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Leonardo Vizeu Figueiredo

Direito Econômico

coleção didática jurídica


marcelo magalhães peixoto | sérgio augusto zampol pavani | coordenadores
© Leonardo Vizeu Figueiredo, 2006

Revisão Denis Marcello


Edição Pedro Barros
Direção geral Marcelo Magalhães Peixoto

F49d

Figueiredo, Leonardo Vizeu


Direito econômico / Leonardo Vizeu Figueiredo;
apresentação de Marcelo Magalhães Peixoto. - São
Paulo : MP Ed., 2006
(Didática jurídica)

Inclui bibliografia
ISBN 85-98848-36-0

1. Direito econômico - Brasil. 2. Política monetária


- Brasil. 3. Mercado financeiro - Brasil. 4. Instituições
financeiras - Brasil. I. Título. II. Série.

06-2549. CDU 346.1(81)

Todos os direitos dessa edição reservados a

MP Editora
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índice

1. introdução 9
1.1. Noções preliminares 9
1.2. Da política e do direito 10
1.3. Do direito econômico 13
1.4. Direito e economia 22

2. intervenção do estado na ordem econômica 25


2.1. Conceito de ordem econômica 30
2.2. Formas de posicionamento estatal em face da ordem econômica 31
2.3. Formas de intervenção do Estado na ordem econômica 38
2.4. Evolução da ordem econômica no direito constitucional positivo
comparado 42
2.5. Evolução da ordem econômica no direito constitucional positivo
brasileiro 43

3. ordem econômica na constituição da república federativa do brasil 47


3.1. Valores da ordem econômica 48
3.2. Princípios da ordem econômica 51
3.3. Intervenção indireta do Estado brasileiro na ordem econômica 55
3.4. Intervenção direta do Estado brasileiro na ordem econômica 70
3.5. Parcerias público-privadas 90

4. agências estatais independentes 95


4.1. Agências reguladoras 96
4.2. Agência executiva 113

5. defesa da concorrência 115


5.1. Base constitucional 119
5.2. Sistema brasileiro de proteção da concorrência 120
5.3. Finalidades 121
5.4. Composição 125
5.5. Infrações à ordem econômica 132
5.6. Do conflito de atribuições entre as autoridades concorrenciais e
os entes reguladores de mercado 139
6. sistema financeiro nacional 167
6.1. Base legal 167
6.2. Objetivos e função social 168
6.3. Instituições financeiras 170
6.4. Estrutura 171
6.5. Correção monetária 172

7. ordem econômica internacional 179


7.1. Conceito, fontes e objetivos 180
7.2. Características e princípios 181
7.3. Sujeitos 182
7.4. Integração 184
7.5. Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 186
7.6. Organização Mundial do Comércio 188
7.7. Blocos econômicos 190

8. sistema brasileiro de comércio exterior e defesa comercial 199


8.1. Conceito e objetivos 200
8.2. Estrutura do Sistema de Comércio Exterior 200
8.3. Defesa comercial 202
8.4. Infrações ao comércio exterior 207
8.5. Instrumentos de defesa comercial 209

9. bibliografia 213
apresentação

O trabalho apresentado pelo Procurador Federal Dr. Leo-


nardo Vizeu Figueiredo, além de apresentar um roteiro seguro
para o estudo do Direito Econômico, acaba abordando alguns
aspectos práticos relacionados à Administração Pública Federal
no âmbito do Direito Econômico, a saber: da Advocacia-Geral
da União, do Banco Central, da Secretaria de Direito Econômico,
do CADE, entre outros.
Tais aspectos, além de se apresentarem como um diferen-
cial no trabalho desenvolvido pelo autor, denotam, outrossim,
o grau de envolvimento e de compromisso de Leonardo Vizeu
com a disciplina por ele ministrada.
Assim, é com satisfação que apresentamos aos leitores o
volume de Direito Econômico da Coleção Didática Jurídica.

Marcelo Magalhães Peixoto


Sérgio Augusto Zampol Pavani


O orçamento nacional deve ser equilibrado. As
dívidas públicas devem ser reduzidas, a arrogân-
cia das autoridades deve ser moderada e controla-
da. Os pagamentos a governos estrangeiros devem
ser reduzidos se a nação não quiser ir à falência.
As pessoas devem novamente aprender a trabalhar
em vez de viver por conta pública.
(Marcus Tulius Cícero, Roma, 55 AC)

Nascer, morrer, renascer ainda, progredir sem-


pre. Tal é a lei.
(Epitáfio de Hippolyte Léon Denizard Rivail,
pedagogo francês)
1. introdução

1.1. Noções preliminares

Durante o processo de derrocada do modelo estatal abso-


lutista, que culminou com o nascimento do Estado democráti-
co de direito, ordem econômica e social era matéria que ficava
alheia à intervenção do Poder Público.
O Estado, até então, posicionava-se de forma absenteísta,
garantindo, tão-somente, a defesa externa, a segurança inter-
na e o cumprimento dos acordos contratuais celebrados. Isto
porque, no campo econômico, pregavam-se as idéias do libe-
ralismo, consubstanciadas na teoria da mão invisível de Adam
Smith, na qual a persecução dos interesses individuais resul-
taria no atendimento às necessidades coletivas, não havendo
necessidade de intervenção do Poder Público.
Todavia, a teoria da mão invisível somente conduzia o
mercado à realização de resultados socialmente desejáveis em
ambientes concorrencialmente perfeitos, isto é, nos mercados
onde todos os agentes econômicos estivessem em perfeita
igualdade de competição. Assim, diante das desigualdades en-
tre os competidores de mercado, houve uma seleção adversa
entre estes, fruto tanto da diferença natural de poderio econô-
mico quanto de práticas anticoncorrenciais, engendradas com
o fim de eliminar os demais agentes competidores.
Tais práticas tiveram efeitos funestos para a economia das
nações, uma vez que proporcionou a criação de diversos trus-
tes, cartéis e monopólios, que perpetraram diversos abusos
econômicos, e também para sua ordem social, tendo em vista

. Cf. SMITH, Adam. A riqueza das nações, investigação sobre sua natu-
reza e causas. São Paulo: Abril, 1983.


leonardo vizeu figueiredo

que acirrou a concentração de renda nas mãos da parcela mais


abastada, gerando uma gama inaceitável de párias socialmente
marginalizados, excluídos do processo de geração de riquezas.
Pelo breve exposto, que será mais bem esmiuçado ao lon-
go do presente trabalho, mister se fez ao Estado rever seu posi-
cionamento em face de sua ordem econômica e social, saindo
de uma postura de inércia, a fim de adotar um posicionamento
mais ativo de intervenção, e, assim, garantir equilíbrio e har-
monia econômicos, para que o mercado, diante da interferên-
cia do Poder Público, atingisse metas socialmente desejáveis
para o desenvolvimento da nação.
Desse modo, positivou-se, no plano constitucional, ordem
econômica e social como normas materialmente constitucionais,
legitimando, no plano infraconstitucional, leis de intervenção
pública na economia e de garantia de direitos no campo social.

1.2. Da política e do direito

A vida em sociedade é indispensável à sobrevivência do


homem, enquanto ser sociável que é, uma vez que, individual-
mente, não teria como suprir todas as suas necessidades.
A convivência em um meio comum pressupõe a busca de
interesses gerais que atendam às necessidades coletivas, bem
como a persecução das expectativas individuais. Assim, toda
a aglomeração de indivíduos, em que pese objetivar o atendi-
mento dos anseios comuns (bem-estar social), gera zonas de
atritos entre os diversos interesses individuais presentes, que
muitas vezes se revelam antagônicos e colidentes.
O estudo da reunião de pessoas em torno de uma mesma
base territorial para atendimento de suas necessidades origi-
nou-se com a filosofia grega, a partir do conceito de polis. Esta

. BILLIER, Jean-Cassien; MARYIOLI, Aglaé. História da filosofia do di-


reito. Trad. Maurício de Andrade. São Paulo: Manole, 2005.

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direito econômico

representa o ambiente no qual os indivíduos convivem e bus-


cam a realização de seus interesses, seja em caráter coletivo ou
para fins meramente pessoais.
A fim de garantir a persecução de tais interesses, os pen-
sadores helenos conceberam a política como a arte da defesa
e do atendimento das necessidades coletivas e dos anseios in-
dividuais; isto é, a arte de se administrar o consenso e har-
monizar o dissenso social. Para tanto, mister se fez garantir a
todos voz participativa e representatividade individual perante
a coletividade.
Na constante busca das necessidades gerais e individuais,
deve-se estabelecer um conjunto de normas, permeadas de va-
lores éticos, morais, científicos, entre outros, visando garantir o
respeito às pessoas e suas opiniões, evitando que a colisão de
interesses antagônicos gere conflitos violentos e irracionais.
Para tanto, os valores constantes na norma, que representa
o código de conduta daquilo que a sociedade considera como
padrão de comportamento íntegro, correto e direito, a ser por
todos respeitado, devem gozar de proteção especial, cuja inob-
servância acarreta aplicação de sanção por parte do coletivo.
A este conjunto de normas dotadas de observância obri-
gatória, coercitivamente impostas, que representam o compor-
tamento-padrão coletivo a ser seguido pelo indivíduo, para se
garantir a pacificação na persecução de seus interesses, deno-
mina-se direito.
Da aglomeração de pessoas em torno da polis nasceu a
política, como forma de se assegurar a sobrevivência coletiva
dos indivíduos. Por sua vez, da arte política, isto é, da arte da
procura do atendimento dos anseios e expectativas do coletivo
e do indivíduo, nasceu o direito.
O direito, enquanto ciência social, é gerado, destarte, em
função da necessidade que o homem tem de viver em socieda-
de, uma vez que não se pode conceber a vida em coletividade
sem a existência de um certo número de normas reguladoras
entre os indivíduos.

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Nem todas as relações sociais são objeto de estudo pelo


direito, mas tão-somente as relações jurídicas lato sensu, isto é,
as relações decorrentes de um vínculo jurídico, oriundo de uma
das fontes obrigacionais do próprio direito (a saber, lei, contra-
tos, usos e costumes, promessas unilaterais de vontade, etc.).
O direito, partindo-se de um conceito objetivo, derivado
de nossa herança romano-germânica, é o conjunto de normas
coercitivamente impostas pelo Estado com o fim de promover
a pacificação e a harmonização da sociedade. Por sua vez, no
plano subjetivo, o direito é a faculdade que o indivíduo tem
de invocar a seu favor o amparo legal para defender seu patri-
mônio jurídico, quando violado ou ameaçado por outrem. Na
lição romana é o facultas agendi. O titular do direito subjetivo
exerce-o, via de regra, sobre o patrimônio jurídico de outrem,
isto é, o exercício deste direito implica em dever e obrigação
para com terceiro.
Já o direito potestativo trata-se de um direito potencial-
mente existente, cujo nascimento depende da manifestação vo-
litiva exclusiva de seu titular. Diante disso, o direito potestativo
não se encontra atrelado ao cumprimento de uma prestação
por parte de outrem. Seus efeitos patrimoniais somente irão
acontecer após a exteriorização de vontade do sujeito, poden-
do, ou não, ter reflexos sobre terceiros.
Segundo Rudolph Von Jhering, jurisfilósofo alemão, ado-
tando-se um conceito de caráter subjetivo, o direito pode ser
visto como um complexo de condições existenciais da socie-
dade, asseguradas de forma imperativa pelo Poder Público, a
fim de que os indivíduos possam exercê-las quando se fizer
necessário.
Em suma, podemos definir o direito como o conjunto de
normas das ações humanas na vida social, estabelecidas por
uma organização soberana e impostas coativamente à obser-
vância de todos.
Enquanto ciência social aplicada, o direito é uno per si,
não havendo que se falar em qualquer segregação em seus

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direito econômico

campos de estudo. Todavia, a clássica separação do direito em


público e privado é oriunda do modelo de reconfiguração es-
tatal que resultou no aparecimento do Estado democrático de
direito, pautado nas idéias de Thomas Hobbes, somadas ao
pensamento de John Locke, dois grandes pensadores que pri-
meiramente apontaram para a necessidade de contenção da
autoridade pública em face do cidadão, consagrando o regime
de proteção do domínio privado e das liberdades individuais.
O direito privado é aquele que regula as relações jurídicas
entre membros da sociedade civil, sejam pessoas naturais ou
jurídicas, tendo em vista o interesse particular dos indivíduos
ou a ordem privada. Por sua vez, direito público é o que disci-
plina as relações jurídicas de cunho transindividual, focando-se
nos interesses público, difuso e coletivo, isto é, os interesses
sociais e estatais, tratando dos interesses individuais de forma
reflexa.

1.3. Do direito econômico

1.3.1. Evolução histórica

O surgimento do direito econômico como ramo do direi-


to é relativamente recente. Isto porque, durante muito tempo,
após a consolidação do modelo de Estado democrático de di-
reito, o ideário do liberalismo econômico prevalecia, fato que
mitigava e, não raro, anulava a legitimação do Poder Público
para interferir no processo de geração de riquezas da nação.
Os primeiros atos normativos que versavam sobre maté-
ria econômica tratavam basicamente de coibição à prática de
truste (merece destaque o Decreto de Allarde, na França, em
1791). Todavia, a legislação antitruste de combate à concen-
tração de empresas, à imposição arbitrária de preços, dentre
outras infrações à ordem econômica, somente foi sistematizada
na América do Norte, por meio da edição do Competition Act,

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em 1889 no Canadá, e do Sherman Act, no ano de 1890 nos


Estados Unidos.
Nos primórdios, o direito econômico era sinônimo de di-
reito antitruste. Todavia, em virtude do acirramento das dispu-
tas comerciais e das desigualdades sociais, oriundos dos efeitos
excludentes do capitalismo liberal, restou patente a necessidade
de intervenção do Estado na área econômica, para garantir a
salutar manutenção de seus mercados internos e da pacificação
externa, e no campo social, a fim de se estabelecer políticas pú-
blicas de redistribuição de rendas e de inclusão social. Isto por-
que a experiência liberal conduziu a ordem econômica e social:
à concentração monopolística de poderio econômico nas mãos
dos grandes conglomerados empresariais, por meio da exclusão
de mercado dos médios e pequenos competidores, resultando
na quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929; às
disputas bélicas externas que culminaram em dois grandes con-
flitos mundiais; e à marginalização e exclusão social de todos
os menos abastados, que, por qualquer razão, encontravam-se
excluídos do processo de labor diário de geração de renda.
Assim, no campo do direito constitucional comparado,
podemos destacar que a primeira constituição legada ao mun-
do que tratava de matéria econômica foi a Carta Política do
México de 05.2.1917. Esta Constituição foi a primeira a dispor
sobre propriedade privada, tratando das formas originárias e
derivadas de aquisição da propriedade, abolindo, ainda, seu
caráter absoluto para submeter seu uso, incondicionalmente,
ao interesse público, originando o princípio da função social
da propriedade, fato que serviu de sustentáculo jurídico para a
transformação sociopolítica oriunda da reforma agrária ocorri-
da naquele país e a primeira a se realizar no continente latino-
americano. Nitidamente influenciada pela legislação antitruste
norte-americana, combatia o monopólio, a elevação vertical de
preços e qualquer prática tendente a eliminar a concorrência.
Todavia, a ordem econômica e social somente ganhou sta-
tus de norma materialmente constitucional com a Constituição

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direito econômico

alemã de 11.8.1919 (Weimar), que foi a primeira a abandonar


a concepção formalista e individualista oriunda do liberalis-
mo do século XIX para se ocupar da justiça e do social, es-
tabelecendo que a “ordem econômica deve corresponder aos
princípios da justiça, tendo por objetivo garantir a todos uma
existência conforme a dignidade humana. Só nestes limites fica
assegurada a liberdade econômica do indivíduo” (art. 151). Ou-
trossim, deu maior relevância à função social da propriedade,
ao declarar que ela cria obrigações ao seu titular e que seu uso
deve ser condicionado ao interesse geral (art. 153). Rompendo
os cânones do direito individualista, a Constituição conferiu ao
Estado competência para legislar sobre socialização das rique-
zas naturais e as empresas econômicas (art. 7º, § 13).
Assim, depreende-se que o nascimento do direito econô-
mico deu-se diante da necessidade de se normatizar um con-
junto de princípios e regras que disciplinassem o processo de
intervenção do Estado na ordem econômica e social.

1.3.2. Conceito

Após a análise de sua evolução histórica, podemos con-


ceituar o direito econômico como o ramo de direito público
que disciplina as formas de interferência do Estado no proces-
so de geração de rendas e riquezas da nação, com o fim de
direcionar e conduzir a economia à realização e ao atingimento
de objetivos e metas socialmente desejáveis.
Já nos manifestamos assim em obras anteriores:

Assim, podemos conceituar o direito econômico como o


ramo do direito público que disciplina a condução da vida econô-
mica da Nação, tendo como finalidade o estudo, o disciplinamento
e a harmonização das relações jurídicas entre os entes públicos
e os agentes privados, detentores dos fatores de produção, nos
limites estabelecidos para a intervenção do Estado na ordem eco-
nômica. Outrossim, podemos conceituar, subjetivamente, o direito

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econômico como o ramo jurídico que disciplina a concentração


ou coletivização dos bens de produção e da organização da eco-
nomia, intermediando e compondo o ajuste de interesses entre
os detentores do poder econômico privado e os entes públicos.
Podemos definir, ainda, objetivamente o direito econômico como
o conjunto normativo que rege as medidas de política econômica
concebidas pelo Estado para disciplinar o uso racional dos fatores
de produção, com o fito de regular a ordem econômica interna
e externa.

É ramo do direito público, uma vez que disciplina as rela-


ções jurídicas travadas pelo Poder Público em face dos agentes
econômicos privados que atuam e operam no mercado. Toda-
via, conforme veremos adiante, trata-se de ramo eclético do
direito, uma vez que é fortemente permeado de institutos do
direito privado, por disciplinar atividades típicas do particular.

1.3.3. Objetivos

A intervenção do Estado na ordem econômica somente se


legitima na realização do interesse público. Em outras palavras,
somente há que se falar em interferência do Poder Público no
processo de geração de riquezas da nação quando esta se der
nos interesses do povo, a fim de garantir a persecução do bem-
estar social.
No que tange à nossa atual Constituição, perfazendo-se
uma exegese sistemática dos dispositivos que disciplinam a
Constituição Econômica, seja em sentido material ou em senti-
do formal, depreende-se que a interferência do Poder Público

. Por fatores de produção podemos entender todo o aparato à disposição


do homem para criar bens necessários e úteis à vida em sociedade.
. Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
. Por Constituição Econômica formal entende-se as normas positivadas
no Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”. E por Constituição
Econômica em sentido material entende-se toda e qualquer norma

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direito econômico

na vida econômica da nação somente se justifica quando visa


colimar fins maiores de interesse coletivo, mormente o atendi-
mento das necessidades da população.
Nessa linha, vale transcrever, por ilustrativo, os seguintes
artigos da Carta Política de outubro de 1988:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do


trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios: [...]

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de for-


ma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir
aos interesses da coletividade, em todas as partes que o com-
põem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por
leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação
do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e


será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural
e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia
tecnológica do País, nos termos de lei federal.

Por óbvio, uma vez que a República do Brasil adota a


livre-iniciativa como princípio fundamental e valor da ordem
econômica, a interferência do Poder Público na economia da
Nação somente se justifica quando objetivar a persecução de
interesses sociais maiores, tais como os objetivos fundamen-
tais, positivados nos incisos do art. 3º da CF.
Assim, o direito econômico tem por fim a realização das me-
tas de transformação social e maximização do desenvolvimento
da Nação brasileira.

positivada pelo legislador constituinte de nítido conteúdo econômico


(por exemplo, art. 219).

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1.3.4. Autonomia

O direito enquanto ciência é uno e indivisível. A segrega-


ção em ramos jurídicos se dá, tão-somente, para fins didáticos
de estudos científicos. Um ramo jurídico somente é considera-
do autônomo quando possui princípios próprios que orientam
sua produção normativa, legando-lhe um ordenamento jurídico
peculiar, independente da produção legislativa de outros ramos
do direito.
A atual Constituição da República Federativa do Brasil
consagra competência legislativa concorrente da União, Esta-
dos e do Distrito Federal sobre normas de direito econômico, a
teor do art. 24, I, estabelecendo, ainda, uma série de princípios
explícitos, regedores de sua ordem econômica, nos nove inci-
sos do art. 170.
Destarte, podemos afirmar que, no direito pátrio, o direito
econômico encontra-se com plena autonomia jurídico-científica.

1.3.5. Características

O direito econômico caracteriza-se, precipuamente, pela


influência do Estado nas relações socioeconômicas, atuando
com prevalência sobre a autonomia de vontade das partes para
regular a atividade econômica. Podemos, portanto, destacar as
seguintes especificidades do direito econômico:
a) recenticidade: é um ramo do direito novo, recente, que
teve sua gênese com o intervencionismo econômico (teoria
moderna econômica – macroeconomia), com o fito de discipli-
ná-lo e regrá-lo. Portanto, sendo um ramo científico do direito
ainda em formação, fica sujeito às constantes influências e mu-
danças que ocorrem no dinâmico mercado econômico;

. Cf. MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito econômico. 3. ed. Coimbra:


Coimbra, 2000. p. 59-63; FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de
Direito Econômico.

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direito econômico

b) singularidade: é um ramo jurídico próprio para o fato


econômico característico de cada país, não havendo, comu-
mente, um conjunto de regras para norteá-lo, como ocorre com
outros ramos do direito, tais como o civil e o penal;
c) mutabilidade: suas normas são sujeitas a constantes
mudanças de ordem política e econômica, havendo tendência
de curta vigência no que se refere a seus diplomas legais. Daí
decorre uma produção normativa abundante e constante, sen-
do mister não se sujeitar seu disciplinamento apenas ao crivo
do Poder Legislativo, outorgando-se grande parcela de compe-
tência normativa ao Executivo, ante a especificidade do tema e
a celeridade de soluções que seus conflitos exigem;
d) maleabilidade: dada a necessidade de farta produção
normativa, os estatutos de direito econômico não devem ficar
presos e atados unicamente às espécies normativas próprias do
Legislativo para terem vigência e eficácia. Muitas de suas nor-
mas, em que pese retirarem fundamento de validade da lei,
devem ser produzidas por mecanismos mais céleres, próprios
do Executivo, a fim de disciplinar os fatos econômicos e a dinâ-
mica de mercado;
e) ecletismo: apesar de ser ramo do direito público, o
direito econômico mescla valores e princípios do direito pri-
vado. Isto porque, dentro de um posicionamento estatal re-
gulador ante a ordem econômica, o Poder Público assume
postura mais direcionadora, normatizadora e fiscalizadora
da ordem e dos agentes econômicos, procurando abster-
se de empreender dentro da atividade econômica. Destar-
te, deve orientar sua normatização não somente dentro dos
princípios de direito público, mas também no direito priva-
do, de maneira a viabilizar a atividade econômica do agente
privado;
f) concretismo: o direito econômico disciplina os fenôme-
nos socioeconômicos concretos, visceralmente vinculado aos
fatos históricos relevantes ao Estado e aos indivíduos.

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1.3.6. Princípios gerais

O direito é um conjunto de normas de conduta, entenden-


do-se estas como os valores axiológicos juridicamente prote-
gidos que fundamentam o ordenamento legal. Por sua vez, as
normas se dividem em duas espécies: os princípios e as regras.
Os princípios são a viga mestra do direito, sendo coman-
dos gerais dotados de alto grau de abstração, com amplo cam-
po de incidência e abrangência, que orientam a produção do
ordenamento jurídico. Em razão de seu maior campo de am-
plitude, os princípios admitem maior flexibilização às situações
sociais, quando da aplicação da literalidade do texto da norma
aos casos concretos. Da mesma forma, as regras são coman-
dos aplicáveis em um campo de incidência específico, com
elementos próximos ao direito comum, capazes de investir um
indivíduo na titularidade de direitos subjetivos. O comando
normativo da regra aplica-se no campo de ação individual de
cada pessoa, sendo mais restrito na realização de seus obje-
tivos, não admitindo tamanha amplitude e flexibilização por
parte do operador do direito.
Assim, podemos verificar que a distinção entre princípios
e regras encontra-se em seu grau de abstração. Princípios e
regras concretizam-se à medida que vão sendo positivados no
texto legal, ganhando, assim, compreensão cada vez maior.
Os princípios gerais do direito econômico são fundados,
norteados e permeados, concomitantemente, em valores de di-
reito público e de direito privado, dado o ecletismo que carac-
teriza este ramo jurídico, outorgando aos referidos princípios
traços próprios e específicos que os distinguem de sua aplica-
ção em outros ramos do direito.

1.3.6.1. Princípio da economicidade


É oriundo do direito financeiro, com previsão expressa
no art. 70, caput, da CF. Todavia, a aplicação deste princí-
pio no direito econômico deve ser precedida de um exercício

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direito econômico

sistemático de hermenêutica constitucional, a ser norteada e


permeada pelo ecletismo de valores do direito privado que
caracterizam este ramo jurídico. Interpretando-se sistematica-
mente o art. 70, caput, combinado com o art. 3º, II, art. 170,
caput, e art. 174, caput, todos da CF, sua exegese nos remete
que a economicidade, sob o direito econômico, significa que o
Estado deve focar suas políticas públicas de planejamento para
a ordem econômica em atividades economicamente viáveis,
tanto a curto quanto a longo prazo, garantido, assim, o desen-
volvimento econômico sustentável e racional do País.

1.3.6.2. Princípio da eficiência


É oriundo do direito administrativo, com previsão expressa
no art. 37, caput, da CF, sendo aplicado no direito econômico me-
diante exegese sistêmica do referido dispositivo com as previsões
contidas no art. 170 e incisos da CF, mormente a livre-iniciativa
e a livre concorrência. Assim, no campo do direito, determina
que o Estado, ao estabelecer suas políticas públicas, deve pautar
sua conduta com o fim de viabilizar e maximizar a produção de
resultados da atividade econômica, conjugando os interesses pri-
vados dos agentes econômicos com os interesses da sociedade,
permitindo a obtenção de efeitos que melhor atendam ao interes-
se público, garantido, assim, o êxito de sua ordem econômica.

1.3.6.3. Princípio da generalidade


Confere às normas de direito econômico alto grau de ge-
neralidade e abstração, ampliando seu campo de incidência ao
máximo possível, a fim de possibilitar sua aplicação em relação
à grande multiplicidade de organismos econômicos, à diversi-
dade de regimes jurídicos de intervenção estatal, bem como
às constantes e dinâmicas mudanças que ocorrem no merca-
do. Isto porque o ordenamento de direito econômico deve ser
capaz de se adaptar às alterações mercadológicas de maneira
célere, garantido a eficácia de sua força normativa, como ins-
trumento disciplinador do fato econômico.

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leonardo vizeu figueiredo

1.4. Direito e economia

Economia é a ciência que estuda a forma pela qual os in-


divíduos e a sociedade interagem com os fatores de produção,
integrando-os em um ciclo econômico (produção, circulação e
consumo). Trata dos fenômenos relativos a produção, distribui-
ção e consumo de bens.
Microeconomia é a teoria clássica econômica, baseada nas
unidades individuais da economia (liberdade individual nas re-
lações jurídico-econômicas), focando-se, tão-somente, em cada
agente econômico.
Macroeconomia ou economia política é a moderna teoria
econômica, que teve origem com o processo de intervenção do
Estado na economia, focando-se no funcionamento do fenôme-
no econômico em caráter coletivo, como um todo.
Conforme o magistério de Carlos Maximiliano, “não pode
o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de aten-
der às outras manifestações da vida social e econômica. [...] As
mudanças econômicas e sociais constituem o fundo e a razão
de ser de toda a evolução jurídica; e o direito é feito para tra-
duzir em disposições positivas e imperativas toda a evolução do
igualitarismo” (grifamos).
A clássica doutrina econômica é fortemente permeada no
pensamento de Adam Smith, cuja teoria da mão invisível par-
tia do pressuposto de que os negócios jurídicos realizados no
mercado, em condições perfeitas de competição, resultam na
satisfação dos interesses coletivos da sociedade, mesmo que os
agentes ajam, tão-somente, em interesse individual e próprio.
Por sua vez, a moderna doutrina econômica segue novas
tendências de pensamentos, mormente a teoria dos jogos, de-
senvolvida pelo matemático suíço John Von Neumann no início
do século XX, que analisa a forma como agentes econômicos

. Hermenêutica e aplicação do direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense,


1997. p. 157-9.

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direito econômico

ou sociais definem sua atuação no mercado, considerando as


possíveis ações e estratégias dos demais agentes econômicos.
Vale ressaltar o pensamento do economista, ganhador do
Prêmio Nobel, John Nash, que aprofundou os estudos de equi-
líbrios entre os agentes econômicos, mormente em relação à
aplicação da Teoria dos Jogos em ambientes não cooperativos.
Denomina-se “Equilíbrio de Nash” a solução para determinado
mercado competitivo no qual nenhum agente pode maximizar
seus resultados diante da estratégia do outros agentes.
Destarte, pela conceituação acima delineada, resta claro
que o direito econômico interessa-se pelos fenômenos macroe-
conômicos, focando seu estudo nas relações jurídicas oriundas
da intervenção do Estado no controle e condução da utilização
racional dos fatores de produção por parte de seus detentores.
Assim, o direito econômico visa, com a condução da política
econômica, alcançar e realizar os interesses coletivos e trans-
individuais objetivados pelo Estado.

. Ver, a respeito da teoria dos jogos: BAIRD, Douglas G.; GERTNER,


Robert H.; PICKER, Randal C. Game Theory and the Law. Cambridge:
Harvard University Press, 1998.
. SAMUELSON, Paul A.; NORDHAUS, William D. Economia. Rio de
Janeiro: Mcgraw-Hill, 1999. p. 199.

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