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Análise Crítica de Modelos de Ampacidade para


Condutores Especiais
A. A. P. Silva, UFPE, e J. M. B. Bezerra, UFPE

Longa Duração das Linhas Aéreas de Transmissão [6], a qual


Resumo— Neste artigo é realizada uma análise comparativa fundamenta toda a modelagem de cálculo utilizada na
entre os modelos de ampacidade em regime permanente de resolução 191 da ANEEL para determinação das capacidades
House e Tuttle, Morgan, CIGRÉ e IEEE visando subsidiar os operativas das LTs [7]. Esta nota recomenda a utilização do
cálculos da capacidade operativa de longa duração de linhas
Modelo do CIGRÉ devido a sua simplicidade de aplicação e
aéreas de transmissão (LTs) que utilizam condutores especiais.
As comparações entre os modelos são feitas a partir das parcelas aderência com o Modelo de Morgan para velocidades de
de calor que compõem a equação de equilíbrio térmico do vento superiores a 0,5 m/s.
condutor com enfoque voltado para a operação de LTs a altas Admitindo certas simplificações, os resultados obtidos atra-
temperaturas. Embora a resolução 191 da Agência Nacional de vés dos modelos de House & Tuttle, Morgan, CIGRÉ e IEEE
energia Elétrica (ANEEL) recomende a utilização do modelo do são praticamente os mesmos para as temperaturas usuais de
CIGRÉ para estudos de ampacidade, os resultados apontam que
projeto. A escolha de qualquer um dos modelos citados seria
o modelo do IEEE se apresenta mais consistente para avaliações
do comportamento térmico de condutores especiais. admissível nestas condições. Com o advento dos condutores
capazes de trabalhar a altas temperaturas, também conhecidos
Palavras-chave--Linhas aéreas de transmissão, ampacidade, como condutores especiais, torna-se necessário verificar qual
condutores especiais, equação de equilíbrio térmico. modelo é mais adequado para esta nova condição de operação.
Neste artigo são realizados estudos comparativos entre os
I. INTRODUÇÃO modelos de House & Tuttle, Morgan, CIGRÉ e IEEE, com

O primeiro modelo de ampacidade para regime permanente


baseado na equação de equilíbrio térmico do condutor foi
publicado em 1956 por House e Tuttle. Esse modelo considera
enfoque voltado para operação das linhas aéreas de transmis-
são a altas temperaturas.
Inicialmente será descrita a equação de equilíbrio térmico
o ganho de calor (por efeito Joule, corona, perdas magnéticas, do condutor e apresentado os modelos de ampacidade citados.
aquecimento solar) igual à quantidade de calor dissipado (por Em seguida são feitas as comparações entre os modelos a
convecção, radiação e evaporação) [1]. Esse modelo relaciona partir das parcelas de calor que compõem a equação de
a ampacidade com as características físicas e elétricas do cabo equilíbrio térmico do condutor. Por fim são apresentadas as
e com as condições ambientais da região, em que ele está inse- avaliações dos resultados obtidos.
rido, consideradas constantes, possibilitando determinar a dis-
tância mínima entre o cabo e o solo. Seguiram-se outros mo- II. EQUAÇÃO DE EQUILÍBRIO TÉRMICO
delos baseados na equação de equilíbrio térmico, entre os A ampacidade de uma linha de transmissão depende dos
quais se destacam o modelo de Morgan [2], do IEEE [3] e do parâmetros meteorológicos da região em que ela está inserida,
CIGRÉ [4]. da máxima temperatura permitida, das condições superficiais e
No cenário nacional, a NBR 5422 não estabelece a utiliza- das propriedades dos materiais que constituem o condutor. Se
ção de nenhum modelo de ampacidade específico. Visando o os parâmetros atmosféricos que influenciam o estado térmico
emprego de um único modelo em território nacional, a Agên- do condutor puderem ser assumidos constantes por um
cia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) solicitou ao determinado período e, considerando a carga elétrica
Operador Nacional de Sistemas (ONS) o desenvolvimento de constante, então a temperatura do condutor não variará
uma metodologia para determinar a capacidade operativa de significativamente. Nesta situação o calor absorvido pelo
longa duração de linhas aéreas de transmissão. Esta condutor é equilibrado pelo calor dissipado pelo mesmo, essa
metodologia foi apresentada na Nota Técnica 028/2004- condição térmica é definida como regime permanente [4]. A
SRT/ANEEL [5] e recebeu críticas severas em uma audiência equação de equilíbrio térmico pode ser escrita como:
pública realizada em 2005. Após intensas discussões foi Q J + QM + QS + QCOR = QC + QR + QE (1)
emitida, no mesmo ano, a Nota Técnica nº 038/2005 –
SRT/ANEEL Anexo A – Cálculo da Capacidade Operativa de Onde:
QJ calor ganho devido ao efeito Joule [W/m];
A. A. P. Silva é doutorando do PPGEE da Universidade Federal de Per- QM calor ganho devido ao efeito magnético [W/m];
nambuco (e-mail: alexsandro111@yahoo.com.br).
J. M. B. Bezerra trabalha na Universidade Federal de Pernambuco (e-mail: QS calor ganho devido ao aquecimento solar [W/m];
jmbb@ufpe.br).
2

QCOR calor ganho devido ao efeito corona [W/m]; do CIGRÉ, como também não há entre o modelo de House e
QC calor dissipado por convecção [W/m]; Tuttle (H&T) e o modelo do IEEE.
Para a temperatura do condutor a 50°C a diferença entre os
QR calor dissipado por radiação [W/m];
valores da ampacidade, calculadas através dos modelos do
QE calor dissipado por evaporação [W/m]. CIGRÉ e do IEEE, é de aproximadamente 33%. Uma das
Embora alguns modelos de ampacidade quantifiquem o parcelas de calor que mais contribuem para esta diferença será
ganho de calor devido ao efeito corona e a dissipação de calor analisada a seguir.
por evaporação, a contribuição dos valores destas parcelas de 1000
calor é comumente desprezada. Logo, (1) pode ser reescrita
como:
800
Q J + QM + QS = QC + Q R (2)

Ampacidade [A]
III. MODELOS DE AMPACIDADE 600
O modelo de ampacidade publicado por House e Tuttle não Modelo Cigré
fornecia as expressões matemáticas para todas as variáveis Modelo H&T
400
envolvidas no cálculo. Os valores destas variáveis eram Modelo IEEE
obtidos a partir de tabelas para determinado local, não Modelo Morgan
representando corretamente a região na qual se encontrava a 200
linha. Já o modelo de Morgan, apresentado em 1982, fornece 50 60 70 80 90
todas as expressões necessárias para resolução da equação de Temperatura do condutor [°C]
equilíbrio térmico, embora seja impraticável levar em conta Fig. 1. Variação da ampacidade com a temperatura do condutor.
todos os fatores que influenciam na ampacidade [2]. O modelo A. Ganho de Calor devido ao Aquecimento Solar
do CIGRÉ, de 1992, baseia-se no modelo de Morgan, fazendo
Da radiação solar total que atinge o topo da atmosfera
algumas simplificações para facilitar os cálculos e
(aproximadamente 1353 W/m2) apenas 25% atinge a
contribuições adicionais, tornando-os mais práticos. O modelo
superfície terrestre, constituindo a radiação direta [9]. Parte da
do IEEE, publicado em 2007, baseia-se no de House e Tuttle
radiação solar total sofre espalhamento devido à reflexão em
com as modificações realizadas pela East Central Area
nuvens, vapor de água, ozônio e outras partículas existentes na
Reliability (ECAR) [3].
atmosfera, compondo a radiação difusa. A soma destas duas
A comparação entre os modelos será realizada através das
contribuições é definida como radiação solar global. A fração
parcelas de calor de (2), para tanto será utilizado como
da radiação global refletida pela superfície terrestre é chamada
referência o cabo CAA Grosbeak sob as condições da Tabela I
de albedo.
[8]. A dissipação de calor por radiação não será analisada,
O que difere no cálculo do ganho de calor devido ao aque-
pois os modelos utilizam a mesma equação para calcular seu
cimento solar é a forma como cada modelo trata a radiação. O
valor. No caso de análise de sensibilidade de determinada
modelo de Morgan considera a radiação direta, a radiação
variável, todas as demais serão constantes.
difusa, o albedo, além da inclinação do condutor em relação
TABELA I ao plano do horizonte. Os modelos de House e Tuttle e do
CONDIÇÕES PARA CÁLCULO DE AMPACIDADE
CIGRÉ também consideram as duas radiações mais despreza a
Latitude 8° 11’ S (-8° 11’) inclinação do condutor. Já o modelo do IEEE trabalha apenas
Longitude 34° 55’ W (-34° 55’) com a radiação direta e considera o tipo de atmosfera da
Altitude do condutor 20 m região na qual a linha está inserida (limpa ou industrial)
Azimute da linha 3,97° A parcela de calor devido ao aquecimento solar é a que
Emissividade 0,9
Coeficiente de absorção 0,9
mais contribui na diferença entre os resultados de cada
Temperatura do condutor 60 °C modelo. Através da Fig. 1 é possível constatar uma variação
Velocidade do vento 1 m/s de 33% no valor da ampacidade entre os modelos do CIGRÉ e
Direção do vento 90° o do IEEE para o condutor a uma temperatura de 50 °C.
Temperatura ambiente 31,2 °C Desprezando a radiação difusa, os modelos apresentariam
Condições atmosféricas Limpa
os resultados registrados na Fig. 2. A diferença entre os
Hora 12 h
Dia do ano 02 de março modelos do CIGRÉ e do IEEE para o condutor a uma
Albedo 0,15 (áreas urbanas) temperatura de 50 °C diminui para aproximadamente 11%.
Resultados de mesma ordem foram encontrados por Schmidt,
A Fig. 1 mostra o comportamento da ampacidade com a
em 1999, quando comparou os modelos do CIGRÉ e do IEEE
variação da temperatura do condutor para os modelos de
[10]. Ele também desprezou em seus estudos o impacto da
House e Tuttle, Morgan, CIGRÉ e IEEE. É possível verificar
radiação difusa e concluiu que a diferença de ampacidade nos
que, neste caso, o modelo de Morgan é o mais conservador e
resultados, geralmente, não era significativa, especialmente
que quase não há diferença significativa entre ele e o modelo
3

considerando a imprecisão dos parâmetros utilizados. Com o por causa dos efeitos pelicular e magnéticos. Este último é
desenvolvimento tecnológico atual, simplificações como estas geralmente desprezível em condutores não ferrosos a
são desnecessárias e apenas eliminam as particularidades de freqüência industrial, mas pode ser significativo com
cada modelo. condutores com alma de aço[4].
O modelo de Morgan fornece expressões distintas para o
1200
cálculo do ganho de calor por efeito Joule, incluindo o efeito
pelicular, e efeito magnético [2]. Ele também fornece fatores
1000 de correção para inclusão dos efeitos skin e magnético no
calculo da parcela de calor por efeito Joule que pode ser
Ampacidade [A]

800 determinada por meio da seguinte expressão:


Q J = K J I 2 Rdc (1 + α t Tm ) . (3)
600 Modelo Cigré Onde:
Modelo H&T K J fator de correção para o efeito skin e magnético;
400 Modelo IEEE I corrente elétrica [A];
Modelo Morgan Rdc resistência elétrica cc do condutor a uma determinada
200 temperatura de referência [Ω/m];
50 60 70 80 90 100
Temperatura na superficie do condutor [°C] α t coeficiente de variação da resistência com a temperatura
Fig. 2. Variação da ampacidade com a temperatura do condutor, desprezando para uma determinada temperatura de referência [°C-1];
a radiação solar difusa.
Tm temperatura média do condutor [°C].
Uma prática comum é a utilização de um valor fixo para O valor de K J varia em função do número de camadas de
radiação solar, no lugar de sua estimação, obtido através de
medições ou considerando igual a valores fixados em norma. fios não ferrosos. Para uma camada K J é maior que 1,5; para
O impacto da alteração pode ser analisado através da Fig. 3. O duas camadas seu valor está entre 1,01 e 1,04; e para três
ganho de calor devido ao aquecimento solar para os quatro camadas entre 1,05 e 1,10. Vale ressaltar que estes valores
modelos foi considerado igual a 29,98 W/m (valor obtido foram obtidos experimentalmente para cabos CAA. A
aplicando o modelo de Morgan aos dados da Tabela 1). A extrapolação do seu uso para outros tipos de condutores pode
maior diferença é de 4% entre os modelos do CIGRÉ e o de inserir erros no cálculo da ampacidade.
House e Tuttle. Entre o modelo do CIGRÉ e o modelo do O modelo proposto pelo CIGRÉ calcula o aquecimento
IEEE a diferença é de 1,5%. Estes resultados indicam que, no devido à passagem de corrente elétrica de duas formas: uma
caso do valor da radiação solar ser medido, a diferença entre para condutores não ferrosos e outra para condutores com
os modelos para as condições utilizadas nos cálculos não é alma de aço [4]. Para condutores não ferrosos a avaliação do
significativa, mas no caso de seu valor ser estimado os valores aquecimento também é feita através de (3), porém neste caso o
obtidos por cada modelo se diferenciam significativamente. valor de K J é igual a 1,0123. No caso dos condutores
ferrosos, o modelo parte da premissa que a entrada de energia
600
devido à corrente elétrica deve ser a mesma, independente da
550 corrente ser contínua ( I cc ) ou alternada ( I ac ), para que seja
atingida uma determinada temperatura no condutor ( Tm ).
Ampacidade [A]

500 Desta forma a equação de equilíbrio térmico é resolvida


considerando uma corrente contínua. Em seguida este valor é
450
convertido para uma corrente alternada através de expressões
Modelo Cigré obtidas experimentalmente para cabos CAA. O valor da
400
Modelo H&T corrente alternada depende do número de camadas de
350 Modelo IEEE alumínio, da seção transversal do condutor ( S ) e da relação
Modelo Morgan I k = I cc / S .
300 Como exposto anteriormente, os modelos de Morgan e do
50 52 54 56 58 60
CIGRÉ utilizam o valor da resistência elétrica a 20°C, ou ou-
Temperatura na superficie do condutor [°C]
tra temperatura de referência, para uma corrente contínua e
Fig. 3. Variação da ampacidade com a temperatura do condutor, considerando
o mesmo ganho calor devido ao aquecimento solar. realiza correções devido à elevação da temperatura, aos efeitos
skin e magnético. Também são encontradas na literatura e em
B. Ganho de Calor devido a Condução da Corrente Elétrica catálogos de fabricantes valores de resistência elétrica, a 60
Quando um condutor é percorrido por uma corrente Hz sob diferentes temperaturas, para diversos condutores. Es-
elétrica, contínua ou alternada, sofre uma aquecimento devido tes valores incluem o efeito pelicular para todos os tipos de
às perdas resistivas. Este fenômeno é conhecido como efeito condutores encordoados, porém, exceto para os cabos CAA
Joule. No caso da corrente alternada o aquecimento será maior com uma camada de fios de alumínio, não incluem a correção
4

para densidade de corrente dependente dos efeitos magnéticos filme de ar que o envolve.
na alma. O efeito magnético é significativo para cabos CAA A densidade relativa do ar, viscosidade cinemática do ar, o
com número impar de camadas de fios de alumínio. A resis- número de Prandtl e a condutividade térmica do filme de ar
tência dos cabos CAA com uma camada de alumínio pode ser são calculados a partir de equações empíricas. As expressões
até 20% superior aos valores tabelados, enquanto nos cabos para cálculo dos três últimos parâmetros supracitados são
CAA com três camadas este acréscimo pode ser de até 3% [3]. válidas para temperaturas do filme de ar entre 0 °C e 100 °C
O modelo proposto pelo IEEE calcula o valor da resistência [2]. Estas temperaturas são obtidas através da média aritmética
em função apenas da temperatura, porém os valores utilizados entre a temperatura ambiente e a temperatura superficial do
nas equações podem ser função da freqüência e densidade de condutor. Não é possível garantir a validade das equações
corrente. A resistência do condutor a qualquer temperatura para calcular a viscosidade cinemática do ar, o número de
( Tc ) é encontrada pela interpolação linear de acordo com a Prandtl e a condutividade térmica com condutores operando
(4). acima dos 100 °C, condição possível com a utilização dos
condutores especiais e com temperatura ambiente acima de 0
⎛ RT − RT1 ⎞
RTc = ⎜ 2 ⎟(Tc − T1 ) + RT . (4) °C.
⎜ T −T ⎟ 1
A dissipação de calor por convecção ( Qc ) pode ser
⎝ 2 1 ⎠
Onde: calculada, de acordo com o modelo do CIGRÉ, por:
RTc resistência ca do condutor a temperatura Tc [Ω/m]; Qc = πλ f (TS − Ta )Nu . (5)
RT1 resistência ca do condutor a temperatura T1 [Ω/m]; Onde:
RT2 resistência ca do condutor a temperatura T2 [Ω/m]; λ f condutividade térmica do filme de ar [W/mK];

Tc temperatura do condutor [°C]; TS temperatura superficial do condutor [°C];


T1 temperatura mínima do condutor para a qual a resistência Ta temperatura ambiente [°C];
ca é especificada [°C]; Nu número de Nusselt.
T2 temperatura máxima do condutor para a qual a resistência No caso de convecção natural o número de Nusselt é
função do produto dos números de Prandtl e Grashof:
ca é especificada [°C].
Nu = A2 (Gr Pr) m2 (6)
A taxa de variação da resistividade com a temperatura é
maior que a de uma função linear. Caso a temperatura do Os valores das constantes A2 e m2 variam em função do
condutor esteja entre T1 e T2 a resistência calculada por (4) é produto (Gr Pr) .
um pouco maior que o valor medido, logo o método de Para convecção forçada o número de Nusselt é determinado
avaliação da ampacidade é mais conservativo. Para uma como:
temperatura do condutor acima de T2 os valores calculados Nu = B1 (Re) n (7)
podem ser de até 5% menor que os valores medidos [3].
Onde as constantes B1 e n dependem do número de
O modelo do IEEE trabalha com valores de resistência
elétrica ca, facilmente obtidas em catálogos de fabricantes, as Reynolds e da rugosidade superficial do condutor.
quais levam em consideração os efeitos pelicular e magnético. O número de Nusselt para convecção forçada deriva da
O modelo do CIGRÉ utiliza o valor da resistência elétrica cc e aproximação de uma equação descrita no modelo de Morgan,
realiza correções para corrente alternada. Os fatores de válida para qualquer temperatura, e pode ser aplicada para a
correção ou métodos apresentados para determinar a temperatura do filme de ar entre 0 ºC e 50 ºC. Embora o
influência dos efeitos citados foram obtidos modelo de Morgan forneça uma expressão para qualquer faixa
experimentalmente para cabos CA e CAA. Como os de temperatura, ele não informa os valores dos coeficientes
condutores especiais são compostos por ligas diferentes, a utilizados na mesma. Temperaturas do filme de ar superiores a
utilização do modelo do IEEE se torna mais consistente. 50 °C são facilmente obtidos na prática. O modelo do CIGRÉ
recomenda (7) sem citar suas limitações.
C. Dissipação de Calor por Convecção Para ventos de baixa intensidade (V < 0,5 m/s) os
O modelo do CIGRÉ utiliza quatro parâmetros anemômetros geralmente utilizados não conseguem medir
adimensionais para quantificar a dissipação de calor por com precisão o valor da direção do vento. Nestes casos o
convecção: os números de Reynolds (Re), Grashof (Gr), modelo do CIGRÉ defende que não há direção de vento
Prandtl (Pr) e Nusselt (Nu) [4]. preferencial e recomenda a utilização do maior valor
O número de Reynolds é determinado em função da calculado entre três condições como parcela de calor dissipado
velocidade do vento, da densidade relativa e viscosidade por convecção.
cinemática do filme de ar que envolve o condutor. A Fig. 4 mostra o comportamento da ampacidade com a
O número de Grashof é calculado a partir do diâmetro do velocidade e direção do vento. As alterações abruptas na taxa
condutor, da temperatura ambiente, da viscosidade cinemática, de variação das curvas se devem a mudança de equação utili-
da temperatura superficial do condutor e da temperatura do zada para calcular a dissipação de calor por convecção. Para
5

velocidades inferiores a 0,5 m/s, notam-se algumas peculiari- Como a turbulência começa a uma determinada velocidade e
dades do modelo. Por exemplo, a ampacidade calculada para atinge seu pico a um valor superior, a transição de uma curva
um vento paralelo à linha é maior que a calculada para um para outra é uma curva contínua e não a descontínua
vento perpendicular. Com o aumento da velocidade é observada [3].
esperado que o valor da ampacidade aumente, porém com
uma direção do vento de 30° esse valor diminui ao passar de
700

Ampacidade [A]
0,5 m/s e volta a aumentar. Como o modelo cita a dificuldade
600
de determinar a direção do vento para velocidades inferiores a
0,5 m/s, as particularidades descritas não seriam tão 500
relevantes. Mas atualmente já existem anemômetros capazes 400
de determinar a direção de ventos de menor intensidade. Um 300
método que apresente valores mais consistentes para esta faixa 0 500 1000 1500 2000
de velocidade seria mais apropriado. número de Reynolds
80

60
600

Qc [W/m]
40
500
20
Ampacidade [A]

400
0
0 500
1000 1500 2000
300 número de Reynolds
Modelo Cigré 0° Fig. 5. Variação da ampacidade e da quantidade de calor dissipado por
200 Modelo Cigré 30° convecção com o número de Reynolds, aplicando o Modelo de House e Tuttle.
Modelo Cigré 45° Para evitar a descontinuidade na curva da ampacidade em
100
Modelo Cigré 90° função do número de Reynolds que acontece no modelo de
0 House e Tuttle, o modelo do IEEE utiliza como valor de tran-
0.5 1 1.5 2
sição o ponto onde estas curvas se cruzam, porém as expres-
Velocidade do vento [m/s]
sões para o cálculo da convecção forçada são diferentes.
Fig. 4. Variação da ampacidade com a intensidade e direção do vento pelo
Modelo do CIGRÉ. O modelo proposto pelo IEEE não cita para qual intervalo de
temperatura as expressões para viscosidade dinâmica e condu-
As expressões utilizadas no modelo de CIGRÉ para dissi-
tividade térmica, utilizadas para calcular o calor dissipado por
pação de calor por convecção são semelhantes às do modelo
convecção, são válidas. Porém, [12] garante a validade destas
de Morgan. Há apenas duas diferenças na forma de calcular o
expressões para temperatura do filme de ar entre 0 ºC e 300
calor dissipado por convecção. A primeira se refere à inclina-
ºC. Para ventos de baixa intensidade o modelo IEEE reco-
ção do condutor. O modelo de Morgan considera essa inclina-
menda que seja utilizado o maior valor calculado através das
ção utilizando fatores de correção para calcular o número de
expressões para convecção forçada e natural. A Fig. 6 mostra
Nusselt e Grashof.
a variação da ampacidade em função da velocidade e direção
A segunda diferença está associada à forma como o modelo
do vento. Conforme esperado, quanto maior for o ângulo entre
de Morgan calcula a dissipação de calor por convecção para
a direção do vento e o eixo do condutor maior será o seu
ventos de baixa intensidade. Este modelo não cita um valor
resfriamento.
específico. A baixa velocidade de vento a convecção natural e
forçada coexistem. O modelo de Morgan sugere um número 1200
de Reynolds equivalente encontrado através do número de
Nusselt com fluxo de ar natural e forçado, evitando as 1000
descontinuidades e incoerências do modelo do CIGRÉ.
O modelo de House e Tuttle determina as perdas de calor
Ampacidade [A]

por convecção forçada a partir das expressões obtidas por 800


McAdams [11] para tubos e fios horizontais. São utilizadas
duas expressões: uma para fluxo de ar laminar e outra para 600 Modelo IEEE 0°
fluxo de ar turbulento. A transição entre estas duas equações é Modelo IEEE 30°
realizada para um número de Reynolds de 1000, abaixo deste Modelo IEEE 45°
400
valor o modelo de House e Tuttle recomenda uma equação e Modelo IEEE 90°
para valores acima outra. Este valor foi escolhido como uma
conveniência para o cálculo da ampacidade do condutor, mas 200
0 1 2 3 4 5
não reflete o comportamento real do fluxo turbulento resul- Velocidade do vento [m/s]
tando em uma descontinuidade na curva da ampacidade em Fig. 6. Variação da ampacidade com a intensidade e direção do vento,
função da velocidade do vento, conforme registrado na Fig. 5. aplicando o modelo do IEEE.
6

IV. CONCLUSÃO V. REFERÊNCIAS


A metodologia utilizada nos quatro modelos comparados [1] H. E. House, and P. D. Tuttle. “Current-Carrying Capacity of ACSR.
neste artigo é a mesma: baseia-se na resolução da equação do Power Apparatus and Systems, Part III,” Transactions of the American
Institute of Electrical Engineers, vol. 77, n. 3, pp. 1169-1173, Abr. 1958.
equilíbrio térmico para determinar a ampacidade. Porém a [2] V. T. Morgan. “The Thermal Rating of Overhead-Line Conductors Part I:
forma como é calculada cada parcela de calor difere The Steady-State Thermal Model,” Electric Power Systems Research, n. 5, pp.
expressivamente. Os resultados da aplicação de cada modelo 119-139, 1982.
podem divergir significativamente, embora certas suposições e [3] IEEE Standard for Calculating the Current-Temperature of Bare
simplificações possam minimizar a divergência. Overhead Conductors, IEEE Std 738-2006 (Revision of IEEE Std 738-1993).
2007.
Fruto das constatações realizadas ao longo do artigo,
[4] “The Thermal Behaviour of Overhead Conductors. Section 1 and 2:
sugere-se a utilização do modelo de ampacidade proposto pelo Mathematical model for Evaluation of conductor Temperature in the Steady
IEEE quando forem utilizados condutores especiais, embora a State and the Application thereof,” Electra. n. 144, pp. 107-125, Out. 1992.
resolução 191 da ANEEL recomende a aplicação do modelo [5] Cálculo da Capacidade Operativa de Longa Duração das Linhas Aéreas
do CIGRÉ para determinação da ampacidade dos condutores, de Transmissão, ANEEL Nota Técnica n°028/2004. 2004.
[6] Procedimentos para a Determinação da Capacidade Operativa das
devido aos seguintes motivos: Instalações de Transmissão Integrantes da Rede Básica e das Demais
Instalações de Transmissão Pertencentes ao Sistema Interligado Nacional,
• o modelo do IEEE trabalha com valores de resistência das Funções Transmissão e dos Pagamentos Base Correspondentes, ANEEL
elétrica ca, facilmente obtidas em catálogos de fabricantes, Nota Técnica n°038/2005. 2005.
[7] ANEEL. Resolução Normativa nº 191 de 12 de Dezembro de 2005. 2005.
as quais levam em consideração os efeitos pelicular e [8] J. V. Eduardo, A. E. Nogueira, and O. R. Junior. “Determinação das
magnético; o modelo do CIGRÉ utiliza o valor da Capacidades Operativas das Linhas de Transmissão de acordo com a
resistência elétrica cc e realiza correções para corrente Resolução Normativa 191 da ANEEL – a Visão da CHESF”. in Seminário
alternada; os fatores de correção ou métodos apresentados Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica (19.: Out. 2007:
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro).
para determinar a influência dos efeitos citados foram
[9] Yuri (Mai. 2009), “Climatologia – Radiação Solar,”. Disponível em:
obtidos experimentalmente para cabos CA e CAA; como os http://fisica.uems.br/arquivos /fismeioamb/cap2-Radiacao.pdf.
condutores especiais são compostos por ligas diferentes, a [10] N. P. Schimidt, “Comparison between IEEE and CIGRÉ Ampacity
utilização do modelo do IEEE se torna mais consistente; Standards,” IEEE Transactions on Power Delivery, vol. 14, n. 4, pp. 1555-
• o número de Nusselt utilizado para calcular a 1559, Out. 1999.
dissipação de calor por convecção forçada no modelo do [11] W. H. McAdams, Heat Transmission, 3 ed. New York, McGraw-Hill,
1954.
CIGRÉ deriva da aproximação de uma equação descrita no [12] S. L. Chen, W.Z. Black, and H. W. Loard, “Closure on “High
modelo de Morgan para a temperatura do filme de ar entre Temperature Ampacity Model for Overhead Conductors,” IEEE Transactions
0 °C e 50 °C; para uma temperatura de projeto maior ou on Power Delivery, vol. 18, n. 2, pp. 647, Abr. 2003.
igual a 50 °C e uma temperatura ambiente maior ou igual a
zero, o valor obtido para o número de Nusselt não teria VI. BIOGRAFIAS
validade;
• outras equações utilizadas no cálculo da dissipação de Alexsandro Aleixo Pereira da Silva nascido em
calor por convecção do modelo do CIGRÉ também tem Pernambuco, Brasil em 29 de outubro de 1983.
restrições relacionadas à temperatura do filme de ar que Engenheiro eletricista formado pela Universidade
envolve o condutor. Por exemplo, as fórmulas para Federal de Pernambuco (UFPE), em 2006; concluiu
mestrado em Processamento de Energia, em 2009, na
viscosidade cinemática do ar, número de Prandtl e mesma instituição. Atualmente é doutorando do
condutividade térmica são válidas para temperaturas do PPGEE e integrante do grupo de pesquisas em
filme de ar variando de 0 °C a 100°C. Enquanto que as transmissão de energia elétrica, no Departamento de
fórmulas empregadas pelo modelo do IEEE para os mesmos Engenharia Elétrica e Sistemas de Potência da UFPE.
parâmetros são válidas para temperatura do filme de ar
entre 0°C e 300 °C;
• conforme exposto neste artigo, para velocidades de José Maurício de Barros Bezerra é engenheiro
vento inferiores a 0,5 m/s o modelo do CIGRÉ apresenta eletricista, formado pela Universidade Federal de
incoerências no cálculo da ampacidade. Situações que não Pernambuco, em 1975, pós-graduado em Análise de
Sistemas de Potência, em 1982, pela Escola de
ocorrem com a aplicação do modelo do IEEE
Engenharia de Itajubá/MG, concluiu mestrado em
Engenharia de Sistemas, em 1995, pela Universidade
Pelas análises crítica realizadas se observa, portanto, que a Federal de Pernambuco e doutorado em Engenharia
utilização do modelo do IEEE para condutores especiais se Elétrica, pela Universidade Federal de Campina
Grande/PB, em 2004. Desde 1997 é professor da
torna mais recomendável, em comparação com o modelo do
Universidade Federal de Pernambuco, no
CIGRÉ, já considerando todos os detalhes contidos nos Departamento de Engenharia Elétrica e Sistemas de Potência, onde
modelos de Morgan e House and Tuttle. desenvolve pesquisas na área de transmissão e distribuição de energia elétrica.

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