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Editorial Laranjeiras

Vol. 1, No 2, março 2003

S U M Á R I O

Editorial Fundamentos em cardiologia


HIBERNAÇÃO MIOCÁRDICA: POR QUE O SUBLI-
ME DESPERTAR PODE COMEÇAR AINDA NA
5 AS BASES DO CONHECIMENTO CARDIO-
VASCULAR - O coração e sua relação com outras 38
SALA DE HEMODINÂMICA estruturas torácicas
José Geraldo de Castro Amino Adriana Innocenzi *1, Viviane Brito *2, Claudia Lacê
*3, Vitor Seixas *4, Paulo Renato Travancas *5,
Renata Moll Bernardes *6, Fabio Bergman *7, Ana
Artigos originais Helena J L Dorigo 8, Erika Moura *9 e Luiz Carlos
Simões *10.
ANGIOPLASTIA NO INFARTO AGUDO DO
MIOCÁRDIO:
7
PRIMÁRIA, DE RESGATE E ELETIVA.
Hipertensão arterial
RESULTADOS
Paulo Sergio de Oliveira*, Marta Labrunie, Marco
HIPERTENSÃO NA GRAVIDEZ
Ivan Cordovil *
42
Antonio de Mattos**, Sergio Leandro, André
Pessanha, Norival Romão,Waldir Malheiros,
Leonardo Duarte, Marcelo Lemos, Paulo Eduardo Cardiomiopatias
Kyburz, Maria da Conceição Alves, Marcio Macri,
Rafael Lauria de Oliveira INSUFICIÊNCIA CARDÍACA: O Papel da Eco-
Dopplercardiografia e seus Aspectos Dinâmicos 46
EFEITO DO TRANDOLAPRIL SOBRE OS
PARÂMETROS HEMODINÂMICOS NA HIPER-
10 Ana Cristina Camarozano

TENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA LEVE E Cardiopediatria


MODERADA ASSOCIADA AO SOBREPESO
Paulo Roberto Benchimol Barbosa*, José Barbosa
Filho, Ivan Cordovil
CORREÇÃO FISIOLÓGICA EM CARDIOPATIAS
COM O VENTRÍCULO DIREITO NÃO FUN-
49
CIONANTE – O PRINCÍPIO DE FONTAN
SOBREVIDA APÓS CIRURGIA DE REVAS-
CULARIZAÇÃO MIOCÁRDICA
16 Marco Aurélio Santos*, Vitor Manuel Pereira
Azevedo**
Antônio Sérgio Cordeiro da Rocha, Felipe José
Monassa Pittela, Paulo Roberto Dutra da Silva, Relato de caso
Marialda Coimbra, Odilon Nogueira Barbosa
ESTABILIZAÇÃO DO DUCTO ARTERIOSO
53
EFEITO DA RESPIRAÇÃO OSCILATÓRIA SOBRE
A VARIABILIDADE DOS INTERVALOS RR EM PA- 21 BILATERAL COM IMPLANTE DE STENTS EM
CARDIOPATIA CIANÓTICA DUCTO DEPENDENTE
CIENTES COM DISFUNÇÃO SISTÓLICA GLOBAL Luiz Carlos Simões*, Paulo Sergio Oliveira**, Erika
DO VENTRÍCULO ESQUERDO de Moura Porto***, José Geraldo Athayde****
Paulo Roberto Benchimol Barbosa*, José Barbosa
Filho**, Ivan Cordovil***
Doenças orovalvares
Em Foco RECURSOS FARMACOLÓGICOS NA INSU-
FICIÊNCIA MITRAL E AÓRTICA (IM e IA)
56
VIABILIDADE MIOCÁRDICA
Ademir Batista da Cunha*
28 Clara Weksler

Gestão em saúde
PROCURA-SE: MIOCÁRDIO VIVO E NÃO MORTO!
COMO ENCONTRÁ-LO?
32
ECO DE ESTRESSE COM DOBUTAMINA!!
GERENCIAMENTO DAS FILAS DE ESPERA
Lúcia Pimenta
59
RECOMPENSA: O TEU CORAÇÃO DE VOLTA!!!
Luís Henrique Weitzel
Ponto de vista
INVESTIGAÇÃO DA VIABILIDADE MIOCÁRDICA:
35
HIERARQUIZAÇÃO DA MEDICINA NUCLEAR
Dr. Berdj A Meguerian*
MEDICINA E FILOSOFIA
Marcio Arnaldo da Silva Gomes*
61
Regras para publicação 63
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Editorial Laranjeiras

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Editorial Laranjeiras

EDITORIAL LARANJEIRAS
Vol. 1, No 2, março 2003

REVISTA DO INSTITUTO NACIONAL DE CARDIOLOGIA-RIO DE JANEIRO-RJ

EDITORES: Ademir Batista da Cunha


Daniel Arkader Kopiler
Luis Carlos Simões

CONSELHO EDITORIAL

Ademir Batista da Cunha, Daniel Arkader Kopiler, Carlos Scherr, Augusto


Bozza, Jose Geraldo Amino, Paulo Sérgio de Oliveira, Antônio Sérgio C.
Rocha, Paulo Roberto Dutra, Luis Carlos Simões, Helena F. Martino,
Clara Weksler, Marco Aurélio dos Santos, Renato Vieira Gomes, Marco
Antônio Mattos, Luis Henrique Weitzel, Walmir Barzam, Berdj Meguerian,
Luis Eduardo Tessarolo, Roberto Sá, Lílian Faertes Nascimento, Paulo
Moura, Ivan Luiz Cordovil de Oliveira, Jose Barbosa Filho, Cynthia Karla
Magalhães, Paulo José de Andrade, Ana Carolina Gurgel Câmara, Renato
Dias Barreiro Filho, Marcelo Viana Barros.

Assessoria: Ayrton Seixas Jr.


Editoração em Inglês e revisão de português: Paulina Becher

A REVISTA EDITORIAL LARANJEIRAS é editada trimestralmente pelo Centro


de Estudos do Instituto Nacional de Cardiologia, Rua das Laranjeiras 374,
12o andar, CEP 22240002 – Rio de Janeiro, RJ.

Tel. (21) 2557-0894/Fax: (21) 22055097

E-mail: editoriallaranjeiras@bol.com.br

Impressão: Grafica e Editora La Salle


Tiragem: 2.500 exemplares
Distribuição Dirigida
Capa: Marcelo Souza Hadlich

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Editorial Laranjeiras

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Editorial
Editorial Laranjeiras

Hibernação Miocárdica:
Por que o Sublime Despertar Pode Começar
Ainda na Sala de Hemodinâmica
“Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças”
Carlos Drumonnd de Andrade em “Coração amigo”

José Geraldo de Castro Amino

O passar progressivo das horas cria, durante o sono Estudos experimentais e clínicos demonstram que a
fisiológico do homem, as condições naturais para que ele possibilidade da recuperação contrátil de um miocárdio
possa acordar de forma natural e realizar suas atividades isquêmico estaria ligada à presença de maior ou menor dano
habituais, ao menor estímulo. ultra-estrutural da maquinaria contrátil(4,5), incluindo o de-
Da mesma forma, o processo de hibernação, além de sarranjo dos sarcômeros, a perda da organização dos
proteger, também prepara o músculo cardíaco para desper- retículos sarcoplasmáticos e túbulos T, e a destruição e re-
tar metabolicamente e retornar à sua função contrátil, mui- dução do tamanho das mitocôndrias. A maior intensidade
tas vezes de forma imediata, desde que lhe seja novamen- dessas alterações se refletiria em intensa apoptose ou mes-
te oferecido o oxigênio, do qual ele foi privado durante o mo fibrose, o que comprometeria definitivamente ou, no
processo de isquemia miocárdica(1). Afinal, nenhum outro mínimo, diminuiria a intensidade da recuperação e retarda-
tecido humano depende tanto para sobreviver metabolica- ria, em vários meses, o início do processo(5). Essa recupe-
mente de um bem tão precioso, e o miocárdio, ao que se ração, por outro lado, seria plenamente viável e poderia ter
sabe, jamais foi consultado por sua artéria nutridora, esta início precocemente, quando a ultra-estrutura contrátil
sim, a verdadeira “culpada”, se concordava ou não com o miocárdica estivesse relativamente preservada(4)
regime de privação de fluxo a ele imposto de forma sub- A grande questão é se esses fatos poderiam ser de-
reptícia e totalmente alheia à sua vontade. tectados clinicamente e qual sua importância para o manu-
Esta introdução, expressão da avidez miocárdica pelo seio dos pacientes. A resposta parece ser positiva, mas na
oxigênio que flui através de suas artérias nutridoras, procu- verdade, a interpretação desses mecanismos
ra estabelecer um paralelo coerente e oportuno para que se fisiopatológicos não tem recebido a adequada valorização,
entenda porque o despertar metabólico do processo de hi- quer pelos hemodinamicistas, quer, o que é pior, mesmo
bernação miocárdica ventricular esquerda pode começar pelos cardiologistas clínicos no momento em que decidem
logo após o restabelecimento de um fluxo coronariano efe- pelo encaminhamento dos pacientes para a angioplastia
tivo, quando, por exemplo, se desobstrui mecanicamente coronária. Não é raro, por exemplo, ignorar-se ou conside-
uma estenose coronariana significativa(2) rar-se uma hipocinesia grave ou uma acinesia de um deter-
minado segmento do ventrículo esquerdo, relacionado com
Quando Rahimtoola descreveu o fenômeno pela pri-
uma obstrução de uma artéria coronária em pacientes com
meira vez(3), ele chamou o principal órgão do corpo huma-
angina estável (tenham ou não tido um infarto prévio) como
no de “smart heart”(coração inteligente, ou esperto), estava
um processo irreversível de disfunção miocárdica isquêmica
absolutamente certo. Poucas vezes, a tentativa de sobrevi-
localizada. E depois, surpreender-se com a melhora da
vência metabólica terá engendrado uma forma tão adequa-
disfunção quando, por qualquer razão, se realiza um
da e eficaz de resistência biológica a um processo isquêmico
ecocardiograma dias após uma angioplastia. Ou, uma situ-
persistente e, muitas vezes, perverso, qual seja o de sobre-
ação que poderia ter uma pior conseqüência:deixar de en-
viver heroicamente em condições adversas e retornar rapi-
caminhar os pacientes para uma intervenção percutânea,
damente à sua função habitual assim que as condições fa-
ou mesmo cirúrgica, acreditando na irreversibilidade da
voráveis sejam restabelecidas.
disfunção, sem sequer testar aquela possibilidade. Nunca
E, a questão que logo se apresenta é: onde está a é demais lembrar que, não raro, a isquemia subjacente dei-
chave desse quebra cabeça fisiopatológico, isto é, qual a xa de se exteriorizar através de dor ou alteração do seg-
velocidade do retorno da contração e, o que é mais impor- mento S-T, quando a disfunção é expressiva e prolongada,
tante, qual a possibilidade desse fenômeno ocorrer após um processo inerente à redução da atividade metabólica
uma revascularização miocárdica eficaz? própria do processo de hibernação(6). Nesses casos, deve-

Coordenador de Pesquisa do Instituto Nacional de Cardiologia - Ministério da Saúde- RJ


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Editorial Laranjeiras

se buscar, através de protocolos ecocardiográficos e Referências Bibiográficas:


1) Shivarkar B, Maes A, Borgers M, Ausma J, Scheys I, Nuyts J, Morelmans L, Flameng
cintilográficos, a viabilidade miocárdica, que é a marca da W. Only hibernating myocardium invariably shows early recovery after coronary
possibilidade de reversão da disfunção miocárdica regio- 2) Cohen M, Charney R, Hershman R, Fuster V, Gorlin R. Reversal of chronic ischemic
myocardial dysfunction after transluminal coronary angioplasty. J Am Coll Cardiol
nal, e não marcadores isquêmicos clássicos. É claro que 1988;12:1193-1198revascularization. Circulation 1996;94:308-315
essa falsa interpretação pode ter conseqüências negativas 3) Rahimtoola SH. The hibernating myocardium. Am Heart J 1989;117:216-226
em relação ao diagnóstico, ao prognóstico e à conduta dos 4) Vanoverschelde JJ, Wijns W, Borgers M et al. Chronic myocardial hibernatation in
humans: from bedside to bench. Circulation 1997;95:1961-1971
pacientes. 5) Rahimtoola, SH. From coronary artery disease to heart failure: The role of the
hibernating myocardium. Am J C rdiol 1995;75:16E-22E
Quanto ao despertar precoce, ou seja, a melhora da
6) Akins CW, Pohost GM, DeSanctis RW, Block PC. Selection of angina-free patients
contração do ventrículo esquerdo após uma angioplastia with severe left ventricular dysfunction for myocardial revascularization. Am J Cardiol
coronária ainda na sala de hemodinâmica, por mais para- 1980;46:695-700
7) Carlson EB, Myler RK, Cowley MJ et al. Immediate improvement of left ventricular
doxal que pareça, ele é perfeitamente plausível e ocorre no function after PTCA in patients with depressed ejection fraction(“stunned
mundo real. Basta interpretar o fenômeno biológico através myocardium”)(abstr). Circulation 1986;74(suppl II): II-478
8) Amino JGC, Romão N, Pessanha A, Oliveira PS, Tura BR. Reversão imediata da
de uma visão não superficial e apressada, para que se pos- disfunção miocárdica isquêmica crônica. Arq Bras Cardiol 2002. Submetido à publi-
sa constatar sua presença, como fez pela primeira vez, em cação.
1986, Carlson e cols (7), fato confirmado posteriormente por
Cohen e cols.(2) e por nós, em uma série de 60 pacientes
submetidos à angioplastia coronária eletiva.
Nosso estudo, em vias de publicação(8), envolveu
doentes portadores de doença coronária crônica (angina
estável e isquemia silenciosa) ou crônica agudizada (angi-
na instável 1 B de Braunwald), com ou sem infarto do
miocárdio prévio documentado. Todos eram portadores de
disfunção segmentar de uma das paredes do ventrículo
esquerdo, relacionada com uma obstrução igual ou maior
do que 70% da luz de uma das artérias coronárias. Cerca
de 15 minutos após uma desobstrução eficaz (estenose re-
sidual < 50%), observou-se aumentos significativos, tanto
na fração de ejeção (de 63.7+-15%% para 68.1+-11.9% -
p<0.0001) como na contração segmentar da área relacio-
nada anatomicamente com a artéria obstruída (de 33.5+-
14.9% para 40.4+-14.9% -p<0.0001).
Curiosamente, existem poucas publicações referen-
tes a essa relação de causa e efeito, entre alivio mecânico
de uma obstrução coronária e melhora da disfunção
isquêmica regional (1,2,7), especialmente na doença
coronária crônica, refletindo, talvez, a excessiva valoriza-
ção do aspecto anatômico e a pouca ou nenhuma preocu-
pação com o músculo isquêmico, o que é no mínimo uma
desqualificação científica com este último. Afinal, para onde
vai o aumento do fluxo e qual o objetivo primordial quando
se revasculariza com sucesso?
Moral da história: pacientes com disfunção segmen-
tar de origem isquêmica, freqüentemente encontrados em
nossa prática clínica, jamais deveriam deixar de ter sua
função ventricular esquerda cuidadosamente avaliada, an-
tes da revascularização miocárdica, já que este conheci-
mento pode nos fornecer importantes inferências sobre a
existência e a intensidade de um eventual dano estrutural
miocárdico, com relevantes implicações na indicação de uma
angioplastia coronária e no prognóstico pós-dilatação.
Ao tomar esse tipo de conduta, o cardiologista poderá
realizar um grande feito: descobrir o véu deste cenário de
mistério que é o fenômeno da hibernação miocárdica, que
tanto encobre uma má interpretação fisiopatológica como
dá suporte a um tipo de má prática clínica. E assim o fazen-
do, contribuirá para que o sublime despertar do longo sono
da hibernação miocárdica possa ser entendido e devida-
mente valorizado, e para que estes pacientes possam ser
plenamente beneficiados com a revascularização
percutânea ou cirúrgica.

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Artigo original
Editorial Laranjeiras

Angioplastia no Infarto Agudo do Miocárdio:


Primária, de Resgate e Eletiva. Resultados.
Paulo Sergio de Oliveira*, Marta Labrunie, Marco Antonio de Mattos**, Sergio Leandro, André Pessanha,
Norival Romão,Waldir Malheiros, Leonardo Duarte, Marcelo Lemos, Paulo Eduardo Kyburz,
Maria da Conceição Alves, Marcio Macri, Rafael Lauria de Oliveira

RESUMO ABSTRACT
Os autores comparam os resultados de 149 The authors compared the results of 149 coronary
angioplastias para tratamento de infarto agudo do miocárdio, angioplasty for treatment of acute myocardial infarction.
sendo: 99 angioplastias primárias (P), 30 angioplastias de Patients were classified in 3 groups: primary angioplasty (P)
resgate (R) e 19 angioplastias eletivas (E). Os grupos apre- (99 patients), rescue angioplasty (R) (30 patients) and
sentavam características clínicas, fatores de risco, função elective angioplasty (E) (19 patients). All 3 groups showed
ventricular, extensão da doença e número de vasos trata- similar clinical characteristics, risck factors, left ventricular
dos semelhantes. O Dt médio foi de 9,03+7,95 horas (P), function, extention of disease and number of treated vessels.
26,04+23,88 horas (R) e 3,1+1,7 dias (E). As lesões eram Delay time from symptoms onset until procedure
do tipo B2 e C em 94,9% (P), 93,3% (R) e 100% (E). Apre- performance was 9.03+7.95 hours, 26.04+23.88 hours and
sentavam-se em choque cardiogênico 8,1% (P), 10% (R) e 3.1+1.7 days, respectively. Lesions were B2 and C type in
10,5% (E) dos pacientes (p=0,91). Já haviam sido subme- 94.9 % (P), 93.3% (R) and 100% (E). The percentage of
tidos à cirurgia de revascularização miocárdica 8,2% (P), cardiogenic shock in each group was: 8,1% (P), 10% (R)
3,3% (R) e 10,5% (E) (p=0,59); e angioplastia prévia 20,4% and 10,5% (E) (p=0.91). Number of patients with previous
(P), 10% (R) e 22,2% (E) (p=0,42). Obtivemos sucesso em myocardial revascularization surgery was 8.2% (P), 3.3%
95,9% (P), 96,6% (R) e 94,7% (E) (p=0,99). O Diâmetro (R) and 10.5% (E) (p=0.59); and with previous PTCA, 20.4%
Luminar de Referência (DLR) pré foi de 2,81+0,97mm (P), (P), 10% (R) and 22.2% (E) (p=0.42). Procedure success
3,01+0,80mm (R) e 3,17+0,66mm (E) (p=0,21). O Diâme- was 95.9% (P), 96.6% (R) and 94.7% (E) (p=0.99). Pre RLD
tro Luminar Mínimo (DLM) pós foi de 3,11+0,55mm (P), values were 2.81+0.97mm (P), 3.01+0..80mm (R) and
3,23+0,51mm (R) e 3,44+0,63mm (E) (p=0,05). A mortali- 3.17+0.66mm (E) (p=0.21); and post MLD values,
dade hospitalar foi 5% (P), 3,3% (R) e 5,3% (E) (p=0,92); já 3.11+0.55mm (P), 3.23+0.51mm (R) and 3.44+0,63mm (E)
a mortalidade nos pacientes chocados foi de 12,5% (P), (p=0.05). Hospital mortality was 5% (P), 3.3% (R) and 5.3%
33,3% (R) e 50% (E) (p=0,005). Conseguimos o “follow-up” (E) (p=0.92), and mortality of patients with cardiogenic shock
de 62,6% (P), 56,7% (R) e 68,4% (E) dos pacientes (p=0,70). was 12.5% (P), 33.3% (R) and 50% (E) (p=0.005). The 6-
A incidência de eventos coronários maiores em 6 meses foi month follow-up of 62.6% (P), 56.7% (R) and 68.4% (E) of
de 9,1% (P), 16,7% (R) e 26,3% (E) (p=0,09). Conclusão: patients showed an incidence of MACE of 9.1% (P), 16.7%
Excluindo-se os pacientes chocados, o retardo na realiza- (R) and 26.3% (E) (p=0.09). Conclusion: Delay of PTCA
ção da angioplastia após o IAM não interferiu nos resulta- after AMI did not change the imediate results, but the 6-
dos imediatos. Os resultados tardios foram progressiva- month MACE increased according to delay.time.
mente piores, conforme o Dt.

Palavras-chave: angioplastia, infarto do miocárdio, revascularização Key words: angioplasty, myocardial infarct, myocardial revascularization
miocárdica

INTRODUÇÃO Outro avanço foi a introdução dos inibidores das


Desde o início do tratamento do infarto agudo do glicoproteínas IIb/IIIa como coadjuvante no tratamento do
miocárdio através de angioplastia com balão, no início da infarto agudo do miocárdio e na angioplastia,. O estudo
década de 80, discutia-se a sua efetividade. Principalmen- ADMIRAL 8 mostrou melhora dos resultados com o uso des-
te comparava-se angioplastia com trombólise, que apre- se tipo de droga.; já o estudo CADILLAC 9 não demonstrou
sentava bons resultados. Hartzler 1 em 1983 assombrou a vantagens no seu emprego
comunidade cardiológica com a surpreendente mortalida- Surgiu recentemente o conceito de angioplastia
de de 7,7% no tratamento dos primeiros 1000 pacientes coronária facilitada, com o uso precoce dos inibidores das
com infarto agudo do miocárdio, entre pacientes choca- glicoproteínas IIb/IIIa seguido de angioplastia, porém seus
dos e não chocados, tratados com angioplastia primária. A resultados não foram muito diferentes daqueles sem o uso
superioridade desse tratamento sobre a trombólise foi dessa droga.
demonstrada claramente nos trabalhos de Grines 2 , Zijlstra
3
É ainda discutível até quanto tempo após o infarto
, Gibbons 4 e, mais recentemente, numa metanálise rea-
agudo o paciente se beneficia com a abertura da artéria
lizada por Cannon 5, envolvendo 17 estudos mais antigos
culpada pelo evento agudo. Sabe-se que a interrupção do
e 4 estudos recentes.
fluxo coronário por um período inferior a 100 minutos não
Com o advento dos stents, logo surgiram trabalhos causa dano irreversível para a fibra miocárdica 10, mas vári-
demonstrando a sua superioridade sobre os balões, atra- os estudos 11 e 12 demonstraram benefícios com a
vés de Serruys 6, e Suriapranata 7. angioplastia coronária realizada após várias horas de infarto
7
Editorial Laranjeiras

agudo do miocárdio, pois existem áreas com músculo viá-


vel que se mantêm vivas através de circulação colateral e
podem ser recuperadas quando da restituição do fluxo
coronário.
Classificamos a angioplastia para tratamento do infarto
agudo do miocárdio em 3 tipos:
Angioplastia primária: Angioplastia coronária reali-
zada sem o uso prévio de trombolítico e até 24 horas após
o início dos sintomas do infarto agudo do miocárdio.
Angioplastia de resgate: Angioplastia realizada após
tratamento com trombolítico sem critérios de reperfusão
miocárdica, podendo ou não apresentar choque
cardiogênico.
Angioplastia eletiva: Angioplastia realizada após
as primeiras 24 horas, e até 5 dias após o infarto agudo do
miocárdio, independente do uso de trombolítico.

CASUÍSTICA E MÉTODOS
No período de fevereiro de 1998 até fevereiro de 2003,
tratamos 149 pacientes com infarto agudo do miocárdio atra-
vés de angioplastia coronária. Destes, 99 pacientes foram
classificados no grupo de angioplastia primária, 30 pacien-
tes no de angioplastia de resgate e 19 , no de angioplastia
eletiva. O intervalo de tempo entre o início dos sintomas e
a angioplastia coronária (Dt) foi de 541,62+476,86 minutos
(cerca de 9 horas) no grupo angioplastia primária,
26,04+23,88 horas no grupo resgate e 3,1+1,7 dias no gru-
po eletivo. As características clínicas de cada um dos 3
grupos estão relacionadas na Tabela 1. Os fatores de riscos
para doença coronária estão relacionados na Tabela 2. A
extensão da doença e a função ventricular esquerda cons-
tam na Tabela 3. A média do número de vasos tratados por
paciente foi de 1,05+0,22 no grupo primária, 1,07+0,25 no
grupo resgate e 1,11+0,32 no grupo eletivo (p=0,59). A
média do número de lesões tratadas por paciente foi de
1,08+0,31 no grupo primária, 1,07+0,25 no grupo resgate e
1,11+0,32 no grupo eletivo (p=0,89). A distribuição do nú-
mero de lesões por vaso encontra-se na Tabela 4. As ca-
racterísticas das lesões foram predominantemente comple-
xas, do tipo B2 e C em 94,9% no grupo orimária, 93,3% no
grupo resgate e 100% no grupo eletiva (p=NS). Encontra-
mos trombos visíveis à angiografia em 86,9% das lesões no
grupo primária, 86,7% no grupo resgate e 84,5% no grupo
eletiva (p=0,95). Os procedimentos foram realizados pela RESULTADOS
técnica femoral, utilizando-se 10.000 UI de Heparina não Obtivemos sucesso em 95,3% dos procedimentos.
fracionada. Todos os pacientes fizeram uso de AAS 200mg/ A mortalidade hospitalar foi de 4,7%, distribuída nos 3 gru-
dia e Ticlopidina 500 mg/dia ou Clopidogrel 75 mg/dia a partir pos conforme a Tabela 5, que apresenta também os diâme-
da angioplastia. Foi administrado inibidor das glicoproteínas tros de referência dos vasos tratados, os diâmetros
IIb/IIIa em 32,3% dos pacientes no grupo primária, 30% no intraluminais mínimos ao final do procedimento e os resulta-
grupo resgate e 26,3% no grupo eletiva (p=0,86). Foram dos imediatos.
implantados stents em 63,6% dos pacientes no grupo primá- Conseguimos e “follow-up” de 61,7% dos pacientes e
ria, 83,4% no grupo resgate e 83,4% no grupo eletiva (p=0,04).
os resultados tardios estão na Tabela 6.
Os dados foram analisados estatisticamente através
do teste do Chi quadrado para as variáveis calculadas com
proporção e teste de variância para as médias. Foi consi-
derado como significativo o valor de p menor ou igual a 0,05.

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Editorial Laranjeiras

nificativamente maior no grupo da Angioplastia Primária. A


incidência de diabetes mellitus foi a mesma encontrada nos
trabalhos anteriores. A ocorrência de dislipidemia, história
familiar de doença coronária e obesidade não mostrou dife-
rença nos 3 grupos.
Quanto às características clínicas, a extensão da do-
ença, a função ventricular esquerda e os vasos tratados não
houve diferença estatística entre eles.
Um aspecto interessante é a grande diferença obser-
vada no uso de stent. O grupo primária teve uma incidência
de apenas 63,6% contra 83,4% nos demais grupos. Talvez
essa diferença se explique pelo crescente emprego de stent
no nosso serviço. As angioplastias primárias eram mais
freqüentes do que as de resgate e as eletivas nos primeiros
DISCUSSÃO anos do período analisado. Progressivamente foi aumen-
tando o número de pacientes dos grupos resgate e eletiva,
O número relativamente pequeno de pacientes trata-
acompanhando o aumento do emprego dos stents nas
dos por angioplastia coronária nos últimos 5 anos no Insti-
angioplastias coronárias como um todo.
tuto Nacional de Cardiologia deve-se ao fato de não haver
serviço de emergência nesse Instituto. Como decorrência A incidência de pacientes com choque cardiogênico
desse fato, a maioria dos pacientes com IAM vêm encami- foi a mesma encontrada na literatura, porém a mortalidade
nhados de outras unidades de emergência, e o Dt médio foi diferente nos 3 grupos, registrando 12,5% no grupo pri-
das angioplastias primárias foi elevado (cerca de 9 horas), mária, 33,3% no grupo resgate e 50% no grupo eletiva.
e da angioplastia de resgate foi de 26 horas. Talvez aí esteja a diferença no resultado entre os pacientes
que fizeram o procedimento com Dt menor do que 6 horas,
A angioplastia primária no tratamento do infarto agu-
pois a mortalidade foi maior à medida que o Dt foi aumen-
do do miocárdio nas primeiras 6 horas do evento agudo é
tando.
reconhecidamente a melhor conduta.1-7 O que se discute é
a indicação desse tratamento com mais de 6 horas de infarto
CONCLUSÃO
agudo. Nos pacientes que não tiveram qualquer tipo de tra-
tamento anti-trombótico nas primeiras 6 horas, a formação A angioplastia coronária para o tratamento do infarto
de trombos é um fator negativo para o sucesso da agudo do miocárdio realizada nas primeiras 6 horas após o
desobstrução mecânica, e os resultados podem não ser os início dos sintomas apresentou excelentes resultados. Nos
mesmos. pacientes em que o procedimento foi realizado mais tardia-
mente, obtivemos uma incidência progressivamente maior
O conceito de angioplastia eletiva não é bem estabe-
de eventos coronários maiores nos 6 primeiros meses após
lecido. Consideramos como eletiva a angioplastia realizada
o procedimento. Essa diferença não invalida a conclusão
de 24 horas a 5 dias após o infarto agudo do miocárdio.
de que podemos realizar, com bons resultados, as
Após esse período, classificamos como angina instável pós-
angioplastias com Dt mais elevados. Nos pacientes em
IAM. No nosso estudo, os pacientes do grupo eletiva tive-
choque cardiogênico essa diferença é mais pronunciada.
ram Dt médio de 3,1 dias.
Os resultados imediatos foram semelhantes nos 3 gru-
BIBLIOGRAFIA
pos, exceto quando consideramos apenas os pacientes em 1. Hartzler GO, Rutherford BD, Mc Conahay DR, Johnson WL, Mac Callister BD, Gura
choque cardiogênico. Na realidade esses pacientes apre- GM et al. Percutaneous transluminal coronary angioplasty with and without thrombolytic
therapy for treatment of acute myocardial infarction. Am Heart J 1983;106:965-973.
sentavam gravidade progressivamente maior, sendo os re- 2. Grines CL, Browne Kf, Marco J, et al. A comparison of immediate angioplasty with
sultados proporcionais ao tempo de infarto. Quando obser- thrombolytic therapy for acute myocardial infarction. N. Engl J Med 1993;328:673-679.
3. Zyjlstra F, Jan De Boer M, Hoorntje JCA, Reiffers S, Reiber JHC, Suryapranata H. A
vamos os resultados tardios, há um aumento progressivo comparison of immediate coronary angioplasty with intravenous streptokinase in acute
de MACE (MAjor Coronary Events), ou seja IAM, morte, e myocardial infarction. N Engl J Med 1993;328:680-684.
4. Gibbons, Holmes DR, Reeder GS,, Bailey KR, Hopfenspirger MR, Gersh BJ. Immediate
revascularização cirúrgica ou percutânea, comparando-se angioplasty compared with the asministration of a thrombolytic agent followed by
os 3 grupos. Semelhante ao observado com os pacientes conservative treatment for myocardial infarction. N Engl J Med 1993; 328: 685-691.
chocados, a gravidade do quadro é proporcional ao tempo 5. Cannon C.P. Primary Percutaneous Ccoronary Intervention for all? J.A.M.A. 2002;
287: 1987-9.
de infarto. 6. Serruys P, De Jargere P, Kiemeneij F, et al. A comparison of coronary-stent placement
and balloon angioplasty in the treatment of coronary disease. N Engl J Med 1994; 331:
Como vemos, nos grupos de angioplastia de resgate 496-501.
e eletiva, o Dt foi superior a 6 horas e os resultados imedia- 7. Suryapranata H, van’t Hof A, Hoorntje J C et al. ESCOBAR Trial. Randomized
Comparison of Coronary Stenting with Balloon Angioplasty in Selected Patients with Acute
tos foram semelhantes nos dois grupos. Os melhores re- Coronary Infarction. Circulation 1998; 97: 2502-2505.
sultados tardios foram observados no grupo primária, cer- 8. Montalescot G, Barragan P, Wittenberg O, et al. Platelet Glyprotein IIb/IIIa Inhibition
tamente porque os procedimentos foram realizados com Dt with Coronary Stentting for Acute Myocardial Infarction. N Engl J Med 2001; 344: 1895-
1903.
menor. Observamos também que o grupo eletiva apresen- 9. Stone G W, Grines C L, Cox D A et al. Comparison of Angioplasty with Stenting With
tou uma incidência maior de MACE em 6 meses: IAM, mor- or Without Abciximab in Acute Myocardial Infarction. N Engl J Med 2002; 346: 957-966.
10. Braunwald E, Sobel BE. Heart Disease: Coronary Blood Flow and Myocardial Ischemia.
te, revascularização cirúrgica ou percutânea, porém sem Philadelphia: W.B. Saunders Co. 1992: 1161-1199.
significado estatístico. 11. Horie H, Takahashi M, Minai K et al. Long-Term Beneficial Effect of Late Reperfusion
for Acute Anterior Myocardial Infarction with Percutaneous Transluminal Coronary
Com relação aos fatores de risco para doença Angioplasty. Circulation 1998; 98: 2377
coronária, tivemos uma incidência muito elevada de taba- 12. Pfusterer M, Buser P, Osswald S, et al. Time Dependence fo Left Ventricular Recovery
After Delayed Recanalization of an Occluded Infarct-Related Coronary Artery: Findings of
gismo e hipertensão arterial sistêmica, e este último foi sig- a Pilot Study. J Am Coll Cardiol 1988; 32: 97

9
Artigo original
Editorial Laranjeiras

Efeito do Trandolapril sobre os Parâmetros


Hemodinâmicos na Hipertenção Arterial Sistêmica Leve e
Moderada Associada ao Sobrepeso
PAULO ROBERTO BENCHIMOL BARBOSA*, JOSÉ BARBOSA FILHO, IVAN CORDOVIL

Rio de Janeiro - RJ

RESUMO SUMARY

Objetivo – Analisar os efeitos do Tandrolapril, um Objective – The present study was conducted to
inibidor da enzima conversora da angiotensina I com ativi- evaluate the anti-hypertensive effect of Trandolapril, an
dade lipofílica, sobre o comportamento da pressão arterial angiotensin I converting enzyme inhibitor with strong
sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), pressão lipophylic action on systolic (SBP), diastolic (DBP) and mean
arterial média (PAM), pressão de pulso (PP), freqüência (MBP) arterial blood pressure, heart rate (HR), cardiac output
cardíaca (FC), débito cardíaco (DC), resistência arterial pe- (CO), peripheral arterial resistance (PAR) and body mass
riférica (RAP) e índice de massa corporal (IMC) em pacien- index (BMI) of mild to moderate overweighed primary
tes com hipertensão arterial sistêmica (HAS) primária leve
hypertensives.
e moderada e sobrepeso.

Method – Open study of 20 hypertensive patients,


Métodos – Estudo aberto, não-comparativo, onde fo-
ram analisados 20 pacientes ambulatoriais com HAS pri- virgin of anti-hypertensive treatment, older than 24 years and
mária e sobrepeso (IMC³³25 Kg/m2), virgens de tratamento, BMI³³25 Kg/m2. Ten patients were males and 14 white. After
com idade entre 24 e 70 anos. Destes, 10 eram do sexo the washout period, patients received 2mg to 4 mg of
masculino e 14 brancos. A dose administrada foi de 2mg a Trandolapril qd, as monotherapy. SBP, DBP, MBD and other
4mg de Trandolapril em monoterapia/dia. A PA e as demais variables (BMI, HR, CO and PAR) were assessed in doctor’s
variáveis (PP, IMC, FC, DC e RAP) foram avaliadas antes e office before and after 12 weeks of the treatment.
após 12 semanas de tratamento.
Results – A statistically significant decrease
Resultados – Foram verificadas reduções estatisti- (p<0.05) in SBP, DBP, MBP, BMI and PAR was observed
camente significativas (p<0,05) nas variáveis PAS, PAD, in doctor’s office after 12 weeks of treatment. CO and HR
PAM, PP, IMC e RAP. Para o DC e a FC não foram observa- did not undergo significant changes. Patient compliance
das variações. A aderência ao tratamento e a tolerabilidade to the treatment was considered good and adverse
da medicação (1 paciente apresentou tosse) foram consi- events were low.
deradas boas.

Conclusion – The Trandolapril therapy is effective for


Conclusões – O Trandolapril demonstrou boa eficá-
mild and moderate overweighed hypertensive patients,
cia anti-hipertensiva, quando administrado isoladamente
showing significant arterial blood pressure decrease, as well
em pacientes com HAS primária leve e moderada com
as good tolerability. The hypotensive effects were followed
sobrepeso, além de apresentar boa tolerabilidade. O efei-
to hipotensor do medicamento se manifesta, primordial- by a decrease in PAR and arterial stiffness, with no changes
mente, através de redução da RAP e da rigidez arterial, in CO and HR.
manifesta pela redução da PP, sem alterar o DC e a FC.

Palavras chave: Hipertensão arteriaI sistêmica, sobrepeso, Key words: Arterial Hypertension, overweight, cardiovascular
cardiovascular

*Pesquisador do Instituto Nacional de Cardiologia


Universidade Gama Filho, INC
10
Editorial Laranjeiras

INTRODUÇÃO [mediana]) 56,7±10,5 [56] anos, sendo 10 do sexo femini-


no. Devido à forte miscigenação racial da população do Rio
de Janeiro, naqueles em que os dados antropométricos não
O controle da hipertensão arterial sistêmica (HAS)
eram conclusivos, a identificação da raça foi deixada à cri-
com os inibidores das enzimas de conversão da angiotensina
tério do paciente. Assim, quatorze pacientes foram defini-
(I-ECA) tem sido feito há pelo menos 20 anos, com resulta-
dos como brancos. Todos foram informados sobre a nature-
dos bastante satisfatórios, seja como monoterapia isolada
za do trabalho a ser realizado – tempo de tratamento, medi-
ou associada com outros hipotensores.
cação utilizada, possíveis efeitos colaterais relacionados à
Convém lembrar, entretanto, que HAS é uma medicação, exames complementares a serem realizados
síndrome clínica complexa e que, grosseiramente, pode ser para seguimento – e foram considerados em condições de
comparada a um grande “iceberg”, no qual a parte visível, participar do estudo, apresentando consentimento pós-in-
que fica acima da linha d’água, é representada pelas cifras formado para sua inclusão.
tensionais elevadas, enquanto os demais componentes da
2) Critérios de inclusão e exclusão no estudo - Os cri-
síndrome, sejam eles metabólicos, hormonais, genéticos ou
térios de inclusão e exclusão são apresentados na Tabela I.
orgânicos, estão imergidos nas profundezas das águas, lon-
ge dos nossos olhos e, muitas vezes, do nosso conheci- 3) Consultas de seguimento e inicial- Todos os paci-
mento. Desta sorte, na abordagem terapêutica da HAS, não entes tiveram três consultas de seguimento agendadas em
podemos nos satisfazer com a redução pura e simples dos 1, 4 e 12 semanas (consultas 1, 2 e 3, respectivamente)
níveis da pressão arterial, que, embora seja de grande im- após a consulta inicial, com o objetivo de avaliar a inclusão
portância, está longe de representar o controle adequado no trabalho. Em cada consulta foram aferidos PA, freqüên-
de suas complicações. cia cardíaca (FC) e peso corporal, e realizados anamnese
dirigida, para investigação de queixas clínicas e possíveis
O sobrepeso é um complicador importante e freqüen-
efeitos colaterais associados à medicação, e exame físico.
te da HAS, dificultando a resposta à terapêutica instituída e
Na consulta inicial foram aferidos, adicionalmente, a PA em
aumentando, de forma significativa, a morbi-mortalidade
ambos os braços, conforme protocolo descrito abaixo, o di-
cardiovascular. Assim, o controle do sobrepeso e a admi-
âmetro torácico ântero-posterior, a altura para o cálculo do
nistração de medicamentos que não têm a sua eficácia com-
índice de massa corporal (IMC) e foram solicitados exames
prometida pela presença dessa variável merecem nossa
complementares. Todas as consultas foram realizadas no
atenção.
período entre as 8h e as 16h.
Fatores hemodinâmicos relacionados diretamente ou
4) Medidas da pressão arterial- Na consulta inicial, os
indiretamente com o controle da pressão arterial são co-
pacientes tiveram a PA medida em ambos os braços, na
nhecidos do ponto de vista experimental e podem desem-
posição sentada, após cinco minutos de repouso em
penhar um papel importante na compreensão dos mecanis-
decúbito dorsal, em ambiente calmo e refrigerado, mantido
mos associados à HAS. A avaliação da resistência arterial
em torno 25oC. A PA foi aferida no 1o, 3o e 5o minutos após
periférica (RAP), do débito cardíaco (DC) e da
o repouso e computada a média das duas últimas medidas.
distensibilidade arterial avaliada pela pressão de pulso (PP)
O braço que apresentou os maiores valores de PA sistólica
fornecem dados importantes sobre o estado hemodinâmico
(PAS) e diferencial (diferença entre PAS e PA diastólica
e o prognóstico do indivíduo hipertenso, podendo indicar a
[PAD]) foi tomado como padrão e medidas subseqüentes
droga mais apropriada para o tratamento. Freqüentemente,
foram realizadas sempre do mesmo lado. Foram usados
entretanto, devido às limitações técnicas impostas à
esfignomanômetro de coluna de Hg calibrados pelo
quantificação de algumas dessas variáveis, suas modifica-
INMETRO.
ções decorrentes dos efeitos farmacológicos das drogas anti-
hipertensivas são pouco conhecidas. 5) Exames complementares- Os pacientes foram
submetidos a exames de sangue para dosagem plasmática
O presente trabalho tem por objetivo analisar os efei-
de glicose, colesterol total, triglicerídeos, creatinina, potás-
tos do Trandolapril, um I-ECA com capacidade lipofílica,
sio, transaminases glutâmico-pirúvica (TGO) e glutâmico-
sobre o comportamento das variáveis fisiológicas e
oxaloacética (TGP), exame de elementos anormais do se-
hemodinâmicas dos pacientes com sobrepeso e HAS.
dimento na urina, eletrocardiograma convencional (ECG) e
RX de tórax em incidências póstero-anterior e perfil esquer-
MÉTODOS do. O ECG foi analisado pelo índice Romhilt-Estes (IRE)
para avaliar a presença de hipertrofia ventricular esquerda
O protocolo do estudo foi realizado de acordo com e, com o RX de tórax em incidência ântero-posterior, foi
os princípios da Declaração de Helsinque e da legislação calculado o índice cardiotorácico (ICT).
brasileira e submetido ao Comitê de Ética Médica do Insti- 6) Tratamento medicamentoso- Todos os pacientes
tuto Nacional de Cardiologia, tendo obtido autorização para receberam 2mg de Trandolapril na consulta 1, a ser tomado
sua realização. Para condução do trabalho foram confecci- “per os” uma vez ao dia. Na consulta 2, caso a PAD ou a
onadas fichas clínicas individuais de acompanhamento dos PAS não reduzisse, em relação à consulta 1, pelo menos 10
pacientes. mmHg, respectivamente, a dose do medicamento seria au-
1) Dos pacientes do estudo - Foram avaliados mentada para 4mg ao dia, divididos em duas tomadas. A
prospectivamente 20 pacientes com HAS leve e moderada, medicação para o presente estudo foi cedida pelos labora-
atendidos no ambulatório da Divisão de Hipertensão Arteri- tórios Knoll-Basf Farma.
al do Instituto Nacional de Cardiologia em primeira consul- 7) Tratamento não-medicamentoso- Todos os paci-
ta, todos previamente virgens de tratamento anti-hipertensivo entes tiveram consultas com nutricionistas para acompa-
medicamentoso,. Os pacientes tinham idade de (média±±DP nhamento higiênico-dietético, agendadas paralelamente às
consultas médicas. Foi recomendada a retirada do sal de

11
Editorial Laranjeiras

adição alimentar, a suspensão do tabagismo e atividade fí- distribuição, exceto a variável RAP (A=0,23), que foi trans-
sica diária por 30 minutos. formada em seu logaritmo natural (LnT) antes do teste do
8) Adesão e eficácia do tratamento- A adesão foi ajustamento e das análises estatísticas subseqüentes (4).
avaliada a cada consulta em função do cumprimento dos O teste de ajustamento para distribuição normal foi estatis-
regimes medicamentoso e não-medicamentoso propostos ticamente significativo para todas as variáveis, após o pro-
e do retorno às consultas. Foram considerados responsivos cedimento. A RAP LnT é descrita em termos de unidade de
os pacientes que apresentaram redução da PAD, entre a 1a resistência (UR), correspondente a Ln(dynxsxcm-5).
e a 3a consultas, de 10mmHg ou sua normalização (PAD<90 Os dados clínicos descritivos e numéricos foram trans-
mmHg). critos para fichas clínicas individuais, inseridos em um ban-
9) Reações adversas e interrupção do tratamento- A co de dados e analisados em computador PC compatível,
presença de reações adversas foi avaliada através da empregando o módulo estatístico Statgraphics® (Statistical
anamnese e do exame físico. Considerou-se a hipótese de Graphics Corporation, Inc.). O nível de confiança foi fixado
interrupção do estudo por decisão médica ou a pedido dos em 0,05. Os dados são apresentados na forma de média±DP
pacientes, por não comparecimento às consultas subse- [mediana], com um algarismo significativo, exceto para ní-
qüentes, por suspeita ou confirmação de gravidez, por vel de confiança e resultados das análises de correlação.
necessidade de administração de medicação
concomitante ou por interrupção voluntária do tratamen- RESULTADOS
to por parte do paciente.
10) Avaliação hemodinâmica não-invasiva - Para
Dos pacientes incluídos inicialmente, 19 completa-
medida da RAP e do DC foi desenvolvido um algoritmo ba-
ram o estudo (95,0%). Todos os pacientes fizeram uso re-
seado em sistema de equações diferenciais não-lineares,
gular da medicação, atestado pelo número de comprimidos
com o auxílio do Programa de Engenharia Biomédica da
contados a cada consulta. Dos pacientes estudados, 18
COPPE-UFRJ (Figura 1). O algoritmo empregou a análise
(94,5%) apresentavam HAS sistólica e 19 (100,0%) HAS
não-linear de variáveis antropométricas da medida das PA
diastólica. Em três pacientes (16,5%) a dose da medicação
sistólica e diastólica e da FC (1,2) e foi implementado em
foi aumentada de 2mg para 4mg ao dia, durante o acompa-
um software de ambiente Windows®. O sistema foi testado
nhamento. Os resultados dos exames laboratoriais na fase
com o auxílio de informações referentes à monitorização
pré-inclusão dos pacientes que completaram o estudo es-
hemodinâmica invasiva de indivíduos internados em Unida-
tão apresentados na Tabela II.
de Coronariana, que tiveram alta hospitalar. Os dados refe-
rentes a 25 medidas invasivas do RAP e da DC foram admi- Verificamos que as variáveis fisiológicas analisadas
tidos no algoritmo e os resultados de 10 medidas adicionais sofreram modificações estatisticamente significativas duran-
foram utilizadas para avaliar o grau de confiabilidade dos te o acompanhamento. Assim, a eficácia do tratamento foi
resultados. O algoritmo mostrou correlação de 0,97 e 0,94 avaliada através da evolução entre a 1a e a 3a consultas,
entre os valores da RAP e DC invasivos (I) e não-invasivos conforme pode ser observado na Tabela III. Todos os paci-
(NI), respectivamente, e as equações de regressão empre- entes tiveram reduções das pressões sistólica, diastólica e
gadas para corrigir os valores estimados foram DC_I=1,04x média (100,0%). As variáveis PAS, PAD, PAM E PP varia-
DC_NI-0,13 e RAP_I=1,02xRAP_NI+166,81 (Figura 2). ram de –26,7±13,4 [–29] mmHg (p<<0,001), –14,8±4,9 [–
O erro padrão da estimativa da regressão para RAP e DC 14,5] mmHg (p<<0,001), –19,4±7,7 [–20] mmHg (p<<0,001)
invasivos foi de 164,04 e 0,47, respectivamente. e -11,9±14,2 [14] mmHg (p=0,004), respectivamente.
11) Análise numérica e estatística - Os valores da Quanto aos demais dados analisados, verificamos que
PA média (PAM) foram calculados utilizando a fórmula enquanto a FC não apresentou variação estatisticamente
PAM=PAS-PAD/3+PAD. Os valores do IMC foram calcula- significativa (5,6±15,5 [4,5] bpm), o IMC reduziu significati-
dos utilizando-se a fórmula IMC=peso(kg)/altura2(m2). A PP vamente de –0,5±0,7 [–0,7] kgxm-2 (p=0,01). No que tange
foi calculada utilizando-se a fórmula PP=PAS-PAD. Os da- às variáveis hemodinâmicas, o DC não apresentou altera-
dos da PAS, PAD, PAM, PP, IMC, DC, RAP e FC foram com- ção estatisticamente significativa (0,7±1,4 [0,9] Lxmin -1);
parados entre as consultas 1 e 3, através do teste ‘t’ de entretanto, a RAP LnT apresentou redução significativa, de
Student bicaudal pareado (3). A diferença da PAD entre as –0,3±0,3 [–0,3] UR (p=0,002).
consultas 1 e 3 ( PAD) foi relacionada às variações res- Não foram observadas diferenças estatisticamente
pectivas do IMC ( IMC), a fim de avaliar a influência desta significativas em todas as variáveis analisadas entre a 1a e
variável no controle da PA. Para esse fim, os pacientes fo- a 3a consultas, quando comparadas em função do sexo.
ram divididos em três faixas de variação do IMC, ou seja, Somente 1 paciente (1/19) apresentou reação adver-
aqueles que aumentaram o IMC, ou F1, ( IMC>0kg/m2); os sa (tosse seca). A aderência ao tratamento medicamentoso
que não alteraram o IMC, ou F2, (0kg/m2> IMC³³-1kg/m2); foi também considerada satisfatória, sendo que 1 não
e os que reduziram o IMC, ou F3, ( IMC<-1kg/m2), e, en- retornou às consultas subseqüentes (1/20), por motivo des-
tão, analisados utilizando-se a análise “One-Way” da conhecido, e foi retirado do estudo. Dos que completaram o
variância (ANOVA). O teste de Bartlett foi realizado antes tratamento, todos seguiram as recomendações adequada-
da ANOVA para avaliar se os dados eram equilibrados (3). mente (19/19). A aderência ao tratamento não
Uma vez que as funções densidade de probabilidade medicamentoso foi considerada regular, sendo que três
das variáveis IMC, DC e RAP eram desconhecidas, todas apresentaram aumento do IMC (3/19).
foram analisadas, inicialmente utilizando-se o índice de Os valores da PAD entre a 1a e a 3a consultas, quan-
assimetria de Pearson (A) e, em seguida, tiveram o ajusta- do relacionada à IMC, nas faixas F1, F2 e F3 foram –
mento à distribuição normal analisado através do teste 9,3±4,1mmHg, –14,8±4,1mmHg e –18,0±4,1mmHg, respec-
Kolmogorv-Smirnov (3). Todas apresentaram simetria de tivamente. O teste de homocedasticidade mostrou igualda-

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Editorial Laranjeiras

de das variâncias entre as faixas, e a ANOVA mostrou dife- Em dois pacientes foi necessário o aumento da dose de
renças estatisticamente significativas entre suas médias 2mg para 4mg ao dia.
(p=0,03). Quando comparadas as médias duas a duas, so- Podemos observar, pela análise da Tabela III, que, em
mente as faixas F1 e F3 apresentaram diferenças estatisti- termos de eficácia, o Trandolapril administrado em dose
camente significativas entre si (p<0,05). única diária possui, sobre a PA, efeito semelhante a outras
classes de agentes anti-hipertensivos (beta-bloqueadores,
DISCUSSÃO diuréticos e bloqueadores dos canais de cálcio). Desta sor-
te, a queda das PAS, PAD e PAM mostra ser estatistica-
Vários estudos (5,6,7,8,9,10) ressaltam a necessi-
mente significativa (p<<0,001). Quanto aos principais me-
dade da redução do peso para obtenção de um controle
canismos envolvidos na regulação da PA, verificamos que
adequado das cifras tensionais. Modan e cols. apontaram o
a sua ação mais consistente foi sobre a RAP, onde a queda
papel fundamental da obesidade na resistência ao efeito
apresentou elevado nível de significância estatística com
anti-hipertensivo dos medicamentos (11). Independentemen-
p=0,001. Não foram observadas, entretanto, repercussões
te do tipo de droga e da dose empregada, o aumento do
maiores sobre o DC e a FC, cujas variações, em especial a
IMC é acompanhado de uma maior resistência ao fármaco
queda do DC e a elevação da FC, poderiam comprometer a
anti-hipertensivo. O estudo conduzido pela divisão européia
eficácia e a tolerância ao medicamento.
da OMS (12) confirmou o efeito negativo do sobrepeso na
eficácia terapêutica anti-hipertensiva. Na análise de 2851 Outro aspecto observado foi a dependência da res-
casos de HAS (13), ficou constatado que o controle das ci- posta terapêutica à variação do índice de massa corporal
fras tensionais é significativamente mais difícil nos indivídu- entre a 1a e a 3a consultas. Os pacientes que apresentaram
os com sobrepeso do que naqueles com peso normal. elevação do IMC entre as consultas apresentaram, em mé-
dia, uma menor redução da PAD (–9,3±4,1mmHg) do que
Adicionalmente, os trabalhos de Frederich e cols. (14)
aqueles em o que IMC diminuiu (–18,0±4,1mmHg; p<0,05).
demonstraram que o tecido adiposo é capaz de secretar
Esse fato demonstra e ressalta a necessidade da redução
angiotensinogênio, mostrando um efeito direto das células
do peso corporal para o controle da PA, nesta classe espe-
adiposas sobre a regulação das concentrações de
cial de pacientes.
angiotensinas I e II circulantes e, conseqüentemente, sobre
o controle da RAP. Destarte, comprovou-se que cerca de Quando analisadas em função do sexo, as variáveis
80% da produção de angiotensina ocorre nos tecidos hemodinâmicas não apresentaram diferenças significativas,
vascular e adiposo. indicando que a resposta terapêutica ao IECA independe
dessa variável, no grupo estudado. Devido à intensa misci-
O Trandolapril é um I-ECA com grande afinidade aos
genação de nossa população, não foram realizadas com-
lipídios (15,16,17,18). Devido à ação lipofílica, apresenta
parações entre os grupos de diferentes raças.
farmacocinética cumulativa, alcançando o volume máximo
de distribuição em três a cinco dias. Este fato prolonga sua Somente um paciente apresentou efeito colateral (tos-
vida média, mantendo efeito terapêutico por mais de 24 se seca), o que foi relatado como incômodo tolerável, não
horas, após uma única dose. Tem-se mostrado eficaz, por- necessitando interrupção do tratamento.
tanto, no controle da PA em pacientes hipertensos com Em resumo, a droga IECA Trandolapril apresen-
sobrepeso. Considera-se que sua distribuição preferencial tou, nos pacientes hipertensos e com sobrepeso, previ-
por tecidos com maior concentração de gordura desempe- amente virgens de tratamento, boa tolerabilidade e efi-
nha papel significativo na menor incidência de efeitos ad- cácia anti-hipertensiva consistente. A queda das cifras
versos relatados, como tosse seca, quando comparado a tensionais se deveu, do ponto de vista hemodinâmico, à
outros fármacos da mesma classe . diminuição da RAP.
No presente estudo, analisamos a eficácia do
Trandolapril sobre o controle das cifras tensionais de paci-
entes com HAS leve e moderada, previamente virgens de REFERÊNCIAS
tratamento e IMC≥25kg/m2. Trata-se de um dos primeiros
estudos no Brasil que abordam o efeito in vivo de um fármaco 1) O’Rourke MF. Arterial Function in health and Disease. Singapore. Churchill Livingston,
1982.
anti-hipertensivo, não só sobre os níveis das cifras 2) Iriuchijima J. Cardiovascular Physiology: Nerve, Flow and Pressure. Tokyo, Igaky Shoin,
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tes, isto é, somente aqueles que tiveram percepção clara Williams DW, Henderson WG. Importance of obesity, race and age to the cardiac
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Frederich Jr RC , Kahn BB, Peach MJ, Flier JS. Tissue-specific nutritional
pouco espaçadas entre si, e fichas clínicas individuais com regulation of angiotensinogen in adipose tissue. Hypertension 1992; 19:
todas as informações pertinentes, criando, a nosso ver, um 339-344

laço mútuo de compreensão, interesse e responsabilidade.

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Editorial Laranjeiras

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Editorial Laranjeiras

Figura 1- No alto, equação da quadratura numérica da função de modelagem do sistema arterio-venoso, com duas variá-
veis independentes (‘t’: tempo; ‘y’: pressão arterial). No gráfico (centro- equerda), observar a semelhança entre resultados
das curvas de pressões arterial real (vermelha) e simuladas (azul). Notar o coeficiente de correlação de Pearson de 0,988
entre os resultados. C, yv, R, L, ts, td, K representam constantes e g(t) é função característica do fluxo arterial aórtico.

15
Artigo original
Editorial Laranjeiras

Sobrevida Após Cirurgia de


Revascularização Miocárdica.
Antônio Sérgio Cordeiro da Rocha, Felipe José Monassa Pittela, Paulo Roberto Dutra da Silva,
Marialda Coimbra, Odilon Nogueira Barbosa

Rio de Janeiro - RJ

Resumo Abstract
A cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) pro- Coronary artery bypass grafting (CABG) results in
longa a sobrevida e melhora a qualidade de vida em longer survival and better quality of life in subgroups of
subgrupos de pacientes portadores de doença arterial patients with coronary artery disease. However, there is
coronariana (DAC). Entretanto, há pouca literatura a res- scanty literature in our country about the follow-up of patients
peito dos resultados a longo prazo da CRM em nosso meio. submitted to CABG. The aim of this study was to assess the
O objetivo primário deste estudo foi analisar o desenvolvi- outcome of 206 patients submitted to CABG between january
mento de eventos cardíacos maiores (ECMA): morte cardí- 1999 and january 2000 in a terciary public hospital. One
aca, infarto do miocárdio com onda Q (IAM) e necessidade hundred and thirty-six patients were male (66%) and 70
de nova revascularização miocárdica (NRM) após CRM re- female (34%), mean age 59,9±9 years-old. Of the 206
alizada entre janeiro de 1999 e janeiro de 2000 em um hos- patients, 93,2% had multivessel disease and the mean
pital público de referência em cirurgia cardíaca. O Objetivo number of bypass grafts was 2,2 per patient. A pedicle of
secundário foi observar a ocorrência de todas as mortes e left internal mammary artery graft was used in 89,3% of
de angina durante o seguimento. 206 pacientes foram acom- patients. The primary outcome was major cardiac events
panhados por 23±2 meses. 136 eram homens (66%) e 70 (MACE): cardiac death, Q-wave myocardial infarction (MI)
mulheres (34%), com idade de 59,9±9 anos. O número de and new myocardial revascularization (NMR). Secondary
enxertos por paciente foi de 2,2 e cerca de 89,3% recebe- outcome included all-cause mortality and development of
ram enxerto de artéria torácica interna esquerda. Durante o angina. All pts were followed-up for a minimum of 1 year and
seguimento ocorreram 30 mortes (14,5%), das quais, 22 the mean follow-up was 23±12 months. The all-cause
cardíacas. Quinze óbitos (7,2%) ocorreram na hospitalização mortality was 14,5% (30 pts), 22 of them were cardiac deaths.
índice. Doze pacientes sofreram IAM (5,8%), dos quais, 11 The in-hospital mortality was 7,4% (15 deaths). Q-wave MI
foram fatais. NRM foi necessária em 9 pacientes (4,3%). developed in 12 pts (5,8%), 11 of them were fatal. Thirty-
Trinta e um pacientes sofreram ECMA (15%) e angina res- one patients (15%) suffered a MACE. Nine patinets (4,3%)
surgiu em 24 (11,6%). Em 36 meses de seguimento a pro- required NMR and 24 (11,6%) developed angina. By 36
porção de pacientes vivos foi de 80,1%, a proporção livre months after CABG 80,1% of the patients were alive, 84,1%
de óbito cardíaco foi de 84,1%, a proporção livre de IAM foi were free of cardiac death, 94% were free of Q-wave MI,
de 94%, livre de NRM de 91,9%, livre de ECMA de 77,3% e 77,3% were free of MACE, 91,1% were free of NMR and
livre de angina de 63,2%. Tanto a angina instável e a cirur- 63,2% free of angina. Unstable angina and associated mitral
gia de troca valvar mitral associada à CRM contribuíram valve replacement contributed to cardiac death (p=0,03 and
para os óbitos totais (p=0,03 e p=0,011, respectivamente), p=0,011, respectively); whereas unstable angina contributed
enquanto, a angina instável contribuiu para o desenvolvi- to the development of angina (p=0,021) during the follow-
mento de angina (p=0,021) no seguimento. A proporção de up. The incidence of MACE, all-cause mortality and angina
ECMA, óbitos totais e angina encontrada em nossa in patients submitted to CABG in our institution was similar
casuística é semelhante à observada na maioria dos ensai- to that observed in the majority of the recently published
os clínicos randomizados publicados recentemente. randomized trials.

Palavras-chave: cirurgia de revascularização miocárdica, cirurgia car- Key-words: coronary artery bypass graft surgery, cardiac surgery,
díaca, doença arterial coronariana coronary artery disease.

Introdução da coronária esquerda e para aqueles com envolvimento


A cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) é multivascular e disfunção ventricular esquerda 3,5. No en-
muito eficiente no alívio sintomático e na melhora da expec- tanto, a melhora dos sintomas vai se perdendo com o pas-
tativa de vida em subgrupos de pacientes portadores de sar do tempo, particularmente naqueles que recebem en-
doença arterial coronariana (DAC) 1-5. Isto é válido especial- xertos venosos 5,6,7. Isso tem sido motivado pela bem docu-
mente para os portadores de lesões significativas do tronco mentada falha dos enxertos venosos, com veia safena, em

Divisão de Doença Coronária e Divisão de Cirurgia Cardíaca do Instituto Nacional de Cardiologia – MS – Rio de Janeiro

16
Editorial Laranjeiras

manterem-se pérvios a longo prazo 8-11 Esta parece ser uma (46,1%) lesão de 3 vasos e 40 (19,4%) LTCE. Envolvimento
das principais causas das reoperações e parece ser mais da artéria descendente anterior (DA) estava presente em
comum do que a própria progressão da aterosclerose nas 192 pacientes (93,2%), dos quais, 150 (72,8%) envolvendo
artérias nativas 10,11. Por outro lado, os excelentes resulta- o 1/3 proximal do vaso.
dos obtidos com os enxertos de artéria torácica interna es- Aspectos cirúrgicos
querda para a artéria interventricular anterior (artéria des-
A CRM foi realizada utilizando técnica cirúrgica pa-
cendente anterior), os quais se mantém pérvios em mais de
dronizada, sob hipotermia moderada e uso de solução
90% dos casos 10 anos após a cirurgia, tem reforçado a
cardioplégica. Na CRM foram utilizados 453 enxertos, dos
utilização de enxertos arteriais para reduzir o número de
quais, 264 venosos (veia safena) e 189 arteriais(184 artéri-
reoperações 12-14. O objetivo desse estudo foi observar o
as torácicas internas esquerdas e 5 artérias radiais). O nú-
desenvolvimento de eventos cardíacos, em pelo menos 12
mero de enxertos por paciente foi de 2,2. Cerca de 89,3%
meses de seguimento, em um grupo de pacientes, não se-
dos pacientes receberam enxertos de artéria torácica inter-
lecionados, que se submeteram à CRM em um hospital
na esquerda (ATIE). Endarterectomia da artéria descendente
público de referência em cirurgia cardíaca do Sistema Úni-
anterior ou coronária direita foi realizada em 6 casos(2,9%).
co de Saúde(SUS).
A revascularização foi completa (anastomoses distais de
Pacientes e Métodos todas as artérias com lesões significativas) em 157 casos
Casuística (76,2%). A existência de artérias distalmente finas (diâme-
Trata-se de um estudo observacional, prospectivo, que tro do vaso < 1,0 mm), calcificadas ou difusamente envolvi-
incluiu pacientes submetidos consecutivamente à CRM, no das pela aterosclerose ou pela ausência de viabilidade
período de janeiro de 1999 a janeiro de 2000. Nesse estudo miocárdica no segmento relacionado à vasos com lesões
foram incluídos 209 pacientes que realizaram cirurgia de significativas é que determinavam a não revascularização
revascularização miocárdica (CRM) cuja indicação implica- destes vasos.
va a existência de isquemia miocárdica sintomática ou si- Objetivos do estudo
lenciosa (detectada por testes não invasivos), refratária ao O objetivo primário do estudo foi verificar a ocorrência
tratamento farmacológico intenso ou lesão significativa do de eventos cardíacos maiores ocorridos durante o segui-
tronco da coronária esquerda (LTCE) ou lesão de múltiplos mento. Evento cardíaco maior (ECMA) foi definido como:
vasos associada à disfunção ventricular esquerda, além de morte cardíaca, infarto agudo do miocárdio com desenvol-
inegibilidade para tratamento por angioplastia coronária vimento de onda Q (IAM) e necessidade de nova
percutânea, com ou sem stent intracoronário (APC). Não revascularização miocárdica. Para análise estatística nós
foram excluídos do estudo os pacientes que necessitaram consideramos os eventos separadamente ou combinados.
de cirurgias associadas, tais como: troca valvar mitral (5 Nós avaliamos, também, como objetivos secundários a ocor-
casos), correção de aneurisma ventricular esquerdo (3 ca- rência de morte total (cardíaca e não cardíaca) ei o ressur-
sos), correção de aneurisma de aorta torácica (1 caso) e gimento de angina estável no seguimento.
atrioseptostomia (1 caso).
A angina estável foi graduada de acordo com os crité-
Tratamento farmacológico intenso significava o uso rios da Sociedade Canadense de Cardiologia 15. O diagnós-
associado de betabloqueadores, nitratos de ação prolonga- tico de IAM requeria o aparecimento de novas ondas Q pa-
da, antagonistas dos canais de cálcio, inibidores da enzima tológicas ou novo BRE no eletrocardiograma. O diagnósti-
de conversão da angiotensina, antiagregrantes plaquetários co de angina instável (AI) se baseou nos critérios descritos
e antitrombóticos, quando indicados. Os testes não invasivos por Braunwald 16. A necessidade de nova revascularização
realizados foram: teste de esforço convencional, miocárdica se baseou no desenvolvimento de quadro
ecocardiograma ou cintilografia miocárdica sob estresse fí- isquêmico, agudo ou não, refratário às medidas
sico ou farmacológico. farmacológicas anti-isquêmicas intensas.
Os pacientes que obtiveram alta hospitalar foram Análise estatística
acompanhados até a morte ou por pelo menos 12 meses
Na análise estatística, utilizou-se para comparação das
após a CRM. O tempo médio de seguimento foi de 23±12
médias o teste t de Student e para comparação das propor-
meses, variando de 1 a 38,4 meses.
ções o teste do Quiquadrado ou teste exato de Fisher. Para
Dos 209 pacientes, 3 foram excluídos do estudo por análise da sobrevida, utilizou-se o método de Kaplan-Meier
conta de dados incompletos nos prontuários médicos. Dos e para calcular possíveis diferenças nas proporções de so-
206 restantes, 136 (66%) eram homens e 70 mulheres breviventes o test log-rank. O tempo de sobrevida foi calcu-
(34%), com idade de 59,9±9,0 anos, variando de 38 a 82 lado do tempo da realização da CRM até a censura (saída
anos. Setenta e três pacientes (35,4%) tinham idade > 65 do estudo) ou ocorrência de objetivo primário. Censura ocor-
anos e 31 (15%) > 70 anos. Dos 206, 113 (54,9%) apresen- ria se o paciente não tivesse sofrido ECMA ou morte não
tavam história prévia de IAM, 100 (48,5%) angina instável, cardíaca até a data do último contato (fevereiro de 2002) ou
97 (47,1%) angina estável, 58 (28,2%) eram diabéticos (4 tivesse se perdido no seguimento. Com a finalidade de es-
insulino-dependentes) e 23 (11,2%) apresentavam disfunção tabelecer o(s) fator(es) responsável(eis) pelo surgimento de
moderada a grave do ventrículo esquerdo (fração de ejeção objetivos primários ou secundários realizou-se uma análise
< 35%, na avaliação subjetiva da cineventriculografia). multivariável de regressão logística, em que foram incluí-
Aspectos angiográficos dos como fatores independentes, idade, sexo, CRM prévia,
As obstruções ³ 70% da luz do vaso ou obstruções ³ diabetes mellitus, angina instável, IAM prévio, disfunção
50% do tronco da coronária esquerda(LTCE) eram consi- ventricular esquerda grave, LTCE, lesão de 1 vaso ou lesão
deradas significativas. Dezesseis pacientes (7,8%) apresen- multivascular, número de pontes realizadas, realização de
tavam lesão de 1 vaso, 55 (26,7%) lesão de 2 vasos, 95 endarterectomia coronária, enxerto de artéria torácica inter-

17
Editorial Laranjeiras

na esquerda e cirurgia completa ou incompleta. O nível de ventricular e com comorbidades como o diabetes, hiperten-
significância adotado foi = 5%. são e doença vascular extracardíaca 21.
Resultados Cada vez mais se reconhece que as taxas absolutas
Durante o período de observação (período de de morbidade e mortalidade não fornecem uma base razo-
internação e após a alta hospitalar) ocorreram 30 óbitos ável para comparação entre instituições, a menos que as
(14,5%), dos quais, 22 foram cardíacos (10,6%). Quinze características dos pacientes sejam conhecidas. Nossos
óbitos ocorreram durante a internação hospitalar (7,2%). pacientes compõem uma população não selecionada de
Doze pacientes sofreram IAM (5,8%), dos quais, 11 foram indivíduos em que quase a metade apresentava angina ins-
fatais. Nova revascularização foi necessária em 9 casos tável, 1/3 eram idosos, isto é, com idade ³ 65 anos, 1/3 dia-
(4,3%), todos realizaram APC, sendo que um deles neces- béticos e pouco mais de 1/3 composto por mulheres. Além
sitou de nova CRM após a angioplastia. Onze pacientes disso, a opção pela CRM deveu-se, na maioria dos casos,
perderam-se no seguimento (5,3%). Trinta e um pacientes às características das lesões, que os tornavam desfavorá-
(15,0%) sofreram ECMA. Angina estável surgiu em 24 ca- veis à APC. Em estudo realizado no estado de Nova York,
sos (11,6%). entre os anos de 1993 e 1995, em que se analisou quase
30 mil pacientes submetidos à CRM, foi verificado que mais
A tabela 1 mostra as proporções de pacientes livres
da metade apresentava idade ³ 65 anos, quase 1/3 eram
de óbito total, óbito cardíaco, IAM, revascularização, ECMA
mulheres e, aproximadamente, 1/3 diabéticos 22.
e angina. Em 36 meses de seguimento, a proporção de
pacientes livre de óbito total foi de 80,1% e livre de óbito O fato da ATIE estar, habitualmente, livre de
cardíaco de 84,1%. A proporção de pacientes livre de IAM aterosclerose, especialmente antes dos 65 anos de idade,
foi de 94%, enquanto a proporção livre de nova e ser virtualmente imune ao desenvolvimento de hiperplasia
revascularização foi de 91,9%. A proporção livre de ECMA intimal, que é praticamente universal nos enxertos venosos
8
foi de 77,3% e livre de angina de 63,2%. , tornou-a o enxerto padrão para a CRM. Loop et col 13
comparando os resultados de 2306 pacientes que recebe-
Na análise de regressão logística, verificamos que
ram ATIE para a artéria DA, isolada ou combinada com 1 ou
houve uma tendência da AI no pré-operatório influir no de-
mais enxertos venosos, com 3625 pacientes que recebe-
senvolvimento de ECMA (p=0,076; OR=5,449; IC
ram somente enxertos venosos, mostraram que a sobrevida
95%=0,833 - 35,625) e para necessidade de nova
atuarial em 10 anos foi significativamente maior nos que
revascularização (p=0,070; OR=4,927; IC 95%=0,876 –
receberam ATIE. A sobrevida atuarial, em 10 anos, nos pa-
27,694). A AI (p=0,030; OR=3,850; IC 95%=1,096 – 13,522)
cientes com lesão de 3 vasos e que receberam ATIE foi de
e a troca valvar mitral (p=0,011; OR=42,05; IC 95%=2,312
82,6% contra 71% dos que receberam somente enxertos
– 798,083) contribuíram para os óbitos cardíacos. Para o
venosos. Nos EUA, no ano de 1997, cerca de 79% das CRM
ressurgimento de angina no seguimento, tanto a AI (p=0,021;
utilizaram a ATIE. Na nossa casuística, 90,7% dos pacien-
OR=4,283; IC 95%=1,240 – 14,790) quanto a CRM prévia
tes receberam anastomoses com enxerto de ATIE.
(p=0,046; OR=190,249; IC 95%=1,091 – 3317,126) influí-
ram diretamente, enquanto a disfunção do VE manteve uma A eficácia a longo prazo da CRM foi estabelecida por
tendência de maneira inversa(p=0,076; OR=0,555; IC 3 grandes ensaios clínicos randomizados 1-4. Esses estu-
95%=0,289 – 1,065). dos, que compararam a CRM com o tratamento médico,
incluíram, no entanto, diferentes populações de pacientes
Discussão
quanto a classe funcional, função ventricular esquerda, grau
A CRM permanece como uma das cirurgia mais rea- de obstrução e distribuição da doença coronária. Apesar
lizadas no Mundo. Nos EUA, anualmente, aproximadamen- das diferenças na sua estrutura, esses estudos demonstra-
te 1 em cada 1000 indivíduos submete-se à CRM 17. Esses ram uma vantagem na sobrevida de pacientes com doença
números tem suscitado interrogações quanto a proprieda- arterial coronariana (DAC) avançada (onde uma grande área
de das indicações desse procedimento. No estado de Nova de miocárdio está sob risco) e, particularmente, naqueles
York e no Canadá somente cerca de 6 e 4%, respectiva- com disfunção ventricular esquerda. O benefício da CRM
mente, das CRM foram consideradas inapropriadas 18 . Na sobre o tratamento médico, no entanto, diminui com o tem-
Holanda, cerca de 12% das CRM foram consideradas de po, devido ao desenvolvimento de doença oclusiva nos en-
aplicação incerta e 4% inapropriadas 19. Em estudo envol- xertos, principalmente nos de safena 8-11. Em uma meta-aná-
vendo centros acadêmicos americanos, foi verificado que lise de 7 estudos que compararam a CRM com o tratamen-
somente 1,6% das CRM foram consideradas inapropriadas to médico, Yusul e col.4 verificaram que, em 12 meses de
e 7% incertas 20. Em nosso serviço as indicações de CRM seguimento, a taxa de IAM e morte foi 11,6% e, em 5 anos,
levam em consideração as características clínicas dos pa- de 24,4%. No estudo GABI 23 nos pacientes randomizados
cientes, especialmente a resposta da isquemia ao tratamento para CRM, em 12 meses de seguimento, a mortalidade foi
anti-isquêmico intenso, a presença de disfunção ventricular de 6,5%, de IAM de 9,4% e de ambos de 15,9%. Já, no
esquerda e as características anatômicas da doença. Em estudo EAST 24, em 36 meses de acompanhamento, a inci-
nossa casuística, aproximadamente 93% dos pacientes dência de morte foi de 6,2%, IAM de 11,6% e de ambos de
apresentavam lesões multivasculares ou LTCE e, em qua- 25,8%. No estudo BARI 25, por sua vez, em 7 anos de acom-
se 73% dos casos, envolvimento proximal da artéria DA. panhamento, a proporção de pacientes livre de morte foi de
A população submetida à CRM tem mudado muito 84,4%(mortalidade de 15,6%) e a proporção livre de IAM ou
com o passar do tempo, por conta das indicações de APC morte foi de 75,3%(taxa de 24,7%). No estudo ARTS 26 a
em pacientes que antes eram abordados apenas pela CRM. sobrevida livre de eventos, em 12 meses de seguimento, foi
Atualmente, o contingente de pacientes submetido à CRM de 87,8%. Morte ocorreu em 2,5% e IAM em 4,8% dos paci-
é mais idoso, com maior número de mulheres, com quadros entes randomizados para CRM. No estudo MASSII 27, dos
clínicos mais instáveis, com lesões multivasculares, com pacientes submetidos à CRM, a sobrevida, em 12 meses,
revascularizações prévias (CRM ou APC), com disfunção foi de 96,4% e a incidência de IAM com Q de 2,1%. Estes

18
Editorial Laranjeiras

estudos, no entanto, foram elaborados com o intuito de com- angina no pós-operatório.


parar opções terapêuticas diferentes, isto é, CRM, APC ou Por conta da falha dos enxertos (problemas técnicos,
tratamento médico e, por força das metodologias emprega- hiperplasia intimal, ateosclerose, etc) e da progressão da
das, alguns subgrupos de pacientes foram excluídos como, doença aterosclerótica no leito nativo 11, muitos pacientes,
por exemplo, os portadores de LTCE. Na nossa casuística, após a CRM, necessitam de nova revascularização com o
apesar das diferenças já citadas em relação a esses estu- passar do tempo. A necessidade de nova revascularização,
dos, verificamos que a proporção de pacientes livre de mor- em 12 e 36 meses, na nossa casuística, foi de 1,3% e 8,1%,
te cardíaca, em 12 meses de seguimento, foi de 90,4% e, respectivamente. No estudo BARI 31, em 5 anos de acom-
mesmo levando-se em consideração o pequeno número de panhamento, cerca de 8% dos pacientes randomizados para
pacientes observados por um período maior que 18 meses, CRM necessitaram de nova revascularização. No estudo
na tabela atuarial, em 36 meses, a sobrevida foi de 84,1%. MASSII 27, essa necessidade, em 12 meses, foi de 0,5%,
A proporção de pacientes livre de IAM, em 12 meses, foi de enquanto no estudo ERACI II 28, em seguimento médio de
94,6% e, em 36 meses, de 94%. Já, a proporção livre de 18,5 meses, ela foi de 4,8%. Nos estudo SOS 32, em 12
ECMA foi de 89,9%, em 12 meses, e de 77,3%, em 36 me- meses de pós-operatório, nova revascularização foi neces-
ses. Portanto, apesar da nossa população ser composta por sária em 5,8% dos pacientes. Já, no estudo ARTS 26, a ne-
pacientes sob maior risco do que a dos estudos relatados, cessidade de nova revascularização foi de 3,5%, em 12
os resultados são superponíveis. meses de seguimento.
Em nosso estudo, na análise multivariável, observa- Portanto, o presente estudo demonstra que, em uma
mos uma tendência da AI contribuir para o desenvolvimen- população não selecionada, composta quase que inteira-
to de ECMA no seguimento. mente por pacientes com lesão do tronco da coronária es-
A CRM é altamente eficiente em aliviar ou abolir os querda e lesões multivasculares coronarianas, 73% dos
episódios de angina, resultando em melhora da qualidade quais com envolvimento proximal da DA, a CRM promove
de vida dos pacientes. De acordo com o registro geral do resultados semelhantes aos descritos em estudos
estudo CASS 5,6, cerca de 80% dos pacientes estavam li- randomizados cujos pacientes apresentavam não só lesões
vres de angina, em 5 anos de seguimento. No estudo BARI que poderiam também ser abordadas pela APC, mas tam-
25
a taxa de desenvolvimento de angina foi de 15,6%, em 5 bém com lesões menos extensas e com menor porcentual
anos de seguimento. Enquanto, no estudo ARTS 26 a de envolvimento proximal da DA e sem LTCE.
sobrevida livre de angina foi de 92,7%, em 6 meses, e de Limitações do estudo
89,5%, em 12 meses, nos pacientes randomizados para
Este é um estudo observacional que visou analisar a
CRM. No estudo MASSII 27 a sobrevida livre de angina foi
eficácia da CRM em termos de morte, IAM, necessidade de
de 94%, em 12 meses de seguimento após a CRM. No es-
nova revascularização e recorrência de angina, sem a pre-
tudo argentino ERACI II 28 a sobrevida livre de angina foi de
ocupação de analisar outros itens igualmente importantes
92%, em 18,5±6,4 meses de acompanhamento. No estudo
como a melhora ou não da função ventricular, a incidência
RITA 29 e EAST 24 a recorrência de angina foi de 21,5% e
de acidentes vasculares extra-coronarianos, custos, etc.
34%, respectivamente, mas somente 6% dos pacientes do
Além disso, a população incluída no estudo apresentava
estudo RITA 29 apresentavam angina de classe funcional 3
indicação de revascularização do miocárdio que, segundo
ou 4, em 2,5 anos de acompanhamento. Em nosso estudo,
análise dos médicos envolvidos com a indicação, não seria
a sobrevida livre de angina, em 12 meses, foi de 98,1% e,
exeqüível para uma abordagem pela APC.
em 36 meses, de 63,2%. Em geral, os preditores indepen-
dentes de recorrência de angina são o sexo feminino, a É possível, também, que alguns fatores clínicos,
obesidade, a hipertensão arterial e o não uso de ATIE 8. Em anatômicos e hemodinâmicos per e pós-operatórios não
pacientes com lesões trivasculares, a revascularização com- coligidos possam ter relação com a incidência dos eventos
pleta tem sido um fator determinante, significativo, para o cardíacos apresentados por nossos pacientes.
alívio sintomático, em 5 anos de seguimento pós-operatório Gostaríamos de enfatizar, novamente, que a popu-
30
. Em nossos pacientes, na análise multivariável a AI e a lação estudada representa o “mundo real” de pacientes sub-
CRM prévia mantiveram relação direta com o ressurgimen- metidos à CRM em nosso meio e que, portanto, qualquer
to de angina no pós-operatório, enquanto a disfunção do comparação com outros estudos deva levar em considera-
VE manteve uma relação inversa com o ressurgimento de ção o perfil desses pacientes.

TABELA 1
Incidência de eventos durante o seguimento
12m 24m 36m
Proporção livre de óbito cardíaco 90,4% 88,5% 84,1%
IAM 94,6% 94,0% 94,0%
nova revascularização 98,7% 98,7% 91,9%
ECMA 89,9% 87,4% 77,3%
Óbito total 86,7% 84,3% 80,1%
Angina estável 98,1% 95,3% 63,2%
n (*) 147 128 14

(*) número de pacientes observados no início de cada intervalo de tempo


m= meses; IAM= infarto do miocárdio com onda Q; ECMA= evento cardíaco maior.
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Editorial Laranjeiras

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20
Artigo original
Editorial Laranjeiras

Efeito da Respiração Oscilatória


Sobre a Variabilidade dos Intervalos RR em Pacientes com
Disfunção Sistólica Global do Ventrículo Esquerdo

PAULO ROBERTO BENCHIMOL BARBOSA*, JOSÉ BARBOSA FILHO**, IVAN CORDOVIL***

RESUMO ABSTRACT
OBJETIVO: Analisar o efeito da respiração oscilatória OBJECTIVE – To analyze the effect of oscillatory
(RO) sobre a variabilidade dos intervalos RR (V-RR) nos
breathing (OB) on the variability of RR intervals (V-RR) in
pacientes com disfunção sistólica global do ventrículo es-
querdo (DSGVE) e avaliar a influência da RO sobre o qua- patients with global systolic disfunction of the left ventricle
dro clínico e laboratorial e o prognóstico após 12 meses.de (GSDLV), and to evaluate the influence of OB on the clinical
acompanhamento. and laboratorial picture and on the 12-month prognosis..
MÉTODOS: Foram estudados dois grupos de indiví- METHODS – Two group of individuals with ages
duos com idade entre 40 e 80 anos, emparelhados quanto ranging from 40 to 80 years, age and gender adjusted, were
à idade e ao sexo. O Grupo I foi formado de 34 indivíduos studied. Group I consisted of 34 normal individuals (18
comprovadamente normais (18 homens, ([média±DP] males, ([mean±SD] 60.0±5.7 years); and Group II, of 42
60,0±5,7 anos) e o Grupo II de 42 indivíduos com DSGVE
individuals with GSDLV (12 males, 59.0±5.95 years).
(12 homens, 59,0±5,95 anos). O hábito de fumar, a ingestão
alcoólica e o nível de sedentarismo tinham igual distribui- Smoking habits, alcoholic intake and level of physical activity
ção em ambos os grupos. Seis indivíduos do Grupo II apre- had an equal distribution in both groups. Six individuals of
sentavam diabete melito tipo II (DM2). Os sinais do ECG Group lI presented diabetes mellitus type II (DM2). ECG
foram captados por um período de 600s em repouso supino signals were obtained during a 600s period with patients in
e analisadas a variação da amplitude torácica (V-AT) e a supine resting position, and analysis of variation of thoracic
V-RR no domínio da freqüência (DF). A fração de ejeção do amplitude (V-AT) and V-RR was performed. The ejection
ventrículo esquerdo foi determinada pela ecocardiografia fraction of the left ventricle (LVEJ) was determined on
unidimensional. As variáveis da V-RR from transformadas unidimensional echocardiography. The V-RR variables were
em seus logaritmos naturais antes da análise estatística. transformed into their natural logarithms before statistical
RESULTADOS – A RO foi registrada em 35,7 % dos analysis.
indivíduos do Grupo II e teve como característica a concen-
tração da energia (> 80,0 %) na faixa de MBF, o que de- RESULTS - OB was detected in 35,7% of individuals
monstrou elevada coerência espectral com a da V-AT. Em in Group II and showed an energy concentration (80,0%) in
nenhum dos indivíduos do Grupo I foi observada RO duran- the very low frequency band (VLF), and a high spectral
te os registros. A presença de RO foi estatisticamente inde- coherence with V-AT within this band. OB was not observed
pendente da presença de DM2, da classe funcional da in Group I. There was no correlation between OB and DM2,
NYHA, do índice de função ventricular, da causa cardíaca NYHA functional class, LVEF, GSDLV ethiology, or mortality
da DSGVE ou da mortalidade após 12 meses. after a 12-month follow-up.
CONCLUSÃO - 1) A RO é acompanhada de um pa-
drão de V-RR próprio, caracterizado pelo predomínio da CONCLUSION - 1) OB is associated with a particular
energia na banda de MBF; 2) é observada no período de model of V-RR, characterized by concentration of EP energy
vigília em 35,7% dos pacientes com DSGVE e 3) não apre- in the VLF band; 2) it is observed during awake state in 35,7%
senta relação com a gravidade ou causa da DSGVE e com of patients with GSDLV; and 3) it bears poor correlation with
a presença de DM2, e não parece representar marcador either ethiology or severity of GSDLV, and does not seem to
preditivo de mortalidade após 12 meses de evolução. represent an isolated predictive factor or mortality.

Palavras-chave: respiração oscilatória, insuficiência cardíaca, variabi- Key words: heart failure, oscillatory breathing, variability of RR intervals
lidade dos intervalos RR

* Pesquisador Instituto Nacional de Cardiologia, Professor da Universidade Gama Filho


** Pesquisador Instituto Nacional de Cardiologia, Professor Adjunto da Universidade Gama Filho
*** Professor da Universidade Gama Filho, Chefe da Divisão de Hipertensão Arterial – INC – MS

21
Editorial Laranjeiras

Em indivíduos normais, a duração dos intervalos RR os exames laboratoriais, o exame radiológico e o


do eletrocardiograma de superfície (ECG) varia ciclicamente, eletrocardiograma (ECG) de repouso foram normais em to-
batimento a batimento. Essa variação é mais significativa dos os indivíduos desse grupo.
nos jovens e é modulada pelos movimentos respiratórios, No G-II, 18 indivíduos tinham idade entre 40 e 59 anos
recebendo a denominação de arritmia sinusal respiratória. (48,7±6,2 [48,0] anos e 14 eram do sexo masculino (G-IIa).
As características dos movimentos respiratórios são Vinte e quatro tinham idade entre 60 e 80 anos (69,3±5,7
capazes de alterar as variações cíclicas observadas entre [69,0] anos, (G-IIb) e oito eram do sexo masculino.
as sucessivas ondas R (intervalos RR) do ECG. Essas alte- No G-II, todos apresentavam fração de ejeção <40%,
rações decorrem tanto de influências diretas sobre a modu- avaliada pelo ecocardiograma unidimensional. Vinte e dois
lação do sistema nervoso parassimpático quanto, indireta- tinham cardiopatia dilatada de origem indeterminada
mente, de mecanismos quimiorreceptores (1). (cineangiocoronariografia com artérias coronárias normais),
Em cerca de 50% dos pacientes com disfunção 12 isquêmica (história pregressa de infarto do miocárdio;
sistólica global do ventrículo esquerdo (DSGVE), identifica- presença de alterações de contratilidade segmentar ao
se a presença de padrões anormais de respiração. Nesses ecocardiograma bidimensional; alterações eletrocar-
pacientes, padrões oscilatórios de respiração (respiração diográficas compatíveis com necrose em pelo menos duas
oscilatória [RO]) podem ser observados tanto durante o sono derivações que exploram a mesma região e concordantes
quanto durante o período de vigília, caracterizados por su- com as alterações ecocardiográficas) e 8 hipertensiva (ín-
cessivos períodos de taqui/hiperpnéia seguidos por bradi/ dice de massa >120 g.m-2 para mulheres > 150 g.m-2, avali-
hipopnéia e, eventualmente, apnéia (2-10). ados pela fórmula de Devereux). Seis indivíduos apresen-
Dentre os tipos de RO com importância clínica desta- tavam diabete melito não-insulino dependente (DM2) e
cam-se a respiração de Cheine-Stokes (RCS) e a respira- mantinham controle da glicemia através de dieta e/ou
ção periódica (RP). Define-se RCS como o padrão respira- hipoglicemiante oral. O hábito de fumar, a ingestão alcoóli-
tório no qual períodos de taqui/hiperpinéia são seguidos por ca e o nível de sedentarismo foram avaliados nos grupos e
períodos regulares de apnéia. Na RP, entretanto, os perío- não apresentaram diferenças em sua distribuição.
dos de taqui/hiperpinéia são seguidos, ciclicamente, por 2) Avaliação clínica - Em todos os pacientes foi reali-
períodos de bradi/hipopinéia sem apnéia. zada anamnese dirigida, exame físico e foram solicitados
Embora a RO, principalmente quando observada du- exames complementares (glicemia, colesterolemia, função
rante a vigília, possa estar associada a quadro clínico mais renal e hepática, ECG de repouso, radiografia do tórax e
grave e a prognóstico mais reservado (2,8), são poucos os ecocardiograma). Foram aferidos freqüência cardíaca (FC),
estudos de autores brasileiros sobre esse assunto (6,7). freqüência e amplitude respiratória, peso corporal e altura.
A pressão arterial foi aferida em ambos os braços, utlizando
O presente trabalho tem por objetivo estudar os efei-
esfigmomanômetro de coluna de mercúrio. Os sinais do ECG
tos da RO sobre o comportamento das variações cíclicas
foram adquiridos para análise da V-RR, conforme descrito
dos intervalos RR normais do ECG (V-RR) durante o perío-
abaixo. Todas as consultas e exames foram realizados no
do de vigília, em pacientes com DSGVE e em ritmo sinusal,
período entre 10h e 18h. No G-II, 20 pacientes estavam em
e avaliar a influência da RO sobre o quadro clínico,
CF III-IV.
laboratorial e o índice de mortalidade dos pacientes estu-
dados. 3) Aquisição de Sinais de ECG e análise da V-RR -
Os sinais de ECG foram captados durante 600s, utilizando
MÉTODOS
o amplificador AECG03 (Lynx Tecnologia Ltda., São Paulo)
O protocolo do estudo foi realizado de acordo com os e analisados utilizando o sistema ECGAR® (10). Os sinais
princípios da Declaração de Helsinque e da legislação bra- foram adquiridos com os indivíduos deitados em decúbito
sileira pertinente e submetido à Comissão de Ética Médica dorsal e respirando em sua freqüência natural, em um am-
do Instituto Nacional de Cardiologia, tendo obtido autoriza- biente isolado acusticamente, com a temperatura ambiente
ção para sua realização. mantida em 25o C e no período entre 10h e 18h. Os exames
1) Dos grupos do estudo - No presente estudo foram foram realizados com intervalo de pelo menos quatro horas
incluídos 76 indivíduos de uma coorte consecutiva, referi- após a última refeição e, nos indivíduos fumantes, com mais
dos para avaliação no Setor de Eletrocardiologia Não- de 30 minutos após a última carga tabágica.
Invasiva da Divisão de Hipertensão Arterial do Instituto Na- 4) Análise dos movimentos respiratórios - A análise
cional de Cardiologia, no período de janeiro de 1998 a ja- dos movimentos respiratórios foi realizada com o paciente
neiro de 2001. Os indivíduos foram divididos em dois gru- mantido em decúbito dorsal sobre uma mesa basculante,
pos, emparelhados quanto à distribuição de idade, sexo e respirando espontaneamente. A captação dos sinais foi ini-
índice de massa corporal. Trinta e quatro eram ciada após 5 minutos de repouso, desde o início do decúbito.
comprovadamente normais, (grupo I [G-I]), e 42 apresenta- Para os pacientes do G-II que não toleraram o decúbito a
vam DSGVE (grupo II [G-II]). No G-II, todos faziam uso re- zero grau, a mesa foi inclinada para valores entre 30 e 45
gular de diuréticos, inibidores da ECA e digital, prescritos a graus, para que o exame pudesse ser realizado conforta-
critério da avaliação clínica primária, estavam em ritmo velmente.
sinusal e classificavam-se na classe funcional NYHA (CF)
Foram analisadas a freqüência e a amplitude dos
de II a IV.
movimentos respiratórios, utilizando-se o protocolo descrito
No G-I, 21 indivíduos tinham idade entre 40 e 59 anos por Moody e cols. (12), e o comportamento da saturação de
(média±desvio-padrão (dp) [mediana] - 48,7±5,2 [48,0] anos) oxigênio (O2) utilizando-se oximetria externa. A respiração
e 10 eram do sexo masculino (G-Ia). Treze tinham idade foi considerada normal (RN) quando a freqüência respirató-
entre 60 anos e 80 anos (71,3±5,9 [71,0] anos) e oito eram ria encontrava-se entre 12 e 24 incursões por minuto e a
do sexo masculino (G-Ib). A história clínica, o exame físico, amplitude dos movimentos respiratórios e a saturação do

22
Editorial Laranjeiras

O2 apresentavam pouca variação. Identificou-se a presença dos estão dispostos na Tabela I. Os valores absolutos da
de RO quando a amplitude respiratória, a freqüência respi- AF LnT, BF LnT e da MBF LnT do G-II, foram significativa-
ratória e os valores da saturação de O 2 variavam mente menores (p<0,001) que os observados no G-I.
ciclicamente, caracterizando a RCS e a RP. O padrão Na análise intragrupos, enquanto os valores da AF
oscilatório foi confirmado com o registro gráfico dos movi- LnT, BF LnT e MBF LnT foram significativamente diferentes
mentos respiratórios. entre os G-Ia e G-Ib (p<0,001), tal fato não foi observado
Todos os indivíduos do G-I e do G-II obtiveram sinais entre os G-IIa e G-IIb (p=ns).
de ECG de boa qualidade, permitindo a avaliação adequa- O comportamento das variáveis pMBF, pBF e pAF do
da dos movimentos respiratórios. G-II dependeu do padrão respiratório. Assim, nos 27 paci-
5) Análise numérica e estatística - Os sinais de ECG entes com RN, a energia das faixas do EP teve distribuição
foram analisados no DF. A série de intervalos RR normais semelhante à encontrada em indivíduos controle. Para os
consecutivos detectados no ECG de superfície foi linear- 15 pacientes com RO, independente de serem RCS ou RP,
mente interpolada e o espectro de potência (EP) calculado a energia do EP se concentrou na faixa de MBF (Figura 1).
utilizando-se técnica já descrita (11). Foram avaliadas as No G-II, a média das variáveis da V-RR e da FE bem
áreas do EP sob as regiões de muito baixa freqüência (MBF), como a distribuição dos indivíduos em CF III-IV e com RO
definida entre 0,01 Hz e 0,05 Hz; de baixa freqüência (BF), não apresentaram diferenças estatisticamente significativas
entre 0,05 Hz e 0,15 Hz; e alta freqüência (AF), entre 0,15 Hz entre os indivíduos com e sem DM2.
e 0,40 Hz.
A análise de r2 entre a V-RR e a V-AT mostrou que
A análise da variação da amplitude torácica (V-AT) foi tanto no G-I quanto no G-II com RN, houve coerência signi-
realizada através da comparação sincrônica com os ficativa em todas as faixas [MBF (p<0,05) e AF (p<0,05)].
batimentos cardíacos. Foi empregada a análise da função No G-II, entre os indivíduos com RO, nos quais a energia do
de coerência espectral quadrática (r2) entre ambas as variá- EP da V-RR se concentrava em MBF, o valor de r2 só foi
veis e analisados os valores nas faixas de freqüência MBF, significativo nessa faixa (p<0,05) (Figura 2).
BF e AF. Os intervalos de confiança de r2 foram calculados
A análise de odds ratio demonstrou que os tipos res-
empregando-se método modificado descrito por Miranda de
piratórios analisados não apresentaram associação estatis-
Sá e cols (13). Na prática, valores de r2 > 0,6 foram consi-
ticamente significativa com CF ou com etiologia da DSGVE.
derados significativos.
No G-II, a presença de FE <25% associou-se a RN com
As variáveis do DF foram apresentadas em valores odds ratio igual a 0,17 (variando de 0,03 a 0,88; p = 0,03).
absolutos (MBF, BF e AF, respectivamente) e percentuais Os valores de sensibilidade e especificidade são apresen-
relativos à energia total de modulação (pMBF, pBF e pAF, tados na Tabela II. A variável pMBF no corte de > 80% apre-
respectivamente), e expressas na forma de médias±dp. Os sentou 100% de acurácia preditiva, sendo capaz de identifi-
valores absolutos foram transformados em seus logaritmos car todos os indivíduos com padrão de RO.
naturais (LnT) para normalização antes da análise, devido
Ao final de 12 meses após a avaliação inicial, 42,2 %
à forte assimetria em sua função densidade de probabilida-
dos pacientes do G-II foram ao óbito. Destes, na avaliação
de (14-16).
inicial 21,4% estavam em RO e 78,6% em RN (odds ratio =
As comparações das variáveis do DF, quer em valo- 0,34, variando de 0,06 a 1,56; p = NS), 78,6 % estavam em
res percentuais quer em valores absolutos, entre G-I e G-II, CF 3-4 (“odds ratio” = 4,07, variando de 0,71 a 28,91;
foram realizadas empregando-se o teste ‘t’ de Student p = NS), 71,4% apresentaram FE<25% (“odds ratio” = 7,00,
bicaudal. A análise da distribuição relativa de energia do EP variando de 1,21 a 43,91; p = 0,03). A idade e o sexo dos
entre as faixas de freqüência foi realizada utilizando o teste pacientes que evoluiram ao óbito após 12 meses de evolu-
de aderência x2, contra a hipótese de distribuição de ener- ção (60,6±15,5 anos, 71,4 % homens) não diferiram signifi-
gia. As variáveis que expressam valores de contagem fo- cativamente dos sobreviventes no mesmo período
ram analisadas através do teste x2 com correção de Yates (59,8±12,0 anos, p=NS, 68,4% homens, p=NS). No DF,
ou a comparação de Fisher para pequenas amostras. empregando-se os valores de corte de pBF em 20%, pAF
Para análise do significado diagnóstico, as variáveis em 15% para dicotomizar os grupos que foram ao óbito e os
pMBF, pBF e pAF foram dicotomizadas no G-II entre indiví- sobreviventes, observou-se “odds ratio” de 0,06 (variando
duos com RN e RO, de acordo com a faixa etária. Para de 0,01 a 0,48; p=0,004) para pBF e 0,38 (variando de 0,07
essa tarefa, empregou-se o método que analisa a função a 2,09; p=NS) para pAF.
definida pelo produto das funções de distribuição de proba-
bilidade de cada grupo. Os valores da especificidade e da
COMENTÁRIOS
sensibilidade são identificados nos pontos que maximizam
essa função. A razão de chance (odds ratio) foi calculado Os distúrbios respiratórios do tipo RO são freqüentes
para cada variável e os significados estatísticos avaliados nos pacientes com DSGVE, em especial os registrados com
através do teste x2 aplicado à comparação de proporções. o paciente acordado. Alguns estudos têm mostrado que
esses distúrbios podem agir de forma desfavorável sobre o
Os dados foram analisados no módulo estatístico
prognóstico dos pacientes com DSGVE (2,8,9,17).
Statgraphics (Statistical Graphics Corporation, EUA) e MS
Excel 97 (Microsoft, EUA). O nível de significância global foi Quando os intervalos RR do ECG são analisados pelo
fixado em 0,05 para todos os testes. EP e registrados nas diversas bandas de freqüência, temos
observado que esses intervalos são modulados pela respi-
ração numa faixa que vai de 0,01Hz a 0,40Hz (Fig. 3). Nes-
RESULTADOS ta faixa, o efeito dos movimentos respiratórios sobre a ener-
Os valores e a distribuição das diversas faixas de fre- gia do EP dos intervalos RR se faz, predominantemente,
qüência do EP, batimento a batimento, dos grupos estuda- pelas variações cíclicas do tônus do sistema nervoso

23
Editorial Laranjeiras

autonômico sobre o nó sinusal mediado, principalmente, nantemente pelos movimentos respiratórios, que, devido aos
pelos barorreflexos (18). fatos acima analisados, são constituídos por oscilações de
Analisando o comportamento da energia do EP dos muito baixa freqüência, as características da energia
intervalos RR e comparando com o observado em indivíduos moduladora da V-RR se modifica de forma consistente, ob-
normais, notamos que, nos indivíduos com DSGVE, desta- servando-se desvio para a esquerda das bandas de freqüên-
cam-se dois padrões distintos. Em 15 pacientes (35,7%) com cia do EP, com importante concentração de energia na fai-
RO, 89,2% em média da energia do EP se concentrava na xa de MBF.
faixa de MBF, independente de serem RCS ou fossem RP, A importância do reconhecimento desses tipos respi-
demonstrando que os intervalos RR são modulados, predo- ratórios e do comportamento da V-RR na DSGVE, tanto
minantemente, por movimentos respiratórios de baixa freqüên- durante o sono quanto no período de vigília, se prende ao
cia (Figs.. 1 e 2). Para os demais 27 pacientes (64,3%), que fato de que podem alterar a qualidade de vida, comprome-
tinham a amplitude dos movimentos respiratórios sem gran- ter o desempenho cardiorrespiratório e tornar o prognóstico
des variações cíclicas, verificamos que o comporta- da DSGVE mais reservado, independente do grau de com-
mento do EP apresentou distribuição normal (Fig.1). prometimento dos parâmetros clínicos e laboratoriais. Es-
Nas formas de RO descritas na literatura, a redução ses fatos, em especial os que estão relacionados ao desen-
da energia das faixas BF e AF do EP, que representam a volvimento de arritmias e deterioração da função ventricular,
modulação dos controles eferentes que caminham pelo sis- teriam como bases fisiopatológicas o desequilíbrio
tema simpático-vagal, tem sido atribuída à diminuição da autonômico, a hipóxia, a hipercapnia e o aumento das
capacidade reguladora dos barorreflexos, seja ela tanto aminas simpáticas, agravando, portanto, os distúrbios neuro-
devido à perda da sensibilidade dos barorreceptores perifé- hormonais, em especial, no que concerne aos níveis eleva-
ricos quanto à redução da ritmicidade dos impulsos dos das catecolaminas (10,24). Quanto ao quadro clinico,
autonômicos eferentes, oriundos dos núcleos cerebrais laboratorial e evolutivo dos pacientes analisados, observou-
(19,20). Esse fato ficou bem evidente, no presente estudo, se que os padrões respiratórios e as características da V-RR
tendo em vista que os valores da energia da banda de AF e foram independentes da CF, da causa da DSGVE, da mag-
BF foram significativamente mais baixos no G-II (p<0,001). nitude das alterações dos parâmetros ecocardiográficos,
sem que fosse possível avaliar a sua capacidade
Por outro lado, tem-se verificado que na DSGVE há
arritmogênica. Embora outros observadores tenham cons-
aumento tanto da sensibilidade dos quimiorreceptores peri-
tatado que a RO, durante o período de vigília, aumenta a
féricos quanto do tempo de circulação entre o pulmão e os
mortalidade dos pacientes com DSGVE (8), tal fato não foi
centros cerebrais reguladores da respiração. Assim, enquan-
observado em nosso estudo.
to a hipersensibilidade dos quimiorreceptores intensifica a
resposta dos sistemas que controlam ganho (aumento da Considerando as alterações da V-RR observadas,
sensibilidade às alterações de O2 e CO2) e diminui a dos concluimos que: a RO 1) é acompanhada de um padrão de
que o amortecem (diminuição das reservas de O2 e CO2), o V-RR próprio, caracterizado pelo predomínio da energia na
aumento do tempo de circulação retarda o processo de trans- banda de MBF; 2) é observada no período de vigília em
ferência das informações. Essas alterações, por sua vez, 35,7% dos pacientes com DSGVE; e 3) não demonstra cor-
provocam instabilidade dos sistemas de retroalimentação relação com a gravidade ou a causa da DSGVE e com a
que controlam a respiração, determinando, então, as duas presença de DM2, e não representa marcador isolado de
formas de RO (21-23). Sendo a V-RR modulada predomi- mortalidade após 12 meses de seguimento.

Figura 1 – Distribuição percentual das faixas de frequência das série de intervalos RR em individuos normais, com DSGVE e respiração
normal (DSGVE-RN) e com DSGVE e respiração oscilatória (DSGVE – RO). Verificar que nos pacientes com DSGVE –RO a energia
moduladora se concentra na faixa de muito baixa frequência (pMBF). DSGVE= disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo.

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Editorial Laranjeiras

Figura 2 – Registro
simultaneo da variação da
amplitude toráxica e dos in-
tervalos RR em dois paci-
entes com respiração de
Cheine-Stokes (traçados
A-B-C-D) e periódica (E-F-
G-H). Observar que em
ambos tipos respiratórios
há coerência espectral na
faixa de MBF (traçados C-
D e G-H), entre a V-RR e a
V-AT. V-RR= variabilidade
dos intervalos RR.
V-AT=variação da amplitu-
de torácica.

Figura 3 – Comportamento da série dos intervalos RR com o paciente respirando espontaneamente (A), durante respiração controlada a
uma freqüência de 12 incursões/minuto (B), a 6 incursões / minuto (C) e a 3 incursões / minuto (D). Verificar que a respiração é capaz de
modular os intervalos RR em todas as faixas de freqüência.
25
Editorial Laranjeiras

26
Editorial Laranjeiras

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27
Em foco
Editorial Laranjeiras

Viabilidade Miocárdica

ADEMIR BATISTA DA CUNHA*

Rio de Janeiro-RJ

Resumo Abstract
O autor relaciona as perspectivas no estudo da viabi- The author discusses the perspectives of myocardial
lidade miocárdica em humanos, analisa a importância da viability studies in humans, analyzes the importance of heart
insuficiência cardíaca no prognóstico da doença arterial failure in the prognosis of coronary heart disease, and exa-
coronária, iniciando, então, uma reflexão sobre as altera- mines the histomorphological and structural changes that
ções estruturais e histopatológicas que ocorrem na occur in ischemic cardiomiopathy.
cardiopatia isquêmica. In sequence, he describes the subcellular changes in
Nesse sentido, discute alterações sub-celulares nos the cardiomyocytes of chronic hibernating myocardium, such
cardiomiócitos da hibernação miocárdica crônica como a as sarcomere depletion, glycogen accumulation and the
depleção de sarcômeros, o acúmulo de glicogênio e a pre- presence.of numerous small mitochondria
sença de numerosas e diminutas mitocôndrias. This article also refers to the recovery of ventricular
Esse trabalho também refere-se à recuperação da fun- function after myocardium revascularization and the time-
ção ventricular após revascularização miocárdica e a rela- dependent relation of this recovery.
ção tempo-dependente para essa recuperação. A review of the concept of myocardial stunning and
Uma revisão conceitual de stunning miocárdico e hi- hibernation is presented in order to discuss the metabolic
bernação miocárdica é apresentada visando a discutir as- features of these conditions.
pectos metabólicos de tais condições. Finally, the author analyzes ischemic preconditioning
Finalmente, o autor analisa o pré-condicionamento and concludes with the importance of myocardium viability
isquêmico para concluir sobre a importância do estudo de study in current cardiology.
viabilidade miocárdica na cardiologia atual.

Palavras-chave: viabilidade miocárdica, insufisciência cardíaca, Key words: myocardial viability, heart failure, myocardial
revascularização miocárdica revascularization

INTRODUÇÃO cilitada por métodos não invasivos e rotineiros, deve tornar-


As possibilidades do músculo cardíaco com disfunção se obrigatória na tomada de decisão sobre a adoção de tra-
ventricular esquerda podem ser expressas através da ava- tamento cirúrgico, percutâneo e/ou clínico.
liação da viabilidade miocárdica, que definirá essa disfunção A disfunção ventricular esquerda sistólica é uma
como reversível ou irreverssível; portanto a definição de vi- manifestação da clássica insuficiência cardíaca, que está
abilidade miocardíca pode ser resumida nos seguintes ter- relacionada com piores taxas de morbi-mortalidade, levan-
mos: condições propícias na estrutura do músculo cardíaco do ao paciente um pior prognóstico.
para sua recuperação funcional. Ao analisarmos os pacientes com sintomas de insu-
O músculo cardíaco com disfunção mas com viabili- ficiência cardíaca, observamos que a doença arterial
dade miocárdica, após intervenção terapêutica, pode recu- coronária, está presente na grande maioria, estabelecen-
perar-se significativamente em relação à função ventricular do-se como causa da disfunção ventricular esquerda crôni-
esquerda, o que tem sido demonstrado em grande número ca. 11-12
de estudos. 1-5 Nos países do ocidente, a maior causa de insufici-
A verificação da existência de viabilidade miocárdica ência cardíaca (IC) é a doença arterial coronária (DAC) 11-14,
também melhora as repercussões do remodelamento logo a detecção de viabilidade miocárdica no segmento de
ventricular esquerdo, implicando melhor prognóstico dos pacientes com IC que receberão os benefícios da
pacientes. 6-10 revascularização significará também um impacto positivo na
Considerando que a intervenção em pacientes com sobrevida desses pacientes, incentivando a intervenção com
disfunção ventricular esquerda, sobretudo a cirurgia de base em evidências de melhores resultados.
revascularização miocárdica, impõe maior morbidade e Observando as taxas de mortalidade para doença
mortalidade, a pesquisa de viabilidade miocárdica, hoje fa- cardíaca isquêmica (DCI), acidente vascular cerebral (AVC)

*PROF. ADJUNTO DE CARDIOLOGIA – UFF


28
Editorial Laranjeiras

e IC de 1969 a 1995, verificamos uma tendência de diminui-


ção das taxas de mortalidade referentes a DCI e AVC; en- xo funcionamento se alteram provavelmente por um pro-
tretanto a prevalência de IC e a resultante taxa de mortali- cesso do fluxo de cálcio, atividade da bomba de potássio e
dade nos Estados Unidos teve um aumento de quase 1/3 alterações na expressão de genes, o que pode resultar em
entre 1974 e 1995.15. Há uma estimativa de que 4,8 mi- alteração na atividade enzimática da proteína contrátil 26 e
lhões de americanos apresentam IC e que 400.000 novos síntese de novas proteínas, ocorrências que, pela sua
casos de IC são diagnosticados a cada ano, e desses, 20% complexidade, exigem tempo para serem reparados e se
morrerão dentro de 1 ano e 50% em 5 anos. 16-17 recuperarem após revascularização.

CARDIOPATIA ISQUÊMICA: HIBERNAÇÃO MIOCÁRDICA


A melhor definição de hibernação miocárdica implica
3 observações importantes, conforme formulado por
Alterações histológicas e estruturais.
Rahimtoola 27,28

Ocorre uma relação inversa entre a magnitude da 1. O coração pode se adaptar espontaneamente a uma
melhora funcional após revascularização e a gravidade em crônica hipoperfusão.
extensão da reposição do colágeno. 2. Um novo equilíbrio entre perfusão e contração pode ser
Alguns autores 18,19,20 têm demonstrado em partes do atingido.
miocárdio consideradas com disfunção reversível os com- 3. Esse novo equilíbrio pode ser mantido por um longo
ponentes estruturais da resposta adaptativa de longo prazo período.
através de fragmentos obtidos em biópsia miocárdica du-
rante cirurgia de revascularização miocárdica. Ao se postular o conceito de hibernação miocárdica tor-
na-se necessário responder 2 perguntas básicas:
Em regiões assinérgicas, porém, sem presença de
infarto prévio, a degeneração celular miocárdica se dá sem 1. O coração pode se adaptar a períodos prolongados de
expressiva fibrose e pode ser observada predominantemente hipoperfusão, com isso evitando a necrose?
no subendocárdio. Caracteriza esse tipo de degeneração Para responder a essa questão, necessitamos desen-
celular uma progressiva perda de estrutura contrátil conse- volver modelos animais de equilíbrio perfusão- contra-
qüente à isquemia e após revascularização miocárdica uma ção sustentado, com a demonstração de que esses mo-
ampla recuperação de função e contratilidade regional. delos podem ser mantidos por um longo período.
A regeneração do sistema contrátil dentro dos miócitos 2 – A disfunção crônica do ventrículo esquerdo em huma-
afetados é considerada pelos autores citados como respon- nos representa uma resposta adaptativa à redução crô-
sável pela melhora da função contrátil regional. Os miócitos nica do fluxo sanguíneo no miocárdio em repouso?
dessas regiões têm uma estrutura morfológica com “apa- Essa resposta depende da avaliação simultânea de
rência normal”, o que significa que eles foram remodelados, perfusão e contração realizada diretamente em paciente
porém estão ativos do ponto de vista metabólico. 21 com hibernação miocárdica.
Alterações estruturais descritas recentemente nos
miócitos afetados pela isquemia miocárdica lembram alte-
MYOCARDIAL STUNNING
rações de células embrionárias e por isso tais alterações têm
sido atribuídas a um processo de diferenciação. 22,23 A redução do fluxo miocárdico regional proporcional à
redução da função miocárdica, como observado em diver-
sos estudos 29,30,31 realizados em cães submetidos à gradu-
ALTERAÇÃO ESTRUTURAIS MAIS COMUNS: al redução do fluxo coronário, tem demonstrado a existên-
cia de uma estrita ligação entre o suprimento miocárdico e
· Redução no filamento contrátil a demanda de energia miocárdica conforme expresso pelo
· Acúmulo e depósito de glicogênio nível de equilíbrio da contração regional. Esse fenômeno
tem sido chamado “equilíbrio perfusão–contração aguda” e
· Aparecimento de grande número de pequenas
é típico da isquemia miocárdica aguda.
mitocôndrias.
Períodos de baixo fluxo coronário muito curtos (<10
Proteínas específicas do coração fetal têm surgido minutos) com reperfusão em seguida usualmente resultam
como reexpressão em miócitos danificados.Ainda desconhe- em restauração completa e rápida da função miocárdica;
cemos se essas alterações fenotípicas resultam de nesse caso não ocorre necrose miocárdica e a ultra-estru-
hipoperfusão prolongada, isquemia ou prolongado repouso tura mantém-se normal. A redução do fluxo coronário por
contrátil. períodos mais prolongados (> 15 a 20 minutos) usualmen-
te não causam necrose, mas, com a reperfusão, associam-
Alguns estudos 24,25 indicam que a recuperação fun- se a uma disfunção que, embora reversível, é mais prolon-
cional regional após revascularização miocárdica oscila de gada . O aumento da duração da isquemia posteriormente
2 a 12 meses com uma melhora em torno de 35%. A demo- terá como consequência variáveis graus de dano celular
ra na recuperação miocárdica está relacionada ao tempo irreversível . 32
necessário à recuperação dos estoques de energia e à rege-
neração das estruturas contráteis celulares que sofreram
remodelamento determinado por uma hipoperfusão crônica.
Os miócitos regulados por um longo período em bai-

29
Editorial Laranjeiras

HIBERNAÇÃO MIOCÁRDICA COMO UMA RESPOSTA miocárdio humano hibernado, ultrapassando a afirmação
ADAPTATIVA À REDUÇÃO DO FLUXO SANGUÍNEO mais comum a respeito da simples adaptação do coração à
MIOCÁRDICO EM REPOUSO DE FORMA SUSTENTADA obstrução coronária crônica.
A restauração da patência coronária adequada pode
Alguns estudos realizados em animais anestesiados, melhorar e até normalizar a função ventricular a longo pra-
com tórax aberto e submetidos à oclusão coronária parcial zo, porém o tempo e a expressão dessa recuperação são
por 4 a 5 horas, têm mostrado que o coração realmente influenciados pela extensão e gravidade das alterações es-
pode adaptar-se à redução do fluxo sanguíneo de forma truturais subjacentes.
sustentada. Vanoverscheld et al 37 estudaram o tempo de recupe-
Embora trabalhos experimentais evidenciem a possi- ração da função ventricular esquerda após revascularização
bilidade de adaptação miocárdica gerando um equilíbrio em pacientes com disfunção ventricular esquerda isquêmica
entre um reduzido suprimento de oxigênio e uma diminui- crônica, submetidos à revascularização coronária efetiva,
ção da demanda de oxigênio por algum tempo, poucas in- os quais manifestaram aumento significante da função
formações são disponíveis para justificar um equilíbrio ventricular esquerda em 6 meses após a revascularização.
perfusão-contração por semanas ou meses, em estudos de Esses pacientes foram avaliados em relação à função
longa duração. ventricular esquerda global e regional por 10 dias, 2 e 6
meses após a revascularização. Quando o miocárdio com
Shen e Vatner 33 e Fallavollita et al 34, em porcos, e disfunção não apresentava alterações estruturais ou pou-
Gerber at al 35, em cães, provocaram redução contrátil regi- cas alterações, observou-se uma recuperação da função
onal por períodos de 1,3 e 6 meses, respectivamente. A ventricular significante precocemente aos 10 dias após
gravidade de disfunção regional nesses estudos foi despro- revascularização, e os pacientes em 2 meses atingiam a
porcional à redução do fluxo sanguíneo miocardico, demons- plena recuperação.
trando, com isso, um desequilíbrio perfusão-contração e
sugerindo que a disfunção regional não depende necessa- Ao contrário, na presença de alterações estruturais
riamente da hipoperfusão em presença de doença arterial avançadas e extensas, a recuperação da contração regio-
coronária crônica. nal foi usualmente muito atrasada, e os pacientes apresen-
tavam a extensão da recuperação ainda incompleta aos 6
meses após a revascularização.
“STUNNING REPETIDO” COMO UM POSSÍVEL MECA- Assim é possível afirmar que as anormalidades estru-
NISMO PARA A HIBERNAÇÃO MIOCÁRDICA CRÔNICA. turais observadas no miocárdio hibernado contribuem dire-
tamente para o mecanismo de disfunção mecânica e são
Uma pergunta se impõe sempre que se questiona a responsáveis pelo atraso na recuperação contrátil do
redução do fluxo sanguíneo miocárdio como mecanismo miocárdio após revascularização.
indutor da disfunção regional:
Qual será o gatilho para a redução na função mecânica? PRÉ-CONDICIONAMENTO
Mesmo com a perfusão em repouso próxima do nor-
mal, a reserva de perfusão pode ser altamente anormal em Sendo a perda de massa muscular a grande compli-
regiões hibernadas. cação do infarto agudo do miocárdio (IAM), uma dos mais
Vanoverschelde et al 36 estudaram a reserva de fluxo importantes medidas terapêuticas nessa circunstância tem
regional de miocárdio dependente de colaterais utilizando sido escolher a intervenção que pode limitar a extensão da
um agente hiperêmico, o dipiridamol. Eles encontraram va- necrose miocárdica provocada por um evento coronariano
lores elevados de fluxo transmural hiperêmico quando ha- oclusivo.
via uma diminuição no fluxo basal da ordem de 20%. Nesse Podemos considerar que a terapia trombolítica repre-
estudo a reserva de fluxo colateral dos segmentos com senta um avanço no sentido de reduzir a extensão da área
disfunção foi fortemente correlacionada com a gravidade de necrose pós-IAM, na medida em que dissolve os trombos
das anormalidades crônicas de motilidade de paredes regi- coronarianos e promove a reperfusão de segmentos
onais. isquêmicos; o problema é que nem sempre essa terapia
Dessa forma, esses autores sugerem que episódios pode ser instituída tão precocemente a ponto de ter seu
de isquemia repetitivos e intermitentes seguidos por stunning efeito benéfico plenamente estabelecido e a perda tecidual
podem representar o mecanismo condutor à disfunção re- evitada.
gional isquêmica crônica. Os episódios de isquemia referi- A partir dessas considerações, é compreensível que
dos podem ser conseqüentes à indução pelo exercício ou se busque uma intervenção simultânea que preserve a via-
relacionados às reduções primárias no fluxo sanguíneo bilidade miocárdica até que a reperfusão possa ser efetiva-
coronário, provocadas por eventos em placas, mente instituída e, nesse sentido, o pré-condicionamento
vasoconstricção ou agregação plaquetária. isquêmico desponta como um modelo de tal intervenção.
A compreensão do mecanismo de pré-condicionamen-
DETERMINANTES ESTRUTURAIS DE to e a sua reprodução farmacológica tornam exequíveis não
REVERSIBILIDADE MECÂNICA só a redução do tamanho do infarto como também a inci-
dência de insuficiência cardíaca congestiva em pacientes
pós-IAM.
A hibernação miocárdica resulta em alterações estru-
38
turais complexas nos cardiomiócitos e níveis de matriz ex- Muray et al descreveram o pré-condicionamento
tra-celular, como observado em estudos morfológicos de

30
Editorial Laranjeiras

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31
Em foco
Editorial Laranjeiras

Procura-se:
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Eco de Estresse com Dobutamina!!
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Luís Henrique Weitzel*

Rio de Janeiro-RJ

RESUMO: A pesquisa de viabilidade miocárdica pela SUMMARY: The assessment of myocardial viability on
ecocardiografia de estresse com dobutamina é enfocada dobutamine-stress echocardiography is the focus of this
nesta revisão. Aspectos relativos às diferentes respostas review. The different responses of wall thickening are
contráteis são discutidos, e a comparação com outros mé- discussed, and different methods used for this evaluation
todos de avaliação é também debatida. are compared.

Palavras-chave: viabilidade miocaárdica, ecocardiografia de estresse, Key words: myocardial viabiliy, stress echocardiography, dobutamine
dobutamina

Nem sempre a disfunção contrátil segmentar na Do- não é precisa, uma vez que a circulação colateral pode
ença Coronária é irreversível devido à necrose ou fibrose manter a função contrátil em repouso e exercício (14). Como
miocárdicas (1,2), e a recuperação da contratilidade pode a maior parte do espessamento sistólico da parede
ocorrer após revascularização (3-6). Assim, a detecção de ventricular é resultado de espessamento endocárdico, na
miocárdio vivo, embora disfuncionante - miocárdio viável - é necrose endocárdica a disfunção contrátil pode não melho-
de suma importância clínica, pois o prognóstico e a sobrevida rar com a revascularização, mesmo que o fluxo seja resta-
dos pacientes serão melhorados (7-9). belecido nas camadas mais externas da parede (15), como
também nem sempre o fluxo sanguíneo é restaurado a ní-
veis normais em virtuda da presença de microvasculatura
O QUE É MIOCÁRDIO VIÁVEL? anormal dentro do leito revascularizado (16). É importante
também ressaltar que nos pacientes revascularizados com
Conceitualmente, miocárdio viável refere-se a duas disfunção ventricular prévia, avaliar somente a função
condições de diferentes fisiopatologias, o miocárdio ventricular em repouso pode subestimar o nível de benefí-
hibernante (hibernating myocardium) e o miocárdio atordo- cio recebido, pois mesmo na ausência de melhora da fun-
ado (stunned myocardium). ção sistólica global em repouso, os pacientes podem apre-
O miocárdio hibernante diz respeito a uma condição sentar melhora da classe funcional, redução dos diâmetros
de disfunção contrátil segmentar crônica por hipoperfusão cavitários e da pressão de enchimento ventricular, e aumen-
prolongada, sem haver necrose, com redução da demanda tar sua tolerância ao esforço após a cirurgia (17).
energética (10) e recuperação parcial ou total da
contratilidade após a revascularização (11).
O ECOCARDIOGRAMA DE ESTRESSE NA
O miocárdio atordoado diz respeito a uma condição PESQUISA DA VIABILIDADE MIOCÁRDICA
de injúria isquêmica com adequada reperfusão, embora a
disfunção contrátil persista por um período de dias a semanas O ecocardiograma de estresse com dobutamina bus-
enquanto o miocárdio recupera espontaneamente sua função ca demonstrar na pesquisa de viabilidade se determinado
contrátil (12), ao contrário do miocárdio hibernante, que ne- segmento disfuncionante apresenta reserva contrátil, já que
cessita de ser revascularizado para que isso ocorra (13). aqueles segmentos que melhoram sua função contrátil du-
Algumas dificuldades surgem ao se tentar diferenciar rante infusão de dobutamina revertem sua disfunção com a
o miocárdio viável do necrótico. A utilização de um vaso revascularização, ao contrário daqueles que não respon-
coronário ocluído como marcador de miocárdio não viável dem ao estímulo inotrópico (18). Na metodologia do exame,
* Chefe do Setor de Ecocardiografia do INC

32
Editorial Laranjeiras

administra-se dobutamina sob infusão contínua em doses ECOCARDIOGRAMA DE


crescentes de 5, 10, 20, 30 e 40 microgramas/kg/min, cada ESTRESSE x OUTROS MÉTODOS
estágio com duração de 3 minutos, podendo-se administrar
até 2 mg de atropina, caso a frequência cardíaca submáxima A demonstração de atividade metabólica em áreas
não seja atingida. Os pacientes são monitorizados hipoperfundidas pela tomografia por emissão de pósitrons
eletrocardiograficamente e a PA é tomada ao final de cada é considerada o “padrão-ouro” para a avaliação da viabili-
estágio. É considerado viável aquele segmento dade miocárdica (25), e já se demonstrou concordância
disfuncionante em repouso que aumenta sua contratilidade superior a 90% entre ela e a ecocardiografia de estresse
com a dobutamina (figura 1) e viável/isquêmico aquele que nesse papel (26). Em relação à cintigrafia, foi observado
melhora a contratilidade em baixa dose e volta a piorar em que a sensibilidade dos 2 métodos (eco e medicina nuclear)
doses mais altas – a resposta bifásica (figura 2). Contra- apresentam sensibilidade semelhantes, mas a
indicações específicas abrangem hipertensão arterial e especificidade da ecocardiografia é maior (27).
arritmias não controladas (19). Não é demais lembrar que os três métodos avaliam
viabilidade de maneiras distintas. Enquanto a tomografia e
ACHADOS AO ECOCARDIOGRAMA BASAL E A a cintigrafia pesquisam viabilidade avaliando atividade me-
RESPOSTA AO ESTÍMULO INOTRÓPICO tabólica e perfusão, a ecocardiografia avalia reserva contrátil,
e é possível que as primeiras possam estar presentes na
ausência de função contrátil (28). Pequenas ilhas de miócitos
A maioria dos segmentos hipocinéticos em repouso viáveis podem estar presentes dentro de uma região predo-
responderá positivamente ao estímulo inotrópico num minantemente fibrosada (22) e marcadas alterações estru-
percentual que chega a 90% e ,destes, mais de 80% apre- turais com perda de elementos contráteis à biópsia são en-
sentarão melhora da contratilidade com a revascularização contradas em regiões com evidência de atividade metabóli-
(20). Perrone-Filardi et al. já demonstraram nesses segmen- ca e perfusão (29), ambas não respondendo favoravelmen-
tos evidência metabólica de viabilidade pela tomografia por te à revascularização.
emissão de pósitrons (21), enquanto Bodenheimer et al.
encontraram fibrose mínima à biópsia desses segmentos
(22). Conclui-se, então, que os segmentos hipocinéticos são CONCLUSÕES
em sua maioria viáveis e vão recuperar parcial ou totalmen- 1 – A ecocardiografia de estresse com dobutamina é
te sua força contrátil com a revascularização. É importante um excelente método de avaliação da viabilidade miocárdica,
ressaltar que na cardiopatia isquêmica a hipocinesia pode com resultados comparáveis à tomografia por emissão de
resultar de remodelamento ventricular e não hibernação pósitrons e à cintigrafia miocárdica.
miocárdica, e que, no teste com dobutamina, esses seg-
2 – Deve-se dirigir o exame para pacientes com áreas
mentos também melhoram sua contratilidade, o que não
acinéticas em repouso, pois quando houver somente áreas
deve ser reconhecido como sinal de viabilidade miocárdica
hipocinéticas, estas responderão à revascularização.
(figura 3). Só há sentido em definir determinado segmento
hipocinético como viável quando houver correlação com uma OBS.: Esta revisão é uma compilação de uma outra já por nós publicada na Revista da
artéria “culpada”. Não interromper o teste aos 20 Socerj 1996;13:113-120.

microgramas ajuda a diferenciar o miocárdio hibernado do


remodelado, porque no primeiro já se demonstraria a res-
posta bifásica. Afridi et al. já demonstraram que a resposta
bifásica é melhor previsor de recuperação funcional pós-
revasculariazação do que a simples melhora em doses bai-
xas (23).
Nos segmentos acinéticos a resposta é intermediária,
e aproximadamente 90% dos 63% de segmentos acinéticos
em repouso que aumentaram efetivamente sua contração
durante a infusão de dobutamina melhoraram a contratilidade
com a cirurgia de revascularização, enquanto 80% daque-
les 37% de segmentos que não responderam à dobutamina
permaneceram acinéticos após a revascularização, segun-
do La Canna et al. (24). Já Perrone-Fillard et al. encontra-
ram 28% de segmentos acinéticos em repouso que aumen-
taram sua contratilidade com a dobutamina, mas a melhora
contrátil pós-revascularização foi demonstrada em 41%
deles, pois alguns segmentos não responsivos à dobutamina
melhoraram a contratilidade com a revascularização (18).
Nos segmentos discinéticos não existe resposta à
dobutamina e à revascularização (20). Vale também lem-
brar que a espessura diastólica dos segmentos acinéticos é
fator determinante nas respostas contráteis à dobutamina e
à revascularização, já se demonstrando que aqueles seg-
mentos que melhoraram sua contratilidade após a
revascularização eram aqueles que tinham maior espessu-
ra diastólica (10 x 6 mm, em média) (24).

33
Editorial Laranjeiras

intraoperative quantitation of regional myocardial perfusion during coronary artery


bypass graft operations with myocardial contrast two-dimensional echocardiography.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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collateral-dependent myocardium. Circulation 1993;87:1513-23.
34
Em foco
Editorial Laranjeiras

Investigação da Viabilidade Miocárdica:


Hierarquização da Medicina Nuclear
Dr. Berdj A Meguerian*

Rio de Janeiro-RJ

RESUMO: ABSTRACT
A identificação da viabildiade miocárdica em portado-
res de segmentos hibernantes freqüentemente é realizada Assessment of myocardial viability in patients with
mediante o emprego do tálio-201 e/ou da ecocardiografia segmental hibernating myocardium is mostly achieved
em doses baixas de dobutamina.. Essas técnicas são im- through thallium-201 scintigraphy and/or low-dose
portantes, pois a revascularização miocárdica pode recu- dobutamine echocardiography. These procedures are
perar a função do VE. Sabe-se ainda que a avaliação de important because CABG can result in recovery of left
viabilidade miocárdica com a cintilografia tomográfica ventricular (LV) function. It is also known that myocardial
(SPECT) com tálio-201 apresenta elevada sensibilidade e viability assessment using 201Tl SPECT has a higher
baixa especificidade, quando comparada à ecocardiografia sensitivity and a lower specificity when compared to low-dose
em doses baixas de dobutamina. Este artigo sugere proto- dobutamine echocardiography. This article suggests special
colos de exames no intuito de elevar a especificidade do protocols in order to increase 201Tl SPECT specificity. It also
SPECT com o tálio-201. Ele propõe, ainda um algoritmo de proposes an algorithm for the assessment of myocardial
investigação de viabilidade miocárdica a ser aplicado no viability to be applied in the National Institute of Cardiology.
Instituto Nacional de Cardiologia.

Palavras-chave: viabilidade miocárdica, cintilografia tomográfica, Key words: myocardial viability, scintigraphy, echocardiography
ecocardiografia

INTRODUÇÃO : radioelemento tálio-201, que levanta a presença de perfusão


Todos os seres vivos têm uma única origem: para al- e integridade celular miocárdica da área afetada.. Antes de
guns essa origem é uma célula enquanto para outros, é o prosseguir é preciso deixar claro que neste texto, ao se falar
sopro divino - uma discussão eterna. Por outro lado, sabe- em viabildiade miocárdica, a referência se faz ao tecido
se que a natureza humana busca a solução dos seus pro- hibernante apenas.
blemas orgânicos e da mente,no mundo animal ou vege-
tal, afinal a origem é a mesma. Assim ocorre também com o Os portadores de doença de artéria coronária (DAC)
miocárdio, que imita os ursos Diz-se que o coração é um com disfunção ventricular podem apresentar tecido
tecido que consegue se adaptar às circunstâncias1,2, , assim hibernante, isto é, uma área que aparentemente está
como os ursos, que,.no inverno, diminuem seu ritmo cotidi- necrosada, mas que na verdade diminuiu suas necessida-
ano e, conseqüentemente, reduzem suas necessidades des energéticas e que poderá recuperar-se ao ter restaura-
energéticas a um mínimo de tal forma, que aparentemente do seu fornecimento de oxigênio3,5 .
estão mortos, mas na verdade estão aguardando a prima-
vera para voltar à “vida”. A revascularização miocárdica dos pacientes levará à
recuperação da contração do segmento envolvido, mas não
Também o coração quando percebe que seu forneci- se deve esquecer que, quanto mais severa a disfunção
mento de oxigênio diminuiu, hiberna1,3,4 , e sua volta à “vida” miocárdica, maior é o risco acarretado pela intervenção
depende de uma decisão médica: revascularizá-lo. Aí sur- 2,6,7;
daí a dificuldade da decisão de se encaminhar ou não o
gem as perguntas : O tecido adormecido é viável? A inter- paciente à cirurgia. É preciso antes averiguar, se, de fato, a
venção cirúrgica vai recuperá-lo? Este texto discute a região é viável, mediante a análise das características fisio-
hierarquização das técnicas de diagnóstico por imagem que lógicas e histológicas da área, a saber 8,9 :
investigam a viabilidade miocárdica, especificamente a
ecocardiografia em doses baixas de dobutamina, que ava-
lia a reserva contrátil do coração, e a cintilografia com o - as condições vasculares existentes para a reperfusão
- a presença de reserva contrátil
*Especialista em Medicina Nuclear e chefe do Serviço de Medicina - a preservação de metabolismo celular
Nuclear do Instituto Nacional de Cardiologia

35
Editorial Laranjeiras

AS TÉCNICAS DE IMAGEM :
A cintilografia com o tálio-201, acoplada ao estudo
Na década dos anos setenta, a Medicina Nuclear con- sincronizado da contração miocárdica (Gated Perfusion)
tribuiu muito para o estudo da perfusão miocárdica, inclusi- levanta as condições de perfusão miocárdica, a integrida-
ve no Brasil 10,11 . Na época, a cintilografia com o de da membrana celular e o grau de contração e
radioelemento tálio-201 permitia definir áreas miocárdicas espessamento do miocárdio. Os críticos da cintilografia ar-
de perfusão normal, isquêmicas ou necrosadas. O maior gumentam que a pouca especificidade desse procedimento
conhecimento das características bioquímicas desse tem acarretado resultados falsos positivos de viabildiade,
radioisótopo, associado à evolução da eletrônica e da isto é, áreas revascualrizadas não tem mostrado recupera-
informática, atribuiu-lhe, gradativamente, uma nova aplica- ção funcional13. Ora, embora existam estudos que confir-
ção: definir a viabilidade miocárdica12 . Existem diferentes mem esse fato, alguns relatos afirmam que, mesmo na falta
protocolos de exame e maneiras de interpretá-los, que nes- da recuperação da contração, os pacientes que apresen-
te texto não serão discutidos, uma vez que o objetivo desta tam resultados falsos positivos para viabilidade, melhoram
publicação é analisar a hierarquização do emprego do tálio- sua qualidade de vida após a cirurgia16 . Outra razão da di-
201 na investigação da viabilidade miocárdica. minuição da especificidade dos estudos com tálio-201 é a
Na rotina clínica, o cardiologista dispõe de vários verificação precoce da recuperação da função miocárdica
métodos para avaliar a presença de miocárdio viável, isto é, algumas semanas após a revascularização dos pacientes.
para distinguir entre tecido necrosado e hibernante. No qua- Informa-se que, nesses casos, a recuperação da
dro a seguir, apresentam-se esses métodos. contratilidade segmentar, eventualmente pode ser obser-
vada meses depois da cirurgia. 17
MÉTODOS DE IMAGEM PARA A INVESTIGAÇÃO É importante lembrar também que a aplicação de
DA VIABILDIADE MIOCÁRDICA : nitroglicerina nos estudos de reinjeção do tálio-201, um dos
protocolos de exame, tem elevado a capacidade de detec-
tar tecido viável pelo método .nuclear 18,19 Outra possibili-
- Cintilografia com tálio-201 dade que a Medicina Nuclear oferece para favorecer a
- Ecocardiografia em doses baixas de dobutamina especificidade do exame é a avaliação da capacidade
- Cintilografia metabólica com flúor-18-deoxiglicose ( contrátil do miocárdio mediante o estudo da sua densidade
18
F-FDG emissor de pósitron- PET scan) de inervação simpática com o radiofármaco
metaiodobenzilguanidina-iodo-123 (123I-MIBG) 20
- Ressonância magnética
Este texto se restringiu a discutir as técnicas nuclea-
- Ecocardiografia de perfusão miocárdica com
res e a ecocardiografia em doses baixas de dobutamina,
microbolhas
uma vez que esses dois exames são de fácil acesso no
Instituo Nacional de Cardiologia. Diante disso, adota-se a
Toda vez que se incorpora um novo método de exa- seguinte lógica quanto à investigação de viabilidade
me, sua eficácia é avaliada sobretudo mediante os miocárdica 9,13 :
parâmetros de sensibilidade, especificidade, exatidão
(acurácia) e razão de verossimilhança. Não há dúvida que
1. ECO-DOBUTA E CINTILOGRAFIA CONFIRMAM
esses valores são fundamentais para prover o médico com
TECIDO VIÁVEL (AMBOS POSITIVOS) a BAIXA
elementos de análise, mas deve-se levar em conta também
VEROSSIMILHANÇA PARA FIBROSE E ELEVA-
a disponibilidade do exame e seu custo econômico. A
DA PARA RECUPERAÇÃO PÓS REVAS-
ecocardiografia em doses baixas de dobutamina, cujo cus-
CULARIZAÇÃO
to é menor que uma cintilografia com tálio-201, revela ele-
vada especificidade em relação à técnica nuclear, porém
mostra também menor sensibilidade na detecção de tecido 2. ECO-DOBUTAMINA NEGATIVA E CINTI-
viável13,14. LOGRAFIA NEGATIVA a ELEVADA VEROSSIMI-
O “PET” (Positron Emission Tomography) analisa a LHANÇA PARA FIBROSE E BAIXA PARA RECU-
integridade metabólica dos miócitos com o emprego do PERAÇÃO PÓS REVASCULARIZAÇÃO
emissor de pósitron 18F-FDG( flúor deoxiglicose marcado
com flúor-18). Esse método vem se firmando cada vez mais, 3. E C O - D O B U TA M I N A N E G AT I VA E C I N T I -
entretanto as dificuldades de logística e o custo econômico LOGRAFIA POSITIVA a RESULTADOS IN-
tendem a limitar, por enquanto, o acesso a esse tipo de exa- CERTOS
me. O emprego do tálio-201, continua sendo largamente
aplicado, inclusive porque, nos pacientes com fração de Acredita-se, todavia, que o acréscimo das modalida-
ejeção maior ou igual a 25%, tem-se verificado boa concor- des de estudo sincronizado da contração miocárdica (Gated
dância com o PET Scan (18F-FDG) 15 perfusion), concomitante à cintilografia de perfusão com tálio-
A ressonância magnética é outro método que avan- 201, a aplicação do teste de nitroglicerina e, num segundo
ça a largos passos na sua busca do miocárdio viável. Não tempo, caso pairem dúvidas, a análise da densidade da
se pode negar, outrossim, que seu custo econômico, por inervação simpática mediante a cintilografia com MIBG-
enquanto, não possibilita sua incorporação mais intensa à 123, diminuam a possibilidade de resultados incertos nos
rotina das investigações, embora esse momento não vá tar- estudos nucleares.
dar muito. Não se deseja, por outro lado, concluir este texto de
forma salomônica, advogando que os dois métodos –
cintilografia e ecocardiografia – são complementares e po-
DISCUSSÃO
36
Editorial Laranjeiras

dem ser aplicados simultâneamente, já que revelam carac- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

terísticas diferentes do miocárdio: perfusão e contração, 1. Hearse DJ. Myocardial ischemia: can we agree on a definition for the 21st century?
embora isso seja uma verdade. Nos dias de hoje, a eleva- Cardiovasc Res. 1994;28:1737-1744.
ção de custos (econômicos), acarretada pela diversificação 2. Brown TA Hibernating Myocardium American Journal of Critical Care 2001;l 10,
pp84-93.
de exames, tem exigido a hierarquização de procedimen- 3. Rahimtoola SH. Hibernating myocardium is hypoperfused. Basic Res Cardiol.
tos, não só levando em conta o binômio custo-benefício clí- 1997;92(suppl 2):9-11.
4. Rahimtoola SH. The hibernating myocardium. Am Heart J. 1989;117:211-221.
nico, mas também o custo econômico per se. 5. DeNofrio D, Loh E. Myocardial viability in patients with coronary artery disease
Na opinião deste autor, no cenário do Instituto Naci- and left ventricular dysfunction: transplantation o revas u arization? d Curr Opin
Cardiol. 1996;11:394-402
onal de Cardiologia e de outros locais, onde não há o pro- 6. Gunning MG, Chua TP, Harrington D, et al. Hibernating myocardium: clinical and
blema operador-dependência, à luz de tudo que foi analisa- functional response to revascularisation. Eur J Cardiothorac Surg. 1997;11:1105-
1112.
do até agora, sugerem-se dois protocolos para a detecção 7. Di Carli MF, Maddahi J, Rokhsar S, et al. Long-term survival of patients with coronary
de tecido viável: artery disease and left ventricular dysfun tion: implications for the role of myocardial
viability assessment in management decisions. J Thorac Cardiovasc Surg. 1998;
116:997-1004.
8. Cornel JH, Bax JJ, Elhendy A, Visser FC, Boersma E, Poldermans D, Sloof GW e
I: A ecocardiografia precede a cintilografia: Fioretti PM Agreement and disagreement between “metabolic viability”and “contractile
reserve” in akinetic myocardium J Nucl Cardiol 1999;6:383-388.
1. Ecocardiografia presença de tecido viável ado-
9. Vanoverschelde JLJ e Melin JA Metabolic imaging and contractility reserve for
tar conduta adequada. assessment of myocardial viability: Friends or foes ? J Nucl Cardiol 1999;6:45-8461
10. Duarte GM Teste ergométrico :Bases fisiopatológicas ;aplicações clínicas Livraria
2. Ecocardiografia ausência ou dúvida quanto a pre- Atheneu,Rio de Janeiro 1978 (p 40)
sença de tecido viável cintilografia com tálio-201 11. Meguerian BA, Cintigrafia miocárdica Arq Bras Cardiologia 1979;32(supl 2):81
12. Meguerian BA, Novas perspectivas da cintilografia miocárdica Vitrô
3. Cintilografia com tálio-201 presença de tecido vi- Cardiologia 1996;2:40-45
ável adotar conduta adequada para 13 Qureshi U, Nagueh SF, Afridi I, et al. Dobutamine echocardiography and quantitative
rest-redistribution 201Tl tomography in myocardial hibernation: relatio of contractile
revascularizar. reserve to 201Tl uptake and comparative prediction of recovery of function. Circulation.
4. Cintilografia com tálio-201 ausência de tecido 1997;95:626- 635
14. Travin MI Use of myocardial perfusion imaging to asses viability J Nucl Cardiol
viável fim 2000;7:72-80
15. Bax JJ, Visser FC, Blanksma PK, Veening MA, Tan ES, Willemsen TM et al
II: A investigação recorre inicialmente à cintilografia Comparison of myocardial uptake of fluorine-18-fluordeoxyglucose imagem PET and
SPECT in dyssynergic myocardium J Nucl Med 1996;37:1631-1636
16. Samady H, Elefteriades JA, Abbott BG, Mattera JA, McPherson CA e Wackers FJT
Outra sugestão é a adoção da cintilografia com dois Failure to Improve Left Ventricular Function After Coronary Revascularization for
Ischemic Cardiomyopathy Is Not Associated With Worse Outcom
traçadores: tálio-201 e um quelante de tecnécio-99m ( MIBI Circul t on, Sep 1999; 100: 1298 - 1304.
ou tetrofosmina), num protocolo que dura um dia só e que 17. Bonow RO Identification of Viable Myocardium Robert O. Bonow, MD Circulation
1996 94: 2674-2680.
se inicia com o estudo do tálio-201 em repouso, a seguir
18. Zuo-Xiang He Z-X, Medrano R, Hays JT, Mahmarian JJ, Verani MS, Nitroglycerin-
submete-se o paciente ao estresse com aplicação do Augmented 201Tl Reinjection Enhances Detection of Reversible Myocardial
quelante de tecnécio-99m e termina-se o exame, realizan- Hypoperfusion Circulation. 1997;95:1799-1805
19. Sciagra R, Bisi G, Santoro GM, Zerauschek F, Sestini S, Pedenovi P, Pappagallo R,
do imagens tardias com tálio-201, sem nova injeção deste Fazzini PF.Comparison of baseline-nitrate technetium-99m sestamibi with rest-
traçador. Esse estudo permite definir: áreas isquêmicas, redistribution thallium-201 tomography in detecting viable hibernating myocardium
and predicting postrevascularization recovery. J Am Coll Cardiol1997;30(2):384-91
necrosadas e/ou hibernantes (viáveis)21,22. Quando a pes- 20. Shan K, Bick RJ, Poindexter BJ,. Nagueh SF , Shimoni S. Verani MS, Keng F, Reardon
quisa nuclear de tecido viável deixa dúvida, deve-se recor- MJ, Letsou GV,. Howell JF, Zoghbi WAAltered Adrenergic Receptor Density in
Myocardial Hibernation in Humans A Possible Mechanism of Depressed Myocardial
rer à ecocardiografia. Function Circulation. 2000;102:2599.)
É preciso salientar, todavia, que é importante realizar 21. Hachamovitch R Clinical application of rest thallium-201/Stress te hnetium 9 m
sestamibi dual isotope myocardial perfusion single-photon emission computed
estudos metodologicamente adequados para analisar os tomography. Cardiol Rev 1999 Mar-Apr;7(2):83-91
resultados alcançados por ambos os protocolos sugeridos. 22. Paeng JC, Lee DS, Cheon GJ, Kim KB, Yeo JS, Chung JK, Lee MC Consideration of
perfusion reserve in viability assessment by myocardial Tl-201 rest-redistribution
SPECT: a quantitative study with dual-isotope SPECT. J Nu l Cardiol 2002 Jan-
Feb;9(1):68-74

37
Fundamentos em cardiologia
Editorial Laranjeiras

As Bases do Conhecimento Cardiovascular

O coração e sua relação com outras estruturas torácicas


Adriana Innocenzi *1, Viviane Brito *2, Claudia Lacê *3, Vitor Seixas *4, Paulo Renato Travancas *5, Renata
Moll Bernardes *6, Fabio Bergman *7, Ana Helena J L Dorigo *8, Erika Moura *9 e Luiz Carlos Simões *10.
Rio de Janeiro-RJ

Resumo: Neste artigo, revisaremos a posição do co- Abstract : In this article, we will review the position of
ração e sua relação espacial no tórax com as estruturas the heart in the torax, and its relation with surrounding
vizinhas, aspectos estes que julgamos indispensáveis para structures.,.aspects that we consider important to analyze
a análise de sua forma e função. its form and function.

Palavras-chave : anatomia cardíaca; cardiopatias congênitas; Key words : cardiac anatomy; congenital heart disease.

Introdução : Os conhecimentos anatômicos são fun- é identificado do zero aos 180°, e o eixo longo do coração
damentais para os que trabalham nas diversas técnicas por se dirige da direita para a esquerda e de posterior para an-
imagem, mas também não podem ser esquecidos na rotina terior, de aproximadamente -135° a 135°; o eixo curto vai
cardiovascular clínica. Embora a anatomia do coração seja da direita para esquerda e de posterior para anterior e da,
estudada há séculos, é costume descrevê-la a partir de um ou seja, de -45° aos 45° (fig2). Em todos os níveis do tórax,
órgão isolado. Entretanto os diversos tratados sobre o tema o diâmetro ântero-posterior é relativamente pequeno no pla-
descrevem termos como “sulco anterior”, “face no médio, devido à projeção da coluna vertebral para den-
diafragmática”, que refletem a relação do coração com as tro da cavidade torácica. Virtualmente, todo espaço entre a
demais estruturas no tórax. Neste texto, preparado primari- superfície posterior do esterno e a superfície anterior das
amente para a leitura dos clínicos, os termos são os utiliza- vértebras está ocupado pelo coração e grandes artérias.
dos na prática cardiovascular. Após essa visão do coração,
em um segundo artigo, descreveremos as principais carac-
O saco pericárdico:
terísticas anatômicas das cavidades cardíacas (coração
como órgão isolado). O coração e a raiz das grandes artérias encontram-se
dentro de um saco fibrosseroso firme: o pericárdio. Este
apresenta um formato cônico, com a base apoiando-se no
Discussão : diafragma. Em sua parte superior, encontra-se uma área de
A posição do coração no tórax : estreitamento, que engloba dois a quatro centímetros da
Na cavidade torácica, o coração está localizado inferi- veia cava superior, grande parte da aorta ascendente e qua-
or e anteriormente no mediastino. Esse compartimento se todo o tronco pulmonar.
corresponde a uma região intermediaria entre as regiões O pericárdio é constituído de duas porções: Uma por-
pleuropulmonares direita e esquerda, a qual é limitada, an- ção externa, chamada pericárdio fibroso e outra interna,
teriormente, pelo corpo esterno e, posteriormente, pela co- invaginada no coração, chamada de pericárdio seroso (2,
luna vertebral à frente da oitava vértebra torácica (1). Limi- 3, 4). O pericárdio fibroso é fixado superior e inferiormente
ta-se superiormente por um plano que passa pela primeira à região posterior do esterno pelo ligamento
costela, pelo manúbrio esternal anteriormente e pela quarta esternopericárdio. Esse ligamento aumenta a conexão
vértebra torácica posteriormente. Seu limite inferior é cons- diafragmática, ajudando a manter a posição do coração no
tituído pelo diafragma. Em sua posição de levocardia com tórax. O pericárdio visceral, epicárdio, cobre o coração e
levoapex, 2/3 do coração se encontram no hemitorax es- parte das grandes artérias com o pericárdio fibroso. É cons-
querdo e 1/3 no hemitorax direito (fig1). tituído por uma delgada capa de células mesoteliais e teci-
Seu eixo longitudinal se estende desde o ombro direi- do adiposo subjacente. A ausência de tecido fibroso denso
to até o hipocôndrio esquerdo, em posição oblíqua em rela- em sua constituição permite ao coração aumentar de tama-
ção ao eixo longitudinal do tórax (ângulo de aproximada- nho durante a diástole e contrair-se durante a sístole. O
mente 45°). No plano transversal, o eixo horizontal do tórax pericárdio parietal é constituído por uma capa interna serosa

1*2*3*4* Médicos Residentes do Serviço de Cardiologia Pediátrica e do Adolescente INC


5*6*7*8*9* Médicos do Serviço de Cardiologia Pediátrica e do Adolescente INC
10* Chefe do Serviço de Cardiologia da Criança e do Adolescente INC

38
Editorial Laranjeiras

de células mesoteliais e uma capa externa de tecido fibroso ído fundamentalmente pelo átrio direito e pela entrada da
denso e de poucas fibras elásticas, de aproximadamente veia cava superior, superiormente, e da veia cava inferior,
1 centímetro de espessura. A face externa geralmente con- inferiormente. O bordo esquerdo é formado, de cima para
tém quantidade variável de tecido adiposo, especialmente baixo, pelo botão aórtico, tronco da artéria pulmonar, apên-
próximo ao diafragma, o que causa aparente espessamento dice atrial esquerdo, entrada das veias pulmonares esquer-
do pericárdio. das e ventrículo esquerdo.
Entre as folhas parietal e visceral, encontra-se a cavi-
dade pericárdica e, em situações normais, observa-se uma Relações do coração:
pequena quantidade de liquido seroso em seu interior, de:
Com a interposição do pericárdio, o coração está em
aproximadamente 20ml no adulto. Esse líquido lubrifica o
relação estreita com as paredes da cavidade torácica e dos
coração, permitindo uma relativa movimentação, sem atri-
demais órgãos do tórax. O timo, quando presente, ocupa
to, dentro do tórax.
uma posição anterior e superior no mediastino.. Nos
A silhueta cardíaca: neonatos e nas crianças pequenas, a imagem da glândula
Classicamente considerou-se o coração como uma tímica projeta-se sobre a parte superior da silhueta cardía-
pirâmide triangular com três faces, um vértice formado pelo ca, causando grande variação na aparência do coração e
ápex e uma base constituída pelos átrios. Entretanto das grandes artérias, por obscurecer parcial ou totalmente
Anderson e Becker (3) consideram que o coração tem um estruturas do mediastino superior.( fig 4 ).
formato trapezoidal. A base é constituída pelos átrios, por A superfície anterior do coração relaciona-se com a
sua união com os ventrículos e com as grandes artérias que face posterior do esterno e está recoberta pelos segmentos
se originam da massa ventricular. A base corresponde ao pulmonares direito e esquerdo, envolvidos pelo saco pleural.
eixo curto do coração e à diagonal do trapézio. O vértice é Nessa superfície, reconhecemos um segmento ventricular
constituído pelo ápex do coração. Ao nível da massa e um segmento atrial, separados pelos sulcos
ventricular, podemos observar três faces: uma anterior ou atrioventriculares direito e esquerdo, respectivamente. No
esterno-costal, uma inferior ou diafragmática e uma lateral segmento ventricular podem-se reconhecer duas regiões:
esquerda (fig 3). uma anterior ou ventricular propriamente dita, que está divi-
dida pelo sulco interventricular anterior em uma porção di-
- A superficie esterno-costal é convexa, dirigindo-se para reita e outra esquerda. A região posterior ou arterial é cons-
frente, para cima e para a esquerda. Devido à rotação tituída pelas grandes artérias. O segmento atrial é caracte-
do coração, com a conseqüente disposição do septo rizado pelo prolongamento dos átrios constituídos pelos
ventricular para esquerda, 3/5 da superfície anterior apêndices atriais direito e esquerdo (5,6,7,8), respectiva-
são formados pelo ventrículo direito, e a borda mente (fig 5). O apêndice atrial direito, de base ampla e
esquerda é formada pelo ventrículo esquerdo. bordos lisos, tem a forma triangular e se coloca diante da
parede direita e anterior da aorta ascendente. O apêndice
- A superfície diafragmática é formada em grande parte
atrial esquerdo é mais longo e fino que o direito, tem a
pelo ventriculo esquerdo, mas o ventriculo direito tam-
forma de um dedo de luva e coloca-se adiante da face late-
bém faz parte de sua formação. Os sulcos
ral esquerda e anterior da artéria pulmonar (fig.5).
atrioventricular e inter-atrial formam uma intersecção
- a crux cordis. Observa-se que o átrio direito está separado do
ventrículo direito pelo sulco atrioventricular, por onde passa
- A superfície lateral esquerda ou superfície pulmonar
a artéria coronária direita. Esse átrio tem uma superfície
é formada pelo ventrículo esquerdo.
curva com sua maior parte lateral formando a borda direita
do coração. A veia cava superior é formada pela união das
O plano de base do coração é definido pelo sulco veias braquiocefálicas direita e esquerda (inominadas) ao
atrioventricular. Ao longo da superficie do coração, as arté- nível da primeira cartilagem costal, à direita. Ela penetra o
rias coronárias direita e circunflexa atravessam os sulcos pericárdio na altura da segunda cartilagem posteriormente
ventriculares direito e esquerdo, respectivamente, e a arté- ao átrio direito. Os ventrículos são separados, na superfície
ria coronária descendente anterior esquerda e descenden- anterior, pelo ramo descendente anterior da artéria coronária
te posterior percorrem os sulcos interventriculares anterior esquerda. À esquerda e abaixo do sulco atrioventricular, uma
e inferiormente, respectivamente. pequena porção da parede postero-lateral do ventrículo
esquerdo deve ser considerada..
Posição espacial das cavidades cardíacas: O arco aórtico é um achado proeminente na visão
anterior e geralmente domina o mediastino superior da si-
Os eixos longitudinais e transversais do coração se lhueta cardíaca, guardando grande relação com esôfago.
posicionam obliquamente em relação com o plano longitu-
dinal do tórax. O eixo longitudinal ou eixo longo corresponde A face inferior do arco está em intima relação com o
à projeção espacial dos septos inter-atrial, atrioventricular e diafragma e a face lateral esquerda, com o pulmão e a pleura
ventricular, enquanto o eixo transverso ou curto corresponde à esquerda.
ao plano dos sulcos atrioventriculares. Essa posição dos A base, formada fundamentalmente pelos átrios, apre-
eixos longitudinais e transversos do coração determina a senta uma região anterior e outra posterior. A região anteri-
posição espacial das cavidades cardíacas no plano trans- or apresenta uma depressão em forma de canal aberto para
verso, estando o ventrículo direito em uma posição anterior frente e em cuja concavidade encontram-se os orifícios das
com respeito ao átrio esquerdo, que é posterior; já o grandes artérias que se originam do coração: um anterior,
ventrículo esquerdo fica colocado à esquerda e o átrio direi- ligeiramente voltado à esquerda, o orifício pulmonar; e ou-
to, à direita ( fig 2). Projetando a silhueta cardíaca sobre o tro posterior, voltado à direita, o orifício aórtico (fig 6). O
plano frontal do tórax, o bordo direito da silhueta é constitu- tronco pulmonar emerge a partir do ventrículo direito e ca-
39
Editorial Laranjeiras

minha à esquerda da aorta ascendente, em geral, em dire- em forma tubular, o seio de Theile. Esse conduto limita-se
ção ao ombro esquerdo. Termina abaixo do arco aórtico, posteriormente pela face anterior dos átrios e pela veia cava
bifurcando-se em artérias pulmonares direita e esquerda. A superior, anteriormente pela face posterior do pedîculo ar-
aorta origina-se na face póstero-inferior e à direita do tronco terial; e superiormente pela artéria pulmonar direita. Ele
pulmonar. apresenta dois orifícios: um direito e outro esquerdo. O ori-
A região posterior esta dividida pelo sulco interatrial fício direito limita-se por dentro pela aorta ascendente; por
em um segmento posterior e outro direito (fig 6). O segmen- fora, pela veia cava superior, átrio direito e apêndice atrial
to posterior, constituído pela face posterior do átrio esquer- direito; e por baixo, pela artéria coronária. O orifício esquer-
do, recebe lateralmente quatro veias pulmonares e se rela- do limita-se à esquerda pelo apêndice atrial esquerdo e pelo
ciona com o esôfago (fig 6). O segmento direito constitui-se átrio esquerdo; à direita, pela artéria pulmonar; e abaixo,
de uma porção alongada verticalmente, o átrio direito, unin- pela.artéria coronária esquerda
do-se, no seu extremo inferior, com a veia cava inferior e, O sistema venoso ázigos é formado por duas veias
no seu extremo superior, a com veia cava superior. hemiázigos, localizadas à esquerda da coluna vertebral, as quais
A veia cava superior apresenta um trajeto mais longo se unem para formar um tronco que passa atrás da aorta des-
do que o a veia cava inferior e está separada da aorta as- cendente, do esôfago e do ducto torácico para dar origem à veia
cendente por um prolongamento da cavidade pericárdica ázigos que irá drenar, posteriormente, na veia cava superior.

Figura 1.
a. Ressonância magnética
- Corte transverso do tórax.
No coração em posição de
levocardia com levoapex
(2/3 de sua massa encon-
tram-se no hemitorax es-
querdo).
b. Ressonância magnética
-Corte longitudinal do cora-
ção e dos grandes vasos -
seu limite inferior determi-
nado pelo diafragma. Virtu-
almente todo o espaço en-
tre a superfície posterior do
esterno e a superfície ante-
rior das vértebras está ocu-
pada pelo coração e as
grandes artérias.

Figura 2. Ressonância
magnética . Corte transver-
so do tórax ao nível da sé-
tima vértebra cervical, com
o coração colocado em po-
sição anatômica demons-
trando a posição
anatômica espacial das ca-
vidades cardíacas . a-a
eixo horizontal do tórax . b-
b eixo longo do coração. c-
c eixo curto do coração

Figura 3. Radiografia de
tórax em antero posterior
mostrando a forma
trapezoidal da silhueta car-
díaca . a-a eixo longitudi-
nal do tórax. b-b eixo lon-
go do coração. c-c eixo
curto do coração.

40
Editorial Laranjeiras

Figura 4. Bloco anatômico do coração e dos pulmões de um recém nascido demonstrando a glândula tímica. PD – pulmão direito
PE – pulmão esquerdo.

Figura 5. Vista anterior do coração e grandes vasos demonstrando o bloco ventricular inferior e o arterial, superior e posterior. Também
estão evidentes as características anatômicas dos apêndices atriais direito e esquerdo.

Figura 6. Vista posterior do coração e grandes vasos demonstrando a entrada das veias pulmonares no átrio esquerdo e das veias
cavas no átrio direito.

Bibliografia
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Anatomía humana. Descriptiva, topográfica y funcional. Tomo 2. Tronco. 9ª. Edición. Churchill Livingstone 1987: 65-82.
Barcelona, España: Masson, S.A. 1994: 125-165. 6. Sharma S, Devine W, Anderson RH, Zuberbuhler JR. The determination of atrial
2. Anderson RH, Becker AE. Cardiac anatomy. An integrated text and color atlas. arrangement by examination of appendage morphology in 1842 heart specimens. Br
London: Gower Medical Publishing Ltd. 1980. Heart J 1988; 60: 227-231.
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El corazón. Estructura normal y patológica. Barcelona, España: Editorial Doyma, S.A. cardiac malformations. En Valdés-Cruz LM, Cayré RO, eds. Echocardiographic diagnosis
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Wilkins, 1972: 4-23.

41
Hipertensão arterial
Editorial Laranjeiras

Hipertensão na Gravidez
Ivan Cordovil *

Rio de Janeiro - RJ

Resumo Abstract
A hipertensão arterial sistêmica é a mais freqüente Systemic arterial hypertension is the most frequent
complicação e a principal causa de morbi-mortalidade na complication and the leading cause of morbid-mortality in
geatação. Durante o período gestaional cinco formas de pregnancy. During the gestational period, five forms of arte-
hiperensão arteril são mais expressivas: Hipertensão Arte- rial hypertension are most remarkable: chronic arterial
rial Cronica, Hipertensão Gestacional, Pré-eclampsia, Pré- hypertension, gestational hypertension, pre-eclampsia,
eclampsia Superimposta e Eclampsia. O sucesso do superimposed pre-eclampsia and eclampsia. The success
tratmento e a eficacia das medidas profiláticas dempederão of the treatment and the effectiveness of prophylactic
da habilidade e da experiência profissional do médico. measures will depend on professional skill and lifetime
experience.

Palavras-chave: hipertensão arterial, pré-eclâmpsia, gravidez Key words: arterial hypertension, pre-eclampsia, pregnancy

INTRODUÇÃO ¨ Eclâmpsiaè é a ocorrência na mulher com pre-


Hipertensão é a principal complicação na gravidez e a eclâmpsia que desenvolve convulsões. Pode ocorrer na
maior causa de morbi-mortalidade (1). Atinge a várias ca- metade da gestação ou pós-parto.
madas sociais, ocorre em torno de 12-22% das gestações e
é responsável por 17,6% de mortes maternas nos E.E.U.U. ¨ Hipertensão gestacionalè pressão elevada detec-
(2,3)
. tada pela primeira vez na segunda metade da gestação e é
Quando a hipertensão se instala na segunda meta- diferenciada da pré-eclâmpsia pela ausência de proteinúria.
de do período gestacional sem proteinúria e os níveis Se a proteinúria desenvolve e a hipertensão regride após a
retornam a valores normais, esta condição é denominada gravidez, o diagnóstico é modificado para pré-eclâmpsia.
hipertensão induzida pela gravidez (4,5) e apresenta Se a hipertensão persiste, a hipertensão crônica é
fisiopatologia diferente que a hipertensão crônica. Quando diagnosticada. Na ausência de outros dados, o diagnóstico
se instala a proteinúria desenvolve a pré-eclâmpsia (6). proposto é de Hipertensão transitória da gravidez.
Define-se hipertensão na gravidez níveis pressóricos
superiores a 140 x 90 mm Hg ou um aumento de 30 mm Hg ¨ Hipertensão crônicaè quando a elevada pressão
e 15 mm Hg nas pressões sistólicas e diastólicas respecti- sanguínea já existia antes da gestação. Pode ser
vamente (7). diagnosticada em retrospecto quando a pré-eclâmpsia ou a
hipertensão gestacional não retorna aos níveis tensionais
CLASSIFICAÇÃO (8) iniciais. Mulheres com hipertensão crônica tem risco eleva-
do para a pré-eclâmpsia superimposta 25%.
¨ Pré-eclâmpsiaè definida como uma síndrome es-
pecífica da gravidez observada após a 20ª semana de gra-
videz com pressões iguais ou maiores que 140 x 90 mm Hg, ¨ Pré-eclâmpsia superimpostaè esta é uma condi-
acompanhada de edema e importante proteinúria (maior que ção mais temível face a que percentual de morbi-mortalida-
300 mg nas 24 horas). O edema pode estar em alguns de aumenta tanto para o feto como para a mãe. Desloca-
casos, oculto. A proteinúria pode ser de aparecimento tar- mento prematuro de placenta, restrição ao crescimento fetal
dio. Esta patologia pode ser suspeitada se além de eleva- ou morte, insuficiência cardíaca congestiva e insuficiência
ção da pressão arterial, sintomas como cefaléia dor abdo- renal são quadros que freqüentemente encontramos quan-
minal ou testes laboratoriais anormais especificamente que- do a pré-eclâmpsia superimposta agrava. A conseqüên-
da do número de plaquetas ou anormalidades das enzimas cia para mãe e feto é uma piora para nova pré-eclâmpsia.
hepáticas. Em mulheres com pré-eclâmpsia, a pressão É ainda desconhecido como o tratamento da hipertensão
sanguínea habitualmente retoma a valores normais dias a crônica influencia no risco da pré-eclâmpsia e suas com-
semanas após delivramento. plicações.

* Chefe da Divisão de Hipertensão Arterial do Instituto Nacional de Cardiologia.

42
Editorial Laranjeiras

ETIOLOGIA
A pré-eclâmpsia tem sido um foco de discussão da Conduta terapêutica na pré-eclâmpsia leve:
maioria dos grupos de trabalhos relacionados a doenças da
gravidez por ser a mais comum complicação, associada com
1. Repouso no maior tempo em decúbito lateral
alta taxa de mortalidade e morbidade materno-fetal. Toda-
esquerdo, para promover, com isto, uma melhora do fluxo
via, resultados no que concerne à hipertensão crônica, tam-
útero-placentário com aumento da filtração glomerular, por-
bém recebem atenção primariamente porque há falta de
tanto da diurese levando a redução dos níveis pressóricos.
evidências baseadas em recomendações para tratamento.
2. Avaliação semanal de pêso e níveis
Hoje, a fisiopatologia da pré-eclâmpsia é bem estuda-
pressóricos.
da porém a sua etiologia, marcadores preditivos, e meios
de prevenção efetivos, permanecem obscuros. 3. Avaliação laboratorial a cada 2 semanas dos
seguintes exames:
A pré-eclâmpsia é uma complicação encontrada so-
mente na gestação humana (9). É mais comum o apareci- Hemograma completo, plaquetometria, glicose, uréia,
mento em primípara, gestações múltiplas, mola hidatiforme creatinina, ácido úrico, transaninases e proteinúria de 24
e em pacientes cuja história familiar, mãe, irmã ou mesmo horas.
em gravidez anterior, sendo que nesta última situação, o 4. Sedação com benzodiazepínios (nunca mais
aparecimento será sempre mais antecipado. (10) que 10 mg nas 24 horas). (14)
Há maior freqüência na raça negra, em obesas, 5. Dieta hiperproteica e normossódica.
tabagistas, não temos ainda concludentes explicações para 6. Avaliação da vitalidade fetal, semanalmente
as bases genéticas e bioquímicas. a partir da 32ª semana, através do perfil biofísico fetal
(cardiotocografia e ultrassom).
FISIOPATOLOGIA 7. Doppler-fluxometria de artérias uterinas para
A pré-eclâmpsia exterioriza o nível de pressão arteri- visualização de incisuras diastólicas bilaterais, sinal de ten-
al, porém, este é apenas um dos dados, pois a síndrome dência para quadro futuro de pré-eclâmpsia.
atinge vários sistemas orgânicos com várias manifestações.
Há na pré-eclâmpsia decréscimo da produção de PGI2 As gestantes portadoras de pré-eclâmpsia apresen-
causando desequilíbrio na relação Tx A2 / PGI2 o que resul- tam sistema vascular vasoconstrito e hemoconcentração; o
ta em vascontrição e agregação plaquetária (11). Algumas uso de diuréticos deve ser evitado porque podem produzir
alterações encontradas na pré-eclâmpsia divergem das exis- retenção de substâncias nitrogenadas e agravar mais a
tentes na hipertensão crônica. Tais como: hemoconcentração. As exceções são:
§Lesões das células endoteliais; §Insuficiência cardíaca congestiva
§Redução do volume plasmático com aumento de §Edema cerebral
permeabilidade capilar; §Edema agudo do pulmão
§Ativação de cascata de coagulação;
§Alteração da função tubular proximal renal; Pré-eclâmpsia grave
Quando a gestante apresentar um/ou mais sintomas
São alterações que habitualmente precedem o apare- abaixo relacionados e quando a PA for igual ou maior que:
cimento da hipertensão na pré-eclâmpsia. (12) 160x 110 mm Hg:
As alterações hemodinâmicas mais características §Proteinúria >= 5g /24 horas
encontradas na pré-eclâmpsia são vasoespasmo generali- §Oligúria
zado e alterações endoteliais com conseqüência nos diver-
sos órgãos e sistemas, mas nem sempre com elevação §Sinais de insuficiência cardíaca incipiente
importante da pressão arterial como poucos casos que po- §Sinais premonitórios de eclâmpsia (cefaléia,
demos observar com níveis até inferiores a 140 x 190 mm escotomas, dor no hipocôndrio direito e confusão mental)
HJ (13). §Síndrome HELP (Hemolisis, elevated Liver enzymes,
Low Platelet Count). Esta é uma complicação da pré-
eclâmpsia de alta morbi-mortalidade e que se apresenta com:
PRÉ-ECLÂMPSIA LEVE
Definida como ocorrência de hipertensão, proteinúria * Elevação de enzimas hepáticas (15)
e edema após a 20ª semana da gestação. * Trombocitopenia (plaquetas abaixo de 100.000 /
mm3).
* Anemia hemolítica microangiopática
Níveis de 140 x 90 mm Hg ou mais
* Crescimento intra-uterino retardado (CIUR)

¨ Proteinúria, quando há excreção de 300 mg ou mais


de proteína na urina de 24 horas. Surge quando a Quando a pré-eclâmpsia surge antes da 28ª semana,
endoteliose capilar glomerular já estiver estabelecida. o risco materno-fetal aumenta significativamente, pois o tra-
¨ Edema, quando for generalizado, de início súbito tamento definitivo da eclâmpsia e da pré-eclâmpsia é o par-
quando persiste após repouso de 12 horas ou quando hou- to. Todo o tratamento médico visa a condução de vitabilidade
ver ganho de peso de mais de 2.275 g em uma semana. fetal e materno para que se alcance a 34ª semana ou após,
pois então teremos mais possibilidade de reduzir o risco

43
Editorial Laranjeiras

materno-fetal. eclâmpsia /eclâmpsia.


Há efeitos colaterais como taquicardia, tremores,
Conduta terapêutica na pré-eclâmpsia grave: cefaléia, náuseas e vômitos, rubor facial. Deve ser evitada
para uso em longo prazo por estimular o sistema renina-
angiotensina – aldosterona levando a redução da perfusão
1. Internação hospitalar renal.
2. Repouso em decúbito lateral esquerdo Doses: 5 mg IV em bolo e doses de 5 a 10 mg de 20/
3. Dieta hiperproteica e normossódica 20 min até atingir níveis pressóricos satisfatórios. Quando
4. Controle dos sinais vitais com balanço hídrico for via oral, doses de 50 mg até 4 vezes ao dia. Pode ser
rigoroso associada a beta bloqueador, à metildopa ou Verapamil. (18)
5. Prevenção da eclâmpsia
6. Restabelecimento do equilíbrio NIFEDÍPINA
hidroeletrolítico Antagonista dos canais de cálcio tem efeito
7. Avaliação laboratorial mais completa vasodilatador importante tanto para tratamento de crise
hipertensiva (sub-lingual) ou na hipertensão crônica, via oral,
8. Avaliação da vitabilidade e da maturidade fetal
associada a beta bloqueador ou a Verapamil.
Não existe relato de efeitos colaterais para o feto, seja
TERAPÊUTICA ANTI-HIPERTENSIVA com curto ou longo prazo de tratamento. Na mãe, os efei-
Tem como finalidade evitar complicações da hiperten- tos de cefaléia, rubor, taquicardia e fadiga podem ser en-
são arterial como a hemorragia cerebral e retardar a retira- contrados.
da de concepto que ainda não se apresentou com peso e O uso concomitante de nifedipina com sulfato de
vitalidade satisfatória. O importante é reduzir os níveis magnésio pode potencializar o bloqueio neuromuscular e o
tensionais com o cuidado de não permitir queda acentuada efeito anti-hipertensivo.
de PA evitando que a pressão diastólica esteja abaixo de
90mm Hg, pois a redução de fluxo útero-placentário poderá
levar ao sofrimento fetal. (16) BETA-BLOQUEADORES
Os estudos iniciais com o uso de propranolol mostra-
ram efeitos colaterais indesejáveis e alguns até com certa
METILDOPA gravidade: sofrimento fetal, redução de freqüência cardíaca
É o medicamento mais usado para o tratamento da fetal, depressão respiratória, crescimento intrauterino re-
hipertensão na gravidez. Seu efeito hipotensor é devido à tardado e hipoglicemia neonatal. (19)
estimulação dos receptores alfa adrenérgicos inibidores de Em nosso serviço, Maternidade Escola da UNIRIO,
ação central. Doses iniciais 750 mg/dia usados em 3 vezes constatamos que a bradicardia fetal foi o primeiro efeito
nas 24 horas, sendo a dose máxima 2g/dia. Não interfere colateral quando a monitoração através de cardiotocografia
com o débito cardíaco e reduz a resistência vascular. Os foi realizada em um número razoável de gestantes
efeitos colaterais maternos mais comuns são hipotensão hipertensas que faziam uso de propranolol.
postural, sedação, boca seca, depressão. Devido a pouco
efeito colateral e boa eficácia deve ser a droga de escolha Os estudos mais recentes com uso de bloqueadores
no tratamento da hipertensão na gravidez. seletivos como o Pindolol mostraram eficácia sem efeitos
colaterais indesejáveis, nas doses preconizadas: Pindolol 5
mg de 12/12h até 20 mg/dia. O Atenolol 100 mg/dia e o
CLONIDINA Labetolol/agonista alfa1 seletivo e Beta não seletivo /300mg
Também de ação central alfa-agonista é eficaz no tra- ao dia.
tamento de elevados níveis pressóricos na gravidez.
A dose usual é de 100 a 300 mg/dia em duas tomadas AMLODIPINA
diárias até 1000 mg/dia. Estudos mais recentes mostram resultados
Os resultados são semelhantes aos encontrados para satisfatórios, porém o efeito colateral do edema de mem-
a metildopa. (16) bros inferiores que pode surgir em 30% dos casos, pode
interferir no diagnóstico precoce de pré-eclâmpsia.
VERAPAMIL
Antagonista de cálcio com pouca atuação na condu- INIBIDORES DAS ENZIMAS DE CONVERSÃO DA
ção átrio-ventricular mostrou-se eficaz e de poucos efeitos ANGIOTENSINA
colaterais. Tem ótima atuação principalmente quando as- Este grupo de drogas como também os antagonistas
sociado à hidralazina evitando, portanto, os efeitos colaterais dos receptores AT1 da Angiotensina estão formalmente
indesejáveis tais como taquicardia e palpitação. (17) contra-indicados para uso na gravidez face a redução de
fluxo uteroplacentário e de ocorrências fetais como a insufi-
HIDRALAZINA ciência renal e óbito intra-uterino. (20)
É um vasodilatador arterial de ação eficaz na
perfusão útero-placentária. Efeito máximo em crises NITROPRUSSIATO DE SÓDIO
hipertensivas das gestantes, funcionando como droga de Tem ação potente e fugaz. É usado por via
primeira escolha por via intravenosa nos casos de pré- venosa com controle gota a gota de acordo com a regulação

44
Editorial Laranjeiras

dos viveis tensionais. BIBLIOGRAFIA

Provoca alteração do fluxo placentário e intoxi- 1) Tan J ; de Sweet M : Prevalence of heart disease diagnosed de novo in pregnancy
cação por cianeto no feto. in West London population. B J Gynecol 105 ; 1185 – 1188, 1998.
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Deve ser evitado em gestante com feto vivo. 3) Koonim L. M. Mac Kay AP, Berg CJ, Atrash HK, Smith JC Pregnancy – related
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DIAZÓXIDO High Blood Pressure in Pregnancy. Am J Obstet Gynecol 2000;183;S1-S22 (level
III)
Tem ação direta sobre o músculo liso arteriolar.
5) Saudan P. Brown MA, Buddle ML, Jones M. Does gestational hypertension become
Em doses mais elevadas pode levar ao sofrimento fetal e pré-eclâmpsia? Br J Obstet Gynecol 1998;105;1177 – 1184 (level II – 2)
até ao óbito. Doses: 30 mg IV em bolo, repetir a cada 20 6) North RA, Taylor RS, Schellen berj JC. Evaluation of a definition of pre-eclampsia,
Br J Obstet Gynecol 1999 ; 106:767-773 (level II – 2)
minutos em doses de 30 a 60 mg até atingir níveis 7) Davey DA, Mac Gillivray I. The classification and definition of the hypertensive
satisfatórios e manter. disorders in pregnancy. Am I Obstet Gynecol 158:892-898, 1998.
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SULFATO DE MAGNÉSIO Development of a model in the pregnant primate. Am I Obstet Gynecol 151:987,
Tem ação hipotensora e anticonvulsivante usado como 1985.
10) Chesley LC, Asmito JE, Corgrave RA : The familial factor in Toxemia of pregrancy
primeira droga nos casos de eclâmpsia. Tem excreção ex- Obstet Gynecol 32:874; 1964
clusivamente renal. (21) 11) Goodman RP, Killane AP, Brashar AR, et al. Prostacyclin preductin during pregnancy
comparison of production during normal pregnancy and pregnancy complicated by
Sibai (13)relata alguns benefícios que a droga forne- hypertension. Am I Obstet Gynecol 142: 817-822, 1982.
ce tais como: 12) Roberts JM Taylor RM, Musci TJ, Rogers GM, Hubel CA; MC Laughlin Preeclampsia
; In endoteial cell dirorders. Am I G Obstet Gynecol 161:1200-1204, 1989.
* Aumento da produção de prostaciclinas pelas célu- 13) Sibai BM. Eclampsia VI Maternal – perinatal outcame in 254 consecutives cases.
Am I Obstet Gynecol 163;1049 – 1055, 1990.
las endoteliais.
14) Cordovil I. Comunicação pessoal, 2002.
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in liver: 15-29, 1999.
* Aumento do fluxo sangüíneo uterino e renal. 16) Horvath JS, Phippard A, Korde A, Henderson Smart DJ, Child A, Tiller DJ. Clonidine
Hydrocloride: a safe and effective antihypertensive agent in pregnancy. Obstet
E alguns efeitos indesejáveis tais como: Gynecol 66:634-638, 1985.
17) Vasconcelos MJA, Uso de Verapamil em gestantes hipertensas crônicas. Reper-
* Diminuição da variabilidade dos batimentos cardía- cussão no fluxo das artérias uterinas e umbilicais.Rev. Bras Gynecol Obstet 22:183,
cos fetais. 2000.
18) Mabie WC, Gouzales AR, Sibai BM, Amon E, A comparative trial of labetolol and
* Aumento da perda sanguínea no pós-parto. hydralazine in the acute management of severe hypertension complicating. Obstet
Gynecol 66 70:328-333, 1987.
* Diminuição da atividade uterina. 19) Lieberman BA, Stirrat GM, Cohen SL et al. The possible adverse effect of propronolol
on the fetus in pregnancy complicated by severe hypertension – Br J Obstet Gynecol
85:678, 1978.
Este mesmo autor sugere esquema de aplicação na 20) Broughton – Pipkin F, Furber SR, Symonds EM. Possible risk with coptopril in the
pregnancy. Lancet 1:1259, 1980.
eclâmpsia:
Sulfato de magnésio a 50%, 6 g IV lento seguido de 2 21) Duley L. The eclampsia trial collaborative group: Wich anticonvulsivant for woman
with eclampsia? Evidence from the collaborative eclampsia trial, Lancet 345: 1455-
g/h em bomba infusora. 1463, 1995.
Se houver depressão respiratória ou redução dos re-
flexos tendinosos, a aplicação de gluconato de cálcio a 10%
(10ml IV lentamente) deve ser utilizado.

PREVENÇÃO DA PRÉ-ECLÂMPSIA
Várias tentativas com uso de terapêutica, nos últimos
anos, tem sido aplicada, tais como:
* Suplementação de cálcio.
* Aspirina em baixas doses.
* Óleo de peixe.
* Antioxidantes.
* Doadores de Óxido Nítrico.
Até o momento não temos grandes estudos, bem con-
duzidos que possam garantir o efeito benéfico de qualquer
destas substâncias usadas como ação preventiva.

45
Cardiomiopatias
Editorial Laranjeiras

Insuficiência Cardíaca:
O Papel da Eco-Dopplercardiografia
e seus Aspectos Dinâmicos
Ana Cristina Camarozano*

Rio de Janeiro - RJ

RESUMO SUMMARY
O avanço tecnológico e terapêutico permitiu, dentre Advances in technology and therapy have increased
outras coisas, uma maior sobrevida das diversas the survival period of several cardiomyopathies, resulting in
cardiomiopatias, acarretando com isto um crescimento na a greater incidence of heart failure cases, a fact that has,
incidência de insuficiência cardíaca, o que se torna hoje um nowadays, become a matter of medical, economical and
fato de relevância médica, econômica e social. social relevance.
A adequada avaliação da função sistólica e diastólica, The adequate evaluation of systolic and diastolic
em adição à estimativa indireta do perfil hemodinâmico, tem function, added to indirect measures of hemodynamic profile,
se tornado extremamente importante no manejo desses has improved the management of patients with heart failure.
doentes. During the last years, Doppler echocardiography has
Nos últimos anos, a ecocardiografia com Doppler tem provided a better understanding, of diagnosis aspects,
propiciado uma melhor compreensão não só dos aspectos prognostic indices, and therapeutic management involving
diagnósticos, mas também dos índices prognósticos e do this pathology.
manuseio terapêutico que envolve essa patologia.

Palavras-chave: cardiomiopatias, função sistólica, ecocardiografia Key words: cardiomyopathy, systolic function, echocardiography

Insuficiência cardíaca é o estado fisiopatológico no qual O Ecocardiograma na Insuficiência Cardíaca


o coração é incapaz de bombear o sangue e/ou apresenta O ecocardiograma bidimensional associado ao
dificuldade no enchimento dos ventrículos para atender às Doppler pulsado, contínuo e colorido, desempenha papel
necessidades orgânicas e teciduais. Digno de nota é o fato peculiar nessa entidade, primeiramente por ser um método
de que nem sempre sua causa se deve ao comprometimento que confere praticidade, eficácia e baixo custo. Segundo,
da contratilidade miocárdica (insuficiência miocárdica). Por- por ser capaz de fornecer dados diagnósticos (IC sistólica
tanto, insuficiência cardíaca (IC) e insuficiência miocárdica ou diastólica; etiologia isquêmica, orovalvar, congênita e
não são sinônimos 1, uma vez que a IC pode ocorrer tam- outras), prognósticos (diâmetros cavitários, relação diâme-
bém por alterações no enchimento ventricular (disfunção tro/espessura miocárdica, fração de ejeção e função
diastólica). diastólica do ventrículo esquerdo)3 e, mais recentemente,
Atualmente, cerca de 15 milhões de pessoas sofrem parâmetros hemodinâmicos para guiar a terapêutica4.
de IC em todo o mundo, sendo esta patologia colocada,
pela OMS, entre as três prioridades em saúde pública para Abordagem da Disfunção Sistólica
os próximos anos.
Alguns índices obtidos pela ecocardiografia são de
Embora essa doença se equipare ao câncer e supere grande valor na prática clínica. No que diz respeito ao
a AIDS em número de mortes, os recursos aplicados na prognóstico da IC sistólica, estudos demonstraram que
pesquisa de novas terapias voltadas para a IC não passam os pacientes que apresentaram maiores diâmetros
de 25% das verbas destinadas à pesquisa do câncer. Se- sistólicos e diastólicos, bem como fração de ejeção me-
gundo os dados do SUS, cerca de 398 mil pessoas foram nor que 28% associada à relação diâmetro diastólico/es-
internadas em 2001 pela doença, das quais 26 mil evoluí- pessura miocárdica superior a 4, resultaram em uma taxa
ram para o óbito. Além disso, entre os pacientes com mais anual de mortalidade de 25%. Por outro lado, naqueles
de 60 anos, a IC é a principal causa de internação2 com que tiveram fração de ejeção superior a 28%, a taxa de
readmissões hospitalares em noventa dias entre 30% e 50%. mortalidade foi inferior a 13% no mesmo período5. Se-
gundo Packer e col.6, nos pacientes com fração de ejeção
*Médica Assistente do Departamento de Cardiomiopatias do INC
menor que 30%, e/ou classe funcional III e IV da New

46
Editorial Laranjeiras

York Heart Association (NYHA), a taxa de mortalidade em malidade e, conseqüentemente, uma função sistólica
um ano pode chegar a 50% 6. ventricular esquerda normal, que é um freqüente achado
Utilizando o Doppler através do fluxo mitral (que tra- em pacientes com idade mais avançada. Esse grupo de
duz o gradiente pressórico entre o átrio e o ventrículo es- doentes pode apresentar um quadro de IC diastólica isola-
querdos) para a obtenção de medidas da função diastólica, da como etiologia de seus problemas cardíacos. Isso ocor-
observamos não só a disfunção diastólica já esperada no re pela incapacidade do ventrículo esquerdo realizar seu
grupo de pacientes com disfunção sistólica (apesar de nem enchimento sem acarretar, com isto, um aumento anormal
sempre caminharem juntas), como também uma correspon- na pressão diastólica final do ventrículo (PD2VE) ou na pres-
dente evolução do grau dessa disfunção e a classe funcio- são média do átrio esquerdo7, ou seja, o enchimento
nal do paciente. Por exemplo, se há leve redução da função ventricular esquerdo ocorre às custas de elevadas pressões
sistólica, esperamos um padrão diastólico de déficit de rela- cavitárias.
xamento. Quando o grau de disfunção sistólica é moderado Em 1980, um estudo através do ecocardiograma aju-
ou até importante, um padrão diastólico pseudonormal é dou a mostrar que 20% a 40% dos pacientes com sintomas
esperado e, por fim, quando a fração de ejeção é menor de IC tinham uma fração de ejeção normal, e,
que 20% (grave disfunção sistólica) comumente encontra- presumivelmente, sua condição clínica era devido à insufi-
mos um padrão diastólico restritivo7. ciência cardíaca diastólica isolada13,14.
Contudo, esses parâmetros podem sofrer influências Embora essa síndrome possa estar presente em to-
extrínsecas, gerando mudanças dinâmicas no perfil das as idades, sua maior prevalência é na população idosa.
diastólico, o que pode ser de grande auxílio no manuseio Uma metanálise mostrou uma incidência global da doença
terapêutico desses pacientes. Quando nos deparamos com entre 30% e 35%, havendo, uma relação idade-dependen-
um padrão pseudonormal ou restritivo (que são indicativos te. Pacientes com idade abaixo de 65 anos tiveram uma
de elevadas pressões intracavitárias) em um paciente com incidência de aproximadamente 15%, enquanto aqueles com
leve redução de sua função global, devemos pensar em duas idade superior a 70 anos apresentaram uma incidência de
possibilidades: 1) sobrecarga de volume (que é o mais fre- sintomas por IC com fração de ejeção norma, entre 40% e
qüente), ou 2) redução acentuada da complacência 50%15,16. Esta condição está associada ao aumento da pres-
ventricular (doença arterial coronariana, diabetes, ou outra são sistólica com a idade e ao desenvolvimento de hipertrofia
cardiopatia associada). No primeiro caso, a conduta com a ventricular secundária7, alterando a relação volume/massa
administração de diuréticos deve ser benéfica, podendo re- dessa câmara cardíaca.
verter o fluxo para um padrão não-restritivo com melhoras Taffet e col.17avaliaram pacientes acima de 75 anos
sobre o prognóstico8. Em contrapartida, pacientes com mo- que foram hospitalizados por IC. Eles encontraram uma
derada e importante disfunção sistólica podem ter apenas mortalidade de 28% durante o primeiro ano de seguimento
déficit de relaxamento, que não é indicativo de elevação a partir da internação inicial. Curiosamente, a curva de
nas pressões átrio-ventriculares. Esses indivíduos, sobrevida não diferiu entre os pacientes com função
freqüentemente, têm ótima tolerância ao exercício e bom ventricular normal ou deprimida17.
prognóstico e, normalmente, não toleram o uso
É importante ressaltar que a sobrecarga volumétrica
indiscriminado de diuréticos9. O padrão restritivo fixo na
pode levar a alterações dinâmicas fisiológicas no padrão
miocardiopatia dilatada, com terapêutica otimizada, implica
diastólico. A expressiva elevação da pós-carga é outro fator
péssimo prognóstico10.
que leva a alterações no enchimento ventricular, com reper-
Pinamonti e col.11 reportaram o uso do Doppler na cussão sobre a capacidade aeróbica funcional do indivíduo.18
medida da velocidade das ondas E e A, e do tempo de
De um modo geral, pacientes que exibem a pré e pós-
desaceleração (TD) do fluxo mitral (uma medida que se re-
carga normais e ainda mantêm um TD reduzido (<140ms)
laciona com a pressão média do átrio e com a complacên-
têm pior prognóstico em uma ampla variedade de patologi-
cia ventricular esquerda), em 79 pacientes com
as cardíacas7, independente da função sistólica.
miocardiopatia dilatada e disfunção sistólica. Aqueles que
exibiram padrão de enchimento restritivo (aumento da rela- Pozzoli e col.19, utilizando nitroprussiato de sódio para
ção E/A) e marcado encurtamento no TD (<115 ms) tiveram reduzir a pré e pós-carga e, com isto, avaliar o valor prog-
classe funcional da NYHA mais elevada e maior mortalida- nóstico do padrão restritivo, observaram que o padrão
de11. Vale ressaltar que os pacientes com TD <115 ms apre- restritivo irreversível ou fixo implicou uma maior mortalida-
sentavam maiores diâmetros do átrio esquerdo e maior grau de ou necessidade de transplante de urgência quando com-
de regurgitação mitral, o que pode ter contribuído para en- parado ao grupo que não apresentou este padrão. Outro
curtar ainda mais o TD no estudo dos autores. dado relevante observado pelos autores foi o fato de a evo-
lução dos pacientes com padrão restritivo para não-restritivo
Uma outra análise feita por Xie e col.12 evidenciou maior
ter sido acompanhada de uma significativa queda na pres-
mortalidade no grupo com relação E/A > 2 e TD < 140ms
são capilar pulmonar (<18mmHg), ao contrário do que foi
em comparação com aqueles que tinham TD normal ou
visto com os pacientes que mantiveram o padrão restritivo
aumentado12.
fixo, onde a pressão capilar pulmonar (Pcap) permaneceu
elevada (>18mmHg)19.
O Ecocardiograma na Avaliação da Disfunção
Diastólica
Insuficiência Cardíaca Sistólica e Diastólica: O que
Em contraste com o substrato de dilatação e disfunção há em comum?
miocárdica usualmente visto em pacientes mais jovens,
Existem dados em comum entre essas duas síndromes
muitos indivíduos com sintomas de IC ou reduzida capaci-
(IC sistólica e IC diastólica) como demonstrado por Kitzman20.
dade ao esforço têm uma fração de ejeção dentro da nor-
Em sua análise, as alterações hemodinâmicas do exercício

47
Editorial Laranjeiras

em pacientes idosos com IC e fração de ejeção normal fo-


Referências Bibliográficas:
ram comparadas com as de pacientes portadores de IC e
disfunção sistólica. O autor demonstrou similar grau de re- 1– Braunwald E. Heart Disease. A Textbook of Cardiovascular Medicine. 5a ed. pg.394,
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nar) e medidas hemodinâmicas através da 7– Appleton CP, Firstenberg MS, Garcia MJ, Thomas JD. The Echo-Doppler evaluation
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mente adquirido na maioria dos pacientes através do diastolic filling: implication for long term prognosis [abstract]. J Am Soc
ecocardiograma transtorácico com Doppler 21. Assim como Echocardiography 10:431, 1997
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o fluxo mitral22 , o FVP mostra significante correlação com a Value of Doppler Evaluation of Mitral Flow in Patients with Chronic Heart Failure.
PD2VE e com a Pcap21,23 . Circulation 27:423, 1997
10 – Pinamonti B, Zecchin M, Di Lenarda A, ett al: Persistence of restrictive left ventricular
Índices ecocardiográficos também podem ser obtidos filling pattern in dilated cardiomyopathy: An ominous prognostic sign. J Am Coll
Cardiol 29:604, 1997
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11 – Pinamonti B, Di Lenarda A, Sinagra G, Camerini F, and the Heart Muscle Study
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excede a duração da onda A mitral é indicativa de uma by Doppler echocardiography: clinical, echocardiographic and hemodynamic
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correlacionam-se com o aumento na pressão ventricular 13 – Soufer R, Wohlgelernter D, Vita NA, et al: Intact systolic left ventricular function in
junto à sístole atrial e ao final da diástole. A fração sistólica clinical congestive heart failure. Am J Cardiol 55:1032, 1985
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elderly. N Engl J Med; 312:277, 1985
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diastolic heart failure: A epidemiologic perspective. J Am Coll Cardiol 26:1565, 1995
Pacientes em unidade de terapia intensiva também 16 – Vasan RS, Larson MG, Benjamin EJ, et al: Congestive heart failure in subjects with
foram estudados. Houve boa correlação entre a relação E/ normal versus reduced left ventricular ejection fraction : Prevalence and mortality in
A e o pico da onda E (fluxo transmitral) com a Pcap. A rela- a population-based cohort. J Am Coll Cardiol 33:1948, 1999
17 – Taffet GE, Teasdale TA, Bleyer AJ, et al: Survival of elderly men with congestive
ção E/A > 2 foi preditivo de Pcap > 18 mmHg (Valor Preditivo heart failure. Age and Ageing 21:49, 1992
Positivo [VPP]=100%). A duração da onda reversa pulmo- 18 – Warner JG, Metzger DC, Kitzman DW, et al: Losartan improves exercise tolerance
in patients with diastolic dysfunction and a hypertensive response to exercise. J Am
nar excedendo a onda A mitral foi preditiva de uma Pcap > Coll Cardiol; 33:1567, 1999
15mmHg (VPP=83%); e a fração sistólica do fluxo venoso 19 – Pozzoli M, Traversi E, Cioffi G, Stenner R, Sanarico M, Tavazzi L. Loading
pulmonar <0,4 foi preditiva de Pcap > 12mmHg manipulations improve the prognostic value of Dopper evaluation of mitral flow in
patients with chronic heart failure. Circulation 95(5):1222, 1996
(VPP=100%)25. 20 – Kitzman DW: Heart failure in the elderly: Systolic and diastolic dysfunction. Am J
Geriatr Cardiol 5:20, 1995
Mais recentemente têm surgido propostas e estu- 21 – Brunazzi MC, Chirillo F, Pasqualini M, et al. Estimation of left ventricular diastolic
dos26 sugerindo a cateterização da artéria pulmonar nesse pressures from precordial pulsed-Doppler analysis of pulmonary venous and mitral
flow. Am Heart J; 128(2):293, 1994
grupo de pacientes para guiar a terapêutica da IC avança-
22 – Stork TV, Muller RM, Piske GJ, Ewert CO, Hocherein H. Noninvasive measurement
da, cujo foco de atuação são as pressões de enchimento of left ventricular filling pressures by means of transmitral pulsed Doppler ultrasound.
ventriculares. Porém, os riscos e complicações inerentes Am J Cardiol; 64(10):655, 1989
23 – Pozzoli M, Capomolla S, Pinna G, Cobelli F, Tavazzi L. Doppler echocardiography
ao procedimento tornam o método pouco factível na nossa reliably predicts pulmonary artery wedge pressure in patients with chronic heart
prática diária. O ecodopplercardiograma, por sua vez, é um failure with an without mitral regurgitation. J Am Coll Cardiol; 27(4):883, 1996
24 – Rossvoll O, Hatle LK. Pulmonary venous flow velocities recorded by transthoracic
método seguro e não-invasivo, capaz de fornecer informa- Doppler ultrasound: Relation to left ventricular diastolic pressures. J Am Coll Cardiol;
ções hemodinâmicas acuradas. 21(7):1687, 1993
25 – Boussuges A, Blanc P, Molenat F, Burnet H, Habib G, Sainty JM. Evaluation of left
ventricular filling pressure by transthoracic Doppler echocardiography in the intensive
care unit. Crit Care Med, 30(2):362, 2002
Conclusão 26 – Shah MR, Connor CM, Sopko G, Hasselblad V, Califf RM, Stevenson LW. Evaluation
Em conclusão, na síndrome da IC, o foco primário Study of Congestive Heart Failure and Pulmonary Artery Catheterization
Effectiveness (ESCAPE): Design and rationale. Am Heart J; 141:528, 2001
deve estar voltado para o diagnóstico e tratamento das ele-
vadas pressões de enchimento intracavitárias, que são res-
ponsáveis pela sintomatologia e pela descompensação do
quadro clínico. O ecodopplercardiograma é um instrumento
poderoso nesse arsenal de dúvidas e decisões, podendo
guiar a terapêutica e exercer importante influência sobre os
resultados,. além de fornecer parâmetros sobre o estágio
em que a doença se encontra e suas devidas implicações
prognosticas.

48
Cardiopediatria
Editorial Laranjeiras

Correção Fisiológica em Cardiopatias com o


Ventrículo Direito não Funcionante
O Princípio de Fontan
Marco Aurélio Santos*, Vitor Manuel Pereira Azevedo**

Rio de Janeiro - RJ

Resumo Abstract
Os Autores analisam os resultados iniciais e tardios This article analyzes the early and late results of Fontan
da cirurgia de Fontan bem como sua evolução e os melho- surgery in the last 4 decades, pointing out that. indication for
res resultados obtidos nestes últimos anos. Chamam aten- this procedure has been changed or, in other words,
ção para a indicação do procedimento que não mais depen- “Choussat criteria” are no longer considered an absolute
de dos “critérios de Choussat”, que, na realidade, represen- contraindication. It stresses the fact that cardiopulmonary
tam fatores de risco e não necessariamente contra-indica- bypass. is responsible for acute elevation of pulmonary
ção absoluta. Focalizam a importância do “bypass” vascular resistance, and discusses the importance of
cardiopulmonar como fator desencadeante do processo in- “aprotinina” and ultrafiltration pump in pulmonary and
flamatório responsável pela elevação aguda da resistência myocardial function. The article also analyzes “fenestration
vascular pulmonar. Comentam a importância da “aprotinina” of atrial septum” as a procedure to reduce central venous
e da ultrafiltração na bomba de circulação extracorpórea pressure, as well as its closure through percutaneous
como responsáveis pela função pulmonar e miocárdica. devices. Studying fluid dynamics, the authors demonstrate
Analisam a “fenestração do septo artrial” como procedimento that the absence of turbulence is very important to achieve
alternativo na redução da pressão venosa central, bem como better pulmonary blood flow and, based on this principle,
seu fechamento por via percutânea com próteses (Rashking, they developed a new technique – total cavopulmonary
Amplatz). Demostram, através de estudos da dinâmica de surgery. Finally, they conclude that, besides the introduction
fluidos, que a exclusão da turbulência é vital na obtenção of new techniques, the basic physiology remains the same:
de um maior fluxo pulmonar, criando, com esse princípio, the systemic venous return is dissociated from the ventricular
uma nova técnica – cavo pumonar total. Por fim, concluem pump, and systemic and pulmonary resistance are in
que, apesar das diversas modificações que vêm sendo in- sequence.
troduzidos nas últimas 4 décadas. a fisiologia básica do prin-
cípio de Fontan permanece a mesma: o retorno venoso
sistêmico encontra-se dissociado da fonte de propulsão
ventricular e a resistência sistêmica encontra-se em seqüên-
cia com a resistência pulmonar.

Palavras-chave: Atresia tricúspide, shunt cavo-pulmonar bidirecional, Key words: Tricuspid atresy, bidirecional cavopulmonar shunt, complex
cardiopatias complexas cardiopathies

O procedimento de Fontan 1 foi concebido inicialmen- operatório de 176 pacientes com atresia tricúspide 3, com
te para o tratamento de pacientes portadores de atresia mortalidade de 17%. De 1981 a 1989 esses resultados so-
tricúspide. Consistia na anastomose direta do átrio direito freram alterações significativas, com queda da taxa de mor-
com a artéria pulmonar, isto é, uma conexão átrio-pulmo- talidade para 8%. Esta melhora foi conseqüente de modifi-
nar. Ao átrio direito hipertrofiado atribuía-se a fonte propul- cações nas técnicas operatórias inicialmente empregadas
sora do fluxo anterógrado. e de maiores esforços aplicados na melhor seleção de paci-
Desde o início de sua utilização, todos os esforços entes. Assim, a disfunção miocárdica e as arritmias foram
têm sido realizados no sentido de utilizar o procedimento de identificadas como causas importantes de mortalidade ini-
Fontan, principalmente em pacientes com cardiopatias com- cial e tardia. Também foram incorporados critérios
plexas, com apenas um ventrículo funcionante. hemodinâmicos mais específicos de seleção pré operatória,
como resistência arteriolar pulmonar, pressão diastólica final
Em 1985, Mair et al 2 descreveram os resultados do
ventricular esquerda e sobrecarga de volume (Qp + Qs).
procedimento de Fontan no período de 1973-1983 em 90
pacientes com atresia tricúspide com mortalidade operató- Nesse mesmo período estes autores 4 publicaram os
ria total de 12%. Subseqüentemente, relatam o resultado resultados iniciais e tardios do Fontan modificado em pacien-

*Pesquisador do Instituto Nacional de Cardiologia


**Mestre em Cardiologia – Uerj e Médico da Divisão de Cardiopediatria do INC

49
Editorial Laranjeiras

tes com morfologia de dupla via de entrada do ventrículo es- de Fontan são maiores no pós-operatório imediato. O
querdo, com mortalidade de 12,2%. A mortalidade operató- bypasss cardiopulmonar desencadeia o início de processo
ria no início da experiência desse grupo (1974-1980) em pa- inflamatório, produzindo elevação aguda da resistência
cientes com essa malformação era mais elevada (21%). vascular pulmonar. Neste momento pode ocorrer disfunção
As principais causas apontadas para essa taxa de miocárdica como resultado da resposta inflamatória ao
mortalidade nesse grupo de pacientes teriam sido a bypass cardiopulmonar. O resultado é o aumento no gradi-
hipertrofia ventricular esquerda secundária à obstrução ente transpulmonar com elevação da pressão diastólica fi-
subaórtica, o bloqueio átrio ventricular total, as arritmias nal ventricular. Mesmo com a elevação da pressão venosa
atriais e a falência miocárdica. central, o fluxo sangüíneo transpulmonar é inadequado para
a manutenção do débito cardíaco. Assim, a elevação da
Kirklin et al 5 descrevem que a hipertrofia ventricular
pressão venosa central, derrame pleural, ascite e diminui-
esquerda e a idade por ocasião da cirurgia seriam fatores
ção do débito cardíaco são achados dos pacientes com
de risco de mortalidade precoce e tardia nos pacientes sub-
Fontan não adequadamente funcionante. Nessas circuns-
metidos à cirurgia de Fontan. Os autores relataram mortali-
tâncias, várias manobras podem ser usadas na tentativa de
dade de 21% em 102 pacientes operados entre 1975 e 1985.
reduzir essas complicações no pós-operatório imediato,
A taxa de sobrevida atuarial foi de 63% em 6 anos, sem
muito embora a maioria dessas estratégias já tenham sido
nenhum óbito em 9,4 anos. A sobrevida foi maior (81%) nos
usadas inicialmente para pacientes de alto risco.
pacientes portadores de atresia tricúspide. Russo et al 6
descreveram alta taxa de mortalidade (26%) em 23 pacien- Tais estratégias são utilizadas no sentido de atenuar
tes submetidos à cirurgia de Fontan com defeitos associa- a resposta inflamatória ao bypass cardiopulmonar. Assim
dos complexos na dupla via de saída do ventrículo direito. as modificações nas técnicas de ultrafiltração na bomba de
Os achados de Humes et al 7 corroboram esses resultados, circulação extracorpórea em seguida à interrupção do
com alta taxa de mortalidade (43%) utilizando o Fontan bypass cardiopulmonar produz a remoção dos mediadores
modificado em pacientes com síndrome de asplenia ou inflamatórios, do excesso de água, levando à
poliesplenia. hemoconcentração. O resultado é uma melhora da função
pulmonar e miocárdica, diminuindo a morbidade do proce-
Em 1991, Driscoll et al 8 publicaram os resultados ci-
dimento.
rúrgicos de 352 pacientes operados no período de 1973 a
1984, com sobrevida em 10 anos de 60%. Os fatores de A “aprotinina”, um inibidor da serina, minimiza a pro-
risco analisados foram: distúrbios hemodinâmicos, dução de mediadores inflamatórios, reduzindo a resistência
malformações complexas associadas e correção dos erros vascular pulmonar após o bypass cardiopulmonar. Sua ação
da experiência inicial. é traduzida pela redução da pressão venosa central e ele-
vação da saturação arterial de oxigênio 13. Assim, não só a
Cetta et al 9 analisaram o progressivo aumento da
“aprotinina”, como também a ultrafiltração modificada, re-
sobrevida em todos os pacientes submetidos ao procedi-
duzem a resposta inflamatória ao bypass cardiopulmonar,
mento de Fontan de 1984 a 1992, quando comparados com
diminuindo a morbidade pós-operatória inicial que se segue
aqueles operados de 1973 a 1984.
aos procedimentos de Fontan e cavopulmonar bidirecional.
Atualmente, admite-se que os “critérios de Choussat”
A fenestração intra-atrial desenvolvida por Bridges et
para indicação da cirurgia de Fontan, na realidade, repre-
al 14 é uma das abordagens utilizadas para diminuir esse
sentam fatores de risco e não necessariamente contra-indi-
risco pós-operatório. Nesse período, quando a pressão ve-
cação absoluta. Assim pacientes com discreta hipoplasia
nosa central se encontra elevada em conseqüência da ele-
pulmonar, regurgitação atrioventricular ou discreta disfunção
vação temporária da resistência vascular pulmonar e da
ventricular esquerda podem ser submetidos à cirurgia de
pressão diastólica final ventricular, a fenestração permite a
Fontan com resultados satisfatórios. O sucesso operatório
passagem de sangue do átrio direito para o átrio esquerdo.
torna-se reduzido quando dois ou mais fatores de risco es-
Este shunt direito/esquerdo, através da fenestração, pro-
tão presentes. O que poderia contra-indicar a cirurgia de
duz uma redução da pressão venosa central e da pré-carga
Fontan seria uma regurgitação atrioventricular grave ou
ventricular elevada, aumentando, assim, o débito cardíaco
disfunção ventricular esquerda grave.
às custas de uma discreta insaturação sistêmica.
Em 1989, o grupo de Toronto 10 publicou os resultados
Em seguida ao período pós-operatório “agudo”, a
do estudo pós-operatório de 74 pacientes submetidos à ci-
fenestração pode ser ocluída pela via percutânea com
rurgia de Fontan, resultados que eles denominaram de “re-
próteses (umbrela ou Amplatezer) ou através de uma alça
síduo e seqüela”. Nesse grupo, a cianose esteve presente
(snare) colocada no tecido subcutâneo na porção inferior
em 13,5% dos pacientes e foi atribuída a “shunt” residual (3
da incisão 14, 15. Por outro lado, a fenestração pode perma-
pacientes), fístulas arteriovenosas pulmonares adquiridas
necer aberta se existem sinais de hipertensão venosa
(3 pacientes) e comunicações entre veias sistêmicas e vei-
sistêmica, e o estudo hemodinâmico confirma a presença
as pulmonares (1 paciente). Sinais de congestão venosa
de elevações inaceitáveis após o teste de oclusão. A utiliza-
sistêmica estiveram presentes em 6 pacientes. Em 4 paci-
ção da técnica de fenestração tem permitido a aplicação do
entes a retenção hídrica foi conseqüente à obstrução do
princípio de Fontan em pacientes de alto risco , que, preli-
conduto utilizado. Sopros orgânicos foram encontrados em
minarmente. eram considerados inoperáveis.
29 pacientes (39,2%) e distúrbios do ritmo cardíaco em 23
pacientes (31,1%). Deve-se ressaltar que os “resíduos ou Em nosso meio, Atik et al 16 publicaram recentemente
seqüelas” nem sempre foram secundários ao procedimento um elegante trabalho em que comparam os resultados ime-
cirúrgico e, sim, constituíam características anatômicas da diatos e tardios em pacientes com e sem fenestração, sub-
malformação preexistentes. metidos ao procedimento de Fontan, no sentido de testar a
eficácia desta técnica. A conclusão do estudo é que a
Os riscos que surgem após a realização da cirurgia
fenestração não melhora os resultados do seguimento inici-

50
Editorial Laranjeiras

al e tardio, tornando-se, na opinião do seu grupo, dispensá- víduos normais e indivíduos com cirurgia de Fontan. Suas
vel. Essa, no entanto, não é a experiência da Mayo Clinic 17, conclusões foram que a gravidade e a respiração exercem
que apresenta os seus resultados de um período de 25 anos influências importantes no retorno venoso infradiafragmático
com 216 pacientes. Nessa casuística, a sobrevida total foi nos pacientes com cirurgia de Fontan. Embora a gravidade
de 79%, ressaltando-se que a mortalidade operatória na exerça efeito deletério sobre o retorno venoso inferior, esse
última década foi de 2%. Na opinião dos autores, a baixa efeito encontra-se mais acentuado nos pacientes com
idade à cirurgia não teve qualquer efeito sobre a mortalida- anastomose cavopulmonar bidirecional do que naqueles com
de, pois a mortalidade tardia estava significativamente au- anastomose cavopulmonar total. Os primeiros, basicamen-
mentada naqueles pacientes operados a partir dos 18 anos te, são mediados por aumento do fluxo hepático.
de idade. Concluem os autores que o Fontan não fenestrado No sentido de testar a efetividade a longo prazo (10,2
é o procedimento adequado para pacientes com atresia ± 0,6 anos) do túnel lateral intra-atrial na cirurgia de Fontan,
tricúspide, devendo continuar a ser aplicado em função dos o grupo de Boston 22 reviu os resultados de 196 pacientes
resultados cirúrgicos e da boa qualidade de vida na fase submetidos a esse procedimento, associado ou não à
adulta. fenestração. A análise dos fatores de risco mostrou que
Em 1988, os estudos sobre a dinâmica dos fluídos esses fatores estavam relacionados aos pacientes ou ao
desenvolvidos por de Leval et al 18 demonstraram que a procedimento (óbito, falência miocárdica ou arritmias). A
exclusão da turbulência na correção de Fontan é importan- sobrevida foi de 93% em 5 anos e 91% em 10 anos. O fator
te para maior obtenção de fluxo com menor queda de pres- de risco independente foi o desenvolvimento de arritmia.
são. Esses estudos levaram à criação da correção Assim sendo, esse grupo de investigadores utiliza esse tipo
cavopulmonar total, formada pela anastomose cavopulmonar de procedimento e acredita que ele poderia servir como base
bidirecional mais um túnel intra atrial lateral que reorienta o de comparação com outras alternativas cirúrgicas.
sangue da veia cava inferior para a artéria pulmonar. Por- Outra alternativa bastante atraente nesse sentido é a
tanto a cirurgia é composta de 3 partes: 1 – anastomose criação de um conduto extracardíaco, que parece oferecer
término lateral da veia cava superior com a artéria pulmo- uma melhor função ventricular e vascular pulmonar, alem
nar direita não seccionada; 2 – construção de um túnel intra de poder ser efetuado, na maioria dos casos, sem parada
atrial com a utilização da parede posterior do átrio direito e cardioplégica e com curtos períodos de bypass
3 – uso de retalho para canulizar a veia cava inferior ao cardiopulmonar parcial normotérmico. Petrossian et al 23
orifício da veia cava superior transeccionada, que está reviram os resultados de 51 pacientes operados com idade
anastomosada à artéria pulmonar. Essas observações pa- média de 4,9 anos sem mortalidade operatória precoce e
recem demonstrar que o átrio direito não funciona como uma um óbito tardio por sangramento na reoperação. Parece que
bomba eficiente na conexão átrio pulmonar sem válvula e a vantagem desse método estaria na abordagem
que a incorporação do átrio direito na circulação poderá ser extracardíaca e na boa preservação da função ventricular e
deletéria. vascular pulmonar.
Em outro elegante estudo para o completo entendi- Entretanto nenhuma dessas abordagens utilizadas
mento da mecânica dos fluídos na fisiologia do Fontan foi (modificações da anastomose cavopulmonar) parece elimi-
realizado por Fogel et al 19 utilizando a cine-ressonância nar as disfunções precoces do nó sinusal 24.
magnética. Nos pacientes com correção cavopulmonar to-
Em estudo multicêntrico envolvendo 4 instituições e
tal, o sangue da veia cava superior é direcionado para o
31 pacientes (19,9 ± 8,8 anos), Marcelletti et al 25 analisa-
ramo direito da artéria pulmonar, e o sangue da veia cava
ram a opção de converter a conexão atriopulmonar de
inferior, para o ramo esquerdo da artéria pulmonar. Embora
Fontan com disfunção em anastomose cavopulmonar total
o volume do pulmão direito seja maior do que o do esquer-
extracardíaca. As complicações do Fontan foram: arritmias
do, uma quantidade igual de sangue chega aos dois pul-
atriais (n=20), disfunção ventricular progressiva (n=17), fe-
mões. O fluxo sangüíneo no ramo esquerdo da artéria pul-
nômenos obstrutivos (n=10), derrames (n=10), obstrução
monar é composto de quantidades idênticas de sangue pro-
de veias pulmonares (n=6), shunt residual (n=5), enteropatia
veniente da veia cava inferior e da veia cava superior, já
perdedora de proteína (n=3), regurgitação átrio-ventricular
que a contribuição do retorno venoso sistêmico total é me-
(n=3), trombo atrial direito (n=2) e estenose subaórtica (n=1).
nor do que o da veia cava superior.
O procedimento consistiu na conversão da correção átrio-
Muitas modificações vêm sendo introduzidas nessas pulmonar em anastomose cavopulmonar extracardíaca com
4 décadas desde a introdução do princípio de Fontan. Ape- um conduto não valvado da veia cava inferior para a artéria
sar dessas modificações, a fisiologia básica da circulação pulmonar direita. Ocorreram 3 óbitos; 20 pacientes encon-
de Fontan permanece a mesma, ou seja,: o retorno venoso tram-se em classe funcional I, e 7 em classe funcional II.
sistêmico encontra-se dissociado da fonte de propulsão Concluem os autores que esse tipo de procedimento pode
ventricular, e a resistência sistêmica encontra-se em série ser obtido com baixa morbidade e mortalidade. O ideal é
com a resistência pulmonar. Estudos em pacientes com que seja realizado precocemente antes da disfunção
conexão átrio pulmonar 20 ou cavopulmonar total 21 demons- ventricular irreversível.
traram que a pressão intratorácica negativa gerada pela ins-
Apesar da extensiva série de publicações envolvendo
piração garante o fluxo anterógrado na veia cava superior e
os resultados cirúrgicos de pacientes submetidos ao proce-
artéria pulmonar. Comparado com o território da veia cava
dimento de Fontan. ainda existem alguns aspectos na sua
superior, o retorno venoso infradiafragmático é influenciado
fisiologia não totalmente esclarecidos. Recentemente, em
pela gravidade, tem interações com o diafragma e é influen-
estudo utilizando o Doppler tecidual, Vogel et al 26 demons-
ciado também pela interposição do fígado entre as veias
traram que os pacientes com a cirurgia de Fontan apresen-
porta e hepática. Com o objetivo de tentar esclarecer esses
tam uma incoordenação da velocidade da parede ventricular:
parâmetros, Hsia et al 20 estudaram o efeito da respiração e
todos os pacientes apresentaram velocidade diastólica da
da gravidade no retorno venoso infradiafragmático em indi-

51
Editorial Laranjeiras

parede anterior paradoxalmente invertida. Qual seria o sig-


nificado desse achado?, questionam os autores. O trata-
mento cirúrgico das cardiopatias com apenas um ventrículo
funcional ainda representa um desafio para clínicos e cirur-
giões. Certamente haverá ainda um período de árduo tra-
balho para que se alcance, a curto e longo prazo, um está-
gio de excelência nos resultados cirúrgicos e na qualidade
de vida desses pacientes.

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52
Relato de Caso
Editorial Laranjeiras

Estabilização do Ducto Arterioso Bilateral


com Implante de Stents em Cardiopatia
Cianótica Ducto Dependente
Luiz Carlos Simões*, Paulo Sergio Oliveira**, Erika de Moura Porto***, José Geraldo Athayde****

Rio de Janeiro - RJ

Resumo: Atresia Pulmonar é uma doença cardíaca Abstract: Pulmonary atresia is a rare congenital heart
congênita rara, com circulação ducto- dependente necessi- disease with duct –dependent circulation often requiring
tando, na maioria dos casos, de tratamento clínico cirúrgico clinical and surgery treatment in newborn period to ensure
ao nascimento, visando à melhora do fluxo pulmonar para appropriate pulmonary blood flow in order to preserve life.
manutenção da vida. Apresentamos um caso clinico de We present a clinical case of pulmonary atresia treated with
atresia pulmonar com comunicação interventricular tratada palliative estabilization of (bilaterial) ductus arteriosus
paliativamente com estabilização de ductos arteriosos bila- through stent implantation.
terais com implantação de stents.

Palavras-Chave : stent; ducto arterioso; Atresia Pulmonar . Key words : stent; ductus arteriosus; Pulmonary atresia.

Introdução : A atresia pulmonar com comunicação Gasometria da admissão -


interventricular (AP-CIV) ocorre, em cerca 2% dos casos PH=7.48 /PCO2=22.7 /PO2 47.2 /HCO3=16.9 /
das cardiopatias congênitas, na infância em sua forma iso- BE=3.9/ SATO2=91.4;
lada e pode estar associada a outras cardiopatias comple-
ECG -
xas. Sua apresentação clínica geralmente se dá no período
neonatal com cianose, hipoxemia e acidose metabólica re- Ritmo sinusal, FC = 181, eixo de QRS = Ind, PR 116,
fratária quando do fechamento do ductus arteriosus, neces- QTc = 475, eixo de p +99, sobrecarga AD, RS amplas de
sitando de terapêutica imediata visando a garantir melhora V1-V3 e diminuição progressiva da amplitude de R de V1-
do fluxo pulmonar para preservação da vida ¹. Neste traba- V6 (figura 1).
lho relatamos caso de caso de uma forma complexa de AP-
CIV com artérias pulmonares não confluentes e com ductos Radiografia de tórax -
arteriosos bilaterais, tratada paliativamente com estabiliza-
Dextrocardia, ICT = 0,6cm, arco aórtico à direita, arco
ção desses ductos através de implante de stents . O suces-
médio escavado, diminuição da trama vascular pulmonar
so do tratamento proporcionou melhora da hipoxemia, sus-
(figura 2).
pensão de terapia com prostaglandina e alta hospitalar.
Ecodoplercardiograma -
Relato de caso : Recém nascido de parto vaginal, a Dextrocardia com dextroápex, situs sólitus víscero
termo, Apgar 9/10, peso de nascimento 3.155g, apresen- atrial, discordância AV, átrio D à direita conecta-se ao VE,
tou, com 1h de vida, cianose e desconforto respiratório com que se situa á direita. AE à esquerda conecta-se ao VD,
saturação periférica de 15-20%. Foi entubado e colocado que se situa à esquerda. Saída única do tipo aórtica de VD
em ventilação mecânica e iniciada infusão de prostaglandina com atresia pulmonar. Aorta ascendente dilatada. CIV am-
E1 0.01µg/kg/min e aminas simpaticomiméticas com me- pla perimembranoso com extensão para via de saída. Ca-
lhora da saturação periférica para 90%. Foi transferido para nal arterial amplo. Função ventricular preservada.
nosso hospital para esclarecimento diagnóstico e tratamen- Estudo Hemodinâmico -
to. Ao exame, o RN apresentava-se sedado em ventilação Situs sólitus, dextrocardia com dextroápex,
assistida, fascies atípica, corado, hidratado, cianótico +/4+ discordância átrio ventricular e saída única tipo aórtica
e com boa perfusão capilar periférica. Precórdio calmo, rit- (atresia pulmonar) com aorta nascendo preferencialmente
mo cardíaco regular em 2 tempos com sopro sistólico 2+/6+ de VD. Ductos arteriosos bilaterais amplos nutriam as arté-
em bordo esternal esquerdo alto, pulsos palpáveis nos qua- rias hilares direita e esquerda de forma independente. Não
tro membros de amplitude normal, pulmões limpos e fígado foram identificados os segmentos intrapericárdicos das ar-
palpável a 2 cm do rebordo costal direito. térias pulmonares direita e esquerda (figura 3).

*Chefe do serviço de Cardiologia da criança e do adolescente do INC;


**Chefe do serviço de hemodinâmica do INC ;
***Médica integrante do serviço de Cardiologia da criança e do adolescente do INC;
****Médico chefe do serviço de cardiologia do Hospital Naval Marcílio Dias

53
Editorial Laranjeiras

O paciente retornou ao centro de cuidados intensivos sada por hiperplasia intimal, podendo necessitar de
até discussão do caso em sessão clínico-cirúrgica, sendo redilatação). Os autores concluem que o uso de stents tem
então submetido a novo estudo hemodinâmico e realizada alterado significativamente os algoritmos de tratamento em
estabilização dos 2 ductus (direito e esquerdo) com stents, doenças cardíacas congênitas 6.Hernandez-Gonzalez M .et
com sucesso (figura 4). al relatam um caso de cardiopatia complexa com atresia
O paciente evoluiu com melhora importante da satu- pulmonar em que foi realizada a estabilização ductal com
ração de O2, mesmo após suspensão de PGE2, permitindo stent, com sucesso e em que, após 19 meses de segui-
desmame da prótese respiratória e recebendo alta com mento, o paciente encontra-se em boas condições clínicas.
saturação periférica de O2 de 90% em ar ambiente. com 75% de saturação 7.

Discussão : A AP-CIV e com artérias pulmonares Conclusões : O tratamento das cardiopatias comple-
não confluentes é uma forma complexa de apresentação xas ducto – dependentes representa um grande desafio clí-
dessa enfermidade, de difícil tratamento cirúrgico, principal- nico-cirúrgico. Visando diminuir a morbi-mortalidade dos
mente no período neonatal. As opções terapêuticas incluiri- pacientes, pesquisas com formas de tratamento paliativo
am a cirurgia em estágio único com unifocalização e reparo através de hemodinâmica intervencionista vêm sendo reali-
(fechamento de CIV e interposição de tubo valvado entre zadas. Porém, devido à raridade das doenças em questão
VD e AP) versus paliação com reparo em múltiplos estági- e à ampla variação anatômica entre elas, não existem, dis-
os . A complexidade do caso e dificuldade técnica com alta poníveis, grandes séries de estudos que possam definir com
morbi-mortalidade desses procedimentos no período precisão a segurança e o resultado a longo prazo desses
neonatal e a presença de ductus arteriosus bilateral am- tratamentos.
plos, nesse paciente, tornou a estabilização ductal com A literatura mundial mostra resultados divergentes em
stents uma opção de terapêutica paliativa a considerar. Esse séries pequenas. Em formas complexas, como o caso em
caso é pioneiro no Brasil neste tipo de tratamento e é des- questão, a busca de um tratamento alternativo promissor
crito, em pequenas séries, na literatura mundial, com resul- se justifica devido à alta morbi-mortalidade no tratamento
tados variáveis. Rosenthal E et al relatam os resultados a em um único tempo cirúrgico, principalmente no período
médio prazo de implante de stents em ductos arteriosos em neonatal, permitindo um planejamento posterior.. O pacien-
doze casos, os quais apresentavam- se patentes após 21 te em questão encontra-se atualmente em acompanhamento
meses, e consideram o método com alternativo para o shunt ambulatorial, com saturação periférica de 90%.
sistêmico pulmonar. Relataram casos de proliferação intimal,
sendo necessária arterectomia por cateter em 1 caso ² . Figura 1- ECG demonstrando ritmo sinusal, eixo de
Lloyd TR et al relatam a implantação de stent em ductus QRS em + 150o , sobrecarga atrial direita e diminuição pro-
arteriosus com alternativa de shunt cirúrgico em 3 filhotes gressiva da amplitude de QRS de V1 a V6 , aspectos últi-
de porco, com trombose nos 3 casos, apesar do uso de mos estes sugestivos de dextrocardia.
heparina ³. Schneider M. et al relatam o implante de stent
em ductus arteriosus em recém nascidos com circulação
ducto dependente em 21 casos de neonatos (atresia pul-
monar com septo íntegro, estenose pulmonar crítica,
hipoplasia de cavidades esquerdas). Stents Palmaz foram
implantados com sucesso nos 21 pacientes. Houve estenose
por proliferação intimal em 11 dos 13 casos, variando de 25
a 100%, com necessidade de redilatação em 5 casos. Os
pacientes com necessidade cirúrgica posterior teriam opor-
tunidade de correção em um único tempo. O follow-up va-
riou de 2 meses a dois anos e mostrou crescimento das
artérias pulmonares sem distorção de ramos, consideran-
do-se o implante de stent em DA alternativa eficiente para Figura 2 a – b
shunt aorto-pulmonar 4. Gibbs JL et al descrevem estudo
com 19 pacientes submetidos a implante de stent para ma- Radiografia de tórax
nutenção da patência ductal. Oito tinham hipoplasia de co- da internação dextro-
ração esquerdo, 10 atresia pulmonar e 1, atresia tricúspide. cardia, arco médio es-
A implantação dos stents foi bem sucedida, porém não hou- cavado e hipofluxo pul-
ve sobreviventes de longa duração. Os autores concluíram monar e pós implante
que, nas cardiopatias ducto dependentes, o procedimento dos stents, demonstra-
é de alto risco e a duração da paliação é curta.. Ressaltam, do aumento da trama
porém, que, em pacientes com ducto bilateral e ausência vascular pulmonar e à
de artérias pulmonares centrais (situação idêntica ao caso esquerda a imagem do
descrito), uma boa paliação pode ser feita. mas angioplastias stent.
repetidas podem ser necessárias para combater a
hiperplasia intimal 5.
Okubo M. e Benson. LN et al 6 destacam a ampla pos-
sibilidade de utilização de stents em cardiopediatria, inclu-
sive para manutenção de permeabilidade de arteriosus, re-
latando a raridade de complicações como fratura, migra-
ção, formação de aneurismas e reestenose (geralmente cau-
54
Editorial Laranjeiras

Figura 3 a e b – Aortografias em antero posterior demostrando ductos arteriosos nutrindo seletivamente as artérias
hilares pulmonares direita e esquerda e a ausência das artérias pulmonares intra-pericárdicas.

Figura 4 a , b , c
a- Stent posicionado em ducto prévio a sua expansão.
b- Angiografia pós implante do stent em ducto arterioso direito.

c- Angiografia pós-implante de stent em ducto arterioso esquerdo

REFERÊNCIAS :
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children and adolescent. 8 edição Baltimore 2001 The Williams and Wilkins CO.
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5. Gibbs JL. Uzun O, Blackburn ME, Wren C, Haminton JR, Watterson KG. Circurlation
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7. Hernandez-Gonzalez M, Solono S, Martinez-Sanchez A,Abundes A,Ledesma M,Alva
C.Arch Cardiol Mex 72:145-8

55
Doenças Orovalvares
Editorial Laranjeiras

Recursos Farmacológicos
na Insuficiência Mitral e Aórtica (IM e IA)
CLARA WEKSLER*

Rio de Janeiro - RJ

RESUMO
A doença reumática é a grande etiologia das lesões Summary
orovalvares no nosso meio. A partir da infecção da orofaringe Rheumatic disease is responsible for most cases of
pelo estreptococus beta-hemolítico, o paciente apresenta orovalvular lesions in our population. Patients with a previous
um processo inflamatório e imunológico levando a graus Beta-hemolitic streptococcal pharyngitis may develop an
variados de lesões orovalvares. A longo prazo, essa agres- inflammatory and immunological process leading to
são imunológica resulta em insuficiência mitral e aórtica. orovalvular lesions of different degrees of severity. This
Medidas de prevenção primária ou secundária são immunological damage may, in the long term, result in mitral
fundamentais para o controle da evolução dessas lesões, e and aortic regurgitation.
devem ser iniciadas traçando-se esquemas para a profilaxia Primary or secondary prevention strategies are fun-
de febre reumática e controle da endocardite infecciosa. damental, in order to control the evolution of these lesions,
Uma vez que as lesões já se estabeleceram, deve-se fazer and should start by. implementing prophylactic measures to
a prevenção das consequências hemodinâmicas prevent rheumatic fever and control infective endocarditis;
irreversíveis. Once the valvular lesions have set in, prevention against
Vários trabalhos demonstram a importância da “pre- their irreversible hemodynamic consequences is crucial.
venção” da disfunção contrátil do ventrículo esquerdo, do Several studies show the importance of “preventing”
aumento atrial esquerdo, da hipertensão pulmonar e dos left ventricular contractile dysfunction, increased left atrium
acidentes embólicos. volume, pulmonary hypertension, and embolitic events..
A utilização de vasodilatadores nessas lesões The use of vasodilators for the regurgitating lesions
regurgitantes pode “adiar” a disfunção ventricular esquer- may “delay” left ventricular dysfunction, specially in aortic
da, principalmente na insuficiência aórtica. regurgitation
A terapia famacológica, entretanto, não dispensa a Pharmacotherapy, however, is not an alternative for
intervenção cirúrgica. Nossa meta é determinar o momento surgery. Our goal is to determine the best moment for
da indicação cirúrgica associada à função ventricular es- indicating surgical intervention associated with adequate left
querda adequada, evitando assim o aumento da morbi- ventricular function, in order to prevent an. increase in morbi-
mortalidade nesse grupo de pacientes. mortality in this group of patients.

Palavras-chave: doença reumática, prevenção primária e endocardite Key words: Rheumatic disease, primary prevention, infective
infecciosa endocarditis

O tratamento da doença orovalvar deve ser demonstrou sucesso para evitar o progresso da doença,
direcionado visando o controle da estreptococcia, ou seja, especialmente na insuficiência aórtica, através da redução
a profilaxia primária (1).No entanto ,além da prevenção, não da pós-carga.
existe terapia específica para reverter o processo inflama-
tório e imunológico que ocorre. A meta secundária será,
Prevenção da progressão da doença orovalvar
então, a prevenção das conseqüências hemodinãmicas
irreversíveis, decorrentes das alterações anatômicas nas
1- Prevenção primária
válvulas cardíacas. Essas metas incluem: prevenção da di-
latação e disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, pre- 2- Prevenção da recorrência da febre reumática (FR)
venção do aumento atrial esquerdo, da fibrilação atrial (FA), 3- Prevenção da endocardite infecciosa (EI)
da hipertensão pulmonar e dos eventos embólicos .Tais A prevenção primária deve ser feita para o tratamento
metas podem ser conseguidas através da avaliação da faringite estreptocócica. .Pacientes com história de FR
seqüencial não invasiva e da utilização de medidas estão sob risco permanente de novos episódios levando à
farmacológicas, permitindo, então, que o momento cirúrgi- valvulite e à piora das lesões já existentes ou acometendo
co seja apontado antes que mudanças irreversíveis ocor- novas válvulas. Como a infecção estreptocócica recorrente
ram. Apenas recentemente a terapêutica medicamentosa pode ser assintomática, a prevenção secundária deve ser
feita de forma continuada. Se o paciente é portador de do-
*Chefe do Departamento de Doenças Orovalvulares do INC ença valvular estabelecida, o tempo da prevenção é longo
56
Editorial Laranjeiras

quando comparado com o de pacientes que não desenvol- evento em pacientes assintomáticos, é o resultado da pre-
veram doença valvular no curso de uma cardite (1). A pre- sença de trombo em átrio esquerdo dilatado, associado à
venção da EI deve ser feita no grupo de pacientes com es- fibrilação atrial (5).
quemas diferenciados, dependendo da situação cirúrgica
a que o paciente vai se submeter (6).
A anticoagulação
A terapia para a prevenção de acidentes embólicos é
Prevenção da Disfunção Contrátil do Ventrículo Es- feita com warfarin. Esta terapia necessita da monitorização
querdo (VE) meticulosa e da educação do paciente. No início da tera-
A resposta do VE à sobrecarga crônica de volume que pêutica com warfarin, o INR alvo deve ser estabelecido entre
ocorre na insuficiência mitral (IM) e na insuficiência aórtica 2 e 3 (5). O seu controle passa pelo tipo de alimentação e
(IA) é o aumento do tamanho cavitário. No início da doen- pela interação com outras drogas .O INR é avaliado sema-
ça, a função sistólica é normal mas, com a manutenção do nalmente no início do tratamento e a cada 4 ou 6 semanas
vício valvular, a disfunção contrátil ocorre e pode não regredir nos pacientes estáveis.
após a cirurgia cardíaca (CC).
A indicação cirúrgica é feita na presença de sintomas MEDIDAS ESPECÍFICAS PARA O TRATAMENTO DA IA e IM
de uma forma geral. No entanto, temos um grupo de paci-
entes assintomáticos que apresentam disfunção ventricular INSUFICIÊNCIA AÓRTICA (IA)
esquerda. (2). .A monitorização da função do VE é a forma Prevenção da endocardite infecciosa (EI)
ideal para detectarmos precocemente o início dessa
Pacientes com IA apresentam, particularmente, alto
disfunção nos pacientes com lesões regurgitantes crônicas.
risco de infecção. Aproximadamente 1/3 dos pacientes com
A “prevenção” do aumento da dilatação do VE e da sua
EI apresentam válvula aórtica bicúspide. Pela alta morbi-
disfunção contrátil pode adiar a CC. Isto pode ser conse-
mortalidade dessa doença, apesar da grande evolução ci-
guido através de medidas farmacológicas como, por exem-
rúrgica e do tratamento antibiótico, a prevenção é o me-
plo, na IA, através da utilização de drogas que reduzem a
lhor caminho. A higiene oral e o controle periódico são
pós-carga, o que leva à redução das dimensões do VE e,
muito importantes. A profilaxia deve ser feita com esque-
conseqüentemente, ao atraso na indicação cirúrgica. No
mas preconizados em pacientes portadores de sopros de
caso da IM, os dados são menos convincentes em termos
IA, mesmo os de pequena importância, em presença de
de drogas que alteram a evolução da doença.
válvula aórtica bicúspide ou doença reumática ao
ecocardiograma (7).
Prevenção do aumento atrial esquerdo e da
fibrilação atrial (FA)
Redução do “afterload”
O aumento atrial esquerdo e a FA complicam a evolu-
Baseado no conceito de que o aumento do “afterload”
ção clínica da doença mitral. A insuficiência mitral grave e
é uma das primeiras anormalidades na fisiopatologia da IA,
de longa duração está associada à dilatação atrial esquer-
existe um grande interesse no uso de medicamentos que o
da e, conseqüentemente, à FA (3). O aumento atrial esquer-
reduzam. Teoricamente a queda do “afterload” implica em
do e a FA também complicam, ocasionalmente, a doença
redução de stress sistólico final da parede pela redução da
aórtica em fase final, piorando de forma importante a sua
pressão sistólica do VE, diminuindo a fração regurgitante
evolução pela perda da contribuição atrial ao enchimento
pela redução da pressão retrógrada através da válvula, na
ventricular (4). Não existe terapêutica médica que possa
diástole. A redução do stress de parede e da fração
prevenir essas complicações, apesar de sabermos que a
regurgitante irão diminuir a sobrecarga de volume e pres-
intervenção cirúrgica no momento adequado previne esse
são do VE, prevenindo a progressiva dilatação do VE ou
aumento e, em conseqüência, a FA. O reparo ou a troca da
disfunção sistólica.
válvula mitral (VM) pode levar ao ritmo sinusal em um gran-
de número de pacientes. Estudos dos efeitos hemodinâmicos agudos no uso
do nitroprussiato de sódio como vasodilatador, na IA, de-
monstraram que, embora o débito não se altere, a resistên-
Prevenção da hipertensão pulmonar
cia vascular sistêmica diminui, a fração de ejeção aumenta
A elevação permanente da pressão em átrio esquer- e a fração regurgitante, consequentemente, é reduzida (8).
do associada à doença mitral resulta numa elevação pas-
Vários estudos avaliaram o efeito a longo prazo da tera-
siva da pressão pulmonar, que tende a se normalizar em
pia redutora do “afterload” na função e tamanho do VE. Os
um grupo de pacientes após a CC. .No entanto, as altera-
trabalhos foram feitos com hidralazina, inibidores da enzima
ções reativas da vasculatura pulmonar podem ocorrer as-
de conversão e nifedipina. Apesar de serem estudos peque-
sociadas à subida passiva de pressão, com alterações se-
nos, todos eles demonstraram que a redução do “afterload”
cundárias histológicas, levando à hipertensão pulmonar
leva à diminuição da extensão da dilatação e da hipertrofia,
irreversível. A intervenção antes do início dessas alterações
evitando assim a queda da fração de ejeção (9-10).
irreversíveis é aconselhada, para se evitar complicações
secundárias, tais como a insuficiência ventricular direita. Em 1994, foi publicado por LIN et al (9) um estudo
duplo cego de 76 pacientes assintomáticos com IA leve,
moderada e grave, comparando enalapril versus hidralazina
Prevenção de eventos embólicos por um período de 12 meses. No final de um ano “os paci-
A prevenção de acidentes embólicos em pacientes entes enalapril” apresentaram uma significante redução dos
portadores de FA e doença orovalvar é uma conduta defini- índices de volume sistólico e diastólico final e da massa
tiva. As conseqüências de uma embolia sistêmica são de- ventricular. No grupo hidralazina não houve alteração.
vastadoras. A embolia sistêmica, que pode ser o primeiro Ambos os regimes demonstraram redução significativa do
57
Editorial Laranjeiras

stress de parede do VE. Apenas no grupo enalapril foi al- cardíaco (16).
cançado uma inibição significativa do sistema renina- O efeito agudo da IECA é pouco conhecido: os vários
angiotensina quando comparado com o grupo hidralazina. resultados de estudos clínicos são discrepantes. Esses re-
A conclusão é que ambos esquemas reduzem o stress de sultados conflitantes podem ser explicados pelas diferentes
parede do VE. O enalapril alcança uma redução mais signi- etiologias da IM. Por exemplo, a IM da febre reumática
ficativa da regressão da massa do VE, uma redução do vo- apresenta um orifício fixo e assim não se presta a trata-
lume diastólico e sistólico do VE e uma supressão do siste- mento farmacológico, ao contrário da IM por doença
ma renina –angiotensina. O trabalho sugere que a terapia isquêmica ou cardiomiopatia dilatada. Nessas situações, a
com enalapril é favorável na influência da história natural da terapia com captopril resulta em melhora no exercício físi-
IA crônica (9). co, melhora do débito e queda do volume ventricular (17).
Também foi realizado um grande estudo com nifedipina Levine e Gaash (18) concluíram que os
e digoxina em 143 pacientes assintomáticos, portadores de vasodilatadores são mais efetivos na IM associada à dilata-
IA crônica e grave. A terapia vasodilatadora adiou o início ção do VE, à função sistólica prejudicada e à presença de
da sintomatologia e da disfunção de VE e, conseqüente- sintomas. Não existe benefício em pacientes assintomáticos
mente, do momento cirúrgico (10). e com moderada disfunção contrátil.
A partir desses dados, deduz-se que a terapia de re- Assim, a terapia com IECA deve ser individualizada.
dução do “afterload” é apropriada em pacientes com IA crô- Ela é apropriada para pacientes com IM significativa e dila-
nica e grave para prevenir o aumento da progressão do ta- tação de VE e menos apropriada em pacientes com IM
manho e da massa do VE e adiar o início dos sintomas ou moderada por envolvimento de folhetos .
a disfunção do VE. Não existem evidências convincentes de que o trata-
A escolha da terapêutica, se nifedipina ou inibidores mento “profilático” em assintomáticos deva ser realizado.
da enzima de conversão ( IECA), depende da presença de A terapia farmacológica não demonstrou prevenir ou atra-
comorbidades, como a doença arterial coronariana (DAC), sar o momento cirúrgico e não é uma alternativa à conduta
ou da tolerância do paciente. cirúrgica.
Na IA aguda, que tem como etiologia a EI, a situação Referências
é muitas vezes de difícil diagnóstico. A dificuldade se deve
1. Dajani A, Taubert K, Ferrieri P, Peter G, Shulman S:Treatment of acute streptococcal
ao fato de que aqueles sinais periféricos da IA estão au- pharyngitis and prevention of rheumatic fever :a statement for health professionals.
sentes, pois se trata de uma situação aguda. O tórax é Committee on Rheumatic Fever,Endocarditis, and Kawasaki Disease of the Council
on Cardiovascular Disease in the Young, the American Heart Association..Pediatrics
quieto, encontramos apenas uma primeira bulha apagada 1995; 96:1758-1764.
e um discreto sopro diastólico. O fechamento precoce da 2. Donovan CL, Starling MR: Role of echocardiography in the timing of surgical
VM, avaliada pela ecocardiografia, é mais um dado da IA intervention for chronic mitral and aortic regurgitation. In Otto CM, ed.: The Practice
of Clinical Echocardiography. Philadelphia: WB Saunders, 1997; 327-354.
aguda. A conduta clínica na IA aguda geralmente é inefi- 3. Pape LA, Price JM, Alpert JS, Ockene IS, Weiner BH: Relation of left size to pulmonary
caz. O uso de vasodilatadores pode piorar a hipotensão. capilary wedge pressure in severe mitral regurgitation.Cardiology 1991; 78:297-303.
Drogas vasoconstrictoras pioram a regurgitação e a con- 4. Braunwald E, Frahm CJ:Studies on Starling’s law of the heart. IV. O
bservations on the hemodynamic functions of the left atrium in man. Circulation 1961;
gestão pulmonar. O balão intra-aórtico está contra-indi- 24:633.
cado. Assim, a CC deve ser prontamente indicada. O tra- 5. Prystowsky EN, Benson DW Jr, Fuster V, et al; Management of patients with atrial
tamento clínico pode levar a uma mortalidade proibitiva, fibrillation: a Statement for Healthcare Professionals From the Subcomittee on
Electrocardiography and Electrophysiology, American Heart Association.Circulation
como de 75%, sendo que a CC reduz a mortalidade para 1996; 93:1262-1277.
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with infective endocarditis due to streptococci, enterococci, and HACEK
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Existem pelo menos dois mecanismos, a saber: I- a therapy in asymptomatic patients with chronic severe aortic regurgitation. J A M Coll
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diminuição do “preload” participa de um melhor fechamen- 11. Derval J, Goldberg S: Acute aortic regurgitation: pathophysiology and management.
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final sem alterar a fração regurgitante. No entanto, em dois in advanced congestive heart failure secondary to dilated (ischemic or idiopathic)
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me ventricular esquerdo e resistência vascular sistêmica , 1996; 41: 493-497.
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Gestão em saúde
Editorial Laranjeiras

Gerenciamento das Filas de Espera


“A pior coisa do mundo é esperar”.
“O tempo é um dos bens mais valiosos do ser humano’’.
Samuel Cogan

Lúcia Pimenta*

Rio de Janeiro - RJ

Ninguém gosta de ficar na espera. Uma linha de es- 2. Regime de chegada: volume de requisições do servi-
pera, conhecida pelos pesquisadores operacionais como fila ço
ocorre sempre que o número dos que chegam a uma insta-
3. Desistência: decisão de não entrar na fila
lação excede a capacidade do sistema de atendê-los de
imediato. Entretanto, a espera por um processo de serviço 4. Configuração: arranjo da fila
é um fenômeno quase universal: praticamente toda organi-
5. Repúdio: decisão de sair da fila
zação enfrenta o problema de filas de espera em algum
momento de sua operação. 6. Regime de serviço: disponibilidade e duração do ser-
viço e da capacidade do sistema.
A preocupação com filas de espera é uma tendência
mundial nas grandes empresas prestadoras de serviços. O 7. Disciplina da fila: regras que determinam a ordem em
serviço público evidentemente não pode nem deve andar que os clientes serão atendidos (ordem de chegada,
na contramão de todo esse processo, até porque conviver aleatório, prioridade para determinadas categorias,
com grandes filas de espera faz parte do seu cotidiano. A etc).
difícil missão de equilibrar uma oferta de serviços limitada e
uma demanda reprimida abre espaço para se tentar novas Concomitantemente ao entendimento das questões
formas de resolução de tanta desigualdade. A espera re- operacionais, a instituição deve buscar conhecer as expec-
presenta um pesado fardo no cotidiano do usuário dos ser- tativas e as necessidades dos clientes nas filas. Estudando
viços. Hoje em dia, a competitividade global exige a redu- as percepções de clientes em filas de espera, Samuel Cogan
ção desse ônus que consome parte do tempo de vida das trouxe subsídios para que as organizações nacionais pas-
pessoas, além de deixá-las tensas, ansiosas e aborrecidas. sem também a valorizar esse fato, entendendo que repre-
Sem dúvida, a instituição pública que valorizar e se preocu- sentam investimentos de baixo custo, com resultados muito
par com esses aspectos estará dando um passo à frente e convenientes quando comparados com os pesados investi-
se diferenciando no mercado. mentos do gerenciamento operacional tradicional. Essa prá-
tica permite que se atue na melhoria da satisfação do con-
O gerenciamento operacional das filas consiste em sumidor quando inclusive as ações clássicas para a redu-
racionalizar os métodos de trabalho, programando a oferta, ção do congestionamento nas filas já tiverem sido esgota-
atendendo prontamente à demanda espontânea e anteci- das e mesmo assim persistir a insatisfação do cliente. O
pando a demanda programada, minimizando, então, os cus- principal fator na espera é o tempo que o cliente percebe
tos em espera dos clientes e das instalações ociosas. O que passou na fila. Quando o serviço recebido for maior
principal objetivo do gerenciamento operacional das filas de que o serviço esperado, certamente teremos um cliente
espera é reduzir o congestionamento através de técnicas satisfeito.
tais como: aproveitamento dos horários ociosos, desloca-
mento de funcionários em horários de pique, aumento da Os pressupostos do gerenciamento das percepções
velocidade dos serviços, revisão de todos os processos, das filas de espera são claros. O cliente não deve ser mani-
redução e conhecimento dos gargalos, uso apropriado da pulado, desconsiderado nem humilhado nas filas. Ao con-
tecnologia de informação, treinamento da equipe de supor- trário, o cliente deve ser respeitado e esclarecido quanto ao
te, criação de uma triagem efetiva e muitas outras, que va- provável tempo de espera, porque filas causam ansiedade,
riam de acordo com a organização. irritação e incertezas quanto ao atendimento a ser presta-
do, e ser atendido imediatamente e com qualidade são os
Os sistemas de fila podem ser divididos em ele- pressupostos de maior peso na sua satisfação.
mentos, e as estratégias administrativas podem exer-
cer maior controle sobre um ou outro dependendo das Segundo a observação do filósofo William James,
especificidades de cada instituição: “o tédio resulta de se estar atento à própria passagem
do tempo”. Com base nessa observação, David Maister
formulou os princípios sobre o tempo de espera, resu-
1. População-cliente: de onde se originam as demandas midos abaixo:
por serviço

* Chefe da Divisão de Procedimentos Clínicos do INC


59
Editorial Laranjeiras

1. O tempo desocupado parece maior do que o tempo


ocupado.
2. A espera no pré-processo parece mais longa do que
a espera no processo propriamente dito.
3. A ansiedade faz a espera mais longa.
4. A espera incerta é mais longa do que a espera previ-
sível, finita.
5. A espera inexplicada é mais longa do que espera
explicada.
6. A espera injusta é mais longa do que espera eqüitati-
va.
7. Quanto mais valioso o serviço, mais tempo o cidadão
admite esperar.
8. A espera solitária parece mais longa do que a espera
em grupo.
9. A espera incômoda é mais longa do que a espera
confortável.
10. A espera parece mais longa para usuários recentes
ou ocasionais do que para os freqüentes.

O Serviço Público ainda é uma área caracterizada por


longas esperas. A maioria dos procedimentos públicos acar-
reta esperas que não são razoáveis, em função da própria
sistemática burocrática da tomada de decisão, tão caracte-
rística das repartições públicas. Além disso, nos depara-
mos com uma demanda que sistematicamente excede a
oferta, agravada ainda mais pela tímida política de referên-
cia e contra-referência que nos persegue no dia-a-dia. Isso
produz um impacto negativo na qualidade do serviço públi-
co. Resolver filas de esperas permanece um grande desa-
fio gerencial, entretanto minimizar a duração percebida da
espera é obrigação de cada um de nós, lembrando-nos sem-
pre que as pessoas que esperam atendimento não são ob-
jetos. São cidadãos que necessitam e desejam ter todos os
seus direitos assegurados.

Referências bibliográficas:

1. Cogan S. Gerenciando as percepções nas filas de espera: para aumentar o nível de


satisfação dos clientes. Qualitymark Ed. 1998

2. Maister DH. The Psychology of Waiting Lines em the Service Encounter . Lexington
Books/ DC. Heath 1986

3. Lovelock C, Wright L. Serviços: marketing e gestão. Ed. Saraiva 2001

60
Ponto de vista
Editorial Laranjeiras

Medicina e Filosofia

Marcio Arnaldo da Silva Gomes*

Rio de Janeiro - RJ

Resumo Abstract
O artigo propõe uma reflexão acerca dos pontos de Medicine and Philosophy
contato entre a Medicina e a Filosofia. Aborda a coincidên- This article focuses on the relationship between
cia histórica do surgimento da Medicina e da Filosofia entre Medicine and Philosophy, pointing to their common origin
os gregos da região da Jônia. Indica inovações introduzidas among the ancient Greeks from Jonia. It discusses the
pela medicina hipocrática em relação a outras medicinas innovations introduced by Hippocratic medicine, especially
antigas, particularmente os conceitos de causalidade e tem- the concept of causality and time. The article analyses the
po. Remete à origens etimológicas das palavras “curar” e origins of the words “cure” and “ponder”, stressing the
“pensar”, advertindo quanto ao importante papel desempe- important role both Medicine and Philosophy have played in
nhado tanto pela Medicina quanto pela Filosofia na civiliza- the history of Western civilization.
ção ocidental.

Palavras-chave: 1. História; 2. História da Medicina; 3. Filosofia Médi- Key words: 1. History; 2. History of Medicine; 3. Philosophy, Medical;
ca; 4. Causalidade 4. Causality

“(...); pois o perigo reside não em ser refutado, mas eram essas particularidades, que ainda hoje subsistem,
em não ser compreendido”. Immanuel Kant, Crítica da Ra- embora cada vez mais soterradas pelo tecnicismo irrefleti-
zão Pura, Prefácio à 2ª Edição, XLIII. do e a massificação, que têm transformado os doentes em
A seção Ponto de Vista do volume I, nº 1, do Editorial doenças e o médico num prático, obediente a condutas e
Laranjeiras traz uma instigante provocação de Berdj regras de cujos fundamentos são afastados pelo corre-cor-
Meguerian. Afirma ele que nossas Faculdades de Medici- re da “vida” e pela conseqüente falta de estudo tranqüilo,
na, dada a enormidade de informações a passar aos alunos de meditação, de ....pensamento.
em tempo insuficiente, deixam de ensiná-los a pensar, o Os médicos da escola de Cós trouxeram para a medi-
que poderia ser alcançado se nelas houvesse a cadeira de cina – e talvez mesmo para a ciência como um todo – a
Filosofia. noção de lei, a noção da necessidade da sucessão de um
Procurando compreender e não refutar, vemos, em fenômeno quando antes se verifica um outro fenômeno. Os
seu artigo, Meguerian abordar a questão do conflito entre o seguidores de Hipócrates introduziram a noção explícita da
valor da experiência sistematizada, objetivada e inflexível relação causa-efeito. A medicina egípcia e outras medici-
das atualmente denominadas Diretrizes Médicas ou Proto- nas tradicionais da mesma época, apesar de seu já menci-
colos ou Guidelines, e o valor do discernimento originário onado desenvolvimento, jamais alcançaram esse ponto de
da milenar atividade humana, que é a medicina. sofisticação .... filosófica ! Tão complexa é essa aparente-
mente corriqueira questão, que atravessou toda a discus-
É claro que sempre se poderá questionar se é possí-
são filosófica até alcançar o equacionamento dado por Kant
vel ensinar-se alguém a pensar e se o ensino da Filosofia
em sua Crítica da Razão Pura, cuja preparação exigiu dele
poderia cumprir tal função. Entretanto parece ser muito pro-
uma vida inteira de meditação: somente após os sessenta
vável que entre a Medicina e a Filosofia haja relações que
anos viu publicada sua obra máxima, que ecoa até hoje no
vão muito além do encontro casual. A começar pelo próprio
pensamento filosófico, dada a radical e revolucionária mu-
começo. Vamos a ele.
dança de pontos de vista que propõe para observar a natu-
Embora muitos povos antigos, como os avançados reza e o homem, e a conseqüência direta disso na solução
egípcios, tenham desenvolvido sofisticados sistemas de da questão causa-efeito.
identificação, classificação e procedimentos de conduta fren-
Essa relação entre causa e efeito, para nós, entretan-
te a doenças, a inovação grega introduzida por Hipócrates
to, ainda tão natural que sobre ela quase nunca refletimos,
na escola médica da ilha de Cós, sob a influência cultural
está na base da medicina grega e também daquela forma
da Jônia, curiosamente também berço da Filosofia, tinha
particular de pensamento que os gregos legaram ao Oci-
particularidades totalmente inovadoras. Tão importantes
dente, e que se chama Filosofia. E mais: ao se falar em

* Médico psiquiatra, integrante da Coordenação de Planejamento do INCL,


responsável-técnico pelo Arquivo Médico.

61
Editorial Laranjeiras

causa-efeito e em sucessão introduz-se necessariamente a Sugestões de leituras


noção de tempo e, com ela, a noção de permanência, de
subsistência, de extinção, de vida e de morte. Esses são Frias, Ivan Miranda. Platão, Leitor de Hipócrates. Londrina: Editora da Universidade Es-
tadual de Londrina, 2001.
temas que conhecemos bem, que dizem respeito a nós como
humanos e que são irrecusáveis para nós como médicos. Jaeger, Werner. A Medicina como paidéia. PAIDÉIA, A Formação do Homem Grego. São
Paulo: Martins Fontes, 1995: pp. 1001-1059.
Tempo, no sentido aqui compreendido, abre a possi-
bilidade de se falar em história, e do seu fundamento, a Gomes, Marcio Arnaldo da Silva. Mecânica, Medicina, Veterinária. Experimentos Men-
tais. Labirintos. O Nó Górdio, jornal de metafísica, literatura e arte. Rio de Janeiro: Editora
memória. Mais uma conquista da medicina grega da escola O Nó Górdio, dezembro de 2001.
de Cós: a história do surgimento dos sintomas no paciente
sendo propiciada de maneira sistemática pelo médico a partir Marcondes, Danilo. Iniciação à História da Filosofia – Dos pré-socráticos a Wittgenstein.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
da memória do paciente. Naquela tradição médica, a infor-
mação trazida pelo paciente é tão importante quanto a ob-
jetividade dos sinais verificados pelo profissional que dele
cuida. E por isso é preciso dar-lhe a palavra, ouvi-lo e refle-
tir sobre o que se ouviu. De novo aparece aqui a noção de
tempo, de transcurso, de não-instantaneidade, uma vez que
para ouvir e compreender o ouvido é preciso serenidade,
ponderação, disponibilidade e inteligência. Estas eram (se-
rão ainda, podemos perguntar, a partir das advertências fei-
tas por Meguerian ?) atitudes ou qualidades exigidas da-
queles médicos, as quais se estenderam a todos quantos
se pretendiam amigos da sabedoria. A audição primeiro das
queixas e em seguida de como se organizaram no tempo
os males verificados obriga o médico da escola de Cós a
uma atitude investigativa, a uma posição prudente frente
àquilo que aparece instantaneamente à sua percepção.
Tempo para reflexão, não urgência de atitudes precipitadas,
ou melhor, a atitude médica derivada da particularidade da
situação real: a percepção do tempo e não sua substituição
indiscriminada por um roldão de procedimentos irrefletidos.
Sim, talvez a Medicina tenha de novo o que aprender
com a Filosofia. E talvez tenha, ainda uma vez, alguma con-
tribuição a dar ao conhecimento e à sabedoria: até pelo
parentesco de suas finalidades máximas: na Medicina, o
curar, e na Filosofia, o pensar. Curar é cuidar, nos dizem os
dicionários; em latim, curae é cuidado, vigia, guarda. Mas a
palavra portuguesa cuidar vem do latim cogitare, que signi-
fica pensar. Pensare, em latim, por sua vez, é igual a pesar,
ponderar; pensilis significa suspenso, pendurado. Resumin-
do: cuidar, cogitar, pensar, ponderar, suspender: deixar em
suspenso. Por outro lado, o advérbio latino cur (quor) indica
pergunta, e esta supõe causa, motivo: interrogar, perguntar
“Por quê?”, deixar em suspenso. Curar, pensar, perguntar
podem ter-se originado da mesma atitude humana, do cui-
dar e do meditar.
Antes que surja a refutação sem a devida compreen-
são, deve-se deixar esclarecido que não se preconiza aqui
a transformação de cada médico ou profissional de saúde
em filósofo ou cientista. Trata-se tão somente de nos adver-
tir sobre quão valiosa é a herança que carregamos e sobre
o prejuízo civilizatório que a irreflexão e a distração para
com ela tem provocado e pode continuar provocando se
nos deixarmos docilmente transformar em meros imitado-
res de manuais, guias, scores, muitos dos quais
pretensamente científicos. “O esforço físico é alimento para
os membros e para os músculos, o sono o é para as entra-
nhas. Pensar é para o Homem o passeio da alma.”
(Das Epidemias, Livro VI)

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Editorial Laranjeiras

REGRAS PARA PUBLICAÇÃO

A Revista EDITORIAL LARANJEIRAS do Instituto Nacional de Cardiologia tem como objetivo divulgar o saber na área de Cardiologia baseando-
se na publicação de artigos originais,de revisão e atualização além de relatos de casos especiais e documentados.
Os trabalhos para publicação deverão ser enviados ao Conselho editorial da revista para apreciação e julgamento, e só serão aceitos se forem
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Os artigos poderão ser enviados em português, espanhol ou Ingles e terão como limite de extensão 20 páginas de texto para os artigos originais,
de revisão e atualização (incluindo ilustrações, tabelas e anexos);para os casos clínicos o limite é de 2 páginas, incluindo ilustrações.
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A sequência dos artigos deverá ser a seguinte:
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que identificam o conteúdo do trabalho, que devem estar contidos nos “Descritores em Ciências da Sáude (DeCS) publicada pela Bireme d) introdução
constando o objetivo do trabalho e) Casuística e Métodos constando a análise estatística utilizada f) resultados g) Comentários ou Discussão h)
Conclusões i) título, resumo e descritores em ingles (abstract e Key words) j) agradecimentos , se houver. k) referências bibliográficas e l) legenda e
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relatou...Simões, Cunha 23 ou segundo varios autores 4,5,6
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Deverão ser apresentadas ao final do trabalho e respeitando a ordem de citação do autor no texto. Tratando-se de trabalhos de colaboração deverão
ser citados até 6 autores, seguindo a expressão et al. Os títulos de periódicos deverão ser abreviados de acordo com a List of Journals Indexed in
Index Medicus, publicada no fascículo de janeiro do Index Médico de 1997.
Artigo de Periódico:Sobrenome e iniciais do prenome dos autores.Título do artigo. Título do periódico abreviado. Ano e mês abreviado: volume (n.º
do fascículo): número das páginas inicial e final. Em publicações em que as páginas são continuadas a cada volume pode-se omitir o n.º do fascículo
e o mês.Ex: Bigger JT, Fleiss JL , Steinmam RC, Rolnitzky LM , Kleiger RE & Rottman JN . Correlations among time and frequency domain measures
of heart period variability two weeks after acute myocardial infarction. Am J Cardiol 1992 ; 69: 891-898.
Volume com suplemento:
Nesse caso após o n.º do volume acrescentar (Suppl I).
Livro:
Sobrenome e iniciais do prenome dos autores. Título do livro.N.º da edição. Local da publicação:Editora, ano.
Capítulo de livro:
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publicação : Editora, ano : páginas específicas do capítulo.
Tese ou dissertação:
Sobrenome e iniciais do prenome do autor.Título (Grau acadêmico do trabalho).Local de publicação: Instituição onde foi defendida, ano.
Ex: . Pedrosa,CR. Contribuição ao estudo da etiopatogenia do distúrbio de condução e da eletrogênese na cardiopatia chagásica crônica. Efeitos de
anticorpos IgG de pacientes chagásicos crônicos na eletrogênese e no sistema de condução do coração isolado de mamíferos. Tese de Doutorado.Rio
de Janeiro: Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Rio de Janeiro,1998.
Procedimentos para publicação: Enviar os trabalhos para o Centro de Estudo do Instituto Nacional de Cardiologia, à R. das Laranjeiras, 374-12º
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