dar a cada aluno um
livrinho em que conste dia, mês, ano que entrou na escola, e os dados de seu
procedimento, adiantamento, disposições de caráter e temperamento; preencher os
livros de anotações escolares recomendados pelo ensino mútuo; estudar, contínua e
sistematicamente, para aperfeiçoar-se, através dos Guias recomendados, promovendo
conferências e práticas regulares para outros professores; fundar escolas de domingo,
classes de adultos para aqueles que não estudaram na infância; economizar para
aumentar sua renda e assegurar a sua independência; organizar uma livrariazinha para
136
os moradores da cidade, organizando, assim, um círculo de leitura; formar um aluno
que saiba exprimir o seu pensamento, falar sua língua e entender o que dizem.
O tradutor, em nota de rodapé, assinala ao professor-leitor as obras disponíveis
para o bom uso da língua portuguesa, indicando: Vida de dom Frei Bartolomeu dos
Martírios, de Fr. Luiz de Souza; Vida de dom João de Castro, de Jacynto Freire
d’Andrada; Thesouro da mocidade, de J. Ignacio Roquete, impresso em Paris em 1836;
Prosas seletas, de José da Fonseca, impresso em Paris em 1837. Quanto ao indicativo
de organizar bibliotecas, assinala que “o governo ajuda e estimula com zelo”, mas
adverte que não aqui entre nós,
onde parece que o Governo não se julga obrigado a promover a cultura intelectual
do país. Só ouvimos falar de melhorias materiais, e como se obterão estas sem
aquelas? A cultura do entendimento precede aos benefícios que nascem de outros
gêneros de Cultura. As idéias estão nos livros, quem não quer livros rejeita as idéias.
(...) quer nos estimem, quer nos desprezem, continuaremos a cumprir nossas obrigação
de sermos útil à Pátria, porque não trabalhamos mais do que em desempenho de
consciência. Não ignoramos quais são hoje os meios de brilhar entre nós, detestamo-
los, abominamo-los de coração, seja qual for a nossa sorte.
Após as conferências, é publicado um Catálogo/biblioteca, dividido em três partes:
a primeira, para uso pessoal do mestre de primeiras letras; a segunda, destinada aos
meninos que freqüentam a escola de primeiras letras e, por último, uma destinada só
para leituras de adultos. Para cada livro indicado, segue uma descrição e um
comentário sobre sua aplicação. Para os professores são indicadas “obras que lhe
dêem direção moral, que possam guiar na dificultosa arte de formar o coração e o
caráter dos meninos; obras que lhe dão métodos de ensino; obras que contêm
instrução sobre a ordem de conhecimentos, que podem fazer parte dos seus estudos”.
Nessa perspectiva, cabe destacar alguns, como Locke - Tratado da educação dos
meninos; Fénelon - Tratado da educação de meninas, para ser lido somente se o
professor for casado; Gaulthier, Jomard, Bally e Lasteyrie, sobre os métodos de ensino
nas escolas elementares, especialmente sobre o ensino mútuo; Laborde - Plano de
estudos para meninos pobres. Na extensa lista de livros indicados, o tradutor assinala
somente uma obra, na seção de leituras para adultos e mancebos, com tradução para o
português, o que permite concluir que o professor-leitor não teria acesso a essa
literatura pedagógica, tornando sem efeito a intenção de o autor estimular o professor a
aprimorar-se contínua e sistematicamente.
Na conclusão, o autor realiza uma apologia de sua ação, como exemplo a ser
seguido e copiado pelos professores-leitores:
Entrai com resolução e brio na estrada que vos está franqueada! Ninguém
mais do que eu, far-me-eis esta justiça, vos foi tão afeiçoado! Ninguém
com mais veras desejou servir-vos; desempenhai generosamente todas
as vossas obrigações; espalhai pela nascente geração todas as fecundas
sementes de moralidade, instrução e trabalho; vosso bons sucessos,
sucessos tais, serão a vossa e a minha recompensa.
262
CHARTIER, Anne-Marie. Op. cit. p. 591.
263
BOURDIEU, P. Sysstèmes d’enseignement et systèmes de pensée. Revue Internationale des
sciences sociales, vol. 3, p. 374, 1967. In: FOURQUIN, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos
didáticoss e dinâmicas sociais. Teoria & Educação. n. 5, p. 36.
264
SANTOS, Lucíola L. de C. P. O discurso pedagógico: relação conteúdo-forma. Teoria & Educação.
p. 90
138
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VINCENT, Guy. L’École primaire française. Etude sociologique. Lyon: PU de Lyon/ Ed.
Maison des Sciences de l’homme, 1980.
139
A MATEMÁTICA DO ENSINO MÚTUO NO BRASIL
Este texto tem por objetivo analisar o ensino de matemática das escolas de
primeiras letras no Brasil do século XIX, particularmente aquela destinada às escolas
de ensino mútuo, a partir de um compêndio escolar de época.
Ao vadio punha de braços abertos; ao que fosse dando uma risada alta,
humilhava com um chapéu de palhaço na cabeça para servir de
mangação à escola inteira; a um terceiro, botava de joelhos sobre grãos
de milho. Isto sem falarmos da palmatória e da vara - esta, muitas vezes
com um espinho ou um alfinete na ponta, permitindo ao professor furar de
longe a barriga da perna do aluno.
265
Wagner Rodrigues Valente é doutor em Educação pela USP. Graduado em Engenharia pela Escola
Politécnica da mesma universidade, graduou-se ainda em Pedagogia e é mestre em História e
Filosofia da Educação pela PUC-SP. Atualmente é pesquisador associado do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com bolsa de pós-
doutorado Fapesp, e investiga a história das disciplinas científicas do currículo da escolaridade
fundamental e média no Brasil.
140
O aluno que não soubesse a lição de Português, que desse uma silabada
em Latim, que borrasse uma página do caderno - quase um missal- de
caligrafia, arriscava-se a castigo tremendo da parte do padre-mestre, do
mestre-régio, do diretor do colégio - de um desses terríveis quibungos de
sobrecasaca ou de batina. Da letra bonita fez-se sempre muita questão: o
ensino da caligrafia teve alguma coisa de litúrgico nos antigos colégios do
Brasil. Escrevia-se com pena de ganso. Preparados os bicos das penas
de ganso, começava a tortura - o menino com a cabeça para o lado, a
ponta da língua de fora, numa atitude de quem se esforça para chegar à
perfeição; o mestre, de lado, atento à primeira letra gótica que saísse
troncha. Um errinho qualquer - e eram bordoadas.
O ensino mútuo
Bom argumento para resolver a questão da falta de mestres, então, seria o ensino
mútuo. No ensino mútuo, os alunos são instrutores uns dos outros, um modo
providencial para atender ao precário número de professores existente no século XIX
quando começa a ser pensada a escolarização de massa. A escola mútua junta, sob a
direção de um só professor e no interior de um mesmo local, um número de alunos que
podia ir de setenta até mil, mas, em média, o trabalho era realizado com trezentos
alunos. O conteúdo das matérias do ensino mútuo está não somente muito
precisamente delimitado, mas, ainda, minuciosamente dividido em uma série de
unidades mínimas, devendo cada uma delas ser adquirida numa “classe” determinada.
Assim, o ensino da aritmética, por exemplo, necessitava que o aluno transitasse por
doze classes diferentes. O conteúdo de ensino de cada classe figura sobre o quadro
mural que o aluno repete até que saiba de cor. A atomização do saber e seu caráter
pontual da progressão pedagógica que caracterizava a didática mútua nos lembram o
ensino programado.
Mas a grande novidade - e o paradoxo - do ensino mútuo é que não é o mestre
que ensina, mas alguns alunos, escolhidos por ele e investidos do título de “monitor”.
Como um capitão em seu navio, o mestre se contenta em presidir a marcha do conjunto
da escola, regendo a boa entrada e saída dos alunos e proferindo múltiplos comandos
necessários ao funcionamento dos diferentes exercícios. As poucas lições que ele
pessoalmente dá são destinadas aos monitores, os quais se esforçam a seguir, bem ou
mal de repetir às crianças. Com efeito, os monitores têm o auxílio de grandes murais de
leitura e de aritmética para desenvolver os “procedimentos” do ensino mútuo.
Procedimentos implicam “movimentos” a efetuar, perguntas a ser feitas e respostas a
141
obter. Movimentos, perguntas e respostas, de outra parte, figuram num guia
freqüentemente consultado pelo monitor. Esse não realiza, de modo algum, uma obra
de ensino; realiza um papel de “instrutor” ou de “repetidor”, fazendo as vezes de
realizador de tarefas sem colher glórias pedagógicas.
Os exercícios do ensino mútuo são controlados com uma minúcia quase
obsessiva e o relógio, elemento básico do mobiliário escolar, exerce uma tirania da qual
ninguém nem pensa em escapar. Em cada uma das disciplinas, os alunos trabalham
seja nos “bancos”, isto é, para escrever, por exemplo, sentados de cada lado de longas
mesas maciças dispostas em arco de círculo face ao estrado da sala; seja em
“círculos”, agrupados de oito a dez em torno de quadros de leitura ou de aritmética
suspensos em torno da classe. Arcos de ferro semicirculares, fixados nas paredes e
podendo serem abaixados ou levantados, delimitam o posicionamento dos alunos. No
centro do semicírculo, o monitor, baguete em punho, interroga os alunos sobre os
quadros (Giolitto, 1986, p. 44-51).
266
Livro pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
142
O livro de Oliveira teve edições em 1832 (primeira edição), 1842 e 1863 267. A partir
de 1850, com a criação da Revista Guanabara, sua Aritmética saiu em partes,
impressas por esse periódico268. A Aritmética de Cândido Batista de Oliveira é das
primeiras obras, senão a primeira, que intenta a escolarização do novo sistema de
pesos e medidas francês269. Ajuntando todo um apêndice de metrologia em sua
Aritmética, Oliveira faz a apologia do novo sistema francês, tomando cuidados num
momento em que as relações com a França estavam estremecidas, antecipando o que,
de fato, iria ocorrer: a consolidação e internacionalização das novas medidas. A obra de
Oliveira é o ponto de partida para o ingresso desse novo conteúdo, que se tornará
essencial na aritmética escolar e comercial do Brasil270. Diz Oliveira em sua Aritmética:
143
disso são as obras clássicas de Almeida (1989) e Moacyr (1936). Através delas,
ficamos sabendo, por exemplo, que oficialmente a adoção do ensino mútuo no Brasil é
dada pelo decreto das escolas de primeiras letras de 15 de outubro de 1827 (Moacyr,
1936, p. 104-105).
Outra obra, ainda de caráter geral sobre a história da educação brasileira,
relativamente recente, ao tratar do ensino mútuo, conclui que: “O método do ensino
mútuo espalhou-se de tal forma pelo Brasil que até mesmo no início do período
republicano ainda era possível encontrá-lo aplicado em diversos estabelecimentos de
ensino - públicos e particulares - não só nas aulas de primeiras letras como,
igualmente, em colégios onde funcionavam cursos secundários” (Niskier, 1989, p. 105).
Recentemente, no entanto, tem surgido interesse pelo estudo da história das
práticas pedagógicas, em particular por aquelas ligadas à história da escola elementar
e do ensino mútuo no Brasil. Dentre esses novos trabalhos, é importante citar o de
Bastos (1997). Analisando periódicos de época, a autora nos dá informações como, por
exemplo, a vinda de franceses para ensinar o método mútuo em 1819, certificada pela
carta do conde de Scey, que presta contas de seu trabalho com o método:
Freyre (1963), infelizmente, não nos retrata o cotidiano do ensino mútuo, como o
fez com os modos individual e simultâneo. No entanto, a certa altura, menciona: “E
felizes dos meninos que aprenderam a ler e a escrever com professores negros, doces
e bons. Devem ter sofrido menos que os outros: os alunos de padres, frades,
'professores pecuniários', mestres-régios - estes uns ranzinzas terríveis, sempre
fungando rapé; velhos caturras de sapato de fivela e vara de marmelo na mão” (p. 452-
453).
Assim, poderíamos supor que parte dos instrutores-professores negros do ensino
de primeiras letras utilizassem a didática mútua, uma didática que, apesar de rígida,
militarmente organizada, tirava a garotada das garras dos mestres implacáveis.
É ainda Freyre (1963, p. 456) quem nos assegura a presença do didático de
Oliveira no ensino de primeiras letras do século XIX, mesmo que o coloque na vala
comum dos compêndios dos terríveis mestres do ensino individual e simultâneo,
quando afirma: “Quem tiver a pachorra, num dia de veneta, de passar a vista pelos
compêndios, livros de leitura, aritméticas, por onde estudaram nossos avós coloniais e
do tempo do Império, ficará com uma idéia da coisa terrivelmente melancólica que foi
outrora aprender a ler.”
O autor de Casa grande e senzala, sem destacar que o livro era destinado ao
ensino mútuo, cita-o em nota, salientando: “Recomendamos alguns ao leitor mais
pachorrento: Compêndio de Aritmética, por Cândido Batista de Oliveira, Rio de Janeiro,
1832; Educador da Mocidade, por Alexandre J. Melo Morais, Bahia, 1852.”
A julgar pelas edições e pela divulgação da Aritmética de Oliveira em partes pela
imprensa, é razoável supor que tenha havido um período de utilização dessa que seria
a primeira “aritmética nacional” nas escolas mútuas em substituição aos textos
144
estrangeiros. A prática de construção dos murais teria, assim, ficado facilitada com o
texto de Oliveira.
Imaginemos alguns instrutores em torno de quadros murais, em recintos
improvisados, com um bastão na mão orientando a garotada a soletrar e a guardar de
cor quadros como o que segue.
SUBTRAÇÃO
ADIÇÃO SUCESSIVA
Parcela ...365 3650 3650 parcela
" .....240 6851 36500...."........
somma....605 maior 10501 365....."....
....365 menor 3650 ____________
....240 diferença 6851 40515 somma
Tal quadro reproduz fielmente uma das tabelas postas na Aritmética de Cândido
Batista de Oliveira. A estrutura do manual é tal que o autor constrói um conjunto de
tabelas para uso dos professores-instrutores e vai, ao longo do texto, explicando como
utilizar cada uma. Oliveira, ainda no prefácio (advertência), sintetiza sua pedagogia
para o aprendizado da aritmética elementar:
145
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146