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MERCOSUL:

A DIMENSÃO ECONÔMICO-COMERCIAL

KASSIUS DINIZ DA SILVA PONTES

2009
2

Kassius Diniz da Silva Pontes, diplomata, é Bacharel e Mestre em Direito pela


Universidade de Brasília e Mestre em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco.
Trabalhou na Divisão do Mercosul do Ministério das Relações Exteriores
entre 2005 e 2009. Atualmente é diplomata da Missão do Brasil junto à
Organização das Nações Unidas (ONU).

As opiniões emitidas no presente livro são de responsabilidade exclusiva do


autor, não refletindo necessariamente a opinião do governo brasileiro.
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SUMÁRIO

Lista de abreviaturas e siglas 06

Apresentação 07

1) Mercosul: conceito e história 10

1.1 Conceitos básicos 10


1.2 O Mercosul no contexto dos acordos comerciais multilaterais 14
1.3 Primeiras experiências de integração na América do Sul: ALALC e ALADI 18
1.4 Antecedentes imediatos do Mercosul 21
1.5 Fases do Mercosul 26
1.6 O “velho” e o “novo” regionalismo 29
1.7 Estrutura institucional do Mercosul 32
1.7 O papel da CAMEX 39

2) A Tarifa Externa Comum 41

2.1 O processo de liberalização comercial entre os Estados Partes. Evolução do 41


comércio intrazona
2.2 A Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) 47
2.3 Estrutura da TEC 49
2.4 Exceções ao comércio intrazona 56
a) O Regime de adequação final à união aduaneira 56
b) O setor automotivo 57
c) O setor açucareiro 59
2.5 Exceções à TEC 61
a) Bens de Capital (BKs) e Bens de Informática e Telecomunicações (BITs) 62
a.1) A política brasileira de “Ex-tarifários” 63
a.2) O debate sobre regimes comuns para BKs e BITs 66
b) As Listas Nacionais de Exceções à TEC 67
4

2.6 Os Regimes Especiais de Importação 69


2.7 O grau de cumprimento da TEC 72
2.8 Áreas Aduaneiras Especiais 76
2.9 Administração da TEC 78
2.10 Medidas Excepcionais no âmbito tarifário 80
2.11 O processo de eliminação da dupla cobrança da TEC 84

3) O Regime de Origem do Mercosul 90

4) A Comissão de Comércio do Mercosul 95


4.1 Os Comitês Técnicos 95
4.2 O Mecanismo de Consultas 99
4.3 O Procedimento Geral para Reclamações perante a Comissão de Comércio do 101
Mercosul
4.4 O Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul 104

5) Defesa Comercial e da Concorrência 113


5.1 Defesa Comercial Extrazona 113
5.2 Defesa Comercial Intrazona 118
5.3 Defesa da Concorrência 124

6) Investimentos e Serviços 128


6.1 Investimentos 128
6.2 Serviços 130

7) Outros temas relevantes da agenda do Mercosul 135


7.1 Tratamento de assimetrias 135
7.1.1 Ações pontuais 137
7.2.2 Ações estruturais: FOCEM 139
7.2 Coordenação de políticas macroeconômicas 141
7.3 Compras governamentais 146
7.4 Relacionamento Externo do Mercosul 149
7.5 A adesão da Venezuela ao Mercosul 155
5

Perspectivas para o futuro próximo 158

Bibliografia 162
6

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACE – Acordo de Complementação Econômica


ALADI – Associação Latino-Americana de Integração
ALALC – Associação Latino-Americana de Livre Comércio
CAMEX – Câmara de Comércio Exterior
CCM – Comissão de Comércio do Mercosul
CDC - Comitê de Defesa da Concorrência
CDCS - Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas
CMC – Conselho do Mercado Comum
CT – Comitê Técnico
FOCEM - Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul
GATT – Acordo Geral de Tarifas e Comércio
GMC – Grupo Mercado Comum
MAC – Mecanismo de Adaptação Competitiva
MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
NCM – Nomenclatura Comum do Mercosul
OMC – Organização Mundial do Comércio
PARLASUL – Parlamento do Mercosul
PCP – Protocolo de Compras Governamentais
PDC – Protocolo de Defesa da Concorrência
PICE - Programa de Integração e Cooperação Econômica
POP – Protocolo de Ouro Preto
SAT – Setor de Assessoria Técnica
SGT – Subgrupo de Trabalho
SM – Secretaria do Mercosul
STF – Supremo Tribunal Federal
TEC – Tarifa Externa Comum
TPR – Tribunal Permanente de Revisão
ZFM – Zona Franca de Manaus
ZLC – Zona de Livre Comércio
7

APRESENTAÇÃO

A presente obra tem o objetivo de oferecer ao leitor, de maneira introdutória e


panorâmica, os principais conceitos relacionados à dimensão econômico-comercial
do Mercosul.
O trabalho gira em torno de três eixos básicos. O primeiro deles é histórico-
conceitual, voltado para a apresentação dos objetivos e da importância do bloco, de
seus antecedentes e de sua relação com o sistema multilateral de comércio. Em
seguida discorreremos sobre a Tarifa Externa Comum (TEC), elemento
caracterizador da união aduaneira. O terceiro eixo é temático e direcionado para o
debate sobre temas específicos, tais como defesa comercial e da concorrência,
investimentos, serviços, tratamento de assimetrias e coordenação de políticas
macroeconômicas.
O primeiro segmento se justifica pela necessidade de interpretarmos o projeto
de integração à luz de seus objetivos iniciais e da própria história da região. Como
veremos, o Mercosul teve, desde sua gênese, um forte conteúdo político. Isso pode
explicar as ambiciosas metas estabelecidas em seu tratado fundacional, as quais não
puderam ser atingidas nos prazos estipulados. É necessário salientar, porém, que, a
despeito das dificuldades, o bloco também teve êxitos no campo econômico-
comercial, especialmente no que diz respeito ao incremento dos fluxos de comércio.
Ainda na primeira parte do trabalho, recuperaremos de maneira breve as
experiências anteriores de integração no continente – ALALC e ALADI – e como
elas prepararam o terreno para a posterior conformação do Mercosul.
Nenhuma exposição dos aspectos econômicos e comerciais do Mercosul pode
dispensar uma análise mais detida da TEC e da Nomenclatura Comum do Mercosul
(NCM), objeto da segunda parte do presente trabalho. A TEC é, paradoxalmente, a
principal virtude e a mais problemática ferramenta do bloco. Sua virtude é atestar o
compromisso dos Estados Partes em levar adiante um processo de integração
profunda, em que, por terem a mesma alíquota para o imposto de importação, os
países da região terão necessariamente de articular posições comuns em suas
8

relações comerciais com terceiros. Por outro lado, são conhecidas as dificuldades
existentes na administração da TEC, dadas as discrepâncias entre as estruturas
produtivas de cada um dos sócios. Por essa razão, a TEC é, ainda hoje, um
“processo” negociador permanente, dotada de diversas exceções (“perfurações”) e
principal alvo dos críticos da integração. Nesta segunda parte da obra analisaremos a
estrutura, o funcionamento e as exceções à TEC, cuja relativa complexidade nos faz
lembrar as complicações envolvidas em sua negociação, haja vista a já referida
diversidade de interesses entre os Estados Partes: alguns mais, outros menos
protecionistas.
Além disso, trataremos do regime de origem do Mercosul e do trabalho
desenvolvido por um dos órgãos decisórios da estrutura institucional do bloco, a
Comissão de Comércio (CCM), bem como de seus foros subordinados. É no âmbito
da CCM que tem lugar o trabalho técnico de aperfeiçoamento das condições para o
livre comércio entre os Estados Partes. Compete a ela, ademais, dar
encaminhamento, especialmente por meio de um sistema de consultas, aos
problemas pontuais nas relações comerciais entre os países do bloco, bem como
administrar e atualizar a NCM e a TEC, promovendo ajustes permanentes ou
temporários em suas alíquotas.
Tendo como pano de fundo a história do bloco e o estágio atual da união
aduaneira, apresentaremos em seguida, de maneira genérica, alguns dos temas
fundamentais da agenda do Mercosul. A harmonização de políticas em diversos
setores é um dos pressupostos para a constituição do mercado comum. Os Estados
Partes têm avançado pouco nesse terreno, ao menos no que tange aos temas
fundamentais para a consecução dos objetivos traçados no Tratado de Assunção. Os
esforços de constituição de sistemas comuns de defesa comercial e da concorrência,
para a adoção de um marco jurídico comunitário de promoção e proteção de
investimentos, para a liberalização do comércio de serviços e para a coordenação de
políticas macroeconômicas não evoluíram de maneira satisfatória, dando corpo à
chamada “agenda não cumprida” do Mercosul. Em outras questões, como o
tratamento de assimetrias, houve alguns avanços concretos, o mais notável dos quais
9

a criação do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), experiência


que revela o compromisso político dos Estados Partes mais desenvolvidos com a
redução das disparidades econômicas e sociais na região.
Esperamos que, ao final da obra, o leitor possa ter em mente não apenas quais
são os obstáculos para o alcance dos objetivos enunciados no Tratado de Assunção,
mas também alguns dos benefícios trazidos pelo processo de integração a seus
Estados Partes. Aqui cabe um parêntese: o Mercosul extrapolou, há muito, a
dimensão estritamente mercantil, irradiando seus efeitos para diferentes áreas. As
iniciativas no campo social – saúde, educação, trabalho, cultura, turismo, justiça,
imigração, dentre outras – são muitas vezes mais palpáveis aos cidadãos do que os
resultados de um aumento das trocas comerciais. Tendo isso em vista, é fundamental
reiterar que a pretensão deste trabalho é mais modesta, restringindo-se, como
explicado anteriormente, apenas às questões mais prementes da união aduaneira. Por
sua história e seus resultados, não seria possível sintetizar de maneira eficaz, nos
limites estabelecidos para esta obra, as múltiplas e diferentes facetas do Mercosul.

O autor
Brasília, maio de 2009
10

CAPÍTULO 1 – Conceito e história do Mercosul

1.1) Conceitos básicos

O Mercado Comum do Sul (Mercosul1) é uma iniciativa de integração


econômica regional que envolveu inicialmente Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai e cujo marco jurídico fundamental é o Tratado de Assunção, celebrado em
1991. Como veremos mais adiante, a gênese do bloco remonta a meados dos anos
80, com o início do processo de aproximação entre Argentina e Brasil. No entanto, é
apenas no início da década de 90, num contexto histórico particular, que ganham
fôlego e acabam por se concretizar as iniciativas de criação de um espaço
econômico comum no Cone Sul.
O termo “integração” designa, de maneira genérica, a supressão de restrições
ao comércio entre os Estados Partes. Diferencia-se, nesse aspecto, de medidas mais
simples de cooperação econômica - como a simples concessão de reduções tarifárias
ou a adoção de medidas tendentes a reduzir a burocracia nas transações comerciais -
que envolvem geralmente uma diminuição de barreiras, mas não sua efetiva
eliminação. O desejo político de integrar-se denota, por conseguinte, uma
vinculação mais robusta entre os países envolvidos, gerando uma interdependência
entre suas economias e, conseqüentemente, uma diminuição de sua capacidade de
ditar, unilateralmente, medidas de natureza econômico-comercial.
Fica evidente, assim, que o envolvimento em projetos de integração implica,
em maior ou menor grau, uma perda de autonomia. Estar disposto a ceder parcelas
dessa autonomia em troca de benefícios políticos e econômicos é pressuposto
necessário para o sucesso de qualquer iniciativa de construção de um bloco
comercial.
O Mercosul tem como objetivo fundamental a constituição de um mercado
comum entre seus integrantes. Trata-se de uma forma bastante avançada de

1
Optamos pela utilização da grafia Mercosul, em letras minúsculas, em lugar da sigla MERCOSUL, a mais
correta do ponto de vista formal, por entender que a popularização do termo permite sua utilização como se
fosse um substantivo.
11

integração, superada apenas por aquelas que prevêem uma a formação de uma união
econômica plena, com a adoção de uma moeda comum. Conforme a tipologia
clássica sobre a matéria, elaborada por Bela Balassa no início da década de 602,
seriam basicamente quatro os estágios de integração econômica, classificados de
acordo com o seu grau de aprofundamento:

a) Zona de Livre Comércio (ZLC): numa ZLC temos a eliminação de


barreiras tarifárias e não-tarifárias para os produtos originários dos países
que participam do processo de integração. Cada membro preserva, no
entanto, sua autonomia para ditar a política comercial com relação a
terceiros mercados. Não há, portanto, uma tarifa comum entre os países do
bloco. Um exemplo atual de ZLC é o NAFTA, iniciativa que envolve os
Estados Unidos, Canadá e México.
b) União Aduaneira: numa união aduaneira temos, além do livre comércio,
uma política comercial comum em face de terceiros países ou blocos.
Desse modo, o que a diferencia de uma ZLC é sobretudo a existência de
uma Tarifa Externa Comum (TEC), além da harmonização normativa e
coordenação de políticas em diversos setores.
c) Mercado Comum: o Mercado Comum, além do livre comércio e da
existência de uma tarifa comum, contempla também a livre circulação de
pessoas, serviços e capitais. Isto é, temos aqui a livre circulação dos
chamados “fatores produtivos”.
d) União Econômica: A União Econômica exige uma coordenação das
políticas econômicas dos países integrantes e substituição de certas
políticas econômicas nacionais por políticas comuns.
e) Integração Econômica Total: É possível que os arranjos de integração
evoluam para uma união monetária, ocasião em os países adotam uma
mesma moeda (como no caso do Euro). Essa unificação das políticas

2
Balassa, Bela. Teoria da Integração Econômica. 2ª edição. Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1972, p. 13.
12

monetárias e fiscais requer a constituição de uma autoridade


supranacional (um Banco Central comunitário, por exemplo).

A tabela a seguir apresenta, de maneira esquemática e simplificada (e,


portanto, com algum grau de imprecisão), a classificação desenvolvida por Balassa:

Etapas de integração econômica segundo Bela Balassa (1961)


Ausência de Tarifa Livre Harmonizaçã Unificação
tarifas ou Externa circulação o de políticas de políticas
quotas Comum de fatores econômicas e
instituições
econômicas
Área de
livre X
comércio
União
Aduaneira X X
Mercado
Comum X X X
União
econômica X X X X
Integração
econômica X X X X X
total
Fonte: Coutinho, M., Hoffmann, A.R. et Kfuri, R. “Raio X da Integração Regional”. In: Estudos e
Cenários, OPSA/IUPERJ, maio de 2007, p. 17. Elaborada a partir do estudo de Joseph Nye,
“Comparing Common Markets: a revised neofuncionalist model”, In: International Organizations,
24:4, 1970, p. 860.

As definições de Balassa, embora dotadas de caráter ilustrativo, padecem de


falhas em razão de seu esquematismo. É o caso, por exemplo, do mercado comum:
13

conquanto se diga que sua constituição não depende, a priori, da coordenação de


políticas macroeconômicas, o fato é que a ausência dessa coordenação pode vir a
oferecer sérios obstáculos para a consecução dos objetivos do processo de
integração3. A experiência concreta indica que um determinado projeto pode
mesclar diferentes (ou incluir novos) elementos de cada uma das etapas, motivo pelo
qual a classificação é positiva do ponto de vista didático e ilustrativo, mas não
correspondente a um retrato exato da realidade.
Os objetivos fundamentais do Mercosul estão estabelecidos no artigo 1° do
Tratado de Assunção. Esse dispositivo, exemplo claro da elevada ambição que
movia os países que o negociaram, consagra a vontade dos Estados Partes de
constituírem um mercado comum em pouco mais de três anos (até 31 de dezembro
de 1994). O mercado comum, na linha da definição acima apresentada, contemplaria
a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, por meio da supressão de
direitos alfandegários e outras restrições de natureza não-tarifária. Além disso, o
documento fundador do Mercosul previu o estabelecimento da TEC, a coordenação
de políticas macroeconômicas e setoriais (ação que só se faria necessária, segundo a
tipologia de Balassa, numa união econômica) e o “compromisso dos Estados Partes
de harmonizar suas legislações nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do
processo de integração”.
Quase duas décadas após o estabelecimento do bloco, os países do Mercosul
não lograram, ainda, conformar um mercado comum. Embora tenha havido a adoção
da TEC e a eliminação de boa parte dos direitos alfandegários e de diversas barreiras
não-tarifárias, alguns dos objetivos enunciados no Tratado de Assunção, como a
livre circulação de fatores produtivos e a coordenação de políticas
macroeconômicas, ainda não puderam ser atingidos. De todo modo, em 1995 o
bloco tornou-se formalmente uma união aduaneira, já que nesse ano entrou a
vigência a TEC para seus quatro membros fundadores. Tendo em conta a existência
das chamadas “perfurações” da TEC, que examinaremos em ponto específico, é
comum a utilização da expressão “união aduaneira imperfeita” para designar o

3
Cf. Conzendey, Carlos M. Mercosul: União Aduaneira ?. Tese apresentada ao Curso de Altos Estudos do
Instituto Rio Branco. Brasília, mimeo., 2005, p. 51.
14

bloco: embora já estabelecida, a tarifa comum não chega a ser aplicada para todo o
universo de mercadorias, em virtude da existência de exceções transitórias.
A leitura do Tratado de Assunção e uma avaliação do contexto histórico em
que foi produzido revelam que inicialmente o Mercosul se apresentou
precipuamente como um projeto de natureza econômica e comercial. Seu propósito
era o de estimular o comércio entre os Estados Partes e colaborar para sua melhor
inserção na economia mundial. No entanto, o processo de integração regional
acabou tendo grande impacto nos campos político e social, propiciando a
coordenação de políticas em diversos setores: saúde, educação, trabalho, imigração,
justiça, energia, meio ambiente, agricultura familiar e outros. No plano institucional
houve, ao final de 2006, a instalação do Parlamento do Mercosul (Parlasul), o qual,
embora sem competências legislativas (suas funções são consultivas e de
acompanhamento das diferentes instâncias do bloco), contribui para o reforço da
transparência e da visibilidade do processo de integração.
Uma avaliação mais precisa dos resultados do processo de integração
demanda, portanto, a consideração dessa multidimensionalidade, embora o foco do
presente trabalho seja, como já assinalado, apenas os aspectos de ordem econômico-
comercial. Uma correta aferição dos benefícios trazidos pelo Mercosul deve ter em
perspectiva, não obstante, a irradiação do projeto de integração para os mais
diferentes setores, bem como sua progressiva apropriação por diversos atores
sociais, o que contribuirá, direta ou indiretamente, para aproximar as populações e,
naturalmente, estimular o alcance do objetivo central de se estabelecer um espaço
econômico comum entre os países-membros.

1.2) O Mercosul no contexto dos acordos comerciais multilaterais

Uma melhor compreensão das características e do contexto histórico em que


surgiu o Mercosul exige, antes, uma apresentação sumária e introdutória da
evolução e de alguns conceitos fundamentais de comércio internacional.
15

O pós-Segunda Guerra Mundial é o momento que se revitalizam as ambições


de uma maior liberalização, no plano multilateral, das trocas comerciais. Essa
pretensão havia sido deixada de lado por nacionalismos de diversos tipos que
ganharam terreno especialmente nos anos 30, mas cujo início remonta ao início da
primeira Grande Guerra. Já no pós-45 o comércio internacional foi tomado como um
dos mais importantes instrumentos na promoção de maior cooperação entre as
nações, o que conduziu ao lançamento e à assinatura, em 1947, do Acordo Geral de
Tarifas e Comércio, mais conhecido pela sigla em inglês GATT (General Agreement
on Tariffs and Trade).
As negociações do GATT 1947 envolveram inicialmente apenas 23 países,
dentre os quais o Brasil. Esse acordo contribuiu para promover uma liberalização
progressiva do comércio de bens industriais, por meio de reduções tarifárias
crescentes. Sua base é a cláusula de nação mais favorecida, segundo a qual toda
concessão feita a um membro do acordo deverá ser estendida aos demais países.
Essa cláusula é a base do princípio da não-discriminação, consagrado no Artigo I do
acordo.
Cumpre assinalar que o GATT 1947 é apenas um acordo, e não uma
organização comercial. Apenas em 1994 é que os países signatários decidiram, por
meio dos acordos assinados em Marrakesh, criar a Organização Mundial do
Comércio (OMC). Com sua instalação em 1995, passamos a ter, pela primeira vez,
um foro no qual se discutem todas as questões relacionadas ao comércio
internacional. No entanto, devemos sublinhar que o GATT assinado em 1994 não
substituiu, mas apenas complementou, o GATT 1947, que continua vigente.
Ao buscar evitar concessões comerciais discriminatórias, o GATT 1947
ambicionava criar um ambiente propício à expansão do comércio em bases
multilaterais. Assim, sempre que uma das partes contratantes oferecesse a outra uma
redução na tarifa de seu imposto de importação, deveria estender esse mesmo
benefício aos demais signatários do acordo. Essas reduções no imposto de
importação são denominadas preferências tarifárias. Tomemos um exemplo: o
imposto de importação de um determinado país para automóveis é de 10%.
16

Celebrado um acordo com uma nação vizinha, foi-lhe concedida preferência tarifária
de 50% para esse produto. Isso significa que a tarifa de 10% sofrerá, para esse país
específico, uma redução de 50%: o imposto a ser cobrado será, por conseguinte, de
5%. As preferências tarifárias podem ser concedidas em qualquer escala, até mesmo
de 100%, o que significará, na prática, que nenhum imposto será pago.
O princípio da não-discriminação nos leva a um primeiro questionamento. O
Mercosul, como veremos, é um acordo de comércio regional, que envolveu, em seu
momento inicial, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Esses quatro países
comprometeram-se a efetuar uma crescente desgravação tarifária entre si, até se
atingir o livre comércio. Ora, essa prática – assim como a prática de todos os demais
acordos regionais – não se indisporia com o princípio da não-discriminação e com a
cláusula de nação mais favorecida, mostrando-se, por conseguinte, incompatível
com o GATT ?
Essa incompatibilidade não existe porque o próprio GATT 1947 estabelece
uma espécie de exceção ao princípio da não-discriminação, o que permite legitima a
celebração de acordos comerciais regionais. Consoante o Artigo XXIV do GATT
1947, a cláusula de nação mais favorecida não poderá constituir um empecilho para
a formação de áreas de livre comércio e de uniões aduaneiras. No entanto, certas
condições devem ser observadas: a união aduaneira resultante deverá promover a
eliminação das barreiras ao comércio para uma parte “substancial de todo o
comércio” (substantially all the trade) e os integrantes do acordo deverão manter a
mesma política comercial (especialmente a mesma tarifa) com relação a terceiros
países e blocos. No caso das áreas de livre comércio, o requisito fundamental é o de
que sejam eliminadas as barreiras ao comércio entre os países integrantes, já que,
como veremos, numa ALC os integrantes não são obrigado a dotar a mesma política
tarifária em face de outros países.
Além disso, não podem os países integrantes do acordo regional aproveitar a
ocasião para adotar práticas protecionistas que violem acordos já celebrados com
outros países, promovendo, por exemplo, a elevação das tarifas anteriormente
vigentes.
17

Um dos requisitos para a celebração dos acordos regionais é, desse modo, que
ele contemple substancialmente todo o comércio entre os países envolvidos. O que
significa essa expressão ? Ainda não existe, formalmente, uma definição unívoca
acerca da parcela mínima do comércio que deverá se beneficiar do livre comércio
entre os integrantes do acordo regional.
Em 1994, a fim de tornar mais claros os requisitos que devem atender os
acordos regionais para que sejam compatíveis com as regras do GATT, as partes
contratantes decidiram adotar o “Entendimento sobre a interpretação do Artigo
XXIV”. Esse documento legal tampouco brindou, todavia, um maior esclarecimento
acerca da amplitude da expressão “substancialmente todo o comércio”.
De acordo com documentos da OMC, duas análises da questão podem ser
efetuadas4. A primeira delas é de natureza quantitativa: um patamar mínimo - 85%,
90% ou 95% - do fluxo comercial entre os países deveria se desenrolar sem
enfrentar restrições comerciais. A crítica a esse primeiro critério assinala que um
setor importante (químico, por exemplo) - que represente, por exemplo, 10% das
transações - poderia ser excluído totalmente do livre comércio e ainda assim o bloco
atenderia aos requisitos do Artigo XXIV. A segunda análise é de natureza
qualitativa: nenhum setor deveria ser excluído dos benefícios do livre comércio.
Esse critério também é alvo de críticas, já que seria difícil definir o que é um setor e,
além disso, poder-se-ia abrir a possibilidade de que, para observar os requisitos
estabelecidos pelo GATT, apenas um pequeno número de produtos de um segmento
fosse objeto da eliminação de barreiras, sem, no entanto, que parcela significativa
das mercadorias tivesse o mesmo tratamento.
Ainda que não haja consenso a respeito, o fato é que a existência do Mercosul
e de outros acordos similares encontram apoio na exceção contida no Artigo XXIV
do GATT, possibilitando que as condições mais favoráveis negociadas entre seus
membros não sejam igualmente oferecidas aos demais membros da OMC.

4
WTO Secretariat. “Compendium of issues related do regional trade agreements” (Document
TR/NL/W/8/Rev. 1). Genebra, 2002, p. 18.
18

1.3) Primeiras experiências de integração na América do Sul: ALALC e


ALADI

A formação de blocos econômicos regionais tem sua primeira fase no período


do pós-Guerra. Na América Latina, a primeira iniciativa foi a formação da
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), constituída por meio
do Tratado de Montevidéu, celebrado em 1960. Seu escopo primordial era o de
promover a redução de tarifas no comércio entre os países do hemisfério,
fomentando uma maior integração entre seus sistemas produtivos.
Participaram do acordo, num primeiro momento, Argentina, Brasil, Chile,
México, Paraguai, Peru e Uruguai, aos quais se somaram, posteriormente, Colômbia,
Equador, Bolívia e Venezuela. O Tratado fixava que a zona de livre comércio seria
estabelecida num prazo não superior a doze anos. O Protocolo de Caracas, assinado
em 1969, estendeu esse prazo para vinte anos. Determinava, ainda, em seu artigo 3°,
que as partes contratantes eliminariam gradualmente “os gravames e as restrições de
toda ordem que incidam sobre a importação de produtos originários do território de
qualquer Parte Contratante”. A intensificação do comércio se daria por meio da
elaboração de listas nacionais, em que cada país incluiria produtos para os quais
concederia, aos seus sócios, tratamento tarifário preferencial. A ALALC
fundamentava-se na aplicação da cláusula de nação mais favorecida, segundo a qual
qualquer vantagem concedida a um produto originário de um dos países da
Associação seria estendida aos produtos similares dos demais signatários do Tratado
de Montevidéu.
Além das listas nacionais, as negociações envolviam também a elaboração de
listas comuns, que abrangiam produtos não constantes das listas de cada país. As
listas comuns eram negociadas multilateralmente a cada três anos.
Em sua primeira década a ALALC logrou êxitos, possibilitando um
incremento do comércio entre os países-membros. A partir de 1970, porém, houve
maior relutância dos Governos nacionais em conceder novas preferências tarifárias5,

5
Amaral Junior, Alberto do. MERCOSUL: características e perspectivas. In: Revista de Informação
Legislativa. a. 37, n. 146, abr/jun 2000, p. 292.
19

o que significou, em última instância, a derrocada do objetivo de se constituir uma


área de livre comércio.
A utilização da cláusula de nação mais favorecida acabou revelando-se,
portanto, contraproducente para o objetivo de se promover uma maior integração
entre os países do continente. Isso porque a obrigatoriedade de estender aos demais
países signatários concessões eventualmente feitas a um parceiro considerado
prioritário era freqüentemente vista como inconveniente ou contrárias aos interesses
nacionais. Como assinala Sebastião do Rego Barros, “a pretensão multilateral
minava, neste caso, o lançamento de projetos de integração de alcance mais
limitado, como as iniciativas bilaterais e sub-regionais”6.
Dois outros fatores, que deitam raízes no contexto histórico dos anos 60 e 70,
também explicam o insucesso da ALALC. O primeiro deles diz respeito à aguda
instabilidade política que marcou a região, sob o influxo da polaridade ideológica
resultante da Guerra Fria. Em conseqüência, o continente testemunhou a
implantação de regimes autoritários em diversos países, favorecendo a consolidação
de posições nacionalistas. Além disso, o modelo econômico propugnado pelos
governos de então calcava-se no processo de substituição de importações, cujos
contornos protecionistas – elevação de tarifas de importação e subsídios à produção
interna – obstaculizou o progresso dos esquemas de integração regional então em
curso. A ALALC, em seus vinte anos de existência, não obteve êxito, assim, no
estabelecimento de preferências tarifárias mais amplas no continente.
O insucesso da ALALC na constituição de uma área de livre comércio deu
lugar ao surgimento de um organismo “sucessor”, a Associação Latino-Americana
de Integração (ALADI), cuja criação foi formalizada por intermédio do Tratado de
Montevidéu de 1980. Diferentemente da ALALC, a ALADI não se propunha a
conduzir o processo de criação de uma área de livre comércio num prazo prefixado.
Visava, antes, a fomentar a integração econômica por meio de um sistema
multilateral de concessão de preferências comerciais, embora mantivesse o objetivo
final de criar uma área de livre comércio na América Latina.

6
Barros Neto, Sebastião do Rego. “Eixos de Integração Sul-Americana”. In: Boletim de Integração Latino-
Americana. Brasília, Ministério das Relações Exteriores, 1995, p . 03.
20

Na verdade, o Tratado de Montevidéu de 1980 alude, em seu artigo 1°, a um


processo de integração pautado pela harmonia e equilíbrio, tendo como propósito
maior, no longo prazo (sem indicar datas) e “de forma gradual e progressiva”, o
estabelecimento de um “mercado comum latino-americano”7. Além disso, o artigo
3° enuncia os princípios que deverão ser levados em conta na interpretação e
aplicação do Tratado, sobressaindo, dentre eles, o princípio da flexibilidade8, o que
abriu espaço para que os países negociassem entre si as preferências tarifárias que
julgavam capazes de oferecer num determinado momento.
O fato de o documento constitutivo da ALADI reportar-se expressamente às
idéias de gradualidade, progressividade e flexibilidade, tendo em mira a formação
no longo prazo de um mercado comum latino-americano, indica que o
estabelecimento de uma área de livre comércio no continente deveria se dar passo a
passo, sem a imposição de prazos peremptórios, e tendo em contas as
especificidades e sensibilidades de cada uma das economias da região.
De acordo com o disposto no capítulo II do Tratado de 1980, a ALADI opera
com base na concessão de preferências tarifárias regionais, lançando mão de dois
instrumentos: acordos de alcance regional (do qual participam todos os países-
membros) e acordos de alcance parcial (que contam com a participação de dois ou
mais países-membros). A possibilidade de celebrar acordos envolvendo apenas um
número limitado de países supriu uma das principais deficiências da ALALC: a
cláusula de nação mais favorecida, que, como visto, obstaculizava a formação de
blocos ou parcerias estratégicas, ao tornar obrigatório que benefícios acordados
entre alguns dos membros fossem estendidos, automaticamente, a todos os demais
integrantes da Associação.
Cumpre salientar que, como uma das subcategorias dos acordos de alcance
parcial, temos os chamados “acordos de complementação econômica”9 (ACE).
Diferentemente dos acordos comerciais, que têm como foco exclusivo a promoção

7
In: Mercosul: Legislação e Textos Básicos. 4ª ed. Brasília, Gráfica do Senado Federal, 2005, p. 104.
8
Ibidem, pp. 104-105.
9
De acordo com o artigo 8° do Tratado de Montevidéu, “os acordos de alcance parcial poderão ser
comerciais, de complementação econômica, agropecuários, de promoção do comércio ou adotar outras
21

do comércio, os acordos de complementação econômica têm, teoriamente, escopo


mais amplo, visando a um máximo aproveitamento dos fatores de produção, a
condições eqüitativas de concorrência e à facilitação do acesso de produtos regionais
no mercado internacional. A base econômica-comercial do Mercosul é justamente
um acordo dessa natureza, o ACE n° 18, subscrito em 1991 por Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai.
A ALADI ofereceu aos seus integrantes os marcos jurídicos necessários à
celebração de acordos comerciais de maior ou menos amplitude, amparados pelos
princípios da gradualidade e da flexibilidade. O aprofundamento do processo de
integração regional dependia, contudo, de outros fatores, tais como a vontade
política dos governos e a criação de um cenário econômico mais propício ao
desenvolvimento das trocas comerciais, condições que se fizeram presentes de
maneira mais clara somente a partir da segunda metade dos anos 80.
É importante destacar, à luz do exposto, que a ALADI não consubstancia, por
si só, um “bloco” econômico. Trata-se antes de uma instituição que oferece uma
arquitetura jurídica para a celebração de acordos comerciais entre seus integrantes,
tanto em bases bilaterais quanto multilaterais.

1.4) Antecedentes imediatos do Mercosul

A formação de blocos econômicos regionais depende não apenas de


condicionantes econômicos - como a disposição dos governos de abrir suas
economias, desmantelando barreiras ao comércio, e abandonar políticas autárquicas,
como a de substituição de importações -, mas também da presença de vontade
política capaz de impulsionar a intensificação das relações com os países vizinhos.
Essas condições favoráveis começaram a surgir, no caso específico do
Mercosul, com o processo de aproximação entre os governos da Argentina e do
Brasil. A partir dos anos 80 emergiram as condições - o processo de
redemocratização e a necessidade de superar o contexto de crise econômica que

modalidades”. Essas “outras modalidades” têm como objeto temas como cooperação científica e tecnológica,
promoção do turismo e preservação do meio ambiente.
22

afetava a América do Sul - para que as relações entre os dois países evoluíssem
gradativamente de uma “cultura da rivalidade” para uma “cultura de amizade”.
Como ponderam Russell e Tokatlian, um dos fatores que impulsionaram o
estreitamento dos contatos foram as taxas de crescimento diferenciais em favor do
Brasil, que estimularam, no país vizinho, o desenvolvimento da percepção de que
uma associação bilateral seria fundamental para “consolidar o processo democrático
em ambos os países, resguardar a soberania nacional, impulsionar o
desenvolvimento argentino em complementaridade com o brasileiro e reunir massa
crítica para ampliar a capacidade de negociação internacional”10.
Essa concepção de que uma associação para o desenvolvimento econômico
seria mutuamente benéfica, especialmente num cenário em que tanto Argentina
quanto o Brasil enfrentavam crises decorrentes da dívida externa e da pouca
permeabilidade do mundo desenvolvido às suas demandas, foi decisiva para atenuar
as disputas geopolíticas que dificultavam, anteriormente, uma maior aproximação
econômica.
Alguns movimentos para uma maior integração bilateral já tinham sido,
porém, ensaiados em décadas anteriores. Nos anos 40 houve um esboço de
aproximação entre os dois países com vistas à constituição de uma união
alfandegária, nos moldes, ao menos em tese, do que o Mercosul é hoje. Em 1941 os
Chanceleres do Brasil e da Argentina assinaram um tratado comercial que fixava
expressamente esse objetivo, tendo, ainda, a pretensão de agregar os países vizinhos.
As diferentes posições adotadas pelos dois países durante a II Guerra Mundial
acabaram por impedir a concretização desse objetivo11. Mais adiante, no início dos
anos 60, os acordos de Uruguaiana, assinados entre os Presidentes Arturo Frondizi e
Jânio Quadros, tiveram importância no plano político, ao contemplarem uma maior
cooperação entre os dois países em foros internacionais, sem, contudo, prever um
aprofundamento da integração econômica bilateral12.

10
Russell, Roberto e Tokatlian, Juan Gabriel. “O lugar do Brasil na Política Externa da Argentina: a visão do
outro”. In: Novos Estudos - CEBRAP, n. 65, março de 2003, p. 83.
11
Almeida, Paulo Roberto. MERCOSUL: fundamentos e perspectivas. Brasília, Grande Oriente do Brasil,
1998, p. 11.
12
Russell, Roberto e Tokatlian, Juan Gabriel, op. cit., p. 81.
23

É durante os Governos de José Sarney, no Brasil, e Raul Alfonsín, na


Argentina, no período inicial da redemocratização, que passou a se desenvolver de
maneira mais intensa uma política de aproximação bilateral. Superadas as
divergências relativas à construção da usina de Itaipu e estabelecida uma maior
cooperação no campo da energia nuclear, pavimentou-se o caminho para um
entendimento entre os dois países sobre possíveis pautas para uma maior integração
econômica. Deixados para trás os fatores básicos de desconfiança, podiam os dois
governos buscar, com maior desenvoltura, maneiras de aumentar os ganhos
econômicos recíprocos. Essa constatação abriu as portas para a adoção de estratégias
de integração que deveriam ir além dos esquemas tradicionais adotados ao amparo
da ALADI. Tratava-se de perseguir uma integração “profunda”, com vistas não
apenas a um aumento dos fluxos de comércio, mas também a uma maior integração
produtiva e industrial, de modo a gerar escala, atrair investimentos e maximizar os
recursos produtivos13.
Em 1985, Sarney e Alfonsín assinaram a “Declaração de Iguaçu”. No
documento, os dois mandatários expressaram a “firme vontade política de acelerar o
processo de integração bilateral”. Para atingir esse objetivo, decidiram criar uma
Comissão Mista de Alto Nível encarregada de apresentar, até junho de 1986,
propostas de integração econômica em diferentes setores.
Os trabalhos da Comissão Mista resultaram na assinatura, em julho de 1986,
da “Ata para a Integração e Cooperação Econômica”14. Esse documento consagrava
a pretensão dos dois países de intensificar e diversificar as trocas comerciais. Além
disso, estabelecia um Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE) com
medidas para a expansão das trocas comerciais bilaterais. É importante chamar a
atenção para os princípios que orientavam o PICE: gradualidade (seus objetivos
seriam implementados em etapas anuais); flexibilidade (sendo possível realizar
ajustes pontuais, quando necessário) e equilíbrio (de maneira simplificada, os dois
países deveriam ganhar, evitando-se, da mesma forma, uma excessiva especialização

13
Seixas Corrêa, Luiz Felipe. A Política Externa de José Sarney. Brasília, Senado Federal, 1997, p. 29.
14
In: Resenha de Política Exterior do Brasil, n. 50. Brasília, Ministério das Relações Exteriores, 1986, pp.
94-105.
24

em setores específicos). Uma Comissão de Execução foi encarregada de pôr em


prática o programa.
O PICE contemplava medidas em diferentes áreas. Anexos ao Programa
estavam doze protocolos. O primeiro deles referia-se a bens de capital,
estabelecendo uma lista de produtos que não estariam mais sujeitos a gravames
tarifários. Tal medida visava à promoção de uma maior integração produtiva entre
os dois países, num segmento vital para qualquer política de industrialização. Essa
lista de produtos deveria ser incrementada pouco a pouco, aumentando-se o número
de bens beneficiados pela remoção de barreiras tarifárias e não-tarifárias. Em
compasso com a preocupação de se manter o equilíbrio nas trocas bilaterais, o
Protocolo sobre Bens de Capital adotava expressamente o conceito de “equilíbrio
dinâmico”: o superávit acumulado num determinado quadrimestre não poderia
ultrapassar 10% dos valores de referência determinados no próprio programa. A
título ilustrativo, em 1990 esse valor de referência seria de US$ 750 milhões, de
modo que o superávit de um dos países no comércio dos bens de capital
compreendidos no programa não poderia exceder US$ 75 milhões.
As medidas previstas para o setor de bens de capital explicitavam que
Argentina e Brasil buscavam conectar suas cadeias produtivas de maneira eqüitativa,
alavancando o intercâmbio de produtos fundamentais para o setor industrial. Tanto é
assim que, ao tempo em que estimulava a redução de obstáculos no comércio
bilateral, o programa previa medidas de proteção em face de terceiros mercados.
Outro Protocolo relevante do PICE tinha como objeto a previsão, de maneira
genérica, de ações para a expansão do comércio. Mais uma vez havia claras
referências à necessidade de um incremento equilibrado, “adotando-se mecanismos
que resultem mais adequados para estimular principalmente a exportação de
produtos originários do país deficitário”15. Esse mesmo Protocolo fixou a
necessidade de renegociação do acordo comercial então vigente entre os dois países
(Acordo de Complementação Econômica n° 1, celebrado no âmbito da ALADI).

15
Protocolo Número Quatro do PICE.
25

Por derradeiro, o PICE continha protocolos específicos sobre a criação de


empresas binacionais, assentando condições propícias para o seu surgimento; sobre
cooperação no campo aeronáutico (visando à produção de partes de aviões
brasileiros em território argentino) e na área de biotecnologia, energia, comércio de
trigo, investimentos e assuntos financeiros.
O PICE estabeleceu, por conseguinte, os alicerces para uma efetiva
integração econômica bilateral. Representava, na prática, uma passagem à ação,
fruto do acordo político consubstanciado na Declaração de Iguaçu. O processo
evoluía de maneira célere: num momento em que o Governo Sarney contava 1 ano e
3 meses, os primeiros frutos da aproximação com a Argentina começavam a ser
colhidos.
Deve-se ter em mente que em 1985 o Brasil era o destino de apenas 5,9% das
exportações argentinas. A progressiva redução de barreiras tarifárias decorrente dos
acordos bilaterais e, posteriormente, do estabelecimento do Mercosul, estimulou o
comércio de tal maneira que menos de uma década depois, já a partir de 1994, o
Brasil passou a ser o principal importador de produtos argentinos, absorvendo
22,4% das exportações do país vizinho. Esse fenômeno fez até com que se falasse,
na Argentina, no surgimento de uma “Brasildependência”16.
Os dois mandatários sublinharam, durante a visita oficial de Sarney à
Argentina, que o processo de integração era uma resposta à profunda crise
econômica vivida pela região nos anos 80, com a aceleração do processo
inflacionário e o crescimento do endividamento externo. A cooperação econômica
seria, nesse cenário, uma importante ferramenta para a retomada do crescimento. O
presidente Raúl Alfonsín afirmou, com razão, que “nunca na história de nossas
nações tivemos objetivos nacionais tão coincidentes”17.
Em 1988, Argentina e Brasil assinaram o “Tratado de Integração, Cooperação
e Desenvolvimento”18, o qual previa explicitamente que os dois países

16
Vargas, Everton Vieira. “Átomos na integração: a aproximação Brasil-Argentina no campo nuclear e a
construção do Mercosul”. In: Revista Brasileira de Política Internacional, 40 (1), 1997, p. 60.
17
Discurso do Presidente Raul Alfonsín na chegada do Presidente José Sarney a Buenos Aires, em 28 de
julho de 1986. In: Resenha de Política Exterior do Brasil, n° 50, cit., p. 4.
18
In: Mercosul: Legislação e Textos Básicos. 4ª ed. Brasília, Gráfica do Senado Federal, 2005, pp. 125-128.
26

conformariam um “espaço econômico comum” no prazo máximo de dez anos. Mais


uma vez havia referência expressa aos princípios de gradualismo, flexibilidade,
equilíbrio e simetria. O Tratado estabelecia que a construção do mercado comum
dar-se-ia em duas etapas. Na primeira os dois países removeriam as barreiras
tarifárias e não-tarifárias ao comércio de bens e serviços, bem como promoveriam a
harmonização de procedimentos aduaneiros e definiriam políticas comuns nos
setores agrícola, industrial, de transportes, de comunicações e de ciência e
tecnologia. Da mesma forma, e atestando o elevado nível de ambição dos dois
mandatários, estabelecia-se como requisito básico para a constituição do mercado
comum a coordenação de políticas macroeconômicas. Na segunda etapa seriam
harmonizadas, por sua vez, as “demais políticas necessárias à formação do mercado
comum”.
Como salienta Paulo Vizentini, “o que estava por trás desta cooperação, a par
dos fatores já apontados, é a marginalização crescente da América Latina no sistema
mundial, a tentativa de formular respostas diplomáticas comuns aos desafios
internacionais, a busca de complementaridade comercial, a criação de fluxos de
comércio e um esforço conjunto no campo tecnológico e de projetos específicos”19.

1.5) Fases do Mercosul

Com o aprofundamento da aproximação bilateral entre Argentina e Brasil


foram estabelecidas as condições básicas para a criação de uma união aduaneira no
Cone Sul. Em 6 de julho de 1990, os dois governos assinaram mais um documento
relativo à integração: a ata de Buenos Aires, que fixou o prazo de 31 de dezembro de
1994 para o estabelecimento de um mercado comum entre os dois países. Os dois
governos decidiram criar, nessa mesma ocasião, o Grupo Mercado Comum (GMC),
órgão executivo que deveria operacionalizar a consecução dos objetivos previstos na
Ata. Pouco depois, em agosto 1990, Paraguai e Uruguai foram convidados a aderir

19
Vizentini, Paulo G.F. “Mercosul: dimensões estratégicas, geopolíticas e geoeconômicas”. In: Lima, Marcos
Costa e Medeiros, Marcelo de Almeida. O Mercosul no limiar do século XXI. São Paulo: Cortez; Buenos
Aires: CLACSO, 2000, p. 30.
27

ao projeto de integração. Um mês depois foi realizada a primeira reunião do GMC


no formato quadripartite, tendo se previsto, para Paraguai e Uruguai, ritmos
diferenciados de desgravação tarifária no “período de transição” (que se estenderia
até a plena formação do mercado comum).
A incorporação de Paraguai e Uruguai ao projeto permitiu que o GMC, a
partir de outubro de 1990, pudesse se dedicar à negociação do instrumento
internacional que marcaria a criação do Mercosul: o Tratado de Assunção. A
negociação do texto, concluído em janeiro de 1991, ocorreu em seis reuniões20.
O Tratado de Assunção tem metas ambiciosas no plano econômico-
comercial. Seu artigo 1° determina que o mercado comum esteja constituído até 31
de dezembro de 1994. Para isso, deveriam ser atingidos os seguintes objetivos:

a) livre circulação de bens, serviços e fatores de produção. Para isso os


Estados Partes teriam de abolir as barreiras tarifárias e não-tarifárias
existentes;
b) estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum e a conseqüente
coordenação de posições nos foros econômico-comerciais internacionais;
c) coordenação de políticas macroeconômicas;
d) harmonização das legislações nacionais em diferentes setores.

O lapso de tempo que vai da assinatura do Tratado até o dia 31 de dezembro


de 1994 é conhecido como “período de transição”. Nessa etapa os quatro países
deram início a um processo de desgravação tarifária consubstanciado num Programa
de Liberalização Comercial. Esse programa consistia em reduções tarifárias
progressivas, a fim de que o comércio intrazona pudesse, em sua totalidade, ser
realizado sem aplicação de tarifas a partir de 1995.
O programa de desgravação seria linear e automático. A primeira
desgravação, em 30 de junho de 1991, contemplava uma redução de 47% nas tarifas
vigentes à época. A partir daí teria início uma redução percentual à razão de 7% por

20
Vaz, Alcides Costa. Cooperação, Integração e Processo Negociador: a construção do Mercosul. Brasília,
IBRI, 2002, p. 177.
28

semestre (47%, 54%, 61%, 68%, etc.), até se atingir uma desgravação total de 100%
em 31 de dezembro de 199421. É no período de transição que tem início, portanto, a
promoção do livre comércio entre os Estados Partes do bloco.
Em junho de 1992 os Estados Partes aprovaram o “Cronograma de Las
Leñas”, que estabelecia uma série de ações e prazos para a consecução dos objetivos
enunciados no Tratado de Assunção. Esse documento previa, por exemplo, que entre
os anos de 1992 e 1993 os Estados Partes deveriam concluir a negociação de
instrumentos indispensáveis à constituição do mercado comum, tais como
regulamentos comuns de defesa comercial, harmonização das legislações nacionais
em diferentes setores e elaboração de políticas comunitárias em áreas como
tecnologia, agricultura e defesa da concorrência. Deveriam, ainda, ser finalizados os
trabalhos de estabelecimento da TEC. O cronograma de Las Leñas constitui, por
conseguinte, um primeiro inventário do conjunto de medidas que deveriam ser
tomadas a fim de que se lograsse, a contento, a formação de um mercado comum a
partir de 1995.
Como observam Florêncio e Araújo, o cronograma “permitiu visualizar de
forma orgânica tudo o que estava por ser feito. Muito mais do que uma simples
ferramenta burocrática, o Cronograma constituiu um importante sinal político, uma
prova de confiança no processo de integração, ao mesmo tempo que o confirmava
como um desafio de grandes proporções”22. É nessa fase que surgem, contudo, as
primeiras resistências mais efetivas ao processo em algumas frações do setor
privado brasileiro e argentino. No caso brasileiro, os segmentos que se beneficiavam
de elevadas tarifas (bens de capital, informática e automotivo, por exemplo), temiam
que a instituição da TEC reduzisse suas margens de proteção. No caso argentino,
havia preocupação com a concorrência das indústrias brasileiras23. A evolução do
comércio e a firme vontade política dos governos envolvidos acabaram, porém, por
mitigar (embora sem eliminar) os focos pontuais de oposição ao aprofundamento da
integração.

21
Cf. item 2.1, infra.
22
Florêncio, Sérgio A. e L. e Araújo, Ernesto H. F. Mercosul Hoje. São Paulo, Editora Alfa-Ômega/FUNAG,
1995, p. 43.
23
Ibidem, pp. 43-44.
29

Em 1993, durante a reunião do Conselho do Mercado Comum realizada na


cidade de Colônia, no Uruguai, foram tomadas decisões adicionais acerca da
conformação da união aduaneira. Além dos dois Protocolos relativos à promoção e
proteção de investimentos, que serão examinados em tópico à parte, foram
discutidos os passos necessários para o estabelecimento da TEC. A Decisão CMC n°
13/93, aprovada naquela ocasião, enunciou uma série de tarefas que deveriam ser
cumpridas ao longo de 1994, como o estabelecimento da Nomenclatura Comum do
Mercosul (NCM), a definição dos níveis tarifários para setores sensíveis (bens de
capital, de informática e telecomunicações e químico) e número de exceções à TEC.
Além disso, enumerou as medidas que seriam necessárias para garantir um
“funcionamento adequado” da união aduaneira.
Os trabalhos para o estabelecimento da TEC prosseguiram ao longo de 1994.
Os detalhes serão examinados em capítulo específico24. Ao final desse ano, durante
a Cúpula de Ouro Preto, foram tomadas as decisões que viabilizaram a instituição da
união aduaneira a partir de janeiro de 1995. Dentre essas decisões merecem
destaque, além da própria aprovação da TEC, a assinatura do Protocolo de Ouro
Preto, que deu forma à estrutura institucional e ao sistema de tomada de decisões do
bloco.

1.6) O “velho” e o “novo regionalismo”

O processo de integração regional não é um fenômeno que se instaura


somente a partir do final dos anos 80, ao abrigo do processo de redemocratização
dos países da América Latina. No entanto, como vimos no caso da ALALC, as
primeiras experiências de liberalização comercial não lograram ser bem sucedidas,
tendo perdido parte de seu ímpeto inicial já em seus primórdios, seja em razão de
fatores políticos – a instalação de regimes nacionalistas e autoritários –, seja devido
a fatores econômicos, especialmente a implementação de políticas estatistas e
protecionistas vinculadas a processos de substituição de importações.

24
Cf. capítulo 2.
30

É por essa razão que se que fala da existência de um “velho” e de um “novo”


regionalismo, classificação que põe em relevo, além das distintas fases históricas, as
diferenças de substância entre os projetos de integração anteriores e posteriores
àqueles que se desenrolaram a partir de meados dos anos 80.
O “velho” regionalismo na América Latina é aquele que se estende do pós-
Segunda Guerra até a década de 70, quando encontra seu momento de refluxo.
Dentre suas características básicas poderíamos destacar três25:

a) trata-se de um processo, conforme já sublinhado a respeito da ALALC,


que se associa a políticas de substituição de importações. Um dos
empecilhos para o êxito de uma estratégia de substituição de importações
é o tamanho reduzido de mercados domésticos, o que pode vir a
desestimular investimentos e a produção interna. A opção estratégica pela
integração regional pode vir a contornar tais limitações, estimulando a
criação de um “mercado regional” capaz de dar sustentação às políticas
industriais de cada um dos países integrantes do processo;
b) no “velho regionalismo” os países-membros de um bloco econômico
concedem preferências comerciais recíprocas, mas mantêm elevados
níveis de proteção vis à vis o mercado externo. O protecionismo continua
sendo tomado, portanto, como uma “virtude”;
c) no que tange aos objetivos fundamentais do processo de integração, os
arranjos realizados sob a égide do “velho regionalismo” mostravam-se
menos ambiciosos, buscando essencialmente uma redução das barreiras ao
comércio, mas não necessariamente uma integração mais “profunda”
(política comercial comum; harmonização de políticas em diferentes
setores; criação de instituições comunitárias).

Por outro lado, o “novo regionalismo” se configura de maneira mais nítida a


partir dos anos 90. Seu nascimento representa uma espécie de mudança de estratégia

25
Devlin, R. et Estevadeordal, A. What´s new in the New Regionalism in the Americas ? Buenos Aires,
INTAL-ITD-STA, 2001, p. 3.
31

dos países da região no que diz respeito a suas políticas de desenvolvimento. Se no


passado a presença do Estado na economia era marcante, buscando, como vimos,
incentivar a industrialização por meio do protecionismo e da substituição de
importações, a séria crise que se abateu sobre a América Latina nos anos 80 tornou
necessária a adoção de um novo rumo. Essa crise, conhecida como “crise da dívida”
em razão do agudo endividamento externo dos países do continente, tornou o Estado
incapaz de continuar se apresentando como investidor. Emergiu com intensidade,
nesse contexto, uma ideologia mais voltada para a liberalização dos fluxos de
comércio, calcada na abertura das economias nacionais e na progressiva redução do
intervencionismo estatal.
Como traços básicos do “novo regionalismo” poderíamos apontar os
seguintes elementos26:

a) abandono das políticas autárquicas, tendo início uma crescente abertura ao


comércio multilateral;
b) importância os investimentos estrangeiros diretos, considerados
fundamentais para o processo de desenvolvimento. O Estado deixa de ser,
assim, a mola propulsora fundamental da economia, passando a exercer o
papel de agente regulador das forças de mercado;
c) trata-se de uma integração de maior profundidade, como é o caso do
próprio Mercosul, cujo objetivo é o de se tornar um mercado comum.

O “novo regionalismo” insere-se no mesmo contexto histórico em que


emerge a globalização econômica. A relação entre essas duas forças tem despertado
questionamentos: os blocos regionais tendem a facilitar as trocas no plano
multilateral ou, ao contrário, acabam por estimular determinadas regiões a que se
fechem, dificultando uma maior integração em escala global ? Há divergências a
respeito, mas existem evidências empíricas de que tanto o “novo regionalismo”
quanto o sistema multilateral de comércio se alimentam mutuamente, contribuindo

26
Averbug, André. Abertura e Integração Comercial Brasileira na Década de 90. Rio de Janeiro, BNDES,
1999, pp. 53-54.
32

para a expansão do comércio internacional27. Os acordos regionais muitas vezes vão


além do que prevêem as regras de comércio multilateral, engendrando uma espécie
de “minilateralismo” que pode ter conseqüências benéficas para o comércio global
em geral28. Em síntese, os acordos regionais constituem, na maior parte das vezes,
uma espécie de laboratório capaz de oferecer base adequada para a participação no
sistema multilateral de comércio.
O Mercosul constitui um dos exemplos desse “novo regionalismo”. Seus dois
maiores sócios, Argentina e Brasil, colocaram em prática no início dos anos 90
políticas de abertura comercial e de diminuição da presença do Estado na economia.
A crescente integração dos mercados dos Estados Partes poderia reforçar a
capacidade de cada um deles de se inserir numa economia mundial cada vez mais
integrada e competitiva.

1.7) Estrutura institucional do Mercosul

Os Estados Partes do Mercosul decidiram adotar uma estrutura


intergovernamental para as instituições do bloco. Desse modo, as deliberações dos
órgãos técnicos e decisórios devem contar com a aprovação de todos os Estados
Partes. Os delegados que comparecem às reuniões do bloco são, dessa maneira,
representantes dos Estados nacionais, e suas instruções emanam de seus governos,
não de uma autoridade comunitária29. O papel predominante desempenhado pelos
governos nacionais no processo de integração fez com que não se cogitasse, ao
menos inicialmente, em estabelecer instituições supranacionais na estrutura do
bloco. A construção institucional do Mercosul baseou-se, desse modo, em três
princípios básicos:

a) estrutura intergovernamental, e não supranacional;

27
Para uma análise geral dos argumentos nessa direção, cf. Värynen, Raimo. “Regionalism: old and new”. In:
International Studies Review, 2003, vol. 5, n.1, pp. 32-33.
28
Siroën, Jean-Marc. “Accords préférentiels, régionalisme et multilatéralisme”. In: Cahiers Français, n. 341.
Paris, nov-dez 2007, pp. 30-31.
33

b) tomada de decisões por consenso, e não por maioria; e


c) necessidade de que as normas aprovadas no âmbito do Mercosul sejam
incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais (ausência de
aplicabilidade direta das normas comunitárias).

O estrutura institucional permanente do Mercosul foi estabelecida pelo


Protocolo de Ouro Preto (POP), assinado em 1994. Esse Protocolo complementa o
Tratado de Assunção, definindo os órgãos que integram o bloco e estabelecendo
suas respectivas competências. Parte dos órgãos estabelecidos pelo POP já estavam
previstas no Tratado de Assunção, que instituiu, para o período de transição que se
estenderia até a conformação do mercado comum, uma estrutura provisória
encabeçada por um órgão superior, o Conselho do Mercado Comum (CMC), e um
órgão executivo, o Grupo Mercado Comum (GMC).
Além de manter o CMC e o GMC, o POP previu a criação de um terceiro
órgão decisório: a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM). Por órgãos
decisórios entendemos aqueles que têm capacidade de ditar normas de observância
obrigatória pelos Estados Partes30. A esses três órgãos decisórios vinculam-se
diversos outros foros técnicos.
Antes de procedermos à análise das competências de cada um dos órgãos
estabelecidos pelo POP, é necessário diferenciar, no ordenamento jurídico do
Mercosul, duas categorias de normas. A primeira seria constituída pelos
“documentos fundacionais” do bloco: o Tratado de Assunção e respectivos
protocolos adicionais (o Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no
Mercosul, o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias e o próprio POP).
Já a segunda seria integrada pelos atos normativos emanados dos órgãos decisórios
(atos derivados). Como se vê, no primeiro grupo situam-se os tratados internacionais
(acordos celebrados pelos Estados). Pertencem à segunda categoria, na linha da

29
Cançado Trindade, Otávio Augusto D.. O Mercosul no Direito Brasileiro. Belo Horizonte, Del Rey, 2006,
p. 46.
30
Nos termos do artigo 42 do POP, “as normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos previstos no
Artigo 2° deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos
ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país”.
34

classificação das fontes tradicionais de Direito Internacional Público, os atos


organizações internacionais (decisões tomadas em nome da organização)31.
Como dissemos, todas as normas, sejam as fundacionais ou derivadas, têm
caráter obrigatório, cabendo ressaltar, no entanto, que sua efetiva entrada em
vigência depende, se for o caso32, de sua incorporação ao ordenamento jurídico dos
Estados Partes. Em muitos casos, a não-incorporação, mesmo que por apenas um
Estado Parte, impede que a norma entre em vigor e possa ser argüida contra o país
que não a internalizou. Na prática, portanto, as normas do Mercosul não produzem,
por si só (i.e., sem a incorporação), qualquer efeito na esfera jurídica nacional33.
O CMC é o órgão decisório máximo do Mercosul. De acordo com o disposto
no artigo 3° do Protocolo de Ouro Preto, cabe a ele a “condução política do processo
de integração”. É integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e da Economia
(ou equivalentes). Na prática, porém, têm participado ativamente das reuniões do
CMC também os Ministros responsáveis pelo comércio e indústria, a exemplo, no
caso brasileiro, do Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior34. O
CMC reúne-se ordinariamente uma vez por semestre, em geral na véspera da Cúpula
Presidencial do bloco. É possível, porém, que ocorram reuniões extraordinárias para
deliberar acerca de assuntos específicos, que demandem um tratamento mais
expedito pelos Estados Partes.
As normas aprovadas pelo CMC são denominadas “Decisões”. Versam, em
geral, sobre temas de maior relevância política ou econômica, constituindo a base
fundamental do direito da integração. As decisões devem ser vistas como
instrumentos que complementam e buscam dar concretude aos objetivos fixados no
Tratado de Assunção.

31
Cançado Trindade, Otávio Augusto D., op. cit., pp. 55-57.
32
Em geral, não necessitam ser incorporadas as normas que digam respeito apenas à estrutura e ao
funcionamento do Mercosul.
33
Andrade, Luciano Mazza. “O Fortalecimento Institucional do Mercosul e a Supranacionalidade:
considerações sobre as prioridades da agenda institucional desde a perspectiva brasileira”. Tese apresentada
ao Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Brasília, mimeo., 2006, p. 77.
34
Em 2008, como decorrência natural da expansão do processo de integração para diferentes setores,
formalizou-se a possibilidade, por meio da Decisão da CMC N° 14/08, de realização de uma sessão especial
do Conselho envolvendo Ministros de outras áreas, inclusive a social, para discutir temas de sua competência
(“CMC ampliado”).
35

As competências do CMC estão relacionadas no artigo 8° do Protocolo de


Ouro Preto. Dentre elas, destacam-se a capacidade de exercer a titularidade da
personalidade jurídica do Mercosul e o poder de criar os órgãos que julgar
necessários para a construção do mercado comum. É esse o caso das Reuniões de
Ministros, que constituem o espaço para encontros de alto nível entre as autoridades
nacionais responsáveis pela condução de diferentes temas. Em 2008 havia 14
reuniões de ministros em funcionamento (Agricultura; Cultura; Economia e
Presidentes de Bancos Centrais; Educação; Indústria; Interior; Justiça; Meio
Ambiente; Minas e Energia; Ciência e Tecnologia e Inovação; Desenvolvimento
Social; Saúde; Trabalho e Turismo). Ao CMC estão vinculados, ademais, o Foro de
Consulta e Concertação Política (FCCP), uma série de grupos de alto nível, a
Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul (CRPM) e o Instituto Social
do Mercosul.
Dada a sua composição, o CMC discute em geral apenas as questões mais
sensíveis da esfera econômica-comercial, deixando seu tratamento técnico para
outras instâncias do bloco. Solicitações de modificações mais amplas da TEC, por
exemplo, podem ser debatidas no CMC, ao passo que demandas de alterações
pontuais são normalmente examinadas nos outros dois órgãos decisórios.
O GMC é, por sua vez, o órgão executivo do Mercosul. É integrado por
funcionários de alto nível dos Ministérios das Relações Exteriores, da Economia
(Fazenda, no caso brasileiro) e dos Bancos Centrais. Na prática, porém, e assim
como ocorre no caso do CMC, também os Ministérios da Indústria e Comércio
costumam ter representantes nas negociações realizadas no âmbito do GMC. Em
geral são duas as reuniões do GMC realizadas por semestre. A essas se soma uma
reunião extraordinária, em geral ao fim do semestre, com o propósito de finalizar o
exame dos projetos de normas que serão elevados à consideração do CMC.
As normas aprovadas pelo GMC são denominadas “resoluções”, tratando em
geral de aspectos técnicos relacionados ao processo de integração. Cabe ao GMC
sobretudo o acompanhamento dos Subgrupos de Trabalho (SGTs), instâncias que
tratam de temas específicos. O Anexo V do Tratado de Assunção já previa a
36

existência de 10 (dez) Subgrupos de Trabalho vinculados ao GMC, incumbidos de


tratar de temas de natureza eminente comercial, tais como assuntos aduaneiros,
normas técnicas, transporte terrestre e marítimo, política agrícola e coordenação de
políticas macroeconômicas. Esses Subgrupos foram posteriormente extintos ou
absorvidos por outros. Existem, hoje, quatorze foros dessa natureza em
funcionamento: telecomunicações (SGT n° 1); assuntos institucionais (SGT n° 2);
regulamentos técnicos e avaliação da conformidade (SGT n° 3); assuntos financeiros
(SGT n° 4); transportes (SGT n° 5); meio ambiente (SGT n° 6); indústria (SGT n°
7); agricultura (SGT n° 8); energia (SGT n° 9); assuntos laborais (SGT n° 10); saúde
(SGT n° 11); investimentos (SGT n° 12); comércio eletrônico (SGT n° 13) e
mineração (SGT n° 15). O SGT n° 14, que tratava do acompanhamento da
conjuntura econômica e comercial do Mercosul, foi extinto em 2006.
Como se pode notar, se nos estágios iniciais do bloco os Subgrupos
concentravam-se precipuamente em temas de natureza comercial, pouco a pouco
passaram a cuidar igualmente da temática social, como o demonstra a criação de
foros dedicados ao meio ambiente, assuntos laborais e saúde.
A breve menção aos temas que são da alçada dos subgrupos de trabalho
indica o conteúdo das normas produzidas pelo GMC. Boa parte das normas
aprovadas versa sobre diferentes tipos de regulamentos técnicos, desde a área de
qualidade industrial a questões agrícolas, de saúde, transportes e comunicações. As
atividades dos SGTs têm, por essa razão, relevante impacto no campo econômico,
ao harmonizar regulamentos atinentes a questões de comércio e facilitar (ou, na
ausência de harmonização, dificultar) o trânsito de mercadorias entre os países do
bloco.
Além dos SGTs, também compete ao GMC o acompanhamento de reuniões
especializadas. Essas reuniões foram criadas ainda durante a fase inicial do
Mercosul, em 1991, sob a justificativa de que alguns temas não examinados no
âmbito de Subgrupos de Trabalhos mereciam tratamento especial. A Decisão CMC
N° 09/91, que permitiu a criação de reuniões especializadas no âmbito bloco,
assinalou que o debate sobre esses temas especiais requereria “modalidades
37

operacionais” distintas daquelas dos Subgrupos de Trabalho. Na prática, as reuniões


especializadas têm produção normativa menos intensa do que aquela verificada nos
Subgrupos de Trabalho. Ao dedicar-se ao tratamento de temas específicos, têm
como meta coordenar ações e constituir um espaço para a troca de experiências entre
os Estados Partes, mesmo que esse trabalho não venha a ser plasmado em normas
específicas.
O número de reuniões especializadas no âmbito do Mercosul têm crescido
paulatinamente ao longo do tempo, à medida em que são incorporados novos atores
ao processo de integração. Essas reuniões podem ter como foco seja um tema
específico (caso das reuniões especializadas de agricultura familiar, ciência e
tecnologia e promoção comercial), seja possibilitar um maior contato entre
organismos ou instituições similares dos Estados Partes (têm reuniões próprias, por
exemplo, os ministérios públicos, defensores públicos e autoridades
cinematográficas e audiovisuais). Em dezembro de 2008 o Mercosul contava com 15
(quinze) reuniões especializadas.
Também estão vinculados ao GMC uma série de grupos permanentes (caso
do Grupo de Serviços e do Grupo de Contratações Públicas); de grupos “ad hoc”
(para tratar dos mais diferentes temas, tais como a redação do Código Aduaneiro do
Mercosul; relacionamento externo; consulta e coordenação no âmbito da OMC e do
SGPC e integração fronteiriça), além de fóruns, comitês, comissões e institutos,
encarregados do tratamento de temas específicos de maneira permanente ou
temporária.
Vale registrar que tanto o GMC quanto a CCM têm “seções nacionais”. Essas
seções constituem o espaço de coordenação entre os órgãos de cada país envolvidos
nas negociações dos temas que estão na agenda do Mercosul. Previamente à
realização de uma reunião do GMC ou da CCM deve haver, portanto, uma reunião
da seção nacional desses dois foros, a fim de coordenar a posição do país com
respeito aos temas que serão objeto de debate. No caso do Brasil, a última norma a
definir a composição da Seção Nacional do GMC foi o Decreto n° 5.080, de 12 de
38

maio de 2004, que atribuiu a coordenação nacional dessa instância ao Subsecretário-


Geral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores.
O Mercosul conta também com uma Secretaria, órgão ao qual compete
prestar o apoio administrativo e técnico necessário aos Estados Partes. O POP
atribuiu à Secretaria funções eminentemente operacionais, denominando-a de
Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM). Posteriormente, em 2002, decidiu-se
dotar o bloco de um órgão com capacidade de realizar estudos e prestar a assessoria
necessária em temas substantivos relevantes para o processo de integração. Por maio
da Decisão CMC N° 30/02 a SAM passou a denominar-se simplesmente Secretaria
do Mercosul, contando, em seu âmbito, com um Setor de Assessoria Técnica (SAT),
integrado por quatro conselheiros, com as funções, dentre outras, de realizar estudos,
compilações, avaliar o andamento do processo de integração e verificar a
consistência jurídica dos atos e normas emanados dos órgãos decisórios do bloco.
Existe um debate corrente sobre uma suposta hipertrofia institucional do
Mercosul, com a proliferação de instâncias para tratar dos mais diferentes temas.
Mais do que “hipertrofia”, porém, estamos diante de um fenômeno que parece
inerente à expansão do processo de integração para os mais diferentes domínios.
Uma estrutura mais “enxuta” pareceria adequada no estágio em que o Mercosul se
dedicava basicamente a liberalizar o comércio e estabelecer a união aduaneira.
Atualmente, porém, a agenda do bloco foi sendo apropriada por diferentes setores do
governo e da sociedade civil, o que faz com que pareça irrealista, no presente
momento, a objeção à criação de novos foros de diálogo entre os Estados Partes.
Parece mais plausível, nesse contexto, questionar o grau de transparência ou de
efetividade das decisões do bloco, mas não impugnar, por si só, a expansão da
estrutura institucional do agrupamento. É certo, por outro lado, que
aperfeiçoamentos devem ser buscados, sobretudo no que tange ao sistema de
incorporação das normas comunitárias, já que a não-internalização de muitas delas
pode acabar por afetar a segurança jurídica e a efetividade das decisões tomadas
pelos Estados Partes35.

35
Andrade, Luciano Mazza, op. cit., p. 108.
39

1.8) O papel da CAMEX

A Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) é um órgão interministerial


brasileiro criado em 1995, com o objetivo central de coordenar e dar maior
eficiência às ações governamentais nessa matéria.
Têm assento na CAMEX os Ministros do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, a quem cabe a presidência do órgão; da Fazenda; das Relações
Exteriores; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; do Planejamento, Orçamento
e Gestão e do Desenvolvimento Agrário, além do Ministro-Chefe da Casa Civil da
Presidência da República. Outros órgãos da administração federal podem, porém,
ser convidados a participar das reuniões, caso haja tema de seu interesse na agenda.
O órgão deliberativo superior da CAMEX é o Conselho de Ministros. Já o Comitê
Executivo de Gestão (GECEX), integrado em sua maior parte por Secretários-
Executivos de diferentes pastas, tem como função deliberar de maneira prévia sobre
os temas e, eventualmente, tomar decisões ad referendum do Conselho de Ministros.
As competências da CAMEX são atualmente definidas pelo Decreto n°
4.372, de 10 de junho de 2003. Sua atribuição fundamental é a de “definir diretrizes
e procedimentos relativos à implementação da política de comércio exterior visando
à inserção competitiva do Brasil na economia internacional”. Dentre as
competências específicas do órgão, podemos sublinhar a fixação das alíquotas dos
impostos de importação e exportação, estabelecimento de salvaguardas, direitos
antidumping ou compensatórios e a alteração, a partir do que se decide no âmbito do
bloco, da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).
Na prática, isso significa que as diferentes ações do Governo brasileiro no
âmbito do Mercosul são previamente debatidas na CAMEX ou no GECEX. Da
mesma forma, muitas normas aprovadas no âmbito comunitário, como aquelas
relativas à NCM e à TEC, devem ser incorporadas ao ordenamento jurídico
brasileiro por intermédio de Resoluções da CAMEX. Havendo uma alteração nas
alíquotas da TEC, seja em caráter definitivo, seja em caráter temporário (como no
40

caso das reduções tarifárias em razão de desabastecimento, como visto em tópico


anterior), compete à CAMEX editar resolução dando efeito, no Brasil, a essa
decisão. Muitas das Resoluções CAMEX versam sobre alterações, no Brasil, nas
alíquotas de bens de capital e bens de informática e telecomunicações, em razão do
regime de “Ex-tarifários”, que permitem reduções tarifárias para atrair investimentos
e incentivar a modernização do parque produtivo do país36.
Não existe, em verdade, uma definição rígida e excludente sobre quais os
temas que devem ser objeto de decisão no âmbito do GECEX e quais aqueles que
devem ser decididos exclusivamente pelo Conselho de Ministros. De todo modo, o
fato de o GECEX poder tomar decisões ad referendum do Conselho de Ministros
indica que ambas as instâncias tratam correntemente das mesmas questões, cabendo
ao Conselho, porém, deliberar sobre as matérias de maior sensibilidade política e de
maior impacto na política de comércio exterior do Brasil, bem como aprovar, em
definitivo, a edição de Resoluções (as Resoluções aprovadas no GECEX
permanecem ad referendum dos Ministros). Eventuais dissensos no âmbito do
GECEX também deve ser submetidos à análise do Conselho de Ministros.
A importância da CAMEX reside justamente no fato de se tratar de colegiado
em que têm assento os diferentes órgãos do governo brasileiro interessados nas
negociações internacionais em matéria comercial, o que possibilita uma efetiva
coordenação técnica e política sobre os temas em debate. Trata-se, do ponto de vista
institucional, de importante avanço na formulação da política de comércio exterior,
contribuindo para dar maior uniformidade às ações do governo brasileiro no que
tange ao processo de integração.

36
Cf item 2.5.
41

CAPÍTULO 2 – A Tarifa Externa Comum

2.1) O processo de liberalização comercial entre os Estados Partes. Evolução do


comércio intrazona.

Como assinalado anteriormente, o Mercosul é um projeto de integração


profunda, cujo objetivo final é a constituição de um mercado comum. Não se trata,
portanto, de um projeto voltado para a mera liberalização do comércio – como seria
o caso de uma zona de livre comércio. Em 1995 os Estados Partes conformaram a
união aduaneira, etapa imediatamente anterior ao estabelecimento de um mercado
comum. Vamos analisar, no presente capítulo, o elemento caracterizador desse tipo
de agrupamento: a Tarifa Externa Comum (TEC).
No entanto, antes de procedermos à análise dos principais aspectos da TEC, é
necessário que discorramos de maneira sucinta sobre a eliminação das barreiras
tarifárias ao comércio entre os Estados Partes do bloco. Como vimos em tópico
anterior, a constituição de uma união aduaneira só faz sentido num espaço
econômico comum, em que já exista o livre comércio. Ao estabelecer o ano de 1995
como momento para a adoção da TEC, os países do bloco se comprometeram
também a concluir, até 1994, o processo de eliminação das barreiras tarifárias em
seu comércio recíproco.
O Tratado de Assunção estabeleceu, em seu Anexo I, um cronograma de
desgravação tarifária a ser observado pelos Estados Partes. Por “desgravação”
entende-se uma redução progressiva das tarifas de importação, até que se atinja a
concessão de preferências tarifárias de 100% (o que significa, na prática, que não se
cobra qualquer tarifa). Conforme estabelecido no próprio Tratado, o cronograma de
desgravação seria progressivo (as preferências tarifárias seriam crescentes ao longo
do tempo), linear (a desgravação aplicar-se-ia a todos os produtos, exceto acordo em
contrário) e automático (a desgravação ocorreria nas datas estabelecidas, sem a
42

necessidade de prévio consentimento das partes envolvidas). O art. 3° do Anexo I do


Tratado de Assunção estabeleceu o seguinte cronograma de desgravação tarifária:
Data / Percentual de Desgravação
30/06/91 47
31/12/91 54
30/06/92 61
31/12/92 68
30/06/93 75
31/12/93 82
30/06/94 89
31/12/94 100

Como se pode notar, a desgravação foi de 7 pontos percentuais a cada seis


meses, exceto no último semestre, quando se passou de uma preferência de 89%
para 100%. Os Estados Partes já iniciaram o cronograma concedendo-se
mutuamente uma preferência de 47%. Os produtos que já contavam com preferência
mais elevada, em razão de acordos bilaterais celebrados no âmbito da ALADI,
passaram a gozar de preferência ainda maior, de acordo com percentuais de
desgravação também estabelecidos art. 4° do Anexo I do Tratado de Assunção.
Houve acordo, porém, em se excetuar determinados produtos do cronograma
de desgravação. Isso se devia – o que ocorre ainda hoje no bloco, como veremos
mais adiante – às diferentes sensibilidades dos Estados Partes e à existência de
demandas de proteção de determinados setores econômicos. Por essa razão, o artigo
6° do Anexo I previu a elaboração de “listas de exceções”, fixando, ainda, o número
de itens tarifários que cada Estado Parte teria direito de excluir dos cronogramas de
desgravação: 394 itens para a Argentina; 324 para o Brasil; 439 para o Paraguai e
960 para o Uruguai. Os produtos incluídos nas listas nacionais não estariam sujeitos
ao cronograma de desgravação, mas o número de itens das listas deveria ser
reduzido em 20% a cada ano. Uma vez excluído da lista, o produto passaria a contar
com a preferência tarifária prevista no cronograma de desgravação.
A implementação do programa de liberalização comercial entre os Estados
Partes não tardou a surtir efeitos positivos no comércio intrabloco. Os números
indicam que em 2008 o comércio entre os países da região foi cerca de oito vezes
43

superior àquele verificado em 1991, quando da assinatura do Tratado de Assunção.


Esse crescimento foi interrompido apenas no contexto das crises cambiais
enfrentadas pelo Brasil, em 1999, e pela Argentina, entre os anos de 2001 e 2002.
Em 2008, a corrente de comércio entre o Brasil e os demais Estados Partes atingiu
um nível recorde, superando a barreira dos US$ 36 bilhões.

Evolução da corrente de comércio – Brasil-Mercosul


ANO CORRENTE DE
COMÉRCIO
(Soma das exportações e
importações)
(US$ bilhões)
1991 4,5
1992 6,3
1993 8,7
1994 10,5
1995 12,9
1996 15,6
1997 18,4
1998 18,2
1999 13,4
2000 15,5
2001 13,3
2002 8,9
2003 11,3
2004 15,3
2005 18,7
2006 22,9
2007 28,9
2008 36,6
Fonte: MDIC

Conquanto positivos, e comprobatórios de que o Mercosul desempenhou


importante papel na criação de comércio, os números não podem ocultar a
persistência de alguns problemas na consolidação da união aduaneira. É o caso das
queixas com relação à existência de barreiras não-tarifárias ao comércio. De outra
parte, como veremos em detalhes mais adiante, ainda há setores – como o sucro-
alcooleiro – excluídos do processo de liberalização comercial.
44

Em termos qualitativos, a questão que se coloca é se o crescimento do


comércio intrazona é apenas um resultado natural da expansão do comércio do
Brasil com o mundo ou se possui uma força que lhe é própria. A tabela a seguir situa
o intercâmbio comercial do Brasil com o Mercosul dentro do total global do país:

Intercâmbio Comercial do Brasil (US$ bilhões)


COM O MERCOSUL TOTAIS GERAIS
Ano Exportações Importações Exportações Importações
1991 2,3 2,2 31,6 21,0
1995 6,1 6,8 46,5 49,9
2000 7,7 7,7 55,1 55,8
2005 11,7 7,0 118,5 73,6
2006 13,9 8,9 137,8 91,3
2007 17,3 11,6 160,6 120,6
2008 21,7 14,9 197,9 173,1
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do MDIC

Como se pode observar, o crescimento do comércio do Brasil com os sócios


do Mercosul é parte de um processo de crescimento geral do intercâmbio com o
exterior. A corrente de comércio (soma das exportações e importações) com os
demais Estados Partes era, em 1991, de US$ 4,5 bilhões, tendo saltado, em 2008,
como já assinalamos, para US$ 36,6 bilhões (crescimento da ordem de 813%). Já o
comércio com o resto do mundo aumentou, nesse mesmo período, cerca de 695%. A
despeito de o intercâmbio com o Mercosul ter sido maior, o fato é que as trocas com
outros países e blocos também se expandiram de forma significativa, mesmo sem as
condições mais favoráveis propiciadas pela proximidade geográfica e pelas
preferências tarifárias que caracterizam a união aduaneira.
Por outro lado, a análise da participação do Mercosul no comércio geral do
Brasil indica que o bloco, embora seja importante parceiro comercial, mantém a
mesma importância relativa da época em que foi criado, em 1991. Em 2008, a
45

corrente de comércio com os outros três Estados Partes representou cerca de 9,8%
da corrente de comércio total do país. Em 1991, o comércio com o bloco
correspondeu a 8,5% do total.
Esse panorama nos remete a um debate subjacente aos processos de
integração em geral: os acordos de comércio regional tendem a propiciar uma maior
criação ou um maior desvio de comércio ?37 Como vimos anteriormente, num
acordo de integração os países signatários reduzem tarifas entre si. Suponhamos que
o acordo envolva dois países, X e Y. Quando em vigor o acordo, os produtos de X
serão vendidos em Y a preços mais baixos, haja vista que não estarão mais sujeitos à
incidência de imposto de importação. Se o país X produz determinada mercadoria -
digamos que soja - a um custo menor que os produtores de Y, haverá um incremento
nas importações desse produto pelo país Y, verificando-se a criação de comércio,
uma vez que o intercâmbio entre os dois países aumentará e os consumidores de Y
poderão consumir soja a um preço menor, o que melhorará seu bem-estar.
No entanto, suponhamos que um terceiro país, Z, apresentava-se como o
principal fornecedor do país Y antes do acordo regional deste com X. Essa condição
de principal fornecedor decorria do fato de que Z é mais competitivo que X e capaz
de produzir a custos menores que seu concorrente. Com a celebração do acordo, a
soja produzida em Z continuará sujeita à incidência de tarifa, mas a soja produzida
em Y não. Essa circunstância estimulará a que Y importe mais de X, em detrimento
de Z. Aqui temos o desvio de comércio: deixa-se de importar de um país mais
competitivo para importar de um menos competitivo, o qual, porém, beneficia-se da
redução tarifária.
Na prática, portanto, o desvio de comércio é constatado quando um produtor
mais competitivo de extrazona perde mercado, não porque um dos países-membros
do acordo tornou-se mais competitivo, mas apenas porque a incidência de tarifas
acaba tornando o produto de extrazona mais caro do que aquele do país-membro
competidor.

37
Os conceitos de criação e desvio de comércio estão desenvolvidos em Viner, Jacob. The customs union
issue. New York, Carnegie Endowment for International Peace, 1950, p. 43.
46

No caso do Mercosul, é difícil dizer, de maneira peremptória, se


prevaleceram os efeitos de criação ou de desvio de comércio. Há estudos
sustentando não ter havido criação de comércio, sendo difícil, porém, aferir se houve
desvio de comércio38. Afinal, como visto anteriormente, houve aumento do
comércio também com países de extrazona. Uma das explicações para isso
consistiria na “abertura comercial presenciada pelos países do bloco, na mesma
época em que o acordo foi assinado. Aberturas comerciais causam criação de
comércio com o mundo todo. Se ocorreu algum desvio, provavelmente ele foi
anulado pelos efeitos da abertura”39.
O desenvolvimento do comércio do Mercosul com outros países e blocos
atesta o caráter de “regionalismo aberto” do acordo40, o que não implica, porém,
nenhum tipo de análise de valor sobre possíveis efeitos positivos gerado pelo bloco
no bem-estar de seus cidadãos, exercício que se revelaria complexo e inconclusivo
para os propósitos do presente trabalho.
Outro fato que merece relevo é o importante crescimento da participação de
outros países sul-americanos no comércio brasileiro, em decorrência dos acordos
celebrados pelo Mercosul no âmbito da ALADI. Em 2008, por exemplo, as
exportações do Brasil para os países da ALADI representaram 21,8% do total41 –
número alcançado graças, em boa parte, aos acordos realizados pelo Mercosul. A
título comparativo, a União Européia absorveu 23,4% de nossas exportações, com
uma diferença qualitativa importante: parte substancial dos produtos exportados pelo
Brasil para seus parceiros da América Latina são dotados de maior valor agregado.
Em 2008, por exemplo, 88% das exportações para países da ALADI eram de
produtos manufaturados. No caso do Mercosul, essa cifra era ainda maior, atingindo
mais de 90% das exportações brasileiras:

38
Morais, Adriano Giacomini. Criação e Desvio de Comércio no Mercosul e no NAFTA. Dissertação de
mestrado. São Paulo, USP, 2005, p. 64.
39
Idem, ibidem.
40
Cozendey, Carlos M., op. cit., p. 57.
41
“Brasil – Comércio Exterior Global: Janeiro-Dezembro 2007-2008”. ALADI/SEC/DI 2210.1, 26 de janeiro
de 2009. Disponível em www.aladi.org.
47

Brasil – Exportações por fator agregado (2008)


Destino Manufaturados Básicos
MERCOSUL 94,9% 4,9%
ALADI 88,2% 11,6%
EUA 76,8% 22,6%
UE 52,7% 46,7%
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados do MDIC

A importância do Mercosul para o comércio brasileiro deve ser mensurada,


portanto, não apenas pelo volume total das exportações, mas também por sua
composição, que beneficia sobretudo os setores industriais, fazendo com que o
comércio com os países vizinhos tenha grande qualidade e gere importantes cadeias
de valor.

2.2) A Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM)

Os acordos de comércio têm como objetivo não apenas intensificar o


intercâmbio de bens e serviços, mas também agilizar o trânsito de mercadorias, seja
por meio da eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias, seja pela
harmonização de procedimentos aduaneiros.
Nesse quadro de simplificação de procedimentos, é de fundamental
importância que as partes contratantes de um determinado acordo tenham um
“linguajar” comum, isto é, que classifiquem e designem de forma idêntica um
determinado produto. Eventuais discordâncias a respeito poderiam representar um
óbice ao fluxo normal de mercadorias. Foi com a intenção de evitar esse tipo de
obstáculo que se elaborou, no âmbito da Organização Mundial das Aduanas (OMA),
o Sistema Harmonizado de Classificação e Designação de Mercadorias. Esse
sistema, usualmente conhecido pela sigla SH, estabelece uma nomenclatura e uma
descrição comum para os diferentes tipos de bens. O SH é constituído por um
código de seis dígitos e pela correspondente descrição do bem. Mais de 5.000
48

mercadorias – o que representa praticamente a totalidade dos bens comercializados


no mundo – estão classificados no SH.
A NCM está baseada no SH. Isso quer dizer que as mercadorias são
classificadas no mesmo código e designadas da mesma maneira. A única diferença
existente diz respeito ao número de dígitos. Se no SH são seis os dígitos que
integram o código de uma mercadoria, no Mercosul são utilizados oito dígitos. Qual
a conseqüência concreta dessa diferença ? Apenas a de que no bloco sul-americano
uma mercadoria pode ser descrita com maiores detalhes. O exemplo abaixo ajuda a
esclarecer a questão:

Exemplo extraído do Sistema Harmonizado


Capítulo 87
Veículos Automóveis, Tratores, Ciclos e outros veículos terrestres, suas partes e
acessórios

Código Descrição
8703 Automóveis de passageiros e outros veículos automóveis
principalmente concebidos para transporte de pessoas, incluídos os
veículos de uso misto (“station wagons”) e os automóveis de corrida.
8703.22 - De cilindrada superior a 1.000 cm3, mas não superior a 1.500 cm3

Mesmo código na Nomenclatura Comum do Mercosul

8703 Automóveis de passageiros e outros veículos automóveis


principalmente concebidos para transporte de pessoas, incluídos os
veículos de uso misto (“station wagons”) e os automóveis de corrida.
8703.22 - De cilindrada superior a 1.000 cm3, mas não superior a 1.500 cm3
8703.22.10 - Com capacidade de transporte de pessoas sentadas inferior ou
igual a 6, incluindo o condutor

Tanto o SH como a NCM são divididos em capítulos. O exemplo acima se


refere ao capítulo 87, que contempla automóveis, tratores e outros tipos de veículos.
49

Como se vê, há uma identidade entre o código e a descrição presentes no SH e na


NCM. No entanto, a NCM, por poder lançar mão de oito dígitos, pode apresentar um
código mais detalhado. No caso apresentado, além do código 8703.22, concernente a
veículos com cilindrada superior a 1000 cm3, a NCM apresenta o código
8703.22.10, que diz respeito a veículos com cilindrada superior a 1000 cm3 e
capacidade de transporte de pessoas sentadas inferior ou igual a 6. Houve, portanto,
um detalhamento ainda maior do que aquele existente no SH.
Em virtude de avanços tecnológicos e do surgimento de novas mercadorias, o
SH sofre revisões periódicas. Esse processo - que pode levar em torno de quatro ou
cinco anos - resulta em “emendas” ao SH. Essas emendas, uma vez aprovadas,
acabam por provocar também uma revisão da NCM, a fim de que se mantenha a
correlação entre esses dois sistemas de classificação e designação de mercadorias. A
primeira versão da NCM estava baseada na I Emenda ao SH. Em 1996 e 2002 a
NCM foi atualizada para ajustar-se, respectivamente, às II e III Emendas do SH. Por
fim, ao longo de 2006 os Estados Trabalhos trabalharam para atualizar a NCM à luz
da IV Emenda do Sistema Harmonizado, a qual passou a vigorar a partir de 2007.
Caso haja dúvidas acerca da classificação de algum produto, competirá ao
Comitê Técnico N° 1 da CCM (cujas competências serão examinadas mais adiante)
aprovar um “ditame de classificação tarifária”, que consiste numa definição sobre a
posição tarifária em que deverá enquadrar-se a mercadoria em apreço.

2.3 ) Estrutura da TEC

A TEC é, como assinalamos em diferentes oportunidades, o principal


elemento caracterizador das uniões aduaneiras. No Mercosul a tarifa comum foi
adotada oficialmente em 1° de janeiro de 1995.
A implementação da TEC se deu no mesmo contexto em que se verificava
uma sensível redução nos níveis de proteção tarifária dos dois principais sócios do
bloco, Argentina e Brasil. Em 1990, ano anterior à assinatura do Tratado de
Assunção – e momento em que se deu início ao processo de abertura comercial – a
50

alíquota média do imposto de importação brasileiro era de 32,20%. Em 2007, essa


cifra havia sido bastante reduzida, situando-se em torno de 10,61%42.
A tabela a seguir atesta a crescente abertura comercial do Brasil na esteira da
criação do Mercosul:

Evolução do imposto de importação no Brasil na fase inicial do MERCOSUL


(1991-1995)

Ano 1991 1992 1993 1994 1995


Média 25,3 20,8 16,5 14,0 12,6
Moda 20,0 20,0 20,0 20,0 2,0
Desvio 17,4 14,2 10,7 8,3 9,0
padrão
Fonte: SECEX/MDIC

Como se vê, os níveis tarifários do Brasil foram submetidos a uma drástica


redução a partir da assinatura do Tratado de Assunção. É importante salientar,
todavia, que se trata de um processo que antecede a criação do Mercosul: em 1991
as alíquotas de importação já estavam significativamente mais baixas do que cinco
anos antes, por exemplo. Em 1985, a alíquota média era de 51,3%, praticamente o
dobro daquela existente em 1991. Foi o processo de integração, no entanto, que
criou as condições para que esse processo de tornasse irreversível, engendrando um
incremento do intercâmbio comercial entre os países da região.
Os números indicados na tabela anterior devem ser objeto de uma
interpretação qualitativa. Não houve apenas uma redução da alíquota média, mas
também das tarifas “modais” – isto é, daquelas que aparecem com maior freqüência.
Os números indicam que a tarifa modal sofreu substancial redução após o
estabelecimento da união aduaneira, passando de 20% para 2%. Esse crescente grau
de abertura pavimentou o caminho para que o Brasil se engajasse no processo de
liberalização comercial com seus parceiros do Mercosul.
Essa liberalização no comércio entre os sócios e a negociação da TEC foram
os dois temas prioritários da agenda do bloco desde a assinatura do Tratado de
Assunção. Acordou-se então que a tarifa comum deveria cumprir uma dupla função:

42
Fonte: MDIC/SECEX/DEINT/CGIR. Disponível em
51

incentivar a competitividade externa dos Estados Partes e, por outro lado, conferir
preferência ao valor agregado regional43. A adoção desses princípios não deixou,
porém, de enfrentar dificuldades, notadamente em razão das diferenças entre as
estruturas produtivas das economias do bloco. Mesmo entre os dois sócios maiores
havia divergências: se de um lado o Brasil não deixava de buscar uma proteção
adequada para sua diversificada indústria, por outro a Argentina almejava
compatibilizar a TEC com seus interesses em importar insumos com custo reduzido
e modernizar seu parque produtivo44. No caso do tratamento a ser dispensado aos
bens de capital, por exemplo, o Brasil defendia um nível de proteção maior para os
itens que contassem com produção local, ao passo que a Argentina propugnava por
patamares tarifários reduzidos, independentemente da capacidade dos produtores
locais em atender à demanda dos países do bloco.
Essas discrepâncias de interesses afloraram já no início dos debates sobre a
estrutura da TEC. A proposta circulada pelo Brasil aos seus sócios previa sete
diferentes níveis tarifários (0%, 5%, 10%, 15%, 20%, 25% e 35%). Quanto maior o
valor agregado de um determinado produto, maior seria o seu nível de proteção. A
proposta argentina, embora contemplasse seis níveis, previa alíquota máxima de
20% (0%, 4%, 8%, 12%, 16% e 20%), no que se diferenciava de maneira
considerável do projeto brasileiro45. Uruguai e Paraguai também defendiam níveis
de proteção menores do que aqueles defendidos pelo Brasil. Em dezembro de 1992
acordou-se, como fórmula de consenso, que a TEC teria níveis entre 0% e 20%,
podendo, no entanto, contar com nível máximo de 35% para um número limitado de
produtos.
A TEC apresenta, portanto, uma estrutura escalonada, com alíquotas que vão
de 0% a 20%, com algumas exceções acima desse patamar. O aumento das alíquotas
se dá de acordo com o grau de elaboração produtiva, o que permite presumir que,
em princípio, quanto maior o valor que agrega de um determinado bem, maior será a

http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=1386. Consulta em 16 de março de 2008.


43
Vaz, Alcides Costa. Cooperação, Integração e Processo Negociador: a construção do Mercosul. Brasília,
IBRI, 2002, p. 227.
44
Ibidem, p. 227.
45
Ibidem, p. 229-230.
52

sua alíquota. Nesse quadro, bens com pouco grau de elaboração, como matérias
primas, teriam alíquotas mais baixas, ao passo que produtos finais mais elaborados,
como automóveis, teriam alíquotas mais elevadas.
Observando-se a estrutura da TEC, podemos perceber três níveis principais.
No primeiro deles, relativos a insumos, as alíquotas variam de 0% a 12%. No
segundo, referente a bens intermediários e bens de capital, esses patamar varia de
12% a 16%. Por fim, os bens finais têm alíquotas de 16% a 20%.
Embora formalmente a alíquota máxima seja de 20%, em alguns casos
excepcionais, especialmente em setores considerados sensíveis – seja pelo alto nível
de agregação de valor (que movimenta outras cadeias produtivas), seja pelo uso
intensivo de mão de obra -, como o automotivo, têxtil, calçadista e de confecções,
decidiu-se adotar alíquotas superiores a esse patamar, chegando até o nível de
35%46.
Os intervalos entre as alíquotas são de 2%. Assim sendo, são onze os níveis
de alíquotas da TEC, partindo de 0% e chegando a 20% (excetuados, como visto, os
produtos que cujas alíquotas foram situadas em patamares mais elevados). A tabela
a seguir indica a freqüência relativa de cada faixa tarifária em 1995 e 2005:

30

25 1-jan-1995
freqüência (%)

31-dez-2005
20

15

10

0
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
alíquota (%)

Fonte: Lalanne, Alvaro. “Arancel Externo Común 1995-2005: Estructura y Evolución”. Documento
de Trabalho n° 012/05, SAT/SM, dezembro de 2005, p. 13.

Pode-se notar que, no geral, houve uma ligeira redução dos níveis da TEC
nos dez anos posteriores à conformação da união aduaneira. O percentual de
53

produtos com alíquotas mais baixas (0% e 2%) cresceu, ao passo que houve redução
nas faixas mais elevadas, sobretudo no que se refere aos produtos com alíquota de
14%. A maior parte dos itens tarifários (91,3%) permaneceu, porém, com a mesma
alíquota. O número de códigos que passou por elevação tarifária correspondeu a
1,7% do total, ao passo que 6,7% sofreram redução47.
Essa estrutura tarifária com onze níveis, além dos produtos que contam com
alíquotas mais elevadas, é considerada por alguns críticos como excessivamente
complexa, o que militaria contra a simplificação da administração aduaneira48. Resta
claro, porém, que uma das razões para a existência dessa estrutura escalonada foi a
necessidade de acomodar interesses distintos dos quatro Estados Partes, tarefa
demasiadamente complexa na fase inicial de implementação da união aduaneira.
A existência de mais de mais de dez níveis de alíquotas aponta para a
existência, no Mercosul, de um elevado grau de dispersão tarifária. A redução
dessa dispersão é um dos desafios a serem enfrentados pelos países do bloco.
Reduzir o grau de dispersão significa diminuir o número de alíquotas e também – o
que veremos logo a seguir – o número de exceções autorizadas à política tarifária
comum. Quanto menor a quantidade de níveis tarifários e menor o número de
produtos para os quais os Estados Partes podem aplicar alíquotas distintas, mais
simples e mais eficiente será o sistema tarifário comum.
Como observamos há pouco, parte da complexidade da TEC deriva da
dificuldade em se conciliar interesses contrastantes dos sócios. A fim de acomodar
as divergências dos Estados Partes, decidiu-se que os países poderiam adotar para
um grupo de produtos alíquotas diferentes durante um período de tempo
determinado. Assim sendo, conquanto exista formalmente uma tarifa externa
comum para todo o universo tarifário, na prática os Estados Partes têm direito a uma
série de exceções.

46
Cf. Decisões CMC n° 70/00 e 37/07.
47
Lalanne, Alvaro. “Arancel Externo Común 1995-2005: Estructura y Evolución”. Documento de Trabalho
n° 012/05, SAT/SM, dezembro de 2005, p. 14.
48
Kume, Honório e Piani, Guida. “Mercosul: o dilema entre união aduaneira e área de livre comércio”. In:
Revista de Economia Política, vol. 25, n° 4 (100). São Paulo, outubro-dezembro 2005, p. 376.
54

Cabe ressaltar que essas exceções não constituem práticas unilaterais: os


países contam com autorização específica para aplicar alíquotas diferentes. A cada
grupo de exceções corresponde, por conseguinte, uma norma comunitária que lhe dá
amparo.
Com propósitos exclusivamente didáticos, podemos classificar as exceções
em dois grandes grupos: as exceções ao comércio intrazona e as exceções à TEC.
A primeira exceção ao comércio intrazona foi o “Regime de Adequação Final
à União Aduaneira”, que excluía do livre comércio entre os países do bloco um
determinado conjunto de produtos, considerados sensíveis pelos Estados Partes.
Esse regime permitiu a incidência do imposto de importação no comércio entre os
próprios Estados Partes. O regime de adequação, como veremos abaixo, já foi
extinto, tendo vigorado de 1995 a 1999.
Ainda existem, porém, dois setores que estão excluídos do livre comércio
intrazona: o setor automotivo e o setor açucareiro.
Existem, igualmente, exceções na aplicação da TEC, possibilitando aos
Estados Partes aplicar alíquotas diferentes nas importações efetuadas de terceiros
países ou blocos. São duas as principais categorias de exceções à TEC: as listas
nacionais de exceções e as exceções setoriais (Bens de Capital e Bens de
Informática e Telecomunicações).
A tabela a seguir relaciona as exceções atualmente existentes, tanto no que se
refere ao comércio intrazona quanto no tocante à TEC. As especificidades de cada
um dos itens serão analisadas em seguida.

EXCEÇÕES AO LIVRE COMÉRCIO INTRAZONA

País – número de Prazo


itens
Arg: 207 itens Vigorou até janeiro de 1999 para Argentina
“Regime de Bra: 29 itens e Brasil e até janeiro de 2000 para Paraguai
Par: 435 itens e Uruguai, momento em que foi extinto
Adequação”
Uru: 952 itens
55

Junho de 2013, prazo para revisão dos


acordos bilaterais ou adoção de nova
Política Automotiva Comum do
Setor automotivo
MERCOSUL (PAM)

------------- Sem definição


Setor açucareiro

EXCEÇÕES À TEC
País – número de Prazo
itens
Arg: 100 itens 31/12/2010
Bra: 100 itens 31/12/2010
Listas Nacionais
Par: 100 31/12/2015
de Exceções à Par: 150 31/12/2010
Par: 399 31/12/2010
TEC
Uru: 100 31/12/2015
Uru: 125 31/12/2010

Decisão CMC n° 59/07


(Listas Adicionais para
PAR e URU: Dec.
07/94 e 31/03).
Até 31/12/2010 os Estados Partes podem
aplicar alíquotas distintas à da TEC.

Não há número
máximo de itens Paraguai e Uruguai poderão manter listas de
Bens de capital
BKs com alíquotas de 2% até 31/12/10.

A Argentina possui “waiver” para BKs com


tarifa de 0% até 31/12/08 (Decisão CMC n°
40/05).
Para Argentina e Brasil o regime deverá
Bens de Não há número
entrar em vigor em 01/01/2011.
Informática e máximo de itens
Telecomunicações Para Paraguai e Uruguai deverá entrar em
vigor em 01/01/2016
Permite-se ao Paraguai
Matérias Primas a importação de Janeiro de 2011.
matérias primas com
alíquota de 2% (art. 1°
Decisão CMC n°
32/03).

Insumos Permite-se ao Paraguai


agropecuários e Uruguai a importação Janeiro de 2011.
56

de insumos
agropecuários com
alíquota de 2% (art. 3°
Decisão n° CMC
32/03).
Áreas Aduaneiras Segundo a Decisão N° 08/94, deveriam ser
Especiais ------------------ extintas em 2013. Decisão deverá ser
modificada.
ZFM já foi prorrogada até 2023.
Admite-se o drawback
Drawback e e a admissão
admissão temporária para o Janeiro de 2011.
temporária comércio intrazona
(Decisão CMC n°
32/03).

2.4) Exceções ao comércio intrazona

a) O Regime de Adequação Final à União Aduaneira

Já durante os debates para a constituição da TEC, em 1994, ficou patente a


dificuldade de os Estados Partes aplicarem, no ano seguinte, a mesma alíquota para
todo o universo tarifário. Decidiu-se, assim, que uma gama de produtos
considerados mais sensíveis teria prazos mais longos de desgravação tarifária. Esses
produtos faziam parte do “regime final de adequação à união aduaneira”, que
consistia basicamente num mecanismo de adaptação de setores específicos ao novo
estágio da integração entre os Estados Partes.
O regime de adequação, aprovado por meio da Decisão CMC n° 22/94,
previa que os produtos inicialmente excluídos do livre comércio teriam um prazo de
cinco anos para atingirem a alíquota de 0%, no caso de Argentina e Brasil (com a
data limite de 31/12/1998), e cinco anos no caso de Paraguai e Uruguai (data limite
de 31/12/1999).
Como se vê, a exceção representada pelo regime de adequação final consistiu
numa exceção ao livre comércio intrazona, permitindo que se prosseguisse com a
incidência do imposto de importação sobre produtos originários dos Estados Partes.
57

Cada sócio, amparado pelo que dispunha a Decisão CMC n° 22/94 - a qual não
estabeleceu uma quantidade máxima de itens, asseverando apenas que o regime se
aplicaria a um “número reduzido” de mercadorias - incluiu uma quantidade diferente
de produtos em suas listas de adequação49.

b) O Setor Automotivo

O setor automotivo permanece, até o momento, formalmente excluído do


livre comércio entre os Estados Partes. Essa exclusão decorre do fato de que ainda
não houve consenso para o estabelecimento de uma política automotiva comum
dentro do bloco. Trata-se de um dos itens mais importantes da chamada “agenda não
cumprida” do Mercosul. Cumpre lembrar que no universo do setor automotivo estão
incluídos não apenas veículos, mas também autopeças.
É fundamental ter em mente, da mesma forma, o peso que tem o comércio de
produtos desse setor na balança comercial bilateral entre Argentina e Brasil. Em
2007, por exemplo, o conjunto de produtos do setor automotivo respondeu por mais
de um terço das exportações brasileiras para a Argentina, segundo dados MDIC.
A situação do setor automotivo é peculiar: trata-se de um segmento em que o
comércio intrazona é administrado. Isso significa que os Estados Partes podem
estabelecer acordos bilaterais, definindo como se dará o comércio entre eles. Em
geral, são estabelecidas regras que almejam fundamentalmente evitar o desequilíbrio
nas trocas comerciais bilaterais. Acordos dessa natureza foram celebrados pelo
Brasil com a Argentina e o Uruguai. Cumpre notar que tais acordos, justamente por
serem bilaterais, não consubstanciam normas do Mercosul, integrando-se, do ponto
de vista jurídico, aos Acordos de Complementação Econômica n° 14 (Argentina –
Brasil) e n° 2 (Brasil – Uruguai), e não ao ACE n° 18 (o qual, como visto, constitui a
base jurídica das relações econômicas do bloco).
Em 2000 foram concluídas as negociações para o estabelecimento de uma
Política Automotiva do Mercosul (PAM), por meio da aprovação da Decisão CMC

49
As listas apresentadas pelos Estados Partes contaram com o seguinte número de itens: Argentina – 207;
Brasil – 29; Paraguai – 435; Uruguai – 952.
58

n° 70/00. Segundo essa norma, o livre comércio para o setor automotivo teria início
em 2005, prazo que acabou não sendo cumprido, sobretudo em função dos
problemas econômicos que afetaram a economia argentina a partir do final de 2001.
A PAM encontra-se, no momento, em processo de revisão.
A Decisão CMC n° 70/00 previa que a alíquota da TEC para a importação de
veículos passaria a ser de 35%. Além disso, estabelecia que entre 2001 e 2005
haveria entre Brasil e Argentina um “regime de transição” baseado no comércio
regulado50: os produtos do setor automotivo poderiam ser comercializados sem
pagamento de tarifa (isto é, com preferência tarifária de 100%), desde que
cumpridas certas condições. Essas condições resumem-se essencialmente à
existência de um certo equilíbrio entre as importações e exportações de cada país.
Esse “equilíbrio” é determinado pelo chamado “coeficiente de flexibilidade” ou
“coeficiente de desvio”, conhecido simplesmente como flex. Segundo esse
instrumento, quanto mais um país importa do país vizinho, mais terá direito a
exportar sem pagar tarifas. Caso o Estado Parte exporte excessivamente, sem em
contrapartida importar um número mínimo de produtos de seu parceiro, uma parcela
dessas exportações estará sujeita à incidência de tarifa.
O flex é determinado por um coeficiente. Suponhamos um flex de 2 (dois).
Nesse caso, a cada 1 dólar exportado para a Argentina, o Brasil poderá importar 2
dólares sem pagar tarifa, e vice-versa. Se num determinado período o Brasil
exportou US$ 1 milhão, poderá importar até US$ 2 milhões com preferência de
100%. Caso as importações atinjam US$ 3 milhões, por exemplo, o US$ 1 milhão
excedente estará sujeito ao pagamento de tarifa, a qual, segundo o acordado na
Decisão CMC n° 70/00, corresponde a 70% da TEC no caso dos veículos e 75% da
TEC no caso de autopeças. O flex estabelece, como se vê, uma “margem controlada”
de desequilíbrio.
O acordo automotivo atualmente vigente entre Brasil e Argentina51 prevê um
flex assimétrico (de 1,95 para a Argentina e de 2,5 para o Brasil), de modo a
possibilitar uma maior equilíbrio no comércio entre os dois países (a Argentina

50
“Informe MERCOSUR” n° 10. Buenos Aires, BID-INTAL, 2006, p. 64.
51
38° Protocolo Adicional ao ACE-18.
59

poderá, em tese, exportar mais produtos com tarifa de 0% ad valorem). O acordo


mantém a determinação de que os dois países dotem uma política tarifária comum
para a importação de autopeças de terceiros países. A TEC para partes e peças oscila
entre 8% e 16%, mas o próprio acordo automotivo bilateral prevê a concessão de
reduções tarifárias a 2% para a importação desses itens, quando destinados à
produção.
Por fim, cabe lembrar que os países deverão pôr-se de acordo com relação ao
conteúdo regional mínimo de partes e peças para que os veículos comercializados no
âmbito do bloco se beneficiem do livre comércio. O acordo bilateral, assinado em
junho de 2008, terá validade até 30 de junho de 2014, na expectativa de que até essa
data os Estados Partes já terão acordado uma política automotiva comum.
O atual acordo bilateral com o Uruguai foi assinado em julho de 200852,
também com vigência prevista até 2014, e mantém a existência de quotas para o
comércio de produtos do setor. Dentro das quantidades estipuladas, os produtos
comercializados contarão com preferência tarifária de 100%.
Mais de quinze anos após a constituição do bloco ainda prosseguem, desse
modo, as conversações para a efetiva inclusão do setor automotivo na união
aduaneira. Cumpre lembrar que, apesar de não haver propriamente livre comércio
nesse segmento, parte do intercâmbio comercial se dá, como visto, sem o pagamento
de tarifa, haja vista os acordos bilaterais celebrados entre os países do bloco, com
exceção do Paraguai.

c) O setor açucareiro

O setor açucareiro também está excluído do livre comércio desde a


constituição do Mercosul. Trata-se de um produto sensível para os países vizinhos,
especialmente para a Argentina (cuja produção concentra-se no norte do país,
especialmente nas províncias de Tucumán, Salta e Jujuy), havendo grandes receios
com relação à possível competição com o Brasil. Por essa razão ainda persiste, nos

52
68° Protocolo Adicional ao ACE-2.
60

países vizinhos, um elevado grau de proteção tarifária para o açúcar e seus


derivados.
Ainda em 1994, na fase final dos debates para o estabelecimento da união
aduaneira, os Estados Partes decidiram aprovar a Decisão CMC n° 19/94. Essa
decisão incumbia um Grupo “Ad Hoc” de apresentar proposta para a inclusão do
setor açucareiro na união aduaneira, tendo presente basicamente dois elementos: a) a
liberalização gradual do comércio intrazona e b) a “neutralização de distorções que
possam resultar de assimetrias entre as políticas nacionais para o setor açucareiro”.
Trata-se, em verdade, de dois pontos correlatos: a efetiva liberação do comércio dos
produtos do setor açucareiro estaria vinculada à redução de possíveis efeitos
deletérios das políticas estatais de incentivo (como concessão de benefícios fiscais)
pelos Estados Partes do bloco.
A efetiva inclusão do setor açucareiro na união aduaneira deveria dar-se “até
2001”, no contexto da eliminação de todas as demais exceções ao livre comércio e à
TEC. Essa mesma Decisão autorizava os Estados Partes a manterem suas políticas
tarifárias nacionais, assinalando, porém, que o tratamento dado às importações dos
sócios não poderia ser mais gravoso que aquele aplicado às importações de terceiros
países.
As negociações levadas a cabo no âmbito do Grupo “Ad Hoc” não
avançaram, tendo em vista fundamentalmente as divergências entre Brasil e
Argentina sobre o tratamento a ser dispensado à matéria. O Governo argentino
ponderou, em síntese, considerar não existirem condições para uma competição
eqüitativa no âmbito do bloco, razão porque os Estados Partes deveriam preservar
sua liberdade para manter barreiras tarifárias ao comércio intrazona. Desde os anos
90 o Governo argentino impõe uma tarifa móvel às importações do açúcar, cujo piso
é de 20%, podendo atingir patamares mais elevados de acordo com a cotação do
produto no mercado internacional.
De maneira similar ao que acontece com o setor automotivo, é possível,
portanto, distinguir a existência de um interesse ofensivo do Brasil nesse tema,
propugnando pela implementação do livre comércio, e, de outro lado, um interesse
61

defensivo da Argentina (e, em menor escala, também dos demais sócios), baseado
na proteção de sua produção doméstica.
No final de 1999, o Brasil apresentou reclamação à Comissão de Comércio
do Mercosul contra a edição, pela Argentina, da Lei n° 24.822/97, que vedava a
redução de tarifas no comércio intrazona enquanto perdurassem as supostas
distorções resultantes das ajudas estatais brasileiras ao setor sucro-alcooleiro. Não
houve consenso dos dois Estados Partes com relação à revogação da medida, tendo a
Argentina manifestado novamente seu entendimento de que existem assimetrias de
políticas relativas ao setor que inviabilizariam sua efetiva incorporação à união
aduaneira.
Em 2000, no marco do “relançamento” do Mercosul, os Estados Partes
renovaram a ambição de promover a inclusão do setor sucro-alcooleiro na união
aduaneira. O Brasil chegou a apresentar proposta no âmbito do Grupo “Ad Hoc”,
segundo a qual teria início ainda em 2000 um cronograma de desgravação tarifária,
até o estabelecimento final do livre comércio em 2002. Os Estados Partes teriam, a
partir desse ano, uma tarifa externa comum de 16% para o setor. A Argentina e o
Paraguai acabaram explicitando discordâncias com relação à proposta brasileira53.
As negociações entre os países do bloco não evoluíram desde então.
A incorporação do açúcar à união aduaneira é particularmente importante
para o Brasil em virtude de sua tradicional demanda, em âmbito multilateral, pela
liberalização do comércio de produtos agrícolas. A exclusão desse importante
segmento do Mercosul pode ser vista, desse ponto de vista, como antagônico com os
objetivos brasileiros mais amplos no cenário das negociações econômicas
multilaterais.

2.5) Exceções à TEC

53
“Informe Mercosul” n° 6. Buenos Aires, BID-Intal, 2000, p.56.
62

As exceções à TEC permitem que os Estados Partes apliquem alíquotas do


imposto de importação diferentes daquelas formalmente acordadas e
consubstanciadas nas normas do bloco.
É importante salientar que no Mercosul todas as exceções autorizadas são
temporárias, no contexto do esforço de se eliminar as chamadas “perfurações” às
disciplinas da união aduaneira.

a) Bens de Capital e Bens de Informática e Telecomunicações

Além do regime de adequação final à união aduaneira, que permitia a


exclusão, durante um período de tempo limitado, de determinados produtos do
processo de liberalização do comércio, permitiu-se aos Estados Partes adotarem
alíquotas diferentes na TEC – situação que persiste até hoje, como veremos em
tópico posterior – para dois setores específicos: o de Bens de Capital (BKs) e o de
Bens de Informática e Telecomunicações (BITs). Nesses dois segmentos, a grande
diferença de interesses entre os Estados Partes impediu, inicialmente, a aplicação de
uma tarifa comum.
Esse contraste de interesses radica no fato de que a produção dessas duas
categorias de bens está concentrada no Brasil, levando-o a postular a adoção
alíquotas mais elevadas com o objetivo de aumentar a proteção à indústria
doméstica. Os demais sócios demandam, por sua vez, alíquotas mais reduzidas.
Essas divergências se explicitaram já durante a negociação inicial dos níveis da
TEC.
Acordou-se, então, que inicialmente os Estados Partes poderiam aplicar
tarifas diferentes, tendo que dar início, a partir de 1995, a um processo de
convergência de alíquotas, até que se atingisse, em 2001, uma tarifa comum de 14%
para o setor de BKs, e, em 2006, uma tarifa comum de 16% para o setor de BITs.
Esses prazos não foram cumpridos, tendo sido sucessivamente prorrogados, o que
63

significa, concretamente, que cada um dos membros do bloco está autorizado a


aplicar tarifas diferentes para produtos desses dois setores54.

a.1) A política brasileira de “Ex-tarifários”

Tendo em vista a possibilidade de que os Estados Partes pratiquem tarifas


distintas para BKs e BITs, o Brasil decidiu lançar mão de um mecanismo específico,
a política de “Ex-tarifários”55, a fim de reduzir as alíquotas - em geral a 2% -
incidentes sobre produtos desses setores que não são produzidos no país. Trata-se de
uma forma de estimular investimentos privados em seu parque produtivo. Na
hipótese de uma empresa apresentar projeto de investimento que exija a importação
de BKs ou BITs não produzidos no Brasil, a CAMEX, caso aprove o pleito, cria um
“Ex”, espécie de “destaque” no código da NCM que conta com uma descrição
específica.
O “Ex” é na verdade uma “exceção” à tarifa vigente para determinado
código. Essa “exceção” aplica-se apenas para um produto específico, com
especificações técnicas bem detalhadas. Isso deve à circunstância de que um código
da NCM pode ser bem genérico -como, por exemplo, o código 8408, que se refere a
“motores de pistão, de ignição por compressão”. Dentro dessa descrição enquadram-
se diferentes tipos de motores, cada um com características técnicas próprias. Mais
importante: nessa descrição podemos ter, a depender das especificações técnicas,
produtos fabricados e não fabricados no país. Para aqueles que contam com
produção nacional, o lógico é que seja observada a alíquota prevista na TEC (em
geral de 14%). Para os bens não produzidos (sem similar nacional) – e que sejam
importantes para a indústria nacional – é possível que se conceda, por meio de um
“ex” (exceção), uma redução tarifária.
O mecanismo de “Ex-tarifários” foi estabelecido em 1990, tendo aumentado
progressivamente de importância desde então. Durante um breve lapso de tempo, em

54
Em dezembro de 2008, o Conselho do Mercado Comum decidiu, por meio da Decisão n° 58/08, prorrogar
até 31 de dezembro de 2010 a autorização para que os Estados Partes pratiquem tarifas distintas para os
setores de BKs e BITs.
55
Atualmente regulamentada pela Resolução CAMEX N° 35, de 22 de novembro de 2006.
64

1997, foram revogadas os benefícios tarifários concedidos, tendo sido reintroduzidos


logo depois56.
Dentre os critérios que norteiam a análise técnica dos pedidos de “Ex-
tarifário”, destacam-se a relevância do investimento a ser feito para o incremento da
competitividade e da infra-estrutura da economia e para o aumento das exportações
brasileiras. Antes de ser submetida à aprovação da CAMEX, essa análise técnica é
levada a cabo no Comitê de Análise de “Ex-tarifários” (CAEX), que funciona no
âmbito do MDIC.
No exemplo abaixo, temos um exemplo de “Ex-tarifário” criado na NCM
8427.90.00, relativa ao BK “outros tipos de empilhadeiras; veículos para
movimentação de carga e semelhantes, equipados com dispositivos de elevação”. A
descrição desse código é ampla, contemplando uma grande diversidade de produtos.
O “Ex-tarifário” conta com uma descrição bem mais específica, explicitando as
especificações do equipamento (como sua altura, alcance e capacidade de carga) e
suas funções:

Exemplo de “Ex-tarifário”
842790 - Outros (“empilhadeiras, veículos para movimentação de carga e 14%
00 semelhantes, equipados com dispositivos de elevação”)
Ex 30/6/2009 Plataformas de elevação para trabalhos aéreos, 2%
001 autopropulsadas, sobre esteiras de borracha, dotadas de
braço telescópico com rotação de 360º, com altura
máxima de trabalho compreendida entre 12,25 e 13,90m,
alcance horizontal máximo de trabalho entre 5,42 e 6,76m
e capacidade de carga sobre a plataforma de trabalho
compreendida entre 120 e 200kg

Em geral, os “Ex tarifários” contam com alíquotas de 2%, que é aquela


aplicável, de maneira geral, a bens não produzidos. Alguns poucos – considerados
“Ex tarifários” especiais – contam com alíquota de 0% (é o caso, por exemplo, de
BKs relacionados ao setor de saúde ou de BITs relevantes para o setor de TV
digital).

56
Piani, Guida e Miranda, Pedro. “Regimes Especiais de importação e “Ex-tarifários”: o caso do Brasil”. Rio
de Janeiro, IPEA, texto para discussão n° 1249, 2006.
65

Em 2009, havia no Brasil mais de 2000 “Ex-tarifários” vigentes. É importante


ressaltar que esse número não se refere à quantidade de NCMs, dado que um mesmo
código NCM pode conter diversos “Ex”. Além dos chamados “Ex-tarifários”
simples, que se referem a um BK ou BIT, existem também os “Sistemas
Integrados”, que consistem num conjunto de BKs e BITs que funcionam em
conjunto, como se constituíssem um único equipamento. A partir do que foi exposto,
podemos sintetizar as características principais desse instrumento:

Ex-tarifários: características
a) seu objetivo é o de promover reduções de alíquotas da TEC, geralmente a
2%, o que estimula importações Bens de Capital (BKs) e Bens de
Informática e Telecomunicações (BITs) não produzidos localmente e
associados a projetos de investimento que modernizam o parque produtivo
nacional;
b) essa redução tarifária por meio de uma política nacional só é possível em
virtude do fato de que ainda não existe, no Mercosul, um regime tarifário
comum para BKs e BITs;
c) consistem num “destaque” da NCM, com uma descrição mais detalhada;
d) a instituição de “Ex tarifários” ocorre por meio de Resolução da CAMEX
e toma em consideração critérios como a contribuição das importações
para a competividade do setor, para o aumento das exportações nacionais
e para a melhoria da infra-estrutura da economia;
e) seu prazo de vigência é normalmente de 2 (dois) anos.

Se de um lado o Brasil lança mão de sua política de “Ex-Tarifários”, por


outro os demais Estados Partes contam com uma gama de benefícios que lhes
permitem importar BKs e BITs com custo reduzido. A Argentina usufrui, desde
200157, de um “waiver” para a importação de uma série (cerca de 700 linhas
tarifárias) de BKs. Esse benefício lhe foi concedido na esteira da crise econômica

57
Cf. Decisão CMC N° 01/01.
66

que se abateu sobre o país no início da década e procurava atender às necessidades


do país de manter a competitividade de sua economia. Embora sua validade devesse
se estender apenas até o final de 2002, e foi sucessivamente prorrogado. A última
prorrogação, até o final de 2010, ocorreu em dezembro de 200858.
Já Paraguai e Uruguai também estão autorizados a praticar alíquotas
reduzidas, inclusive de 0%, para BKs, BITs e insumos agropecuários59.
Essas diferentes políticas nacionais para BKs e BITs são, à luz do que
dispõem as normas do Mercosul, temporárias. Espera-se, como veremos a seguir,
que haja uma harmonização de tarifas nesses segmentos. Caso esse objetivo se
concretize, a política brasileira de “Ex-tarifários” deverá ser substituída por um
mecanismo comunitário que permita redução de alíquotas para bens não produzidos
pelos países do bloco.

a.2) O debate sobre regimes comuns para BKs e BITs

A aplicação pelos Estados Partes de tarifas distintas para os setores de BKs e


BITs constitui, desde a criação do Mercosul, um dos principais obstáculos para a
consolidação da TEC. A despeito das dificuldades, os Estados Partes seguem
discutindo alternativas para o estabelecimento de regimes comuns nesses dois
segmentos.
As discussões tiveram lugar, a partir de 2001, no âmbito do “Grupo de Alto
Nível para Examinar a Consistência e Dispersão da TEC” (GANTEC). Esse Grupo,
criado por meio da Decisão CMC N° 05/01, tinha o mandato de rever a estrutura
tarifária, inclusive com vistas à redução dos “níveis de proteção” (ou seja,
diminuição de alíquotas), para BKs e BITs. A força motriz para a criação desse foro
foi a possibilidade de se atingir um consenso entre os Estados Partes a respeito a
redução, ainda que não substancial, da TEC para esses dois setores, o que poderia
levar a um acordo entre o Brasil, de um lado, e os três demais sócios, do outro.
Tendo se reunido poucas vezes desde aquele ano, o GANTEC acabou sendo, na

58
Cf. Decisão CMC N° 58/08.
59
Cf. Decisões CMC N° 32/03 e N° 58/05.
67

prática, desativado, já que em dezembro de 2008, por meio da Decisão CMC N°


58/08, foi criada nova instância - o Grupo “Ad Hoc” para os setores de Bens de
Capital e de Bens de Informática e Telecomunicações (GAH BK/BIT) - , com
mandato idêntico ao do GANTEC.
Tanto o GANTEC quanto o novo Grupo “Ad Hoc” têm como desafio
debruçar-se sobre duas questões que guardam estrita relação entre si: a) rever a
estrutura tarifária para BKs (cuja alíquota modal, tal como definida pela TEC de
1995, é de 14%) e para BITs (alíquota modal de 16%) e b) estabelecer regimes
comuns para a importação de bens desses dois setores.
No que se refere à primeira questão, os Estados Partes lograram aprovar, em
2003, um regime comum para a importação de bens de capital não produzidos no
âmbito do Mercosul (Decisão CMC N° 34/03). Esse regime previa a elaboração de
uma lista comum de produtos que não contam com produção em nenhum dos países
do bloco. Os BKs constantes dessa lista teriam alíquotas de 0%. Não havendo
consenso para a inclusão de determinado produto na lista, o país solicitante poderá
mantê-lo numa lista nacional de BKs não produzidos, com alíquota de 2%. Essa lista
nacional terá, em princípio, uma validade de apenas 2 (dois) anos. Decorrido esse
período, só poderão ser importados com redução tarifária os bens constantes das
listas nacionais. O regime comum para BKs não produzidos deveria estar
operacional em 2006, mas sua entrada em vigência foi postergada por duas vezes,
estando prevista atualmente para 1° de janeiro de 201160.

b) As Listas Nacionais de Exceções à TEC

As Listas Nacionais de Exceções constituem uma “perfuração” autorizada da


TEC. Cada Estado Parte tem a liberdade de estabelecer, para um número
determinado de produtos, alíquotas superiores ou inferiores à da tarifa comum. O
número de produtos que podem ser incluídos tem variado desde a criação do

60
Decisão CMC N° 59/08.
68

Mercosul. De 1995 a 2001 cada Estado Parte teve direito de manter listas com até
300 itens. A partir de então esse total foi reduzido para 100 itens.
É importante frisar que essas cifras se referem à chamada lista “comum”, a
que todos Estados Parte têm direito. Em virtude do tamanho de sua economia e das
características de seu setor produtivo, Paraguai e Uruguai têm direito a um número
adicional de exceções à TEC, além dos 100 itens comuns. Ao Paraguai foram
concedidos 399 itens adicionais, em virtude da Decisão CMC n° 07/94, e a outros
150 itens em decorrência da Decisão CMC n° 31/03. Já o Uruguai pode manter 125
itens adicionais, também em função do disposto na Decisão CMC n° 31/03. Essas
exceções adicionais são válidas atualmente até 31 de dezembro de 2010.
Como se verá em tópico à parte, as exceções adicionais atribuídas a Paraguai
e Uruguai têm como objetivo fundamental dar maior flexibilidade às duas
economias menores do bloco, permitindo-lhes atender às demandas de setores
específicos de seu parque produtivo.
As listas nacionais de exceções consubstanciam, na verdade, uma espécie de
“válvula de escape” para acomodar interesses conflitantes dos Estados Partes. Além
disso, há casos em que situações nacionais específicas tornam conveniente uma
redução ou elevação temporária do imposto de importação para produtos
específicos. Essa conjuntura especial, que não justifica uma modificação definitiva
da TEC por se referir às particularidades de apenas um Estado Parte, é atendida
normalmente pela lista de exceções. Embora a inclusão ou exclusão de produtos seja
atribuição exclusiva dos Estados Partes, é fundamental ter em mente, no entanto,
que as modificações nas listas nacionais devem atender a duas regras fundamentais:

a) as listas devem ser modificadas uma vez por semestre, nos meses de
janeiro e julho. Desse modo, dá-se maior previsibilidade e transparência
ao processo. Além disso, evita-se que os órgãos de governo responsáveis
pela questão estejam constantemente recebendo solicitações relativas à
inclusão e/ou exclusão de produtos;
69

b) as alterações semestrais devem observar um limite quantitativo: são


permitidas no máximo 20 modificações por semestre.

No caso do Mercosul, as Listas Nacionais de Exceções foram concebidas


como um instrumento temporário. Como se assinalou anteriormente, previa-se sua
extinção no ano de 2001, momento em que se esperava a eliminação de todas as
“perfurações” à TEC. Desde então houve prorrogações sucessivas. Consoante a
última norma aprovada sobre o tema - Decisão CMC n° 59/07 -, as listas de
Argentina e Brasil terão validade até 31 de dezembro de 2010. No entanto, deveria
ter início em 1° de fevereiro de 2009 um cronograma de redução do número itens
(93 itens a partir dessa data; 80 itens a partir de 1° de fevereiro de 2010 e 50 itens a
partir de 1° de agosto de 2010). Já Paraguai e Uruguai, na esteira das flexibilidades
já indicadas, poderão manter 100 itens até 31 de dezembro de 2015.
No Brasil a lista de exceções é confeccionada no âmbito de Grupo Técnico
Interministerial, cabendo a decisão final à CAMEX. O Grupo Técnico normalmente
recebe pleitos apresentados pelos setor privado ou por órgãos de governo e avalia a
sua pertinência. A lista final é publicada por meio de Resolução da CAMEX.

2.6) Os Regimes Especiais de Importação

Os regimes especiais de importação permitem que sejam realizadas


importações com isenção ou redução da TEC, desde que os produtos sejam
destinados a uma determinada categoria de beneficiários ou estejam vinculados a
uma finalidade específica. No primeiro caso se enquadram, a título de ilustração, as
isenções de imposto de importação para agentes diplomáticos. No segundo estão,
por exemplo, as isenções concedidas, no Brasil, à importação de equipamentos
destinados ao treinamento de atletas.
Os regimes especiais de importação constituem, desse modo, uma
modalidade de “perfuração” da TEC. É necessário, por essa razão, que haja uma
harmonização do tratamento do tema no âmbito do Mercosul, especialmente em face
70

da circunstância de que os regimes hoje existentes nos países do bloco são


estritamente nacionais, tendo sido estabelecidos por meio de ato legislativo interno
de cada um dos Estados Partes. Isso significa, na prática, que os países criaram, por
meio de legislações nacionais, “perfurações” à TEC, não havendo um controle
comunitário sobre esse processo.
Harmonizar os regimes de importação ou eliminar aqueles estabelecidos
unilateralmente fortaleceria a união aduaneira ao tornar iguais as condições de
competição entre as empresas de cada um dos Estados Partes. O fato de qualquer
dos países poder contar com uma gama maior de regimes especiais, concedendo
isenções tarifárias para determinadas atividades, acaba por desequilibrar as
condições de concorrência intrazona, fazendo com que bens importados
(especialmente insumos) tenham custos diferentes em cada um dos países do bloco.
Em segundo lugar, mas não menos importante, a existência dos regimes nacionais
fragiliza a observância da TEC, gerando uma série de “perfurações” e erodindo as
preferências que deveriam gozar os produtos de intrazona em face daqueles
importados de terceiros países ou blocos.
O fato de que os regimes especiais de importação contribuem para fragilizar
a TEC levou os Estados Partes a iniciarem discussões para sua progressiva
eliminação e/ou harmonização. Em 2000, no contexto da “agenda de relançamento”
do Mercosul, o CMC aprovou a Decisão N° 69/00, norma que se tornou referência
na matéria, determinando a eliminação, a partir de 1° de janeiro de 2006, de todos os
regimes especiais de importação adotados unilateralmente. Esse prazo não foi
cumprido, tendo sido sucessivamente prorrogado. A última norma aprovada sobre o
tema, a Decisão CMC N° 57/08, não dispõe que os Estados Partes deverão eliminar
os regimes unilaterais, mas apenas que o GMC deverá definir, até 31 de dezembro
de 2010, o tratamento a ser dado a eles.
Cabe registrar que a referência à eliminação se refere apenas aos regimes
unilaterais que não são expressamente tolerados. Em 2006, os Estados Partes
acordaram uma lista de regimes nacionais que, por sua pequena materialidade
econômica ou finalidade social, poderiam ser mantidos. Esse é o caso, que citamos
71

apenas para ilustrar, do regime brasileiro que isenta de tributação a importação de


bens destinados a urnas eletrônicas. A lista de regimes tolerados consta do anexo da
Decisão CMC N° 03/06 e pode ser modificada por meio de Diretriz da CCM.
Além da eliminação de regimes nacionais, as normas do Mercosul têm
previsto também a necessidade de harmonização desses mecanismos por meio da
criação de regimes comuns. A Decisão CMC N° 02/06 estabeleceu sete setores nos
quais os Estados Partes deveriam trabalhar para criar regimes comuns: naval,
aeronáutico, ciência e tecnologia, saúde, educação, bens integrantes de projetos de
investimento e comércio transfronteiriço terrestre. Até o final de 2008 apenas o
regime comum de ciência e tecnologia havia sido aprovado61. Os demais ainda se
encontravam em fase de discussão no âmbito da CCM.

Admissão temporária e Drawback

Outra espécie de regime especial de exportação ainda é aceita no Mercosul é


o regime de admissão temporária e, no Brasil, o chamado “drawback”. Ambas
modalidades de regimes continuarão sendo aceitas no Mercosul até 2010, nos termos
do que dispôs a Decisão CMC N° 32/03.
Os regimes de admissão temporária permitem a entrada, por um prazo
específico, de mercadorias que venham a cumprir uma finalidade determinada. Há,
nesse caso, suspensão total ou parcial de tributos aduaneiros incidentes na sua
importação, desde que observado o compromisso de que serão reexportadas no
prazo fixado pela legislação aplicável62. Dentre os regimes de admissão temporária
hoje vigentes no Brasil, caberia destacar, a título de ilustração, os referentes a bens
destinados a eventos culturais e científicos; à utilização em feiras, exposições,
congressos ou eventos de promoção comercial; de máquinas ou equipamentos
arrendados para utilização em linhas de produção e de bens necessários ao exercício
temporário de atividade profissional de não residente.

61
Decisão CMC N° 40/08.
62
Em geral de um ano, com possibilidade de prorrogação por igual período.
72

Já o “drawback” existente no Brasil constitui mecanismo que isenta ou


suspende a incidência de uma série de tributos (tais como o imposto de importação,
IPI e ICMS) sobre insumos de mercadorias que serão exportadas. Dessa forma, as
empresas estabelecidas na região podem, até o prazo estipulado, exportar para seus
sócios no bloco mercadorias cujos insumos contaram com isenção ou suspensão de
impostos.
Na prática, o mecanismo brasileiro de “drawback” é denominado nos
demais países do Mercosul de “regime de admissão temporária”. A diferença
terminológica não nos impede de afirmar, porém, que os dois regimes permitem a
suspensão de impostos incidentes sobre mercadorias que têm prazo de permanência
definido no país. Desse modo, as empresas voltadas para a exportação têm a
possibilidade de importar insumos e matérias-primas sem o pagamento de tarifas e
outros tributos, desde que se comprometam, num prazo determinado, a vender o
bem final no mercado externo63.
Dentre os principais produtos importados ao abrigo dos regimes de
admissão temporária e “drawback”, podemos destacar materiais de transporte,
máquinas e equipamentos (sobretudo nos dois países mais industrializados,
Argentina e Brasil), material plástico e produtos químicos.
O “drawback” é considerado ferramenta importante para a competitividade
da indústria nacional, ao propiciar redução de custos dos produtos, especialmente os
de maior agregado, que integram a pauta exportadora brasileira.

2.7) O grau de cumprimento da TEC

Como se vê, embora o Mercosul conte formalmente com uma TEC que
abarca todo o universo tarifário, ainda existem discrepâncias entre a TEC vigente e
a TEC efetivamente aplicada, diferença essa decorrente da autorização que têm os

63
Berlinski, Julio e Kume, Honorio. Regímenes Especiales de Importación en el Mercosur: evaluación y
recomendaciones. Montevideo, Estudio n° 007/06 CE ES (a), Sector de Asesoría Técnica, Secretaria del
Mercosur, mimeo., 2006, p. 5.
73

Estados Partes para lançar mão, em alguns casos (BKs, BITs e LETEC, além dos
regimes especiais de importação), de alíquotas distintas.
Essa situação traz à tona o debate acerca do grau de cumprimento da TEC.
Dados de 2004 da Secretaria do Mercosul e das autoridades nacionais dos Estados
Partes indicam que naquele ano cerca de 76% dos itens tarifários cumpriam com a
TEC. Esses itens correspondiam, à época, a aproximadamente 55% do valor total
das importações do Mercosul64.

Grau de cumprimento da TEC


(Número de itens-2004)
Todos os Bens de Bens de Listas Outras
bens Capital Informátic Nacionais fontes
ae de
Telecomuni
ca-ções Exceções
- + - + - + - + - +
Argentina 1010 57 708 0 169 48 95 4 38 5
Brasil 91 314 1 3 19 284 68 27 3 0
Paraguai 1814 65 917 0 269 3 451 62 177 0
Uruguai 1262 15 899 3 259 1 86 10 18 1
Fonte: Baraibar, Mercedes. “Cumplimiento del AEC al 2004”. Documento de Trabalho n° 05/06.
Montevidéu, SAT/SM, mimeo., abril de 2006, p. 12.

A tabela acima indica o número de linhas tarifárias em que cada país do bloco
se afasta da TEC. Os números constituem uma espécie de fotografia que explicita os
diferentes interesses dos Estados Partes em proteger sua indústria (elevando os
níveis da TEC) ou aumentar a competitividade de sua economia por meio da
redução de custos de produtos e insumos importados (redução dos níveis da TEC).
Dos países do bloco o Paraguai é o que mais se desvia da TEC, em geral de
forma negativa (redução), o que significa que as alíquotas fixadas no âmbito
comunitário são consideradas elevadas do seu ponto de vista. Por outro lado, o

64
Baraibar, Mercedes. “Cumplimiento del AEC al 2004”. SAT/SM, Documento de Trabalho n° 05/06.
Montevidéu, mimeo., abril de 2006, p. 14.
74

Brasil é o país com o menor desvio, e, quando ocorrem diferenças, essas são em
geral positivas (alíquotas acima da TEC), o que permite concluir que em alguns
setores a proteção oferecida pela tarifa comum é considerada insuficiente. Já
Argentina e Uruguai constituiriam casos “intermediários”, apresentando desvio
negativo, embora não na mesma proporção que o verificado no caso paraguaio65.
Ilustrando essa situação com números, em 2004 o Paraguai apresentava
apenas 65 itens tarifários com alíquotas acima à da TEC, contando, por outro lado,
com 1814 produtos com alíquotas inferiores. No outro extremo estaria o Brasil, com
apenas 91 itens com desvio negativo e, no entanto, 314 itens com alíquotas
superiores66.
Além disso, os dados indicam que o setor em que se concentram o maior
número de exceções e desvios à TEC é o de Bens de Capital (BKs), representando
39% do total de itens, seguido pelas listas nacionais de exceções (35%) e pelo setor
de Bens de Informática e Telecomunicações (15%)67. No entanto, é necessário notar
que o volume total de importações referentes ao setor de BKs é elevado, o que
contribui para que sua categorização como “principal exceção” decorra não apenas
no número de itens, mas também de sua participação no volume total de
importações.
No segmento de BKs, apenas o Brasil cumpre estritamente as alíquotas
acordadas (4 exceções no total), havendo grande desvio – negativo – nos demais
Estados Partes. Por outro lado, no caso de BITs o Brasil é o país que mais se desvia
das alíquotas estabelecidas (303 exceções, sendo que 284 delas para estabelecer
alíquotas superiores à da TEC)68.
Um levantamento mais atualizado e preciso do grau de cumprimento da TEC
esbarra em alguns obstáculos, como a inexistência de intercâmbio permanente de
dados estatísticos de todos os Estados Partes. Essa troca de informações tende
ocorrer esporadicamente e em resposta a situações específicas, dependendo,
ademais, de que cada um dos membros do bloco forneça os dados relativos ao seu

65
Ibidem, pp. 9-13.
66
Ibidem, p. 12.
67
Ibidem, p. 17.
68
Ibidem, p. 12.
75

conjunto de exceções. A existência de regimes especiais de importação de caráter


estritamente nacional, os quais em geral engendram diversas “perfurações” à TEC,
também obstaculizam um levantamento estatístico mais fidedigno.
No entanto, estudo realizado pela Secretaria do Mercosul em 2005 permite
que efetuemos uma aproximação panorâmica do grau de cumprimento global da
TEC no âmbito do bloco no período de 2003 a 2005:

Grau de cumprimento da TEC (2003-2005)


(número de itens)
2003 2004 2005
Universo NCM
Todos 9590 9750 9797
Cumpre 6840 7259 7462
Grau de cumprimento
(%) 71,3% 74,5% 76,2%
Fonte: In: Baraibar, Mercedes. “Cumplimiento del AEC al 2005”. Documento de Trabalho n°
22/06. Montevidéu, SAT/SM, mimeo., novembro de 2006, p. 17.

Como vimos, as principais fontes de desvio do cumprimento da TEC são as


chamadas “exceções setoriais” (bens de capital e bens de informática e
telecomunicações) e as listas nacionais de exceções. Caso não incluíssemos essas
fontes de desvio no cálculo, o grau de cumprimento do Mercosul atingiria, em 2005,
99,6%69.
Os Estados Partes do Mercosul sempre reconheceram a necessidade de se
aproximarem, o máximo possível, dos patamares estabelecidos na TEC. É por essa
razão que não existem, no agrupamento, “exceções permanentes”: todas elas são
consideradas temporárias e excepcionais e contam com data de extinção. A curta
história do bloco tem demonstrado, no entanto, que algumas dessas exceções –
especialmente aquelas relativas aos setores de BITs e BKs – tendem a persistir ao
longo do tempo, haja vista o evidente desequilíbrio de interesses dos Estados Partes.
Uma projeção realista indica, portanto, que no futuro próximo talvez algumas
exceções sejam reduzidas ou eliminadas - o caso mais provável diz respeito às listas

69
Cf. Baraibar, Mercedes. “Cumplimiento del AEC al 2005”. Documento de Trabalho n° 22/06. Montevidéu,
SAT/SM, mimeo., novembro de 2006, p. 17.
76

nacionais de exceções -, mas outras deverão ter continuidade, a fim de acomodar


interesses conflitantes dos países do bloco.

2.8) Áreas Aduaneiras Especiais

O termo “áreas aduaneiras especiais” designa um conjunto de regimes


aduaneiros que objetivam fomentar o desenvolvimento econômico e industrial de
algumas das regiões de determinado país. Nesse conceito estão incluídas, por
exemplo, as Zonas Francas (ZFs) e as Zonas de Processamento de Exportações
(ZPEs).
No Mercosul, o tema foi tratado por meio da Decisão CMC n° 08/94. Essa
norma estabeleceu que os produtos provenientes de ZFs (comerciais e industriais),
ZPEs e demais áreas aduaneiras especiais sofrerão a incidência da TEC. Dessa
maneira, as mercadorias produzidas em áreas aduaneiras especiais não poderão,
salvo entendimento em contrário dos Estados Partes, usufruir dos benefícios do
livre comércio.
Isso se deve à natureza particular dessas áreas: a fim de atrair investimentos
produtivos, as empresas ali instaladas usufruem de uma série de benefícios fiscais.
Existem três grandes zonas francas no âmbito do Mercosul: a de Manaus, no Brasil;
a da Terra do Fogo, na Argentina, e a de Colônia, no Uruguai.
A Zona Franca de Manaus (ZFM) oferece um conjunto de incentivos fiscais
para as empresas ali instaladas, tais como redução do Imposto de Importação (II),
isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), redução do Imposto de
Renda e tratamento especial no que diz respeito às contribuições sociais (PIS e
COFINS). Na órbita estadual, são oferecidos créditos relativos ao Imposto sobre a
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Amplos benefícios fiscais também
são aplicados nas Zonas Francas da Terra do Fogo e de Colônia.
A fim de evitar que os produtos fabricados nas áreas aduaneiras especiais
provocassem algum tipo de distorção no comércio, a solução contida na Decisão
CMC n° 08/94 – incidência da TEC, como se estivéssemos diante de uma
77

mercadoria de extrazona – foi a que se apresentou mais factível às vésperas do


estabelecimento da união aduaneira. Essa norma admitiu, porém, a possibilidade de
que os Estados Partes pudessem celebrar acordos bilaterais concedendo isenção da
TEC para produtos de suas áreas aduaneiras especiais. O Brasil possui, hoje, acordos
com a Argentina e com o Uruguai.
No caso do acordo com a Argentina, negociou-se, no âmbito do ACE n° 14, a
isenção do pagamento da TEC para os produtos originários da ZFM e da Terra do
Fogo, desde que ostentem selo ou marca de identificação de seu local de produção.
No caso do Uruguai, existe, igualmente, acordo bilateral celebrado no âmbito do
ACE n° 1870, os quais beneficiam uma lista de produtos da ZFM e das ZFs de
Colônia e Nova Palmira. Os produtos deverão cumprir com o Regime de Origem do
Mercosul e ostentar, também, selo identificador de seu local de produção.
Como se vê, o tratamento da matéria no Mercosul ainda é assistemático. A
despeito da previsão contida na Decisão CMC n° 08/94, os Estados Partes têm
negociado, em bases bilaterais, acordos que permitem o não-pagamento da TEC. O
Paraguai tem-se mantido à margem desses entendimentos. O acordo celebrado com
a Argentina, por sua vez, é estritamente bilateral, não tendo relação com o acervo
normativo do Mercosul, já que não foi tratado em nenhum dos órgãos decisórios do
bloco. Cabe ressaltar que foram celebrados acordos também entre Argentina e
Uruguai, envolvendo as ZFs da Terra do Fogo e de Colônia71.
Esse tratamento fragmentário dificulta, inclusive, que se busque uma
harmonização desses regimes no âmbito comunitário. Cabe ressaltar que a Decisão
CMC n° 08/94 estabelecia que a ZFM poderia funcionar até 2013, prazo previsto à
época na Constituição brasileira, mas que veio a ser posteriormente prorrogado até
2023.
Seria conveniente, portanto, uma revisão da norma Mercosul sobre a matéria,
a fim de ajustá-la à realidade do comércio intrazona. Trata-se, porém, de tarefa
politicamente sensível, haja vista a resistência dos Estados Partes, sobretudo

70
Cf. Decisão CMC N° 60/07.
71
Cf. Decisão CMC N° 09/01. Essa decisão permite que o Uruguai venda à Argentina quota de 2.000
toneladas do produto “xarope”. A Argentina, por sua vez, poderá exportar até US$ 20 milhões de produtos
originários da Área Especial da Terra do Fogo.
78

Paraguai e Uruguai, em aceitar condições de acesso diferentes para produtos


fabricados nas duas maiores ZFs do bloco, Manaus e Terra do Fogo.
Um dos aspectos centrais da questão não é exatamente as exportações de
produtos das ZFs para os países vizinhos, a qual não chega a ser representativa (as
exportações de Manaus para o bloco representaram 4% do total em 200572), mas
sobretudo o fato de que essas áreas especiais abastecem também o mercado interno
dos países, o que pode gerar impactos na concorrência, ademais de levar à
persistência de “perfurações” à TEC.
Num cenário ideal, os Estados Partes deveriam negociar um acordo
quadrilateral estabelecendo novas condições de acesso para os produtos fabricados
nas áreas aduaneiras especiais, vinculando-se, por exemplo, a isenção de pagamento
da TEC ao cumprimento do regime de origem do Mercosul. Embora propostas
como essa já tenham sido discutidas entre os Estados Partes, ainda não se esboçou
um consenso para a modificação das condições de acesso de produtos provenientes
das ZFs e demais áreas aduaneiras especiais. Eventual harmonização da legislação
aplicável à criação e ao funcionamento desses regimes ainda parece ser trabalho de
longo prazo, dada a relação direta que mantêm com questões tributárias igualmente
pendentes de harmonização no âmbito do bloco.

2.9) Administração da TEC

Após a adoção da TEC, os Estados Partes do Mercosul perderam o direito de


efetuar modificações unilaterais em suas alíquotas de imposto de importação. As
políticas tarifárias nacionais deixaram de existir, dando lugar a uma política tarifária
comum, negociada com os demais sócios do bloco. Essa foi uma das mais
substanciais transformações produzidas pelo processo de integração.
Como ponderamos anteriormente, a TEC não é estática. As freqüentes
mudanças na conjuntura econômica e no setor produtivo tornam necessárias
modificações mais ou menos amplas em sua estrutura. As alterações podem ser

72
Palhares, Gustavo Horta. “Las Zonas Francas del Mercosur: Manaos, Tierra del Fuego y Colonia”.
Documento de Trabalho n° 020/06. Montevidéu, SAT/SM, mimeo., 2006, p. 3.
79

“pontuais” – assim chamadas por se referirem a um único ou a um pequeno grupo de


produtos – ou mais extensas, podendo, em algumas hipóteses, contemplar capítulos
inteiros da NCM. No caso de alterações mais significativas, não é incomum que o
tema seja, por sua sensibilidade política, tratado diretamente no âmbito do CMC73.
Em termos formais - e segundo disposto no Tratado de Assunção -, é o próprio
CMC que tem a competência para deliberar acerca de modificações na TEC. No
entanto, por intermédio da Decisão CMC n° 07/94 essa competência foi delegada
para o GMC (GMC).
De acordo com a prática estabelecida no bloco, cabe à CCM discutir apenas
aspectos técnicos relacionados a modificações pontuais da TEC, não tendo esse
órgão poder decisório nessa matéria. A alteração final, no caso dessas modificações
pontuais, deve ser aprovada por meio de Resolução do GMC, e, como dissemos, em
hipóteses excepcionais, a depender da amplitude das mudanças e de sua relevância
política, algumas alterações podem ter lugar no âmbito do próprio CMC.
As propostas de modificações pontuais na TEC são corriqueiras. Seu locus
inicial de exame é o Comitê Técnico N° 1 (CT N° 1), órgão subordinado à CCM
cujas competências serão descritas em capítulo à parte. O CT N° 1 discute não só
mudanças de alíquotas - tendo como critério norteador básico (embora não
formalizado oficialmente) a existência ou não de produção regional da mercadoria -,
mas também a abertura de novos códigos na NCM. O fato é que ainda não existem,
no Mercosul, critérios oficiais para apreciar os pedidos de modificação tarifária
muitas vezes dificulta as discussões, já que cada país utiliza argumentos ad hoc para
rechaçar ou acolher solicitações dos países vizinhos. A simples existência ou não de
produção local é critério genérico e sem força vinculante, uma vez que, em algumas
situações, pode-se alegar que o início da produção em outro país não seria motivo
suficiente para se acatar pleito de elevação tarifária, seja porque essa produção
supostamente não atende a determinadas especificações técnicas, seja porque sua
escala não seria capaz de satisfazer toda a demanda regional. Por trás desses
argumentos pode estar, ainda, o entendimento de que a aquisição do produto de

73
A elevação da TEC para produtos têxteis, calçados e confecções realizada em 2007 foi formalizada por
intermédio de Decisão do CMC (N° 37/07).
80

empresa da região pode acarretar elevação de custos, uma vez que o fornecedor de
extrazona pode ser capaz de vendê-lo a preços menores.
A administração da TEC pode ser, portanto, um exercício difícil também no
plano técnico. Alguns ensaios foram realizados nos últimos anos para se definir
critérios comuns para análise de pedidos de modificação tarifária. Para redução
tarifária, por exemplo, exigir-se-ia a inexistência de produção regional e um impacto
positivo para o consumidor ou para redução de custos na produção de outros bens.
Já para elevação tarifária exigir-se-ia o início efetivo de produção regional, bem
como a comprovação de que a empresa local tem capacidade de atender a um nível
mínimo do consumo dos Estados Partes. O debate para o estabelecimento desses
critérios acabou não prosperando no âmbito da CCM, haja vista as divergências de
visões entre os países do bloco.
Nos dez primeiros anos da união aduaneira foram efetuadas 766 modificações
nas alíquotas da TEC (585 reduções; 151 elevações e 30 modificações
“ambíguas”74). A maior parte dos itens da NCM não foi submetida a nenhum tipo de
mudança. Uma primeira e superficial leitura dos números indica ser mais difícil
haver uma elevação dos níveis tarifários, sobretudo pela dificuldade de se alcançar
consenso entre os Estados Partes, uma vez que Paraguai e Uruguai, as duas
economias menores, têm certa resistência a elevar ainda mais os patamares da TEC
hoje existentes, tendo em conta seus eventuais impactos na competitividade da
indústria local (especialmente daquelas que dependem de insumos importados).

2.10) Medidas Excepcionais no Âmbito Tarifário

Ademais das listas nacionais de exceções - cuja função central é, como visto,
oferecer aos Estados Partes a possibilidade de acomodar interesses nacionais em
matéria tarifária -, os Estados Partes do Mercosul também acordaram, em 1996, criar

74
Em alguns casos, um item da NCM pode passar por alterações para dar origem a dois ou mais novos itens,
com alíquotas menores ou superiores ao original. Quando os novos itens têm tanto alíquotas superiores quanto
inferiores, diz-se que a alteração foi ambígua. Os dados em tela foram extraídos de Lalanne, Alvaro. “Arancel
Externo Común 1995-2005: Estructura y Evolución”. Documento de Trabalho n° 012/05, SAT/SM, dezembro
de 2005, p. 14.
81

um mecanismo para possibilitar reduções tarifárias temporárias especificamente para


casos de desabastecimento.
A partir de 2000 o tema veio a ser disciplinado pela Resolução GMC n°
69/00. Essa norma estabelecia que as medidas pontuais deveriam ser adotadas num
contexto de “impossibilidade de abastecimento normal e fluido na região,
decorrentes de desequilíbrios de oferta e de demanda”75. Configurando-se a situação
de desabastecimento, pode o Estado Parte afetado pleitear a redução tarifária
temporária para o produto correspondente.
Em 2008 foi aprovada nova norma, a Resolução GMC n° 08/08, que ampliou
as hipóteses em que se poderá pleitear redução tarifária em razão de
desabastecimento. Essa norma reflete a experiência dos Estados Partes na matéria,
segundo a qual em diferentes circunstâncias a redução tarifária temporária é cabível,
mesmo que não se enquadre em casos clássicos de desabastecimento. Atendendo a
essas necessidades, a Resolução n° 08/08 passou a prever, além do desequilíbrio
entre oferta e demanda, que o benefício também poderá ser concedido nos casos em
que há produção regional do bem, mas este não atende às especificações técnicas
exigidas pelas empresas país demandante, ou, ainda, a sua produção é pequena e a
quantidade demandada não é capaz de justificar um incremento da quantidade
ofertada. Nesses casos, mesmo havendo produção regional poderá o Estado Parte
afetado solicitar a redução tarifária por tempo determinado.
O artigo 2° da Resolução n° 08/08 indica as cinco circunstâncias que podem
embasar a apresentação de pedido de redução tarifária temporária:

“1. Impossibilidade de abastecimento normal e fluido na região,


decorrentes de desequilíbrios de oferta e de demanda.
2. Existência de produção regional do bem, mas as características do
processo produtivo e/ou as quantidades solicitadas não justificam
economicamente a ampliação da produção.

75
Artigo 2°, item 1, da Resolução GMC n° 69/00.
82

3. Existência de produção regional do bem, mas o Estado Parte


produtor não conta com excedentes exportáveis suficientes para
atender às necessidades demandadas.
4. Existência de produção regional de um bem similar, mas o mesmo
não possui as características exigidas pelo processo produtivo da
indústria do país solicitante.
5. Desabastecimento de produção regional de uma matéria-prima
para determinado insumo, ainda que exista produção regional de
outra matéria-prima para insumo similar mediante uma linha de
produção alternativa.”

Os pedidos apresentados com fundamento na existência de desabastecimento


temporário devem ser analisados no âmbito da CCM. Diferentemente do que ocorre
com as modificações tarifárias definitivas, cuja aprovação compete ao GMC e se
aplicam, salvo entendimento em contrário, a todos os países-membros, as
modificações temporárias realizadas ao amparo da Resolução GMC n° 08/08 são
aprovadas por intermédio de Diretriz da própria CCM e terão validade apenas para o
Estado Parte que a solicitou. A redução tarifária será a 2%, e, em casos
excepcionais, admitir-se-á redução a 0%. No entanto, em observância à sua condição
de país de menor desenvolvimento relativo, aos pedidos do Paraguai será concedida
sempre redução a 0% (inovação também introduzida pela Resolução GMC N°
08/08).
Uma vez apresentado e aprovado no âmbito da CCM, o pedido de redução
tarifária que se baseia na existência de desequilíbrio entre oferta e demanda
(hipótese 1 indicada acima) terá validade de no máximo 12 (doze) meses. É possível
uma única renovação, de modo que o período total de vigência da medida não
ultrapasse 24 (vinte e quatro) meses consecutivos. Caso persistam as condições que
justificaram a redução tarifária, o Estado Parte afetado poderá solicitar a
modificação tarifária definitiva para o produto em tela.
83

Caso o pleito se enquadre nas outras quatro hipóteses previstas no artigo 2°


da Resolução n° 08/08, a medida poderá ser aplicada inicialmente por 24 meses,
com a possibilidade de prorrogação por 12 meses adicionais.
Vale destacar que cada Estado Parte não poderá ter mais do que 15 (quinze)
produtos enquadrados na hipótese 1 (desequilíbrio entre oferta e demanda) e 30
outros produtos enquadrados nas 4 outras hipóteses indicadas no artigo 2° da
Resolução GMC n° 08/08.
Além disso, deve-se ter em conta que a redução é válida para uma quota,
estabelecida segundo as necessidades do Estado solicitante. A redução tarifária
beneficiará, portanto, apenas um quantum determinado, a não ser que haja a
aprovação de uma ampliação da quota por fatores supervenientes.
No caso brasileiro, o segmento do setor privado que se sentir afetado por
problemas de desabastecimento temporário deve apresentar sua demanda ao Grupo
Técnico Interministerial de Acompanhamento da Resolução GMC n° 69/00 (ou
08/08, assim que a nova norma entrar em vigor) (GTAR). Compete a esse Grupo –
cuja Presidência é exercida pela Secretaria Executiva da Câmara de Comércio
Exterior (CAMEX) – analisar, em nível técnico, os pedidos e avaliar a conveniência
de sua apresentação ou não à CCM. O GTAR foi criado pela Resolução CAMEX n°
09/2002.
Os pedidos apresentados à apreciação do GTAR devem estar fundamentados
e indicar com precisão o produto e as circunstâncias que caracterizam a ocorrência
de desabastecimento temporário. Caso o pedido conte com parecer favorável do
GTAR, seu encaminhamento aos demais Estados Partes dependerá de prévia
aprovação do Comitê de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (GECEX).
Além de analisar os pedidos do setor privado brasileiro, cabe ao GTAR
pronunciar-se sobre os pleitos encaminhados pelos demais Estados Partes. Suas
análises levam em conta fundamentalmente a existência ou não de produção
nacional capaz de fazer face à situação de desabastecimento na região. Assim sendo,
antes de emitir juízo sobre os pedidos de um outro Estado Parte, o GTAR realiza
consultas às empresas nacionais do setor, a fim de que comuniquem a possibilidade
84

ou não de atender à demanda. Caso um produtor nacional se declare capaz de ofertar


a mercadoria, em geral são estabelecidos contatos diretos entre as empresas
envolvidas.
É importante frisar que os pedidos de redução tarifária por desabastecimento
devem contar com a aprovação dos demais Estados Partes do Mercosul. Requerem,
por conseguinte, um importante exercício de negociação no âmbito da CCM, que
envolve a consulta aos setores privados (a fim de verificar se há ou não produção
nacional do bem) e uma avaliação da razoabilidade dos termos do pedido (prazo e
quantidades solicitadas).
Por possuírem o parque industrial mais diversificado, Brasil e Argentina são
os países que mais têm recorrido ao mecanismo de redução tarifária temporária. A
quase totalidade dos pleitos se referem a insumos e matérias-primas (tais como
produtos químicos e siderúrgicos) essenciais a determinadas cadeias produtivas.
Entre 2003 e 2008, por exemplo, a Argentina teve 21 pleitos aprovados, e o Brasil,
34. O ano em que mais pedidos foram aprovados foi 2008 (9 argentinos e 18
brasileiros). A última vez em que um pleito de um dos outros dois Estados Partes foi
aprovado foi 1999, quando foi aprovado um pedido uruguaio.

2.11) O processo de eliminação da dupla cobrança da TEC

Numa união aduaneira, a simples existência de um mesmo imposto de


importação implica, em tese, que um produto originário de um terceiro país, após
sofrer a incidência da TEC, poderá transitar entre os países do bloco sem ser objeto
de novo gravame tarifário.
Mesmo após 1995, no entanto, persistiu no Mercosul a possibilidade de cada
Estado Parte cobrar a TEC em sua fronteira, mesmo daqueles produtos que já
pagaram esse imposto em outro integrante do bloco. Essa “dupla cobrança”
contraria os princípios básicos de qualquer união aduaneira e constitui um obstáculo
adicional a uma integração mais profunda, quando menos pelas seguintes razões:
85

a) trata-se de elemento nocivo para o relacionamento externo do Mercosul.


Isso porque outros países e agrupamentos podem contestar a possibilidade
de que suas mercadorias, mesmo pagando a TEC uma vez, sejam
obrigadas a fazê-lo novamente ao circularem de um país do bloco para
outro. Trata-se de um tema importante, por exemplo, nos debates sobre
um possível acordo comercial com a União Européia (que possui um
território aduaneiro único);
b) a dupla cobrança da TEC dificulta, igualmente, uma maior cooperação
entre as autoridades aduaneiras nacionais. Sua eliminação poderá, pelo
contrário, estimular a troca de informações e o estreitamento das relações
nesse setor;
c) a dupla cobrança é, igualmente, um empecilho para uma efetiva
integração produtiva entre os países da região. Isso porque a possibilidade
de pagar múltiplas vezes a TEC pode desestimular uma empresa a
desconcentrar sua cadeia produtiva, estendendo suas atividades a dois ou
mais Estados Partes.

Foi apenas em 2004 que os Estados Partes do bloco decidiram formalmente


eliminar essa distorção, por meio da aprovação da Decisão CMC n° 54/04. Segundo
essa norma, todos os bens que cumpram com chamada “política tarifária comum”
terão livre circulação no âmbito do Mercosul, não sendo obrigados a pagar a TEC
mais de uma vez. Mas no que consiste o cumprimento da política tarifária comum ?
Trata-se do pagamento da TEC ou da alíquota resultante da aplicação, por todos os
Estados Partes, da mesma preferência tarifária, ou, ainda, da aplicação de medidas
comuns de defesa comercial76.
Tomemos um exemplo concreto para ilustrar no que consistiria o
cumprimento da política tarifária comum. Suponhamos que determinada empresa

76
“Entende-se por cumprimento da política tarifária comum, o pagamento da TEC, por ocasião da importação
definitiva ou, quando for o caso, da tarifa resultante da aplicação da mesma preferência tarifária sobre a TEC,
por todos os Estados Partes do Mercosul, em função dos acordos comerciais assinados com terceiros países,
ou das medidas comuns resultantes da aplicação de instrumentos de defesa comercial” (Artigo 1° da Decisão
CMC N° 54/04).
86

instalada no Brasil utilize o produto “verniz” em seu processo produtivo.


Suponhamos, ainda, que por alguma razão essa mesma empresa opte por trazer esse
produto do mercado externo. No entanto, o Governo brasileiro, no uso de um direito
que lhe é dado pelas normas comunitárias, optou por incluir a mercadoria “vernizes”
em sua lista nacional de exceções. Em vez de pagar a alíquota da TEC, que é de
14%, essa linha tarifária passou a sofrer a incidência de um imposto de importação
de apenas 2%. O produto em tela, pagando a alíquota de 2%, não terá cumprido a
política tarifária comum. Isso porque a alíquota brasileira, em razão da utilização da
lista de exceções, é diferente daquela aplicada pelos demais Estados Partes. Inexiste,
portanto, uma política tarifária comum efetiva com relação a esse produto específico.
Como conseqüência prática, a empresa que utilizar o verniz importado num
de seus produtos não poderá contabilizar esse insumo para efeitos do cumprimento
do regime de origem. Para todos efeitos, tratar-se-á de um insumo importado,
incapaz de contribuir para o atendimento das regras de origem do Mercosul.
No entanto, caso o produto não constasse da lista de exceções brasileira e a
empresa tivesse efetivamente recolhido a TEC, na alíquota de 14%, o item “verniz”
seria considerado originário. Essa é um das principais conseqüências do disposto na
Decisão CMC n° 54/04: os produtos que cumprirem com a política tarifária comum
(pagamento da TEC ou da preferência tarifária concedida pelos quatro Estados
Partes) passarão a ser considerados como se fossem produtos originários do bloco,
podendo transitar livremente na região.
A Decisão CMC n° 54/04 também determinou que o fim da dupla cobrança
deveria ocorrer em duas etapas. A primeira, cujo início se deu em janeiro de 2006 e
foi regulamentada pela Decisão CMC N° 37/05, contemplaria apenas dois grupos
específicos de bens: aqueles cuja alíquota na TEC é de 0% e aqueles que gozam de
uma preferência tarifária de 100%. Estamos diante, por conseguinte, de mercadorias
que não geram renda aduaneira. Na prática, os países do bloco nada arrecadam
com a importação desses produtos.
O objetivo dessa primeira etapa foi fundamentalmente o de estabelecer as
bases para uma maior troca de informações entre as autoridades aduaneiras
87

nacionais. Desde 2006, cabe a elas outorgar apenas a esses dois grupos de bens os
certificados que atestam o chamado “cumprimento da política tarifária comum”.
Trata-se de operação simples, uma vez que, como vimos, não há imposto a ser
recolhido. A Decisão CMC N° 37/05 previu a criação de dois documentos
comprobatórios de que o produto pode circular sem que esteja sujeito à nova
incidência da TEC:

a) Certificado de Cumprimento da Política Tarifária Comum (CCPTC): esse


certificado atesta que houve o recolhimento do imposto devido (TEC;
alíquota resultante da concessão de preferência tarifária comum ou da
aplicação, pelos quatro Estados Partes, de medidas de defesa comercial);
b) Certificado de Cumprimento do Regime de Origem do Mercosul
(CCROM): esse certificado é concedido aos bens dos Estados Partes que
cumprem com o Regime de Origem do Mercosul.

Esses dois certificados já são emitidos para os produtos incluídos na primeira


fase da eliminação da dupla cobrança. As Aduanas nacionais podem consultar, por
meio do sistema informático INDIRA (“Intercâmbio de Informações de Registro
Aduaneiro”), a veracidade das informações neles contidas.
Em sua segunda etapa, a eliminação da dupla cobrança beneficiará todo o
universo tarifário. Por envolver produtos que pagam imposto, sua implementação
exige o atendimento de três requisitos fundamentais, que estão relacionados no
artigo 4° da Decisão CMC n° 54/04. O primeiro deles é de natureza operacional: a
interconexão informática entre as Aduanas nacionais. Trata-se de exigência
fundamentalmente técnica, relacionada ao fato de que cada país deverá ter
condições, quando um produto chegar à sua fronteira, de consultar se houve ou não
o cumprimento da política tarifária comum (isto é, o pagamento do imposto em
outro dos países do bloco), por meio da verificação das informações contidas nos
certificados pertinentes (CCPAC e CCROM). Nesse caso, o sistema INDIRA, por
meio do qual é possível realizar apenas consultas pontuais, deverá ser reformulado
88

ou substituído por outro com capacidade de processar e analisar informações em


volume maior.
O segundo requisito diz respeito à elaboração de um Código Aduaneiro do
Mercosul, que contenha as regras fundamentais – ainda que na forma de um
“marco” legal geral – necessárias à uma maior harmonização da legislação de cada
um dos Estados Partes. Cabe registrar que o Código aprovado em 1994 pelos
Estados Partes não chegou a entrar em vigor, razão por que os Estados Partes
decidiram proceder à sua revisão, trabalho que vem sendo desenvolvido desde 2006.
O último dos requisitos é mais complexo, dada a sua sensibilidade política.
Trata-se do estabelecimento de um mecanismo de distribuição da renda
aduaneira. Esse mecanismo é imprescindível para a plena eliminação da dupla
cobrança da TEC. Uma vez eliminada a possibilidade de um Estado Parte cobrar o
imposto sempre que um produto chegar às suas fronteiras, haverá, em algum grau,
renúncia a recursos fiscais que antes podiam ser auferidos. Essa perda deverá ser
compensada de alguma forma, especialmente no que diz respeito ao Paraguai, país
sem litoral marítimo e no qual os ingressos decorrentes do pagamento da TEC têm
grande importância na arrecadação fiscal total.
Os debates relativos à implementação de um mecanismo de redistribuição da
renda aduaneira são particularmente complexos. Dentre as questões que devem ser
respondidas, três revestem-se de maior importância. A primeira delas diz respeito ao
montante que deverá ser objeto de redistribuição. Em princípio, apenas os recursos
arrecadados com os produtos que cumprem a política tarifária comum é que deverão
ser objeto de redistribuição. Mas há nuances que devem ser consideradas,
relacionadas especialmente à existência de exceções à TEC. A consideração dessas
nuances é fundamental para a definição do alcance da Decisão CMC N° 54/04, já
que, em situações específicas, torna-se difícil determinar o que é o cumprimento da
política tarifária comum. Um determinado produto – ou, para utilizarmos o jargão
técnico, um determinado item da NCM – pode, por exemplo, estar sujeito à cobrança
da TEC em determinadas situações e em outras não (em virtude, suponhamos, da
existência de um regime especial de importação). Nesse caso, será necessário
89

estabelecer com precisão se há, nesse caso, cumprimento da política tarifária


comum.
A segunda questão diz respeito aos critérios de redistribuição. Quais
parâmetros serão utilizados para se definir a parcela a que cada Estado Parte teria
direito ? Deverá ser acordada uma fórmula matemática que contemple variáveis
como o Produto Interno Bruto de cada país e sua participação no comércio intra e
extrazona ? Por fim, deverá ser definido o formato da administração dos recursos
que serão redistribuídos, em especial se haverá a criação, na estrutura institucional
do Mercosul, de um organismo encarregado especificamente dessa tarefa.
Essas questões estão sendo debatidas no âmbito do bloco, em diferentes
instâncias, desde a aprovação da Decisão CMC n° 54/04. Embora essa Decisão
tenha previsto a eliminação da dupla cobrança para todo o universo tarifário a partir
de 2009, a falta de consenso sobre aspectos fundamentais para a sua
operacionalização fez com que esse prazo fosse postergado.
90

CAPÍTULO 3 - O Regime de Origem do Mercosul

Além de uma nomenclatura comum, é fundamental que os países integrantes


de uma zona de livre comércio – e também, por razões que explicaremos a seguir, de
uma união aduaneira como o Mercosul – tenham as mesmas “regras de origem”.
Essas regras têm como objetivo estabelecer as condições em que um determinado
produto poderá ser considerado como sendo um produto “Mercosul”, fabricado
substancialmente com insumos e processos produtivos da região. Comprovado esse
caráter de bem “originário”, a mercadoria poderá circular sem pagamento de tarifas
no âmbito do bloco.
Tomemos um exemplo para ilustrar o caso do Mercosul. Quando um produto
fabricado no Uruguai preenche as condições estabelecidas nas regras de origem,
poderá ser vendido para a Argentina, Brasil ou Paraguai sem pagar o imposto de
importação – ele é considerado como se fosse um produto argentino, brasileiro ou
paraguaio.
As regras de origem, ao outorgarem o benefício da livre circulação apenas
aos bens que atendam a requisitos básicos, acabam por resguardar a indústria
regional, estimulando o comércio e a integração produtiva entre os próprios países
integrantes do agrupamento.
No entanto, é importante salientar que a existência de regras de origem se
deve apenas ao fato de que ainda persistem, no Mercosul, as chamadas “exceções”
ou “perfurações” à TEC. Essas perfurações permitem que alguns produtos ingressem
em um ou mais Estados Partes sem pagar a alíquota que para eles foi definida. Um
determinado país poderá, valendo-se dessas exceções, importar matérias-primas ou
componentes com custo reduzido, obtendo, assim, um diferencial de
competitividade em seu favor. Para evitar que os países limitem-se a importar
insumos de extrazona, sem submetê-los a transformação substancial, torna-se
imprescindível, assim, que se exija dos bens que circulam no âmbito do bloco a
comprovação de que uma parcela mínima de seus insumos foram aqui produzidos,
91

ou, pelo menos, de que os insumos importados tenham passado por um processo de
transformação significativo.
Além disso, caso não fossem observadas as regras de origem, as perfurações à
TEC permitiriam que um produto adquirido fora da região, sem o pagamento da
correspondente TEC, pudesse ser reexportado do país que o importou para outros da
região (“triangulação”), em detrimento da indústria local.
O Regime de Origem do Mercosul é atualmente disciplinado pela Decisão
CMC n° 01/04. De acordo com o art. 3° dessa norma, serão considerados originários
os produtos totalmente obtidos, como os produtos do reino vegetal colhidos no
território dos países do bloco, os animais vivos aqui nascidos e criados, produtos
obtidos de animais vivos, mercadorias obtidas da caça, minerais, peixes e outras
espécies marinhas, mercadorias produzidas a bordo de barcos fábrica, etc. Além dos
produtos totalmente obtidos, serão considerados originários os produtos elaborados
integralmente no território de qualquer um dos Estados Partes, quando em sua
produção forem utilizados, única e exclusivamente, materiais (matéria-prima, peças,
partes, componentes) originários dos Estados Partes.
Nos dois casos indicados acima não há dúvida quanto ao caráter originário
dos bens fabricados, uma vez que não houve, em nenhum grau, a utilização de
materiais importados. Ou os produtos foram totalmente obtidos, ou foram fabricados
a partir de matérias-primas da própria região.
Já no caso dos produtos que não são “totalmente obtidos” na região, são duas
as regras principais utilizadas para classificar um produto como sendo originário ou
não. A primeira delas é o chamado índice de valor agregado regional. De acordo
com esse critério, uma mercadoria será considerada originária se utilizar pelo menos
60% de insumos (matérias-primas) de um ou mais Estados Partes do bloco. Como se
vê, o objetivo primordial dessa regra é o de estimular que as indústrias se abasteçam
sobretudo de insumos locais. Os 60% são calculados sobre o valor total do bem final
(valor FOB77).

77
“Free on board”: sem considerar o valor do frete.
92

O segundo critério fundamental é a chamada mudança de posição tarifária


ou salto tarifário. Nesse caso, quando um insumo sofre um processo de
transformação que permita que ele “salte” de sua NCM original e passe a ser
classificado em outra posição tarifária, considerar-se-á cumprido o regime de
origem. Por se tratar de uma mudança de posição tarifária, basta que ele haja
mudança num dos quatro primeiros dígitos da NCM para que esteja caracterizado o
cumprimento do regime de origem. Em síntese, “o produto acabado deverá estar
classificado numa posição (quatro primeiros dígitos do Sistema Harmonizado de
Classificação e Designação de Mercadorias – SH) diferente da posição em que se
classificam todos os insumos, matérias-primas, partes ou peças não originários
utilizados em sua fabricação”78.
Além dessas duas regras ditas “gerais”, por se aplicarem à maior parte das
mercadorias, existem também regras específicas cujo foco são determinadas
categorias de produtos. Esse é o caso do processo produtivo. Para algumas
mercadorias – no caso do Mercosul, especialmente aquelas relacionadas à indústria
de tecnologia, como bens de informática e telecomunicações – exige-se a
observância de certos procedimentos na cadeia de produção, sem os quais o bem não
poderá ser considerado originário. O exemplo abaixo, extraído do capítulo 84 da
NCM (“Reatores Nucleares, Caldeiras, Máquinas, Aparelhos e Instrumentos
Mecânicos e suas partes”) ilustra esse requisito:

Exemplo: processo produtivo

8470.50. REQUISITO: Cumprir com o processo produtivo abaixo:


11 A. Montagem e soldagem de todos os componentes nas placas de circuito
impresso;
B. Montagem das partes elétricas e mecânicas, totalmente desagregadas,
em nível básico de componentes; e
C. Integração das placas de circuito impresso e das partes elétricas e
mecânicas na formação do produto final de acordo com os itens “A” e
“B” anteriores.
Ficam dispensados da montagem os seguintes módulos ou subconjuntos:

78
“Manual de Certificação de Origem”. 2ª ed. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior. Brasília, 2003, p. 6.
93

1) Mecanismos do item 8473.30.22 para impressoras das subposições


8471.49.3 e 8471.60.2; 2) Mecanismos do item 8517.90.91 para
aparelhos de "fac-símile" dos itens 8517.21.10 e 8517.21.20; e 3) Banco
de martelos dos subitens 8473.30.23 e 8473.50.31 para impressoras de
linha dos itens 8471.49.21 e 8471.60.11. Será admitida a utilização de
subconjuntos montados nos Estados Partes por terceiros, sempre que a
produção dos mesmos atenda o estabelecida nos itens “A” e “B”. Não
descaracteriza o comprimento do regime de origem definido, a inclusão
em um mesmo corpo ou gabinete de unidades de discos magnéticos,
ópticos e fonte de alimentação.

Assim sendo, para o produto da NCM 8470.50.11 – “caixas registradores


eletrônicas com capacidade de comunicação bidirecional com computadores ou
outras máquinas digitais” – requer-se a observância de um processo produtivo
específico. A utilização de outros procedimentos impedirá que a mercadoria seja
considerada originária.
Para outros produtos também se pode exigir uma combinação dos requisitos
já indicados, como um mínimo de 60% de valor agregado regional mais salto
tarifário.
Além dos critérios acima mencionados, vale lembrar que a partir de 2007
adotou-se no Mercosul o de minimis, também conhecido como “regra de tolerância”.
O de minimis aplica-se aos produtos que devem, para serem considerados
originários, cumprir com o requisito de salto tarifário. O de minimis permite que
uma parcela dos insumos utilizados não passe pelo processo de mudança tarifária.
No caso do Mercosul, o de minimis é autorizado desde que o valor CIF79 do(s)
insumo(s) que não sofreu o salto não corresponda a mais de 10% do valor FOB do
produto final, conforme estabelecido no artigo 1° da Decisão CMC N° 16/07: “(...)
considerar-se-á que um produto cumpre com o requisito de salto tarifário se o valor
CIF de todos os materiais não originários dos Estados Partes utilizados em sua
produção que não estejam classificados em uma posição tarifária diferente à do
produto não excede 10% do valor FOB do produto exportado”.
O “de minimis” foi estabelecido para beneficiar sobretudo Paraguai e
Uruguai, países que já contavam com certas flexibilidades no cumprimento do
94

regime de origem comunitário. Essas flexibilidades, concedidas no contexto das


políticas de tratamento de assimetrias na região, permitem que essas duas economias
observem um índice de valor agregado regional inferior aos 60% da regra geral do
bloco (40% no caso do Paraguai, em virtude das Decisões CMC N° 29/03 e N°
16/07, e 50% no caso do Uruguai, em função da Decisão CMC N° 37/04)80.

79
“Cost, Insurance and Freight”: valor que inclui despesas de seguro e frete.
80
Cf. item 7.1.1., infra.
95

CAPÍTULO 4 - A Comissão de Comércio do Mercosul

A CCM é o órgão encarregado de administrar a política tarifária e comercial


do Mercosul. Como assinalado anteriormente, o Tratado de Assunção não previu sua
criação, que veio a acontecer apenas com a assinatura do POP, em 1994. Sua
primeira reunião foi realizada em outubro de 1994, no Rio de Janeiro.
As competências da CCM estão dispostas, de forma ampla, no artigo 16 do
POP, segundo o qual caberá ao órgão “velar pela aplicação dos instrumentos de
política comercial comum acordados pelos Estados Partes para o funcionamento da
união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados
com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-Mercosul e com terceiros
países”.
Já o artigo 19 do POP relaciona de maneira mais específica as atribuições da
CCM. Pretendemos apresentar essas atribuições por meio da análise das
competências dos órgãos técnicos subordinados à CCM. Dessa apresentação
poderemos depreender de maneira panorâmica a natureza dos temas que serão
discutidos nesse órgão decisório do Mercosul.

4.1) Os Comitês Técnicos

Os foros subordinados à CCM denominam-se “Comitês Técnicos” (CTs),


sendo responsáveis pelo tratamento de diferentes temas relacionados à gestão da
política comercial e tarifária do Mercosul. Dada a natureza das discussões ali
realizadas, participam de suas reuniões especialistas de cada um dos Estados Partes.
As decisões dos Comitês, na linha do que sucede com os órgãos decisórios do bloco,
são tomadas por consenso. Havendo dissensos, a questão deverá ser elevada, em
princípio, à apreciação da CCM.
Os CTs podem apresentar à CCM Projetos de Diretriz ou Projetos de
Resolução sobre os temas de sua competência.
96

O Comitê Técnico n° 1 é responsável pelos temas de nomenclatura e tarifa.


Cabe a ele, portanto, deliberar sobre modificações na NCM e na TEC, tais como a
alterações nos códigos e descrição de produtos ou modificações nas alíquotas da
TEC. No caso de modificações de alíquotas da TEC, o CT-1 toma suas decisões
tendo como base, de maneira geral, critérios como a existência ou não de produção
regional, tal como visto no item relativo à administração da TEC. A atualização da
NCM à luz da evolução do Sistema Harmonizado é realizada, por exemplo, nesse
CT. A Coordenação Nacional do Brasil no CT-1 tem sido tradicionalmente exercida
por representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
O Comitê Técnico n° 2 é responsável pelo tratamento de assuntos
aduaneiros. Dedica-se, dentre outros temas, a harmonizar os procedimentos
aduaneiros entre os países do bloco, de modo a facilitar o trânsito de mercadorias e
evitar o surgimento de barreiras não-tarifárias ao comércio. Discute, nesse contexto,
a uniformização de normas relacionadas a valoração aduaneira, ilícitos aduaneiros,
bagagens e outros. Um dos temas mais recorrentes na pauta recente do CT-2 tem
sido a adoção de sistemas informáticos que permitam uma melhor comunicação
entre as Aduanas e, conseqüentemente, um maior controle sobre as mercadorias em
trânsito. Já está em funcionamento entre os Estados Partes, por exemplo, o sistema
INDIRA (“Intercâmbio de Informações de Registro Aduaneiro”), o qual permite que
as Aduanas nacionais compartilhem informações sobre operações de importação e
exportação e verifiquem se as informações prestadas por um importador se
coadunam com aquelas registradas pelo exportador do produto. A Coordenação
Nacional do Brasil no CT-2 compete à Secretaria da Receita Federal.
O Comitê Técnico n° 3 tem a incumbência de tratar de normas e disciplinas
comerciais. Em outras palavras, compete a esse órgão deliberar sobre temas
vinculados ao Regime de Origem do Mercosul. Eventuais modificações nas regras
de origem – que, como vimos no capítulo 3, têm o objetivo de determinar que
produtos poderão ser considerados “produtos Mercosul” e, por esse motivo, circular
sem pagamento de tarifa – são discutidas tecnicamente no âmbito desse CT. O
MDIC também tem se ocupado da coordenação nacional do Brasil no CT-3.
97

O Comitê Técnico n° 4 foi criado para estudar medidas para disciplinar as


políticas que distorcem a concorrência (tais como incentivos fiscais). Embora não se
reúna, por razões políticas, há diversos anos, não chegou a ser formalmente extinto
em função do interesse de alguns dos Estados Partes em manter o tema na agenda de
discussões do Mercosul.
O Comitê Técnico n° 5 trata dos assuntos relacionados à defesa da
concorrência. Como veremos em tópico à parte, o estabelecimento de normas
comuns de defesa da concorrência é fundamental para o bom funcionamento da
união aduaneira, uma vez que permitirá que práticas lesivas como a formação de
cartéis sejam combatidas em nível regional. A Secretaria de Direito Econômico do
Ministério da Justiça, o CADE e a Secretaria de Acompanhamento do Ministério da
Fazenda têm coordenado, no lado brasileiro, as negociações na esfera do CT-5.
O Comitê Técnico n° 6 é a instância responsável por estatísticas de comércio
exterior. Criado por intermédio da Decisão CMC n° 31/06, esse Comitê tem como
tarefa fundamental a criação de condições necessárias (sobretudo a elaboração de
metodologia para coleta de dados) para a elaboração de uma base de estatísticas de
comércio do Mercosul. Ao longo de 2007, o CT reuniu-se e elaborou proposta de
harmonização de unidades de medida empregadas nos registros de comércio exterior
e sugeriu a estrutura básica da Unidade Técnica de Estatísticas (UTECE) que deverá
funcionar no âmbito da Secretaria do Mercosul.
O Comitê Técnico n° 7 é o responsável pelo tratamento de temas de defesa
do consumidor no âmbito do bloco. Esse foro reúne-se desde 1995 e tem envidado
esforços para a harmonização das normas de proteção ao consumidor nos Estados
Partes. As diferenças entre as legislações dos Estados Partes dificultou, nos últimos
anos, que se lograsse maiores avanços nesse campo. Os projetos de elaboração de
um regulamento comum de defesa do consumidor, impulsionadas sobretudo em
meados dos anos 90, não evoluíram81 e deram lugar à proposta, ainda em debate, de

81
Em 1997, o CT-7 elaborou Projeto de Protocolo sobre defesa do consumidor e o elevou à CCM. A
delegação brasileira nesse foro acabou resistindo à aprovação do documento, por entender que ele reduziria os
níveis de proteção ao consumidor no país, ao revogar dispositivos presentes no Código de Defesa do
Consumidor. Cf. Leopardi, Maria Tereza. “A integração pela harmonização regulatória: defesa da regulação
da concorrência”. In: Chudnovsky, D. et Fanelli, J.M. (orgs.). El desafío de integrarse para crecer – Balance
98

aprovação de “cláusula de harmonização normativa”, consoante a qual os Estados


Partes estariam livres para adotar normas mais rigorosas do que aquelas aprovadas
no âmbito do Mercosul (o que impediria, sobretudo do ponto de vista brasileiro,
retrocessos já obtidos nas legislações nacionais mais avançadas). Em 2000 foi
aprovada a “Declaração Presidencial dos Direitos Fundamentais dos Consumidores
do Mercosul”, que contém uma lista não exaustiva de direitos do consumidor que
devem ser observados pelos Estados Partes. Os trabalhos do CT-7 têm permitido
mais recentemente um maior intercâmbio e cooperação entre as autoridades
nacionais responsáveis pela defesa dos direitos do consumidor.
Além dos sete Comitê Técnicos acima indicados, também está subordinado à
CCM o Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas (CDCS). Esse órgão foi
criado pela Decisão CMC n° 17/96 e suas competências vieram a ser estabelecidas
pela Diretriz CCM n° 13/98, segundo a qual cabe ao CDCS “assistir a CCM em
matéria de política de defesa contra práticas desleais de comércio e salvaguardas em
relação a terceiros países”. O CDCS desenvolveu trabalhos com vistas à adoção
pelos Estados Partes de regulamentos comuns em matéria de defesa comercial. Dada
a sensibilidade política do tema, seus trabalhos, porém, encontraram dificuldades em
prosseguir a partir de 2005. A partir de 2006 os trabalhos desse foro foram
virtualmente paralisados.
Como se vê, o leque de temas tratados no âmbito da CCM é diversificado,
tendo como nota característica o exame de matérias relacionadas à política
comercial comum do bloco. Embora não haja dúvida de que o trabalho central desse
órgão decisório diga respeito à administração da TEC e do regime de origem do
Mercosul, também cabe à CCM deliberar sobre questões relacionadas a assuntos
aduaneiros, estatísticas de comércio exterior, política de concorrência, defesa
comercial e defesa do consumidor.
Uma simples consulta ao conjunto de normas emanadas da CCM – que, como
vimos, denominam-se “Diretrizes” – revela que a maior parte delas diz respeito à
regulamentação de Decisões ou Resoluções de conteúdo econômico-comercial.

y perspectivas del Mercosur en su primera década. Buenos Aires, RED de Investigaciones Económicas del
MERCOSUR/BID/Siglo XXI Editores, 2001, p. 125.
99

Trata-se de um corolário do fato de que as alterações pontuais na NCM e nas


alíquotas da TEC são aprovadas por intermédio de Resoluções do GMC, e não de
Diretrizes. As Diretrizes podem versar, por outro lado, sobre “medidas excepcionais
no âmbito tarifário” - caso da reduções temporárias da TEC em virtude de
desabastecimento -, sobre a regulamentação de procedimentos aduaneiros ou sobre o
controle de origem das mercadorias que circulam no bloco.
Cabe registrar, finalmente, que, nos termos do artigo 19, IX, do POP, a CCM
tem autonomia para criar ou extinguir os órgãos a ela subordinados. Todavia, o CT
estabelecido mais recentemente – CT N° 6, em dezembro de 2006 – foi criado por
meio de Decisão do CMC82, uma vez que o teor da norma continha previsões que
extrapolavam as competências estritas da CCM, ao prever, conforme observamos
anteriormente, a criação de uma Unidade Técnica de Estatísticas de Comércio
Exterior (UTECE) no âmbito da Secretaria do Mercosul e extinguir um dos
Subgrupos de Trabalho do GMC (SGT n° 14).

4.2) O Mecanismo de Consultas

No âmbito da CCM os Estados Partes podem apresentar consultas


relacionadas a questões de ordem econômico-comercial. Trata-se de um mecanismo
não-judicial que objetiva dar encaminhamento a temas pontuais, estimulando uma
solução conciliatória entre as partes envolvidas. Sua criação remonta a 199583.
O mecanismo de consultas é regulamentado pela Diretriz CCM n° 17/99. O
Estado Parte interessado deve apresentar a consulta por escrito, indicando a medida
impugnada e expondo as questões e dúvidas que julgar pertinentes. Já o Estado Parte
reclamado deve apresentar sua resposta até a segunda reunião da CCM posterior à
apresentação da consulta ou no prazo máximo de 60 (sessenta) dias. A partir daí,
podem os Estados Partes seguir apresentando argumentos por meio de “Notas
Técnicas”. A discussão se estenderá até que o Estado Parte que apresentou a
consulta decida dar por concluído o processo de forma satisfatória ou insatisfatória.

82
Decisão CMC N° 31/06.
83
Já na II CCM, em fevereiro de 1995, foram apresentadas 9 consultas pelos Estados Partes.
100

O art. 8° Diretriz CCM n° 17/99 prevê ainda que a consulta será considerada
concluída – uma espécie de “extinção” por decurso de prazo – caso, após sua
apresentação, permaneça na agenda da CCM, sem solução, por quatro reuniões
consecutivas, salvo se os Estados Partes envolvidos decidirem mantê-la na agenda à
espera de novos desdobramentos.

Mecanismo de consultas
Apresentação da consulta Em qualquer momento, inclusive durante
a própria reunião da CCM.
Até a segunda reunião da CCM posterior
Resposta à apresentação da Consulta ou em até 60
(sessenta) dias, caso a segunda reunião
seja realizada após esse prazo.
Nota Técnica O processo de consulta pode prosseguir,
após a apresentação da resposta, por
meio do intercâmbio de Notas Técnicas.
Apenas o Estado Parte que apresentou a
Conclusão consulta pode concluir o processo, de
forma satisfatória ou insatisfatória.

Como salientado anteriormente, o mecanismo de consultas é um instrumento


de conciliação de caráter não-judicial. Sua eventual utilização não impede, por
conseguinte, que uma das partes recorra posteriormente ao mecanismo de solução de
controvérsias (tratando-se de duas formas distintas de resolver pendências, a
apresentação de consultas não é um requisito prévio para o acionamento do sistema
de solução de controvérsias).
Os Estados Partes têm se valido com regularidade do mecanismo de consultas
para sanar eventuais pendências comerciais. O tabela a seguir indica o número de
consultas apresentadas anualmente, de 1995 a 2008:
101

Consultas apresentadas no âmbito da CCM (1995-2008)


1995 61 2002 17
1996 84 2003 21
1997 71 2004 11
1998 27 2005 13
1999 39 2006 13
2000 54 2007 11
2001 36 2008 06
Fonte: Elaboração própria, com base nas atas da Comissão de Comércio do
Mercosul (CCM).

Como os números indicam, o período de maior utilização do sistema de


consultas ocorreu durante a fase de consolidação da união aduaneira, entre os anos
de 1995 e 1997. Esse fenômeno refletia, em parte, o desconhecimento recíproco das
respectivas legislações nacionais. A paulatina adaptação dos Estados Partes aos
procedimentos exigidos por cada país e a crescente harmonização normativa no
âmbito do Mercosul acabaram por colaborar para a redução da quantidade de
consultas apresentadas na CCM. No entanto, há outras interpretações possíveis para
esse fenômeno. Uma delas tem relação com a criação de instâncias alternativas para
a discussão de temas comerciais, como as Comissões de Monitoramento do
Comércio Bilateral (que não fazem parte da estrutura institucional do bloco).

4.3) O Procedimento Geral para Reclamações perante a Comissão de Comércio


do Mercosul

Além do mecanismo de consultas, também compete à CCM pronunciar-se


sobre reclamações apresentadas pelos Estados Partes ou por particulares. Esse
procedimento está previsto no anexo do POP e veio a ser regulamentado pela
Decisão CMC n° 18/02.
Cumpre assinalar, inicialmente, que a referência que o POP faz a particulares
não significa que o setor privado poderá ter acesso ao procedimento de reclamações.
102

Na mesma linha do que acontece com o processo de consultas, eventuais problemas


enfrentados pelo setor privado deverão ser apresentados primeiramente à Seção
Nacional da CCM. Caberá a essa instância – integrada por diferentes órgãos da
administração federal – dar ou não prosseguimento à queixa. Caso as ponderações
sejam consideradas plausíveis, a reclamação será apresentada, sempre pelos canais
governamentais, aos demais Estados Partes.
Diferentemente do processo de consultas, em que as partes envolvidas
buscam um entendimento mútuo por meio da troca de informações, o procedimento
geral de reclamações previsto no POP prevê que o Estado Parte apresente sua
reclamação à CCM, que deverá deliberar sobre o tema. A CCM está autorizada a, se
julgar conveniente, encaminhar o tema à análise de um Comitê Técnico (CT)
constituído por peritos governamentais de todos os Estados Partes. Esse Comitê não
se confunde com aqueles que integram a estrutura da CCM.
Caberá ao Comitê Técnico encaminhar à CCM um parecer sobre a questão,
dentro do prazo de 30 (trinta) dias. Segundo o art. 7° da Decisão CMC n° 18/02, o
CT poderá, a pedido de um dos Estados Partes envolvidos no procedimento, ouvir os
representantes do setor privado que tenham interesse na reclamação. Caso não haja
consenso no âmbito do CT quanto à elaboração do parecer, serão encaminhados à
CCM os diferentes relatórios dos especialistas que participaram dos debates. A
CCM deverá pronunciar-se sobre reclamação na primeira reunião seguinte ao
recebimento do parecer ou do relatório dos especialistas.
Não havendo consenso no âmbito da CCM, o tema será elevado à
consideração do GMC, que terá 30 (trinta) dias para apresentar sua decisão.
Tanto a CCM quanto o GMC poderão, se julgarem procedente a reclamação,
determinar as “medidas corretivas” que deverão ser adotadas pelo Estado reclamado,
estabelecendo um prazo razoável para tanto. No caso de não haver consenso quanto
à procedência da reclamação ou na hipótese de o Estado reclamado não adotar as
medidas eventualmente acordadas, caberá ao Estado reclamante recorrer ao
mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul.
103

Como se vê, existem claras diferenças de procedimento entre o mecanismo de


consultas e o procedimento de reclamações. O quadro a seguir objetiva sintetizar,
comparativamente, os traços característicos principais desses dois instrumentos:

Consultas Reclamações
Os Estados Partes envolvidos deliberam Cabe à Comissão de Comércio
entre si reconhecer ou não a procedência da
sobre a questão. reclamação.
Não há parecer técnico ou relatório de Pode ser encomendado a um Comitês
especialistas. Técnico a elaboração de parecer.
As discussões se esgotam no âmbito da O tema pode ser levado à consideração
CCM. do GMC, caso não haja consenso na
CCM.
O intercâmbio de informações entre os
envolvidos pode prosseguir ao longo de A CCM e/ou o GMC têm prazo definido
meses, por meio do intercâmbio de Notas para decidir a questão.
Técnicas, caso haja concordância dos
Estados Partes em manter
o tema na agenda.
Não são ouvidos particulares. Há a possibilidade, por solicitação de um
dos Estados Partes, de que o CT ouça os
particulares interessados.

Cumpre notar que, em ambos os procedimentos, o Estado Parte que apresenta


a consulta ou a reclamação mantém seu direito de recorrer ao sistema de solução de
controvérsias do Mercosul, caso entenda que a pendência não encontrou solução
satisfatória.
O procedimento geral de reclamações perante a CCM não tem sido utilizado
com freqüência no passado recente. Isso se deve, como podemos depreender das
104

diferenças anteriormente indicadas, de suas características intrínsecas: não se trata


de um recurso voltado precipuamente para a conciliação das partes, mas de um
sistema “quase-judicial”, em que um dos órgãos decisórios do Mercosul (CCM ou
GMC) deve buscar proferir uma decisão de consenso sobre a questão.
A maneira como foi configurado o procedimento de reclamações faz com que
esteja no meio do caminho entre os instrumentos precipuamente conciliatórios,
como as consultas, e o mecanismo judicial de solução de controvérsias. Por estar no
“meio do caminho”, não conta nem com a flexibilidade do primeiro (mais apto a
lidar com pendências pontuais, de menor impacto), nem com o formalismo e maior
grau de eficácia do segundo, capaz de ditar medidas de observância obrigatória
pelos Estados Partes. Constitui, na verdade, “uma segunda via para a arbitragem, de
tramitação mais lenta, pois prevê uma pré-avaliação do contencioso realizada por
peritos governamentais em representação dos quatro sócios, e não apenas das
partes”84.
A última vez em que um Estado lançou mão do procedimento de reclamações
remonta a 200285. Até esse ano, 15 (quinze) reclamações haviam sido apresentadas,
das quais oito pela Argentina, três pelo Brasil, uma pelo Paraguai e três pelo
Uruguai. Dessas, 10 (dez) já haviam sido objeto de consultas no âmbito da CCM e
três foram levadas à fase arbitral do sistema de soluções de controvérsias86. A
existência do mecanismo de consultas no âmbito da CCM, sem prazos rígidos e sem
a intervenção do GMC, é uma possível explicação para o baixo recurso a esse
instrumento.

4.4) O Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul

84
Chagas, Liliam. “A consolidação da Arbitragem no Mercosul: o Sistema de Solução de Controvérsias após
oito laudos arbitrais”. In: Solução de Controvérsias no Mercosul. Brasília, Câmara dos Deputados, 2003, p.
91.
85
Em 2002, o GMC examinou reclamação do Uruguai contra o Brasil sobre “Medidas restritivas ao acesso a
mercado no setor de cigarros”. Não houve, naquela ocasião, acordo entre as partes. O mesmo aconteceu em
2000, quando o GMC apreciou as reclamações sobre “Adequação do Setor Açucareiro à União Aduaneira do
MERCOSUL” (apresentada pelo Brasil à Argentina) e sobre “Direitos de Importação Específicos Mínimos no
comércio intrazona” (apresentada pelo Brasil ao Paraguai).
86
Chagas, Liliam, op. cit., p. 90.
105

As divergências entre os Estados Partes no campo econômico-comercial


podem desaguar no acionamento do sistema de solução de controvérsias do
Mercosul. Para isso não é necessário que sejam observados passos prévios, tais
como a apresentação de consultas ou utilização do procedimentos de reclamações no
âmbito da CCM. Cabe apenas à parte interessada, portanto, o juízo sobre a
conveniência de abrir mão da utilização dos mecanismos extrajudiciais para solução
da pendência.
Essa possibilidade de se passar diretamente à fase arbitral, sem que seja
indispensável a observância de passos prévios, confere aos Estados Partes do
Mercosul maior flexibilidade para dirimir suas divergências, oferecendo-lhes duas
opções distintas: a político-diplomática, que pode ser levada a cabo nas instâncias
decisórias do bloco (CCM e GMC), e a judicial, a ser levada adiante por meio do
sistema comunitário de solução de controvérsias.
O sistema de solução de controvérsias hoje existente no Mercosul foi
estabelecido pelo Protocolo de Olivos, aprovado em 2002 e em vigor desde 2004.
Essa norma veio a substituir o Protocolo de Brasília, assinado pelos Estados Partes
ainda na fase inicial de constituição do Mercosul, em 1991. O texto de Olivos não
chega, porém, a trazer alterações fundamentais na sistemática adotada pelo
Protocolo de Brasília, preservando algumas de suas características basilares, tais
como as etapas procedimentais (negociações diretas, mediação e, por fim,
arbitragem) e o fato de a apresentação de demandas por particulares ainda depender
de aprovação prévia por parte dos governos nacionais87. Sua principal inovação é a
criação do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPR), que funciona como
uma instância recursal, com poderes para reexaminar as decisões proferida pelos
Tribunais Arbitrais “Ad Hoc”. Além disso, o Protocolo de Olivos abriu a
possibilidade de que os tribunais nacionais apresentem ao TPR “opiniões
consultivas” sobre temas relacionados ao acervo normativo do Mercosul88.

87
Barral, Welber. “As inovações processuais do Protocolo de Olivos”. In: Solução de Controvérsias no
Mercosul. Brasília, Câmara dos Deputados, 2003, p. 233.
88
A apresentação de opiniões consultivas veio a ser regulamentada pela Decisão CMC n° 02/07. Segundo
essa norma, os tribunais nacionais podem apresentar ao TPR consultas sobre a interpretação jurídica do
Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no âmbito do Tratado
106

A despeito das inovações propiciadas pelo Protocolo de Olivos, o sistema por


ele estabelecido, assim como já acontecera com o Protocolo de Brasília, possui
caráter provisório. Seu artigo 53 estabelece que antes de “culminar o processo de
convergência da tarifa externa comum” os Estados Partes deverão negociar o
estabelecimento de um sistema permanente de solução de controvérsias. É difícil
antecipar, hoje, o formato que assumiria um sistema permanente, em substituição
aos tribunais “ad hoc” atualmente estabelecidos para se pronunciar acerca das
controvérsias apresentadas pelos Estados Partes. Trata-se de debate que remonta aos
primórdios do Mercosul, antagonizando os que defendem uma posição mais
“institucionalista”, com a eventual criação de tribunais supranacionais, e os que
propugnam pela manutenção do “pragmatismo” atual, de acordo com os quais uma
estrutura judicial permanente poderia afetar a flexibilidade hoje existente para a
solução de litígios entre os Estados Partes89.

Procedimentos

De acordo com o Protocolo de Olivos, uma vez iniciada a controvérsia por


solicitação de um dos Estados Partes, têm início negociações diretas entre os países
envolvidos. Essas negociações devem ser realizadas ao longo de 15 (quinze) dias,
podendo ser estendidas indefinidamente por decisão das partes. Não havendo êxito
nas negociações diretas, qualquer das partes poderá apresentar, opcionalmente,
recurso ao GMC, que convocará especialistas para examinar o diferendo e
apresentar suas conclusões. A intervenção opcional ao GMC consubstancia, na
verdade, um processo de mediação, último esforço para evitar que se passe à fase de
arbitragem. Não havendo consenso acerca do parecer apresentado no âmbito do
GMC, poder-se-á dar início à fase propriamente arbitral da controvérsia, com a
constituição de um Tribunal “Ad Hoc”.

de Assunção, das Decisões do CMC, das Resoluções do GMC e das Diretrizes da CCM. As opiniões devem
ter como base um caso em apreciação no Poder Judiciário nacional.
89
Para uma análise dos diferentes argumentos, cf. Barral, Welber, op. cit, pp. 236-237.
107

O laudo proferido pelo Tribunal Arbitral estará sujeito à apresentação de dois


tipos de recursos: recurso de esclarecimento, caso uma das partes tenha dúvidas
sobre a decisão ou entenda que esta padece de alguma obscuridade ou omissão, e
recurso de revisão, por meio do qual se solicita o reexame do laudo por uma
instância superior (TPR). O recurso de revisão deve ser apresentado ao TPR em até
15 (quinze) dias após o recebimento da notificação do laudo do Tribunal “Ad Hoc” .
Na hipótese de não ser apresentado recurso de revisão, a parte perdedora deverá
anunciar, em até 15 dias após a notificação, as medidas que adotará para cumprir
com as determinações. Caso a parte beneficiada entenda que as medidas adotadas
pela parte perdedora são insuficientes, poderá manifestar-se em até 30 (trinta) dias
(prazo contado a partir da adoção das medidas), cabendo ao Tribunal Arbitral
pronunciar-se a respeito. Por fim, se a parte perdedora não cumprir total ou
parcialmente o laudo, a outra parte na controvérsia poderá, dentro do prazo de 1
(um) ano, aplicar “medidas compensatórias”, suspendendo concessões ou outras
obrigações equivalentes, de preferência no mesmo setor ou setores afetados.

Solução de Controvérsias – Procedimentos


Recurso de esclarecimento

Cumprimento do laudo ou divergência sobre


o cumprimento do laudo

Aplicação de medidas compensatórias

Negociações Intervenção Tribunal Tribunal


Diretas do GMC Arbitral Permanente
(opcional) “Ad Hoc” de Revisão

Parecer do grupo de Recurso de revisão


especialistas

Reclamações de particulares
108

O Protocolo de Olivos manteve uma das inovações do Protocolo de Brasília:


a existência de procedimento específico para a apresentação de reclamações de
particulares, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. Essas reclamações devem ter
como base medidas legais ou administrativas que violem o Tratado de Assunção, o
Protocolo de Ouro Preto e demais normas do Mercosul.
A possibilidade de que particulares contestem medidas que afetem os
objetivos previstos nas normas do Mercosul é vista como um instrumento a mais
para assegurar a liberalização do comércio. Há até mesmo acordos comerciais, como
o NAFTA, que outorgam aos particulares a possibilidade de apresentar reclamações
diretas90, sem a necessidade de que sejam submetidas ao crivo prévio dos governos
nacionais, como ocorre, como veremos abaixo, no Mercosul.
A reclamação apresentada por um particular que se julgar afetado por tais
medidas deverão ser inicialmente apresentadas à Seção Nacional do GMC do Estado
Parte em que tem residência. Caberá à Seção Nacional avaliar os argumentos
apresentados e verificar a existência ou não de eventual prejuízo. Constatando-se a
pertinência dos argumentos apresentados, deverão ter início consultas entre os
Estados Partes envolvidos. Não havendo consenso, o tema será levado à
consideração do GMC, que poderá, caso admita a reclamação, convocar um grupo
de especialistas, composto por 3 (três) membros (dos quais 1 não poderá ser
nacional dos Estados Partes envolvidos), para emitir um parecer no prazo de 30
(trinta) dias. Os especialistas serão escolhidos a partir de listas indicadas por cada
Estado Parte.
O grupo de especialistas deverá pronunciar-se, por meio de parecer
fundamentado, sobre a procedência da reclamação. O Estado Parte afetado poderá,
então, solicitar medidas corretivas à outra parte. Caso os especialistas considerem
improcedente a reclamação ou caso não haja unanimidade a respeito, o GMC a dará
por concluída em seu âmbito. Em qualquer das duas hipóteses (procedência ou
improcedência da reclamação), poderá o Estado Parte interessado dar início a uma

90
Barral, Welber, op. cit., pp. 237-238.
109

controvérsia propriamente dita, com o início de negociações diretas e eventual


constituição de um Tribunal Arbitral “Ad Hoc”.

Laudos arbitrais

Durante a vigência do Protocolo de Brasília foram 22 (vinte e duas) as


controvérsias iniciadas pelos Estados Partes. Dessas, três foram originadas em
reclamações de particulares, todas apresentadas pelo Uruguai. Alguns dados
ilustrarão melhor a evolução do sistema sob a égide do Protocolo de Brasília91:

• 10 (dez) controvérsias resultaram na emissão de laudos por parte de Tribunais


“Ad Hoc”. As demais foram concluídas após intervenção do GMC, durante as
negociações diretas ou chegaram à fase arbitral, mas o Tribunal “Ad Hoc” não
foi constituído, porquanto os Estados Partes não indicaram os árbitros.
• A Argentina foi o país que mais acionou o sistema, tendo dado início a 10
controvérsias, seguida pelo Uruguai (6), Brasil (4) e Paraguai (2). Nem todas
essas controvérsias chegaram à fase arbitral.
• O Brasil foi o país mais demandado (10 controvérsias), seguido pela
Argentina (6), Uruguai (4) e Paraguai (2).

Todas as controvérsias iniciadas ao amparo do Protocolo de Brasília versaram


sobre temas de natureza econômico-comercial, sobretudo medidas de restrição ao
comércio. A primeira delas foi apresentada em 1998 e a última em 200492, ano em
que entrou em vigência o Protocolo de Olivos:

Laudos emitidos durante a vigência do Protocolo de Brasília (1993 a 2004)


Objeto da controvérsia Partes Período
1) Licenciamento de Argentina x Brasil Novembro de 1998 a Abril

91
Para dados até 2002, cf. Chagas, Liliam, op. cit., p. 92.
92
Os oito primeiros laudos emitidos por Tribunais “Ad Hoc” durante a vigência do Protocolo de Brasília
podem ser consultados em Valinotti, Inés Martínez. Laudos arbitrales de los Tribunales Ad Hoc del
Mercosur. Asunción, MRE/BID, 2003.
110

Importações: Comunicado de 1999


DECEX 37/97 e 7/98
2) Subsídios à produção e Argentina x Brasil Julho de 1998 a Setembro de
exportação de carne de porco 1999
3) Salvaguardas a produtos Brasil x Argentina Outubro de 1999 a março de
têxteis 2000
4) Imposição de direitos Brasil x Argentina Janeiro a Maio de 2001
antidumping contra
importações de frangos
inteiros do Brasil
5) Restrições às importações Uruguai x Argentina Maio a Setembro de 2001
de bicicletas uruguaias
6) Obstáculos ao ingresso de Argentina x Brasil Novembro de 2001 a Abril
produtos fitossanitários no de 2002
mercado brasileiro
7) Proibição de importação Uruguai x Brasil Agosto de 2001 a Janeiro de
de pneus remoldados 2002
8) Aplicação do Imposto Paraguai x Uruguai Novembro de 2001 a Maio
Específico Interno (IMESI) à de 2002
comercialização de cigarros
9) Incentivos uruguaios à Argentina x Uruguai Abril de 2002 a Abril de
industrialização de lã 2003
10) Medidas restritivas e Uruguai x Brasil Dezembro de 2004 a Agosto
discriminatórias ao comércio de 2005
de tabaco e produtos
derivados do tabaco

Durante a vigência do Protocolo de Olivos, foram emitidos, de 2004 a 2008,


dois laudos arbitrais por Tribunais “Ad Hoc” e um laudo por parte do Tribunal
Permanente de Revisão:

Laudos emitidos durante a vigência do Protocolo de Olivos (2004 a 2008)


111

Objeto da controvérsia Partes Período


1) Proibição de importação Uruguai x Argentina Julho a outubro de 2005
de pneus remoldados
(descumprimento do laudo
arbitral VII)
2) Omissão da Argentina em Uruguai x Argentina Junho a Setembro de 2006
adotar medidas para prevenir
e/ou fazer parar os
impedimentos impostos à
livre circulação pelas
barreiras em território
argentino de vias de acesso
às pontes internacionais que
unem a Argentina com o
Uruguai

Laudo emitido pelo Tribunal Permanente de Revisão (2004 a 2008)


Objeto da controvérsia Partes Período
1) Solicitação de Argentina x Uruguai Julho a outubro de 2005
pronunciamento sobre
excesso na aplicação de
medidas compensatórias -
controvérsia entre Uruguai e
Argentina sobre proibição de
importação de pneus
remoldados procedentes do
Uruguai.

Os laudos dos diferentes Tribunais “Ad Hoc” contribuíram para o fenômeno


da “construção jurídica” do Mercosul, enunciando uma “série de princípios e
interpretações relativos aos compromissos assumidos pelos Estados Partes no
âmbito do processo de integração”93. Essa gama de interpretações desempenhou
importante papel na consolidação de um espaço econômico comum. Analisando o
alcance do princípio do livre comércio estabelecido no Tratado de Assunção, por

93
Cozendey, C.M. e Benjamin, D.A. Laudos arbitrais no marco do Protocolo de Brasília: a construção
jurídica do processo de integração. In: Solução de Controvérsias no Mercosul. Brasília, Câmara dos
Deputados, 2003, p. 37.
112

exemplo, diferentes laudos arbitrais destacaram a proibição de se impor restrições às


trocas comerciais, seja no plano tarifário, seja no campo de barreiras não-tarifárias.
Da mesma forma, os laudos contribuíram para uma melhor definição, à luz dos
compromissos assumidos pelos Estados Partes, sobre temas como subsídios, defesa
comercial, licenciamentos automáticos e não-automáticos, regime de origem e
princípio do tratamento nacional94.
O sistema de solução de controvérsias do Mercosul tem sido, por outro lado,
pouco acionado pelos Estados Partes, o que indica sua preferência pela resolução
dos atritos pelos canais políticos. Tendo sido emitidos 12 (doze) laudos “ad hoc” e 1
(um) laudo pelo TPR desde a entrada em vigor do Protocolo de Brasília, em 1993,
resta claro que há uma opção em se privilegiar mecanismos não-judiciais. Como já
dissemos, além do mecanismo de consultas em funcionamento do âmbito da CCM,
foram criadas, nos anos recentes, Comissões de Monitoramento do Comércio
Bilateral entre os diferentes Estados Partes (alheias à estrutura institucional do
Mercosul), as quais constituem mais uma esfera para a discussão de problemas que
afetam o intercâmbio comercial intrabloco.

94
Para uma análise da orientação estabelecida pelos laudos para cada um desses temas, cf. Cozendey, C.M e
Benjamin, D.A., op. cit., pp.38-48.
113

CAPÍTULO 5 – DEFESA COMERCIAL E DA CONCORRÊNCIA

5.1) Defesa Comercial Extrazona

As medidas de defesa comercial têm como objetivo primordial coibir práticas


desleais de comércio. Numa união aduaneira é fundamental que haja uma
coordenação dos Estados Partes com relação à matéria, de modo a evitar eventuais
distorções na circulação de mercadorias no mercado ampliado95. O artigo 4° Tratado
de Assunção estabeleceu as diretrizes fundamentais para o tratamento da questão no
âmbito do MERCOSUL, ao dispor que “nas relações com terceiros países, os
Estados Partes assegurarão condições equivalentes de comércio”. Para isso,
deveriam, inicialmente, aplicar medidas de defesa comercial com base em suas
próprias legislações. Paralelamente, deveriam elaborar normas comuns sobre a
matéria.
São três as principais medidas de defesa comercial: direitos antidumping,
medidas compensatórias e salvaguardas. Os direitos antidumping incidem sobre
produtos cujo preço de exportação é inferior àquele praticado no mercado doméstico
do próprio país exportador (preços artificialmente baixos). Essa é a definição dada
no artigo 2° do Acordo sobre a Implementação do Artigo VI do GATT 199496. As
investigações devem comprovar a ocorrência de dano à indústria nacional. Já os
direitos compensatórios têm por objeto mercadorias produzidas com o auxílio
estatal, por meio, por exemplo, da concessão de subsídios97. Por fim, as
salvaguardas são medidas adotadas com o objetivo de conter um súbito crescimento
das importações capaz de provocar prejuízos aos produtores domésticos. São

95
A principal distorção consistiria na possibilidade de um produto que é objeto de medida de defesa
comercial em apenas um dos Estados Partes ingressar nesse mesmo país por intermédio de um dos sócios
(“triangulação”), uma vez que produtos provenientes de um outro Estado Parte não podem, ao menos numa
união aduaneira perfeita (sem exceções), estar sujeitos a medidas de defesa comercial.
96
“Agreement on Implementation of Article VI of the General Agreement on Tariffs and Trade 1994”. In:
The Results of the Uruguay Round of Multilateral Trade Negotiations – The Legal Texts. Geneve, WTO,
1995, p. 168.
114

consideradas medidas excepcionais, temporárias e decrescentes ao longo do tempo,


tendo como objetivo permitir que a indústria nacional se ajuste às novas condições
de competição98.
No caso de uma união aduaneira, é fundamental que haja uma harmonização
normativa entre os Estados Partes e a criação de uma instância capaz de decidir
acerca da aplicação ou não dessas medidas, uma vez que a imposição de uma
medida de defesa comercial constitui, na prática, uma “perfuração” da TEC99.
O objetivo de elaborar uma política de defesa comercial comum frente a
terceiros mercados não foi atingido até o momento, a despeito dos trabalhos
desenvolvidos sobretudo na fase de criação e consolidação do Mercosul. Esperava-
se que uma vez superada a “fase de transição”, que ia da assinatura do Tratado de
Assunção até a constituição da união aduaneira, em 1995, os Estados Partes
pudessem aplicar medidas de defesa comercial de forma conjunta. No entanto, as
dificuldades encontradas para o estabelecimento de normas e instituições comuns
acabaram fazendo com que, ainda hoje, o tema seja tratado de maneira individual
por cada um dos países do bloco.

Salvaguardas

Em meados dos anos 90 foram realizados os movimentos mais significativos


em matéria de defesa comercial. Em 1996, foi aprovado o “Regulamento relativo à
Aplicação de Medidas de Salvaguarda às Importações Provenientes de Países Não-
Membros do Mercosul” (Decisão CMC n° 17/96). Esse regulamento previa a adoção
de medidas de salvaguarda pelo bloco (e não individualmente pelos Estados Partes),
desde que caracterizado prejuízo ou ameaça de prejuízo à “produção doméstica do
Mercosul ou de um de seus Estados Partes”, entendida como o “conjunto dos

97
De acordo com o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC, são considerados subsídios
tanto a contribuição financeira dada por um governo ou entidade pública quanto a existência de políticas de
sustentação de preços ou de renda.
98
Naidin, L.C. e Bertoni, R. (orgs.). Defesa Comercial e Medidas de Salvaguarda no Mercosul – Uma
avaliação Institucional. Montevidéu, Red Mercosur, 2007, p. 7.
99
Ao acarretar um acréscimo da tarifa incidente sobre determinado produto, uma medida de defesa comercial
acaba por representar um “desvio” da TEC acordada entre os Estados Partes.
115

produtores de produtos similares ou diretamente concorrentes que operem no


Mercosul ou em um de seus Estados Partes, ou aqueles cuja produção conjunta de
produtos similares ou diretamente concorrentes constitua uma proporção importante
da produção total de tais produtos no Mercosul ou em um de seus Estados Partes”.
Uma das inovações do Regulamento Comum para a aplicação de medidas de
Salvaguardas foi a criação do “Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas”
(CDCS) do bloco, instituição a quem competiria conduzir as investigações para
confirmar a ocorrência de um súbito aumento das importações e o conseqüente
prejuízo aos produtores do bloco. O CDCS não possui, todavia, poderes de decisão.
Suas competências são de natureza eminentemente técnica, competindo a ele
submeter os pareceres sobre as investigações à CCM. Caberia à CCM, por sua vez,
decidir pela abertura e encerramento das investigações e pela adoção ou não das
medidas cabíveis.
Havendo consenso, no âmbito da CCM, com relação à necessidade de se
aplicar uma medida de salvaguarda (consistente numa alíquota ad valorem, numa
alíquota específica ou uma combinação de ambas), deverá ser aprovada Diretriz
nesse sentido, a ser incorporada ao ordenamento jurídico dos Estados Partes.
A norma previu, ainda, um período de transição, que iria até 31 de dezembro
1998, no qual os Estados Partes poderiam aplicar medidas de salvaguardas de
maneira individual, com a observância da legislação nacional.
O Regulamento Comum para a Aplicação de Medidas de Salvaguarda nunca
chegou a entrar em vigor, por não haver sido incorporado ao ordenamento jurídico
da Argentina100.

Antidumping e Medidas Compensatórias

Em 1997 houve novo esforço dos Estados Partes no sentido de se aprovar um


regulamento comum, desta vez relativo à aplicação de medidas antidumping.
Diversamente do que ocorreu com as medidas de salvaguarda, porém, não houve

100
No Brasil o regulamento comum foi incorporado por meio do Decreto n° 2.667/98.
116

consenso a respeito de sua aprovação como um “regulamento”, notadamente em


razão de indefinições sobre a criação ou não de órgão comunitário para aplicação de
medidas. Acabou-se por aprovar, dessa forma, apenas um “Marco Normativo”
(Decisão CMC n° 11/97). Caberia aos Estados Partes continuar aplicando as
medidas antidumping de acordo com suas legislações nacionais. Além disso, essas
mesmas legislações deveriam, se necessário, passar pelos ajustes necessários para
estar em harmonia com o Marco Normativo.
As dificuldades para a elaboração de um regulamento comum naquele
momento se deviam essencialmente às diferentes experiências dos Estados Partes
em matéria de defesa comercial. Se de um lado Argentina e Brasil já contavam com
órgãos e legislação para tratar da matéria, o mesmo não acontecia com Paraguai e
Uruguai. Daí a decisão de se elaborar, numa primeira etapa, apenas um marco
normativo que consagrasse o entendimento comum dos países do bloco sobre
questões envolvendo antidumping e subsídios101.
O marco normativo para a aplicação de medidas antidumping estabelece
regras comuns sobre o tema, adotando, assim como o regulamento sobre
salvaguardas, o conceito de “indústria doméstica do Mercosul” (“conjunto de
produtores regionais de produtos similares, ou aqueles dentre eles cuja produção
constitua uma proporção importante da produção total de referidos produtos no
Mercosul”). Uma vez caracterizado o dumping e a existência de dano aos produtores
da região, caberia aos Estados Partes aplicar as medidas cabíveis, na forma de
direitos ad valorem, específicos ou numa combinação de ambos.
Se o regulamento sobre salvaguardas foi mais claro ao estabelecer os
contornos institucionais necessários para sua aplicação - criando o CDCS e
atribuindo à CCM o poder de decisão para a aplicação de medidas -, o marco
normativo sobre medidas antidumping deixou um grande vazio. Seu texto alude,
genericamente, à existência de uma “instância técnica”, à qual competiria conduzir
as investigações, e à uma “instância política”, à qual caberia decidir sobre a

101
Naidin, L. C. et alii. “Defesa comercial e medidas de salvaguarda no Mercosul: uma avaliação
institucional”. In: Kume, Honório (org.). Crecimiento económico, instituciones, política comercial y defensa
de la competencia en el Mercosur. Montevideo, Red Mercosur, 2008, p. 311.
117

aplicação ou não das medidas. Não há, porém, qualquer indicação dos órgãos que
desempenhariam tais funções. Caberia à CCM negociar o preenchimento dessa
lacuna posteriormente, por meio da elaboração de um regulamento comum com base
no marco normativo.
Em 2000 foi aprovado marco normativo similar para medidas compensatórias
(Decisão CMC n° 29/00), também sem nenhum tipo de definição acerca dos
aspectos institucionais necessários. Nesse mesmo ano, no contexto do
“relançamento do Mercosul”, os Estados Partes reiteraram o compromisso de
elaborar regulamentos comuns sobre antidumping e medidas compensatórias. O
tema voltou a ser debatido, sem maiores resultados, no âmbito do CDCS, persistindo
as divergências sobre diferentes aspectos técnicos (relacionados, em sua maioria, a
prazos e procedimentos), não havendo, tampouco, qualquer definição no tocante a
aspectos de ordem institucional. Em junho de 2006, o CDCS considerou seus
trabalhos concluídos e decidiu elevar as questões pendentes à consideração dos
órgãos decisórios do Mercosul. De 2006 até o presente não se verificou nenhum
avanço nas discussões sobre a matéria.
Como se pode verificar do exposto, um dos principais óbices para que as
negociações relativas aos regulamentos comuns em matéria de defesa comercial
dêem resultado são as divergências em torno de questões institucionais. A efetiva
implementação dos regulamentos dependeria de uma série de decisões conjuntas,
desde a abertura de investigações até a tomada de decisões sobre os casos em
exame. Torna-se difícil, assim, concluir as negociações se há divergências sobre
quais seriam as competências das autoridades nacionais e sobre até onde poderiam ir
os órgãos comunitários. Da mesma forma, a necessidade de haja consenso dos
quatro países para a aplicação de medidas poderá, em alguns casos, inviabilizar a
implementação das normas do bloco. A definição de aspectos institucionais
relevantes do Mercosul – especialmente se haverá, em algum momento, a evolução
do sistema intergovernamental para uma estrutura com elementos, ainda que
118

atenuados, de supranacionalidade – é questão importante para a futura definição das


políticas comuns em matéria de defesa comercial102.

5.2) Defesa Comercial Intrazona

Em projetos de integração profunda, a possibilidade de aplicação de


instrumentos de defesa comercial entre os Estados Partes é tema controverso. No
caso específico do Mercosul, tem-se buscado, desde a assinatura do Tratado de
Assunção, eliminar essa prática no comércio intrazona, por atentar contra o princípio
basilar da união aduaneira: o desmantelamento de barreiras ao comércio. Nesse
quadro, eventuais práticas desleais de comércio deveriam ser combatidas não por
meio da aplicação unilateral de medidas antidumping, compensatórias ou de
salvaguardas, mas sim por intermédio da adoção de políticas comuns que
disciplinem o ambiente concorrencial na região (substituição de medidas de defesa
comercial por medidas de defesa da concorrência).
Desse modo, e tratando da questão de um ponto de vista teórico, a expectativa
é que numa união aduaneira sejam observados, na relação comercial entre os
Estados Partes, os seguintes passos103:

(a) substituição dos instrumentos antidumping por uma política de defesa


concorrência capaz de assegurar uma competição justa entre as empresas
da região;
(b) eliminação da aplicação de medidas compensatórias por meio de um
efetivo disciplinamento das chamadas “ajudas de Estado” (como
incentivos fiscais);
(c) adoção de políticas de reconversão estrutural capazes de tornar mais
competitivos determinados setores econômicos sensíveis, o que permitiria
eliminar a aplicação de medidas de salvaguarda.

102
Cf. Andrade, Luciano Mazza, op. cit., pp. 138-142.
103
Naidin, L.C. e Bertoni, R. (orgs.), op. cit., p. 11.
119

O Mercosul ainda não logrou atingir os objetivos indicados. A aplicação de


instrumentos de defesa comercial no comércio intrazona continua sendo uma das
principais imperfeições da união aduaneira. Embora formalmente não sejam
aplicadas salvaguardas104 - substituídas, na prática, por restrições voluntárias ao
comércio105, especialmente entre Argentina e Brasil -, os Estados Partes ainda
lançam mão de investigações antidumping, o que em alguns casos pode conduzir a
controvérsias no âmbito da OMC, como a que envolveu os dois maiores países do
bloco, em 2007, em virtude da aplicação, pelo Brasil, de medidas de defesa
comercial contra as importações de certas resinas PET da Argentina106.

Antidumping e Medidas Compensatórias

Não há menção explícita no Tratado de Assunção à eliminação do


antidumping e de medidas compensatórias intrazona. Não obstante, como já
sublinhamos, depreende-se que numa união aduaneira esse instrumento deve ser
abolido ao lado de todas as demais barreiras não-tarifárias.
O Mercosul ainda não conta com nenhuma norma comum que harmonize os
procedimentos de investigação antidumping e preveja sua eliminação, em conjunto
com os direitos compensatórios, no comércio intrazona. Os diferentes prazos
previstos para se atingir esse objetivo – como o ano de 2000 – não foram
observados. A Decisão CMC n° 64/00, que contemplava regras específicas para as
investigações entre países do agrupamento (facilitando o acesso à informação e
estabelecendo prazos e procedimentos comuns) e reiterava a necessidade de os
Estados Partes negociarem propostas com vistas à eliminação gradual da aplicação
de medidas antidumping entre os sócios, nunca entrou em vigor por não haver sido
incorporada ao ordenamento jurídico de todos os países do bloco.

104
Exceto para produtos originários de Zonas Francas, os quais recebem, como veremos em ponto específico,
o mesmo tratamento dispensado a produtos de extrazona.
105
Na forma de acordos voluntários entre os setores privados. Não se trata, portanto, de medidas adotadas a
partir de negociações entre os governos.
106
Por solicitação da Argentina, e em virtude de acordo entre os dois países, a controvérsia foi suspensa no
final de janeiro de 2008.
120

A Argentina suscitou, posteriormente, obstáculos para a efetiva incorporação


e aplicação da Decisão CMC N° 64/00. Sua principal alegação era a de que a adoção
da norma poderia ser interpretada como uma substituição, no acervo normativo do
Mercosul, das normas pertinentes da OMC sobre antidumping e medidas
compensatórias, o que impediria, por exemplo, que, nas controvérsias entre si, os
Estados Partes pudessem recorrer ao órgão de solução de controvérsias daquela
organização107.
Esse questionamento acabou por ser superado em julho de 2002, com a
aprovação das Decisões CMC N° 13/02 e N° 14/02, que incorporavam ao acervo
normativo comunitário, respectivamente, o Acordo Antidumping e o Acordo sobre
Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. Essas normas haviam sido
internalizadas individualmente pelos Estados Partes, mas formalmente não faziam
parte do ordenamento jurídico do Mercosul.
Embora a incorporação ao acervo normativo do Mercosul tenha sido um
importante passo para o tratamento da matéria, não era o suficiente, já que os
Estados Partes deveriam continuar trabalhando para eliminar a aplicação de medidas
de defesa comercial no comércio intrazona. Tendo em vista o impasse com relação à
incorporação da Decisão CMC N° 64/00, que estabelecia as disciplinas para a
investigação entre os sócios, aprovou-se nova Decisão, de N° 22/02, também
aplicável aos processos de defesa comercial intrazona. Na prática, essa norma vinha
a complementar, no plano das relações entre os países-membros, as normas
multilaterais da OMC108. Essa norma tampouco chegou a entrar em vigor, tendo sido
travadas discussões sobre ajustes já nos anos de 2005 e 2006, momento em que o
Brasil chegou a defender, sem sucesso, que se adotasse o prazo de 2010 para a
eliminação de medidas antidumping e compensatórias no comércio intrazona. Não
houve progressos nos debates realizados desde então.
Uma das razões que contribuíram para solapar os esforços negociadores
realizados desde o estabelecimento do Mercosul é a vinculação desse tema com
outros fundamentais para a consolidação da união aduaneira, tais como a concessão

107
Naidin, L.C. et alii, op. cit., p. 315.
108
Ibidem, p. 316.
121

de incentivos (“ajudas de Estado”) e adoção de uma política comum de defesa


comercial. O impasse na discussão de um dos temas acaba por impedir progressos
na negociação das matérias correlatas. Desse modo, os debates sobre o tema não
evoluíram sequer no âmbito técnico, especialmente na CCM e foros vinculados.
No período 1995-2005 a Argentina foi o país que mais lançou mão de
medidas antidumping no comércio intrazona. Das 36 investigações iniciadas contra
o Brasil, 20 resultaram na aplicação de medidas. Já o Brasil iniciou 7 investigações
contra a Argentina, das quais 4 resultaram na aplicação de medidas. Nesse mesmo
período, o Uruguai aplicou 3 medidas antidumping contra a Argentina e o Paraguai
aplicou 1 medida contra a Argentina e 1 contra o Brasil109.
Na falta de um instrumento comum para regulamentar a investigação e a
aplicação de direitos antidumping, os Estados Partes devem observar os acordos
pertinentes da OMC, incorporados ao acervo normativo do bloco por meio das já
referidas Decisões CMC N° 13/02 e N° 14/02.

Salvaguardas

A eliminação das salvaguardas no comércio intrazona é passo fundamental


para a consolidação da união aduaneira. O Anexo IV do Tratado de Assunção
estabeleceu que os Estados Partes só poderiam lançar mão desse instrumento no
comércio recíproco até 31 de dezembro de 1994. Assinalou, ainda, que somente
deveriam recorrer à prática de salvaguardas em “casos excepcionais” e após a
realização de consultas prévias. As salvaguardas deveriam ser aplicadas uma única
vez para cada produto e seu prazo não poderia exceder um ano.
No entanto, a Decisão CMC n° 05/94, que estabeleceu o “Regime de
Adequação Final à União Aduaneira”, fixou um prazo mais dilatado para a abolição
desse mecanismo no comércio intrazona. Em seu artigo 3°, alínea “b”, essa norma
determina que os produtos sujeitos ao regime de salvaguardas poderiam gozar de um

109
Naidin, L.C. e Bertoni, R. (orgs.). Defesa Comercial e Medidas de Salvaguarda no Mercosul – Uma
avaliação Institucional. In: Kume, Honorio. Crecimiento económico, instituciones, política comercial y
defensa de la competencia en el Mercosur. Montevidéu, Red Mercosur, 2008, p. 293.
122

prazo final de desgravação de quatro anos, “contados a partir de 1° de janeiro de


1995”. Isso significou, na prática, a persistência de salvaguardas até o dia 1° de
janeiro de 1999.
A conjuntura econômica da época dificultou, porém, o abandono completo
dos debates sobre a manutenção de salvaguardas no bloco. Ainda em janeiro de
1999, a desvalorização do real tornou os produtos brasileiros mais competitivos, o
que despertou reações no setor privado argentino, que passou a demandar de seu
governo a adoção de medidas de restrição ao comércio. Nesse mesmo ano o governo
argentino manifestou a intenção de regulamentar um sistema de salvaguardas com
base na Resolução CR 70 da ALADI. Esse projeto foi posteriormente
abandonado110.
Do ponto de vista legal, no entanto, a aplicação de salvaguardas já não
encontra mais respaldo nas normas comunitárias. Na prática, as salvaguardas têm
sido aplicadas, especialmente pela Argentina, apenas contra produtos originários de
Zonas Francas, os quais, de acordo com o Decisão CMC N° 8/94, devem receber
tratamento de produtos de extrazona, salvo acordo em contrário entre os Estados
Partes.
Como “solução de compromisso” para o tema, Argentina e Brasil criaram, em
2003, a Comissão de Monitoramento do Comércio Bilateral. Esse foro constitui um
canal de negociação para diferentes temas, inclusive daqueles relativos a restrições
quantitativas ao comércio em setores considerados assimétricos111. É no âmbito da
Comissão que têm sido celebrados acordos, inclusive de restrição voluntária de
exportações, entre os setores privados dos dois países.
No final de 2005 e início de 2006 os Governos da Argentina e Brasil
negociaram um instrumento destinado a disciplinar, ainda que de forma imperfeita, a
aplicação de medidas de defesa comercial pelos dois países. As negociações
resultaram na adoção do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC). É
importante ressaltar que o MAC é um acordo bilateral, não fazendo parte, por
conseguinte, do acervo normativo do Mercosul.

110
“Informe MERCOSUR” n° 11. Buenos Aires, BID-INTAL, janeiro de 2007, pp. 56-57.
111
Ibid., p. 57.
123

O MAC prevê, na prática, a possibilidade de adoção de salvaguardas –


embora esse termo não seja utilizado no texto do acordo, plasmado no 34° Protocolo
Adicional ao ACE N° 14 – caso as importações originárias de um dos países tenham
um “aumento substancial” e possam, por essa razão, representar uma ameaça de
dano à indústria do país vizinho. A aplicação do MAC deve necessariamente ser
antecedida de negociações entre os setores privados dos dois países. Apenas na
hipótese de não haver acordo é que o Governo do país que se julgar afetado poderá,
se constatar a existência de “dano importante” (ou ameaça de dano) e a relação de
causalidade com o surto de importações, aplicar as medidas correspondentes. Tais
medidas consistirão no estabelecimento de um limite quantitativo para as
importações do produto em questão com preferência tarifária plena. As mercadorias
que ultrapassarem o limite fixado deverão pagar a TEC como se fossem produtos
originários de extrazona, usufruindo, porém, de uma pequena margem de
preferência de 10%. As medidas aplicadas sob a égide do MAC terão, em princípio,
duração de 3 anos, prorrogáveis por um ano adicional.
O MAC deverá se fazer acompanhar por um Programa de Adaptação
Competitiva (PAC). O PAC tem como função primordial modernizar e dar melhores
condições de competitividade para o setor afetado pelo aumento de importações, de
modo a capacitá-lo a enfrentar a concorrência externa uma vez encerrada a aplicação
das medidas de proteção. Para isso, o setor deverá comprometer-se a realizar
investimentos e implementar ações de desenvolvimento científico e tecnológico.
Do ponto de vista político, a adoção do MAC representou uma resposta às
preocupações do governo argentino com o alegado risco à indústria doméstica
provocado pelo crescimento das exportações de produtos brasileiros. Um dos
argumentos utilizados para defender o mecanismo é o de que constituiu um
disciplinamento para medidas até então implementadas de forma assistemática e de
maneira unilateral pelos governos nacionais.
O fato de o MAC, cujo texto foi acordado no início de 2006, não haver
entrado em vigência até o início de 2009112 indica não ter havido, pelo menos nesse

112
O Protocolo Adicional ao ACE n° 14 correspondente ao MAC foi internalizado pela Argentina apenas em
outubro de 2008, na esteira dos efeitos gerados pela crise financeira mundial e num momento em que o
124

período, um interesse concreto de Argentina e Brasil em adotar medidas sob sua


égide. É importante notar que a negociação do instrumento foi objeto de críticas por
parte de Paraguai e Uruguai, que contestavam a negociação, em bases bilaterais, de
medidas que supostamente representariam, na prática, travas ao comércio intrazona.

5.3) Defesa da Concorrência

A adoção de normas e políticas comuns de defesa da concorrência também é


requisito fundamental para o estabelecimento de um mercado comum. Num
contexto de crescente integração das economias dos Estados Partes, é provável que
se tornem mais freqüentes as práticas lesivas à concorrência, como a formação de
cartéis. Com o estabelecimento de um mercado ampliado, torna-se indispensável que
eventuais sanções a grupos econômicos tenham escala regional, uma vez que uma
ação praticada em determinado país poderá, não raras vezes, afetar empresas nos
países vizinhos. A elaboração de um Protocolo de Defesa da Concorrência tornou-
se, por isso, um dos pontos fundamentais da agenda do Mercosul no terreno
econômico-comercial.
O trabalho conjunto das autoridades dos quatro Estados Partes resultou na
aprovação, em 1996, do Protocolo de Defesa da Concorrência (PDC), por meio da
Decisão CMC n° 18/96 (“Protocolo de Fortaleza”). O PDC entrou em vigor em
2000 apenas para Brasil e Paraguai, os dois únicos países a procederem à sua
internalização. Não chegou, por essa razão, a ser aplicado como um instrumento
comunitário. Contribuiu para isso o fato de apenas Brasil e Argentina possuírem
órgãos nacionais de defesa da concorrência efetivamente estruturados - como
veremos a seguir, a aplicação do Protocolo dependia em grande parte da existência
de instituições nacionais aptas a lidar com questões concorrenciais.
Araújo Júnior assinala que o fato de o PDC haver sido aprovado sem que
todos os países do bloco contassem com instituições capazes de aplicá-lo de maneira
eficaz revelou a inexistência de preocupação de seus negociadores com o estado das

governo do país vizinho encontrava-se pressionado pelo setor privado a adotar medidas protecionistas. No
início de 2009 o Brasil ainda não havia incorporado o instrumento ao seu ordenamento jurídico.
125

instituições antitruste da região. As inconsistências do Protocolo de Fortaleza


decorreriam justamente dessa dicotomia entre seu escopo normativo e o estado das
instituições nacionais, indispensáveis para a correta aplicação de seus
dispositivos113.
O PDC foi concebido para ser aplicado a atos praticados por pessoas físicas e
jurídicas que tenham impacto no ambiente concorrencial e no comércio de bens e
serviços entre os Estados Partes do Mercosul. Ficaram excluídos de seu âmbito de
aplicação, portanto, aqueles atos cujas conseqüências restrinjam-se ao território de
apenas um dos Estados Partes. Vale destacar também que o Protocolo versou apenas
sobre condutas anticompetitivas, relacionadas em seu capítulo II, deixando para uma
etapa posterior a elaboração de normas comunitárias sobre atos de concentração que
“possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou resultar na
dominação de mercado relevante de bens e serviços”.
O Protocolo cria o Comitê de Defesa da Concorrência (CDC), órgão
intergovernamental integrado pelos representantes de cada Estado Parte. Por se
tratar se uma instituição intergovernamental - e não supranacional, o que faz com
que suas decisões dependam necessariamente da anuência de todos os Estados
Partes -, o CDC teria, segundo alguns de seus críticos, atribuições limitadas. Isso
porque caberia aos órgãos nacionais efetuar as investigações sobre os atos que
alegadamente atentem contra a livre concorrência. Uma vez concluído o processo
investigatório levado a cabo pelas autoridades nacionais, as conclusões seriam então
remetidas ao CDC, cuja competência restringir-se-ia a definir as sanções
(basicamente multas) cabíveis e demais medidas aplicáveis.
Além disso, e ainda consoante o PDC, as decisões do CDC teriam
necessariamente de ser aprovadas pela CCM, à qual competiria pronunciar-se
favorável ou contrariamente à adoção de sanções, por meio de Diretriz. Eventuais
sanções seriam, da mesma forma, aplicadas pelas autoridades nacionais do Estado
Parte em que estiver domiciliada a parte infratora.

113
Araujo Jr., José Tavares. “Política de Concorrência no MERCOSUL: uma agenda mínima”. In:
Chudnovsky, D. et Fanelli, J.M. (orgs.). El desafío de integrarse para crecer – Balance y perspectivas del
Mercosur en su primera década. Buenos Aires, RED de Investigaciones Económicas del
MERCOSUR/BID/Siglo XXI Editores, 2001, p. 153.
126

O fato de as sanções estabelecidas pelo CDC terem de ser aprovadas pela


CCM faria com que o órgão, segundo os críticos do Protocolo, assumisse a posição
de simples “conselheiro” daquela instância decisória, ademais de fazer com o que os
conflitos de natureza concorrencial fossem tratados a partir de um enfoque
meramente “mercantilista”114.
Num esquema de integração intergovernamental como o Mercosul esse foi o
arranjo institucional possível de se alcançar à época da negociação do PDC. A
possibilidade de se atribuir maiores poderes ao CDC não se afigurou possível
naquele momento, tendo em vista especialmente o fato de que se trata de um órgão
sobretudo técnico, que poderia eventualmente não tomar em conta eventuais
sensibilidades políticas dos Estados Partes – daí a necessidade de que suas decisões
viessem a ser submetidas ao crivo da CCM.
Outro problema que gera óbices para a adoção de uma política comum de
defesa da concorrência no Mercosul é a vinculação desse tema à questão das ajudas
de Estado (basicamente incentivos fiscais), representadas por medidas dos Governos
nacionais que visam a atrair e facilitar investimentos. A inexistência de uma
disciplina comum para a concessão de incentivos pelos países do bloco é muitas
vezes apresentada como um argumento para que não se adote uma política comum
de defesa concorrência, a partir do raciocínio de que apenas quando “equalizadas” as
condições de outorga desses benefícios a empresas privadas é que o Mercosul terá
um ambiente concorrencial mais equilibrado, sem distorções engendradas por ações
do Estado.
A preocupação com as ajudas de Estado esteve presente no PDC. Seu artigo
32 estabelece que “os Estados Partes comprometem-se, dentro do prazo de dois anos
a contar da entrada em vigência do presente Protocolo, e para fins de incorporação a
este instrumento, a elaborar normas e instrumentos comuns que disciplinem as
ajudas de Estado que possam limitar, restringir, falsear ou distorcer a concorrência e
sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados Partes”. Todavia, a
discussão sobre o disciplinamento da concessão de incentivos não avançou no nível

114
Ibidem, p. 153.
127

comunitário, o que também acabou afetando os trabalhos de implementação da


política de defesa da concorrência comum no âmbito do Mercosul.
A questão das ajudas de Estado (incentivos) é complexa e marcada por
diferenças de visões entre os países-membros do Mercosul. O primeiro passo a ser
tomado pelos Estados Partes seria o de definir quais incentivos estatais deveriam ser
permitidos, uma vez que se reconhece que nem toda ajuda deve ser proibida115.
Vale ressaltar que a adoção de instrumentos de defesa da concorrência é
importante ferramenta para a eliminação de outras distorções da união aduaneira,
como a aplicação de medidas antidumping, as quais são muitas vezes utilizadas
como forma de oferecer proteção temporária para setores que enfrentam a
concorrência de produtos importados116. Ao estabelecer as bases para uma
concorrência saudável entre as empresas, a cooperação comunitária entre as
autoridades antitruste pode ser elemento fundamental para a futura abolição da
aplicação de medidas de defesa comercial entre os Estados Partes.
A não-internalização do PDC levou os Estados Partes a darem início à sua
revisão. As discussões, porém, não têm evoluído de forma satisfatória, não sendo
possível vislumbrar, ainda, em que momento poderá ser adotada uma nova versão do
Protocolo.
As questões de defesa da concorrência no MERCOSUL têm sido tratadas, em
nível técnico, pelo Comitê Técnico n° 5, vinculado à CCM. Também é no âmbito
desse CT, conforme visto anteriormente, que têm tido lugar o intercâmbio de
experiências entre as autoridades nacionais de defesa da concorrência.

115
Leopardi, Maria Tereza, op. cit., p. 131.
116
Araújo Júnior, José Tavares, op. cit., p. 154.
128

CAPÍTULO 6 – INVESTIMENTOS E SERVIÇOS

6.1) Investimentos

A negociação de um marco jurídico comum em matéria de investimentos fez


parte da agenda de construção do Mercosul. Já nos primeiros anos do bloco foram
aprovadas as primeiras normas comunitárias sobre o tema.
São dois os instrumento jurídicos negociados pelos Estados Partes. O
primeiro é o Protocolo de Colônia para a Promoção e a Proteção Recíproca de
Investimentos no Mercosul (Decisão CMC n° 11/93). Esse Protocolo assegura aos
investidores dos Estados Partes tratamento “não menos favorável” àquele
dispensado aos investidores nacionais. Estabelece, desse modo, um quadro jurídico
de proteção mínima à propriedade, ações e demais direitos econômicos dos
investidores da região, limitando as hipóteses de desapropriação a razões de
utilidade pública e ao pagamento de compensação “prévia, adequada e efetiva”.
O Protocolo de Colônia também determina que o surgimento de controvérsias
entre um investidor e um dos Estados Partes deverá ser dirimida por meio de recurso
aos tribunais do país em que se realizou o investimento, à arbitragem internacional
ou, eventualmente, ao sistema de solução de controvérsias do bloco.
Essa norma nunca entrou em vigor entre os Estados Partes, uma vez que
apenas a Argentina a incorporou ao seu ordenamento jurídico, em 1997. Embora
tenha havido a determinação de efetuar uma revisão de seu texto, já que o Protocolo
foi negociado em 1993, antes mesmo da assinatura do Protocolo de Ouro Preto e da
implementação da união aduaneira, os trabalhos nesse sentido não têm evoluído nos
últimos anos.
Além do Protocolo de Colônia, os Estados Partes aprovaram também o
“Protocolo sobre Promoção e Proteção de Investimentos Provenientes de Estados
não-membros do Mercosul” (Decisão CMC N° 11/94), também conhecido como
Protocolo de Buenos Aires. Esse instrumento objetivava harmonizar, dentro o bloco,
o tratamento concedido por cada Estado Parte aos investimentos provenientes de
129

terceiros países. Seu artigo primeiro estabelece uma espécie de “cláusula de


harmonização mínima”, segundo a qual os Estados Partes comprometer-se-iam a
conceder a investidores estrangeiros um tratamento “não mais favorável” àquele
estabelecido nas disposições do Protocolo. Estaria resguardada, assim, a liberdade
de adoção de medidas mais restritivas.
No mais, o Protocolo de Buenos Aires prevê que os Estados Partes, uma vez
admitido o investimento estrangeiro, garantirão “tratamento justo e eqüitativo”, sem
assegurar, no entanto, tratamento idêntico àquele conferido aos investidores
nacionais e originários do Mercosul. Assim como o Protocolo de Colônia, permite
nacionalizações ou desapropriações apenas quando assim o exija o interesse público
ou social, após o pagamento de indenização “justa, adequada, imediata ou
oportuna”. Da mesma forma, eventuais controvérsias entre um investidor estrangeiro
e um dos Estados Partes deverão ser resolvidas ou nos tribunais nacionais do
território em que foi realizado o investimento ou mediante recurso à arbitragem
internacional.
O Protocolo de Buenos também não entrou em vigor, por não haver sido
internalizado no Brasil. Por determinação do CMC, ambos os documentos
encontram-se, desde 2004, em processo de revisão no âmbito do Subgrupo de
Trabalho N° 12 “Investimentos”. No caso brasileiro, a discussão sobre a proteção e
promoção de investimentos intra e extrazona insere-se no quadro mais amplo do
debate sobre os chamados “Acordos de Proteção e Promoção de Investimentos”
(APPIs), negociados bilateralmente entre diversos países. O Governo brasileiro tem
adotado o entendimento de que tais acordos trazem dispositivos nocivos à soberania
nacional, inclusive por propiciar aos investidores estrangeiros tratamento, em alguns
casos, mais favorável do que aquele oferecido aos investidores locais. A
possibilidade de que haja recurso à arbitragem internacional sem que antes sejam
esgotados os recursos internos – previsão que está presente tanto no Protocolo de
Colônia (art. 9°) quanto no Protocolo de Buenos Aires (art. 2°, item “h”) também é
considerada problemática e contrária à Constituição brasileira.
130

Outro elemento que torna imperiosa a revisão dos textos dos dois Protocolos
é a circunstância que outros Estados Partes, como Argentina e Paraguai, assinaram
APPIs com outros países, o que gera obstáculos adicionais para a harmonização de
políticas de investimentos no Mercosul.

6.2) Serviços

O “Protocolo de Montevidéu sobre o Comércio de Serviços no Mercosul”,


aprovado em 1997, é a norma que estabelece os parâmetros básicos para a
liberalização desse setor entre os Estados Partes. O comércio de serviços possui
características próprias que o diferenciam do comércio de bens, tratando-se de um
segmento em que a abertura dos mercados é mais lenta, por envolver
regulamentações e interesses nacionais de diferentes tipos. Embora não exista uma
definição unívoca de serviços, podemos dizer que, diversamente do que ocorre com
o comércio de mercadorias, sua característica básica é a intangibilidade117. Fazem
parte do universo de prestação de serviços, dentre outros, setores como o de turismo,
telecomunicações, informática, transportes, serviços financeiros (seguros, por
exemplo), atividades culturais e serviços prestados por profissionais liberais.
O comércio de serviços têm adquirido crescente importância no cenário
internacional. No caso brasileiro, por exemplo, esse segmento respondeu, em 2007,
por 14% das exportações totais do país, segundo dados do MDIC. Esse número deve
ser interpretado à luz do fato de que as exportações brasileiras de serviços, embora
ainda inferiores às importações, têm aumentado a um ritmo superior ao da
exportação de bens, mantendo crescimento anual superior a 20% (em 2007,
atingiram o patamar de US$ 22,5 bilhões)118.
O Protocolo de Montevidéu entrou em vigor em dezembro de 2005, depois da
terceira ratificação, que foi efetuada pelo Brasil. Até o momento, o Paraguai é o
único país que ainda não incorporou o texto ao seu ordenamento jurídico. A partir da

117
WTO. Manual on Statistics of International Trade in Services. Geneva, 2002, p. 7.
118
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. “Panorama do Comércio Internacional de
Serviços 2007 – Dados consolidados”. Ano 3, n.1. Brasília, 2008, p. 7.
131

entrada em vigor do instrumento teve início a contagem do prazo de 10 (dez) anos


para a conclusão do processo de liberalização do comércio de serviços no âmbito do
Mercosul.
Nos termos do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços da OMC (AGCS),
e conforme estabelecido no artigo 2 do Protocolo de Montevidéu, a prestação de
serviços pode ser realizada por meio de quatro diferentes modalidades:

(i) modo 1 (serviços transfronteiriços): prestação de um serviço do território


de um Estado Parte ao território de outro Estado Parte. Não há, nesse caso,
necessidade de que o prestador de serviços se desloque ou se instale no país
importador. Um exemplo seria o de uma empresa de consultoria que elabora
um estudo e o remete, pelos correios ou por meio eletrônico, para o cliente
domiciliado no exterior;
(ii) modo 2 (consumo no exterior): prestação de um serviço no território de um
Estado Parte a um consumidor de serviços de qualquer outro Estado Parte. É
o caso de turistas que consomem serviços no país que estão visitando;
(iii) modo 3 (presença comercial): prestação de um serviço de um Estado Parte
por meio da presença comercial no território de qualquer outro Estado Parte.
Um exemplo desse modo de prestação seria o de um escritório de advocacia
brasileiro que se instala em outro país a fim de prestar consultoria sobre
negócios no Brasil;
(iv) modo 4 (movimento temporário de pessoas físicas prestadoras de
serviços): prestação de um serviço por meio da presença de pessoas físicas de
um Estado Parte no território de qualquer outro Estado Parte.

A maior parte do comércio de serviços concentra-se nos modos 1 e 3. O


modo 4 responde por parcela pouco significativa do total.
Quando da assinatura do Protocolo de Montevidéu os Estados Partes
apresentaram suas listas de compromissos específicos iniciais. Essas listas iniciais
são progressivamente incrementadas por meio de rodadas negociadoras, nas quais os
132

países do bloco assumem novos compromissos de abertura de seus mercados em


diferentes setores. Desde a assinatura do Protocolo foram realizadas, até 2007, seis
rodadas negociadoras.
A Decisão CMC n° 01/06, que aprova as listas de compromissos resultantes
da sexta rodada negociadora, consolida todos os compromissos de abertura
negociados anteriormente. Dentre os setores que se beneficiaram com a
liberalização, podemos mencionar os de telecomunicações, serviços profissionais,
financeiros, de educação, saúde, turismo e transportes.
Na linha do que estabelece o AGCS, um dos pilares do Protocolo de
Montevidéu é o chamado “tratamento nacional”. Segundo esse princípio, os Estados
Partes outorgarão aos serviços e aos prestadores de serviços dos países do bloco
tratamento não menos favorável do que aquele concedido a seus próprios serviços
ou prestadores de serviços similares. No entanto, ao longo das negociações podem
ser negociadas limitações expressas a esse princípio. No caso de serviços jurídicos,
por exemplo, a lista de compromissos do Brasil prevê, como limitação ao princípio
do tratamento nacional no que diz respeito ao modo 3 (presença comercial, como a
instalação de um escritório no país vizinho), que a sociedade de advogados
estrangeira “apenas poderá prestar consultoria em direito estrangeiro”.
Além das limitações ao princípio do tratamento nacional podem ser previstas
também limitações ao acesso a mercados. Essas limitações consistem na imposição
de regulamentos que devem ser observados pelo prestador de serviço. Podem referir-
se à limitação do número de prestadores de serviços (quota) ou à imposição de
restrições específicas para sua operação. Retomando o exemplo utilizado
anteriormente, no caso de serviços jurídicos no modo 3, o Brasil estabeleceu, em sua
lista de compromissos, que “toda sociedade de advogados deve constituir-se sob a
forma de Sociedade Civil”, acrescentando que “fica expressamente vedado o
exercício do procuratório judicial por estrangeiros”.
É importante ressaltar que os Estados Partes podem assumir compromissos
adicionais, que versam normalmente sobre temas de natureza regulatória (como a
edição de normas nacionais sobre o setor objeto de liberalização). No caso de
133

serviços de seguro de saúde, a lista brasileira prevê, como compromisso adicional,


que “o Brasil se compromete a permitir o acesso a investidores estrangeiros de
acordo com regulamentação futura”.
As listas dos países do Mercosul apresentam também “compromissos
horizontais”, assim denominados por dizerem a respeito a todos os setores. No caso
brasileiro, por exemplo, exige-se, para toda empresa estrangeira que decidir prestar
serviços no território nacional, organização “sob uma das formas societárias
previstas em lei no Brasil”, inclusive com o respectivo registro do contrato social
junto ao registro público competente.
É facultado aos países não assumir compromissos num dos modos específicos
de prestação de serviços. O jargão técnico “não consolidado” é utilizado para indicar
que o país se escusa de assumir compromissos de abertura num determinado modo
de prestação.
As listas de compromissos dos Estados Partes do Mercosul são organizadas
em forma de colunas. A primeira coluna indica o setor ou sub-setor em que se
assume um compromisso. No exemplo dado a seguir, o setor é o de “serviços
prestados às empresas”. A segunda coluna aponta as limitações de acesso a
mercados e a terceira as limitações ao tratamento nacional. A última coluna é
reservada para os compromissos adicionais:

Protocolo de Montevidéu sobre o Comércio de Serviços


Brasil – VI Rodada de Negociações
Modos de prestação: 1) Prestação Transfronteiriça 2) Consumo no Exterior 3) Presença
Comercial 4) Presença de Pessoas Físicas
SETOR UM SUB- LIMITAÇÕES AO LIMITAÇÕES AO COMPROMISS
SETOR ACESSO A TRATAMENTO OS
MERCADOS NACIONAL ADICIONAIS
II. COMPROMISSOS SETORIAIS
1. SERVIÇOS 1) Nenhuma 1) Nenhuma
PRESTADOS 2) Nenhuma 2) Nenhuma
ÀS EMPRESAS 3) Toda sociedade 3) A sociedade de
134

A. Serviços de advogados advogados


profissionais deve constituir-se estrangeira apenas
a. Serviços sob a forma de poderá prestar
Jurídicos Sociedade Civil. consultoria em
(CPC 861) Fica direito estrangeiro
expressamente 4) Não consolidado,
vedado o exceto pelo indicado
exercício do na seção horizontal
procuratório
judicial por
estrangeiros.
4) Não consolidado,
exceto pelo
indicado na seção
horizontal.

Como se vê, as limitações ao acesso a mercados e ao tratamento nacional são


indicadas de acordo com o modo de prestação do serviço. No exemplo acima,
relativo a serviços jurídicos, não existem limitações de nenhum tipo para os modos 1
e 2. Já para o modo 3 (presença comercial) são impostas limitações tanto de acesso a
mercados quanto de tratamento nacional. Por fim, o modo 4 (movimento temporário
de pessoas físicas prestadoras de serviços) não foi consolidado, o que significa,
como vimos, que não se assumiu nenhum compromisso de liberalização.
135

CAPÍTULO 7 – OUTROS TEMAS RELEVANTES DA AGENDA DO


MERCOSUL

7. 1) Tratamento de Assimetrias

O tratamento de assimetrias entre os Estados Partes do Mercosul é um dos


principais temas da agenda mais recente do bloco. Embora desde o início as normas
comunitárias tenham previsto políticas diferenciadas para as duas economias
menores, tais como a adoção de prazos mais elásticos para a implementação da TEC
para algumas categorias de produtos e a manutenção de um número maior de itens
em listas de exceções, apenas mais recentemente surgiram iniciativas no sentido de
se elaborar estratégias mais amplas visando à atenuação das diferenças nos níveis de
desenvolvimento entre os países da região.
O Tratado de Assunção, sensível aos contrastes existentes, estabeleceu, em
seu artigo 6°, que os “Estados Partes reconhecem diferenças pontuais de ritmo para
a República do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai”. No entanto, no
caso específico do TA, essas “diferenças de ritmo” permitiam apenas que os dois
países menores pudessem excluir, por mais tempo, produtos do cronograma de
desgravação tarifária, de forma a proteger setores mais sensíveis de suas economias.
O fato é que não havia, no documento que estabeleceu o Mercosul, preocupação
explícita com as disparidades entre os Estados Partes. Como assinala Salgado, “o
texto de Assunção não coloca explicitamente a redução de desequilíbrios entre as
preocupações centrais do processo de integração, reconhecendo apenas de forma
implícita a existência de assimetrias, através das referidas disposições temporárias
que beneficiavam os sócios menores”119.
As razões para que o Mercosul iniciasse sua trajetória sem atentar para a
criação de dispositivos que minorassem os efeitos das assimetrias entre seus
participantes é fruto do contexto político vivido pelos países da região no início da
década de 90. A circunstância de que os dois maiores países do bloco, Argentina e
136

Brasil, estavam implementando políticas de corte liberal, com acelerada abertura de


suas economias, deixava pouco espaço para a discussão do tema120, especialmente
em função da crença de que a liberalização das trocas poderia, por si só, ter efeito
positivo na redução das desigualdades entre os Estados Partes.
O decorrer dos anos acabou por impor a visão, mais realista, de que o
enfrentamento de assimetrias é requisito indispensável para o aprofundamento do
processo de integração. A manutenção de desequilíbrios entre as partes envolvidas
poderia gerar um sério obstáculo à manutenção do projeto integracionista: o desnível
de benefícios121. A percepção de que a integração não traz os resultados esperados é
fenômeno capaz de afetar diretamente o engajamento e a disposição em seguir os
objetivos previamente estabelecidos. Essa interpretação de que o Mercosul tardava
em gerar resultados positivos levou Paraguai e Uruguai a pleitearem, sobretudo a
partir de 2003, a concepção de políticas específicas para as economias menores.
As assimetrias são geralmente classificadas em duas espécies122: estruturais e
de políticas. No primeiro caso agrupam-se diferenças de tamanho entre as
economias, dotação de fatores, grau de desenvolvimento e níveis de pobreza e
exclusão social. Já as assimetrias de políticas dizem respeito a diferenças existentes
entre as políticas públicas dos Estados Partes e em sua capacidade de intervir na
economia por meio, por exemplo, de estímulos para a atração de investimentos. Em
função de sua natureza, a correção de assimetrias estruturais tende a se revelar mais
difícil, ao passo que, em tese, as assimetrias de políticas podem ser objeto de
tratamento específico, por meio de sua paulatina harmonização.
O exame das assimetrias existentes no âmbito do Mercosul é, porém,
complexa. Embora o Brasil seja a maior economia da região, é apenas o terceiro país
em termos de PIB per capita, situando-se à frente apenas do Paraguai. Já Argentina

119
Salgado, Reinaldo J. A.. “Fundos Estruturais para o MERCOSUL: Lições da Experiência Européia”. Tese
apresentada ao Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Brasília, mimeo., 2006, p. 134.
120
Ibidem, p. 135.
121
Arriola, Salvador. “Economia e Política Externa na América Latina, Política Externa e processos de
integração. As assimetrias e a integração: o começo de uma resposta”. In: Política Externa, vol. 11, n° 2, set-
dez 2002, p. 105.
122
Cf. Terra , Maria Inés. Asimetrías en el Mercosur: ¿ Un obstáculo para el crecimiento ?. In: Massi, F. e
Terra, M.I. (orgs.). Asimetrías en el Mercosur: ¿impedimento para el crecimiento? Montevideo, Red
Mercosur de Investigaciones Económicas, 2008, p. 6.
137

e Uruguai, cujas economias são menores que a brasileira, possuem indicadores


sociais melhores123. Qualquer enfoque a ser dado ao tema, portanto, deve ter a
cautela de considerar que as assimetrias estruturais podem ser analisadas a partir de
diferentes ângulos. Além disso, regiões de um mesmo país podem apresentar
distintos níveis de desenvolvimento, o que caracterizaria, para além da assimetrias
entre países, a existência de assimetrias internas.
O tratamento de assimetrias no Mercosul têm se desdobrado em ações de dois
tipos: implementação de medidas pontuais e temporárias e a concepção de políticas
mais amplas e estruturais.

7.1.1) Ações pontuais

Na primeira categoria enquadram-se as flexibilidades outorgadas a Paraguai e


Uruguai no cumprimento de normas comerciais do bloco, especialmente no que diz
respeito à observância da TEC e do Regime de Origem do Mercosul. Por
“flexibilidades” devemos entender a autorização para que esses dois países não
observem, dentro de certos limites, as disciplinas comuns. A idéia é a de que tenham
uma margem de liberdade para acomodar seus interesses mais sensíveis e aumentar
a competitividade de suas economias.
Essas flexibilidades foram concedidas desde a implementação da união
aduaneira, consistindo, como já assinalamos anteriormente, em prazos mais
dilatados para a adoção da TEC e na possibilidade de manter listas de exceções
adicionais. No entanto, é a partir de 2003 que as duas economias menores passaram
a demandar mais ativamente maiores flexibilidades no cumprimento das regras
comunitárias. Nesse ano foi aprovada a Decisão CMC n° 31/03, a qual se outorgou
ao Paraguai 150 itens adicionais em suas listas de exceções (sem prejuízo de lista
anterior, de 399 itens, que lhe foi concedida por meio da Decisão CMC n° 07/94,
bem como dos 100 itens a que têm direito todos os Estados Partes). O Uruguai
passou a usufruir de benefício similar, passando a contar com nova lista de

123
Uma ampla análise das assimetrias no Mercosul a partir de diferentes indicadores pode ser consultada em
Salgado, Reinaldo, op. cit., pp. 115-132.
138

exceções, composta por 125 itens adicionais. Além disso, a Decisão CMC n° 32/03
concedeu ao Paraguai a possibilidade de importar com alíquota reduzida de 2% uma
série de matérias-primas. A mesma norma deu a Paraguai e Uruguai o direito de
importar, também com alíquota de 2%, insumos agropecuários. Todos esses
benefícios aprovados em 2003 são válidos até 2010, ressalvada a possibilidade de
nova decisão dos Estados Partes estendendo esse prazo.
Ademais, Paraguai e Uruguai poderão manter suas listas de exceções de 100
itens até 2015, ao passo que as listas brasileiras são válidas apenas até 2011,
conforme a norma atualmente vigente (Decisão CMC n° 59/07). Como se pode
observar, as duas economias menores do bloco estão autorizadas a praticarem tarifas
diferentes para uma gama maior de produtos e em prazos mais amplos que aqueles
concedidos a Argentina e Brasil.
Também em 2003 Paraguai e Uruguai passaram a gozar de benefícios no
cumprimento das regras de origem do Mercosul. A partir desse ano o índice de
conteúdo regional exigido dos produtos paraguaios passou a ser de 40%,
flexibilidade que foi estendida, por meio da Decisão CMC n° 16/07, até 2022. Já os
produtos uruguaios passaram, a partir da aprovação da Resolução GMC n° 37/04, a
ter de observar um índice de conteúdo regional de 50% (o mesmo concedido pelo
Mercosul em seu acordo com os países andinos), lembrando que a regra geral do
bloco, aplicável a Argentina e Brasil, é de 60%.
Em tese, as medidas pontuais mencionadas têm como objetivo principal
permitir que Paraguai e Uruguai possam manter e incrementar a competitividade de
suas economias por meio da importação de insumos com custo reduzido,
abastecendo-se, quando julgarem conveniente, de produtos de fora do bloco. Da
mesma forma, a maior flexibilidade no cumprimento do regime de origem poderia
incitar o surgimento de unidades produtivas nesses dois países, porquanto os
empresários que ali se instalem poderão, ao menos numa fase inicial, ter maior
liberdade na escolha de seus fornecedores de matérias-primas.
As flexibilidades mencionadas consubstanciam, no entanto, novas
perfurações à TEC. Devem ser vistas, por essa razão, como medidas excepcionais. A
139

realidade tem apontado, porém, as dificuldades dos Estados Partes em abandonar


esse tratamento excepcional, como revela a sucessiva prorrogação dos prazos de
vigência dos benefícios (inclusive daqueles que beneficiam também as economias
maiores). Como indicamos há pouco, existem listas de exceções com validade pelo
menos até 2015. Da mesma forma, existem flexibilidades na observância das regras
de origem asseguradas até 2022. Se por um lado essas medidas podem ser vistas
como contraproducentes no esforço de consolidação da união aduaneira, deve-se ter
em conta, por outro, que são necessárias para responder a demandas específicas dos
sócios, resultando da conciliação política de diferentes interesses dos Estados Partes.

7.1.2) Ações estruturais: FOCEM

O Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) é a mais


relevante ferramenta hoje existente no bloco para tratar as assimetrias de uma
maneira mais sistemática124. Em funcionamento desde 2006, esse Fundo (cujo
funcionamento deverá ser reavaliado pelos Estados Partes após 10 anos) tem o
objetivo de financiar projetos que dêem suporte e aprofundem o processo de
integração. De acordo com o disposto na Decisão CMC n° 18/05, que versa sobre a
integração e o funcionamento do FOCEM, são quatro as vertentes principais desse
instrumento:

(i) convergência estrutural: as ações relativas à convergência estrutural devem


enfatizar a infra-estrutura de integração física e os sistemas de comunicações
entre os Estados Partes;
(ii) desenvolvimento da competitividade dos Estados Partes: tem por objeto
ações que propiciem a criação de comércio intra-Mercosul, incentivando,
ademais, projetos de integração produtiva e de fortalecimento da qualidade

124
Todavia, como assinala Reinaldo Salgado, a própria Decisão que instituiu o Fundo foi cautelosa ao “evitar
uma formulação que explicitasse uma caracterização do FOCEM como principal instrumento” para o
tratamento de assimetrias. Resta implícito, no texto, que o FOCEM existe para “contribuir”, “promover” ou
“desenvolver” esses objetivos, que deveriam ser igualmente buscados por outros meios. A cautela seria
140

da produção, bem como a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e


processos produtivos;
(iii) promoção da coesão social (especialmente nas economias menores e regiões
menos desenvolvidas): os projetos dessa vertente devem colaborar para o
desenvolvimento social, notadamente em regiões de fronteira, incluindo
ações no campo da saúde humana, redução da pobreza e combate ao
desemprego.
(iv) fortalecimento da estrutura institucional do bloco: nesta vertente deverão ser
financiados projetos de aperfeiçoamento da estrutura institucional do
Mercosul.

O FOCEM é integrado por contribuições não-reembolsáveis dos Estados


Partes. Seu orçamento anual é de US$ 100 milhões e as contribuições são
diferenciadas, em montantes estabelecidos de acordo com a média histórica do PIB
de cada um dos países. O Brasil aporta 70% dos recursos; a Argentina, 27%; o
Uruguai, 2% e o Paraguai, 1%. Tendo em vista o propósito de minorar as
assimetrias entre os Estados Partes, a distribuição dos recursos foi definida de
maneira a beneficiar sobretudo as economias menores. Dessa forma, o total de US$
100 milhões deverá financiar projetos na seguinte proporção: Paraguai, 48%;
Uruguai, 32%; Argentina, 10% e Brasil, 10%.
Embora os US$ 100 milhões possam à primeira vista parecer um montante
insuficiente para redução de disparidades, é importante notar que os recursos
alocados ao Paraguai representam, por si só, 0,85% do PIB daquele país em 2003,
quantia significativa quando se considera que se trata de financiamento a fundo
perdido125.
Os projetos apresentados pelos Estados Partes devem passar por uma
avaliação técnica antes de sua aprovação final pelo CMC. Essa análise técnica é
efetuada por duas instâncias distintas: num primeiro momento o projeto deve ser

justificada pelo fato de que “objetivos excessivamente ambiciosos são freqüentemente receita certa para a
frustração das expectativas e para perda de credibilidade”. Cf. Salgado, Reinaldo, op. cit., p. 157.
125
Salgado, Reinaldo, op. cit., p. 157.
141

submetido, no próprio país que tenciona apresentá-lo, à Unidade Técnica Nacional


FOCEM (UTNF) e, numa segunda etapa, pela Unidade Técnica FOCEM
estabelecida no âmbito da Secretaria do Mercosul (UTF/SM). O procedimento para
a apresentação de projetos é estabelecido no Regulamento do FOCEM, aprovado
por meio da Decisão CMC n° 24/05.
Os primeiros projetos financiados com recursos do FOCEM foram aprovados
a partir de janeiro de 2007, permitindo ações em diferentes áreas, como habitação,
questões sanitárias, transportes e biossegurança. Como já assinalado, todos os
projetos devem ser aprovados por meio de Decisão do CMC. Embora ainda esteja
em sua fase inicial de implementação, os Estados Partes, em especial o Brasil, já
manifestaram seu propósito de fortalecer o FOCEM e incrementar os seus recursos,
de maneira a ampliar seu impacto no processo de integração.
O Fundo é uma experiência pioneira em processos de integração envolvendo
apenas países em desenvolvimento. Do ponto de vista político, explicita o claro
compromisso das economias maiores do bloco com a atenuação das assimetrias. O
Mercosul pode, porém, ir além, adotando ações e políticas de maior impacto ao
longo do tempo. Algumas iniciativas nesse sentido - algumas das quais já estão
presentes, ainda que de forma embrionária, no âmbito do bloco - poderiam ser
mencionadas: ampliação de financiamentos para infra-estrutura; estabelecimento de
canais de financiamento para estimular exportações para os países mais
desenvolvidos; realização de estudos de oferta exportável; cooperação técnica para
reconversão industrial e melhoria da qualidade da produção126. Parte dessas ações
pode ser contemplada com recursos do próprio FOCEM.

7.2) Coordenação de políticas macroeconômicas

A coordenação de políticas macroeconômicas é um dos requisitos


fundamentais para a constituição do mercado comum, tal como enunciado no artigo
1° do Tratado de Assunção. Os resultados concretos nessa matéria ainda se revelam

126
Arriola, Salvador, op. cit., pp. 105-109.
142

tímidos, embora, sobretudo na primeira década do bloco, tenham sido apresentadas


declarações e cartas de intenções relativamente ambiciosas.
Esse nível de ambição inicial era uma decorrência natural do fato de que o
estabelecimento e o posterior bom funcionamento do espaço econômico comum
dependem da estabilidade das políticas econômicas de cada um dos sócios. Afinal, a
instabilidade de um dos parceiros é claramente nociva ao processo de integração
(por afetar negativamente os fluxos de comércio e a capacidade de atrair
investimentos), além do que a maior interdependência engendrada pela integração
faz com que os problemas macroeconômicos enfrentados por um dos integrantes se
estenda aos demais (efeito de “derrame”)127.
A coordenação de políticas macroeconômicas exige que os países do bloco
concertem posições em matéria de câmbio, política monetária e política fiscal. Além
disso, como trabalho de base, deverá haver uma harmonização de indicadores
estatísticos, a fim de se evitar discrepâncias nas mensurações de dados relevantes
para a convergência macroeconômica. Em seguida, é importante que os Estados
Partes tenham metas comuns de dívida pública e inflação e, numa última e mais
difícil etapa, estabeleçam as condições necessárias, se assim o desejarem, para a
adoção de uma moeda comum.
Nos anos 90, a implementação pela Argentina do regime de conversibilidade
(currency board) e sua manutenção ao longo daquela década veio a constituir
“obstáculo quase intransponível”128 a uma maior coordenação de políticas
macroeconômicas no âmbito do Mercosul. Conquanto o Brasil tenha, a partir da
implementação do Real, em 1994, observado uma política artificial de valorização
da moeda nacional frente ao dólar (com a adoção de um sistema de “bandas
cambiais” que estabeleciam os patamares de oscilação do dólar), a situação tornou-
se insustentável em 1999, ano em que se passou ao regime de câmbio flutuante. A
abrupta desvalorização do real daí decorrente acabou desencadeando problemas no

127
Fanelli, José María. “Coordinación macroeconómica en el Mercosur: balance y perspectivas”. In:
Chudnovsky, D. et Fanelli, J.M. (orgs.). El desafío de integrarse para crecer – Balance y perspectivas del
Mercosur en su primera década. Buenos Aires, RED de Investigaciones Económicas del
MERCOSUR/BID/Siglo XXI Editores, 2001, p. 3.
143

relacionamento comercial com os demais países do bloco, já que a depreciação da


moeda brasileira reduziu o valor dos produtos locais e impulsionou, por outro lado,
as exportações brasileiras. Essa conjuntura acarretou, na prática, dificuldades para
qualquer negociação mais ambiciosa com vistas a uma maior harmonização das
políticas econômicas, já que os dois principais sócios do Mercosul, Argentina e
Brasil, passaram a ter regimes cambiais distintos: a “semelhança das respostas
macroeconômicas de Brasil e Argentina aos choques externos – que já não era
grande sob o regime de bandas cambiais brasileiro – tornou-se nula após 1999”129.
Às instabilidades enfrentadas pelos dos maiores países do bloco em meados
dos anos 90 somaram-se as crescentes reticências com relação aos custos que
resultariam da decisão de se promover, de maneira concreta, maior coordenação
macroeconômica. Essa decisão requereria não apenas uma perda de parte da
autonomia dos Estados nacionais no campo econômico, mas também a concepção de
instituições comunitárias que gerissem sua efetiva observância, inclusive com
mecanismos de incentivo e de enforcement. Renunciar a essa autonomia e conceber
instituições comuns tornaram-se, na prática, objetivos difíceis de se atingir na
década inicial do Mercosul, seja porque os países da região se caracterizavam por
uma marcada discricionariedade econômica, seja pela volatidade e vulnerabilidade
enfrentadas em face de choques externos130.
Paradoxalmente, em julho de 1998, poucos meses antes da crise cambial que
comprometeria, a partir do início de 1999, os diferentes esforços de coordenação
macroeconômica, os Presidentes dos Estados Partes reafirmaram, em Ushuaia, a
necessidade de iniciativas que permitissem estabelecer disciplinas comuns em
matéria fiscal e de investimentos, de modo a avançar na harmonização de políticas
macroeconômicas e facilitar “o futuro estabelecimento de uma moeda única no
Mercosul”131.

128
Enge, Leonardo A. C. A Convergência Macroeconômica Brasil-Argentina: Regimes Alternativos e
Fragilidade Externa. Brasília, IRBr/FUNAG, 2004, p. 108.
129
Ibidem, p. 109.
130
Cf. Fanelli, op. cit., p. 7.
131
Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Estados Partes do Mercosul. Ushuaia, 24 de julho de 1998.
144

Os empecilhos que surgiram para uma efetiva coordenação explicam por que
o principal ponto da agenda de “relançamento” do Mercosul em 2000 na matéria
dizia respeito à harmonização de indicadores macroeconômicos, ação que é
considerada apenas um passo prévio, embora fundamental, para avanços futuros em
questões macroeconômicas. O estabelecimento e publicação de indicadores
estatísticos comuns é visto como ferramenta indispensável para que os Estados
Partes possam vir a dialogar sobre suas políticas econômicas. É por essa razão que
se decidiu, em junho de 2000, criar, no âmbito da Reunião de Ministros da
Economia e Presidentes dos Bancos Centrais, o Grupo de Monitoramento
Macroeconômico (GMM), órgão responsável por avançar nas discussões sobre a
harmonização de indicadores.
Em dezembro de 2000 os Estados Partes aprovaram a “Declaração
Presidencial sobre Convergência Macroeconômica”. Trata-se do último documento
em que os países do bloco manifestam, em alto nível, o compromisso de atingir
metas específicas comuns em matéria macroeconômica. A Declaração indicou 2001
como “ano de transição”, no qual os Estados Partes anunciariam seus objetivos
específicos de inflação e de dívida do setor público. Já a partir de 2002 deveriam ser
buscadas metas comuns para os seguintes indicadores: inflação (máximo de 5% nos
anos de 2002 a 2005, exceto para o Brasil, em 2002, e para o Paraguai); variável de
fluxo fiscal (3% em 2002 e 3,5% em 2003 e 2004); dívida pública (40% do PIB a
partir de 2010). O país que se desviasse das metas deveria apontar ao GMM as
medidas corretivas pertinentes. Não houve, na prática, preocupação em se observar
ou revisar as metas estabelecidas.
Os anos recentes indicam uma diminuição do nível de ambição dos Estados
Partes em matéria de coordenação de políticas macroeconômicas. Desde a
Declaração Presidencial de 2000 que os países do bloco não ousam falar em metas
comuns. Esse afastamento dos projetos iniciais demonstra a conveniência de se
adotar, inicialmente, objetivos mais modestos. Como observa Martín Redrado, entre
uma postura minimalista, voltada para a manutenção do “status quo”, e uma
145

maximalista, como a que defende a adoção de uma moeda comum, os Estados Partes
têm amplo espaço para cooperar132.
Como visto, superada a fase em que os Estados Partes buscavam objetivos
“maximalistas” - tendo se aventado até mesmo a adoção de uma moeda comum -,
existe atualmente uma maior cautela no estabelecimento de objetivos de
coordenação macroeconômica. Isso explica a quase que exclusiva concentração em
tarefas básicas como a harmonização de indicadores macroeconômicos, em
detrimento da precoce indicação de metas a serem cumpridas pelos países do bloco.
Alguns estudiosos da questão ponderam mesmo que a coordenação de
políticas macroeconômicas constituiria um esforço político desnecessário, não
justificado seja pelo peso do comércio intrazona na atividade econômica geral dos
países do bloco, seja pelas assimetrias entre os seus integrantes133. Por outro lado, os
que defendem uma coordenação macroeconômica mais profunda sublinham alguns
fatores que poderiam contrabalançar os custos políticos envolvidos, tais como a
geração de economias de escala, decorrentes da inexistência de incertezas
decorrentes de oscilações cambiais, e a diminuição dos riscos de retrocessos no
processo de integração, haja vista o fortalecimento de interdependência dos países
do bloco134.
Na verdade, a coordenação de políticas macroeconômicas é um instrumento
importante em qualquer projeto de integração mais profunda, como a união
aduaneira ou o mercado comum. A experiência recente tem demonstrado que as
diferenças entre os modelos cambiais podem ter, em cenários de crise internacional,
considerável impacto no comércio intrazona. Não obstante, é possível, no atual
estágio do processo de integração - em que os objetivos originalmente enunciados
no Tratado de Assunção são tomados como projetos de longo prazo -, buscar, ao
menos por ora, apenas um maior diálogo entre as autoridades econômicas de cada

132
Redrado, Martin. “La cooperación macroeconómica como requisito de la integración”. In: Hugueney, C. e
Cardim, C.H. Grupo de Reflexão Prospectiva sobre o Mercosul. Brasília, IPRI/FUNAG/SGIE/BID, 2003, p.
10.
133
Guimarães, Samuel Pinheiro. “Aspectos econômicos do Mercosul”. In: Revista Brasileira de Política
Internacional, ano 39, n° 1, 1996, p. 30.
134
Giambiagi, Fábio. Moeda única do Mercosul: notas para o debate. In: Revista Brasileira de Política
Internacional, ano 41, n° 1, 1998, pp. 34-36.
146

um dos países, de forma a que se adotem progressivamente medidas de integração


financeira, por exemplo.
Um dos exemplos desse enfoque foi dado recentemente pela decisão dos
Bancos Centrais da região de implementar o Sistema de Pagamentos em Moedas
Locais (SML). Esse mecanismo, que entrou em vigor em outubro de 2008
inicialmente apenas entre Argentina e Brasil, permite a realização de transações
comerciais em moeda local (real ou peso). Ao dispensar a utilização do dólar, acaba
diminuindo os custos das operações, propiciando, além disso, uma maior integração
entre os mercados financeiros dos dois países. Muito embora os mais otimistas
tenham mencionado que o sistema poderia constituir um “embrião” para a posterior
adoção de uma moeda única, o fato é que seus objetivos são menos ambiciosos,
visando primordialmente a reduzir custos e a facilitar as operações comerciais entre
empresas do bloco.
Apesar de estar em funcionamento apenas entre Argentina e Brasil, o SML é
um formalmente um instrumento comunitário, porquanto aprovado por meio de
normas do Mercosul135. A decisão de Paraguai e Uruguai de não participar do
sistema não foi definitiva, já estando em curso entendimentos com autoridades
desses dois países para a adoção do mecanismo. A operacionalização do SML
depende, porém, do cumprimento de algumas exigências técnicas e do
estabelecimento de convênios entre os Bancos Centrais participantes.

7.3) Compras Governamentais

O Protocolo de Compras Governamentais do Mercosul (PCP), aprovado por


meio da Decisão CMC N° 23/06, tem como objetivo central possibilitar aos
fornecedores de bens e prestadores de serviços estabelecidos da região acesso às
compras realizadas pelas entidades públicas dos Estados Partes.
O mercado de compras públicas pode desempenhar relevante papel no
processo de integração. Ao lado do aspecto simbólico, concernente à progressiva

135
Cf. Decisões CMC N° 38/06 e N° 25/07.
147

redução da discriminação entre as empresas nacionais e aquelas dos países vizinhos,


um sistema de compras de abrangência regional poderá colaborar para uma maior
concorrência e uma melhor eficiência nas aquisições realizadas pelas entidades
públicas.
Ao longo da Rodada Uruguai foi negociado o Acordo sobre Contratações
Públicas (ACP), assinado em 1994 e em vigor desde 1996. Trata-se de um acordo
plurilateral, o que significa que apenas os membros da OMC que assim o desejarem
estarão a ele vinculados. Esse acordo incorpora princípios que vieram a ser
posteriormente consagrados também no Protocolo de Compras Governamentais do
Mercosul, tais como o de tratamento nacional136, não-discriminação e transparência
nas informações e procedimentos relativos às contratações.
A cobertura do Protocolo não é, porém, irrestrita, podendo os Estados Partes
restringirem o acesso a seu mercado de diversas maneiras, excluindo do alcance do
acordo entidades públicas, bens, serviços e obras. Essas exceções figuram nos
anexos do PCP, os quais apresentam:

• lista positiva de entidades públicas;


• lista negativa de bens;
• lista positiva de serviços;
• lista positiva de obras públicas;
• patamares (valores acima dos quais as contratações públicas estarão
sujeitas às disciplinas do Protocolo).

O Protocolo aplica-se, em princípio, às contratações públicas de entidades de


todos os níveis de governo (federais e subfederais). No entanto, como assinalado,
podem os Estados Partes, em suas listas positivas de ofertas, excluir as entidades de
algum dos níveis de Governo. Este é o caso do Brasil, que inseriu em sua lista
apenas entidades vinculadas ao Governo Federal, incluindo a maior parte dos

136
Artigo 5° do Protocolo: “Com relação a todas as leis, regulamentos, medidas e práticas que afetem as
contratações públicas cobertas por este Protocolo, cada Estado Parte outorgará aos bens e serviços e obras
148

Ministérios e órgãos como a Advocacia Geral da União, o Ministério Público da


União e diferentes instâncias do Poder Judiciário. Cumpre notar que a retirada de
uma entidade da lista positiva poderá engendrar pedido de compensações por parte
do Estado Parte interessado.
Além disso, o Protocolo estabelece “patamares” para o regime de
contratações públicas do Mercosul. Os patamares (constantes do Anexo V do
Protocolo) definem o valor acima do qual as empresas de outros Estados Partes
poderão participar do processo de compras governamentais. O patamar do Brasil
tanto para bens quanto para serviços é de US$ 75.000, inferior ao dos demais
Estados Partes (US$ 200.000 para Paraguai e Uruguai e US$ 150.000 para a
Argentina) e de US$ 3 milhões para obras públicas (o patamar dos demais Estados
Partes para obras públicas será objeto de negociação futura). Isso significa, em
consonância com o reconhecimento das assimetrias entre os Estados Partes, que há
maior possibilidade de que uma empresa de Paraguai e Uruguai participem de uma
contratação pública no Brasil do que o oposto. Esses valores deverão ser reajustados
anualmente pela CCM, em sua primeira reunião ordinária do ano.
O Anexo II apresenta a lista de bens que não estarão sujeitos às disposições
do Protocolo (lista negativa). O Brasil foi o único país que não apresentou nenhum
tipo de restrição. O Anexo III apresenta a lista positiva de serviços que se
beneficiam dos dispositivos do Protocolo. A lista brasileira contempla, por exemplo,
abertura na área de comunicações, distribuição, turismo e educação. Por fim, o
Anexo IV contém a lista positiva de obras públicas cobertas pela norma. O Brasil foi
o único país que indicou sua lista, contemplando serviços de construção e serviços
relacionados à engenharia. Os demais Estados Partes comprometeram-se a negociar
suas listas futuramente.
O PCP ainda não está em vigor, por depender de aprovação parlamentar nos
Estados Partes. Sua entrada em vigência ocorrerá assim que pelos menos dois países
concluírem os procedimentos de internalização. Os trâmites para a incorporação
dessa norma aos ordenamentos jurídicos nacionais vêm se desenrolando desde 2006.

públicas e aos fornecedores e prestadores de qualquer Estado Parte (...) um tratamento não menos favorável
do que o que outorgue aos seus próprios bens, serviços, obras públicas, fornecedores e prestadores (...)”.
149

Uma vez em vigor, os Estados Partes deverão dar início a negociações para
completar a liberalização do mercado de contratações públicas do bloco, reduzindo,
progressivamente, as restrições impostas pelas listas e patamares. As rodadas de
negociações deverão ser realizadas pelo menos a cada dois anos, a fim de aumentar
de maneira paulatina a cobertura do Protocolo.
O PCP poderá, quando estiver em vigor, representar mais um importante
instrumento para o fortalecimento do Mercosul, contribuindo para o incremento das
trocas comerciais entre os Estados Partes e para a consolidação do espaço
econômico comum. Poderá exercer, além disso, importante papel na atenuação das
assimetrias, o que justifica, por exemplo, o fato de a oferta brasileira ser mais ampla
do que aquela dos demais Estados Partes, abrindo um vasto leque de oportunidades
para empresas dos países vizinhos. A paulatina liberalização do mercado de compras
públicas – pode-se cogitar, no caso brasileiro, da futura incorporação de governos
subnacionais, o que beneficiará diretamente regiões de fronteira – terá efeito salutar
também para o Poder Público, permitindo, como salientamos anteriormente, uma
redução de custos resultante da crescente competição entre empresas da região.

7.4) Relacionamento Externo do Mercosul

O Mercosul tem procurado obter acesso a novos mercados e diversificar o


destino de suas exportações, consolidando-se como um importante ator
internacional. Para isso, estabeleceu, desde sua gênese, uma ambiciosa agenda de
negociações com outros países e blocos. Essa atuação externa do bloco teve início
quase que simultaneamente à sua criação137: em abril de 1991 realizou-se a primeira
reunião de Chanceleres Mercosul-União Européia e em junho de 1991 foi assinado
com os Estados Unidos o Rose Garden Agreement, ou Acordo 4+1, com o objetivo
de incrementar o comércio entre as duas partes.
Os entendimentos com dois dos principais pólos do comércio internacional
não ocorreu por acaso. Para o Mercosul, o estreitamento do relacionamento

137
Araújo, Ernesto H. F. O Mercosul: negociações extra-regionais. Brasília, FUNAG, 2007, p. 39.
150

comercial com a UE contribuía para contrabalançar o peso dos EUA no hemisfério.


Almejava-se, dessa forma, “um equilíbrio com seus dois principais parceiros”,
estratégia similar àquela tradicionalmente adotada pela diplomacia brasileira, motivo
pelo qual o relacionamento externo do bloco consubstanciava-se, à época, “em torno
de um raciocínio de natureza muito mais política e estratégica do que propriamente
comercial”138.
Em se tratando de uma união aduaneira, dotada de uma tarifa comum, é
natural que as negociações externas sejam levadas a cabo pelo bloco como um todo,
e não pelos países-membros individualmente. Caso um dos Estados Partes
negociasse, isoladamente, preferências tarifárias com parceiros de outras regiões,
acabaria por criar, na prática, diversas “perfurações” na TEC. Além disso, a
negociação em bloco confere, ao menos em tese, maior peso negociador a cada um
dos membros, que poderão, assim, ter maior influência no rumo das conversações.
Em contrapartida, não se pode esquecer que a exigência de coordenação impõe
dificuldades relacionadas à conciliação dos diferentes interesses e visões dos
integrantes do bloco.
Para além do aspecto propriamente econômico, as negociações em conjunto
são corolário da própria personalidade jurídica de direito internacional do Mercosul,
consagrada no POP. O Tratado de Assunção já deixava evidente a necessidade de
que o Mercosul atuasse, em matéria comercial, como um ator único, ao referir-se,
em seu artigo 1°, ao estabelecimento da TEC e à “adoção de uma política comercial
comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados”. A partir de
Ouro Preto, o CMC adquiriu a competência para assinar acordos em nome do bloco,
em substituição de cada um dos membros individualmente.
Em síntese, o fato de o Mercosul ter-se estabelecido, a partir de 1995, como
uma união aduaneira, tornou imprescindível que suas negociações externas fossem
empreendidas pelo bloco como um todo, e não por suas partes individualmente. Esse

138
Ibidem, p. 40.
151

“status” de união aduaneira dotou o Mercosul da unicidade necessária para se


manifestar, no plano comercial, como um sujeito de Direito Internacional Público139.
Em 2000, por meio da Decisão CMC N° 32/00, o Mercosul reiterou a
obrigatoriedade de que os Estados Partes negociem em conjunto acordos com
terceiros países ou blocos de países em que se outorguem preferências tarifárias.
Essa norma contém duas determinações básicas. A primeira delas diz respeito ao
fato de que os Estados Partes “reafirmam” seu compromisso de negociar acordos
comerciais com terceiros países ou blocos apenas de forma integrada. Temos uma
“reafirmação” porque o compromisso de negociar conjunto antecede, na verdade, a
própria Decisão CMC N° 32/00, remontando à constituição da união aduaneira: com
a TEC, tornava-se inviável negociar concessões tarifárias de maneira unilateral.
A segunda determinação diz respeito à esfera das negociações comerciais
regionais, no âmbito da ALADI. O art. 2° da Decisão n° 32/00 prescreve que os
acordos celebrados bilateralmente com outros parceiros no âmbito da ALADI antes
do estabelecimento da união aduaneira continuariam válidos. No entanto, a partir de
30 de junho de 2001 novos acordos no âmbito da ALADI que envolvessem
concessões comerciais só poderiam ser celebrados de maneira conjunta. Dessa
forma, ficou claro que tanto negociações regionais quanto extra-regionais só
poderiam ser levadas a cabo pelo bloco como um todo, e não por seus integrantes
individualmente.
À luz do que consta da Decisão CMC N° 32/00, podemos, por conseguinte,
distinguir duas categorias de parceiros. Na primeira estão incluídos os países do
âmbito da ALADI. Esse organismo, como vimos no início do presente trabalho,
oferece um “guarda-chuva” para uma série de acordos comerciais entre diferentes
países da América Latina. Por este motivo e também pela proximidade geográfica, é
natural que os parceiros privilegiados do Mercosul sejam os membros da ALADI,
com os quais os países do bloco já tinham, antes mesmo de se associarem, diferentes
acordos comerciais. Foi no marco da ALADI que o Mercosul estabeleceu seus

139
Silva, Marcos Rector Toledo. Mercosul e Personalidade Jurídica Internacional: as Relações Externas do
Bloco Sub-Regional Pós-Ouro Preto. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1999, pp. 54-55.
152

primeiros acordos na condição de bloco econômico. Em ordem cronológica, foram


celebrados acordos com os seguintes países:

a) Chile: em 1996 o Mercosul celebrou acordo de livre comércio com o


Chile. Trata-se do Acordo de Complementação Econômica n° 35 (ACE-
35). O acordo previu que se estabeleceria uma área de livre comércio
entre as partes no prazo de 10 (dez) anos, por meio de um cronograma de
desgravação tarifária progressiva. Por essa razão, desde 2006 praticamente
todo o universo tarifário já se beneficia do livre comércio (a exceção são
alguns produtos considerados “sensíveis”). O acordo com o Chile tem
avançado progressivamente para diversos setores, incluindo o comércio de
serviços e de produtos originários de zonas francas.
b) Bolívia: Foi o segundo país da região a celebrar um ALC com o Mercosul,
também em 1996 (ACE-36). A exemplo do acordo com o Chile, previu a
conformação de uma ALC no prazo de dez anos. Desde 2006, apenas
alguns poucos produtos de maior sensibilidade para as partes ainda não
contam com 100% de margem de preferência.
c) Países Andinos (Colômbia, Equador e Venezuela): Em 2004, os Estados
Partes do Mercosul assinaram com Colômbia, Equador e Venezuela
(integrantes da “Comunidade Andina de Nações” - CAN) o ACE-59,
acordo de livre comércio que prevê cronograma de desgravação
diferenciado, em benefício dos países andinos e das duas economias
menores do bloco, Paraguai e Uruguai. O cronograma geral prevê
desgravações em até 12 anos.
d) Peru: Assinou ALC com o Mercosul em 2005, por meio da aprovação do
ACE-58. Os produtos exportados pelo Peru para Argentina e Brasil terão
desgravação total até 2012. Já os produtos exportados do Mercosul para o
Peru terão prazos de desgravação mais amplos, alongando-se até 2014.
Prevê-se também listas de produtos sensíveis, cujas tabelas de
desgravação vão além dos prazos indicados.
153

O êxito do Mercosul em negociar acordos comerciais com quase todos os


países da América do Sul permitiu que houvesse uma “multilateralização” de
acordos que antes se delimitavam ao plano bilateral. O bloco acabou, desse modo,
absorvendo compromissos que cada um dos Estados Partes mantinha
individualmente com diferentes parceiros do continente.
Além dos indicados, o Mercosul também mantém acordos de
complementação econômica com o México e Cuba, sem, porém, a mesma cobertura
daqueles mantidos com países sul-americanos. Neste caso, trata-se de “acordos-
quadro”, com marcos normativos gerais para a expansão das trocas bilaterais e com
a previsão de que as partes negociem, periodicamente, o aprofundamento de
preferências tarifárias recíprocas, a fim de que se alcance, no futuro, o livre
comércio. Na prática, isso resulta num processo de liberalização comercial menos
célere.
No caso do México, além de um acordo-quadro propriamente dito (ACE-54),
há acordo específico (ACE-55) exclusivo para o setor automotivo, estabelecido com
o objetivo de que se atinja, até 30 de junho de 2011, o livre comércio para esse
segmento. Ambos foram assinados em 2002. Como o México é integrante do
NAFTA, o encaminhamento de um acordo de livre comércio com o Mercosul
envolve complicações adicionais, razão por que o aprofundamento das preferências
tarifárias é mais lento. Com Cuba o Mercosul tem apenas um acordo-quadro (ACE-
62), cujo objetivo é o de impulsionar o comércio entre as partes por meio da redução
ou eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias. O acordo contém um programa
de liberalização comercial com um cronograma de desgravações tarifárias
recíprocas.
Ademais dos acordos no âmbito regional, isto é, daqueles envolvendo países-
membros da ALADI, o Mercosul possui vasta agenda negociadora com países e
blocos de outras regiões do globo. No entanto, até 2009 apenas três acordos de
maior amplitude foram assinados. O primeiro deles foi celebrado com a Índia, em
janeiro de 2004. Trata-se de um Acordo de Comércio Preferencial (ACP), espécie de
154

passo intermediário entre um Acordo-Quadro e um Acordo de Livre Comércio. O


ACP contempla apenas cerca de 10% das linhas tarifárias, distribuídas em setores
específicos. Acordaram-se, ademais, normas comuns sobre diferentes temas, tais
como defesa comercial, barreiras técnicas, solução de controvérsias e medidas
sanitárias e fitossanitárias.
O segundo – e mais relevante do ponto de vista simbólico, por se tratar de um
Acordo de Livre Comércio – foi assinado com Israel, em dezembro de 2007, após
dois anos de negociações. O acordo prevê “cestas de desgravação” em diferentes
categorias. Há produtos para os quais houve concessão de desgravação imediata e
outros para os quais a desgravação de prolongará durante até 10 anos. Para algumas
categorias de produto prevê-se, inclusive, a existência de quotas.
Em junho de 2008 o Mercosul já assinou Acordo-Quadro com a Turquia. No
documento, ambas as partes manifestam o interesse em encetar o diálogo, por meio
da criação de um Comitê Negociador encarregado de discutir o estabelecimento de
uma área de livre comércio.
Por fim, o Mercosul logrou assinar, em dezembro de 2008, ACP com a União
Aduaneira da África Austral (SACU), bloco que reúne África do Sul, Botsuana,
Lesoto, Namíbia e Suazilândia. A idéia é que este acordo sirva de base para o
gradativo aprofundamento da relação entre os blocos (seu artigo 2° estabelece que as
partes “acordam estabelecer margens de preferências tarifárias fixas como um
primeiro passo para a criação de uma Área de Livre Comércio”) ou, ainda, para a
celebração de acordo trilateral entre Mercosul, SACU e Índia. A exemplo do acordo
com a Índia, o ACP com a SACU contempla, além de preferências tarifárias fixas,
disciplinas sobre diferentes matérias comerciais, tais como regras de origem,
salvaguardas, valoração aduaneira e barreiras técnicas ao comércio.
Afora os acordos já concluídos, o Mercosul têm empreendido negociações,
que ainda estão em curso, com diversos outros países e blocos, tais como com a
União Européia (com a qual o Mercosul tem negociado, desde 1995, um “Acordo de
Associação”), Conselho de Cooperação do Golfo, Marrocos, Rússia, Paquistão e
Egito.
155

7.5) A adesão da Venezuela ao Mercosul

Em julho de 2006 foi assinado o Protocolo de Adesão da Venezuela ao


Mercosul. A iniciativa foi saudada pelos governos dos países envolvidos como um
importante passo tanto para o fortalecimento do bloco quanto para a progressiva
constituição de uma área de livre comércio no âmbito da América do Sul.
A adesão da Venezuela representou um desafio inédito. Uma vez
manifestado, no segundo semestre de 2005, o interesse do país vizinho em deixar o
“status” de Estado Associado para tornar-se membro pleno, tiveram início as
negociações sobre os procedimentos necessários para a aquisição da nova condição.
Em dezembro de 2005, durante a reunião do CMC realizada em Montevidéu, foi
aprovada, especificamente em resposta à solicitação venezuelana, a Decisão CMC
N° 28/05, que regulamenta o artigo 20 do Tratado de Assunção. Esse dispositivo é
genérico, limitando-se a estabelecer que o Mercosul está aberto à adesão dos demais
membros da ALADI. Sua regulamentação consubstanciava passo necessário para o
desenvolvimento do processo de adesão.
A Decisão CMC N° 28/05 determina que as solicitações de adesão ao Tratado
de Assunção devem ser aprovadas por meio de Decisão do CMC. Caso sejam
aprovadas, os procedimentos específicos serão negociados no âmbito de um Grupo
“Ad Hoc”, sendo necessário o atendimento de seis requisitos básicos:

a) adesão aos três instrumentos jurídicos fundamentais do Mercosul:


Tratado de Assunção, Protocolo de Ouro Preto e Protocolo de Olivos para
Solução de Controvérsias;
b) adoção da TEC, por meio da definição de um cronograma de
convergência;
c) adesão ao ACE Nº 18 e seus Protocolos Adicionais, por meio da
negociação de um programa de liberalização comercial;
156

d) adoção do acervo normativo do Mercosul, inclusive das normas em


processo de incorporação;
e) adoção dos instrumentos internacionais celebrados no marco do
Tratado de Assunção; e
f) negociação da incorporação aos acordos celebrados no âmbito do
Mercosul com terceiros países ou grupos de países.

O Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul estabeleceu o prazo de 4


(quatro) anos para a incorporação do acervo normativo do Mercosul, da NCM e da
TEC, a contar a partir de sua entrada em vigência. O Protocolo estabeleceu,
ademais, prazos para a liberalização do comércio entre a Venezuela e os Estados
Partes do bloco. A Venezuela deixaria de gravar as importações dos países do
Mercosul até 2012. Por outro lado, Argentina e Brasil deixariam de cobrar o imposto
de importação dos produtos venezuelanos a partir de 2010. Paraguai e Uruguai o
fariam a partir de 2013.
Embora tenha havido progressos na negociação de cronogramas para a
incorporação do acervo normativo do bloco, da NCM e da TEC, permaneciam, até o
início de 2009, pendências na negociação do programa de liberalização comercial -
uma das condições, como vimos, para a conclusão do processo de adesão - do Brasil
e da Argentina com a Venezuela. A principal delas referia-se a divergências em
torno da elaboração, pelo lado venezuelano, de listas de “produtos sensíveis” que
estariam excluídos do livre comércio. De todo modo, o Protocolo de Adesão ainda
não havia, até a data indicada, entrado em vigor, por ainda aguardar aprovação
parlamentar no Brasil e no Paraguai, razão por que a contagem dos prazos nele
estabelecidos ainda não fora iniciada.
Ademais do interesse político em torno da incorporação de um novo membro
ao Mercosul, há um evidente interesse econômico nas negociações entre as partes. O
comércio bilateral com a Venezuela passou a representar, nos últimos anos, parcela
crescente do superávit comercial brasileiro. Segundo dados do MDIC, em 2008 o
saldo comercial brasileiro com o país vizinho atingiu a cifra de US$ 4,6 bilhões,
157

superior, por exemplo, àquele obtido com a Argentina. O comércio bilateral cresceu,
entre 2002 e 2008, mais de 297%. Esses números explicam o grande interesse de
parte do setor privado brasileiro em concretizar a adesão da Venezuela ao bloco, o
que poderá aumentar os fluxos de trocas por meio da redução das barreiras tarifárias
e não-tarifárias.
Acresça-se a isso o argumento de que a incorporação de um país da porção
setentrional do continente poderia ter efeitos positivos no comércio com a região
Norte do Brasil. O setor empresarial de estados como o Amazonas (especialmente
em função da Zona Franca de Manaus, cujo “status” no comércio com a Venezuela
deverá ser discutido) e Roraima têm grande interesse em integrar suas cadeias
produtivas à do país vizinho.
Enquanto prosseguem as discussões técnicas para a incorporação da
Venezuela ao bloco, esse país têm participado das reuniões dos diferentes foros do
Mercosul com direito a voz (mas não a voto), na condição de “Estado em processo
de adesão”.
158

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO PRÓXIMO

As dificuldades encontradas pelo Mercosul no plano econômico-comercial


são hoje bastante conhecidas e objeto de discussão pública. As assimetrias entre as
economias dos Estados Partes se mostram determinantes para a persistência das
chamadas “exceções” à TEC, para a exclusão de importantes setores, como o
automobilístico, do livre comércio, e para a estagnação das discussões em torno da
adoção de políticas comuns em diferentes setores, especialmente em matéria de
defesa comercial, da concorrência e coordenação de políticas macroeconômicas.
Consideradas as vicissitudes do bloco, podemos fazer um balanço a partir de
duas perspectivas distintas. Do ponto de vista dos ambiciosos objetivos traçados no
Tratado de Assunção, o Mercosul teve um êxito apenas parcial e ainda corre riscos
de retrocesso, tais as dificuldades existentes na administração de suas mais
importantes ferramentas, como a TEC. Por outro lado, e deixando de lado uma
leitura estrita dos objetivos e prazos iniciais fixados no tratado que institui o bloco,
não foram poucas as conquistas obtidas nesse período. Além da expansão do
comércio, que oscilou de acordo com as instabilidades econômicas enfrentadas pelos
países do bloco, notadamente no final dos anos 90 e início da presente década, foram
criados também diferentes mecanismos de encaminhamento para as pendências
entre os países do bloco. Embora ainda haja espaço para avançar, pôde-se obter,
igualmente, uma crescente harmonização de normas e regulamentos técnicos, o que
contribuiu, a despeito das dificuldades ainda existentes, para facilitar o comércio.
Para além de questionar os resultados do bloco, seria o caso de indagar em
que ponto estaríamos sem ele. Contabilizados os problemas, fica claro que o
Mercosul engendrou a criação de uma institucionalidade que é útil na resolução de
problemas concretos e propiciou, ademais, uma aproximação jamais vista entre seus
Estados Partes. Cabe aqui retomar a idéia de parceria estratégica: o cálculo que se
deve fazer é não apenas mercantilista, mas também político. No longo prazo, a
crescente interdependência entre as economias do Cone Sul trará também
dividendos positivos – o principal deles é a apropriação, pela sociedade civil, de
159

parte da agenda do bloco. Existe hoje um diálogo e um conhecimento entre as


autoridades de cada um dos países que não seria possível caso não existisse o
Mercosul. A cooperação em distintos setores, que vão da previdência social até a
agricultura familiar, não pode ser menosprezada, tendo repercussões positivas
também no domínio econômico-comercial.
Passados 18 anos, os dois problemas centrais que se colocam para os Estados
Partes ainda fazem parte da agenda inicial do bloco: a consolidação do livre
comércio e a integridade da TEC. No primeiro caso, a existência de algumas
barreiras não-tarifárias, justificadas ou não, acaba gerando ceticismo nos operadores
econômicos com relação à efetiva capacidade do Mercosul de liberalizar as trocas.
As crises econômicas internacionais (final de década de 90, e, mais recentemente, a
partir de 2008) têm contribuído, periodicamente, para afetar o livre comércio
intrazona. Ainda há um trabalho a se fazer nesse terreno, o que depende, sobretudo,
de uma maior cooperação entre os Estados Partes no sentido de aperfeiçoar a
qualidade da produção e gerar uma maior sinergia entre as entidades nacionais
responsáveis pela regulamentação técnica e por controles de natureza sanitária e
fitossanitária, por exemplo.
Uma maior integração produtiva e associação entre as empresas da região é
elemento fundamental nessa estratégia. Como vimos no início deste trabalho, o
interesse em cooperar em setores estratégicos e de elevado valor agregado – como o
de bens de capital ou naval, para mencionar dois exemplos – foi uma das forças que
impulsionaram a constituição do Mercosul. Mais uma vez, as crises econômicas
enfrentadas pelos países do bloco nos anos 90 acabaram por debilitar esse projeto.
Esse objetivo não pode, porém ser abandonado. Afinal, o estabelecimento de um
espaço econômico comum sempre foi visto como um meio para aumentar a
competitividade das empresas da região no cenário internacional – e o
aproveitamento de complementaridades é instrumento indispensável para a
consecução desse objetivo. A maior integração entre os setores privados é
fundamental não apenas para alavancar o comércio intra-Mercosul, mas também
160

para criar melhores condições de inserção dos países do bloco no cenário


internacional.
O cenário de curto e médio prazo de administração da TEC continuará
provavelmente oferecendo dificuldades. O caso mais complexo é aquele relativo aos
setores de bens de capital e de bens de informática e telecomunicações. Como
vimos, os interesses brasileiros em proteger sua indústria doméstica chocam-se,
desde o início do bloco, com a aspiração dos demais países em reduzir os custos de
importação de máquinas e equipamentos necessários para suas economias. Os
diversos cronogramas de convergência tarifária para esses segmentos não foram
cumpridos, não se verificando indícios consistentes de que isso venha a ocorrer em
futuro próximo, muito embora tenha sido criado, em dezembro de 2008, um Grupo
“Ad Hoc” específico para tratar do tema e discutir o estabelecimento de um
cronograma de convergência tarifária entre os Estados Partes.
O fortalecimento institucional do bloco também é passo importante para que
se avance na consolidação da união aduaneira. Ferramentas básicas para um
processo de integração – como a criação de uma base de dados comum com
estatísticas de comércio – ainda não estão disponíveis no âmbito do Mercosul, o que
resulta em pouca transparência e menor conhecimento recíproco. Essas deficiências
pontuais acabam dificultando, por outro lado, avanços na concepção de políticas
comuns sem setores fundamentais, tais como no campo da defesa comercial e da
concorrência.
Não se pode deixar de ter em conta, além disso, que o sucesso ou insucesso
de qualquer projeto de integração econômica dependem de fatores de ordem política.
A vontade dos governos de ir adiante, ainda que isso acarrete algum tipo de ônus
junto a setores internos, é indispensável para evitar paralisia e impasses nas
negociações. É natural, portanto, que em determindas conjunturas haja, conforme o
grau de afinidade política dos governos da região, maior ou menor entusiasmo com
as políticas de integração,
Como já pudemos observar, o Mercosul ainda tem um longo caminho a ser
percorrer. Não é possível estimar em que prazo e condições poderá ele atingir seus
161

objetivos iniciais. Os desafios existentes devem ser vistos, contudo, como um


estímulo adicional para que os Estados Partes continuem trabalhando para o
fortalecimento do bloco e de sua institucionalidade, a partir do pressuposto de que a
integração gera benefícios permanentes não apenas no terreno econômico, mas
também em diversos outros campos, ao aproximar, de maneira irreversível, as
sociedades dos países da região.
162

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