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A DIMENSÃO ECONÔMICO-COMERCIAL
2009
2
SUMÁRIO
Apresentação 07
Bibliografia 162
6
APRESENTAÇÃO
relações comerciais com terceiros. Por outro lado, são conhecidas as dificuldades
existentes na administração da TEC, dadas as discrepâncias entre as estruturas
produtivas de cada um dos sócios. Por essa razão, a TEC é, ainda hoje, um
“processo” negociador permanente, dotada de diversas exceções (“perfurações”) e
principal alvo dos críticos da integração. Nesta segunda parte da obra analisaremos a
estrutura, o funcionamento e as exceções à TEC, cuja relativa complexidade nos faz
lembrar as complicações envolvidas em sua negociação, haja vista a já referida
diversidade de interesses entre os Estados Partes: alguns mais, outros menos
protecionistas.
Além disso, trataremos do regime de origem do Mercosul e do trabalho
desenvolvido por um dos órgãos decisórios da estrutura institucional do bloco, a
Comissão de Comércio (CCM), bem como de seus foros subordinados. É no âmbito
da CCM que tem lugar o trabalho técnico de aperfeiçoamento das condições para o
livre comércio entre os Estados Partes. Compete a ela, ademais, dar
encaminhamento, especialmente por meio de um sistema de consultas, aos
problemas pontuais nas relações comerciais entre os países do bloco, bem como
administrar e atualizar a NCM e a TEC, promovendo ajustes permanentes ou
temporários em suas alíquotas.
Tendo como pano de fundo a história do bloco e o estágio atual da união
aduaneira, apresentaremos em seguida, de maneira genérica, alguns dos temas
fundamentais da agenda do Mercosul. A harmonização de políticas em diversos
setores é um dos pressupostos para a constituição do mercado comum. Os Estados
Partes têm avançado pouco nesse terreno, ao menos no que tange aos temas
fundamentais para a consecução dos objetivos traçados no Tratado de Assunção. Os
esforços de constituição de sistemas comuns de defesa comercial e da concorrência,
para a adoção de um marco jurídico comunitário de promoção e proteção de
investimentos, para a liberalização do comércio de serviços e para a coordenação de
políticas macroeconômicas não evoluíram de maneira satisfatória, dando corpo à
chamada “agenda não cumprida” do Mercosul. Em outras questões, como o
tratamento de assimetrias, houve alguns avanços concretos, o mais notável dos quais
9
O autor
Brasília, maio de 2009
10
1
Optamos pela utilização da grafia Mercosul, em letras minúsculas, em lugar da sigla MERCOSUL, a mais
correta do ponto de vista formal, por entender que a popularização do termo permite sua utilização como se
fosse um substantivo.
11
integração, superada apenas por aquelas que prevêem uma a formação de uma união
econômica plena, com a adoção de uma moeda comum. Conforme a tipologia
clássica sobre a matéria, elaborada por Bela Balassa no início da década de 602,
seriam basicamente quatro os estágios de integração econômica, classificados de
acordo com o seu grau de aprofundamento:
2
Balassa, Bela. Teoria da Integração Econômica. 2ª edição. Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1972, p. 13.
12
3
Cf. Conzendey, Carlos M. Mercosul: União Aduaneira ?. Tese apresentada ao Curso de Altos Estudos do
Instituto Rio Branco. Brasília, mimeo., 2005, p. 51.
14
bloco: embora já estabelecida, a tarifa comum não chega a ser aplicada para todo o
universo de mercadorias, em virtude da existência de exceções transitórias.
A leitura do Tratado de Assunção e uma avaliação do contexto histórico em
que foi produzido revelam que inicialmente o Mercosul se apresentou
precipuamente como um projeto de natureza econômica e comercial. Seu propósito
era o de estimular o comércio entre os Estados Partes e colaborar para sua melhor
inserção na economia mundial. No entanto, o processo de integração regional
acabou tendo grande impacto nos campos político e social, propiciando a
coordenação de políticas em diversos setores: saúde, educação, trabalho, imigração,
justiça, energia, meio ambiente, agricultura familiar e outros. No plano institucional
houve, ao final de 2006, a instalação do Parlamento do Mercosul (Parlasul), o qual,
embora sem competências legislativas (suas funções são consultivas e de
acompanhamento das diferentes instâncias do bloco), contribui para o reforço da
transparência e da visibilidade do processo de integração.
Uma avaliação mais precisa dos resultados do processo de integração
demanda, portanto, a consideração dessa multidimensionalidade, embora o foco do
presente trabalho seja, como já assinalado, apenas os aspectos de ordem econômico-
comercial. Uma correta aferição dos benefícios trazidos pelo Mercosul deve ter em
perspectiva, não obstante, a irradiação do projeto de integração para os mais
diferentes setores, bem como sua progressiva apropriação por diversos atores
sociais, o que contribuirá, direta ou indiretamente, para aproximar as populações e,
naturalmente, estimular o alcance do objetivo central de se estabelecer um espaço
econômico comum entre os países-membros.
Celebrado um acordo com uma nação vizinha, foi-lhe concedida preferência tarifária
de 50% para esse produto. Isso significa que a tarifa de 10% sofrerá, para esse país
específico, uma redução de 50%: o imposto a ser cobrado será, por conseguinte, de
5%. As preferências tarifárias podem ser concedidas em qualquer escala, até mesmo
de 100%, o que significará, na prática, que nenhum imposto será pago.
O princípio da não-discriminação nos leva a um primeiro questionamento. O
Mercosul, como veremos, é um acordo de comércio regional, que envolveu, em seu
momento inicial, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Esses quatro países
comprometeram-se a efetuar uma crescente desgravação tarifária entre si, até se
atingir o livre comércio. Ora, essa prática – assim como a prática de todos os demais
acordos regionais – não se indisporia com o princípio da não-discriminação e com a
cláusula de nação mais favorecida, mostrando-se, por conseguinte, incompatível
com o GATT ?
Essa incompatibilidade não existe porque o próprio GATT 1947 estabelece
uma espécie de exceção ao princípio da não-discriminação, o que permite legitima a
celebração de acordos comerciais regionais. Consoante o Artigo XXIV do GATT
1947, a cláusula de nação mais favorecida não poderá constituir um empecilho para
a formação de áreas de livre comércio e de uniões aduaneiras. No entanto, certas
condições devem ser observadas: a união aduaneira resultante deverá promover a
eliminação das barreiras ao comércio para uma parte “substancial de todo o
comércio” (substantially all the trade) e os integrantes do acordo deverão manter a
mesma política comercial (especialmente a mesma tarifa) com relação a terceiros
países e blocos. No caso das áreas de livre comércio, o requisito fundamental é o de
que sejam eliminadas as barreiras ao comércio entre os países integrantes, já que,
como veremos, numa ALC os integrantes não são obrigado a dotar a mesma política
tarifária em face de outros países.
Além disso, não podem os países integrantes do acordo regional aproveitar a
ocasião para adotar práticas protecionistas que violem acordos já celebrados com
outros países, promovendo, por exemplo, a elevação das tarifas anteriormente
vigentes.
17
Um dos requisitos para a celebração dos acordos regionais é, desse modo, que
ele contemple substancialmente todo o comércio entre os países envolvidos. O que
significa essa expressão ? Ainda não existe, formalmente, uma definição unívoca
acerca da parcela mínima do comércio que deverá se beneficiar do livre comércio
entre os integrantes do acordo regional.
Em 1994, a fim de tornar mais claros os requisitos que devem atender os
acordos regionais para que sejam compatíveis com as regras do GATT, as partes
contratantes decidiram adotar o “Entendimento sobre a interpretação do Artigo
XXIV”. Esse documento legal tampouco brindou, todavia, um maior esclarecimento
acerca da amplitude da expressão “substancialmente todo o comércio”.
De acordo com documentos da OMC, duas análises da questão podem ser
efetuadas4. A primeira delas é de natureza quantitativa: um patamar mínimo - 85%,
90% ou 95% - do fluxo comercial entre os países deveria se desenrolar sem
enfrentar restrições comerciais. A crítica a esse primeiro critério assinala que um
setor importante (químico, por exemplo) - que represente, por exemplo, 10% das
transações - poderia ser excluído totalmente do livre comércio e ainda assim o bloco
atenderia aos requisitos do Artigo XXIV. A segunda análise é de natureza
qualitativa: nenhum setor deveria ser excluído dos benefícios do livre comércio.
Esse critério também é alvo de críticas, já que seria difícil definir o que é um setor e,
além disso, poder-se-ia abrir a possibilidade de que, para observar os requisitos
estabelecidos pelo GATT, apenas um pequeno número de produtos de um segmento
fosse objeto da eliminação de barreiras, sem, no entanto, que parcela significativa
das mercadorias tivesse o mesmo tratamento.
Ainda que não haja consenso a respeito, o fato é que a existência do Mercosul
e de outros acordos similares encontram apoio na exceção contida no Artigo XXIV
do GATT, possibilitando que as condições mais favoráveis negociadas entre seus
membros não sejam igualmente oferecidas aos demais membros da OMC.
4
WTO Secretariat. “Compendium of issues related do regional trade agreements” (Document
TR/NL/W/8/Rev. 1). Genebra, 2002, p. 18.
18
5
Amaral Junior, Alberto do. MERCOSUL: características e perspectivas. In: Revista de Informação
Legislativa. a. 37, n. 146, abr/jun 2000, p. 292.
19
6
Barros Neto, Sebastião do Rego. “Eixos de Integração Sul-Americana”. In: Boletim de Integração Latino-
Americana. Brasília, Ministério das Relações Exteriores, 1995, p . 03.
20
7
In: Mercosul: Legislação e Textos Básicos. 4ª ed. Brasília, Gráfica do Senado Federal, 2005, p. 104.
8
Ibidem, pp. 104-105.
9
De acordo com o artigo 8° do Tratado de Montevidéu, “os acordos de alcance parcial poderão ser
comerciais, de complementação econômica, agropecuários, de promoção do comércio ou adotar outras
21
modalidades”. Essas “outras modalidades” têm como objeto temas como cooperação científica e tecnológica,
promoção do turismo e preservação do meio ambiente.
22
afetava a América do Sul - para que as relações entre os dois países evoluíssem
gradativamente de uma “cultura da rivalidade” para uma “cultura de amizade”.
Como ponderam Russell e Tokatlian, um dos fatores que impulsionaram o
estreitamento dos contatos foram as taxas de crescimento diferenciais em favor do
Brasil, que estimularam, no país vizinho, o desenvolvimento da percepção de que
uma associação bilateral seria fundamental para “consolidar o processo democrático
em ambos os países, resguardar a soberania nacional, impulsionar o
desenvolvimento argentino em complementaridade com o brasileiro e reunir massa
crítica para ampliar a capacidade de negociação internacional”10.
Essa concepção de que uma associação para o desenvolvimento econômico
seria mutuamente benéfica, especialmente num cenário em que tanto Argentina
quanto o Brasil enfrentavam crises decorrentes da dívida externa e da pouca
permeabilidade do mundo desenvolvido às suas demandas, foi decisiva para atenuar
as disputas geopolíticas que dificultavam, anteriormente, uma maior aproximação
econômica.
Alguns movimentos para uma maior integração bilateral já tinham sido,
porém, ensaiados em décadas anteriores. Nos anos 40 houve um esboço de
aproximação entre os dois países com vistas à constituição de uma união
alfandegária, nos moldes, ao menos em tese, do que o Mercosul é hoje. Em 1941 os
Chanceleres do Brasil e da Argentina assinaram um tratado comercial que fixava
expressamente esse objetivo, tendo, ainda, a pretensão de agregar os países vizinhos.
As diferentes posições adotadas pelos dois países durante a II Guerra Mundial
acabaram por impedir a concretização desse objetivo11. Mais adiante, no início dos
anos 60, os acordos de Uruguaiana, assinados entre os Presidentes Arturo Frondizi e
Jânio Quadros, tiveram importância no plano político, ao contemplarem uma maior
cooperação entre os dois países em foros internacionais, sem, contudo, prever um
aprofundamento da integração econômica bilateral12.
10
Russell, Roberto e Tokatlian, Juan Gabriel. “O lugar do Brasil na Política Externa da Argentina: a visão do
outro”. In: Novos Estudos - CEBRAP, n. 65, março de 2003, p. 83.
11
Almeida, Paulo Roberto. MERCOSUL: fundamentos e perspectivas. Brasília, Grande Oriente do Brasil,
1998, p. 11.
12
Russell, Roberto e Tokatlian, Juan Gabriel, op. cit., p. 81.
23
13
Seixas Corrêa, Luiz Felipe. A Política Externa de José Sarney. Brasília, Senado Federal, 1997, p. 29.
14
In: Resenha de Política Exterior do Brasil, n. 50. Brasília, Ministério das Relações Exteriores, 1986, pp.
94-105.
24
15
Protocolo Número Quatro do PICE.
25
16
Vargas, Everton Vieira. “Átomos na integração: a aproximação Brasil-Argentina no campo nuclear e a
construção do Mercosul”. In: Revista Brasileira de Política Internacional, 40 (1), 1997, p. 60.
17
Discurso do Presidente Raul Alfonsín na chegada do Presidente José Sarney a Buenos Aires, em 28 de
julho de 1986. In: Resenha de Política Exterior do Brasil, n° 50, cit., p. 4.
18
In: Mercosul: Legislação e Textos Básicos. 4ª ed. Brasília, Gráfica do Senado Federal, 2005, pp. 125-128.
26
19
Vizentini, Paulo G.F. “Mercosul: dimensões estratégicas, geopolíticas e geoeconômicas”. In: Lima, Marcos
Costa e Medeiros, Marcelo de Almeida. O Mercosul no limiar do século XXI. São Paulo: Cortez; Buenos
Aires: CLACSO, 2000, p. 30.
27
20
Vaz, Alcides Costa. Cooperação, Integração e Processo Negociador: a construção do Mercosul. Brasília,
IBRI, 2002, p. 177.
28
semestre (47%, 54%, 61%, 68%, etc.), até se atingir uma desgravação total de 100%
em 31 de dezembro de 199421. É no período de transição que tem início, portanto, a
promoção do livre comércio entre os Estados Partes do bloco.
Em junho de 1992 os Estados Partes aprovaram o “Cronograma de Las
Leñas”, que estabelecia uma série de ações e prazos para a consecução dos objetivos
enunciados no Tratado de Assunção. Esse documento previa, por exemplo, que entre
os anos de 1992 e 1993 os Estados Partes deveriam concluir a negociação de
instrumentos indispensáveis à constituição do mercado comum, tais como
regulamentos comuns de defesa comercial, harmonização das legislações nacionais
em diferentes setores e elaboração de políticas comunitárias em áreas como
tecnologia, agricultura e defesa da concorrência. Deveriam, ainda, ser finalizados os
trabalhos de estabelecimento da TEC. O cronograma de Las Leñas constitui, por
conseguinte, um primeiro inventário do conjunto de medidas que deveriam ser
tomadas a fim de que se lograsse, a contento, a formação de um mercado comum a
partir de 1995.
Como observam Florêncio e Araújo, o cronograma “permitiu visualizar de
forma orgânica tudo o que estava por ser feito. Muito mais do que uma simples
ferramenta burocrática, o Cronograma constituiu um importante sinal político, uma
prova de confiança no processo de integração, ao mesmo tempo que o confirmava
como um desafio de grandes proporções”22. É nessa fase que surgem, contudo, as
primeiras resistências mais efetivas ao processo em algumas frações do setor
privado brasileiro e argentino. No caso brasileiro, os segmentos que se beneficiavam
de elevadas tarifas (bens de capital, informática e automotivo, por exemplo), temiam
que a instituição da TEC reduzisse suas margens de proteção. No caso argentino,
havia preocupação com a concorrência das indústrias brasileiras23. A evolução do
comércio e a firme vontade política dos governos envolvidos acabaram, porém, por
mitigar (embora sem eliminar) os focos pontuais de oposição ao aprofundamento da
integração.
21
Cf. item 2.1, infra.
22
Florêncio, Sérgio A. e L. e Araújo, Ernesto H. F. Mercosul Hoje. São Paulo, Editora Alfa-Ômega/FUNAG,
1995, p. 43.
23
Ibidem, pp. 43-44.
29
24
Cf. capítulo 2.
30
25
Devlin, R. et Estevadeordal, A. What´s new in the New Regionalism in the Americas ? Buenos Aires,
INTAL-ITD-STA, 2001, p. 3.
31
26
Averbug, André. Abertura e Integração Comercial Brasileira na Década de 90. Rio de Janeiro, BNDES,
1999, pp. 53-54.
32
27
Para uma análise geral dos argumentos nessa direção, cf. Värynen, Raimo. “Regionalism: old and new”. In:
International Studies Review, 2003, vol. 5, n.1, pp. 32-33.
28
Siroën, Jean-Marc. “Accords préférentiels, régionalisme et multilatéralisme”. In: Cahiers Français, n. 341.
Paris, nov-dez 2007, pp. 30-31.
33
29
Cançado Trindade, Otávio Augusto D.. O Mercosul no Direito Brasileiro. Belo Horizonte, Del Rey, 2006,
p. 46.
30
Nos termos do artigo 42 do POP, “as normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos previstos no
Artigo 2° deste Protocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos
ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país”.
34
31
Cançado Trindade, Otávio Augusto D., op. cit., pp. 55-57.
32
Em geral, não necessitam ser incorporadas as normas que digam respeito apenas à estrutura e ao
funcionamento do Mercosul.
33
Andrade, Luciano Mazza. “O Fortalecimento Institucional do Mercosul e a Supranacionalidade:
considerações sobre as prioridades da agenda institucional desde a perspectiva brasileira”. Tese apresentada
ao Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Brasília, mimeo., 2006, p. 77.
34
Em 2008, como decorrência natural da expansão do processo de integração para diferentes setores,
formalizou-se a possibilidade, por meio da Decisão da CMC N° 14/08, de realização de uma sessão especial
do Conselho envolvendo Ministros de outras áreas, inclusive a social, para discutir temas de sua competência
(“CMC ampliado”).
35
35
Andrade, Luciano Mazza, op. cit., p. 108.
39
36
Cf item 2.5.
41
corrente de comércio com os outros três Estados Partes representou cerca de 9,8%
da corrente de comércio total do país. Em 1991, o comércio com o bloco
correspondeu a 8,5% do total.
Esse panorama nos remete a um debate subjacente aos processos de
integração em geral: os acordos de comércio regional tendem a propiciar uma maior
criação ou um maior desvio de comércio ?37 Como vimos anteriormente, num
acordo de integração os países signatários reduzem tarifas entre si. Suponhamos que
o acordo envolva dois países, X e Y. Quando em vigor o acordo, os produtos de X
serão vendidos em Y a preços mais baixos, haja vista que não estarão mais sujeitos à
incidência de imposto de importação. Se o país X produz determinada mercadoria -
digamos que soja - a um custo menor que os produtores de Y, haverá um incremento
nas importações desse produto pelo país Y, verificando-se a criação de comércio,
uma vez que o intercâmbio entre os dois países aumentará e os consumidores de Y
poderão consumir soja a um preço menor, o que melhorará seu bem-estar.
No entanto, suponhamos que um terceiro país, Z, apresentava-se como o
principal fornecedor do país Y antes do acordo regional deste com X. Essa condição
de principal fornecedor decorria do fato de que Z é mais competitivo que X e capaz
de produzir a custos menores que seu concorrente. Com a celebração do acordo, a
soja produzida em Z continuará sujeita à incidência de tarifa, mas a soja produzida
em Y não. Essa circunstância estimulará a que Y importe mais de X, em detrimento
de Z. Aqui temos o desvio de comércio: deixa-se de importar de um país mais
competitivo para importar de um menos competitivo, o qual, porém, beneficia-se da
redução tarifária.
Na prática, portanto, o desvio de comércio é constatado quando um produtor
mais competitivo de extrazona perde mercado, não porque um dos países-membros
do acordo tornou-se mais competitivo, mas apenas porque a incidência de tarifas
acaba tornando o produto de extrazona mais caro do que aquele do país-membro
competidor.
37
Os conceitos de criação e desvio de comércio estão desenvolvidos em Viner, Jacob. The customs union
issue. New York, Carnegie Endowment for International Peace, 1950, p. 43.
46
38
Morais, Adriano Giacomini. Criação e Desvio de Comércio no Mercosul e no NAFTA. Dissertação de
mestrado. São Paulo, USP, 2005, p. 64.
39
Idem, ibidem.
40
Cozendey, Carlos M., op. cit., p. 57.
41
“Brasil – Comércio Exterior Global: Janeiro-Dezembro 2007-2008”. ALADI/SEC/DI 2210.1, 26 de janeiro
de 2009. Disponível em www.aladi.org.
47
Código Descrição
8703 Automóveis de passageiros e outros veículos automóveis
principalmente concebidos para transporte de pessoas, incluídos os
veículos de uso misto (“station wagons”) e os automóveis de corrida.
8703.22 - De cilindrada superior a 1.000 cm3, mas não superior a 1.500 cm3
42
Fonte: MDIC/SECEX/DEINT/CGIR. Disponível em
51
incentivar a competitividade externa dos Estados Partes e, por outro lado, conferir
preferência ao valor agregado regional43. A adoção desses princípios não deixou,
porém, de enfrentar dificuldades, notadamente em razão das diferenças entre as
estruturas produtivas das economias do bloco. Mesmo entre os dois sócios maiores
havia divergências: se de um lado o Brasil não deixava de buscar uma proteção
adequada para sua diversificada indústria, por outro a Argentina almejava
compatibilizar a TEC com seus interesses em importar insumos com custo reduzido
e modernizar seu parque produtivo44. No caso do tratamento a ser dispensado aos
bens de capital, por exemplo, o Brasil defendia um nível de proteção maior para os
itens que contassem com produção local, ao passo que a Argentina propugnava por
patamares tarifários reduzidos, independentemente da capacidade dos produtores
locais em atender à demanda dos países do bloco.
Essas discrepâncias de interesses afloraram já no início dos debates sobre a
estrutura da TEC. A proposta circulada pelo Brasil aos seus sócios previa sete
diferentes níveis tarifários (0%, 5%, 10%, 15%, 20%, 25% e 35%). Quanto maior o
valor agregado de um determinado produto, maior seria o seu nível de proteção. A
proposta argentina, embora contemplasse seis níveis, previa alíquota máxima de
20% (0%, 4%, 8%, 12%, 16% e 20%), no que se diferenciava de maneira
considerável do projeto brasileiro45. Uruguai e Paraguai também defendiam níveis
de proteção menores do que aqueles defendidos pelo Brasil. Em dezembro de 1992
acordou-se, como fórmula de consenso, que a TEC teria níveis entre 0% e 20%,
podendo, no entanto, contar com nível máximo de 35% para um número limitado de
produtos.
A TEC apresenta, portanto, uma estrutura escalonada, com alíquotas que vão
de 0% a 20%, com algumas exceções acima desse patamar. O aumento das alíquotas
se dá de acordo com o grau de elaboração produtiva, o que permite presumir que,
em princípio, quanto maior o valor que agrega de um determinado bem, maior será a
sua alíquota. Nesse quadro, bens com pouco grau de elaboração, como matérias
primas, teriam alíquotas mais baixas, ao passo que produtos finais mais elaborados,
como automóveis, teriam alíquotas mais elevadas.
Observando-se a estrutura da TEC, podemos perceber três níveis principais.
No primeiro deles, relativos a insumos, as alíquotas variam de 0% a 12%. No
segundo, referente a bens intermediários e bens de capital, esses patamar varia de
12% a 16%. Por fim, os bens finais têm alíquotas de 16% a 20%.
Embora formalmente a alíquota máxima seja de 20%, em alguns casos
excepcionais, especialmente em setores considerados sensíveis – seja pelo alto nível
de agregação de valor (que movimenta outras cadeias produtivas), seja pelo uso
intensivo de mão de obra -, como o automotivo, têxtil, calçadista e de confecções,
decidiu-se adotar alíquotas superiores a esse patamar, chegando até o nível de
35%46.
Os intervalos entre as alíquotas são de 2%. Assim sendo, são onze os níveis
de alíquotas da TEC, partindo de 0% e chegando a 20% (excetuados, como visto, os
produtos que cujas alíquotas foram situadas em patamares mais elevados). A tabela
a seguir indica a freqüência relativa de cada faixa tarifária em 1995 e 2005:
30
25 1-jan-1995
freqüência (%)
31-dez-2005
20
15
10
0
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
alíquota (%)
Fonte: Lalanne, Alvaro. “Arancel Externo Común 1995-2005: Estructura y Evolución”. Documento
de Trabalho n° 012/05, SAT/SM, dezembro de 2005, p. 13.
Pode-se notar que, no geral, houve uma ligeira redução dos níveis da TEC
nos dez anos posteriores à conformação da união aduaneira. O percentual de
53
produtos com alíquotas mais baixas (0% e 2%) cresceu, ao passo que houve redução
nas faixas mais elevadas, sobretudo no que se refere aos produtos com alíquota de
14%. A maior parte dos itens tarifários (91,3%) permaneceu, porém, com a mesma
alíquota. O número de códigos que passou por elevação tarifária correspondeu a
1,7% do total, ao passo que 6,7% sofreram redução47.
Essa estrutura tarifária com onze níveis, além dos produtos que contam com
alíquotas mais elevadas, é considerada por alguns críticos como excessivamente
complexa, o que militaria contra a simplificação da administração aduaneira48. Resta
claro, porém, que uma das razões para a existência dessa estrutura escalonada foi a
necessidade de acomodar interesses distintos dos quatro Estados Partes, tarefa
demasiadamente complexa na fase inicial de implementação da união aduaneira.
A existência de mais de mais de dez níveis de alíquotas aponta para a
existência, no Mercosul, de um elevado grau de dispersão tarifária. A redução
dessa dispersão é um dos desafios a serem enfrentados pelos países do bloco.
Reduzir o grau de dispersão significa diminuir o número de alíquotas e também – o
que veremos logo a seguir – o número de exceções autorizadas à política tarifária
comum. Quanto menor a quantidade de níveis tarifários e menor o número de
produtos para os quais os Estados Partes podem aplicar alíquotas distintas, mais
simples e mais eficiente será o sistema tarifário comum.
Como observamos há pouco, parte da complexidade da TEC deriva da
dificuldade em se conciliar interesses contrastantes dos sócios. A fim de acomodar
as divergências dos Estados Partes, decidiu-se que os países poderiam adotar para
um grupo de produtos alíquotas diferentes durante um período de tempo
determinado. Assim sendo, conquanto exista formalmente uma tarifa externa
comum para todo o universo tarifário, na prática os Estados Partes têm direito a uma
série de exceções.
46
Cf. Decisões CMC n° 70/00 e 37/07.
47
Lalanne, Alvaro. “Arancel Externo Común 1995-2005: Estructura y Evolución”. Documento de Trabalho
n° 012/05, SAT/SM, dezembro de 2005, p. 14.
48
Kume, Honório e Piani, Guida. “Mercosul: o dilema entre união aduaneira e área de livre comércio”. In:
Revista de Economia Política, vol. 25, n° 4 (100). São Paulo, outubro-dezembro 2005, p. 376.
54
EXCEÇÕES À TEC
País – número de Prazo
itens
Arg: 100 itens 31/12/2010
Bra: 100 itens 31/12/2010
Listas Nacionais
Par: 100 31/12/2015
de Exceções à Par: 150 31/12/2010
Par: 399 31/12/2010
TEC
Uru: 100 31/12/2015
Uru: 125 31/12/2010
Não há número
máximo de itens Paraguai e Uruguai poderão manter listas de
Bens de capital
BKs com alíquotas de 2% até 31/12/10.
de insumos
agropecuários com
alíquota de 2% (art. 3°
Decisão n° CMC
32/03).
Áreas Aduaneiras Segundo a Decisão N° 08/94, deveriam ser
Especiais ------------------ extintas em 2013. Decisão deverá ser
modificada.
ZFM já foi prorrogada até 2023.
Admite-se o drawback
Drawback e e a admissão
admissão temporária para o Janeiro de 2011.
temporária comércio intrazona
(Decisão CMC n°
32/03).
Cada sócio, amparado pelo que dispunha a Decisão CMC n° 22/94 - a qual não
estabeleceu uma quantidade máxima de itens, asseverando apenas que o regime se
aplicaria a um “número reduzido” de mercadorias - incluiu uma quantidade diferente
de produtos em suas listas de adequação49.
b) O Setor Automotivo
49
As listas apresentadas pelos Estados Partes contaram com o seguinte número de itens: Argentina – 207;
Brasil – 29; Paraguai – 435; Uruguai – 952.
58
n° 70/00. Segundo essa norma, o livre comércio para o setor automotivo teria início
em 2005, prazo que acabou não sendo cumprido, sobretudo em função dos
problemas econômicos que afetaram a economia argentina a partir do final de 2001.
A PAM encontra-se, no momento, em processo de revisão.
A Decisão CMC n° 70/00 previa que a alíquota da TEC para a importação de
veículos passaria a ser de 35%. Além disso, estabelecia que entre 2001 e 2005
haveria entre Brasil e Argentina um “regime de transição” baseado no comércio
regulado50: os produtos do setor automotivo poderiam ser comercializados sem
pagamento de tarifa (isto é, com preferência tarifária de 100%), desde que
cumpridas certas condições. Essas condições resumem-se essencialmente à
existência de um certo equilíbrio entre as importações e exportações de cada país.
Esse “equilíbrio” é determinado pelo chamado “coeficiente de flexibilidade” ou
“coeficiente de desvio”, conhecido simplesmente como flex. Segundo esse
instrumento, quanto mais um país importa do país vizinho, mais terá direito a
exportar sem pagar tarifas. Caso o Estado Parte exporte excessivamente, sem em
contrapartida importar um número mínimo de produtos de seu parceiro, uma parcela
dessas exportações estará sujeita à incidência de tarifa.
O flex é determinado por um coeficiente. Suponhamos um flex de 2 (dois).
Nesse caso, a cada 1 dólar exportado para a Argentina, o Brasil poderá importar 2
dólares sem pagar tarifa, e vice-versa. Se num determinado período o Brasil
exportou US$ 1 milhão, poderá importar até US$ 2 milhões com preferência de
100%. Caso as importações atinjam US$ 3 milhões, por exemplo, o US$ 1 milhão
excedente estará sujeito ao pagamento de tarifa, a qual, segundo o acordado na
Decisão CMC n° 70/00, corresponde a 70% da TEC no caso dos veículos e 75% da
TEC no caso de autopeças. O flex estabelece, como se vê, uma “margem controlada”
de desequilíbrio.
O acordo automotivo atualmente vigente entre Brasil e Argentina51 prevê um
flex assimétrico (de 1,95 para a Argentina e de 2,5 para o Brasil), de modo a
possibilitar uma maior equilíbrio no comércio entre os dois países (a Argentina
50
“Informe MERCOSUR” n° 10. Buenos Aires, BID-INTAL, 2006, p. 64.
51
38° Protocolo Adicional ao ACE-18.
59
c) O setor açucareiro
52
68° Protocolo Adicional ao ACE-2.
60
defensivo da Argentina (e, em menor escala, também dos demais sócios), baseado
na proteção de sua produção doméstica.
No final de 1999, o Brasil apresentou reclamação à Comissão de Comércio
do Mercosul contra a edição, pela Argentina, da Lei n° 24.822/97, que vedava a
redução de tarifas no comércio intrazona enquanto perdurassem as supostas
distorções resultantes das ajudas estatais brasileiras ao setor sucro-alcooleiro. Não
houve consenso dos dois Estados Partes com relação à revogação da medida, tendo a
Argentina manifestado novamente seu entendimento de que existem assimetrias de
políticas relativas ao setor que inviabilizariam sua efetiva incorporação à união
aduaneira.
Em 2000, no marco do “relançamento” do Mercosul, os Estados Partes
renovaram a ambição de promover a inclusão do setor sucro-alcooleiro na união
aduaneira. O Brasil chegou a apresentar proposta no âmbito do Grupo “Ad Hoc”,
segundo a qual teria início ainda em 2000 um cronograma de desgravação tarifária,
até o estabelecimento final do livre comércio em 2002. Os Estados Partes teriam, a
partir desse ano, uma tarifa externa comum de 16% para o setor. A Argentina e o
Paraguai acabaram explicitando discordâncias com relação à proposta brasileira53.
As negociações entre os países do bloco não evoluíram desde então.
A incorporação do açúcar à união aduaneira é particularmente importante
para o Brasil em virtude de sua tradicional demanda, em âmbito multilateral, pela
liberalização do comércio de produtos agrícolas. A exclusão desse importante
segmento do Mercosul pode ser vista, desse ponto de vista, como antagônico com os
objetivos brasileiros mais amplos no cenário das negociações econômicas
multilaterais.
53
“Informe Mercosul” n° 6. Buenos Aires, BID-Intal, 2000, p.56.
62
54
Em dezembro de 2008, o Conselho do Mercado Comum decidiu, por meio da Decisão n° 58/08, prorrogar
até 31 de dezembro de 2010 a autorização para que os Estados Partes pratiquem tarifas distintas para os
setores de BKs e BITs.
55
Atualmente regulamentada pela Resolução CAMEX N° 35, de 22 de novembro de 2006.
64
Exemplo de “Ex-tarifário”
842790 - Outros (“empilhadeiras, veículos para movimentação de carga e 14%
00 semelhantes, equipados com dispositivos de elevação”)
Ex 30/6/2009 Plataformas de elevação para trabalhos aéreos, 2%
001 autopropulsadas, sobre esteiras de borracha, dotadas de
braço telescópico com rotação de 360º, com altura
máxima de trabalho compreendida entre 12,25 e 13,90m,
alcance horizontal máximo de trabalho entre 5,42 e 6,76m
e capacidade de carga sobre a plataforma de trabalho
compreendida entre 120 e 200kg
56
Piani, Guida e Miranda, Pedro. “Regimes Especiais de importação e “Ex-tarifários”: o caso do Brasil”. Rio
de Janeiro, IPEA, texto para discussão n° 1249, 2006.
65
Ex-tarifários: características
a) seu objetivo é o de promover reduções de alíquotas da TEC, geralmente a
2%, o que estimula importações Bens de Capital (BKs) e Bens de
Informática e Telecomunicações (BITs) não produzidos localmente e
associados a projetos de investimento que modernizam o parque produtivo
nacional;
b) essa redução tarifária por meio de uma política nacional só é possível em
virtude do fato de que ainda não existe, no Mercosul, um regime tarifário
comum para BKs e BITs;
c) consistem num “destaque” da NCM, com uma descrição mais detalhada;
d) a instituição de “Ex tarifários” ocorre por meio de Resolução da CAMEX
e toma em consideração critérios como a contribuição das importações
para a competividade do setor, para o aumento das exportações nacionais
e para a melhoria da infra-estrutura da economia;
e) seu prazo de vigência é normalmente de 2 (dois) anos.
57
Cf. Decisão CMC N° 01/01.
66
58
Cf. Decisão CMC N° 58/08.
59
Cf. Decisões CMC N° 32/03 e N° 58/05.
67
60
Decisão CMC N° 59/08.
68
Mercosul. De 1995 a 2001 cada Estado Parte teve direito de manter listas com até
300 itens. A partir de então esse total foi reduzido para 100 itens.
É importante frisar que essas cifras se referem à chamada lista “comum”, a
que todos Estados Parte têm direito. Em virtude do tamanho de sua economia e das
características de seu setor produtivo, Paraguai e Uruguai têm direito a um número
adicional de exceções à TEC, além dos 100 itens comuns. Ao Paraguai foram
concedidos 399 itens adicionais, em virtude da Decisão CMC n° 07/94, e a outros
150 itens em decorrência da Decisão CMC n° 31/03. Já o Uruguai pode manter 125
itens adicionais, também em função do disposto na Decisão CMC n° 31/03. Essas
exceções adicionais são válidas atualmente até 31 de dezembro de 2010.
Como se verá em tópico à parte, as exceções adicionais atribuídas a Paraguai
e Uruguai têm como objetivo fundamental dar maior flexibilidade às duas
economias menores do bloco, permitindo-lhes atender às demandas de setores
específicos de seu parque produtivo.
As listas nacionais de exceções consubstanciam, na verdade, uma espécie de
“válvula de escape” para acomodar interesses conflitantes dos Estados Partes. Além
disso, há casos em que situações nacionais específicas tornam conveniente uma
redução ou elevação temporária do imposto de importação para produtos
específicos. Essa conjuntura especial, que não justifica uma modificação definitiva
da TEC por se referir às particularidades de apenas um Estado Parte, é atendida
normalmente pela lista de exceções. Embora a inclusão ou exclusão de produtos seja
atribuição exclusiva dos Estados Partes, é fundamental ter em mente, no entanto,
que as modificações nas listas nacionais devem atender a duas regras fundamentais:
a) as listas devem ser modificadas uma vez por semestre, nos meses de
janeiro e julho. Desse modo, dá-se maior previsibilidade e transparência
ao processo. Além disso, evita-se que os órgãos de governo responsáveis
pela questão estejam constantemente recebendo solicitações relativas à
inclusão e/ou exclusão de produtos;
69
61
Decisão CMC N° 40/08.
62
Em geral de um ano, com possibilidade de prorrogação por igual período.
72
Como se vê, embora o Mercosul conte formalmente com uma TEC que
abarca todo o universo tarifário, ainda existem discrepâncias entre a TEC vigente e
a TEC efetivamente aplicada, diferença essa decorrente da autorização que têm os
63
Berlinski, Julio e Kume, Honorio. Regímenes Especiales de Importación en el Mercosur: evaluación y
recomendaciones. Montevideo, Estudio n° 007/06 CE ES (a), Sector de Asesoría Técnica, Secretaria del
Mercosur, mimeo., 2006, p. 5.
73
Estados Partes para lançar mão, em alguns casos (BKs, BITs e LETEC, além dos
regimes especiais de importação), de alíquotas distintas.
Essa situação traz à tona o debate acerca do grau de cumprimento da TEC.
Dados de 2004 da Secretaria do Mercosul e das autoridades nacionais dos Estados
Partes indicam que naquele ano cerca de 76% dos itens tarifários cumpriam com a
TEC. Esses itens correspondiam, à época, a aproximadamente 55% do valor total
das importações do Mercosul64.
A tabela acima indica o número de linhas tarifárias em que cada país do bloco
se afasta da TEC. Os números constituem uma espécie de fotografia que explicita os
diferentes interesses dos Estados Partes em proteger sua indústria (elevando os
níveis da TEC) ou aumentar a competitividade de sua economia por meio da
redução de custos de produtos e insumos importados (redução dos níveis da TEC).
Dos países do bloco o Paraguai é o que mais se desvia da TEC, em geral de
forma negativa (redução), o que significa que as alíquotas fixadas no âmbito
comunitário são consideradas elevadas do seu ponto de vista. Por outro lado, o
64
Baraibar, Mercedes. “Cumplimiento del AEC al 2004”. SAT/SM, Documento de Trabalho n° 05/06.
Montevidéu, mimeo., abril de 2006, p. 14.
74
Brasil é o país com o menor desvio, e, quando ocorrem diferenças, essas são em
geral positivas (alíquotas acima da TEC), o que permite concluir que em alguns
setores a proteção oferecida pela tarifa comum é considerada insuficiente. Já
Argentina e Uruguai constituiriam casos “intermediários”, apresentando desvio
negativo, embora não na mesma proporção que o verificado no caso paraguaio65.
Ilustrando essa situação com números, em 2004 o Paraguai apresentava
apenas 65 itens tarifários com alíquotas acima à da TEC, contando, por outro lado,
com 1814 produtos com alíquotas inferiores. No outro extremo estaria o Brasil, com
apenas 91 itens com desvio negativo e, no entanto, 314 itens com alíquotas
superiores66.
Além disso, os dados indicam que o setor em que se concentram o maior
número de exceções e desvios à TEC é o de Bens de Capital (BKs), representando
39% do total de itens, seguido pelas listas nacionais de exceções (35%) e pelo setor
de Bens de Informática e Telecomunicações (15%)67. No entanto, é necessário notar
que o volume total de importações referentes ao setor de BKs é elevado, o que
contribui para que sua categorização como “principal exceção” decorra não apenas
no número de itens, mas também de sua participação no volume total de
importações.
No segmento de BKs, apenas o Brasil cumpre estritamente as alíquotas
acordadas (4 exceções no total), havendo grande desvio – negativo – nos demais
Estados Partes. Por outro lado, no caso de BITs o Brasil é o país que mais se desvia
das alíquotas estabelecidas (303 exceções, sendo que 284 delas para estabelecer
alíquotas superiores à da TEC)68.
Um levantamento mais atualizado e preciso do grau de cumprimento da TEC
esbarra em alguns obstáculos, como a inexistência de intercâmbio permanente de
dados estatísticos de todos os Estados Partes. Essa troca de informações tende
ocorrer esporadicamente e em resposta a situações específicas, dependendo,
ademais, de que cada um dos membros do bloco forneça os dados relativos ao seu
65
Ibidem, pp. 9-13.
66
Ibidem, p. 12.
67
Ibidem, p. 17.
68
Ibidem, p. 12.
75
69
Cf. Baraibar, Mercedes. “Cumplimiento del AEC al 2005”. Documento de Trabalho n° 22/06. Montevidéu,
SAT/SM, mimeo., novembro de 2006, p. 17.
76
70
Cf. Decisão CMC N° 60/07.
71
Cf. Decisão CMC N° 09/01. Essa decisão permite que o Uruguai venda à Argentina quota de 2.000
toneladas do produto “xarope”. A Argentina, por sua vez, poderá exportar até US$ 20 milhões de produtos
originários da Área Especial da Terra do Fogo.
78
72
Palhares, Gustavo Horta. “Las Zonas Francas del Mercosur: Manaos, Tierra del Fuego y Colonia”.
Documento de Trabalho n° 020/06. Montevidéu, SAT/SM, mimeo., 2006, p. 3.
79
73
A elevação da TEC para produtos têxteis, calçados e confecções realizada em 2007 foi formalizada por
intermédio de Decisão do CMC (N° 37/07).
80
empresa da região pode acarretar elevação de custos, uma vez que o fornecedor de
extrazona pode ser capaz de vendê-lo a preços menores.
A administração da TEC pode ser, portanto, um exercício difícil também no
plano técnico. Alguns ensaios foram realizados nos últimos anos para se definir
critérios comuns para análise de pedidos de modificação tarifária. Para redução
tarifária, por exemplo, exigir-se-ia a inexistência de produção regional e um impacto
positivo para o consumidor ou para redução de custos na produção de outros bens.
Já para elevação tarifária exigir-se-ia o início efetivo de produção regional, bem
como a comprovação de que a empresa local tem capacidade de atender a um nível
mínimo do consumo dos Estados Partes. O debate para o estabelecimento desses
critérios acabou não prosperando no âmbito da CCM, haja vista as divergências de
visões entre os países do bloco.
Nos dez primeiros anos da união aduaneira foram efetuadas 766 modificações
nas alíquotas da TEC (585 reduções; 151 elevações e 30 modificações
“ambíguas”74). A maior parte dos itens da NCM não foi submetida a nenhum tipo de
mudança. Uma primeira e superficial leitura dos números indica ser mais difícil
haver uma elevação dos níveis tarifários, sobretudo pela dificuldade de se alcançar
consenso entre os Estados Partes, uma vez que Paraguai e Uruguai, as duas
economias menores, têm certa resistência a elevar ainda mais os patamares da TEC
hoje existentes, tendo em conta seus eventuais impactos na competitividade da
indústria local (especialmente daquelas que dependem de insumos importados).
Ademais das listas nacionais de exceções - cuja função central é, como visto,
oferecer aos Estados Partes a possibilidade de acomodar interesses nacionais em
matéria tarifária -, os Estados Partes do Mercosul também acordaram, em 1996, criar
74
Em alguns casos, um item da NCM pode passar por alterações para dar origem a dois ou mais novos itens,
com alíquotas menores ou superiores ao original. Quando os novos itens têm tanto alíquotas superiores quanto
inferiores, diz-se que a alteração foi ambígua. Os dados em tela foram extraídos de Lalanne, Alvaro. “Arancel
Externo Común 1995-2005: Estructura y Evolución”. Documento de Trabalho n° 012/05, SAT/SM, dezembro
de 2005, p. 14.
81
75
Artigo 2°, item 1, da Resolução GMC n° 69/00.
82
76
“Entende-se por cumprimento da política tarifária comum, o pagamento da TEC, por ocasião da importação
definitiva ou, quando for o caso, da tarifa resultante da aplicação da mesma preferência tarifária sobre a TEC,
por todos os Estados Partes do Mercosul, em função dos acordos comerciais assinados com terceiros países,
ou das medidas comuns resultantes da aplicação de instrumentos de defesa comercial” (Artigo 1° da Decisão
CMC N° 54/04).
86
nacionais. Desde 2006, cabe a elas outorgar apenas a esses dois grupos de bens os
certificados que atestam o chamado “cumprimento da política tarifária comum”.
Trata-se de operação simples, uma vez que, como vimos, não há imposto a ser
recolhido. A Decisão CMC N° 37/05 previu a criação de dois documentos
comprobatórios de que o produto pode circular sem que esteja sujeito à nova
incidência da TEC:
ou, pelo menos, de que os insumos importados tenham passado por um processo de
transformação significativo.
Além disso, caso não fossem observadas as regras de origem, as perfurações à
TEC permitiriam que um produto adquirido fora da região, sem o pagamento da
correspondente TEC, pudesse ser reexportado do país que o importou para outros da
região (“triangulação”), em detrimento da indústria local.
O Regime de Origem do Mercosul é atualmente disciplinado pela Decisão
CMC n° 01/04. De acordo com o art. 3° dessa norma, serão considerados originários
os produtos totalmente obtidos, como os produtos do reino vegetal colhidos no
território dos países do bloco, os animais vivos aqui nascidos e criados, produtos
obtidos de animais vivos, mercadorias obtidas da caça, minerais, peixes e outras
espécies marinhas, mercadorias produzidas a bordo de barcos fábrica, etc. Além dos
produtos totalmente obtidos, serão considerados originários os produtos elaborados
integralmente no território de qualquer um dos Estados Partes, quando em sua
produção forem utilizados, única e exclusivamente, materiais (matéria-prima, peças,
partes, componentes) originários dos Estados Partes.
Nos dois casos indicados acima não há dúvida quanto ao caráter originário
dos bens fabricados, uma vez que não houve, em nenhum grau, a utilização de
materiais importados. Ou os produtos foram totalmente obtidos, ou foram fabricados
a partir de matérias-primas da própria região.
Já no caso dos produtos que não são “totalmente obtidos” na região, são duas
as regras principais utilizadas para classificar um produto como sendo originário ou
não. A primeira delas é o chamado índice de valor agregado regional. De acordo
com esse critério, uma mercadoria será considerada originária se utilizar pelo menos
60% de insumos (matérias-primas) de um ou mais Estados Partes do bloco. Como se
vê, o objetivo primordial dessa regra é o de estimular que as indústrias se abasteçam
sobretudo de insumos locais. Os 60% são calculados sobre o valor total do bem final
(valor FOB77).
77
“Free on board”: sem considerar o valor do frete.
92
78
“Manual de Certificação de Origem”. 2ª ed. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior. Brasília, 2003, p. 6.
93
79
“Cost, Insurance and Freight”: valor que inclui despesas de seguro e frete.
80
Cf. item 7.1.1., infra.
95
81
Em 1997, o CT-7 elaborou Projeto de Protocolo sobre defesa do consumidor e o elevou à CCM. A
delegação brasileira nesse foro acabou resistindo à aprovação do documento, por entender que ele reduziria os
níveis de proteção ao consumidor no país, ao revogar dispositivos presentes no Código de Defesa do
Consumidor. Cf. Leopardi, Maria Tereza. “A integração pela harmonização regulatória: defesa da regulação
da concorrência”. In: Chudnovsky, D. et Fanelli, J.M. (orgs.). El desafío de integrarse para crecer – Balance
98
y perspectivas del Mercosur en su primera década. Buenos Aires, RED de Investigaciones Económicas del
MERCOSUR/BID/Siglo XXI Editores, 2001, p. 125.
99
82
Decisão CMC N° 31/06.
83
Já na II CCM, em fevereiro de 1995, foram apresentadas 9 consultas pelos Estados Partes.
100
O art. 8° Diretriz CCM n° 17/99 prevê ainda que a consulta será considerada
concluída – uma espécie de “extinção” por decurso de prazo – caso, após sua
apresentação, permaneça na agenda da CCM, sem solução, por quatro reuniões
consecutivas, salvo se os Estados Partes envolvidos decidirem mantê-la na agenda à
espera de novos desdobramentos.
Mecanismo de consultas
Apresentação da consulta Em qualquer momento, inclusive durante
a própria reunião da CCM.
Até a segunda reunião da CCM posterior
Resposta à apresentação da Consulta ou em até 60
(sessenta) dias, caso a segunda reunião
seja realizada após esse prazo.
Nota Técnica O processo de consulta pode prosseguir,
após a apresentação da resposta, por
meio do intercâmbio de Notas Técnicas.
Apenas o Estado Parte que apresentou a
Conclusão consulta pode concluir o processo, de
forma satisfatória ou insatisfatória.
Consultas Reclamações
Os Estados Partes envolvidos deliberam Cabe à Comissão de Comércio
entre si reconhecer ou não a procedência da
sobre a questão. reclamação.
Não há parecer técnico ou relatório de Pode ser encomendado a um Comitês
especialistas. Técnico a elaboração de parecer.
As discussões se esgotam no âmbito da O tema pode ser levado à consideração
CCM. do GMC, caso não haja consenso na
CCM.
O intercâmbio de informações entre os
envolvidos pode prosseguir ao longo de A CCM e/ou o GMC têm prazo definido
meses, por meio do intercâmbio de Notas para decidir a questão.
Técnicas, caso haja concordância dos
Estados Partes em manter
o tema na agenda.
Não são ouvidos particulares. Há a possibilidade, por solicitação de um
dos Estados Partes, de que o CT ouça os
particulares interessados.
84
Chagas, Liliam. “A consolidação da Arbitragem no Mercosul: o Sistema de Solução de Controvérsias após
oito laudos arbitrais”. In: Solução de Controvérsias no Mercosul. Brasília, Câmara dos Deputados, 2003, p.
91.
85
Em 2002, o GMC examinou reclamação do Uruguai contra o Brasil sobre “Medidas restritivas ao acesso a
mercado no setor de cigarros”. Não houve, naquela ocasião, acordo entre as partes. O mesmo aconteceu em
2000, quando o GMC apreciou as reclamações sobre “Adequação do Setor Açucareiro à União Aduaneira do
MERCOSUL” (apresentada pelo Brasil à Argentina) e sobre “Direitos de Importação Específicos Mínimos no
comércio intrazona” (apresentada pelo Brasil ao Paraguai).
86
Chagas, Liliam, op. cit., p. 90.
105
87
Barral, Welber. “As inovações processuais do Protocolo de Olivos”. In: Solução de Controvérsias no
Mercosul. Brasília, Câmara dos Deputados, 2003, p. 233.
88
A apresentação de opiniões consultivas veio a ser regulamentada pela Decisão CMC n° 02/07. Segundo
essa norma, os tribunais nacionais podem apresentar ao TPR consultas sobre a interpretação jurídica do
Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no âmbito do Tratado
106
Procedimentos
de Assunção, das Decisões do CMC, das Resoluções do GMC e das Diretrizes da CCM. As opiniões devem
ter como base um caso em apreciação no Poder Judiciário nacional.
89
Para uma análise dos diferentes argumentos, cf. Barral, Welber, op. cit, pp. 236-237.
107
Reclamações de particulares
108
90
Barral, Welber, op. cit., pp. 237-238.
109
Laudos arbitrais
91
Para dados até 2002, cf. Chagas, Liliam, op. cit., p. 92.
92
Os oito primeiros laudos emitidos por Tribunais “Ad Hoc” durante a vigência do Protocolo de Brasília
podem ser consultados em Valinotti, Inés Martínez. Laudos arbitrales de los Tribunales Ad Hoc del
Mercosur. Asunción, MRE/BID, 2003.
110
93
Cozendey, C.M. e Benjamin, D.A. Laudos arbitrais no marco do Protocolo de Brasília: a construção
jurídica do processo de integração. In: Solução de Controvérsias no Mercosul. Brasília, Câmara dos
Deputados, 2003, p. 37.
112
94
Para uma análise da orientação estabelecida pelos laudos para cada um desses temas, cf. Cozendey, C.M e
Benjamin, D.A., op. cit., pp.38-48.
113
95
A principal distorção consistiria na possibilidade de um produto que é objeto de medida de defesa
comercial em apenas um dos Estados Partes ingressar nesse mesmo país por intermédio de um dos sócios
(“triangulação”), uma vez que produtos provenientes de um outro Estado Parte não podem, ao menos numa
união aduaneira perfeita (sem exceções), estar sujeitos a medidas de defesa comercial.
96
“Agreement on Implementation of Article VI of the General Agreement on Tariffs and Trade 1994”. In:
The Results of the Uruguay Round of Multilateral Trade Negotiations – The Legal Texts. Geneve, WTO,
1995, p. 168.
114
Salvaguardas
97
De acordo com o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC, são considerados subsídios
tanto a contribuição financeira dada por um governo ou entidade pública quanto a existência de políticas de
sustentação de preços ou de renda.
98
Naidin, L.C. e Bertoni, R. (orgs.). Defesa Comercial e Medidas de Salvaguarda no Mercosul – Uma
avaliação Institucional. Montevidéu, Red Mercosur, 2007, p. 7.
99
Ao acarretar um acréscimo da tarifa incidente sobre determinado produto, uma medida de defesa comercial
acaba por representar um “desvio” da TEC acordada entre os Estados Partes.
115
100
No Brasil o regulamento comum foi incorporado por meio do Decreto n° 2.667/98.
116
101
Naidin, L. C. et alii. “Defesa comercial e medidas de salvaguarda no Mercosul: uma avaliação
institucional”. In: Kume, Honório (org.). Crecimiento económico, instituciones, política comercial y defensa
de la competencia en el Mercosur. Montevideo, Red Mercosur, 2008, p. 311.
117
aplicação ou não das medidas. Não há, porém, qualquer indicação dos órgãos que
desempenhariam tais funções. Caberia à CCM negociar o preenchimento dessa
lacuna posteriormente, por meio da elaboração de um regulamento comum com base
no marco normativo.
Em 2000 foi aprovado marco normativo similar para medidas compensatórias
(Decisão CMC n° 29/00), também sem nenhum tipo de definição acerca dos
aspectos institucionais necessários. Nesse mesmo ano, no contexto do
“relançamento do Mercosul”, os Estados Partes reiteraram o compromisso de
elaborar regulamentos comuns sobre antidumping e medidas compensatórias. O
tema voltou a ser debatido, sem maiores resultados, no âmbito do CDCS, persistindo
as divergências sobre diferentes aspectos técnicos (relacionados, em sua maioria, a
prazos e procedimentos), não havendo, tampouco, qualquer definição no tocante a
aspectos de ordem institucional. Em junho de 2006, o CDCS considerou seus
trabalhos concluídos e decidiu elevar as questões pendentes à consideração dos
órgãos decisórios do Mercosul. De 2006 até o presente não se verificou nenhum
avanço nas discussões sobre a matéria.
Como se pode verificar do exposto, um dos principais óbices para que as
negociações relativas aos regulamentos comuns em matéria de defesa comercial
dêem resultado são as divergências em torno de questões institucionais. A efetiva
implementação dos regulamentos dependeria de uma série de decisões conjuntas,
desde a abertura de investigações até a tomada de decisões sobre os casos em
exame. Torna-se difícil, assim, concluir as negociações se há divergências sobre
quais seriam as competências das autoridades nacionais e sobre até onde poderiam ir
os órgãos comunitários. Da mesma forma, a necessidade de haja consenso dos
quatro países para a aplicação de medidas poderá, em alguns casos, inviabilizar a
implementação das normas do bloco. A definição de aspectos institucionais
relevantes do Mercosul – especialmente se haverá, em algum momento, a evolução
do sistema intergovernamental para uma estrutura com elementos, ainda que
118
102
Cf. Andrade, Luciano Mazza, op. cit., pp. 138-142.
103
Naidin, L.C. e Bertoni, R. (orgs.), op. cit., p. 11.
119
104
Exceto para produtos originários de Zonas Francas, os quais recebem, como veremos em ponto específico,
o mesmo tratamento dispensado a produtos de extrazona.
105
Na forma de acordos voluntários entre os setores privados. Não se trata, portanto, de medidas adotadas a
partir de negociações entre os governos.
106
Por solicitação da Argentina, e em virtude de acordo entre os dois países, a controvérsia foi suspensa no
final de janeiro de 2008.
120
107
Naidin, L.C. et alii, op. cit., p. 315.
108
Ibidem, p. 316.
121
Salvaguardas
109
Naidin, L.C. e Bertoni, R. (orgs.). Defesa Comercial e Medidas de Salvaguarda no Mercosul – Uma
avaliação Institucional. In: Kume, Honorio. Crecimiento económico, instituciones, política comercial y
defensa de la competencia en el Mercosur. Montevidéu, Red Mercosur, 2008, p. 293.
122
110
“Informe MERCOSUR” n° 11. Buenos Aires, BID-INTAL, janeiro de 2007, pp. 56-57.
111
Ibid., p. 57.
123
112
O Protocolo Adicional ao ACE n° 14 correspondente ao MAC foi internalizado pela Argentina apenas em
outubro de 2008, na esteira dos efeitos gerados pela crise financeira mundial e num momento em que o
124
governo do país vizinho encontrava-se pressionado pelo setor privado a adotar medidas protecionistas. No
início de 2009 o Brasil ainda não havia incorporado o instrumento ao seu ordenamento jurídico.
125
113
Araujo Jr., José Tavares. “Política de Concorrência no MERCOSUL: uma agenda mínima”. In:
Chudnovsky, D. et Fanelli, J.M. (orgs.). El desafío de integrarse para crecer – Balance y perspectivas del
Mercosur en su primera década. Buenos Aires, RED de Investigaciones Económicas del
MERCOSUR/BID/Siglo XXI Editores, 2001, p. 153.
126
114
Ibidem, p. 153.
127
115
Leopardi, Maria Tereza, op. cit., p. 131.
116
Araújo Júnior, José Tavares, op. cit., p. 154.
128
6.1) Investimentos
Outro elemento que torna imperiosa a revisão dos textos dos dois Protocolos
é a circunstância que outros Estados Partes, como Argentina e Paraguai, assinaram
APPIs com outros países, o que gera obstáculos adicionais para a harmonização de
políticas de investimentos no Mercosul.
6.2) Serviços
117
WTO. Manual on Statistics of International Trade in Services. Geneva, 2002, p. 7.
118
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. “Panorama do Comércio Internacional de
Serviços 2007 – Dados consolidados”. Ano 3, n.1. Brasília, 2008, p. 7.
131
7. 1) Tratamento de Assimetrias
119
Salgado, Reinaldo J. A.. “Fundos Estruturais para o MERCOSUL: Lições da Experiência Européia”. Tese
apresentada ao Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco. Brasília, mimeo., 2006, p. 134.
120
Ibidem, p. 135.
121
Arriola, Salvador. “Economia e Política Externa na América Latina, Política Externa e processos de
integração. As assimetrias e a integração: o começo de uma resposta”. In: Política Externa, vol. 11, n° 2, set-
dez 2002, p. 105.
122
Cf. Terra , Maria Inés. Asimetrías en el Mercosur: ¿ Un obstáculo para el crecimiento ?. In: Massi, F. e
Terra, M.I. (orgs.). Asimetrías en el Mercosur: ¿impedimento para el crecimiento? Montevideo, Red
Mercosur de Investigaciones Económicas, 2008, p. 6.
137
123
Uma ampla análise das assimetrias no Mercosul a partir de diferentes indicadores pode ser consultada em
Salgado, Reinaldo, op. cit., pp. 115-132.
138
exceções, composta por 125 itens adicionais. Além disso, a Decisão CMC n° 32/03
concedeu ao Paraguai a possibilidade de importar com alíquota reduzida de 2% uma
série de matérias-primas. A mesma norma deu a Paraguai e Uruguai o direito de
importar, também com alíquota de 2%, insumos agropecuários. Todos esses
benefícios aprovados em 2003 são válidos até 2010, ressalvada a possibilidade de
nova decisão dos Estados Partes estendendo esse prazo.
Ademais, Paraguai e Uruguai poderão manter suas listas de exceções de 100
itens até 2015, ao passo que as listas brasileiras são válidas apenas até 2011,
conforme a norma atualmente vigente (Decisão CMC n° 59/07). Como se pode
observar, as duas economias menores do bloco estão autorizadas a praticarem tarifas
diferentes para uma gama maior de produtos e em prazos mais amplos que aqueles
concedidos a Argentina e Brasil.
Também em 2003 Paraguai e Uruguai passaram a gozar de benefícios no
cumprimento das regras de origem do Mercosul. A partir desse ano o índice de
conteúdo regional exigido dos produtos paraguaios passou a ser de 40%,
flexibilidade que foi estendida, por meio da Decisão CMC n° 16/07, até 2022. Já os
produtos uruguaios passaram, a partir da aprovação da Resolução GMC n° 37/04, a
ter de observar um índice de conteúdo regional de 50% (o mesmo concedido pelo
Mercosul em seu acordo com os países andinos), lembrando que a regra geral do
bloco, aplicável a Argentina e Brasil, é de 60%.
Em tese, as medidas pontuais mencionadas têm como objetivo principal
permitir que Paraguai e Uruguai possam manter e incrementar a competitividade de
suas economias por meio da importação de insumos com custo reduzido,
abastecendo-se, quando julgarem conveniente, de produtos de fora do bloco. Da
mesma forma, a maior flexibilidade no cumprimento do regime de origem poderia
incitar o surgimento de unidades produtivas nesses dois países, porquanto os
empresários que ali se instalem poderão, ao menos numa fase inicial, ter maior
liberdade na escolha de seus fornecedores de matérias-primas.
As flexibilidades mencionadas consubstanciam, no entanto, novas
perfurações à TEC. Devem ser vistas, por essa razão, como medidas excepcionais. A
139
124
Todavia, como assinala Reinaldo Salgado, a própria Decisão que instituiu o Fundo foi cautelosa ao “evitar
uma formulação que explicitasse uma caracterização do FOCEM como principal instrumento” para o
tratamento de assimetrias. Resta implícito, no texto, que o FOCEM existe para “contribuir”, “promover” ou
“desenvolver” esses objetivos, que deveriam ser igualmente buscados por outros meios. A cautela seria
140
justificada pelo fato de que “objetivos excessivamente ambiciosos são freqüentemente receita certa para a
frustração das expectativas e para perda de credibilidade”. Cf. Salgado, Reinaldo, op. cit., p. 157.
125
Salgado, Reinaldo, op. cit., p. 157.
141
126
Arriola, Salvador, op. cit., pp. 105-109.
142
127
Fanelli, José María. “Coordinación macroeconómica en el Mercosur: balance y perspectivas”. In:
Chudnovsky, D. et Fanelli, J.M. (orgs.). El desafío de integrarse para crecer – Balance y perspectivas del
Mercosur en su primera década. Buenos Aires, RED de Investigaciones Económicas del
MERCOSUR/BID/Siglo XXI Editores, 2001, p. 3.
143
128
Enge, Leonardo A. C. A Convergência Macroeconômica Brasil-Argentina: Regimes Alternativos e
Fragilidade Externa. Brasília, IRBr/FUNAG, 2004, p. 108.
129
Ibidem, p. 109.
130
Cf. Fanelli, op. cit., p. 7.
131
Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Estados Partes do Mercosul. Ushuaia, 24 de julho de 1998.
144
Os empecilhos que surgiram para uma efetiva coordenação explicam por que
o principal ponto da agenda de “relançamento” do Mercosul em 2000 na matéria
dizia respeito à harmonização de indicadores macroeconômicos, ação que é
considerada apenas um passo prévio, embora fundamental, para avanços futuros em
questões macroeconômicas. O estabelecimento e publicação de indicadores
estatísticos comuns é visto como ferramenta indispensável para que os Estados
Partes possam vir a dialogar sobre suas políticas econômicas. É por essa razão que
se decidiu, em junho de 2000, criar, no âmbito da Reunião de Ministros da
Economia e Presidentes dos Bancos Centrais, o Grupo de Monitoramento
Macroeconômico (GMM), órgão responsável por avançar nas discussões sobre a
harmonização de indicadores.
Em dezembro de 2000 os Estados Partes aprovaram a “Declaração
Presidencial sobre Convergência Macroeconômica”. Trata-se do último documento
em que os países do bloco manifestam, em alto nível, o compromisso de atingir
metas específicas comuns em matéria macroeconômica. A Declaração indicou 2001
como “ano de transição”, no qual os Estados Partes anunciariam seus objetivos
específicos de inflação e de dívida do setor público. Já a partir de 2002 deveriam ser
buscadas metas comuns para os seguintes indicadores: inflação (máximo de 5% nos
anos de 2002 a 2005, exceto para o Brasil, em 2002, e para o Paraguai); variável de
fluxo fiscal (3% em 2002 e 3,5% em 2003 e 2004); dívida pública (40% do PIB a
partir de 2010). O país que se desviasse das metas deveria apontar ao GMM as
medidas corretivas pertinentes. Não houve, na prática, preocupação em se observar
ou revisar as metas estabelecidas.
Os anos recentes indicam uma diminuição do nível de ambição dos Estados
Partes em matéria de coordenação de políticas macroeconômicas. Desde a
Declaração Presidencial de 2000 que os países do bloco não ousam falar em metas
comuns. Esse afastamento dos projetos iniciais demonstra a conveniência de se
adotar, inicialmente, objetivos mais modestos. Como observa Martín Redrado, entre
uma postura minimalista, voltada para a manutenção do “status quo”, e uma
145
maximalista, como a que defende a adoção de uma moeda comum, os Estados Partes
têm amplo espaço para cooperar132.
Como visto, superada a fase em que os Estados Partes buscavam objetivos
“maximalistas” - tendo se aventado até mesmo a adoção de uma moeda comum -,
existe atualmente uma maior cautela no estabelecimento de objetivos de
coordenação macroeconômica. Isso explica a quase que exclusiva concentração em
tarefas básicas como a harmonização de indicadores macroeconômicos, em
detrimento da precoce indicação de metas a serem cumpridas pelos países do bloco.
Alguns estudiosos da questão ponderam mesmo que a coordenação de
políticas macroeconômicas constituiria um esforço político desnecessário, não
justificado seja pelo peso do comércio intrazona na atividade econômica geral dos
países do bloco, seja pelas assimetrias entre os seus integrantes133. Por outro lado, os
que defendem uma coordenação macroeconômica mais profunda sublinham alguns
fatores que poderiam contrabalançar os custos políticos envolvidos, tais como a
geração de economias de escala, decorrentes da inexistência de incertezas
decorrentes de oscilações cambiais, e a diminuição dos riscos de retrocessos no
processo de integração, haja vista o fortalecimento de interdependência dos países
do bloco134.
Na verdade, a coordenação de políticas macroeconômicas é um instrumento
importante em qualquer projeto de integração mais profunda, como a união
aduaneira ou o mercado comum. A experiência recente tem demonstrado que as
diferenças entre os modelos cambiais podem ter, em cenários de crise internacional,
considerável impacto no comércio intrazona. Não obstante, é possível, no atual
estágio do processo de integração - em que os objetivos originalmente enunciados
no Tratado de Assunção são tomados como projetos de longo prazo -, buscar, ao
menos por ora, apenas um maior diálogo entre as autoridades econômicas de cada
132
Redrado, Martin. “La cooperación macroeconómica como requisito de la integración”. In: Hugueney, C. e
Cardim, C.H. Grupo de Reflexão Prospectiva sobre o Mercosul. Brasília, IPRI/FUNAG/SGIE/BID, 2003, p.
10.
133
Guimarães, Samuel Pinheiro. “Aspectos econômicos do Mercosul”. In: Revista Brasileira de Política
Internacional, ano 39, n° 1, 1996, p. 30.
134
Giambiagi, Fábio. Moeda única do Mercosul: notas para o debate. In: Revista Brasileira de Política
Internacional, ano 41, n° 1, 1998, pp. 34-36.
146
135
Cf. Decisões CMC N° 38/06 e N° 25/07.
147
136
Artigo 5° do Protocolo: “Com relação a todas as leis, regulamentos, medidas e práticas que afetem as
contratações públicas cobertas por este Protocolo, cada Estado Parte outorgará aos bens e serviços e obras
148
públicas e aos fornecedores e prestadores de qualquer Estado Parte (...) um tratamento não menos favorável
do que o que outorgue aos seus próprios bens, serviços, obras públicas, fornecedores e prestadores (...)”.
149
Uma vez em vigor, os Estados Partes deverão dar início a negociações para
completar a liberalização do mercado de contratações públicas do bloco, reduzindo,
progressivamente, as restrições impostas pelas listas e patamares. As rodadas de
negociações deverão ser realizadas pelo menos a cada dois anos, a fim de aumentar
de maneira paulatina a cobertura do Protocolo.
O PCP poderá, quando estiver em vigor, representar mais um importante
instrumento para o fortalecimento do Mercosul, contribuindo para o incremento das
trocas comerciais entre os Estados Partes e para a consolidação do espaço
econômico comum. Poderá exercer, além disso, importante papel na atenuação das
assimetrias, o que justifica, por exemplo, o fato de a oferta brasileira ser mais ampla
do que aquela dos demais Estados Partes, abrindo um vasto leque de oportunidades
para empresas dos países vizinhos. A paulatina liberalização do mercado de compras
públicas – pode-se cogitar, no caso brasileiro, da futura incorporação de governos
subnacionais, o que beneficiará diretamente regiões de fronteira – terá efeito salutar
também para o Poder Público, permitindo, como salientamos anteriormente, uma
redução de custos resultante da crescente competição entre empresas da região.
137
Araújo, Ernesto H. F. O Mercosul: negociações extra-regionais. Brasília, FUNAG, 2007, p. 39.
150
138
Ibidem, p. 40.
151
139
Silva, Marcos Rector Toledo. Mercosul e Personalidade Jurídica Internacional: as Relações Externas do
Bloco Sub-Regional Pós-Ouro Preto. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1999, pp. 54-55.
152
superior, por exemplo, àquele obtido com a Argentina. O comércio bilateral cresceu,
entre 2002 e 2008, mais de 297%. Esses números explicam o grande interesse de
parte do setor privado brasileiro em concretizar a adesão da Venezuela ao bloco, o
que poderá aumentar os fluxos de trocas por meio da redução das barreiras tarifárias
e não-tarifárias.
Acresça-se a isso o argumento de que a incorporação de um país da porção
setentrional do continente poderia ter efeitos positivos no comércio com a região
Norte do Brasil. O setor empresarial de estados como o Amazonas (especialmente
em função da Zona Franca de Manaus, cujo “status” no comércio com a Venezuela
deverá ser discutido) e Roraima têm grande interesse em integrar suas cadeias
produtivas à do país vizinho.
Enquanto prosseguem as discussões técnicas para a incorporação da
Venezuela ao bloco, esse país têm participado das reuniões dos diferentes foros do
Mercosul com direito a voz (mas não a voto), na condição de “Estado em processo
de adesão”.
158
BIBLIOGRAFIA
Periódicos
Documentos de trabalho