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Ao iniciar sua conferência, Jessé de Souza destacou que não a faria de modo tradicional,
onde geralmente fala-se de modo amplo sobre tudo o que estudou e produziu de forma
retrospectiva, mas foi enfático ao afirmar: “Eu falarei daquilo que sempre fui e sou contra”, para
que depois pudéssemos compreender a que modelo de pensamento social ele é favorável.
“Eu sou contra. Contra a tradição hegemônica do pensamento social: aquela que pega o
mito brasileiro e nega as virtudes do corpo. Isto é problemático, porque se vive [na sociologia]
um conto de fadas para adultos”. Sua crítica central refere-se à grande parte da teoria
sociológica que por muitos anos tentou explicar o processo de nascimento e desenvolvimento da
sociedade brasileira. Segundo o pesquisador, a tradição hegemônica da sociologia foi capaz de
em muitas décadas, construir o que ele chama de “mito” da sociedade brasileira. O exemplo que
Jessé de Souza utiliza é o do pensamento que se desenvolveu a partir de Gilberto Freyre.
Segundo Jessé, a teoria social foi capaz de legitimar o mito de formação da sociedade
brasileira que foi institucionalizado ao longo do tempo pelo campo da política. A “ideologia
brasileira é marcada pela idéia de que a política se transformou em um ninho de corrupção”,
afirma o sociólogo, e explica que o grande desafio da sociologia atual é reverter o engano que se
tem de culpar exclusivamente a corrupção pelas conseqüências negativas do desenvolvimento
brasileiro. Jessé continua enfatizando que “o grande problema da ciência ideológica é que ela
legitimou o mito brasileiro e o disseminou, unificando o discurso entre o dominador e o
dominado”. Segundo ele, a sociedade brasileira recebeu sem nenhum questionamento mais
profundo a idéia que vincula as mazelas sociais do Brasil à corrupção política. A “Sociologia da
dominação” é uma ciência que reproduziu a idéia cômoda de “ser a corrupção o centro das
questões nacionais”, que eufemiza a miséria brasileira e “não mostra que a desigualdade social é
a questão principal para se compreender o Brasil”, afirma Jessé.
Segundo suas pesquisas realizadas em duas classes sociais distintas, a ralé e os ricos,
Jessé pôde perceber o quanto o discurso da corrupção ou do Estado corrupto é uma visão
distorcida e interessada, configurando-se como violência simbólica por abstrair a possibilidade
de se perceber as verdadeiras causas das desigualdades no Brasil. É possível se perceber a
pobreza, mas a sociologia da dominação desvirtuou as verdadeiras causas que permitiriam
perceber todos os conflitos sociais reais.
“Além da piada “a ralé”, outra piada é “a nova classe média”, quando se refere aos
estudos mais atuais sobre o desenvolvimento brasileiro e surgimento de uma classe média mais
satisfeita com o trabalho e capaz de ascensões sociais destacáveis. Neste mesmo sentido, a
sociologia criou o mito da “Nova Classe Média”, legitimando uma realidade onde uma classe
que se denomina e é tratada pela Sociologia como “média”, é segundo Jessé “uma classe que
sofre, trabalha 14 horas por dia, não tem férias, não tem lazer, está endividada com o banco por
10 anos e pensa que é livre. A sociologia da dominação não é capaz de mostrar que nesta “Nova
Classe Média” o capitalismo continua se alimentando do sangue de quem trabalha. Como então
falar de uma Nova Classe Média?”.
Quem então, segundo Jessé, é esta “ralé”? É uma grande parte da sociedade brasileira
que foi e ainda é ignorada pelo pensamento social, vítima da reprodução e manutenção causada
por leituras seletivas e interessadas do mundo. Jessé assinala para o equívoco das Ciências
Sociais que sobrerepresenta pelo preconceito de classe que está “maquiado” o olhar para a
pobreza e para a “ralé”.
É por uma compreensão mais fiel à realidade que Jessé de Souza se diz empenhado. A
“ralé” brasileira tornou-se invisível ao longo das décadas. “É uma estupidez ligar os estudos das
classes sociais à renda”, assinalando para outro equívoco da Sociologia, e diz que “um professor
universitário com título de Mestre ou Doutor recebe no sudeste algo em torno de seis mil reais,
e um mecânico da Renault no Rio Grande do Sul recebe um pouco mais do que este valor, mas
cada um vive realidades imensamente distintas”. Como então ligar a compreensão de uma
classe à sua renda? Segundo Jessé, “Fala-se em “classes sociais”, para não se falar de verdade
em Classes Sociais”. Esta é a tendência dos estudos sobre as desigualdades.
A hipótese defendida por Jessé é de que esta “Nova Classe Média” vive em uma
sociedade perversa, num sistema político que não está preocupado com ela e a mídia contribui
diretamente com a manutenção desta realidade, porque ambos estão pautados nas orientações do
mercado. A “nova classe média” não sabe que é tão escrava quanto a classe trabalhadora.
O professor Jessé encerra sua conferência afirmando: “Na ralé não existe subjetividade
visível”. “É por esta Sociologia da Dominação que eu sou contra”.