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W.O ! PRIIIBIIIO IrUIUllfi 1)O SEGUXDO IIE;CI.

:INIO IST1-1812

A QUEM LER
a U n bom pesiodista vale inais, n'estii occasiáo, para se
adjffuridir a verdilde, i10 q~ie'iirnprbgador; náo deve por-
atanto causar alliniração o ca escrever muilas cartas, para
((louvar, ariimar e a11cric;oaras follias catliolicas: »estas pala-
vras forain proferidas péla bocca dc Pio IX, que ullimamen-
'te proliibiil a leitura doi pcriodicos, que le\lám o erro, a des-
creaca e a dcsrnor:ilis:içfio ao sein das familins; por isso, quem
s e (li a cssa leitura, ou a urna Ieilur'a qiialqiicr scm saber
0 qtie lt! oil duvidando se essa Icilura B boa, alómde se ex-
p b r ao risco de se crivenonar, transgride um preccilo d o
melhor dos paes, do primeiro e mais aiictoriçado- mestre da
'verrladcir a doi] trina.
2 verdudc que Iioje clciasi ~lihgucinquer subrnetter a seu
pensamcrito aos ciiclames do born sonso. Cada uin julga-se
com direito a pensar e a crer, como entende, e por isso a
proceder, segnndo pcnsil ou c r i ; de modo qiic, sendo di-
versos o pensar e a crença dc tilntos, não admira que se-
jam desonconLrados os proccdirncritos de muitos, resullan-
d o d'uma tal divcrçi~ladeessa clesordcm, que esta dominali-
d o o, n-iiindo, que se diz civilisado.
.I$iriuito natural qim OS prelados, imilando o siiccessor
do I'edro, tambem probibam, cada um ao seu robaatio, as
mtis leituras, porque elles teem por obrigação imitar o su-
premo paslor e ser ecco fiel da siia voz.
A França leu muito, leu tudo, o tanto leu que trosleu, e
e m poucos mezes se viu reduziila 4 triste condição d e ven-
cida, accaitando as duras condiçpcs de paz r1ue.a vencedor
quiz impor-liio. Ainda não livre clas garras do inimigo ex-
terno, converle contra si rnesmo as arnias, que foram im-
potentes para oxpulsir do solo da patria os exorcitos ipva-
sores, e com ellas se rasga o proprio seio, fazendo esform
60s incrivcis por se arruinar complclamento : tristes GonSo-
quencias do abuso da liberdade de iniprensal
61 LEVUqAB POPJJCARES
Brttre nòs tambem s e tgm abusado muito e muito se es-
tá abusando d'uma tão santa e proficua instituição. Sur-
gçm, como que por encartlo, publiceçõee por toda a p+iri,e9
escriplas e encaminhadas por quem quer que se lembra d e
escrever o que lhe vem 5r cabeça, quando não é de propo-
sito e muito calculadamenla que prelondem levar a des-
crença e a indifferenç.3 aos incautos que v30 insensivelmen-
te, altrafiidos por quem liics afaga as paixões, asrirando o
veneno qug I[l$s Sa de piinar a existençia dos bons sentimen-
tos, que bebera com 0 leile, e aos quaes deve o ter sido
~ i r hqmem
~i de bem.
As mGs l ~ i t u r a ssso tão prejudiciaes como as m$s com-
panhias.
$e os paes entendem por obriga-ção desviar seqs:filhos das
m;jly compaohias, nqp devem julgar [nonos rigorosa a de Ihes
vedarem a leitura de livros e de piiblicaç'?es, cuja pureza
da doplrina t: 06 inlengijes não esleja complelamente reta-
nhecidq.
Ninguem lha seyn saber o que lê, porque pode insqnsi-
velmenle envenenar o proprio espirito, ue facilmente se ar-
9
xuina, ÇOMQ s e estrbgq O estopago tan o mais facilmente,
quanto mais saborosos são os acipipes e iguíirias, c 0 4 que
se lisongeia o paladar.
Porque nps daem as tristes consequencias resultaptes do
abusa da liberdade de irqprensa, nos seus tristissirnos ef-
feitos, votdmo-no? 6 çrgsad;i sania da publiçação d e boas
leituras, que iqstruem pn boa doutrina e que, por issp ro-
cream sem offenderem a innoçencia pen: os bons costiimes.
Anlielaqdo sempre por dar maior desanvolvimepto ;Icru-
zada, santa, $ qual nos ~ u b m e l l e m o sqiicr-nos
~ parecer que
não e$tqremos longe de vermos realisados os nossos dese-
jos e o d e todas aqiiellas pessoas que ,se interessam pela
vylgarjqaçãn à# leiliij-9s. que ~onkribqempara que a socie-
dade 4 a familia se solidiiiquem, repassando-se do cimento
d9s pripcipios igaraes e moralisadores,+ uniço elemento de
vida g de força par4 s çgnstiluiqb sacial.
Talvez que, em breve, ai6 possamos offorecer a o publi-
$0 portuguez uni j ~ r n a ldiario, que venha supprir urna fal-
i54 tão sensivel. Appel/aremos então para todos o s portu-
guezos amantes d;is santas ginstituiefies, que teem por ba-
so OS s a g r a d ~ sEvan~clhos,e estamos ce.rtos da que accu-
LEITUR+S POPULARES
dirão todos, cada qual como poder ao nosso charnairrento.
Pensando qiie j.l o poderiamos fazer, demorimos atB aqui
a publicação d'eçta primeira folha, qiie devia ter appareci-
do em maio e sb agora apparece; mas ainda bem quo ap-
parece j i conio prenunciadora da realisaçáo da grande idea
que 6 misler que se desenvolva em l'orlugal para bem dos
portuguezes, que tiveram nome e nacionalidade desde que,
tendo por pendão a cruz do Redemptor, começaram a con-
quistar, no miindo todo, o s p o ~ o s ,qtie jaziam na ignoran-
cia da luz evangelica, d'essa iinica luz de salvação,. que,
n'esses tempos, era descoriliecida e igriorada, e hoje e des-
presada e combatitla por outras Iiizes subterrarieas acreiidi-
das no infcrno, e que, n'umii lucta de dczenove seculos,
ainda n30 poderam extinguir o brillio certo e seguro, que,
tendo por horisonle Delem, onde nasceu, e o Calvario, on-
d e se arvorou em farol de salvação. para totlos que, :ia via-
gem ila vida terrestre, tomassern aquelle ftinal, como nor-
te da sua derrota, ainda fulgcira Iioje, como tem fulgurado
sempre, e ha de continuar a fulgurar, emquanto no mundo
as gerações se succederern umas i s oi~trase precisarem ser
allumiadas por aquella unica luz de salvaçáo.
As riijadas violentas e incessantes podem diminuir e dei-
xar apenas bruxuleante por momentos, essa luz divina, mas
não podem apagal-a nem extinguil-a, porqiie ella i: indeled
vel, porque foi acendida por aqiielle que desceu do Ceo.
Tào loucos erarn os que pretendiam apagal-a, apenas 01-
la se apresentou brilhante no seu llorisonte, corno insensa-
tos tem sido e eçtHo sendo todos, os que, durante a SUC-
cessáo dos seculos, e hoje teem igual pretençHo, como lou-
cos e iiisensatos hão de ser no clecurso dos tempos todos
que se imposerem tarefa tão manifesiamente inulil porsmui-
to explorada que taem sido e sempre inulilmerite.
Dizemos inulilmento, attendendo a que náo teem podido,
não podem, nem poderão jíimais extinguil-a; mas jd não di-
remos outro taiito, se, considerando, tivermos qiio iarnentar
as victimas que se deixaram fascinar e se perderam ri'çssas
luctas seculares e interminaveis; inlerminavcis, porque, tian-
tem como hoje, e hoje como Binanli4, a soberba humana
suscitara inimigos figadaes dc Jeslis.
Mas h50 de passar todos, os iiltirrios como os primeiros,
LEITURAS POPULARES
e aT palarras d e Jesus, isto 15, a luz da verdade nHo passar5
nunca.
Assim o devemos crêr sem perigo de errar. Quasi deze-
nove seculos nos servem de giranlia segura a ~ - ~ deixa-
ue
mos dito.
Quem não v4 que os males, que o muudo estci soffren-
do, teem por origem o abandono das santas maximas evan-
gelicas?
Máes de familia, que estremeceis os t70ssos filhos, dae-
lhos com o leite o santo amor e temor de Deus; velae pe!a
sua educação, não Ihes deixeis chegar ás mãos esses livros
e publicações que apparecem por loda a parte. Aciinse-
lhae-os a que náo leiam livros maus, assim como os aùmoes-
taes para que evitem as más companl~ias.
Emquanto não cliega o mal em toda a siia força, é que
é dever de lodos trabalhar por ergiier-lhe formidavel bar-
reira, c para que nâo chegue até nOs.
Todos teein obrigsçáo rigorosissima d e tomar parte n'es-
ta empresa láo salular, porque o interesse I5 geral.
Reunamo-nos pois em comniiins esforços para propagar
e ensinar o bem e combater o mal.
De hoje em diante, cada assignstura das LEITU~AS POPU-
LARES consta de a12 numeros, ou folhas d e 32 paginas cada
ama, contendo materia eqiiivalente i qiie até aqui se dis-
tribuia em 52 numeros cle 8 paginas cada um. A ordem das
materias ser4 quasi a mesma.
As assignatuaas só s e fazem por 12 nameros ou folhas,
quer seja para receberem 4s follias conforme estas so fo-
rem publicando, quer seja para so receberem em volume
brochado, o que tudo se deve declarar quando se faz a as-
signalura, cuja [baga é adiantada; e porque não se cumpre
esta condição essencial, se dão as demoras, de que, com
justa razão, se queixam os que são pontuaes nos seus pa-
gamen tos.
ANKOS COBHENTES AS POLIIAS, Moeda forte e porte franco
Portiigal Brazil
... ... .
Uma assignatura custa.. ... . . .
N. B. O assignqnte de dez poder&pagar
rbis
D
360
300
GOU
500
Dez nrrsignaturns (com direito areceber 1 2) 1 88000 4$70(6
Rm D 1 # 120) a 298000 46t000
ANNOS FINDOS E CORRENTES, EM VOLUAIES Moedaf ortc e porte saiico
UROC~IADOS Portugal Ijrazil

. ....
Cada volume broxado ouata.. . . . .
N. B. O assignantq dc dez poderd pngar
n 600
450
700
650
.. .
u
Dez volumes brochados custam.. . . . u 4t500 6&200
Cem n n O 40fiOOO 57POOO
Todas as remessas silo feitas (porke franco) pelo correio.

Qualquer assignante podo ser nosso correspondente ; e,


por carta parliclilar, lhe darernos as necessarias explicações.
Aos pobr.esi~zhos, como lncs hnviiios etjusti/icados, tztuica
dzcvidámos atd hoje, n e m jcinznis dziuz'da~vrnos,d a r n obra
GRATUITAlIEKTE.
A? B. As pessoas qzls niio quizerem fazer pedidos dire-
ctos por cccrta (i reilnccllo jlodsnz dirigir-se aos logares c
pessoas na segzlints lista indicadas.
As assignzluras por folhas seráo todas iemettidas pe-
l o correio, logo qiie o podido nos tiver sido feito pelos cor-
respondentes.
Assigna-se em Lisboa-Livraria Calliolica, n u a Nova do
%%Rei (Capellistas,) n . O 75 e $2, 4." andar.

LISTA DE ALGIJNS CORREliI'ONDES'I'ICç PARTICULARES

Em Almodovar - O R.nlo P.0 JoXo JosO C!orrí!~e Silva.


Alpedrinha - O Ill.mo Sr. Adririno J. d'Alnieida Pcrraz.
Alvarenga - O Ill.mo Sr. Manocl Pinto dc Paiva Madureira.
r Amarante- O 111.~0S*,.JosO Ignacio da Fonscca.
n Angra do I-Ieroismo - O B.mo Sr. P.c RI. F. dc s Snntos Peixoto.
Arrancada - O R.mo Sr. P.n JosC: Bodi~iguosCravo Branco.
Benc te1 -O R.lno Sr. P.0 Joaquim Josi: da Eoclia Espanca.
n Rorba - O R.mo Sr. P.@ Josi: Antonio Dentes.
2 Braga - O Ill.m~Sr. h. M. B. 8. Riirnos, Itun dc S. Viccnte, nue 63.
Cambra da Serra -O B.m* Sr. l'.~ JoBo SimOes Figucirinlias.
3 Carvalhal d'hioeirx - O R.ni~Sr. I'. Joaquim Gomcs Duque.
n Coimbra, rua das Cavas n.O 13 - O I l l . m o Sr. RI arpita e Filho.
* @aura- O II1.mn Sr. Manoel Ribeiro dlAguiar.
D Cotimos - O R.mo S.. P.0 Liiiz Anto io Gomes.
CovilhL - O 1ll.mo Sr. Liiiz Antonio dc Carvallio.
Darque - O 1ll.m~Sr. blanoel JosE hlxria Rodrigucs.
a Evora - O 1ll.m~Sr. Joaqiiim R l ~ r i aPci-eira Miicedo.
LI Farminlilio - O Ill.mii Sr. I'P Manocl Eibeiro Mnchndo.
3 Favejitthas - O Ex Sr. Nirolr~u Pereira de Rfendonga Galcb,
m Felgueiras - O R.nlo Sr. l'.~ Antonio Dias Pereira Ribeiro.
D Franoellia - O Ill.mo Sr. JosC Joaquim de Figueircdo.
40 LEITURAS POPULARES
E m Funchal (Aiadeira)-O Ul,moeRamoSr.P - e JosB Francode Cazitro*
a Giilo (Santo Estevilo de) - O Illm.o Sr. Manoel José Maia.
3 Grandola - O R.mi Sr. P .0 J ,e6 F. Parreira.
II Guarda, - O R.ulo Sr. 13.e Jacinto Ferrrira da Cunha Leal.
P Larnego - O 1ll.n'" R.mo Sr. P.cAntonio Coelhi Diniz.
3 Leiria - O I l l . m * Sr. JoatS Mnria Diris.

3 Longa - O Il1m.o e R . m o Sr. PmE Manoel Xavíer Lopes de RIoraes.


Nanique do hknùrnto-0 Ill.mo Sr. Joãl, T ixeira de Figueiredo.
Y Mondim de Basto - O ExmPSr. Rernnrdo Gonpalvea de Mattos.
Y Niza - O Iil.00 Sr. Braz nliguens Brato.
B Penafiel - O 111.m0 e R.mo Sr. P.c Antonio Ferreira de Soiisa.
Penamacor
2 P ~ n i c h-
- O Ill.mo Sr. Ago~tinhoda Costa. Nogu ira.
e O Ill.mo Sr. JoZo B~ptistaRibeiro Guizado.
s Ponta de Lima - O Rema SI.. P.8 Antonio Jose de 3Iattos.
D Po~tnlegre - O 111.mo Sr. P.e Domingos Antonio Callado Br~nco.
r Porto - 0 Sr. P.c José Antonio da Rocha.
i i -O Ill.mo Sr. Manoel Malbeiro.
3 Xoriz - O R.mo Sr. P.. Antonio Carneiro Lego Queiroz.
2 Sabrosa -O R . m o S r I?.@ Manuel Pereira da Silve.
B Santarem - O Ill.mu Sr. Fraaci~co Auguqto l>ortug(il.
B Serpa - O RamoSr. P.8 JoZo Pinto.
i Torres Novns-0Ill.m~Sr.Manut~l Rodrigues dos Snntqs Menr?rico.
Vairão -O %.""r. P.cJoão Alekandre da Silve e Carvalho.
D Varzea (c~ncelho de Ealthar)-O 1t.mo Sr. P.° Frnncisc J de Jesu~i.
Y Veiros-O Ill.ll10 Sr. Andr6 Avellino de Biito Simoeg.
D Villa Fernandu - O 1ll.mo Sr. Manoel Tlioxaz Fereaiidos Capello.
Villa Nova deFamalie20 - O Ill.mo Sr. Josk Gorigalves d'oliveire.
D Villarinho de S. Christovlo-UR.m~ Sr. P . e M. Marquasd'Almeida.

Serlo indicados como corrcspoildentrs e incluidos n'esta lista todos


oa senhores, que para isso nos auctoris~reni,

AOS NOSSOS CORRESPONDENTES E ASSIGNANTES


Faltariamos ao cumprimento deum dever sagrado, s e n30
agradecessemos aqui Bquellas senhoras e senhores, que,
accedepdo ao nosso convile, solicitarap e conseguiram ou-
tros novos ssqignantes; e ainda ficamos gsperando que qquel-
les que ainda o não fizeram, eertamenle o farão ainda, quan-
do virem que a nossa publicação voe por diante e cada vez
em melhores condições.
Quem, conheçenpo-o corq uma vida já qe dez annos tão
trabalhados 0 cheios de diffiauldacles, não hade recommendar
no jornalainho para qus as faplilias se instvuam e recreiorn?
u#ftbbad
A tua protecção nos entregAmos nós todos que trabalhãi-
mos, e s e entregaram todos que nos leom guiatlo, e se teem
empregado na leitura e propagação das LEITURASPOPULA~
RES.
A tua protecc,;O s e entregam ainda Iidje, coizi a mesma,
ou ainda maior confiança, todos ailuelles que vão por dian-
te com a santa empresa dci instr'uir o recrear as familias,
por meio d'esta publicação, que attingo o seu undecimo
anno.
O?L Virgem prz~dentissinta,db-nos da tua prudencia a que
n6s precisamos, para navegar no mar tormentoso d a nossa
derrota. DA-nos prudencia papa que n30 nos exponhamos a
ir d'encontro aos e~colhose recifes, que facilmente despe-
daçariam o nosso fragil baixel, que ja conta dez annos d e
feliz mas custosa navegação.
Feliz, porque tem sido assaz longa, sem soçobrarmos;
custosa, porque o lrabalbo tem sido insane, porque as ùil-
ficuldades têem sido succe~si\~as.
Mas com a tiia protecção tudo2 se tcni venciilo, oh Irir-
gern uane~*anda;e, confiados no teu valiinento, iremos ain-
da mais dlBm, oh Virgenzlot~vuvel.
Ao teu poiier imniuriso, e qiiasi divino, nos abandona-
mos, Vi~*gempoderosa,porqlic a t i ~ abondade não tem li-
mites, vamos seguros do que, apesar itc inisera\+eispecca-
dores, nos acolhorAs, Virgem bcjfigna rio regaço do leu man-
to, com o qual, Virgem fiel, nos defendertis dos novos peri-
gos, a que vamos expor-110s.
A caiisa não 6 s6 nossa, é de todos, étambcni lua; o não
deixar.As, oh Espellbo de jzlstiça, sem advogada tão santa e
justa caiisa.
, Sendo a creatura privilegiacla, que occupas o primeiro
logar, junto de Deus, cerlos flcanios de qae inais facilmen-
te faltarti o sol na sua cari+eir-'a, do que dos faltar4 O teu
auxilio.
Eia pois, os teus olhos t4bl\irj 4 nOs, que a ti nos aban-
donamos.
ROSA MYSTICA

Na garganta tenebrosa
D'ilm vulc3o. excandescenle
Cahiu do Ceo uma Roza
Atravez do fumo ardente.
Na cratera sulfurosa
Caliiu do Ceo uma Rosa!
...
No calios.., ali ... pendida
Suave luz espargindo,
Branca Rosa adormecida
Sentia as lavas rugindo.
Sem temer o fogo homecida
Branca Bosa adormecida.
N'aquelle momenlo o ahysmo
Solfureas onde lançou,
E a Rosa do Clirislianismo
Serena. intacta Ecou
Sobranceira ao cataclismo,
A Rosa do Christianismo.
CIm seu perfume sublil
Qual flor d'eterna eleiçao,
A minha Rosa gentil
Apagou negro viilcão.
Foste escolhida entre mil
O minha Rosa genlil.
Yre2ita por Esaias
Fòra esta flor de Jessé,
E a Rosa das profecias
Entre nós, em fim, jP 6.
Vem trazer serenos dias
A Rosa das profecias.
D'entre os Videntes, um só,
Ho Calvario, ao longe, via
LEITUHIS l'OPULAl\Ch
A Rosa de Jericci
Que horriilel seiida subia
Coberta de sangue e pó
A Rosa de Jericb!
0 ílUr, de d'onde vieste
-4estas plagas d'borror?
Candida Rosa, nascesle
Li nos hortos do Senhor?
N'essa campina celeste,
Candida Rosa, nasceste?
Ou nasceste embalsam:itla
Nos pcrfumes do Oriente
Minha Rosa immaculada,
N'iim jardim sempre virente
Pelas auras embalada?
Miril-ia Rosa immaculada.
Que pranto, qu'incrivel dôr
Te inunda a face mimosal
Oh Rosa do meu amor.
Mesmo assim 6s 180 formosa
Velada pelo terror,
Oh Rosa do meu amor?
Corno Llôr do redempção
Espargindo pura luz,
!asa d o meu coraçáo,
Es plantada ;o pi? d a Cruz.
Emmorgida e m afíiicção,
Rosa d o meu coração.
E, ali, Rainha ès chainada
D o s martyres da nova lei:
Rosa d o rosas coroada,
A0 lado d o Excelso Rei
Pelos Anjos acclamada.
Rosa d e rosas coroada.
11 4. L E I ~ R A SPOPULARES
Erguida Q face de Deus,
L i na mansão d'hlegria,
Rosa dos affectos meus,
Eleva-me ao Cbu, um dia,
Segura nos braços teus,
Rosa dos affectos meus.
D. Maria Candida Collaço JblcQo,

DEUS
O homem é dotado de tanta soberba, que nem por 80
me dizer, ha tantos mil annos, que existe um creador da
todas as cousas, deixa de par em duvida, quando não nega
abertamente, uma verdade tão velha, tão contestada e tão
verdadeira e cabalmente demonstrada.
Mas por isso mesmo que o homem 6 teimoso por sua
soberba e para seu mal, e que não quizemos dar comeco a
este segundo decennio do nosso jornal, sem rebatermos,
ainda mais uma vez, a soberbia petulante, corri que uma
vil creatura se atreve a dizer não ha Deus!
Pois bem, não ha Daiis, senhor homem ; açsim o quer
assim o tenlia ; mas vamos fazer umas averiguações, se me
faz favor.
-De quorn procedeu, de quem nasceu, d'onde veiu o
seahor homem; faz obsequio de me dizer?
-De meu pae e de minha mãe, ou de minha m3e e de
mu pae, 18 isso como quizer.
-8im senhor, muito bem; não quero fazer questão, E
seu pae e sua mãe d'onde vieram, de quem nasceram?
-De meus dois avbs e de minhas duas avós.
-Quer dizer qua riada menos de Seis pessoas tiveram
parto na existencia dá sua pessoa; mas os seus av0s todos
quatro d'onde vieram ?
-Dos meus oito bisavós.
-E os seus oila bisavbs?
1 D'estx. mesma Senhbra b A NULHER IIIm CELEDRE quO ComqsmW
a publicirr, Folgamos poder mimoscar se nossas leitora8 com urn*
obrinha, que tto juatamentc tom merecido os maiores elogioe. M v l b
guilcermos ter nempre mimos t3o delicados para offorecer.
-Ora P isso não tem resposta ; mas em13m sempre direi
...
qrie nasceram dos paes d'elles e assim ascendentemente atb
-AtB ao primeiro homem e ii 11rirneira mulher, qnc sai-
rarn das mãos de Deus aptos para s e irem i'eproduzindo nos
seus filhos, nos seus netos e nos seus bisrielos atb el~egar
ao senhor liomem, que não quer que os seus primeiros paes
l;aiasem das mãos de Deus.
-Certamente isso é uma liistoria; a natureza sempre es-
teve assim constituida; a natureza 6 turlo, porque ella tudo
cria e reproduz: assim tein sido sempre e assim continuari
...
a ser até
-Ate ao fim, náo é verdade7
-Ack ao fim, sim senhor.
-8iuito bem ; o Ljm jd nós c i temos, talvez qno agora
s e possa achar o principio do senhor liomem.
-Qual principio, nem meio, nem fim?! Isto sempre as-
sin: foi, como 8, e sempre assim ha de ser.
-Foi, 6, ha de ser ... e eu então digo: não fi~i, 6, mas
ha de deixar d e ser.
-Porte maravilha que não fui, sou, e hei de rleixar ds
ser! sim; mas isso 6 que C a natureza a fazer as suas fraw-
cões de crear, reproduzir e aniquilar, o11 secliizir a nada.
-A natureza a crear e aniquilar! mas a que é EIUC O Se-
nhor homem chama natureza?
-A esta força que cria e conserva para depois aniqui-
lar e que estil sempre exercendo estas iuncr$?s, como sem-
pre tem estado, e coiitinuarii a exercer a\&..
-Atè onde?
-Constantemente, sem cessar', por quanto, na natureza,
tudo se move, pois que ella, a natureza, tem crn s i urna
causa primaria do universal movimenlo de todas as cousas.
-I[-, essa causa do universal movimento de todas as cou-
sas como se cliama?
-Chame-lhe Iâ como quizcr, e11 chamo-lho nalurozn.
-Mas a natureza 0 todo isto que s e movo, apparecendo
0 desapparocendo, nascendo e morrendo, o11 B a to\ força
ou causa primaria d'esse movimento universal?
-Eu entendo que tudo I$ o mesmo, porque são cousas
que estão unidas e combinadas para osse fim; tiiclo mais 6
qnestãa ds nome...
-Não senhor, não 8 questão de noma; todo a etfoitot
46 LPITCBAS POPULARES
suppue uma causa; ora este universo visiveil evidentemente
que 6 effeito, logo suppõe uma causa: esta causa é produ-
zida ou não. Se 6 produzida, certamente que o foi por ou-
tra, e esta por outra, e est'outra ainda por outra ...
-Até...
-Até chegar a uma causa suprema, não produzida, ne-
cessaria, independente de tudo, só dependente d e si mes-
m o pois que uma serie iofinita de causas produzidas 12 im-
possivel, é um absurdo admittil-a. Para haver machina foi
mister que houvesse machinista ; para haver geração, foi
mister que houvesse gerador; para haver creação, foi mis-
ter que houvesse creador; para haver producção, foi neces-
sario que liouvesse quem produzisse.
S e a esse principio eterno, a esse ente necessario, crea-
dor, que tudo creou e que tudo póde, não querem chamar
Daus, dêem-lhe o nome que quizerem, mas confessem que
elle existe, e não levem a mal que nós lhe chamemos DEUS.
Tambem outros lhe chamam Providencia; outros o Ser
Infinito; outros o Ente Supremo; outros a Natureza, porém
esses confundem o creador com a creatura, o producto com
o productor; outros lhe cl~amamtambem o Szcpremo Ar-
chitecto: o que tudo vem a dar na mesma, e tudo prova
que existe uma causa de todos os effeitos que nós vemos,
sentimos, ouvimos, percebemos e apalpamos, uma causa
sem causa, uma causa necessaria, principio eterno e immu-
tavel, que alem de ser creador de tudo, B premisdor dos
que fazem Bem, como 6 castigador inexoravel dos que fa-
zem mal e não se arrependem. Ora eis aqui est8 porque ha
tanto quem queira que não Iia,ia Deus, porque lhe repugna
a id6a de que as suas maldades podem ser punidas ; ne-
gam por isso o que temem, e temem-n'o porque n'elle
meem.
Bois era bem melhor que o ser\-issem e amassem, que
ji O,R%O temiam.
Parece-me que assim esth provada em termos bem da-
ros a existencia de Deus.
-Parece, sim, senlipr ; mas o que isso significa é qus
sabe mais do que eu, a por isso me confunde e embrulha
com os seus argumentos, a que eu não sei responder.
---Pciis n3o se fie nos meus argumentos, 0i.a todos os
homens, Ida todos os livros, qae teem tratado da materia
LEITUIIASIJOPULAnES 17
a favor e contra, e depois compare, avalie e tire uma con-
clusão ; que isto 6 negocio milito serio, e bem merece as
iallimas investigações.
-Fallare~iios corn mais vagar.

A IULIIER MAIS CELEBRE


Havera mil oitocentos e tantos nnnos, jinte seculos qiiasi,
que uma joven menina recolliicla c sU na sua hiirriilrle casi-
nha, meditava e orava, quando um mancebo resplandecente
d e formosura e de luz, rnas menos formoso que ella, lhe
appareceu e a saudou cllamando-ltie :-Cheia de Graça. -
Algiim tempo depois, esta inesrna donzella dizia de si :-
Todas as gerações me clianiar5o hemavenlurada.-Acaso se
enganaria a joyeri proplielisa ? ou engarial-a-ia o Deus que
lhe segredou os futuros triiitnplios I
Que pliraçe se repete hoje, de nin polo a'outro polo por
milhares de boccas christãs, rias vastas plagas que banliam
todos os oceanos 7 Que liyrnno urrivessal se casou com as
harmonias da natureza para repetir coin o bello Archanjo :
-Cheia de Graca?!
Quem podera duvidjr, 3 dupla luz da piedade e da liis-
toria, que a propliecia da Virgem leve uma realisação com-
pleta ?
Hoje toclos as nomeiam, todos a invocam, todos 3 reco-
nhecem como- a Bemaventurada- a Clieia cle Graça.-A
mullier promeltida dcsde o principio (10 inundo para es,ma-
gar a cabeça da serpente symbolisarlora do mal; prira ser
a collaboradora da redernpcão ; e para accumolas eni sua
honra as Iiomcnagons do todns os soculosl
Apenas começara ella a apparecer na ~icla,e já no meio
do mais sumptuoso templo da terra, a siia presença fez
brotar flores de uma vara irifecunda e secca. Deisa de exis-
tir: sobre o seu tumulo operam-se prodigiasl Vão correndo
os tempos: o seii ciilto consolida-se a par dos seus benefi-
cios e dos seus milagres.
Qual 6 o paiz em que se Ilie não Lenham erigiclo templos
e altares? Se ria Africa, Europa e Asia se lhe levantaram
vastos monumentos de marmore e de Iwonze, aonde os
Appelles, e os Pliidias da arte clirislã esgotaram para de-
48 LEJTURAS POPUL9N!X
coral-os, todas as maravilhas do seu genio ; tambem nos
novos continentes se lhe edificam capellas alpestres forma-
das de colnio e juncos, aonde as riquezas da saa variadis-
sima flora, as pennas das suas formosas aves, as conchas
multicores dos seus mares, suhstitaem para ellas, as obras
primas de Raphael, de ,&Iurillo, d e Rubens e de Mignel
Angelo.
Em toda a parte aonde orna cruz se eleva, estandarte de
salvação e de paz, ou seja em magnificas nietropoles, nu-
cleos de toda a riqueza e civilisação, ou ein pobrissimas
aldeias; no centro de inexplarados ermos, ou no cume dos
penhascos A beiramar, sempre a imagem ou a idba de Ma-
ria se edenlifica ao moriumento sagrado.
Que lingiia no universo a não celebrou ainda? Canta.
ram-n'a nas rjdenles margens da Grecia os descandentes
dos Pelasgos na siia l i n g ~ a e mharmoniosa e classica; can-
tam-na egiialmente, nas regioes (10s novos mundos, os fi-
lhos das florestas nos trenos incaltos da sua lingua des-
~~nhecida.
Os pobres selvagens da Australia, monstros semi-nús,
que eram antropophag~santes de ouvirem pronunciar esse
nome de todas as docuras, apenas aprenderam a balbuciar
o dulcissimo nome de Maria, mudaram em canticos os seus;
rugidos, em suavidade a sua braveza, e em ternura todos
os seus furores.
Para sulemnisar o culto da Virgem-rzinba, abriu a terra
as suas entranhas, e o mar os seus abgsmos. Os rnarniores
de Paros e de Carrara, a prata, o coral, o marfim e o jas-
pe., fornrcem o material As suas estaluas, que os ricos da
torra cobrem de uiro, de perolas s de diamanles ; os po-
bros, de fitas e de flores,--e todos, em todos os tempos, a
pbr toda a parte, correm a involver a imagem adorada em
nuvens de ipcenso, de luz, de seda, o de perfumes.
A litteratilra antiga, assirn como a mod.erna, niincr? ces-
saram de prestar iVirgem explendjdn bamenaeetn, Ainda
ha poaco,,iim notavel monuinento de linguistica lhe foi
consagrado: todos os idiorrias conhrcidofi no aaligo e novo
mundo, capcorreram n'este preito unirorsal.
$ãa inoumerasais as livfios oscriptos em seu louvor, B
SBD canto, os grandes sabio's, e os grandes santos, que nog
LEPIURAS POPULAFES i!)
fallam de suas excellencias. - A scicncia unida L\ arte, pa-
rece ter esgotado todos os meios de preconisa1.a.
Em lionra d e Maria, a eloqoencia produziu os seus mais
sublimes rasgos. A rhelorica, engenhosos e delicados sinni-
10s. A pl~ilosophiaactiou a ras3o da sua existencia. A aslro-
nomia forneceu~lhe um diadoma do estrellas. Coroou.a a
theologia rainha dos doutores. h pintura sonliou para Ella,
o ideal da belleza kiumiina. h miisicri elevo11 iis niivens o
seu noine em ondas de melodia. E todas as artes arrojaram
a seus pés assombrosas rnaravillias I!
Qual famoso bardo a não teri sonhado na inspir?çZo d e
seus cantos? à'ntit ns poetas clirislãos :>penasalgiim a teri
esquecido. hlas tel-a iam ignorar10 os poetas latirios, gre-
gos e asiaticos? O celehrc cantor de IZnkas, e 0 uellio IIo-
mero na sua apopea iininoittnll ou dar-se-lia o caso, que
ELLAesteja alli miiito e~con~ditla debaiso d o veo de obscu-
r o s niylhos, ~elaCla por grosseiros erras, mas. .. enlreven-
do-sc a sua sombra alratbs das velli:\s tradicões da primi-
tiva Iiuinar~idii~le ! Se a silicncia sagr:itla a vili nas proimos-
sas de Deus ao primeiro liornem, rias predicqóes dos anti-
gos proplieias de Israel, è ligiir:~da e111 algumas rniillieres
celebres da Esc1 i1)tiir:i: a sciericia 1 ~ ~ ) f ; i r i :ericoritroii
i os seus
vestigios nos niysticisrnos grego, druyilico, scanclinav0 O
persa; nos segredos da 1ilteraiur:i saiisl\i*ipta, c nos liiero-
gliphicos da petreficada litteralorn cggpcia.
Não a recoiiliecemos tios na Virgeub 111.edcstinada de Vir-
gilio ? Não darii d'ella uma vaga itlba-A ~nùedo um IJetls,
vrzcnino e ovnola /iorj/roso? a tnãc das graças encantadoras,
triplico symùolo, tolvtz ... qiiem sabe?... das tres tnai'imds
vir-tudes clirislás, unidas Prn inilissnl~i~cl abrace?
Não sc:rd um vcsligio tl'Ella a ce1el~t.eI'rakrit, diviridacla
indiana que, fecundatia pela terceira pessoa da sua trioda-
de, (ia ao rnunrio o ~rzcninosa/z~aclor?
Não ser6 lambem a.Virgem qlia os drdydas acreditavam
havia de roncehcr?
E qiianilo o buddismo nos assevera que dma crnana$l6
da divindade nascera s o t m a terra de iima donzclla redl,
n3o julgamos rcconliecer a fillia d o Ihvi(l?
Mas, o que ficiim !;endo, ao aspocto d e Maria, 8s oxtrn-
tragantes mysliflcaçõcs das c1ivirid:ides iddicas, 0s gracinBr)LI
mythos claç ttieúgoniau grcgds ? U s a cliusrua dc riytulphas,
nereidaç, silphides e driadcs q u e roubam a :nagostade aos
mares. a transparencia ao ar, e aos bosqi!es o sei1 prophe-
tico silencio? Essa Venus, com a sua perigosa formosura a
o seu ciuto; a Niiierra pretenciosa e soherba ; a Ceses va-
gabunda; a Diana falsarncrite casta 9 Como toda essa turba
de ignobeis tlciis:is foge, e des;ipparece diarite da imagem
candida e deslumbrante da Virgem d o Christiaiiismo ! l
llesrno f~lland0segnnrlo as iiléas menns piedosas e mais
profanas, isto 6 , confronlarido Naria coin outras quaesquer
celebridades femiiiiiias : que v~ilto lia ahi na vellia liistoria
(porrliie ria liistoria rn;iis moderna o vulto 6 ELIA) que possa
susterjiar um tal confronto? Rastejam no pb as Semiraiilis,
a s llelenas, as l)erielopes, as Saplios, as Zenobias, e todas
a s mullier-es famosas que tem csistido, indigrias, mesmo d e
longe, de tocarem a rinibria c10 seu vestido.
I3 SG ao scii nome que se tem associado toda a idba pos-
sivel cle niagoificencia, d e virturle, d e gloria e (18 Iielleza.
F a d a lia rio inunclo, nem rilesino no que s e sunlia para
alem d c toclos os mundos, de esplenilido, de sublime, e de
irieiiavel, que não tenlia servido d e termo de comparaçáo
para engi'andecel-a; e a natureza, assim como a Iiiiguagem,
nada produzcrii de suave, attralienta e sgrnpatliico, que se
não honre nos titulos enleriiecedores com que a iiivoca, en-
tre lagrimas ou sorrisos, a d e ~ o ç á odos p o ~ o s .
ihlgiins incredulos mesmo, mergulliaclos na impiedade ;
perdidos no vacuo d'entre uiii passado seni crencas, e de
uiil fiituro sem luz-qrianilo, com difficuldride percebem-
l i muito ao longe, vagamente desenl~ailaem pailido ci'epus-
culo) a imagem cle i'vIaria ... parece que, repentiiiamcnle, vi-
bra na sua alnia csmorecida e sem eccos, uma corda bar-
moniosa tocaria por descoriliecida mão. .. E, quer. a c,onside-
r e m coino u m ?n!jthc, u m sj)i~bulo, OU simples miillier,
acham para designal-a p a l s ~ r a sencantadoras: l2 a dei/icagüo
da lizulher; a idealisaçiio da p ~ c ? ~ n~ cllvina
~ n ; ci.ea$úo dic
w ~ a i saltcc poesia-e, segundo elles dizem:-n itizcrginaçiio,
nos setis ~tzuiscrrrojados vios, nalia pdde produzi^. ds m a i s
bello !
Os desgraçados ... apesar dos e'ilravios do seu espirito,
s e u corac)ão sympalliisa com o odorave1 ol~joctode tantos
cultos.-fi que o s christáos it~oenla~-aoz tão iormoça a sua
...
Virgem dilecta I. .. lla tanto perdáo no s e u olhar tantas
promessas no seu sorriso... 6 t i 0 luminosa a aureola d e
immortalidade que scintilla d'aquella fronte candida e au-q
guslal
Como são bonitos os h~.i.i~nos
quo lhe consagra a EgrejaT
Com que doces e palheticos nomes a chama o mundo I
Que grandiosa poesia nas imagens que a idealisam!
(Continha.)

BOA E MA VENTURA
Todos sabem que o Grã-Senhor toma por dirertimento
andar, algumas vezes dc noite, disfarçado pelas roas de
Constantinopla, como, n'oulro tempo, costciinaila fazer Ba-
roun-al-Raschid em Bagdad.
N'uma linda noite de luar, o Sult5o acompanhado do seu
grã-visir, tinha percorrido muitas das principaes ruas da
cidade, sem encontrar cousa que lhe despertasse a atlenção,
quando, ao* passar por' defronte d'uma loja de cordoeiro,
lembrou-se do conto arabe de Cogia-I-Iassan-al-I-IIabal, o cor-
doeiro e dos seus dois amigos Saad e Saacli, que tinhain
opiniões tão oppostas a respeito da fortuna nos negocios
humanos.
-Que dizeis a isto, e qual 6 o vosso parecer ? pergun-
tou o sultão ao seu grnn,vizir.
-Eii inclino-me a crer, s a l ~ oo acertado parecer de vossa
magestade, que n'estc qiindo o bom exilo das cousas de-
pende mais da prudencia do quo d'isso, a que se chama a
boa ou md fortiina.
-E eu, replico11 o sultzo, estou con\~cncidoqae os 110-
mens alcançam mais pela fortuna, do que pela prudencia.
Não se ouve dizer, todos os (lias, que tal ou tal pessoa é
feliz ou iiifeliz ? E como so poderia cslabelccer geralmente
esta opinião, s e ella não fosse comprovada pela ex[ieriencia?
-Eu não ouso contradizer a vossa mageslado, replicou
O vizir.
-Dizei com franqueza o vosso parecer ; desejo e quero
sabel-o, disso o sultão.
, -Pois bem ; parece-me, continriou o vizir, que muitas
pessoas se persuadem de que os felizes oii inrelizes o são,
porque nSo se conhecem os ponlos priticipacs da sua liisto-
rja, e porquo se ignoram as circumstancias da sua vida, om
22 LEITWAS POPULARES
qae teem dado provas de prudencia, ou do imprudencia.
Tenho ouvido dizer, por exemplo, que actiialmente existem
n'esta cidade dois homens notaveis pela sua tjoa e pela
sua má fortuna: um chama-se Mo?trud o JvfelU, o 0utt.o
Sàladifi o Feliz. Ora, eu imagino que, se conhecessefnos
toda a sua vida, achariamos qiie um é d'iim caracter grave
e clrcumspecto, o o11ti.o imprudente e inepto.
-Onde moram esses homens, ii~lerrompeu o sultão,
quero o u ~ i rde sua propria bocca a sua historia antes da
entrar no serraltio.
-!Mourad o Infeliz, mora na praça visinha, respondeu o
vizir.
No mesmo instante, dirigiu-se para ali o sultão. Apenas
tinba chegado i praça, logo soaram aos SOdS ouvidos gri-
tos e rilidosos larnentos. Guiados pelo som chegaram de-
fronte rl'uma casa, qiie tinlia a porta aberta ; viram ali um
homem entregue 6 desesperação, que rasgava o seu tur-
bante e derramara torrentes do lagrimas. Perguntam-lhe
pela causa de tão grande desgosto, e esle Iiomem aponta-
llie para o cháo, onde jaziam alguns fragmentos d'uma jarra
d e porcelana.
-Na verdade, era um vaso magnifico, disse o sullão,
apanhando um dos bocados, mas porque motivo ha de uma
jarra de porcelana ser causa de tamantia descspertição?
-Ali ! senhores, disse o dono do \mo, interrompendo
as suas IarneiiEaçÕas, pelo vosso traje vejo que sdis corn-
rherciantes eslrangeiros: por isso igrioraes quantos motivos
tenho para me desesperar! NGo sabeis que fallaes a Mou-
r%d,o Infeliz. Se soubesseis quantas infelicidades mo perse-
guem ~desrleqiie vim a este mundo até este momento, tal-
vet vos coudoesseis de tniin e desseis razão ao meu deses-
ijoro.
Estas palavras ainda excitaram mais a curiosidade do
sdltão, e Mourad, esperando encontrar alguma sy~npatliia
por causa do suas penas, decidiu-se a satisfszer-lhe esla du-
flosidade, narrando-lhe as suas aventuras.
-Senlioi*es, se 170s quereia sujeitar a entrar em casa do
dm ente t3o infeliz, como eu sou, e u passar uma noite de-
bdirio das minhas telhas, ouvireis, i vossa vontade, a his-
tória dos meus infoi-tunios.
O sultão e o vizir desculparam-se d e não pdder passar
LEITURAS POPULXLES 23
a aoite com Mourat, dizendo que se viam obrigados a vol-
tar para o seu Irhar (logar da venda) onde, sem duvida, os
esperavam os seus companheiros. Pediram lho que os dei-
xasse descançar ali só rinia hora, e que, rloranlo ella, lhgs
contaria a hisioria da sua vida, se comiudo esta lembrança
não lhe renovasse muito os seus desgostos.
Poucos liomens lia, por muito infelizes que seajam, que não
goslem de fallar nas suas desgrüças, quando elles teem, ou
julgam ter a certeza de qua alguem s e interessa n'ellas.
Por isso logo que os suppostos negociantes s e seritaram,
Maurad principioi~a sua Iiistoria pelo morlo seguinte
aRleu pae era mercador d'esta cidade. Na noite, qiie pre-
cedeu o meu nascimanto, sonhou que e11 vinha ao muqdo
com cabeça de c30 o cauda de drapuo, e que, procurando
occullar a todos a minha disformidnde, me embrulhava em
um pedaço de pano, que desgraçadamenio se corilieceu ser
o turbante do gran-senlior, o qual despeilado por causa d8
insolencia do profanador do seu tnrbante, mandou quo irn.
mediatamcnto Ilie cortassem a cabeça.
aMeu pae acordoii antes de ter perdido a cabeça, Pilas
não sem ter perdido parte do juizo em conseqiiencia tlo
terror, que Ilie causoii este sonho extraordinario. Era um
acerrimo crente do dngma da predistinação c por isso per-
suadiu-se que ep seria para elle a causa de grandes des-
graças, e isto fez com qiie elle me tivesse aversão, mesrn9
antes de eu nascer. Tinha este sonlio como uma adverten-
cia do ceu; nunca me quiz ver; nem mesrno se qutz certi-
ficar se eu Linha vipdo mundo com tima cabeça de cão
e cai-idri de dragão, e no dia seguinte do rncw nascimento
partiu para Alepo.
aEslevo ausente mais dc. sete annos e cluranle csle tcmp0
a minha educação esteve totalmente desprezada. Perguntei
um dia a minha mas, porqiie motivo me tinhain poslo o
noine d e Rlourad-o-Tnfcliz. Ilespondeu-me que esto nomq
provinha do sonho de meu pae; mas accrescentou, que ,$a-
ria facil fazel-o escluecer tornando-me fcliz; no decurso cla
minha vida. A mirilia velha ama, que se acliava proseate,
desta occasião, abanou a eaheça com iim niodo do que ep
nunca me esquecerei, e fallou em voz baixa a minha mgp,
qias não lão baixo qiie eu náo oiiviçsa:-Ello foi, e, 8 ser&
sempra infeliz. Aquolles que nascem sob a inllilencia (l'urna
24 LEITURAS POPULARES
m i estreita, nunca podem conseguir nada, e não ha nin-
guem no niando, ainda mesmo que fosse o grande propheta
&Iahomet, que resista a esta influeccia. I3 uma loucura d e
uma pessoa infeliz o querer lular contra o seu destino ; é
melhor ceder logo.
@Estaspalavras fizeram uma impressão terrirel no meu
espirito, ainda que então era muito creaoça ; e cada acci-
denle que depois me aconteceu, confirmou a minha crença
no prognostico da minha ama. Contava oilo annos, quando
meu pae regressou das suas viagcns. No anno seguinte nas-
ceu o meu irmáo Saladin, a quem pozeran? o nome de Sa-
ladin-o.i?eliz, porque no dia do seu nascimento entrou fe-
lizmente no por10 um navio carregado de ricas mercadorias
para meu pae.
aNáo vos relatarei a serie d e todos os acontecimentos
menos importantes, que fizeram brilhar a feliz eslrella de
meu irmão, mesmo na sua primeira infancia. A medida que
crescia em idade, todas as cousas que emprebendia sarliam
táo bom efftito, como era mio o de lcidas aquellas que eu
tentava fazer. Desde a chegada do navio que viviamos na
abundancia, e a supposla prosperidade de meu pae era na-
t~lralrnenteattribuida ri influericia da feliz eslrella de meu
irrriIo Saladin.
(~Saladintinha yuasi vinte annns, quando meu pae adoe-
ceu perigosamente : coino conlleceu que se aproximava o
termo da sua vida, mandou chamar meu irrnão para perto
do seu Icilo, e corn grande surpresa para elle Ilie declaroil
que a inagnificericia em qoe viviamos tinha esgotado as soas
riquezas ; que os seus negocios estavam em grande confu-
são, porque se tinha Gado na esperança d'uma continuidade
d e fortuna, e tinha enlrado em especulaçGes superiores aos
seus meios.
aEm summa, para dizer tudo em poucas palavras, só
deixava a seus filhos duas grandes jarras de porcelana, no-
taveis pela sua bellezs, porem o qne llies dava maior apre-
ço eram uns cerlos versos escriplos na superficie em cara-
cteres desconhecidos, e que elle suppunlia terem uma vir-
tude, OU uin enkanto mysterioso ern fdvor dos seus possui-
dores.
aitIeii pae legou estas duao jarras a meu irmão Saladin,
declarando que não poùia deixar este proo,ioso deposito e m
LEITORAS POPGLARES 2s
meu poder, porque, como eu era tão infeliz, corria o risco
de se quebrarem em minhas máos. Comtudo depois da sua
morte, meu irmão Saladin. que era dotado d'um generoso
oaracler, dei]-me a cscolha d'uma das jarras, e fez todos
os esforços para me animar, repetiudo militas vezes, que
não tinha&, nem acreditava na boa ou wzri uentzwn.
(Continha.)

OS ALIENISTAS
Tal era o titulo de um artigo do sr. Francisquí? Parcey,
o qual póde resumir-se em poucas palavras. Fallando dos
insurgentes de Paris, empregados na triste tarefa de tudo
alienar, oii aniquilar, se expressava assim: «Os insurgentes
não teem o seu livre arbitrio, são impellidos por uma lou-
cura contagiosa; em quanto 9s petroleadoras (mulheres que
s e empregavam em andar deitando petroline por toda a
parte), ellas obram sob a influencia de uma doença epide-
mica da nionomania incendiaria.))
Parece que o arbiciilisla queria chegar a esta conclusão:
Se os insurgentes estavam loucos náo podiam ler culpabi-
lidade pelos seiiç actos; se as mulheres estavam debaixo da
influencia de uma doença epidemica, era uma barbaridade
fuzilal-as, oir atolliar d'ellas as prisões.
Tambem por cá temos quem desculpe e defenda os com-
munistas e ate os incendiarios; Deus queira que não passe
para cA a epidemia ou triste mania.
O sr. de Skgoyer, cornmandante de caçadores n . O 26, dis-
poz o seu batalli80, á esquina da rua de Santo Antonio de
modo que ficasse a coberlo dos fogos da primeira barricada'
da praça da bastilha. Antes de mandar atacar, avançou elle
sbsinho a fim de reconhecer as posiçóes do inimigo. Seguia
pela rua adiante, fumando o seii charuto, e em tlirecçáo á
praça; mas apenas tinha saido debaixo das vistas do bata-
lhão, 8 acommettido pelos insurgentes, que saem das ruas
laleraes, e O levar10 preso. Conduziram-n'o at8 ao c:inal de
S. Martinho, untaram-n'o muito bem de pelroleo e o quei-
maram. llabilidades dos alienistas! ou eifeilos de uma ter-
rivel doença epidemical!
Os habilantes d'aguelle sitio 6 que presenciaram e refe-
riram o caso.
26 LIIITURAS POPULARES
Diz-nos uma senhora muito affecta á medecina homcepa-
thica que para a terrivel moleslia do aniel tismo é remedio
lahilivel a hontrepcrtkia, e que, applicando a aos enfermos
de t;il doença, dando-lhes banhos de petroleo e pondo.lhes
fogo, ficam completameiite Livres.

BOH COMMUNISTA
Em ofHcinl da guarda nacional se apresenta, de rnadxiu-
@da, em certa cornmunirlade. Pergunta por frei X. O res-
ip'eí'%vgl frade se apressa a receber a visita.
--Meu IrrnSo, diz o oficial, denlro n'nma hora virão
prender-vos. Tenho esta noticia de parte cerla. Eu que es-
tou incumbido de desempenhai' esta importante diligencia.
É nccessario fugir e qual110 antes.
-Como poilerei faze1.0 ? clisse o frade ; não serei capaz
de dar quatro passos que não seja logo preso, por causa
do meu liabito.
-Aqui eçli outro fato, que eu vos trago; ú veslil-o quanto
antes.
-filas para onde hei de fugir?
-Por tal porla; aqui esta urn passaporte em fhrma, que
é o nneu. Assim que tiverdes transposto a porta da cidade,
dirigi-vos a casa de; madame P., mãe d e dois antigos disci-
pulos vossos. Ella já esta prevenida, o espera por v6s.
-Mas, querido senhor meti, este passaporte dá os vos-
sas signaes. Os vossos cabellos são pretos e os meus s20
brancos.
-Aqui temos com que os tingir, e hareis d e permittir
qus eù vos faça esta serviço.
Em policos minutos, se faz a operação e o bom frade s e
apresenton desconliecido,
Parte, e o oficial foi para o seu poSto.
D'ahi a uma hora, voltou á frenle da sua escoltd, deu
busca casa deSda a disperisa at6 ao cèleiro, gritou, ber-
ri1

rerr COM grandd 6scandalb1 e Su8t0 dos visinhos{ e se foi


I

embora tão furioso quanto lhe foi possivel.


Entre tanto o nosso fugitivo chegava a' casa da mãe do
commandante da força. Nunca houve uma diligencia tão
bem desempenhada.

Os males, que esinagam a França, tambem algum dia pe-


sarão sobre Porlogi~l,e pezarão tanto mais quanto menos
fizermos por aproveitar os avisos que o c60 nos dB, os exenii-
plos que nos apresenta, castigando os riossos irmáos dos
outros povos. Os dias succederri.se, como se siiccedem os
acontecimentos, que bom seria qiie todos ponderassem, com
madiires;) e reíit:xão, que as iilbas libertinase impias, ensi-
nadas e adoptatlas em França, fizeram, em poucos mezes,
da primeiro nação do mundo o escai-mento, o espellio em
que devem mirar-se os outros povos que t5o cegamente
deram em pensar ai frpanceza,para proceder e obrar em har-
monia com o pensamerito. Do muito bem que Iiavia em
França só tem viiido para nbs iniiito pouco e isso mesino
como objecto de contrabando; do immenso mal que por 16
havia tem vindo e penetradc a jorros; por toda a parte e scm
rebiiço riem obstac~ilo Se n;io oltiarmos para Deus a tem-
p,o, os dias tristes da França clirislianissima virão at6 n4sl
Misericordia de Deus! ...
Não 4 somente o triiimpho simples de uni partido qilie
o s federaes prociiram; o que elles protondern 6 a mudança
absoluta na ordem das cousas. A communa pode ser o pro-
texto; o nivelamento 6 o fim unico.
Hoje cornineitem-2e em Paris mais crimes n'um sb dia,
do qile se cornmettjarn n'iirn anno, antes de começar a
guerra; mas nunca se rsgistaram menos (19 que actualrnon-
te, e assim devo ser, porque, aslantlo o porler na mãodos
criqinosos, não seriam elles tão tolos que rogistasscni os
seus actos, ou se fossem entregar d jusliça e rnetter-se na
ç;id$a, pelo conlrario roubam os individiios e os prendem.
Contam-se alistados pelo americano Clascret nas fileiras
do exercilo da Communa de Paris 40,000 estrangeiros, aveR-
turgiras de nações diversas, que se reservam para o nio-
monto decisivo dispostos a fazer saltar Paris pelos ares. São
48,000 garibaldirios sem ùistincção de nacionalidade, 7 000
28 LEITCRAS POPULARES
inglezes e fenianos irlandezes, 1,200 gregos, 600 america-
nos e outros tantos liespanhoes, aliemães etc.
O q c e porém faz pasmar 6 que todos acham in~possivel
um tal esiado de cousas, mas todos se submettem de bra-
r,os crusados i anarcliiat
Assaz critico e perigoso tem sido o estado cle Paris. N'al-
guos bairros, por muitas e repetidas vezes, se tcm feito caça
aos homens, como se fosse As feras, para os obrigarem ao
serviço militar da commilna. Tem-se feito batirlns pelas ruas
e buscas petas casas, e coitado de quem resisiir,
Ka rija de Trevise, foi aparil.iado um çugeilo pelos sol-
dados do sr. Delescluse; prelendendo escusar-se, alloga que
ji passa da idade para servir na guarda iiaciorial. A rt?s-
posta quc tevc foi ser atravessado de lado a lado e prega-
d o na parede pela hayonela d'um soldado.
Houve um grito de liorror geral; mas os soldados nem
por isso deixaram de continuar com a sua rnisersvel tarefa.
-Na ogreja di: S. Pcdro, em Rlontmarlre, a5 vendedei-
ras de viritio e licores fizeram dos altares balcão, servindo-
s e rlos vasos sagrados, para medirem e venclerem as be-
bidas.
-Anda-se em continuo perigo ; exige se com torlo o ri-
gor a qualq~ier o seu titulo de identidade de pessoa, nas
roas, nas prLicas e ale nos omnihus; o primeiro iniliviiluo,
que appareco, prende e exige o titulo ou passaporte a qucrn
1Iie parece.
-Nas reuniões turbulentas, que houve na egr'eja de S.
Sulpicio, siibiu iim tiinante a duas cadeiras, coin iini pi! em
cadauma e berrava como um demonio:-Abnixoo Cliristol ...
Urna bi-etã; de baixa eslalura, fez signal a outras rnullic-
1lieres;'tiraram ao mesmo tempo arnbas as cadeiras r. o mi-
seravel deu com as costas em tdrra, o que fez rir rnuito a
riiul tidão.
-A egi'eja de Nossa Senhora das Victorias foi irivadida
pelos fedaradas da communa, que tudo roubaram, saqiioa-
ram, destruirairi' e despedaçaram. ,A ihagem de S. Pedro
foi ignoùilmento rnulilada.'Só as imagens de Nossa Seriliora
e S. $os6 foram poupadas.
A índigna~iíodos' fieis não podia ser maior, mas não pü-
dia impedir os sacrilegos allentados.
I.BI1UllhS POPULhliu- Sf
o os reis trocarem as insignias da realeza pelo cilicio, e pe.
lo burel.
O mundo só reconhecia na voluptuosidsde a lei suprcrn,i.
-Appcrrece Maria-a ~mmaculada;'- e os suaires encaulos
da virgindade que livrernerile se consagra, os inaudilos triurn-
phos do espii3ito sobre a inateria povoam o muudo de to-
das as caslitlades. Virginea turba vae, louca d'alegria, de-
por sobre os altares d3 Virgem as suas corôas de brancas
grinaldas.-Muitos esposos mcsino, desatando os terrestres
laços da sua união, váo aos pés d'aqnella que fora Virgem-
esposa, e Esposa-virgern, trocar o affecto conjugal pelos dul-
eissimos enlovos d'um anior todo celeste. Deis:irn enião d e
ser esposos como o enterido o rnuridu-sZo Anjos de Dccis
que \Tio celebrar no ceo suas eternas riu[)cias.
A naialia 110s R1aistyres soll'rera junto a cruz todas as do-
res de seti Fillio.-esgolira todas as amarguras do seu ca-
Tix: dcsdc logo, as grutas da Libia e da Thebaida, as soli-
dõus c os clniitros, os palacios e as cabanas, se povoilm de
cruci9caùas virliinas, que expiam com austeras penitencias
o s peccados dos Iiorriens qiic Jesus resgalii-a com todo o
seu sangue, e Maria clioriira com todas as suas Iagriinasf
lii que prodigios de caridade n17o refiilgcrii c10 seu cora-
@o, sul~limeirilerineilio entre a rniscricordia de Dcos, e a
miseria do lionicm! De toda a ctiristaridade se 1l.ie dirige,
sem cessar, iim brado iriestinguivel. 1;: o conjiincto de to-
dos os gritos da hunianidade culpada, rebelde, criminosa,
aviltada, que percorreu infiscrie a escala cle todos os crimes,
desde o mair pensamento e o roubo, a16 iblas1)liemia e ao
Deicicliol
E o lamento sem fim da Ilnmani(1ado soffrente, mise-
ranila, lacrimosa, esmagntla e despedíi~ada por todo o gc-
nei'o cle Lortoras desde ii enfermidade e a fome, atin ao mais
in'çnndavcl abysmo da dôr inoral.
14 a desesperaqão da máe, essa rainha dos affectos, que,
junto ao leilo d o fillio agonisante pede, em ptirases iricobe-
...
rentes, impossiveis, loucas ... a rida a vida de seu unico
filho, unico esteio da sua viuvez, unico amor do seu cora-
cão,
E a prece da esposa, a quem atrozpolitica roiibdra o es-
poso que se clefinlia no desberro.
83 LCITUilAS POPULAIIES

ll a oracão da pobre orpbã abandonada e sb, pedindo o


repouso eterno para a alma de seu pae.
ll o suspirar ardente do mancebo, conlemplando, qual
flor pendida i beira do sepulchro, a joven esposa que lhe
for? dulcissimo c desafortunado amor.
E a supplica do filho pedindo vida e força para ser o sus9
tentaculo de sua valha mãe.
E são tambem os clamores dos naufragas, luctando c o a
a procella no furor das tempestades.
E as preces da piedade que bemdiz e perdoa.
E os gritos do romorso terrificado e pavido.
E as vozes d'uns pedindo o repouso na vida; oulros, a
paz da sepultura.
E são os lamentos das victimas de todas as revolur,ões
sociaes,
As queixas dos pov'os opprimidos, e espoliados.
Os gemidos dos reis, que se santiliçam no exilio - c
tambem dos reis, que deixaram sobre o throno um rasto de
lagrimas.
São os queisumes de torlos os desterrados. - As saudar
des de todas as palrias.
E os prantos de tantos pobres.
O eçtertor de tanlos agonisantes !
E finalmonte o calaclysmo permanénte e incalculavel de,
todas as dores humanas, eccoando unisonas em milhares d~
idiomas: -!SIarial-Maria santissima-Mãe de misericordia,
vida, docura, esperança iiossalll
6 eis que, do seu radiante ceo, desce a nós a especiosa
Virgem!-Mas, o que vem Ella fazer fi terro?Qnel o ser mais
form~soda creaçáo-a q u d'ella ~ surgira perfeitampnts pil-
ra, poder4 Gxar um quadro de tanta deforniidadel Não te-
merá tocar com o delicado pB o lodac,al de tantas priixóes
ignobcisl
-
A sanba, por- excçllencia!-t5o santa que chegou a ~ a p t i -
vqy o coração dq suntidcccls increada qJo fugirti horrori-
sada ao aspectQ de tanto$ peccaclos? Nãol que essa inuiber
t i o bells, $50 prodjgi~sa,tão pura, é egualcgente a mais tcn-
na de todas as mães.
Ella vem trazer aos dçsg~açadosa consolaç%oe. a espe-
rança.
LCITUnAS POPULAnCS 39
Vem transformar em perolas de eterno valor as lagrii1i;is
d a mae, da viuva, da donzella e do orphão.
Vem tocar com a mão formosa a onda embravecida, e
serenar os furores da tormenta.
Vem segredar ao ouvido do agonisante um nome queri-
do e salvador.
Vem offerecer perdão ao remorso, e sorrisos á piedade.
Vem collocar-se, como escudo impenetravel, entre a jus-
tiça de Deus e os peccados (10s homens. E qual arvore de
fi.ondosa ramagem, estender sobre n6s, ali? d consummaç'\o
dos seculos, a sua sombra protectora.
E quando ... n'essc terrivcl dia, cuja lembrança basta pa-
ra nos gelar de teri-orl-N'esse dia cuja noite, será a noite
eterna do abysii!ol-Quando ... iinmoveis entre dois liorrn-
res-o liorror do passado,.. o liorror do futuro! ... 06s vir-
mos enlenehrecerem-se os astros-fugir o sol-agonisar a
natureza-cliorar a creaflo -rugirem os n;iinrlos revoltos,
pasniados de voltar ao cahosf
Qiian~lovirmos a morte ... surgir visivel e nua c10 seu an-
tro desconhecido, patentear A nossa intelligencia espavorida
o mysterio da sua cxislencia ... levantar corno lropheo a foi-
ce amcaçatlora mil vezes miiis terrivel, porque clla scnte...
a morte, que tnmbem vae mori~er!
Quando, contemplaritlo o ala1 na sua essencia multifor-
me, a fiente da sua hedionda pt~nlange de crimes, jd sem
vkos, nem disfarces, nem sophismas, nbs conhecermos a inex-
plicat7el origem do sei1 ser!
Quando nos for revelado o caracler d'esses mesmos cri-
mes...
Quando conhecermos que o orgullio, a impiedade, e a
heresia, sáo a revolta sacrilega, segredada pelo espirito da
soberba, contra a lei de submissão imposta pelo Ci8eador.
Quando virmos que os excessos commettidos pela ctile-
ra, pela avareza, pela intomperaiiça, são a ilagollação conti-
nua e cruel sobre os jii flagellados mcmbros do Iiedein-
ptor.
Quando virmos como a vaidade e a inveja poderam trlins.
formar ern odio o ineffavel amor irradiado do coração de
DOus para felicitar o mundo.
Quando coriliecermos que 3 impiiroza 6 a 1)rofanação da
imagem de Deus esciilpida r.a nossa alma; i?... cousa horri-
40 LEITURAS POPULARES

xfel!!... atirar com punhados rle lodo infecto á face puridsi-


ma do Salvador!
Quando virmos, que horrivel transtorno operou na ordem
da creaçáo a ferocidade, a malvadez, a ambição e o roubo,
reganrlo com sangue e lagrimas a terra, que Deus regira de
fecundante orvalho-devastando o solo, que Elle, com tan-
ta complacencia, alcatifira de fructos e d e flores.
Quando, finalmente, ld no grande dia da ira, a humani-
dade de todas as eras comparecendo janta, compacta, petre-
ficada perante a tremendissima justiça de Deus, clamar, com
esse pavor ... sem nome na lingua humana1 sem idCa entre
todas as idéas possiveis! hrlolztaJns cai solr~~s ndsl E enláo
que conheceremos quanto nos foi valiosa a protec~áoda
nossa celosto Amiga. Se Ella fard ainda valer o seu duplo
poder de Rainha e de Mge; se dirá ao Eterno: perdão pa-
r a os meus amigos, perdáo para os meus tilhos, que s e ar-
rependeram.-Para elles a eternidade... a eternidade feliz,
em troca de lcdas as minhas lagrimas ...
Salvel tres vezes, salve1 O sublime fonte do amor mais
puro!-Consoladora dos desgraçados-hjãe dos orpligos-
Balsamo para todas as feridas - Refugio contra Lodos o s
naufragios-E'em teu seio, ó Snntal quo as lagrimas do 110-
mem culpado se transformam em perfumadas rosas com
que, um dia, formards a coroa promettida ao seu arrepea-
dimenlo! Avança pois no teu caminho sublime-Faze cl-iover
sobre as nossas cabeças criminosas torrcntes de perdão e
de graça-Depõe aos p6s do excelso Tlirono os nossos co-
raçfies involvidos em tado o sangue, em todas as lagrimas
do Calvariol-Divina Missionaria, progride na tua missáo
grandiosa; exerce, em nosso favor, o t e ~ itriplice poder de
Filha, Esposa e Mãe de Deiis -Entre a Sua grandeza que
nos espanta, e a nossa miseria que nos aniquila, a suavis-
sima transição 6s tu ... O' Clemente-O' Piedosa-o' doce:
-0' sempre Virgem Maria!

Encontramos na Semaijze Rcliqieusa de Tournai o segnin-


te curioso dialogo, que nos parece bem digno de transcre-
ver-se. Ei1.o :
LEITURAS POPULARES 41
áNo anno 44 da era vulgar, um pobre viajante percorria
o caminho Aurelianno e aproximava-se dos muros de noriia.
Chamava-se l1edro e vinha tomar posse da cidzde Eterna.
Não era portador nem de notas diplomaticas, nem ila leis
de garantias. Não tinha exercitos, nem podia dar banquetes
sumptuosos. Trazia uma simples cruz.
Um padre da Egreja nos apresenta Pedro encontrando
a m pagão 8 porta Janicula, e põe em sua boca o seguinte
dialogo:
Pagão-Onde vaes tu, estrangeiro 7
Ped1.0-Venhoprhgar em Ronia tim Deus desconhecido c
desiruir o tlirono de Satanoz.
Pagão-E: quem 6s tu?
Ped~o-Um d'aquelles Judeus que tanto detestaes.
Pagão-Tu és sem du~lidnalgum grande e rico Judeu?
Pedro-Sou um pobrissimo pescador.
Pagcío-&Ias tu ks um homem sabia?
Bedvo-Nunca estudei.
Pagão-N'esse caso deve ter muitos attractivos o Deus,
a j a religião vens pregar aos Romanos!
Pedro-B' um Deus, qiie morreii por todos os homens,
e foi criicificado entre dois ladrões.
Pagão-E quo vens tu pregar em nome d'esse Deus?
Pedro-Ilumildaile e sacrificio; guerra ao orgulho e 5
carne.
Pagão-E pretendes estabelecer em Roma essa doutrina
insensata?
Pedro-Em Roma o em toda a parte da terra.
Pagão-R por quanto tempo?
Pedro-Por todos os seculos.
Pagão-Mas tens a Cezar pai. ti?
Pedro-Cezar? ... Venho despojal-o do soberano pontifi-
cado e eslabclecer minlia s8de n'esta Roma, que d'aqui em
diante ser8 rninhn Roma.
Pagão-Elle far-te-ha morrer.
Pedro - llorreroi por Jesu-Christo.
Paglio-Vae, pobre insensato; nGo se pode imaginar mais
solemne loticura.
Pedro continua seu caminho e põe se a pregar o Evanga-
lho. Passados vinte e cinco annos de pontificado, foi cruci-
ficado; mas ~uccedeu-lheum outro Pedro, que s e chamava
42 LEITURAS POPULABEQ

Lino, depois um outro, e Um outro ainda por uma serie


nunca interrompida ate Pio Q. E os Cezares de~appareçe-,
ram, desappareceu o Imperio, desappareceram cem dynas-s
tias; o Papa ficou Rei de Roma.
Esta realeza durava desde ha doze seculos, e eis quequm
rei piemontez se introduz na Cidade Eterna para deEnitiua3,
vamente despojar o siiccessor de S. Pedro. A sua entrada
na cidade, este novo rei deixa escapar uma pal8vra de sq-,
tisfa'ação; um catholico lhe responde, e trava-so o seguiqt@
dialogo:
Rei-Eis-me finalmente em Roma. Prornetti do chegar
aqui no dia " L e jiilho, e aqui estou.
Crilholico-De que meios vos serlriates piira entrar? Por
quanto tempo vos deporgreis aqui?
Rci-Que importam os meios? 61-13 os justifica. Estou
em Roma, e a throno de Italia, urna e indivisivel, aqlli per-
manecerá ate ao fim dos tempos.
Ccrtholico-Estaes d'isso bem convencido?
Rei-Muitissimo. A Italia esti completa. Desgraçado d'a-
q u ~ l l eque lhe tocar1
C~tlio[ico-E que quercis v6s fazer em Roma?
Rei-Refazer o que desfq S. Pedro.
Catholico-E julgaes-vos com forga para isso, o11 s,enRor?P
Rei.jim, t e n h ~cem causas que falkaviim, a S. P e d r ~ .
Catholico-Cem cousas I
Rei-Tanb~ dinheiro, a S. Pedro não o tinha. Tenho po-
ças d'artiliieria, espingardas e soldados, e S. Peclro não o$
tinha. Tenho guardas civis, jorn$list8s, empregaclos,' depu-
tados, senadores e plebiscitos; o S. Pe0ri.o nada tinha & Eu-
d o isto.
Catholico-E nada mais tendes, mui podepsa prinoipe?
$ei-lle~lio toclos qs ifanc-rnaçons d9 unluerso que; me
qpplaildem e a,uxiliarq.
Cntlbolico-E que mais?
Rei-Tenho' os governos ;uns cqnplices, clutros indiflo-
rentes ou que nada podem fgirep.
Cntboljcor;.E nqda mais?
Rci-Ainda não 6 tudo; tenho a estreltn d'Italia, O O ~ V .

mendac?ores e cavalheir~s; tenho sgenL'etF9 d$ p~iicia;tenho


por ~ i t ptodas as paixõcs humanas, tenho tadas os royolq?
cJgni(rios mgrtgs, e vivos.
LUITURIB POPULARES 43
Catholico-Mas tendes a Dous pela vossa parte?
Rei-Não; deixo Deus ao Papa.
Cafholico-Muito hem, senhor, ((fareis fiasco,»-sallireis
hjal da empresa.
Rei-Tenho sido bem succedido até aqui; continuarei a
361-0.
Cntholico-Não vos saireis bem; eia. vol-o assegiiro. S.
Pedro pode occupar o logar dos Cezares, porque, privado
d e todos os meios l-iilnianos, tinl.15 a Dous por si. Vós não
occuparcis o logar dos I'aprts, porqile, apesar de terdcs to-
dos os meios t~urnanos,falta-vos o principal,-o auxilio de
Deus.
Ouvindo esta reíiexzo, o rei se poz a rir e desappareceu,
porque tanto a conquista de Boma por S. k3ediboparecia
urna impossibilidade, quanto lhe parece facil a sua con-
quisla.
E todavia o mau exilo go excommungado 6 tão cerlo, co-
m o è innegavel o triumpho de S. I'edro. O governo ilalia-
no crê que a sua obra recebeu o coroarnerito no primeiro
de jullio; do primeiro dc jullio, ao contrario, d;itarA a sua
ruina. Escrevemos islo n'uin dia, eni que escresel-o pare-
ce uii~aloiiciii3a. filas as nossss pala\rras ficaráo, e cilal-as-
hemos mais tarde. O hymno para a tomada de posse d e
Roma estíi ji composto, desde Iiri muito tempo: e o Iigm-
no que os rOpohros repetcni nos abysmos: Nds insctzsati!
«In$cnsatos que 116s eramos))! Nero e Napoleao o cantaram
blaspliemanllo; o novo Cezar de Iloma s c 8isp6c a repetil-o.

PALAVRAS DE PIO IX
Repelimos u n ~ a spalavras que nos foram ditas pelo sr.
abbade da sé de hlraga, e que p0r elle, mais tl'oina vez,
forarn ouvidas da psopria boca de Pio 4X: Uniiio, o~~açdo;
o Lrizl?,zplio é certo, e czt hei de vcl-o; iuas o di(6 77iFo o sei.
É de suppor e miiito para crer que o Sarilo Padre qui-
zesse dizer que, cslando elie ainda na terra \,cri o ilcsoja-
do e ccrto triumplio cla Enrejii; mas t;iml)etn pode scr que
do cco é quc clle coiito \ J C ~a Egreja lriurnphanie na terra.
Uliidos em oraçao c siicriIicio n3o cesseinos c10 implorar>
a fnisericordia do Sacordolo eterno, Victima pura d'uiu podd
44 LCITUR.AS POPULIRES

vo ingrato, para o seu Vigario, victima expiatoria, martyr


de espirito, e para a sanla Egreja, esposa do Cordeiro. As-
sim unidos venceremos.
Kão lia ariilheria, nem macbina alguma de guerra, nem
embustes nem ca~ilac,ão.nem força ou malvadez, que pos-
sam vencer as duas armas do christão: a prece e o sucr.ific90.
Orar, soffrer e esperar, para triumphar.

A ECREJA EDIFICADA
Emprehendeu uin rei virtuoso levantar uni templo 5 Vir-
gem, e como queria clle sO ter os merecimentos e a fama,
fez annunciar por todo o reino qiie nenhum dos subditos
estava aiictorizado para concorrer nos gastos d'aqiiella fa-
])rica. .4 proliibição era atS concebida no tom mais ahsoluto.
Edificoa se pois a Egreja de exclusivo bolsinl~odo so-
berano ; e construida, ella designo11 por uma inseripçáo d s
letras de ouro que a dcspeza toda correra apenas por sua
conta. A noite immediata, mão, qiie ningriem distingue,
apaga o nome do rei, e substitue-o pelo nome de uma po-
bre, d e extrema niiseria; pela manbá cedo accorrem a con-
tar ao soberano, que se apresta a restituir o seu nome na
jnscripção de l e t r ~ sile ouro. O dia seguinte igual troca, e
identico reparo, e assim tres dias da enfiada. Inquieto de co-
lera, ordena o Rei que lhe conduzam a pobre, q u e era uma
velha, bem velha, a quem exprobra a violação do decreto.
- Senhor, responde a pobre a tremer, respeitei os vos-
sos decretos, Deus bem sabe quanta pena qtie eii tinha de
não poder dar lambem a minha esmola em honra de Nos-
sa Senhora; mas como eu me senti desconsolada e triste
por nHo poder nada, e me pareceu que assim não desobe-
decia a Vossa mrigestade, diminui na minlia comida para
comprar um pouco (le feno, que levava ás escondidas aos
animaes, que acarretavam as pedras para as obras do templo.
O rei então respondeii-lhe que o merecimento d'elle era
maior, e que o seu noma mais que o d'elle merecia ser
collocado na inscripção de letras de ouro.
Mas a noite immediata a mão invisivel escreveu de novo
0 nome do rei; e então 4, que elle ficou escripto para sempre,
LEITURAS POPULARES 48

VIET03 HUGO E OS FRADES


Um aucthor celebre disse:
~Izeunem-se alguns homens e vivem em conimurn, em
virtudc de que direito? Eni virlude c10 direito do associa-
ção. Encerram-se em sua casa e com que direito? Eni virtucle
do direito que tem todo o homem dc abrir ou de fechar a
sua porta. Não saem, e com que clireito? Em virtude ilo
direito que cada um tem ile sair ou n30 sair e que lhe dh
o direito de ficar etn casa quando 1110 parecer.
«E alli em suas casss o que S m m ? Fallam em voz baixa,
abaisam os olhos e traball-iain. Renrinciam ao munclo, as
cidades, 4s sensualidades, i s ~laitlades,aos orgulhos, aos
interesses. Vestem-se de grossa I4 ou d'ouira qualqiier Ia-
z e n d ~ordinaria. Nenlium d'ellos possuo corrro seu seja o
que for. Entrando alli o que era rico, faz-se pobre. O quu
tem (ia o a todos.
a0 yue era, o cjoe se chama iiolire, fidalgo ou senlior, 6
egual aquelle que cra carnponcz. çella S a iriesrna para
todos. Todos passam pcla tiriesma tonaura, usam do mesmo
hahito, comem do nicsmo pão negro, dormem na mesrna
palha, morrem sobre a mesma cinza. Teem o rnesino saco ds
costas, a mesma corda A cintiira.
«§c rcsolvem ir com os pés clescalços, todos ~ ã descal-o
ços. S e entre elles se encontra algum principe, esie princi-
p e 6 o mesmo que os outros, aqi~inão 113 litulos. Ate OS
agpellidos de fainilia estão riscados. Elles riZo toem senão
os sobre-nomes. Todos se conforrnaiii com os norries que
receberam no baptismo. Dissolvei'am a familia carnal e coris-
lituiram na sua communidade a faiiiilia espiritual.
~ E l l e snão teem outros parentes sonso Lodos os homens.
Soccorrem os pobres, tratam dos doentes. Elegem aquelles
a quem obedecem. Chamam uns aos outros: «Jleu irmão.,
r0ram. A quem? a Deus.
uAs pessoas de pozcca ro/lexÜo, os estozcvados, ilizem:
De que servem estas figuras imrnovois do lado c10 mgsto-
rio? De que ser~;enz?o que fazem? - Niio Ira t ~ l r e u .o d n i
mais s z ~ b l i m edo gzhe n que [aze~nestas abllas. Talvez quo
não haja trabalho mais util. Fazem muito bem aquelles que
oram sempre por aquellcs q u e nunca rezam.,,
Quem 6 que fala assim?
46 L C I T U R ~ S POPULARES

Viclor 1-Iugo.
De quuni fala elle?
Dos frades, dos monges.
Um monge é um christáo que foge do mundo, para tra-
balhar com mais segilrança na stia salvação eterna. E um
homem que se retira dos outros Iiomens, n2o por odio, ou
porque os despreze, mas por amor de Deus e do proximo,
e para melhor os servir conforme melhor tiver regulado
e disposto a sua alma.
Esta idéa de retiro, de solidão, é mesmo a raiz da pala-
vra monge, que [em d'uma palavra grega que significa so-
litario. Mas como muitos cbristáos toem em todos os tem-
pos obedecido ao mesmo impulso, estes solitarios tem-se
encontrado; deste modo toem reconstitiiido a vida commum
a que pareciam fiigir, e esta vida, fundada sobre uma com-
rnunidade absoluta np pensamento e na acçso, fez a baze o
a força do estado monastico, diz o conde de Montalembert.
Mas não hasta só ao monge o separar-se do miicdo, e
preciso tambem que elle se abstei~tia do que e licito no
mundo. O monge e pois essencialmente um homem que se
priva do que poderia gosar sem o mais leve escrupulo.
Toma do Evangelbo não só o preceito, mas tambem o con-
selho. Para evitar o que é prohibiclo, renuncia an que 6
permitido; para conseguir o bem, aspira 4 perfeição; para
estar mais certo da sua salvação, quer fazer mais clo que 0
preciso para se salvar. Submette-se a um genero de cast,i-
dade, d e submissão e de pobreza, que não se exige a todos
os cliristãos. Reguncia por um esforço generoso do seu li-
vre arbilrio aos vinculos do matrjmonio e da familia, á proa
priedade individiial e .ti voutade pessoal, e póe este lri-
plice sacrificio sob a protecçiío d'urna promessa irravoga-
vei, d'um voto. Tendo assim triumphado r10 seu corpo pc-
la conlineacia, da sua alma pela obediencia, o do mundo
pela pobrcza voluntaria, vem, tres vezes vencedor, entregar-
$e a Deus e tomar logar na flar desto exercito que se cha-
m a Egreja.
Mas é ao Evangolbo que llerlenca fecundar e perpetuar
estes exemplos, As palavras do Redemptor, Filho de Daus,
eram formaes. Ella tinha dito iqoelle rnallcebo a quem ti-
nha amado, tendo-o visto s6 uma vez e que Ilie perguntam
.qual era o caminho para a vida etsrna: ((Urna só cousa, te
1,CITVRAS POPULARCJ 42'
falta para seres perfeito: vende tudo o que poçsues e da-o
aos pobres, terás um theçouro no ceo; depois \.em e se-
gue-mo.» E ainda mais: «Todo aquelle que abaodonar por
mim, e pelo meu Evangeltio, a sua casa, os seus irm3os,
suas irmás, o seu pae, a sua m'ie, os seus filhos, e os seus
bens, será recompensado com o centuplo; desde logo acha-
ra cem vezes tantas casas, irmãos, irmns, filhos, bens, com
persegzci~ões, e depois possuir$ a vida eterna.^ Desde que
esta palavra divina se espallloii pelo nniverso, tem-se visto
lioinens, que, longe dc se descorçoarem pela .força d'esta
linguagem, ou co~itristncloscomo aqaelle que primeiro ri
ouviu, leem pelo contrario acliado n'ella uma suavidade e
um attractivo, que escedg todas as sedtlc~õcsd'cste milndo,
e qile, correndo apressurados no estreilo caminho, se Icem
encarregado de clemonstrnr que nada ha 110s consellios da
perfeição cvangelica impralicavel a fraqueza liumalia.

A ESTBELLA VESPER E A VISÃO IPSTIGA


LENDA DE SANTA 1ilNV.Z
Em linilas larclcs ile maio florido,
Quantlo mais fulgido se esconde o sol
E (qi~alda aurora Sbra o crcpusculo)
Com longo encanta-nos vivo arrebol.
De estirpe egregia d'altiva Roma
Tenra vergontea, forinosa Ignez 1
Ein banco rustico d o soii eiraclo,
QuBda sentara-se mais de uma vez.
Longe expulsava lembranças frivolas,
Que em alma angelica cleixam lal16o:
Seus ppnsamenbos oram altivolos,
Toclos virgineos, todos do céo.
"~anta Igncz, nobre donzolla 'ornana qiio, tendo couangrado por
voto a Deus a 8Uai virgiudsde, padeceu corn sobre1iuman:t í'ortalcra o
niartyrio, n s perqoguiyC~(Ic Dioclcciitno. Aiites de llie seivdecepzdn
a cabeya, fora miraciilosanicnte prcscrvada do gr:~vinoimoperigo a,
que so allude n'esta poesia, A Egrcja cornrnemoi'u. o seu glorioso
triumpho em 21 de janeiro.
Um dia as vistas na eslrella Vespero
Fitando placidas, a Deus bemdiz;
Toda enlevada 00 seu reverbero,
Cerra os ceruleos olhos genlis.
(Accende o Vespero. dizem os vates,
Em nossos animos prolano ardor ...
Em me,nte ascetica nutrem seus raios
Chamma purissima de santo amor).
A Ignez antolha-se, n'um sonho mystico,
I-Iorto odorifero com flôres mil,
N'elle, pastando, na relva rorida,
Cordeiro candido, meigo e gentil.
D'elle aproxima-se: vê-lhe pintado
No peito alvissimo vermelha cruz;
Prestes occorre-lhe que se lhe mostra,
Sob tal symbolo, Christo Jesus.
Sallêam subito seu casto espirito
Ternas, vivissimas, mil impressões,
[Juaes excital-as soe o Paracljto
&os seus mais intimos nos coraç6es.
Adora, estatica, na visão fausla,
.Ao Deus altissimo, com viva fé,
E Ièda, huniillima, do cordeirinho
Brnprime um osculo no niveo pb.
Elle as caricias da jovon timida,
Grato e benevolo, mostra aceilar:
Ignez aff:jga-o, mais e mais fervida,
O seio inunda-lhe goso sem par.
Eis voz dulcissima, que sao dos ramos
De rima das arvores do almo jardim
(Celeste musica, não de ave ou de homem)
Ouvir parece-lhe, que diz assim:
LEITUBAS POPULARES

<Esse Cordairo, manso e pulcherrirno,


Que piza os cespedes d'este vergel,
Figura e mystica do Aulio sem macula,
Que doma as furias do vil Lusbel.
a 0 ver0 archetypo, txes vezes santo,
D'esse Agno typico que vês aqui,
Reina no Empyseo, remiu o inundo,
Folga, benefico, de unir-se a li.
Liinpo conserva, qual branco lirio,
De toda a nodoa teu coração;
Tel-o-lias Esposo. Toila consagra-lhe,
Como a Bem unico, tua affeição.*
Clieia de jubilo por tal convite,
Do sonho, ou estase, desperta Ignez:
Vê inda o Vespero, sente em seu peito
Vigor insolito, náo languidez.
Logo um seu prisco, firme, proposito
Com voto explicito quer confirmar:
De Christo h Esposa Santo Pontiíice
Lança v60 candido, junto do altar.
Em tanto, rabido, do inferno o despota
De Roma ao despota i fliror inspira;
Tudo conspii-a, com sanlia horrifica,
Contra a pacifica turba fiel.
Todo o que aos idolos culto não presta,
Que ser protesta da Cruz discipulo,
Padece (e ufana-se do sacrificio)
Lento supplicio, morte cruel.
'Sem medo ao barbaro furor satanico,
Ignez, dos deoses delesta o culto,
3 O imperador Dioclecinno.
50 1,EITUnhS P OPULAnIiS

Mas torpe insullo causa em seu animo


RIngoa maig rivida c~ucqualquer dbr.
Empóem-na a Iqbricos em U M prostibul~..,
De traios horridos, serena, zomba;
Mas entre abutres, candida pomba ...
Que fhra angustia, sanlo pudor!
Ouve-lho as supplicas o eterno Esposo,
E, em 120 riscoso lsgce fatal,
Protege a viclima, que intacta, incolume,
Vence o tartareo g e ~ i od~ mal,
Ignez ao gladio subrnette o collo,
E deixa o solo, de praritos val:
Com palma duplice, virgem e martyr,
Gosa no Ernpyreo dita immortal,
A. J, Viale.
<-

BOA E nlk vENauRn


(Contisi1ado dq pagina Q5)
aEii não podia partilhar a sue opirliáo, ainda que cstava
possuido do maior reconliecimepto pela bondade coin clue
elle se esforçava phra d i ~ s i ~ a rmiriha coslurnada rnelan-
colia. Eu ]?em via que tudo isto era inulil, porque, fizesse o
quc fizesse, sempre liavia de sQr Mourail-o-Infaljz. hlcn ir-
mão, pelo conlraris, 1-60 se dcsaniinoii mesmo vendo-se no
estado de pobreza, em que nos cleixou meli pae : dizia qu@
tinha a certeza de achar r g e i ~ s~ 4 se~ manter,
4 e tinha razão-
a Examinando as nossas jarras do porcelana, encontrou no
fundo um pó de ama brilbanta çor ascarlate, Q logo lhe veiu
ao pensamento que o poderia cqqregar para fazer um? boa
tinta. Fez uma esperionçia, e depois C\;e algamas tenlati~las,
conseguiu felizmente o que desejava.
(iNo tempo em que meu pae .tivia com esplendor, minha
mãe comprava os saus ricqg vqslidos e111casa dç yrn mar-
cador que fornecia o bargm imperial. Mau irmio tisha feito
alguns insignificantes obsequias a eslo homem, e quando se
dirigiu a elle, este lhe promelleu que liavia recotnmeedar
a sua nova tintura escarlate, E na verdade ella era tão bo-
LEITUBAS POPULhiiCS 51
niita, que 6 primeira vista deslumbrava outra qualquer cor.
,A loja cle Saladin encheu-se de freguezcs, e as suas manei-
ras affaveis, zssiili como a suri agradavel conversagão, lhe
crearam lama, assim como A sua cBr escarinte. Notei pelo
contrario que a minlia pbysionomia triste e carregada era
Iiastante para afastar de mim todos os que apenas me viam.
Cada vez me convenci mais, e rnais me confirmei 1iacrença
do meu f ~ ~ u e s deslino.
lo
a Aconteceu, um dia, que urna sentiora ricamente vestida
acompanhada por dilas cscr;isas entrou na loja de meu ir-
mão para fazer algumas cornpsas. i<lle tinti:~saido c eu linha
ficado para aviar os freguezes. Depois de ter cxamiiiado al-
gumas fazendas, a dama reparou na minha jarra que estava
na loja, mostrou extraordinririo desejo cle rri'a coinprar, e
loffereceu-me por ella u n ~ asomrna consideravel, se eu Ih'a
quizesse ceder; porem eu recusei decedidamente, na iiitiinb
couviccão de que alguma terrivel clilaniiidacle me ;lersegui-
ria, se voluntariamente perdesse n posse cl'cste precioso ta*
lisman. Despeitada por cst:i recusa, a sonl.iora, como 6 na.
tural em todo,, maior desejo niiostrou do possuir a jarra;
mas nem as siipplicas, nem aç seducçcies, foram capazes d e
m e fazer mudar de resolu~áo.Exasl~cradano mais :ilto ponto
pelo que ella chamara a minha estupida teima, a darna saiu
ernflrn da loja.
a Quando voltou meu irmzo, contei-ltie o quo me tinha
acontecido, esperando receber os elogios, que nierecia a mi-
nha prudencia. Mas, pelo co~itrario,elle metiou a ridiculo
o supersticioso valor que eu ligava aos versos escriplos na
zninlia jarra, e disse-me que era a maior loucuru trocara oc-
casião certa d e augmentar os meus liaveros, pela esperança
incerla de uma mystcriosa prolccçãu. Não pude tot~forrndr*
me com a sua opinião, e não tive valor para seguir o con-
sellio que elle me dcu. No dia seguinte, voltou n darias, O
meu irmão vendeii-llie a sua jarra por dez mil pocns de oui'o.
Empregou este dinheiro do modo mais 'vantajoso, coinprahao
um novo sortiznento de ricas fazendas, Arre[)sritlí-rae, mas
j i não era tempo ; ou estou persuadido que b urri dos effoitos
da fatalidade (JUG persegue certas pessoas, quo ollas 'so
não possam decidir quando se Ilies oll'eseco uma 0ccdsiã0
OQporluna. Tinlia perdido a occasiãa e senliti h50 EBr feito
a contrario do que antes tit~hlit'csolvido; e acontcccu rIUo,
52 I C I T U R I S POPULARES

em quanto eu hesitava, fugia a occasião antes que eu meti-


vesse decidido. Ernfim, B isto o clue eu chamo ser infeliz.
Mas, continuemos com a mirilia historia.
a A dama, que tinha comprado a jarra de meu irmão, era
a sultana favorita e a que tinlia toda a influencia e poder no
barem. Concebeu i11n odio tão violento contra mim por causa
da minha teimosa recusa, que protestou que não poria os
pés em casa de meu irmão, em quanto eu li estivesse. §a-
ladin não se queria separar de mim, mas eu não podia sup-
portar a idba de ser a causa da rnina de um tão bom irmáo,
e abandonei a sua casa sem lhe dizer nada, e sem me impor-
tar com o que me podia acontecer. Dentro em pouco, a fome
me adrertiu de que era preciso cuidar nas meios de pro-
curar a minha subsiçtencirr. Assentei-men'uma pedra, A porta
d e um padeiro ; o cheiro do pão quenle tentou-me. .. e pedi
esmola com uma F O Z fraca, e [remendo.
a O dono do padejo deu-me quanto pão eu podia comer,
mas com a condiçHo que havia de mudar de fato e que me
havia de enipregar, todo o dia, em levar os pãesinlios aos
seus freguezes da cidade. Consenti sem hesitar, mas não s e
passou muito tempo que não se me offerecesse occasião do
me arrepender, porque, se a minha ma sina ri20 me tivesse,
como de costume, transtornado o juizo e a rnemoria, nurica e u
teria accitado a insidiosa ofkrta do padeiro. Havia jA algum
tempo que o povo de Constantinopla se queixava do peso e
da qualidade do pão que se lhe vendia. Este surdo descon-
tentamento tinha, muitas 17ezes, sido o prenuncio certo do
uma insurreição, e os padeiros tinham mais de uma vez per-
dido a vida no meio d'estas desordens populares. Eu muito
bem sabia isto ; mas n'esta occasião tão critica, riem tal cousa
me passou pela idéa.
a Troquei o traje com o padeiro ; mas apenas tinlia co-
meçado a percorrer as ruas visinhas com os meus pãesi-
D ~ O S quando
, o povo começou a aglomerar-se e a dirigir-me
vaias e insultos. Perseguiram-me ali: a porta c10 serralho, e
o grão-visir asstistaclo com este grande tumulto, deu ordem
para qlie me cortassem a cabeça ; B o rernedio ordinario que
se applica n'estes casos.
r Prostrei-me de joelhos, e protestei, com toda a vel~cmen-
cia, que eu não era o padeiro que julgavam ; que nada tinha
com elle, e que nunca tinha fornecido ao povo de Constan-
LC~TUBAS POPULARES 53
tinopla pão com falta d e peso. Declarei que a unica culpa,
que tinha, era ter trocado o traje com o padeiro culpado,
por um dia, e que tinha cahido n'esta falta e m consequen-
cia da sorte que me perseguia. Alguns dos mais furiosos,
gritaram -que eu merecia ter a cabeça cortada por causa
da minha exiravagancia ; mas outros tiveram d6 de mim, e
em quanto o official mandado para executar a ortlem do visir
s e dirigiu aos mais turbulentos, aquelles que se tinham com-
padecido do meu infortunio, abriram caminho por entre
elles e favoreceram a minha fuga.
a Abandonei logo Constantinopla, deixando a minha jarra
em poder de meu irmão. A algumas milhas de distancia da
cidade, encontrei um pelolão de soldatjos. .Juntei-me a elles,
e sabenclo que iam embarcar para o Egypto com o exercito
d o grão-senhor, resolvi acompailhal-os. - Se i? da ~ o n t a d e
d e Mahomet que ea morra, disse eu, quanto mais depressa
melhor ! A desesperação que me opprimia, estava ligada com
tanta apatliia, qiie apenas tomava as precauções necessarias
para conservar a exislencia. Durante a viagem, n7 me oc-
cupei n'outra cousa senão ern fumar no meu cackiimbo : dei-
tado sohre o coriv8s do navio, parece-me qiiu, sn se tivesse
levantado uma tempestade, como eu esperava, rião me teria
dado ao trabalho nem ao menos de tirar o cacliimbo da boca,
nem de deitar a [não a urna corda para me salvar do nau-
fragio : tão profunda era a resignação, oii para melhor di-
zer, o torpor a que a minha crença na futnlidade tinhasub-
jugado o meu espirito.
a Desembarclmos sem novidade apesar dos meus som-
brios presentimentos. Por cama da minha iridolericia, fui o
ultimo do navio que saltei em terra, e quando clieguei ao
campo d'El-Arich era noite fechada. Fazia luar e com uma
vista d'olhos podia ver toda a scena do acampamento. Era
u m numero immenso de pequenas barracas espalhadas so-
bre a areia branca do deserto ; viam-se em distaricia algu-
mas palmeiras ; tiido estava sombrio e quieto ; o profundo
silencio sO era interrompido pelos camellos qrie passavam
em frente das barracas, e no meu caminlio nHo encontrei
uma unica creatura humana.
c Tinlia-se apagado o meu cachimbo, e foi para accendcl-o
n'uma fogueira que estava 9 porta d'uma barraca. Quando
m e aproximei, dei com os glhos n'um objecto, que brilbava
54 L E I T U R A S POPULARES

na areia : era u m anel. Apanhei-o e metti-n no der10 c o m


tenç2o d e o entregar, no outro dia, ao pregoeiro, para q u e
este descobrisse o seu ligitimo ilono. M:IS, por clesgraça,
metti-o no dedo miriimo e, como era miiilo largo, aproxi-
mando-me da fogueira, deixei cair o ancl. Tintia-rnc abai-
xado para o apanhar entre o r;islolho que estava comcnùo
u m a rriula, quando o maldito animal Ine clespediu tal coucc
na cabeca, que não pucle deixar (10 gritar coin a dor.
C Os soldados que dormiam na barraca logo acorclaram,
s muito zanga~loscontra o imprudcnlc, que Ilics ~ ~ c r l u r b n v a
o seu prirrieito somno, coi~spirararn-seconlrii IYI~III,o fui
considerado por elles como u m ladráo, cluci tinbii roiibado
o ancl, que e u dizia ter perdi~lo. Tiraram-rn'o, e rio (lia se-
guinte um oficial mandou ine aplilicar iiina boi1 iloso 110
bastonadas, na esperança do que este castigo rric Sai-iii con-
fessar onde estalam escondidos certos objoclos, quc, laril-
bem tinham desapparecido no acampaincnto. Tiltlo isto rno
acontece11 porvter tido tamai-ilia pressa em aceiirler o i i ~ c u
cacliirnbo e por ter mettido o anel n'iirn tlcclo tiio dclg:ido :
todas cslas cousas s ó para mini estavam resci'vndas I
u Logo CJIIC me scslaheleci das coritiiscics e rliio piiilc ali-
dar, encamiiiliei-me para uma biirr:ica, onilc fl~ictiiavacima
bandeira encarnada, signal dislinctivo dos c:ifCs piililicos. Ein .
qua~itotoinava o meu aafk, oiivi iim indivitliio, qiic sc quci-
xava do ler perdido um anel de valor, e (li10 ,jii clri 11.c~dias
oonsecutivos linlia mandado ani~~inciarpelo 1)regooii'o (lu(:
daria duzentos sequins ;i qucm lhe nprcs~iitiisseo seir :iii@l.
Logo conheci que sc tratava do aricl qiic c11 1)or niiiili:i dcs-
graça tinlia achado. Dii'igibmo no csli~~in~t:iro, (? 111-omc1tiiri-
dicaP~llie a pcssoa cjue m e lirilia tiredo o soii aiiol. 11: com
efleilo cncolilrou esla pessoa o coiivcriciilo tl;i rniiilia Iion-
radoz, deu-me os dnzcntos seqiiiris, corrio iiiriii itideninisn-
(20 do irijiisto castigo que tinha soll'iSitlo p o r ca1is:i cl'ollu.
'a'alvez irnligiheis qiie esln 1)olu:i du oiiro li)i urna í(!lici-
dade para mim? Pelo conlrario, foi a origern do novas das-
graças.
« Uma noite, ponsando c11 q c ~ cos soltlados, qiio iiíoríivam
na rnesina barraca, tinham ridorniocicto, quii, tor o Iii3cizor
d e contar as minhas aiaodas dc oiiro. No dia 9~lq1lirll,c,OS
meus camaradas contliilaram-tnu para ir torniir iitri sai-votb
Coa elles. Não sei qcie droogii deilaram rio sorveto rluo 1110
LEITURAS POPULARES $h
fizeram beber, o certo é que fui acommetlido de uni somno,
que eu não pude vencer. Adormeci profupdanlente, e quan-
do acordei achei-me estendido clebaiso de uma palmeira a
alguma distancia do acampamento.
a A primeira cousa que me veiu i idba foi a minha bolsa
de seqiiins. A bolsa, è verdade, que a tinha á cintura, maq
cheia de seisos e sem iim unico seyuim clentro. Logo me
convenci de que os soldaclos, com quem tinlia tomado o s o r ~
vete, m e tinham roubado, e que alguns d'elles não dormiam
em quanto eu contava o meu dinhciro. D'oiitra forma, coma
vão tinha confiado o meu segredo a ninguem, como porliam
elles suplior que eu possuia este ouro, eu, que, ùestle cfuo
vivia em companhia d'elles, parecia sempre na mais pi'or
funda indigencia 7
a Debalde me dirigi aos officiaes superiores para que ine
fizessem jiistica ; a s soldados fizeram protestos dasua inno-
cencia ; eu não tinha provas, o que ganliei foi torriar-meri-
diculo e ocliado de todos. No primeiro transporte da ininlia
afflicção, lembrou-me o nome que eii tinlia evitado dar-me
desde que tinha cliegado ao Egypto; e exclamei, dizendo
que, na verdade, merecia bem o nome de Mourad-o-Iqfeliz.
O meu nome e a minha historia divolgaram-se por todo o
acampamento e fui por muitas vezes alciinhado com, este
nafaslo nome. Ate algiins levaram mais longe a sua zomba-
ria, cliamando-me Mourad da bolsa cle pedras.
a Pois bem, tudo o que tinlia sofí'rido nãa era nada em
comparação das infelicidades que me esperavam.
(Coptiniia.)

MUITO E@ POUÇO
Talvez que nunca fosse pregado iim scrrqZ,o mais conciso
e mais completo, e que bem pocla dizer-se que é a esscn-
cia da essencia dos sermões.
homom nasce para o trabalho
ao a &vepnrn voar.
(Job, cap. v, v. 7).
« $orvindo-me cl'este texto, dividirei o meu cliscurso em
tres pqrtes:
56 LEITIIRAS POPULARES

4.51 entrada do h o m m no mundo.


I." A passagem do homem no mundo.
3.a A sahida do liomem d'este mundo.
A sua entrada no mundo e nua.
A sua passagem n'este inundo 6 cuidado e inquieta-
cão.
A saliida do liomem d'este mundo o coriduz ninguem sa-
be aonde.
Em summa, para concluir, se nds fizermos bem cá n'es-
te mundo, bem havemos de receber IA no outro.
Ainda que eu aqui vos estivesse pregando, um anno in-
teiro, não seria capaz de vos dizer mais nem melhor, e
disse.

F A I A E INFAMIA
PrBgava na capella real, em 4055, o padre Antonio Viei-
Ta. Dizia elle: o prégador ha de saber prégar com fama e
sem fama. Mais diz o Apostolo: Ra de prégar com fama e
com infamia.
Pregar o prógador para ser afamado, isso 6 mundo: mas
para ser infamado e pregar o que convem, ainda que seja
em descredito, isso B ser prégador de Jesu-Christo.
Pois o gostarem, ou náo gostarem os ouvintes ! ... 0h1
que advertencia tão digna! ... Qual o medico, que repára no
gosto do enfermo, quando trala de 1110 dar saude? Sarem,
e não gostem; salvem-se e amargue-lhes, que para isso so-
mos medicos das almas. Aqui está o que dizia o grande
orador.
Bom seria que os pregadores considerassem que teem d e
dar contas a Deus do zelo e do interesse com que prégarn,
porque assim attencleriam mais ao bem das almas do que
4 fama e á bolsa.

PELA PROTEÇÇÃO DE MARIA


Eu tive uma educação cliristã.
Fa minlia familia havia uma devoção especial a Nossa
Senhora da Conceição. Tomei pois o habito de rezar a Nos-
s a Senhora ; mas confesso (com pesar e vergonha) que as
minhas orações eram frias e distrahidas.
Quando tinha alguma afflicção, rezava A Mãe Santissima
com algum fervor, porem lornava a cair na tibiesa e doscuido.
nJais de meio secnlo talvez gastei a of'l'encler a Deus. Dizia
com os labios que amava a Deus sobre todas as cousas e o
coração amava o mundo, os prazeres, e as alegrias munda-
nas! ... Uma occasião (ainda tremo quando penso n'isso! ...)
estava n'uma praia quasi deserta. Embarquei n'um bote e
saltei n'uns penedos. Havia ali um boqueirão horrivel, a
que chamavam o inferno; por cima d'elle os mais ousados
e destemidos saltavam para outros penedos prosimos; mas
uma pedra, em que pousavam um pe e que estava no meio
d o boqueirão, era lavada, de vez em quando, com as ondas
maiores. Poucos se atreveram a dar o salto terrivel, eeram
homens fortes, descalços e agcis, muito acostumados
iquelle exercicio para irem apanliar marisco; eu, que não
tinha que fazer alem do inferno, rlueria dar o salto mortal.
Differentes vezed fiz o balanço, que ia com toda a certe-
za precipitar-me no inferno, o qual rugia espantosamente a
meos pes, e uma mão invisi~elme deteve! ...
Muito tempo pasmava de liaver sido detido á borda do
abysmo por uma força desconliecida.
Hoje creio piamente que o meu anjo da guarda pelapi-o-
tecgão de Jfctriu me salvou de tão grande perigo. Contra
minha loucu vontade fci livre do inferno figurado, e do in-
ferno real ... A Mãe Santissima continuo a proteger-me,
agora que a amo e venero quanto esta em meu fraco poder.
Quem ama o perigo n'elle perece; quem ama a Maria
n ã o corre perigo.

Cremos que entre os incendiarios muitos anrlariam arras-


tados pela força, e muitos desatinados no meio d'aquella
labergntho de desvarios; seja prova d'isto o episodio que B
referido por uma boa mãe de farnilia, a qual permaneceia
cora,iosamente em Paris ate aos ultimos dias.
aEstar em nossas casas, e o nosso dever de mães de fa-
milia, diz ella; n'isso consistc a nossa honra e a nossa gloria.
5s LEITúR \S POPULADES

Quando as nossas desgraças me batiam i porta, erne di-


zi:irn: fujarn! fujam! eu respondi: nAntcs de CIiriçto, o maior
elogio, qiie se podia fazer d'uma mulher, era dizer que ella
tipzha /icado e m casa. Depois que elle veiu, qoal 6 o supre-
m o dever e a maior gloria d'uma mulher? Imitar a Alaria,
quando egtava de pb junto ,i cruz)).
aFiquei pois em miraha caça e outras muitas que, fazen-
do-o, tiveram n'isso mais inerecimento do que eu, pois que
seus rnarirlos e seus filhos tiveram que fugir. Todas estas
110as mulheres fizeram bem ; todas serviram tl'instrurnento
A Provillencia para attenuar o rigor da sua jusliça. Urna do-
na d'liospcilaria mi~liavisinlia salvou duas casas da destrbi-
~ á o , , eque casas! ... Eis aqui como foi o caso:
(('NO momento, ein que os francezes se aproximaram e
0m qiie o espanto e a desordem começavam nas fileiras dos
federados, dois d'alles, mortos de cansaço, e cobertos d e
poeira, com a vista desvairada, foram beber a casa da tal
mulher e ali descanqararn por alguns instantes. Um rapazi-
nlio da dona d i ~casa, que escutava o que elles diziam sem
que elles dessem por isso, corre para sua mãe e lhe diz
baisint10:-Olllc, mae, eu ouvi o que elles disseram; aqiiel-
les homens est2o encarregados de pôrern fogo ii casa das
Irmãzinhas dos pobres e ao collegio.0iivie percebi muito bem.
a A pobre mãe se dirige logo a elles, e Ihes dirige pala-
vras de db por estarem tão fatigados, e os trata milito bem.
Que desgraça! diz ella. A communa esli perdida1 Vhs iiles
morrer., sois uns valcnles mas tendes o direito de vos eç-
capardes.
- fi verdade, ílissc u m dos hornens; mas nós não liave-
mos de morrer serri nos virigarmos.
-Sim, bem sei, respondeu a mulher; ides pôr fogo ao
collegio, que esti cheio de crianças innoce~ites,e i casa das
l[rm3zinl-ias, que teein duzentos velhos asylados. Pcnsastes
ji no qiie ides fazer? Náo poderi acontecer que vosso pae
ou vossa mãe sejam uin illa recolliidos pelas Irmãzinhas?
Dão tendes filhos?
-Eu tenho cincd, disse um d'ellos, e começou a cliorar.
-EJpis então 6 psociso escapar.
-E impossivel, nOs somos vigiados e toda a gente nos
viu na barricada.
- Promettei-me que não lançareis fogo i casa das TrIui5-
LEITURAS POPULARES 59
zinhas, dae-me as vossas armas, quc eu prometto que vos
hei de salvar.
Elles se convenceram. Ella pegou nas armas e nos car-
tuchos e foi esconder tudo, e, dando aos dojs algum fato do
seu marido ycic csta\la ausente, os escorideu em casa, e na
seguinte noite fez com que elles se escapassem.
J i um d'elles veiu agradecer-lhe, o que tem bastante
merecimento, porque veiu de muito longe.
- A sr." poupou-me a um crime c sâlvou-me a vida,
disse elle; mas eu lhe promctto viver d'lioje em diante co-
mo bom e honrado opcrario.
As irm5zinhas souboram isto tudo e m'o contaram. A sua
bemfeitora desconhecida se fez recommendar &s suas ora-
ções, que certarncnle lhe não faltario.
Quando lia quem dê bons conselhos, obedecendo a uma
consciencia recta, não e muito clificil a pe~-szrnslio.

O TBESOURO ESCONDIDO
I
Dois homens, que moravam em paiz mui distante d a
nosso, compareceram um dia cm presença do rnagistraclo.
O primeiro se expressou n'cstcs termos:
-Esta aqui o meu visinlio, que me vendeu uma peça de
fazenda; porem achei um thesouro, c a minha consciericia
n2o me permitle que cu fique com elle, por isso que eu com-
prei o terreno, mas não os valores que l i podessem estar
escondidos.
O segundo falou assim:
-Eu lambem n5o posso apropriar-me do thesot~ro.Não
fui eu que o l i escondi, por conseguinte não mc pertence.
De mais, eu vendi a terra tal qual estava serri condição al-
guma. Compete pois a decisão d'este negocio ao respcitavel
juiz.
O homem da lei respondeu a estes dois homens tão pro*
bos :
-Soilbe que vosso íilho e vossa filha teem inclinapão u m
para o outro, dae-lhes o thesouro e que se cazem, vistoaque
taem oom que s e estabelecer.
60 LELTUBAS POPULLRES

O; dois llonrados camponezes julgaram muito boa a sen-


tença e com ella se conformaram da melhor vontade.
11
Um estrangeiro, qua presenciou este julgamento, s e mos-
trou muito admirado.
-No meu paiz, diz elle, esta pendencia teria seguido di-
verso rumo e terminaria de modo diflerente. O comprador
nunca teria pensado em enlregar o dinheiro d o tliesouro
descbbcrto, e teria envolvido em mil mpsterios a sua aven-
tura. Se porem, apezar d e todas as precauçóes, o segredo
transpirasse, immediatamente o vendedor cilaria o compra-
dor e empregaria todos os meios para revindicar o s seus
direitos ao thesouro. Haveria processo, o valor do achado
seria absorvido pela justiça, e rnais q u e fosse.
O magistrado, mui surprendido, da sua parte, perguntou
ao eslrangeiro:
-O sol acluece e aliumia o vosso paiz?
-Sim, por certo.
-E a chuva tambem o rega e refresca?
-Certamente.
-Eis ahi o que m e causa admiração, continbou o ma-
gistrado; e lambem l i tendes cordeiros, ovellias e vaccas?
-Numerosos rebanhos ei ricas manadas.
-Pois, continuou o juiz, por sem duvida que 6 por es-
ses innocentes animaes que Deus faz brilhar o sol e cair a
chuva: porqiianto vbs outros certamente não sois dignos de
taes beneficio%
Para nzerecermos os tl~esoztrosi n ~ f a v e i sqz~cDetu àer-
rama por sokre u terra para nosso bem, douernos s e r jus-
tos, desinte~essnclos,61zdzclgentes o aflaueis.

DE SEMENTES PEQUENAS NASCEM FRUCTOS GRANDES


Pequenos aclos de virtude produzem, á s vezes, resulta-
dos, que as grandes virtudes não poderiam conseguir.
Havia muitos annos que o regedor de certa freguezia es-
tava erri desintelligencia com o seu cura, tinham-se procu-
rado todos os meios de reconciliação, mas em vão. O pre-
lado da diocese, cuja admiravel aadbilidade deixou tão gra-
1.EIlUII.iO POPULhnES 67
lhe as mãos com palmatoadas, d'aquelias sim, d'aquel!as
pode colher algumas, mas das outras ... tome conta. Olhe
que o osmago. se colhe alguma.)) E, apenas acaba de dizer'
jsto, deixa a criança sosinha a brincar. Mas ella que não o
respeita e faz pouco caso das suas ameaças, vae-se 4s taes
Ilores e, zaz traz, dd cabo de todas com uma travessura ad-
miravel. O senhor vem de tarcle e vê todas as flôres por
terra; qiie faz?
-Puxo as orelhas ao rapaz, porque isso 6 ser mau.
-V&?! Pois Deus faz-nos o mesmo. Diz-nos que não go-
zemos de certos prazeres que nos são prejudiciaes, porqua
20 contrario, castiga-nos; nós, que não fazemos caso do
que Elle nos diz, vamos gozando e dizendo, como a crean-
ça: u l e não me castiea, porque i: meu amigo. E, se nos
casliga, temos tanto direito de qneixar-nos, como o teve a
creança. E o senhor homem e [nau pae, porque casligou
um filho desobediente?
-Não.
-Erilão como quer que Deus o seja? Isso chama-se .jus-
tiça de funil; umas regras para nds e outras para os oii-
tros.
-Não, mas estava-me c4 parecendo ...
-Ora porque não ha de parecer; quem, como o senhor,
ignora a verdade e d a mais ouvidos as paisões do quu ti
consciencia,' diz sempre d'essas cousas. Fique sabendo que
quem diz mal d e Deus e de suas leis ou e maii, ou igno-
rante.
-Enláo assim me vae chamando ignorante?
-E hei de provar-llie que é uma das duas cousas, pOde
ate escolher. Eu lhe direi ainda se Deus pode e deve cas-
tigar, e depois pron/ar-lhe.liei que elle lambem premeia.

Nada mais consolador do que a oração. Quando nos pros-


tramos ante Deus e fervorosamente oramos, parece qiie
santimos a alma aberta para a caridade. O mais meritorio
meio de pensar ern Deus 6 pela oração. 4s impios n5o
querem que orgrws e dizem que orar 6 desconfiar de Deus,
68 LEITURAS POPULARRS

porque, saliendo Elle o que nOs precisamos, E. inutil pedir-


mol-o; como se enganam! Bem conhece o bom p3e as ile-
cessidades do filho, e acaso leva elle o mal ou offende-se
porque este lhe faz um pedido? Deus sabe que nbs não pode-
mos viver sem alimento e por que Elle o sabe não devemos
comer? Devemos esperar sQ clue a divina Providencia,
porque nos ama. nos venha trazer á boca o ;~lirneiito? Cbris-
to orou muitas vezes, e muitiçsirnas nos recornmendou qiic
orassemos.
Em todos os tempos, e em toclas as religiões, a oracão foi
reputada como santa. Quando oramos, confess;imos a nossa
pequenez peranta Detis, a nossa 1.iurnildade e a nossa cren-
ça; tudo isto são \virludes. A nração e mesino uin alivio d o
coração; parece que ficamos aliriailos d'um craride peso e
coberlos d e especial alegria, depois que ~roferrrnosalgumas
palavras de devoção e supplica, pensanclo na outra vida.
A l~elleza da oração descreve-a um eminente escriptor,
insuspeilo deste assumpto. I?, Victor Hugo que diz o se-
guinte :
aEm quanto aos modos de orar, todos são bons, comtan-
to que sejam sinceros. Ha, bem o sahernos, urna pbilosopliia
que nega a Deus; esta philosopl~iacbaina-se cegueira.
Fazer d'um sentido, que nos falta, fonle de verdade, é
um bello atrevimento de cego.
O que e curioso c o ar altivo, superior e compadecido,
que esta philosophia ás apalpadelas assume em presença da
philosophia que v6 Deus. Parece ouvir-se uma toupeira ex-
clamar: Tenlio dó d'elles com o seu sol l
I-Ia, não o ignoramos, illustres e possantes atheus. Esses,
no fini de tudo, trazidos i verdade pelo seu proprio poder,
nem sabem dizer se são atheus; para elles 6 apenas ques-
tão de definiçho, e, em todo o caso, sendo espiritos supe-
riores, não acreditando em Dciis, provam-lhe a existencia.
I-Ia um infinito f6ra de nis. Esse infinito é unico, eterno;
necessariarnenle intelligente porqoc O infinito, e lerminaria,
s e a intelligencia llie faltasse. Este infloito disperta em nOs
a idea de essencia, omquanto que não podemos attribuir a
nós mesmos seoão a de existencia.
Ao mesmo tempo que lia um infinito fbra de n6s, liaver&
outro em nirs mesmos? Este segundo infinilo não 6, para
assim dizer, subjacente ao primeiro, espelho, reflexo, e echo
LEITURAS POPULAR&S 69
d\\le? E não 6 tambem intelligent,e? N30 pensa? Ama? Tem
vontade propria? Aquelle infinito chama-se Deus; este e a
alma humana.
Estabelecer, pelo pensamento, o contacto entre a alma e
Deus chama-se orar.
Não retiremos cousa alguma do espirito humano; suppri-
mir t! sempre mau. Pensar, ~iieditare orar, são grandes e
mysteriosos reflexos: respeitemol-os. Proximo ao direito do
homem, pelo menos a seu lado, esli o direito da
alma)).
E n'esta parte tem razão. Mas, se Deus dotou o homem
de tantos direitos, não podia deixar de nos impbr obriga-
ções. A gratidáo & nobre, 6 dever, e a quem devemos nós
mais obrigações do que a Dciis? Se beijamos na terra as
mãos do bemfeitor, não temos ainda maior obrigação de
nos curvarmos diante de Deus e orarmos?
Innocentes crianças, \?Os, cujos Iubios não foram ainda
manchadas com as vilezas do coração, orael De joclhos pe-
di por aquelles que não oram, orae pelos que não pedem.
Se póde o mucdo chaniar-vos anjos, é quando de joelhos
pron~inciaes,mesmo sem o comprehenderdes, o riome san-
to de Deus I Quando ergueis os ollios para o céo e consa-
graes o vosso pensamento a Deus, é crive1 que os anjos,
vossos corr~panheiros, se riam para vós!
Pulães de familia, ensinae vossos fillios a orar! Saheis que
existe Deus; pois bem, vossos filhos, quando oram, pensam
em Deiis e em vós, que pela primeira vez Ities falastes
n'Elle ! Se pocleis ter orgulho em serdes mães, 6 quando
virdes vossos innocentes filhinhos a orar; u'aquelles inno-
centes coraçi3es resplandece então o nome de Deus! Aquel-
las almas, em que tendes alguma parte, pensam em quem
vos deu esse amor, que Ihes dedicaes.
Victor Ilugo, esse homem que tão pouco crh, falla assim
dos que oram:
saudamos quem ajoelha. Ter uma f13 6 para o liomem a
maior necessidade. Desgraçado do que não cr8 ein cousa
alguma. Olhar para o c60 è uma obra.
Ai I em presença da obscuridade que nos rodeia, e que
nos espera, não sabendo o que a morte fari de nós, dire-
mos: Não ha obra talvez tnais sublime do que a que fazem
as almas que oram. E accrescentamos ainda: Não lia talvez
'i0 LEITURAS POPULAREB

trabalho mais util. São muito necessarios os que oram ser&


pre pelos que nunca oram,.
Sim, haverá lrabalho que dê mais lucros maleriaes; m a s
nenhum que produza mais e maiores espirituaes. O trabalho
material satisfaz o corpo; o espiritual enriquece e eno-
brece a alma; aqiielle dá-nos o goso na terra; este prepa-
rá-nos o goso no céo.
Orenios, pois, que a oração faz volver a n6s os olhos da
Deus e abre-nos a porta parli os gosos celestes.

DEUS REVELADO NA BELLEZA DA NATUREZA


Um notavel escriptor e pl~ilosopho,coutemplando um dia
os encantos da natureza, exclamara entliosiasmado:
-1mpossivell Impossivell S e Deusnão existisse, era pre-
ciso invental-ol
E dizia bem. Vamos percorrer a natureza e analgsar o s
quadros mais singelos e ao alcance d e todos. Veremos q u s
tudo nos fala em Deus; o homem a $6 o Iiomem ti que.
ousa negal-o !
Entremos n'um jardim.
Que d e flores, tão variadas na forma, no aroma e cbr l
Tanlos passarinlios, tão rliversos em tamanlio, em canto e
goslos! Que abundancia d'arvores, todas táo bellas: mas tão
differentes em folhas, coririguração e casca, e seus frilctos
todos distinctos em forma e sabor, sendo todos tãn sabo-
rosos !
Olhae, a \iolela está mesmo entre uma roseira, nruito
escondidinha e parece que aiti envergonhada de ser tão pe-
queuina ao pé da roseira; esta não, ergue as follias e flores
com mais entono e parece vaidosa jonto da pobre violeta.
Ora sentemo-nos ao pé d'ellas e vamo$ eyarninaluas.
Ambas vejetain na mesma terra e debaixo do mesmo ac.
Contamos todas 4s petalas de cada dôr da violeta e todas
as flores teem o mesmo numero de petalas 1 E admiravel l
Pois quem ensinou 4 pobre flôr o niimero de petalas que,
havia'de ter? Como e que ella, ~ U não
G aprendeu a contar.
não sg engaaa nunca na contagem? Sempre o mesmo nu-
mero I E outra cousa I Urna das flhres tem exaclarnente o,
cheiro das outras! E onde foram ellas buscar o clieiro? Coiq
LEITUnAS POPULARES 71
iadinha, est5 ali presa 5 terra; não vae ao droguista a pedir
cousa alguma, e nem o ar que tem em roda, nem a terra
d'onde ella tira o alimento, nem a roseira que a cobre,
cheira a violetal D'onde tirou ella o cheiro? Quem 111'0 deu?
A hasle não, porque o não tem. E como é que só aquellp,
bocadinho rôxo cheira tão bem! Não sei como não ha algu-
mas vezes confusão, quando a planta nasce e fica o cheiro
nas folhas e não na flôr!
Oli! és tu, meu Deus, que não esqueces nunca nem a po-
bre violeta, que o liomem i s vezes piza com desprezo1
O homem porem está a dizer-me que não foi'Deus que
deu i violeta o cheiro; diz que ella o tira da terra e do ar,
e que por consegginte nada temos que admirar.
Pois seja assim. Mas como é que ,ella não se engana nun-
ca, e tira da [erra e do ar si> aquillo de que precisa para
constiluir o suavissimo clieiro que tem? Como é que não se
engana e tira o que pertence A rosa ou ao cravo? Ella, que
nem pensa, nem quer, sabe escoltier tão bem só o que Ilie
faz conta? Cada flor tirar da terra e do ar, só o que lhe
pertence e nunca demais nem de menos! Não parece que
ella é mais escrupolosa do que o liomem, querendo para si
.só o que Ilie pertence?
Na pobre violeta esla um grande exemplo de moral. Ella
-a pobre contenta-se com o que lhe pertence, e o homem?
Ella tão admirada por todos não tem orgullio; é modesta
q u e ate parece esconder-se entre as folhas da roseira, e o
Lionieni? Que orguilioso, quando se vê admirado por al-

--
guem !
Imitemos a violola.
Agora olhemos para os passarinhos e escutemol.os que
cantam tão bem!
(Continiia.)

AMIZADE
aAgora, meu nufino, conheço S. custa de uma penosa ex-
qeriencia quanto é certo o que, muitas vezes, m e ensinaram
a s sagradas Escripturas; isto 8, que Deus, em algiimas oc-
asiões, dA mais do que se lhe pede, concede-nos o que os
olhos não podiam vêr, nem os ouvidos ouvir, nem o cora-
qão sentir.
72 LEITUDAS POPULARES

Eu ate aqui ngo aspirava a mais que a corresponder-~o


comtigo, com um commercio epistolar m e satisfazia; gosan-
do por este meio (ao menos na idéa) do gosto de te vêr,
porem agora sinto especial corisolação eni saber que tu es-
tis nos desertos d o Egypto, desejoso de visitar as coinmu-
nidades de monges, que n3el!es habitam, e de v&r tamben
as numerosas farnilias de solitarios, que fazem na terra uma
vida em tudo celesle. Oh! se eu por uma particular graça
do Senhor merecesse ser transportada a esses ermos, como
em outro tempo foram Filippe para baptisar o Eunucho d e
Candace, e EIabacuc para alimentar Daniel, corn que ternu-
ra te abraçaria, meu querido amigo! Mas, pois que eu não
mereço a Deus, que obre em meu favor um prodigio, fa-
zendo-me voar aonde tu estis, ao menos mando por mim
esta carta, com uma cadêa que o amor formoti, para to aE-
trahir a esle logar, onde vivo ... Crê-me, meu Rufino, qcie
não ha piloto, combatido de horrorosa tormenta, que com
maior inquietação suspire pelo porto; não ha terra abraza-
da do sol, que com mais amor espere por chuva; não ha
mãe, que com mais impaciencia, assentada na praia, aloo-
giie os olhos esperando pela vinda de seu filho, do que eci
suspiro e espero ancioso por gosar da tua companhia. (S.
Jeron. Epist).
O tempo é o cadinho da amizade, por isso não p6de lia-
ver segurança em amigo i~ovo.
Vinho, ouro e amigo o melhor é o mais antigo.

NOSSA SENHORA DE LOURDES


Carlos Latrillc, padre de Esparron escreveu ao U~~ivers
3 seguinte carta:
Sr. redactor.
Tereis vbs a bondarle de dar {ogar nas columnas do vos-
s o jornal a esta cartinhat
Ainda ha bem poucos dias que eu tinha tim irmão a ex-
pirar abandonado' dós melhores medicos. ilada esperando
j á da parto dos homens, dirigi todas as minhas esperanças
para o cho. Fiz .a minha peregrinaçGo a Nossa Senhora clw
Lourdes, onde eu prornetti 4 Santa Virgem fazcr appareces
LEITURAS POPULARES 73
n'um jornal a noticia da cura de meu irm30, s e ella s e di-
gnasse attender As minhas supplicas. As minhas esperanças
não foram baldadas: no dia seguinte de manhã meu irmao,
depois de ter bebido agua da gruta, experimentava sensi-
veis e extraordinarias melhoras. Sempre a melhor, desde
então, sem receber soccorros algiins da medecina, acha-se
hoje completamente curado.
Falta fazer eu o meu dever, e, para eu poder cumpril-o,
B que venho, Sr. redactor, solicitar o vosso benevolo con-
curso; e na esperança d e o obter, me confesso, com O mais
profundo respeito.
vosso humillisimo servo

Da ((Semana Catholica~de Tolosu (França) transcreve s


c Monde .o, sob o titulo de Uma cura em Lozu'dcs, O caso
seguinte referido por pessoa fidedigna:
aToda a cidade esti ainda em alvoroço, por causa #um
acontecimento, que, ha bem poucos dias, se passou na gru-
ta. Parece que Nossa Senllora aguardava que nós chegasse-
mos para augmentar a nossa i'&.
Sexta feira passada, 23 de junho, seriam dez horas da
manhã, no dia immediato ao da nossa chegada, uma joven
dos suburbios de Tolosa, depois de ter padecido por mais
de seis mezes uma paralysia no lado direito, foi milagrosa-
mente curada pela agua da fonte.
Eis alguns pormenores:
Os medicos tinham aconselhado 4 joven que fosse passar
algum tempo em Cauterels; ella partiu para 18 e, como
Eourdes lhe ficassç em caminho, teve a inspiração de se di-
rigir li gruta para ali supplicar a Nossa Senhora que a cu-
rasse. O pae da joven não acreditava na inlervençáo divina
e zombava de milagres, por isso fez pouco caso dos pedi-
dos da fillia e mandava ao cocheiro que não parasse. Mas,
depois d e muitas instancias, concedeu-lhe que ella se apeas-
s e e levou-a om braços até A fonte.
Como ali não podia banhar-sc completamente, pediu que
a o menos llie molliassem as pernas com a agua miraculosa.
]L;: quasi ao mesmo tempo, sentiu operar-se-lhe uma granda
revolução no corpo ; ainda náo tiuha terminado a pequena
oracão A Senhora, quando exclauou: Estou c v ~ a d n ponharn-
;
"14 LEITURAS POPULARES

me no chão, que jCi quero andar. O pae não a acreditou s.


por isso não queria largal-a dos braços; mas ella fez um ea-
forço para se livrar d'elles e deu logo alguns passos, depois
correu para a gruta a agradecer a Nossa Senhora d e Lourdes.
Estava.~cbmpletamente curada, e todos os que presencia-
ram esfe prodigio cahiram de joelhos e choravam commo-
vidos. O pae d'ella chorava lambem, e, louco de commoção
e de alegria, nem acreditava o que via.
cMas esta e a minha filha? exclamava elle; seri esta a
minha filha?^ E apalpava-a, mirava-a, e pedia perdão a Nos-
sa Senhora por ter duvidado do seu poder.
Um outro viajante, qiie por acaso estava ali, homem in-
credulo e que só por curiosidade tinha ido visitar a gruta
miraculosa, ou talvez mais para escarnecer da crença dos
que"eratwn, do que para orar a Nossa Senhora, Ecou tão
ateirado com este milagre que quasi perdeu os sentidos;
pallido de susto e todo lremiilo, teve de segurar-se com
ambas as mãos 5 grade do sânctuario para não cahir. Quan-
do partiu, acreditava jh em milagres e muitos outros se con-
verteram, como elle.
Este facto foi tambem presenciado por um sacerdote do
Sagrado Coração da casa de Tolosa.

JESUS I E N D I G O

Indo um lavrador p'ra arada


Ai Jesus !
Encontrou um pobresinho,
Ai Jesus f
E o pobresinlio lhe disse:
Ai J e s u ~ ~ !
Lsva-ma n'esse carrinho.
Ai Jesus !
Levantou-se o lavrador
Ai Jesus I
A pôr o pobre no carro,
Ai Jesus !
Levou-o p'ra sua casa
Ai Jesus 1
LEITURAS POPUI.4IIXS

Para a melhor sala que tinha;


Ai Jesus !
Mandou-lhe fazer a cèa
Ai Jesus!
Do melhor manjar que havia,
Ai Jesus !
E depois da mesa posta
Ai Jcsus 1
O pobre nada comia.
Ai Jesus !
Mandou.lha fazer a cama
Ai Jesus !
Da' melhor roupa que tinha,
Ai Jesus!
Por baixo damasco rdso,
Ai Jesus I
Por cima cambraia fina.
Ai Jesus 1
Era meia noite em ponto,
Ai Jesus I
O pobresirilio gemia.
Ai Jesus !
Levantou-se o lavrador
Ai Jesas !
A vêr o que o pobre tinlia;
A i Jesus l
Achou-o crucificado
Ai Jesus !
N'urna cruz de prata fina.
Ai Jesus 1
-Meu Senhor, quem tal soubera
Ai Jest~sI
Que em minha casa vos tinha,
Ai Jesus !
Mandava fazer preparos
Ai Jesus!
Que a minha casa não tinlia.
Ai Jesus !
cala-te, lavrarlor,
Ai Jesus 1
LEITURAS POPULARES

Não te enchas de phantasia,


Ai Jesus I
No c60 te tinha guardado
Ai Jesus I
Cadeira de prata fina:
Ai Jesus I
Outra p'r3 tua mulher
Ai Jesus I
Que tambem a merecia.^
Ai Jesus 1

PODRES E RICOS

A sociedade ha de ter sempre ricos e pobres. k? uma


condição da sua existencia, não ha poder capaz de a des-
truir,
Mes os interesses d e uns podem conciliar-se com os dos
outros. N2o sZo duas forr,as inimigas obrigadas a uma lucta
eterna; são duas potencias alliadas, que podem e devem
mutuamente ajudar-se.
Rico, não opprimas o pobre l Sustenta-o, ampara-o, para
tua segurança e para teu bem.
Pobre, não odeies o rico I ama-o e servo-o para que elle
te d e sustento e apoio. O bem de ambos consiste na troca
do que cada um tem. O rico tem o dinheiro, o pobre tem
a arte, a induslria, o habito do trabalho, que valem sem-
pre dinheiro,
Irmiíos, toilos devemos reciprocarncnte amor uns aos ou-
tros; lodos devemos concorrer para a felicidade cornniurn.
Não se p6de gosar, quando se v& chorar.
O amor do proximo 6 tao necessario 4 sociedade da vi-
da, como no christinnismo o i? para a felicidade eterna.

Em qualquer ponto ou canto, onde residem seresliuma-


no s, conservam-se contos tradicionaes que, com quanto não
LBITURAS POPULARES 71
sejam historicos em conjuiiclo, encerram comtudo um fundc
d e verdade, coja principal inclinação s e dirige a propagar
principios rectos, que se inliltram e arreigain vigorosamente
na educação dos meninos e formam os cimentos da socie-
dade, que, um dia, elles mesmos serão chamados a coin-
pór.
Tão beneGca, influencia que, como acabo d e dizer, trans-
luz por toda a parle, moslra d'uma maneira exacta o sella
providencial que preside a todas as nossos boas inclina-
ções.
Um d'esses contos pois fbrma o assumpto do presente
artigo.
Nas terras pittorescas das Asturias, tão grandes pelas re-
cordagões historicas, que encerram, como pela sua situação
topographica, ha uma povoação chamada X... que reune e m
miniatura quantas bellezas inateriaes podem adornar um po-
voado. Situado ao sopé de gignnt,escas montanhas e'favore-
cido por uma athmosphera temperada e por um cko azul e
transparenle, faz que o viandante que o visita, fique exta-
siado em sua contemplação.
Dislante meia legoa do sitio formoso que venho de refe-
rir-vos. a cerca d e cem passos da estrada real, existia, e m
principios do presente seculo, uma casinha hranca como a
neve, cujo exterior agradavcl fazia que a tomassem por vi-
venda d'um honrado lavrado'r. Comtudo apparencias tão
agraclaveis eram só unia mascara que ass4s bem disfarçava
por desgraça a centralisação do crime, em cujo seio so al-
hergava uma quadrillia de foragidos, promptos a obeilecei
às ordens d'um hoinem que teria ao muito quarenta an-
nos.
O dia, em que os apresentamos aos nossos leilores 6 ao
cair cl'urna tarde do mez de janeiro: neva, e o ar impre-
gnado d'uin frio glacial enregelaria por certo os membros
d o mais indifferente russo; apenas se v6 pela luz duvidosa
d o crepusciilo; e as aves que passaram o dia sem encon-
trar alimento, preparam-se para morrer de fome, durante a
noile nos ocos das arvores.
Um silencio sepulcliral reina por esses sitios e sO de vez
e m quando se ouve o uivo do lobo faminto e o piar domo-
cho agouroiro.
Tuclo B imponente n'at~uellas paragens. Parece que. a
Providencia annuncia com fataes auspicios um horrendo
crime.
Os salteadores, comtudo, indifferentes a i30 negra per-
spectiva, permanecem repousados na concavidade d'uma ro-
cha, esperando sem duvida por algum viajante incauto que
Fbes proporcione uma agradavel presa.
De repente aquelles homens immoveis, envoltos em seus
toscos capotes, se levantam como movidos por um mecha-
nismo occulto, e lançam a vista sobre uma figura que sur-
gc no meio d'elles. E o seu capitlo, que já mencionei.
Convém, antes de proseguir a minha historia, bosqaejar
a parte physica d'este personagem, conttir sua vida passa-
da e relatar as circumstancias que puderam obrigal-o a abra-
çar um rnodo de vida tão repugnanle.
Era alto e bem apessoado ; tinha os ollios garços, sobre
os quaes descançava uma testa ampla, o tiariz era direito,
a s maças do rosto algo salientes, boca regular e de labios
assas grossos, uma barba negra e crespa como o cabello,
e a tez morena, formando o todo uma formosura semi-
arabe.
Nasceu em Leão d'uma familia em 1)oas circumstancias.
Acostumado desde os primeiros anrios a satisfazer o mais
Peve dos seus caprichos e afagado pelas caricias d'uma mãe
que nada sabia negar-lhe, foram-se formando nos scils cos-
tumes umas tendencias para o mal, que mais tarde liaviam
d e produzir pessimos resultados. Por esta rasão a mais le-
vo contradição sublevava o seu caracter, dando locar no
curlo espaço de tempo, em que viveu com seus paes, a que
ostes tivessem, por sua causa, uma infinidade de desgos-
tos,
chegou por fim a completar d lzoito annos. Como conse-
quoncia logica, aos desejos do menino sobrevieram oiitros
de genero dislincto, que tinham por principio o funesto des-
enfreamento das paixões.
D'antes, as ambições superficiaes do menino podia comba-
lel-as um excesso de carinho maternal ; agora porém ngo 6
;possivel domar do mesmo modo as exigencias do Iiomem.
-4ssim é quo o extravio moral se dosenvolveu em todo el-
$+e,sendo impotentes as attenções todas que lhe prodigali-
çavam OS seus paes.
O amor, enfermidade demasiado commum enlre os ho-
LEITURIS POPULARBS 79
vens, invadiu tambem aquelle coração de fogo, e, sem pre-
venção algum? anterior, um dia declarou a seu pae em tom
imperioso a resoluçio que havia formado de casar-se.
Aqiielle, qao a16 então havia sido debil por extremo, op-
pôz-se, ignora-se por que fatal coincidencia, a similhantc
determinação.
Tão critica disjuncliva combin ada com a educação
que lhe haviam dado, produzili n'elle uma forte indi-
gnação contra a resislencia que Ilie fazia o pae, e esla, uni-
da a fogosidade das suas inclinações, procurou-llic o unico
expediente que Ibe ficava, baseado na expalriação do lar
domestico.
Tomada esta resoluç50, roubou a noiva, deixando em sua
companhia n recinto que o liavia vis10 nascer.
I-lavia apenas andado legoa e meia, quando pensou pela
primeira vez em sua vida no critico da sitiiaçiio que o cer-
cava. Nada sabia, porque nurica havia querido sujeitar-se ao
estudo, assim como nada possuia tambem, vialo que ha-
via sci contado sempre com o que lhe legassem os seus paes.
O infeliz estevc iodeciso por momentos, se voltaria outra
vez; mas acliandn degradante tal passo, continuou o seu
caminho sem descobrir o precipicio que ameaçava lragal-o.
N'uma povoação itnmediata hospedou a noiva.
No dia seguinte tinlia que tornar uma resoliiçáo, e tomoa
a de alisliir-se na quadrillia que j i coriliecemos.
Pouco tempo depois de s e alistar n'um corpo táo iní'a-
mante, morrcu o que servia na qualidade de capitão; e co-
mo a sua intrepidez liie havia grangeado as sympathias do
todos, apesar de ser demasiadamente joven, nomearamlh'o
substiluto por ananimidade d e votos.
Este accesso satisfez coinpletameulo as suas criminosas
aspirações.
Não deixarei d e consignar aqui um rasgo nobre, embora
seja o uliico que conta a vida do nosso lieroc, e 6 o não ha-
ver nunca communicado i sua mulher os meios de que 80
valia para lhe proporcionar o sustento.
Teve um fillio. I'arece que esta circumstancia devia tal-o
affaslado da senda que havia ericelado; mas não succedea
assim. Amou com eslremecimcnlo a tenra vergonlea do seu
coração, sem qua esse amor o pudcssc desviar do trillio do
crimes que seguia.
80 LEITUBAS POPULABCS

Como a sua posição lhe proporcionava avultados Iticros,


toda a sua attenção se concentra~a em dar uma carreira
brilhante ao filbo que tanto idolatrava.
Comtudo sai11 esle tão perdido como o pae. Escapava-se
do collegio diariamente. Ans dezeseis annos d e idade foi en-
viado a Oviedo para estudar na sua universidade; seguia po-
rem a mesma conducta. Depois cl'uma orgia costumava di-
rigir-se A famosa casa branca, cuja origem ignorava ellc e
sua mãe. N'ella tinha reservatlo para si o piso inferior, on-
de entrava muitas vezes pela janolla, meio estrategico de que
se valia para que o não sentissem.
Agora, que temos j i aclarar20 os antecedentes de que
necessitavamos, passemos ao sitio ~ n d edeixámos os ban-
d idos.
O capitão, em cujo rosto os satelites todos tinliani os olt-ios
fitos, depois de lançar sobre elles um olhar escrutinador,
Ilies disse em voz baixa :
-Já sabeis, segundo as noticias recebidas, que antes da
meia noite de Iioje deve passar por aqui um homem com
duas caixinhas de joias.
Fizeram lodos um signal afrirmativo.
-Pois bem ; esperarei a sua chegada e a ello me apre-
sentarei como enviado do irmão que tem em Ovieoo, con-
vidando-o em seu nome a descançar na Conclriita (assim cha-
inavam a casa branca). Feilo islo, e suppondo que o nd-
mitta, o installarei no andar em baixo; vOs esperarois vigi-
lantes no plano, e á uma em ponto, quando esliver já dor-
mindo, entrareis pela janella do meio e...
-E o clespachamos, responderam ninarlimes, interpretan-
do exactamente os designios do seis chefe.
-Exacto, lhos respondeu este.
Terminado este dialogo, dirigiram-se todos ao sitio que
so Ihes havia indicado.
O capitHo, tambem triste e -pensativo, dirigiu-se a uma
pequena esplanada que se via a pouca distancia. D'ali pode-
ria com mais commodidade dislioguir a victima.
Seriam onze da noite, mais ou menos, quando :i respi-
raçáo cançada d'um cavallo annunciou a quem esperava a
aproximação d'um vivente, O nobrc animal, com os pks pilo.
fundamente meltidosl na neve espessa que cobria os campos,
apenas poclia andar. O cavalleiro tambem devia estar muito
LEITURAS POPULARBS 81
rendido, por quanlo accedeu com inexplicavel regosijo ás
propostas do seu verdugo.
E os dois reunidos dirigiram-se B Conchita. Logo que
atravessaram os humbraes, fechou-se-llies a porta rapida-
mente.
Duas horas haveriam decorrido, pouco mais ou menos,
quando sem saber por onde haviam vindo, se viram por en-
tre a obscuridade doze oiiltos conctiegados d janella que s e
abria no meio da factiada principal. Sern fazerem o mais le-
ve riiido, saltaram todos por ella. Depois mais nada: a mes-
ma obscuridade, o mesmo silencio d7aoles.
Logo depois ouviu-se um grito suffccado, como o que
exhala um moribundo. Cessou logo. Tiriham assassinado um
homem.
Subiu um dos foragidos instantancamexite a participar ao
capiláa o occorrido, e esle, levantando-se rapidamente do
sofA, em que estava reclinado, desceu com uma luz na mão.
Cliegaram ao silio da calastro[)he. Logo que o çliefe des-
cobri11 a viclima -horror I rnalclição ! um ai ! lhe escapou
dos labios, caindo logo no soallio.
Os executores ficaram larnbern mridos d'espanto.
O morto era o fillio do seu capitão, quo jazia tambem
morto no chão.
Quasi ao mesmo tempo, e quando mais immoveis esta-
vam, se apresentou a justiqa d'aquelle sitio.
Eriráo um homem, a quem o medo liavia tolhido a voz
ao ponto de,não poder falar, explicou ao juiz com phrases
entrecortadns quanto liavia succedido.
Entrou, como sabcmos, n'aqnella casa ncornpanhado pelo
capitão de bandidos; disse-lhe esle que se deitasse, e fel-o
com cffeito. Po~icodepois de estar na cama, sentiu que for-
çavam a janella. Temendo então quo o quizessem matar,
pôz-se no sitio onde o encontrlimos, e d'onde pode obser-
var que urn Liornem saltava ao quarto todo cansado, u des-
pindo-se socegado, foi occupar o lei10 do qual elle havia
saido.
O mais j3 O sabemos bem.
Entraram os bandidos no mein das trevas, e n5o poden-
do conceber similliante troca, imniolriram a quem menos
desejavam matar.
Tal 6 o premio que Deos reserva aos mnlvados.
LEITURAS POPULARES

BOI E M A VENTURA
(Continuado da pagina 55)

((Costumavam então os soldados, no acampamento turco,


divertirem-se com as armas de fogo, atirando ao alvo. As
admoestações dos officiaes nada linliarn conseguido contra
este perigoso di\lertimento. Algiimas vezes, os soldados obe-
deciam por alguns min~itosao seu commandante, mas co-
meçavam depois, apesar clas ordens, que se lhes davam. h
desobediencia ficava impune, d d e que tal era a inclisciplina
da nossa tropa1 De sorte que mesino a frequencia do peri-
go fazia com que atc jB se não desse attenção a elle. Vi as
hallas atravessarem barracas, onde os soldados estavam fu-
mando nos seus cachimbos, com todo o socego, ao passo
que outros se preparavam para fizerem pontaria i bandei-
r a encarnada, que tremulava por cima da cabeça dos fu-
mistas.
<Esta apathia procedia, em alguns, d'uma invencivel pre-I
guiça do corpo; n'outros, da embriagaez produzida pelo ta-
baco ou pelo opio; e na maior parte pelo credito geral do
dogma da predestinação. Quando uma bala socava um d e
seus camaradas:-A nossa Iiora ainda não esta chegada, di-
ziam elles, tirando apenas o cachimbo da boca. Maliomet
não quer que pareçamos hoje.
aconfesso que esta louca segurança me admirou ao prin-
cipio, mas esta admiração acabou pouco a pouco, e este
prejuizo veiu confirmar-me no cantrario da minha opinião
favorita, que cerlos homens nasceram sob a influencia d e
uma boa ou ma estrella. Fiz.me quasi tão desleixado com01
os meus camaradas, fazendo os mesmos raciocinios que,
elles faziam.-0 poder humano não poda, dizia eu, evitar
os golpes do destino. Talvez que eu morra Amanhã, pois
entáo divirtamo-nos hoje.
aFiz enlão um estudo de m e divertir o mais que potlesse.
A minha pobreza, como bem podcis pensar, não meda-
va lognr para que eu me excedesse; mas, dentro em pou-
co, achei meios de dispender o que aioda me não pertencia.
Tinhamos uns certosjudeos que acompanhavam a tropa, os
quaes, calculando as probabilidades da victoria, adiantavam
t.BiTUnhS P O P U L A R I S ~ 88
dinheiro aos soldados com juros exorbitantes. O judeu a
quem me dirigi contractori tarnberrt comigo, esperando que
meu irmão Saladin, cuja reputação e vantajosos negocios
lhe eram conliecidos, pagaria as minhas dividas, se eu mor-
resse. Com o dinheiro que obtive d'esse maldilo israelista,
comprava todos os dias café e opio, ao que me entreguei
com excesso. No delirio da embriaguez, esquecia-me de to-
das as minhas desgraças, e o ternor do fuluro desvanecia-se
inteiramente.
«Um dia, que tinl-ia tomado uma desmedida quantidade
d'opio, divaguei pelo acampamento, cantandn e dançando
como um louco, repetindo qiid jil nFio era Moiirad-o-Infeliz.
Apenas tinha pronunciailo estas palavras, quando iim bene-
v010 espectador, que estava em mellior jiiizo do que eu, me
deu o braço, e forcejou por me aí'fastar do perigoso logar
em que me achava.-N$o vêdes, me disse, os solilados que
vos 1,omam por alvo? Acallo de vBr um que apontava com
todo o desembaraço para o vosso tiirbanle; reparae, como
lelle torna a carregar a sua espingarda. A minha md sina
prevaleceu ainda n'esle inslanle, o i~nicoinstante da mirilia
vida, em que eu podia desconfiar do seu poder. Rcpelli
brutalmente a pessoa que me dava este aviso.-Nilo sou o
.miseravel como me consideras, lhe disse; ião sou Mouzad
o Infeliz! Elle desappareceu logo; eu fiquei: aIguris segun-
dos depois apanliou-me uma bala, e catii sobre a arda sem
sentidos,
aUm desastrado cirurgião timil-me a bala c10 corWpo,e
fez-me soffrer dez vezes mais (10 que devia soffrer. Apres.
sava-se na sua ftrliz operação, com prejuiao meu, porque o
exercito acabava de receber ordem de levantar o acampa-
mento; algumas Iioras depois era tudo uma terrivel cbnfu-
350. Ei1 soffria horrivelmente cla ininha fcrida; c o temor de
6car com os incuraveis aiigmenlava o meu lorrnento. Tal-
vez que se eu me conservasse em socego tivesse ovilarlo a
maior parle dos to)-mentos, que depois soffri, mas já vos
disse, senliores, que o meu funesto dcslino queria quc eu
li30 podesse julgar qual era o melhor partido, que devia to-
mar, antes que chegasse o tempo da pri~dcncia.
aN'este dia fatal, no momento ern que a febre ostava no
seu mais violento accesso, apezar da rr:cornmendação, quo
tinha da me conservar de cama, e Conlra OS nieus cosldmos
indolentes, levantei-me muitas vezes e sahi da barraca pelo
maior calor do dia, para satisfazer a minha curiosidade e
saber quantas barracas e soldados ficavam ainda no campo.
As ordens da parlida não tinham sido executadas com
promptidão, e tinham-se passado muitas horas antes de le-
vantar o campo. S e tivesse obedecido no que me tinha or-
denado o cirurgião, estava em estado de acompanhar ii ul-
tima porção c1e soldados incapazes de poderem marchar com
o grosso do exercito; talvez podesse supporlar o movimen-
to lento e commodo das liteiras, com que se transportavam
os outros doenles; porem de tarde, quando o cirurgião veiu
para me curar a minha ferida, achou-me tão mal que não
era possivel fazer-me esperimentar o mais. leve movi-
menlo.
aDeixou-me entregue a uma escolta de soldados da re-
ctaguarda que deviam marchar no dia seguinte pela manhã.
Estes montaram-me n'uma mula que eu conheci por uma
malha branca no lombo pela maldita alimaria, que me tinha
esconceado, quando estava procurando o meu annel. Não
m e atrevi â montar no funesto animal, e fia todo o possi-
vel para que os soldados me levassem As costas; prestaram-
se a isso por algum tempo; mas, parecendo-llie a carga
muito pezada, poizaram-me na a r h , dizendo qiic iain en-
cher um odre na fonte proxima e quc tivesse paciencia de
os esperar, porque dentro em pouco voltariam.
esperei muito tempo suspirando pela agua, que me li-
nham promettido para homedecer a boca, onde serilia u m
grande calor; mas nem agua, ncm soldados appareceram, e
fiyiiei ali muitas horas qaasi a dar o ultimo suspiro. Nio
fazia nenhum esforço para me mover, porque estava con-
vencido de que tinha soado a minha ultima hora, e que era
da vontade de hlahouiet que eu acabasse d'este terrivel mo-
do, privado de sepultura como um cão: morto bem digna,
dizia eu comigo d e Mourad-o-Infeliz!
~D'eslavez os meus presentimentos não eram certos. Um
destacamento de soldados inglezes passou perto do logar,
onde eu jazia, ouviram os meus gemidos, e estes humanos
estrangeiros correram em meu soccorro. Levaram-me com-
sigo, pensaram a minlia ferida e trataram-ma com os mais
assiduos cuidados. N%o obstante serem ehristãos, devo con-
fessar que tenho mais razões para os estimar do que a ta-
L E I T U R A S POPULARES 85
dos os sectarios de Mahomet, exceplo o meu excellente
irmão.
(( Graças aos seus cuirlados restabeleci ; mas, apenas ti-
nha recobrado forças, logo vieram perseguir-me novos
desastres. Um dia, estava um calor insuportavel, e eu tinha
uma s8de excessiva. Affaslei-me com alguns soldados em
busca d'alguma agua. Os inglezes principiaram a cavar e m
um logar, que lhes designou uni tlos seus liomens scienti-
6 ~ 0 s . EU não quiz participar d'este penoza trabalho, e
adiantei-me em procura d'alguma nascente. Vi ao longe uma
cousa, que m e parecia uma pSça d'agua, e mostrei-a aos
meus companheiros. O sabio inglez fez-me dizer pelo seu
interprete que não me fiasse n'esta enganosa apparencia,
muito cumrnum n'estas paragens, prevenindo-me que quan-
do chegasse ao ponto que me secluzia, náo acharia agua.
Disse mais que este ponto estava mais longe do que eu.
pensava, e que me perderia com toda a certeza no deser-
to, prociirando encontrar este fantasma.
C( Fui bem infeliz em não dar ouvidos a este conselho ;

corri cm busca d'esta maldita illusão, obra do cspirito mali-


gno, que m e obscurecia a razão para me attraliii. ao seu
poder. Caminhei sempre, jiilgando a cada instante achar-me
no ponto que fazia o objecto dos rnecis desejos; mas elle
fugia sempre de mim, e vim a contiecer por fim que o in-
glez iniciado sem duvida pelos habitantes do paiz, tinha
completamente razão, 0 que esta hriliinnte apparencia, quo
tinha tornado por aglia, n'io era mais do qile terrivel engano.
«Est,ava extremamenle cançaclo; voltei, para ajuntar-mo
aos meus companheiros; mas j i nzo vi nem homens, nem
animaes, nem indicio algum de vegetação no deserto. Nio
me restava outro guia no meio d'esta terra desconliacida,
mais do que o signal das minhas pegadas na areia. Segui
triste e Icntamente estes movecliços signaes, quando em lo-
gar de ceder 4 minha indolencia habitual, devia ter apressa-
do a minha volta para me encontrar com os inglezes, antes
que se levantasse a briza da noite. Pelo contrario alegrei-
mo COM a briza, sem pensar no perigo, que rne ameaçava,
e abri o meti peito ao seu sopro refrigerante; mas qual foi
a minha afflicção, quando vi que todos os signaes das mi-
nhas pegadas linliam sido varridos pelo venlol Não sábia
quo caminho dcvia tomar; entreguei-mo i maior desospera~
86 LEITURAS POPULARES

cão, rasguei os meus vestidos; arranquei o meu lurbante


dando gri tos; nenhuma voz humana me respondeu. O silen-
cio era atróz. Não linha comido havia muitas horas, sentia-
m e fraco e abatido. Lembrei.me então que tinlia guardada
a minha provisão d'opio nas pregas d o meu turbante, mas
ah! o opio tinha caido, quiindo o tinha tirado, e debalde a
procurei na areia do deserto.
aDeitei-me enlão por terra, abandonando-me ao meu tris-
te destino. O que soffria por causa da fgme, da sêde e d o
calor inexplicavel, Por fim calii n'uma especie d'extasi,
duranie o qual me parecia que via vollejar em roda de mim
figuras ou imagens de todos os feitios. Ignoro quanto tem-
po e s l i ~ ~n'este
o estado, sb me lernbro que salii d'ello ao
som de grandes gritos. Eram gritos d'alegria dados pelos
guias d'uma caravana de Rleca, quando chegavam perto
d'uma cisterna situada ri'esta parte do deserto.
« h cisterna ficava a pouco mais de cem passos do logar,
onde eu estava estendido; mas isto era conscquencia da
desgraça que me perseguia; corria, liavia tanto tenipo, apóz
dos fanlasmas, e tinba a realidade tão perto de niirn. 'Fra-
co e abatido como estava, gritei com a força que tinha, es*
perando quc rne soccorressem, e fiz toda a diligencia por
m e arrastar ale ao sitio, onde ouvia vozes de gente. A ca-
ravana descançou por algum tempo, em quanto os escravos
enchiam odres d'agua e que os camellos a bebiam para ra-
ção de muilos dias. Apezar dos meus esforços, estava con-
vencido de que segundo a mintia costiimada infelicidade,
nunca poderia fazer ouvir a minha voz. Já via os arabes
montarem nos camellos e disporem-se para partir. Entã&
desenrolei o meu turbante e principiei a acenar com a fa-
olia d'elle. Viram que eu fazia signal e correram para mim.
ahpenas podia falar; um escravo deu-me ngua, e depois
d e ter saciado a sede, expliquei aos meus libertadores quem
eu era, a Como me linba perdido no deserto.
aEm quanto eu falava, um dos viajantes estava olliando
para a bolsa, que eu titilia 8 cintura; era a qiie me tinha
dado o negociarite que tinlia perdido o annel. Tinha-a guar-
dado com miiilo' cuidado, porque as iniciaes do nome d o
meu bemfei tor estavam bordadas n'ella com uma passagem
do Alcorão. Quando elle m'a deu, disse-me, que talvez ain-
da nos encontrassernos ern algiima parte do mundo e quer
por aquelles signaes elle me conheceria. O viajante que ti-
nha reparado na bolsa era irmão d'este negociante, e qilan-
d o eu lhe contei o modo, por que ella tinha vindo para o
meu poder, teve a bondade cle me tomar debaixo da sua
especial protecçao. Era um negociante que voltava para o
Grã-Cairo com a sua caravana: ofiereceu-se para levar-me
comsigo, e eu aceitei de muito boa vonladc a sua offerta,
promettendo-lhe servil-o tão fielmente, como qualquer dos
seus escravos. A caravana pôz.se a caminho, e eii parti com
ella.
«O negociante, que se tinha tornado meu amo, tratava-me
com a maior bondade. Depois de ter oiivido a narraçao das
minhas aventuras, exigiu que eu Ilie promettesse que não
faria nada sem o consultar. - Já quo sois t2o infeliz, Moii-
rail, m e disse elle, e que sempre tudo vos sae mal, quando
o fazeis por v6s mcs.r.0, fiaes-vos de hoje em diante na dis-
crição do um amigo mais scnsato ou menos infeliz do que
vós.
aTin11:i uma feliz posiçSo em casa d'este Iiomem que era
dotado d'um genio docil e bom, e que era bastante rico
para ser generoso com aqiielles que dependiam d'elle. O
meu emprego consistia em vigiar a carga e descarga dos
camellos nos logares coiivenicntes, em contar os fardos de
fazendas e em cuidar que não se mislurassem com os dos
outros negociantes da caravana. 0ccupei.m~d'esto encargo,
como ordinariamente o fazia, cheganclo a Alexandria; infe-
lizmente n30 contei os fardos, por me parecer que o nume-
ro estava completo, e depois de nos termos embarcado no
navio, que nos devia Iransportar para o Cairo, vi que falla-
vam Ires fardos d'algodão.
acorri a dar parto ao meu patrão, que se mostrou des-
contente com a minlia negligencia, mas não m e reprehon-
deu, como e u merecia. Mandarani o pregoeiro pela cidade
offerocer um pramio a quem entregasse a fazenda exlravia-
da, e os fardos foram trazidos por iim escravo de um dos
negociantes que viajava comnosco. O navio estava j5 para
se fazer de v&, o meu patrão e eu tinhamos tomado um
barco para o alracar com os fardos d'algodão. Quando su-
bimos para bordo, declarou o capitáo cliia o navio estava
muito carregado, e que nHo sabia, ondo liavia de metter
esta fazenda. Depois de muitas dificuldades consentiu quc
83 LEITURAS POPULARES

ficassem os fardos sobre a tolda, e eu prometti ao meu pa-


trão de os vigiar de noite e de dia.
aDepois ù'uma feliz viagetn, estavarnos á vista de terra,
e deviainos eiilrar no porto, no dia seguinte pela manh3.
Dormi, esta noite, como até então linha feito, sobre a tol-
da e passei este tempo fumando no meu cacliimbo. Desde
qae tintia estado no acampamento d'El-Aricli, tinha-me cos-
tumado e não podia passar sem opio e sem tahaco. Penso
que a doze que tomei n'esta rioile me perturbou, porque
pela meia noilc acordei sobresaltado, Levantei mo precipi-
tadamenle no convez, onde me tinha deitado: o meu tur-
bante estava a arder assim como o fardo d'algodão a que
t i n ~ aencoslado a cabeça. Acordei dois marinheiros que dor-
miam um pouco mais longe de mim. O alvo ror;^ tornou-se
geral e fez com qiie augmentassem rnais o perigo. O capi-
tão e meu patrBo foram os que empregaram mais activida-
de e coragem para extinguir o fogo. O meu patrão ficou
horrivelmente qiieimado.
aQuanio a niim, o capitão não consentiu que eu me ili-
tromettesse em iiada; mandou-me prender ao mastro d o na-
vio, e quando se estinguiu o fogo, os passageiros pediram
unanimemente que 11-10prendessem de pbs e mãos, com me-
do eu náo fosse a causa d'algum novo desastre. Tudo o que
tinha aconteciclo não era senáo a eonsequencia do meu fa-
tal destino. Adormecendo, tinha posto o cachimbo em cima
do fardo d'algodáo, em que tinha encostado a cabeça. O lu-
me tinha caido do cachimbo, e tiniia-se cornmunicado no al-
godào. Era tal o odio e o terror que eci tinha infundido na
squipagem, que preferiam antes deitar-me ri'uma ilha de-
serta, clo que coriservarem.me mais uma semana a bordo.
O meu bom patrão, não obstante a soa bondade, estava im-
paciente por se desembarar,ar de Mourad-o-Infeliz e da sua
lm4 fortuna.
&em podeis imaginar que goslo eti teria de m e v&r sol-
to e clesembaraçado. O meu patrão mctteu-me na mão uma
bolsa com cincoenta sequins e despedindo-se-me disso: Mou-
sad, faze um prudentp, uso d'este dinheiro, s e poderes, a
talvez que mude a lua fortuna. Poucas esperanças tinha cl'is-
to; comtudo resolvi fazer um bom emprego d'este dinlioiro.
uDivagava pelas ruas do Cairo, pensando no partido que
poderia tirar dos meus cincoenta sequins, quando alguem
me interrompeu, diamando-me pelo nome, e que me per-
guntou se não m e lembrava d'esta pessoa. Olhei fixamente
e conheci bem a meu pezar que era o judeu Rachub, que
m e tinha emprestado algumas qliantias de dinheiro no acam-
pamenlo d'El-Arich. Qaem o tinha trazido ao Cairo, senão
a niinlia nxi sina? Não sei se seria assim1 Yão me quiz dei-
xar; não admiltiu nenhuma desculpa; elle dizia, que sabia
que eu tinha clesertado a primeira vez do acampamento tur-
co, e a segunda do exercito inglez; que não tinha nenhum
soldo a receber, o que não acreditava que meti irmão Sala-
din se prestasse a reconhecer e a pagar as minhas dividas.
aVexado att! ao ultimo ponto pela insolencia cl'este cão
d o judeu, repliquei-lhe que eu não era t2o miseravel coano
ello me julgava; que tinha meios para pagar as minhas le,-
gitiinas dividas; Irias esperava que elle não exigiria os inte-
resses o:i juros exorbitarites que me tiriha imposto. Sorriu-
s e com uma expressão satanica, e responde11 qiie, se um
turco preferia o opio ao dinheiro, d'isto não tiriha elle cul-
pa; que me tinha fornecido o que eii mais estimava no mun-
do, e por isso n3o me devia queixar, se elle exigia d c rnirn
o mesmo hvor.
aNão VOS cantarei, senliores, contando-vos todos os ar-
gumentos que trocamos Ractiub e eu. I'or fim entrimos em
ajustes. Não qniz ceder nada do qoc dizia respeito a divida;
mas deixou-me em compensação do prejnizo, por um di-
minuto preço, uma porc;ão de vestidos ern scgiindn mão,
cuja venda clevia fazer a minha fortuna. Tinha-os trazido
para o Cairo, dizia elle, corn a tenc,ão de os vender aos
mercadores d'escravos, que n'esta epoca do anno compram
vestidos para cobrirem a sua mercadoria humana; mas elle
tinba pressa tle voltar piira Constantinopla com a sua fa-
milia, e preferia ceder a iim amigo os Iiicros d'esta espe-
culação. Eu desconfiava dos protestos d'amizade o de des-
interesse de Racbub; mas levou-me ao lthan oii mercado
publico, onde estavam as suas fazendas, o abriu-me a cai-
xa que as tinha. Eram milito ricas e boas, alem d'isto es-
bes vestidos tinhârn lido milito pouco 11so. Não me podia
negar i evidencia do que via; conclui a cornpra e o judeu
mandou lcvar a caixa para minha casa.
aFui logo no dia seguinte ao mercado publico, 8 antos
da noite, e assim que viram a minha fazenda, não me faltar
90 LEITURAS POPULARES

vam compradores; a minha casa estava vazia o a minha b d -


sa clleia. O ganho que live neste negocio fui t30 vantajoso
que me cuslava a crhr que o judeu Rachiib m'o tivesse Ce-
dido com tanla facilidade.
aPassados algiins dias veiu visitar-me iim negociante d e
Damasco, que me tinlia coniprado vestidos; disse-me com
a r amicto que duas d e soas mulheres escravas, que tinham
usado d'estes vestidos, tinham adoecido. 15u n3o podia acre-
ditar q u e isto fosse por causa das mirilias fazendas; mas
dentro em pouco atravessando o mercado fui assaltado por
mais d'iima diizia de mercadores que se queixaram do mes-
mo. Insistiam para que lhes dissesse a provenicricia d'cstas
roupas, e se eu mesmo tinlia nsado nlgumns. No mcsmo
dia eii tinha calçado um par de chinellas arnarell:is, iinica
cousa que linha reservado para mim entre tanlos nl)jectos
seductores. Convencidos A vista das chinellas qiio n3o linlia
tido m i s ini.enções, porque tnmbem partilliava do perigo,
qualrluer que elle fosse, os mercadores socctgaram alguma
cousa. filas quaes foram o meu terror a os meus remorsos,
quando no dia seguinte um d'clles veiu dizer-me que tirihnm
apparecido bolhas pestilericiaes nos braços d e toilos os es-
cravos, que tinliam feito uso dos meus malrlitos vesti(los!
Examinando com atlençio a caixa, vimos a palavra Sltlyrna
escripla o meia apagada na tampa. Ora a peste tintia aca-
bado de fazer grandes estragos em Smyrn:~;e como o s mor-
cadores bem suspeitavam, estes factos tinliarn scm duvida
pertencido a pessoas feridas polo contagio! Esa por isso que
o negregado israelita me linl~avendido a caixa lfio bai*ata,
e não queria demorar-se no Cairo para em1)olsar os piaaven-
tcis da sua especiilap30. Confesso quo se tivesse sido cir-
cumspecto na occasião da compra, tima pequena circrimstan-
cia me leria rovelailo toda a verrlade. Eniquarilo ou
ajustava com o jiideu e ames d'elle abrir a caixa, lirilia be-
ùido um grando golo d'aguarderite, c tinha tapado o nariz
com uma osponja imbehida em vinagre, dizcndo.me qiro era
para não aspirar o clieiro do almiscar, que qiiasi sompre'llia
Causava convulsões.
a 0 liorror que concebi, loml~rando-mequo tinlin espalliado
a peslo na cidade, e que eii tnmbem jii estaria iitacadp d'ol-
Ia, ihe fez perder os sentidos; um suor frio correi] por to-
dos os membros o dahi sobre a tampa da fatal caixa, Dizem
qiie o medo dispõe para a invasão da doença; scja o qiie
for, n'aqiiella rriesma tarde, senti-me atacado e com uma fe-
b r e ardenlissima. O que ainda m c atormentava mais do que
a doença nos intervallos, que me deixava o delirio, era a
lembrança das desgraças que a minha fatal eslrella me ti-
nha causado. No primeiro momento lucido que tive, olhei
em roda de mim, e v i que linha sido abandonado fGra do
klian c que me achava n'uma miseravel barraca. Uma mu-
lher velha fumava no seu cacliimbo no ultimo canto ao fun-
do da barraca; disse-me que tinha sido expulso da cidado
por orclem do Cadi, perante querri os mercadores tinham
feito as suas queixas. A funesta caixa tinha sido queimada,
e a casa, onde eu morava arrasada alé aos alicerces. E s e
náo fosse eu, disse a velha, talvez eslircsscs agora morto;
mas eu promelti ao prophelri de rião desprezar nunca ne-
nhuma occasião de hzcr algiima boa acção: é por isso que,
quando vos abandonaram, lomei cuidar10 de VOS. Aqui eslá
a vossa bolsa que salvei dos ladrõe~,e o que era ainda mais
dilricultoso das rapinantes mãos dos ol'ticiaes da justiça. Eu
vos darei conta do que tcriho desperitlido até ao menor cei-
til, e vou contar-vos porque liz este voto ião exlraordinario.
a Conlieci que esta Isoa vellia gostava muito ~ l efalw, e
inclinei a cabeça, para Ilie agradecer a liistoria, que me
promctlia. Continuou pois, mâs confesso que lhe não deva
aquella attenção que a sua liistoria merecia: mesmo a cu-
riosidade, a paixão mais dominante entre os liircos, estava
em mim extincta. Não me lembro nem cl'uma sO palavila
da historia da minha vellia enfermeira: da continuação da
minlia tenho ainda baslarilo que vos contar.
a h estaçáo calmos,? tinha-se tornado excessiva. tilgun+s
medicos aí'firmavam que esta ardente lemperalnra seri,t fa-
tal aos seus doentes: apesar d'esle prognostico o flagello
acalaiou. Restabeleci-mc e acliei a minha bolsa bem leve
por causa do tralarncnlo. Reparli do que me rcstara com a
miillia Isenelica enfermeira, e niandei-a d cidada saber o
que havia de novo.
aVoltoii e disse-me que o furor da peste linlia-se apazi-
guado, mas que, no caminho, tinlia encontrado miiitos en-
terros, e que tinha ouvido a muitos mercadores amalcliçoar
a loucura d e Mourad o Infeliz, que linha, diziam elle~,in-
t r o d u ~ i d o o flagello na cidade. Os mesmos loucos, ames-
92 LEITURAS POPULARES

centavam elles, aprendem com a experiencia; porém este é


incuravel!
x Tive o cuidado d e queimar a minha cama e os meus
vestidos e a minlia roupa. Occullei o rneu nome que s6
inspirava odio, e fiz com que fosse admittido com outros
infelizes n'um Lazareto, onde fiz quarentena, dirigindo todos
os dias ao ceo as minhas fervorosas oracões pelos pobres
doentes.
logo que me jiilguei bem restabelecido e que me pare-
ceu que não poderia communicar o contagio, tratei d e vol-
tar para a minha patria. Tinlia pressa cl'abandonar o Cairo,
onde me tinlia tornado um objecto de desprezo geral. De
tempos em tempos, vinha-me ao pensamento uma idea sin-
gular. Imaginava que todas as rniohas desgraças, desde que
tinha saido de Coiislantinopla, provinham cle ter despreza-
do o talisman.qiie se achava gravado na minha bella jarra
d e porcelana. Tinliaasonbado por lres vezes, no tempo da
minlia convalescença, q u e um genio me apprirecia e me di-
zia em motio de r-eprc1iensáo:-Mousad, oncle esll a jarra,
que es.tava eiitregue ii tua vigilancia?
((Este sonlio tinha-me poclerosamente impressionado. Lo-
go depois da minha chegada a Constantinopla, que sc rea-
lisou e de que muito m e admirei, por se effeciuar sem o
menor accidenle, corri a casa d e meu irmão Saladin, para
saber noticias da minlia preciosa jarra. I-Iavia jd muito tem-
130 que n8o morava na casa, onde eu o lirilia deixado, e
principiei a receiar que tivesse morrido; mas iim %noçod e
fretes, a quem nio dirigi, logo ino disse:-Qiiem 6 que não
conhece em Constantinopl~i Saladin-o-Feliz ! Segui-me, e
eu vou ensinar-vos a sua morada.
(Continiis)
ez?zE+%-
A BAPOZA B O BURRO
Um leão, carregado d e annos e de todas as enfermidades
da veltiice, vivia en? tanta penuria que teria morrido de fo-
me, se lhe não valesse uma rapoza, que por muitas vezes
teve a honra de comer os sobejos da meza d o rei dos bos-
ques, no tempo em que elle estava em pleno goso do seu
podar.
A rapoza presenteava-o, todos os dias, ora com u m coe-
LEITURAS POPULARES 93
Ibo ora com uma perdiz; mas elle, acoslnmado a outros
alimentos mais solidos, queixava-se ama~~garneritedo estado,
a que se via reduzido. A rapoza coriiloia-se íl'olle e, um
dia, atreveu-se a aconsellaal-o a que saliisse uma noite da
cova e fosso 176rse nos bosques encontrava algum potro ou
vitella, com que matasse os desejos. O le5o foi franco para
ella e confessou-lhe que já não tiiilia forcas para apanhar
animaes tão valentes e que as suas maiores aspirações, n'essa
occasião, era comer um burro, para vêr s e recuperava as
forças perdidas.
-Mas!... exclamou elle, nem a tão pouco chegarei, porque
o homem, meu eterno rival, doinesticou.os todos e guar-
da-os beni gilardados.
Respondeu-lhe então respeitosamenlo a rapoza: aNão se
afflija, vossa magestade, por isso; tratarei de trazer um
ruço, que cont-ieço de vista; e, em paga, s 6 Ilie peço que
me deixe para mim as patas e orellias, porque, de vez em
quanto, faqo abstineneia de carne gorda.))
O leão deu lhe a sua real palavra de deixar-lhe todas as
extremidades do jumento para que fizesse penitencia, e a
rapoza partiu logo a pôr m90s i obra.
Algumas vezes tinlia ella lobrigado, nos arredores d'uma
povoaçgo, o burro d'um aguadeiro, e foi para ali que se
dirigiu.
O caso 6 que teve logo a fortuna de encontrar o joinen-
to e muito pensativo. Dirigiu-se a elle com ares de compai-
xão e disse-lhe:
- Muito sinto, senhor Asno, que esteja tão triste o d e
orellias cahidaç. Que é o que tem?
O burro, como nunca em siia vida tinlia sido tratado com
tanto respeito e affabilidade, deixou caliir da boca um car-
do, que cstavri comendo, e resporideii com um suspiro:
--Estoii cançado de viver, minha amiga, não posso conti-
nuar com a triste vida que me dão. A minha negra sorte
fez-me cahir nas mãos d'um galego aguadeiro de maneira
que, desde o romper da manhã até altas horas da noite,
ando sempre carregado com quatro grandes cantaros d e
agua; sustento com o suor do meu corpo a elle o á sua fa-
milin e mesmo assim não me dá nada d e comer aquelle t,y-
ranno, e A noite arruma commigo para aqui, onde nHo apa-
rece cousa que preste; algum maldito cardo meio secco e
94 LEITUn.4S POPULARC5

cheio d e bicos. S e um2 doença m e vem pela porta, paula-


da e 0 remeliio que me da; ora, a dizer a verdade, não sei
que id4a os liomens fizeram d e nOs, porque, quando vem
sobre n6s uma bordoada, que rios faz vergar para a esquer-
da, descarregam logo outra que rios faz tocar para a direi-
ta; e, s e dáo terceira, é contar com a quarta, porque con-
tra n6s e todo aos pares. flem sei o que hei d e fazer; s e
soffro ludo com paciencia, diz logo o meu verdugo que sou
u m bruto eslupido; s e prego a rninliâ parelha d e couces, 13
um diluvio d e pancadas sobra mim. E ainda s e estas m e
cahissem na anca, 19, porque as tenho j5 muita calejadas
com a muita paulada que tenho levado; m a s é quasi sem-
pre na cabeça que m e descarrega as maiorcs, pondo-me o s
miolhos a arder. Ora com estes tralos qnercm que um bur-
r o tenha entendimento! Ali, senhora Rapoza, s e vosseinecd
estivesse só u m mez e m poder d'urn aguadeiro, veria e m
quanto perdia a sua sagacidade, que tanto celcbrain.
-:icredito-o; volveu a rapoza, e e por isso que ainda te-
nho mais zanga aos homens do que aos cães. Aias porqua
soffre vossemecê, s e n l ~ o rAsno, tanta tyrannia? l'orqiie não
deixa esse endiabrado, vendo-se aqui, todas as noites, ,,
solto ?
-E pard onlle hei do eu ir, não rne dirh? exclamou o po-
bre jumento. Bern sabe que toda a minha raça estii escra-
1
L

visada ; por d e s g r a ~ anossa, temos ;i reputação de sermos


os animaes menos inquietos e mais solfredores, mais tra-
balhadores e baratos d o mundo; d e rnaoeii8a que lodo aqirel-
le que precisa do n6s não tem mais d o que lançar-rios a
mão, onde quer quo uos encontra.
-&Ias porque não muda d e clono?l conlinnou a rapoza.
-NBo sei para quo, replicou o jumento, os liomeris são to-
dos o mesmo. Jli fui algum tempo d'uni cigano, e a principio
tratou-me muito bem; mas depois deu-lhc na mania fazer-
m e tão ligeiro e vivo como nm potro, picando-me barbara-
mente no aspinliac,~,Passados tempos, levou-rrie a \!&rniun-
d o até que me trouxe a uma Ieira, q u e s c faz perto d'este
povo, e atii me vendeu ao meu cruel amo, que agora tenho.
Lli as nossas, femcas são mais felizes do que nós, porque,
muilas vezes, ct~egania ser amas de leite e então 6 vida regala-
da; mas cj. n6s os burros somou sempre rnuito desgraçados.
-Pois vislo isso, senhor Asno, siga vosscmecS o mcu con-
DEUS
Disse o senlior 11omem que, em a gente morrendo, rnor-
r: tutlo, cliier ilizor qoc, depois d e dcsapparecer um cada-
ver da face tla Lerra, nada mais resta.Vejariios se tem raz?ío
de ser o seu dito. Sabe 130 bem, como eu, que todos ntjs
desejamos .viver depois d a morte; o pae qilcr continuar a vi-
ver e m sl-ilsfilhos, o escriptor nos seus livros, e o estalun-
rio na sua estatua. A toclcs nos afflige a idé;i d e acal~ar-
mos cumplelamente cont n moiale; o senlior homem parccs
que tem tleiejos do vêr na outra vida a sua rnul!ler; quan-
clo lhe ri;orreii o filho, tintid s:lodndes d'elle confo d'liiii en-
.te r;!le continuava a viver: çonl~avacom elle e via-o sempre
bonilo e 2 I ~ g r ~incon~n~odal-o-hia
; algucm que Ilie dissesse:
«De tco filho n5o resta ri:i~la!» E o que significa isto70 ryoe
sflo estes i i e s ~ j i xe eslas saudades, senão a necessidade cle
q ~ i e~ i \ i ; i i r i na oiitra .\.itl;i os entes, que nos foram queridos
ri'est;~? E, se.islo n5o fossc [iossivel, como é que todos r18s
tar.inrnoç taes cli?s~jose taes sauclades? Pois 116sh a ~ i a m o s
d e f,izer idS3, coniprehenrlermos e convencer-110s d o rluei
n3o pníle acontecer? Pois a nossa alma podia Gizêr i1.16~:
d e u m a o l ~ t r a~ i d i l ,se ella não fosse possivel e não esis-
tisse?
-Tem íalado rnirito, mas tem (lito poiico. iarnliem en
desejo ser muito rico, f ~ ~ castellos f i no ar, ju1g;inclo-me e m
iim soberbo palacio e rodeado d e criados, e comlciilo natln
d'isto existe e nern 15 possivcl que nne aconteça.
--Ora v:ilha-o Deus; o senhor I-iomem vem dar-nic armas
para o ferir: é verdade que o senlior nem h rico nem B pro-
vavel que o venha n ser, e náu obstarite faz idéada riqiieza
e julga-se lia posse ù'ella e de todos os gosos que ella dh;
e acontece-llie isso poi-qile jA tem vis10 liomcns ricos 13
no goso ilas riqnezas. filas o senhor homcni é cliic nunca
viu a outra vida; não púdc fazer idéa d'ella, e comt~idosen-
le necessidade e desejos do que ella exista, julga-a rnesmo
necessaria para que 14 coritinue a viver sua mullicr c sal1
81110.
-L4 isso 6 vcrdade.
1 *" V O L B@ 9.' DB(CEiVNH6) ?lf!iYI-XSV%
98 LEITURAS POY7JLARES

-Nem póde deixar de o ser. E'que Deus póde e deve


castigar facilmenle so prova. Ora diga-me: o senhor homem
não louva um juiz porque fez punir um reu, e não gosta
de ver premiado u m Iionaem que é Iionrado?
-Isso 6 verdade.
-Não entende que devem ser castigados os maus e pre-
miados os bons?
-Não ha duvida.
-Gosta de aêr u m infame tratado como um bom h@-
mem?
-De maneira alguma.
-Bem. Pois Deiis deve castigar e premiar. Ora attenda*
me. Ila um inclividoq.qoe commelte qualquer crime o teve
artes para o fazer sem que a justiça dos homens o corihe-
cesse; outro que è Lidnrado tem um inimigo que com tes-
temunhas falsas o faz ir i rnorle; que me diz a isto?
--Que ludo isso e infame.
-Estamos de accordo. E não lhe custa que o criminoso
não seja castigado e que o homem honrado não seja pre-
miado c desaffrontado ?
-Custa.
-Mas, se n'esta vida se lhes não póde fazor justiça,
bqo de ficar impunes, e por pr'emiar? Pois o criminoso ha
cle ler o mesmo fim que 0 hoiirado? Pois a morte lia do vir
roubar i justiça os seus direitos? Pois o que rouba e mala
02o Lia de ser castigado? E, s e nbs vemos por esse mundo a l -
guns tralantes ricos e felizes, e muitos liomens virluosos
ciesgraçados e afíiictos, não deveinos ter a certeza de que
os crirn8s d e uns hão de ser tão castigados, como prsrnia-
das as virtucles dos outros'? Pois háo de dormir juntos o
mesmo somno da morle, terem na mesmo comiterio, a mes-
ma sepultara, o mesmo epitsphio, sem que haja alguom qiia
reaha separal-os e dar a cada um segundo as suas acções?
-Assim parece.
-E assim 6. Qciem não teve n'este mundo o castigo de
scqs crimes e o premio de suas virtudes lia do te1.o n'outra
parle, onde haja um juiz recto, e essa oulra parte 6 na ou*
Cra vida, e esse outro juiz e Deus.
-Quasi que estou convencido.
-E deve-o astar, se no seu coração ainda existem alguns
restos de equidade ede amor 4 justiça. E, se esses castigos e
premios devem existir, t. que Ileus devecastigar e premiar;
e, se deve, 6 porque o pbde fazer, porque ninguern está
obrigado a fazer o que lhe 6 impossivel. Por isso digo eu:
-Deus deve cnsligar, e por conseguinte premiar; e, se de-
va, i: porque o pode fazer.
-I3 claro.
-Por isso digamos ao criminoso:-Ai de ti, se o arre-
pendimento não vem livrar-te da justiça de Deus! - E ao
virtuoso diremos:-Soffre com pacicncia, quo na outra vida
ser-to-hão coiitados os teus soffrimoritos, as tuas virtudes o
as tuas lagrirnas. O cerniterio 6 apenas o fim d'esta vida;
mas a sepultura, ?e vrl: abrem, C a porta para a eterni-
dade.

CARIDADE
A caridade d a Sidr mimosa e sublime de todas as virtu-
des - e a abnegação do inleresse e commodidade propria,
para utilirlade do proximo - 6 a consola~ãolevada ao que
soffre despida dc qualquer lucro - ej o auxilio ao preci:
sado sem pretenção a agradecimento-e obeneficio sincero
e franco ao necessitado ainda mesmo que nos haja offendik
do-i: o perdão das maldades, affrontas e prejmizos que nos
hajam causado- e finalmente o conjuncto de lodos estcs
preceitos para desempenlio do mandamonto dcvillo arnar a
Deus sobre todas as causas, e ao proxirxio como a nós
mesmo.
A caridade não i: sb dar esmola ao pobre,reparlinclo com
elle unia pequena parte do muito que nos sobeja; não i: soc-
correr o indigente, por ostentação eií'avor, O mais:olevada esta
virtude, e a sua pralica táo variada conio extensa,&% olevo
cançar nern constranger aquelie que a faz, seguindo os verrl:~.
d ~ i r o spreceitos; podendo todos e em todas as condições da
sociedade opulentos ou humildes~desempenbaremesla vir-
lude santa e beneflca.
O rico com o seu ouro pode alliviar a desgraça o preve-
nir males grapdos e atC crimes.
O poderoso pode sem dispotider, fazer grandes Benefi-
cios, empregando a sua protecção e valia.
Assim tarnbcini o que vivo parcamente, o ata o pabro,
100 LEITURAS POPUI. \nES

podem preslar actos da maior caridade tão uteis ao proxi-


mo, como ngradaveis a Deus.
O trato d'nm doente, a visita a um encarcerado, urn ser-
viyo qualquer a quem precise, í? que riao possa desempe-
ntiar, sjo aiixilios, consola~õese confortos, yue elevam a al-
ma, porifiqiiam :ts imperfei~óes,c trarão com o arrel~eridi-
mento dos peccndos o perdzo e a grqa d e Deus.

DEUS REVELADO NA BEELEZA DA NATUREZA


N'um formosa jardim e atrawz das buli~osasli~lliasdas
arvores e no meio das flôres clc mil cores, oiivirnos nds o
harmoriioso canlo 110s p~issarinhos.'rodos elles Foriaam urna
orctiestra maravilliosa. filas qiieixi llies ensinou a elles a can-
tar 150 hcni? Olliae, ouvi-os com airençáo: cada um t e m o
seu canto, náo iiariarn, nem s e errçanaml E o l-iomern não
canta sein ouvir canttir, e canta si) como llie ensinaram. Os
passarinhos 1150; o rolixinol ouve cantar a piritasilgo, mas
não apreiiclo com elle; todos os rouxinoeu cnntsm do mes-
mo rrioilo, e quem Ities disse ;I elles q u e imitassein apenas
os da sua especie?
Sc clles e;intarxi tão bcm, podiam facilmente cantar como
a tolilinegra; irias n?o, canta sempre deliciosamente e do
mesmo 111odo. I< será porque elle>náo era capaz d e apreri-
der? Isso não, porque quem sabe cantar bem, ta~nbern
aprcnili:~a c;irilar mal. Porque e isto criifio?
E porqiie Deus esisle e O nosso amigo. Se uns passari-
nhos apreridcssern a canlar com os cle clif'fererite especie,
teria acoriteaido iliie hoje crinlíivlirn todos do mesriio inodo,
o qua ri90 seria t3o bello c crican~ador,/como oiivirrnos
;iqiii milito escoritlidirilio o rocsinol ri'uma formosa noite de
primavora a canlar tão snavemerilc, que pareco mesmo qae
nos Tiiz Iemljrar das delicias, qiio wo ceo devem existir, de-
licias innocenles e sem penas; oiivimos alern o pinlasilga,
caritando já do outro modo e alegrando-nos tambem de ou-
tra forma; e loilas as aves, cada uma na sua especie, va-
riando d e fbrma e do canto. N'isto ha muita belleza, porquu
ha muita variedade. Assim, como os oltios gozam por verem
um campo rccamado de flbres iie rnuitas cores e especies,
d o mesmo moclo os ouvidos se recreiam em o ~ \ ~ i r e tantos rn
cantos e tão variados.
E esta variedade e encantos não nos dizem que existe
um ente, que é todo bondade e harmonia, e que s e compraz
em fazer da terra um paraizo para fazer gozar o homem do
tantos encantos?
E para lodos s l o estas bellezas, para o mau c para o
bom! .
011, meu Deus, e ha liomens 150 ingratos que te offen-
dam, quando náo te esqueces de Ilies dares mesmo os go-
s o s maleriaes! 'lu clis-llies cantos e flores, i3 elles continiiam
a offender-te! 011, basta olliarnios para as bellezns (10 mun-
do para te am:irmos, como a am pae dos mais estremosos!
Ah, mas ainda agora alem vejo o nirilio de urn passari-
n h o e tào bcin feito, que faz von/ade dc o examinar. Va-
m o s vel-o.
(Continíla.)

O DEFUNTO E O MATERIALISTA
Principiando o padre Lacordnire as conferencias que, so-
b r e a irrimortalidade da alma, ha alguns annos, fazia aos
alumnos de Sorèze, contou-llies o faclo segiiirite, que vamos
reproduzir, o mais fielmente que nos for pnssivel.
O principe polaco X.'** increùulo e materialista rlecedi-
do, acabava de cornpbr unla obra contra a immortaliclrttle
d a alma; estava quasi a niandal-a imprimir, quando, uiri
dia, passeando no seu jardim se Ilie lançou aos pks Ira-
nhada em lagrimas uma mulher, que Ilie disse com a mais
profuiida dor:
-Rleu bom principe, meu marido acaba d'espirnr. N'es-
t e momento, l a l ~ e zque a sua alma esteja no purgalorio; cl-
le soffre. Eu sou tão pobre que riem ao nienos tenho com
que lhe possa mandar dizer uma missa. Sois tão bom, va-
lei-me para que eu possa dar este alitlio i alma do meu
marido.
Ainda qcie esle principe estava convencido d e que esta
mulher estava enganada em consequencia da siia crediilida-
de, não se atreveu comti~doa desprezal.a, procurando en-
tre o dinheiro, enconlrou uma mooda de ouro o deu-lli'a;
102 LCITUDAG POPULARES

a feliz miilher correu A egreja e entregou-a ao padre pan


que esta çuffragasse a alma de seu marido.
Tres dias depois, pela tarde, estando o principe no se11
gabinete, relia o s e u manuscripto, e retocava-o eln alguns
pontos, quando ouviu um pequeno rurnoi8; levanta os ollios
e vê na distancia de dois passos um hoinem veslido como
os camponezes cio paiz. Surprendido e irrilado pelo atrevi-
menlo d'este importiino, ia levantar-se e falar, quando a
incogriito desappareceu. Logo o principe, chamando o cria-
do, lhe pergunla:
-Para que deixas entrar estas pessoas sem me dares parte?
-Que pessoas? I tie respondem elle.
-Este tiomem, este caniponez, que acaba de sair do meu
gabinete.
-alas, Senlior, lhe respondeu o criado, nds náo consen-
timos que ninçuem entre sem licença, e neiiliuma pessoa
estranha entrou em casa.
Desarmado com estas respostas e convenciilo comtudo de
que era alvo d'algum engano, o principe caloil-se. No dia
seguinte, já náo se lembrava d'isto, quando í i mesma hora
e no mesmo logar, o incognito da vespera tornou a appa-
recer, mas sem proferir uma palavra. D'esta vez a irritacão
do Fidalgo chegou ao seu auge, c levantando-se para agar-
rar o descontiecido, via-o desapparecer outra vez.
Indagações, os mais minociosas diligencizs, nada potleram
descobrir, e-nioguem soube dar explicação d'este appareci-
mento.
O principe esperou para o dia seguinte, mas d'esla vaz
com uma cerla preoccupaçáo e bem decidido a acabar com
o atrevido importuno.
E com cffeilo, no terceiro dia, renovava-se a apparição.
D'esia vcz, aiiles qile o principe proferisse uina s ó palavra,
falava-lhe assim o desconliecido:
-Principa, venho agradecer-vos. Eu sou marido d'aquel-
la pobre mulher que vos siippliçava, I-ia poucos dias, que
lhe desseis uma esmola para mandar dizer uma missa pelo
descanço da minha alma. Esta obra de caridade foi do agra-
d o de Deus, e foi Elle que me perrnitliu que vos viasso
agradecer, e que vos viesse aflrmaiy que lia uina oixtra vi-
da, e que a alma & in;imnrtal. Pertence-vos agora ulilisar-
vos do favor que se VOS fw.
Acabadas de proferir estas palavras, desappareceii o cam-
ponez polaco. A sensação do principe era estrema; abatido,
não poderido respirar, cliama todos os seus criados e conta-
Ilies entre lagrimas o que acaba do se passar. Immediatata-
mente reclama a auctoridade dos homens mais conspicuos
d o paiz, querendo fazer constar este acontecimento com as
maiores provas. Porem o que mais convenceu as pessoas
que se acllavam presentes, e o que a nós pareceu mais con-
cludente, foi a deseruiç5o quo immediatamente o principe
fez da obra contra a immortalidade da alma, e a sua não
desmentida conversHo.

Quando todos os reinados perdem o seu prestigio, liri


um que ainda mesmo ilcpois de despojado clos seus estados,
fica de pb, e e para este que se voltam todas as vistas do
mundo. Sim, o Papa 6 rei, e, como seu Mestre, elle póde
dizer: Rcx sunb cgo.
Um celebre diplomala, que não e catliolico, saliindo d'uma
Jonga aurliencia do Santo Padre,, repetia com profunda con-
sicção: UEUpensava que j i não havia reis, mas achei um.u
Se nos permittirern citar um facto pessoal, diz M. Mnr-
tin, diremos que, achando-nos, ccrto dia, nas salas do Va-
licano, esperando por uma audiancia que nos concedia o
Santo Padre; qual náo foi a nossa surpreza d'encontrar ali
dois de nossos compatriolas quc estavam longe du parlilliar
os nossos principias e as nossas crenças! Um d'elles era um
ex-representante do povo, que se sentava do lado d : ~repu-
blica e l;enc~.avcl#uma loja maçonica; viajrivain pela Italia,
e não queriam deixar Roma sem v& o Soberano Pontifice.
Isto era muito natural e o seri desejo facilmente foi satis-
feito. Pedimos-lhes ao sair da audiencia que nos dissessem
o que pensavam a respeito do Papa: Ah! nos disse o anti-
go eomnissario, que conheciamos mais particularmente, el-
l e tem a verdsdeira magestade d'um rei, e a ternura d'um
pae; se todos os reis se parecessem com elle, d6s nunca
seriamos republicanos. D
x% LEITURAS POI'ULliRC5

A instrucção d i aos hi~mildesgratideza d'alma, aos po-


b r e s riqueza, aos eatupidos inlelligericia.

PERGUNTAS E RESPOSTAS
Qual 6 a cauza que s e semêa n'um logar e s e colhe n'ou-
t r o ? O l ~ e mque s e faz n'este mundo, p o r q u e n7io se colhe
o fructo senáo no onlro.
Quando se parece a irt tu de com a mentira? Quando u m
vell-io conta as proezas da sua mocidaile, ou qilnndo um
p o b r e s e lembrii das sccões geuerosas dos seus dias felizes.
Com que s e parece cnl filho dege~ierndo?Coní aquellc
q u e tcm seis iledoi, porque, s e Ihe cortam cstc dedo d e
mais, causa-lhe dor; se Ili'o deixam, íica com uin aleijSío.

Ave! Maria, exclamaram Anjos,


Turba d',4rchar~,jos que do Ceo desceii,
Do ri~undoem trevas a fulgente aurora
Raiou agora; eis o nome scii.
Maria! a Stintal a Venlurosa! a Bella!
Eucida Estrella que r10 mar surgia,
Calinou-ll~eas ondíts, sein ccssar l~ramiudo,
Meiga surrindo, Uivinal Alaria!
Nos 01110s t e ~ i srrsplitr~docentebrill~o
Charnma que i: fill~ade celeste l u z :
Ao Cko, na senda d'este mundo ainda,
O Virgem linda lei1 olhar conduz.
Qaando ein teus labios virginaes s e solla
Em pranto e n ~ ~ o l tdoe rnortar:~ a dor,
Disputam Anjos casar seus hyrnrios
Aos sons p'regrinos de plangente amor.
LEITURAS P O P U L A R E S

Myçtica ~ o m b a ,no espaco roas:


S e ri'elle entoas divina1 canc,áo,
Vaes ao culpado.implorar-lhe-Graça,
Vens ;i desgraça trazer protecçzo.
Se ouvir deixasses essa voz saudosa,
Candida Rosa do jardim cle Deus,
V'rias mil mundos a teus lihs caindo,
Um brado infindo elevar aos Ceos.
C'roada d'astros, immortal Soberana,
Cantam-le-IIosanna-os leus Serapliins,
Sobre as esphcras o te11 1Rrono assenta
Que a mão sustenta dv mil Cherubins.
Filha d o Eterno, fostes escolhida
Esposa querida do celcs!e amor;
A voz d o Verbo, eis-te jri sagrada
Immaculada mãe do Redecnptor.
Tlirginea, fiôrl e fec~indouteu seio
Sombra que veio c10 grande Jeliovali
Exoltem Orbes! é A j salva a terra
Na flor q u e encerra a feliz Jud5.

AS DOZE FOLHAS

oi A ald8a d e Manapadam, (Indost50, Bengala occidental)


situada ri'uni paiz todo pag20, só contava u m peqiiena nu-
m e r o d e catl-iolicos ; mas Deus ali era ao menos ficlnicnte
servido, e soa Máe linlia ali uma liamilde capella.
Muito tempo havia que não tinha cahido uma gota d e
chuva e m todo o territorio de Manapadam; a sbcca era ex-
trema, e, e m toda a parte, estava cornprometlida a colhei-
ta. Debalde tinham os Indous recorrido a todas a s suas pra-
ticas supersticiosas; o céo pernianecia cerrado e a terra es-
teril. Elles decidiram se a tentar u m iiltimo assalto. O em-
baraço consistia e m saber a qual d e suas divindades fariam
106 I.EITL'EAS POPULARES
esta ultima appellação. Na sua perplexidade, encarregaram
i sorte a decisão.
Tomaram, pois, onze follias de palmeira, e em cada uma
d'ellas escreveram o nome d'uma de suas principaes divin-
dades. Alguns Indous propozeram ajuntar uma du~decima
folha, sobre a qual se es:reveria o nome dc Maria, protecto-
ra dos clirislãos. O conselho foi adoptado.
Accendem uma grande fogueira em uma praça publica,
e, na presenca do povo todo, lancam ali as doze folhas de
palmeira, declarando ((que a divindade, ciijo nome fosse
respeitado pelas chammas, seria a unica invocada.,, Apenas
as folhas tocaram nas cliarnmas, foram devorarlaç e reduzi-
das a cinza. Uma só, 6 prodigio! fica intacta no meio do
brazido: B aquella que tem o nome de R'laria!
Não admitte duvida, 6 Maria que dcve ser invocada. 0
povo se precipita para o santuario de Maria, gritando: c(Sb
o Deus dos christãos existe e sua Mãe 6 assistente!) E ca-
da qual invoca Maria a seu modo. Estas homenagens inte-
resseiras não desagradaram A Mãe de misericordia. Apenas
o s Indous tinham deixado a capella, formaram-se no espa-
ço grossas ritivens, e uma chuva abundante veio fecundar a
terra; as searas estavam salvas. Rilaria fez mais ainda :fez
descer o orvalho da graça sobre estes corações estereis, e
ilnl grande numero de pagãos, tocados do prodigio, coii-
verteram-se. A folha, miraculosamente preservada das cham-
mas, foi conservada na capella de Maria em Rianapadam.
eskxesw
O M A R T Y R DO G O L G O T H A
TI~ADIC~XODO onrowro
I'OR I I E N R I Q U E P E R E S ESCRICII

Doze annos de paz inalteravel, desconliecida desde a morte


deNuma Pompilio, disfructava o mundo, quando Deus, esten-
dendo os seus compassivos braços pela terra, decretou descer
a ella em fbrma de homem e derramar o seu sangue pelos
peccados dos homens.
Dovia annunciar-se a sua vinda com assombrosos acon-
lecimentos, e assim foi.
LEITURAS POPULIRIIS fo'i"
Os idolatras do Olyrnpo de Homero, os adoradores de
Venus e de RIercurio, os corrompidos cortezãos do Capito-
lia, definhavam-se recostados nos Braços do ocio e do amor.
Enchia-os de admiração aquella paz inaltersvel, e utri dia
subiram ao templo para consultar o oraculo de Apollo,
quanio tempo ella duraria.
O oraculo disse-lhes estas palavras : Atb qiie zmla Vir-
ge9n dd ci 1 2 ~ .
Acreditavam elles que isto era impossivel, segundo as
leis naturaes, e por isso mandaram escrever na porta do
templo a seguinte inscripçáo : l'errzplo da paz eterna.
Entretanto a sybilla de Cztlnns, a inspirada poetisa, vati-
cinava na cidade impia dos Sybaritas n vinda de Jesu-Christo.
Octaviano Augosto mandou reunir o seu concelho, e a
Syhilla foi interrogada.
Cesar queria saber se podia nascer outro homem maior
do que elle.
O imperador espcrava iirna resposta, quando um circulo
de ouro appareceu em redor do sol.
No cenlro, rodeada de vivos raios, seacliava uma Virgem
com um formoso Menino nos braços.
Entãoa Sybilla, estendendo os briiços para o brilhante foco
de luz dourada, exclamoii com lloz proplietica : Aquellc Mc-
nino 6 l~aaiorque t u ; a d o ~ ~ l r - o .
De repente ouviu-se uma voz mysteriosa, que dizia : Esta
h. a ara santa do eco.'
Isto succedia em Roma, quando no Oriente, na moderna
Babylonia, na populosa Selencia, appareceu oma eslrella que
conduzia os reis magos dos seus l~alaciose os acompanhava,
ensinanclo-lhes com o seu esplendor a porta de um estabiilo
em Belem.
Cumpria-se a prophecia de Balaam. A estrella de Jacob
acabava de nascer nos ceus.
Do oriente ctiegavam uns idolatras para depositar aos pks
d e um berço a primeira peclra do cliristianismo.
A voz do anjo despertou os pastores nas suas chocas, e

1 Sobre o Capitolio, oin Roma, onde se algavn i10 tampo da vinda


de Je~u-Cliriatoo pnlacio de Oct2lvisno Auguuto, esth 1io.j~o conven-
to de Santa nlonica do Ara-Crclis, d'ondc prov6m a traùicç&o que
u&rramos, aeguindo Santo Antonio, arcebispo de I"1orença.
108 LEITURAS POPULARES

estes bem como os magnates se acliavam ao pi: d e um leito,


junto do qual ia morrer o mundo pagão.
Um Menino formoso, como o sonlio do justo, louro como
as espigas do Egypto, se movia sorrirido docemente sobre
umas palhas ; era íilbo de uma Virgem, nascia n'urria man-
jadoura, e eslava destinado a remir o rnirndu.
Este retem-nascido era o Ifessias, anniinciado pelos pro-
phetas.
Os terriveis deuses do paganismo, 8loloB, Tifou e Abri-
man, curvaram a carrancuda fronte anle Jcsiis, o Deus-ho-
mem, o Deus da pobreza e (Ia mansidão, que, vestido com
a tunica do mendigo, buscava a clloça do Liurnilde para vi-
ver corn elle e ensin:ir-lhe estas consoladoras palavras :
Benzuue~ztzi~~aclosos qzbc clioi~anz, porqzie elles ser60 co?zso-
lados.
Então o homem começou a sentir no seio o germen clo
nova vida, e, quando o cansaço o fazia caliir banliado em
suor sobre o arado, erguia os olhos clieios d e doces lagri-
mas para o ceo e pedia a Deus forys para esperar o dia da
reconpensa.
O escravo, sacudindo a cadeia, volveu um olhar cm torno
d e si e permaneceu com o ouvido attento, ate que pouco a
pouco se foi animando a siia phisionomia, e um melanclio-
lico sorriso lhe apparecel-i nos labios.
A esperança brolira-lhe no carar,áo ; a cadeia cahira-lhe
quebrada aos pes, porque lhe tinham cliegado aos ouvidos
estas palavras pronunciadas por Deus : Todos sonzos ir.
naãos.
Então os desgraçados se agruparam em redor de Jesu-
Christo, pastor das almas, que atravessava a terra, buscando
o afflicto para Ilie limpar as lagrimas e derramar-lhe no an-
gustiado r o r a ~ á oa rica semerite da fé clirislã.
Onde gemia uma crealiira, Iti estava o Nazareno para lhe
restituir a saude.
As suas palavras foram o copioso manancial (Ia caridade
a (Ia consolação , qiie a Iiumanidade chegoil dos labios
para metigar a abrasaclora sede qiic llie devorava o peito,
e exclamava com enthusinsmo : Creio em 'Li, meu Deus,
porque entre os inniinieraveis bencficios, que nos trouxe a
lua vinda, guardaremos eternamente um no coração; por-
q u e ks o escolhiclo eiitre os escolhidos, es o pão da almn
L E I T U R A S I'oeuLhnEs 109
chrislã, a divina toclia que nos rnostra o caminho da glo-
r i a , que nos ensina nos Evangell~os a tua santa doiibrina.
Jesus appareceu, conio o anjo do bem sobre a terra, na
Sarnaria, em Caanah, na Belhania, na GalilCa e em Jerusalem.
Viu-se rodeado cle u m povo, que. sequioso d e amor,,es-
palliava flores a seus pés, ctiamando-llle seu Deus, seu Rei, 8
pedia-lhe com as lagrirnas nos olhos qiie Ilie ensinasse a sua
nova rlootrina.
A sua fama, as suas acçcies, os seus milagres, correram
d e boca e m boca por toilos os ainbitos do mundo, até que
u m (lia estas palavr as-todossonios igziaes-chegaram aos ou-
vidos dos poritifices e prelores de Jerusalem.
Os lysannos estremeceraui nos seus palncios, e vol~enrlo
ern toriio os olhos sangrentos, buscaram o Iilllo do povo qae
s e atrevia s cliamar-se o Deus cla humanidade, Roi dos Phu-
riseus, e cnjas palavras coniccavam e translornar a ordem
das cousas.
Encontrarani-n'o por fim, inlorrogaram-n'o, e ao o~ivirem
a sarita verdade ila sua doutrina, reliraram s e envergonlia-
dos, tartiiinudeai~do com torpe lingua as seguintes pnla-
QI'aS : A scielzciu d blpotelito conz este honzc~,a... Selnci clle o
fiIessias ?
Desde enl,ão, nos seus sonl~os,nas suas orgias, mesmo na
borda (10 í'iimeganle copo, viram escriptas estas palavras :
O que 6 maio?, o17tr.c vós sclsa osso criado.
Calcularam as suas forças e a irnmensidade do perigo que
o s ameaçava, e rugirim como O habitante dos bosquesd'hfri-
ca, e m quanto com uma das mãos apertavam o corar,áo,
devorado pela consciencia, cr com a oulra assignavam a
sontecça de morte do Reùeniptor.
A sua raivosa impolencia, o seu cego orgulho, fabricou
um cadafalso para Deus.
A Iragedia ilivina teve o seu ilesenlace.
Christo siihiu ao Calvario, soltou o ultimo suspiro uos
braços c10 sagrado lenho', rlesceu d'ali ao sepulcliro, e no
terceiro dia sabiii ao ceo ein apotlieose.
As suas lagrimas caliiram sobre o coraç5o da Iiurnanidade
como golas d e orvallio; as suas palavras foram a fonte da
consolaç50 ; o seu sangue a preciosa sorricnle da religiido
christã ; a cruz foi o sagrado signo da redempçlío e a chave
do paraiso.
ml LEITURAS POPULALCS

Tinham-se cumprido as prophecias.


Os apostolos da fé, os propagadores da nova lei, espalha-
ram-se pelo mundo, e, buscando o martyrio, começaram a
semear a palavra hzcmanidade, desconliecida ate enlão.
O christianismo cresceu como uma bola de neve.
Os circos de Roma, os tormenlos da Iridia, náo poderam
esmagar-lhe a formosa cabeça.
Nero, Domiciano e Commodo, esses tres verdugos da Iiu-
manidade, sacrificaram mais de um milhão de cliristáos ;
mas o christianismo renasceu como a ave plenix das m a s
cinzas.
Por toda a parte brotavam novos rebentos da fh que es-
tendiam a sua nova e possante seiva no coracão da Iiuma-
ajclade.
As aguas c10 baptismo cahiram como o orvallio celestc,
sobre os filhos dos idolatras.
As mulheres, com a sagrada instituição d o matrimoaio
christilo, tiveram uma posição social, uma familia; e, como
se todos esles beneficias não proclamassem a divindade d o
Galileu, a impia Jerusalem, a ingrata cidade dos phariseus,
cahiil converlida em eniullios ante os romanos de Verpasia-
no e Tito, sepultando entro as ruinas um millião de habi-
tantes, que a celebraçáo da Paschoa reunira na cidade sa-
cerdotal.
A prophecia do Martyr do Gtilgotha havia-se cumprido.
O christianismo, salvando a sociedade d'iima ruina certa,
abrigou no seu caririhoso seio os restos da civilisação o da
as te.
O plano do nosso livro compretleiirle todos csscss graadeis
acontecimentos, que presenciou o povo de Israel.
Antes de darmos principio, procur;imos estudas as Sagra-
das Escripti~ras,os costumes Iiebreus, c as poeticas tradic-
l$Ges do Oriente.
Setn faltarmos ao dogma, muitas vezes adoptamos o AS-
tylo pootico, tão necessario a um livro d'esta indole.
A ft': e a religiosa admiracão que nos inspira Aqiielle, que
solbou o ultimo suspiro nos braços da adorada Cruz, irn-
11elliu-nos a conipbr uma obra que nos assombrava ao con-
cebel-a e que boje, vendo-a concluida, damos B luz corn res-
peito e considera~ão.
Julguo.a, pois, todo aquclle que nos lionre, lerido a pios-
so lii7ro, e, longe de crer que B uma obra importante, te-
nha-a sO como um grão de area, qiie collocamos na immen-
sa pyramide do cliristianisiuo, elevada pelas santas palavras
dg Martyr do Golgotha.
LIVRO PWII\IElI"IO
:liirnas
Qiic outra couss 6 x Escriptiir~,80-
d o uma cortu do Omnipotente nos 110-
meris'?
Rogo-tcquemedites e estudes todoa OS
dias as palavras do tati Creador, apzeu-
dendo assim a conhecel-o ii'ellas. -(8.
B n ~ o o n ~~factxo,
o Liv. IV, Epist. 39.)

O POVO ERRANTE

Formoso c60 de Galilba: meus ollios não admiraram, irr-


felizmente, as poelicas còres dos teus crepnsciilos.
Perfumadas faldas do Carrnello: meu peito náo respirou
o balsainico aroma das lilas brisas.
Frescas ribeiras do Jnrdão: meus profanos 1r? b'10s nianca se
humedeceram com o claro ananaricial da tua santa correntu.
Sagrado cume do monte Calvario: os meus pks não pisa-
ram as Eiias calcinadtis areias, liumedeci~iasum dia com 0
sangue de Deus e as lagrimas da Virgem.
Antigo Thabor, cujo elevado lopo serviu de pedestal tio
Nazareno, quando as nuvens celestes desceram do Paraiso
para o arrebatarem tla mansão do homem: a brisa vespe-
rina, que agita as redondas e avelludidas folhas das tiins
anzinhas nunca me refresco11 a fronte.
Libano immortal, magestoso phantasrna dos t,empos, yU0
guardas em teus inudos annaes a liistoria monumental; Bal-
bek desconliecido dos homens, que fecundas com o humi-
do pO da lua neve o plairio de Diak, que rc!fracscasle a pra-
teada cabelleira do solitario NOS, e prescriciaste a divina
tragedia do Golgoilia, soltando um gemido de dor, cujo
ecco foi perder-se nas profundas concavidacles das tuar, que-8
bradas: o oloroso perfume dos teus cedros, o brilliante r&
flexo das tuas cordilheiras, não rue detiveram o passo para.
admirar-te dos pittorescos valles de Zitltle.
L12 LEITURAS POPUI..IRES

E tu, rainha cla Asia, altiira iúnccossi~eldo Sabino, que


occullas a eterna neve c10 teu cume no tranquillo azul d o
firmamento: o Ii~imidopó que o vento da tarde arranca cla
tua alva cabelleira, náo me liiiniedeceu os vestidos nem me
cegou os olhos.
Eu não tive a dita de admirar-te, formosa e poetica Pa-
lestina.
Os olhos do corpo náo se cxtasiaram, êontcmplnndo os
campos de Zabulon, eternamente coberlo de viulelas.
Eu invejo os illuslres vinjantes, os clirislãos peregrinos,
qiie tem percorrido o dilalado solo, que occuparam tuas
doze tribus desde o monte Ilermon ate á torrente do Egy-
pto, desde as cordillieirae de Galaad ntk As tentpestuosas
praias do mar occidental. A hisloria do teu povo teni sido
o nieu livro favorito desde que a minlia licigua comcçou a
ligar as leitras do alpliabelo.
Mas ai1... Quc é feito dos descendentes d e AbraliiÍo o Ja-
cob?. ..
O povo de Israel. .. t3o sabio, tão valente, essa raça de
que riasceram os prophetas, essas lribus que imrnorlalisa-
ram os nomes dos seus chefes, oodo estgo? Que ponlo cla
terra occupam? Onde se acbaosei~,iai',qual é a sua palria?
Deus nasceu entre elles e o sangue do seu Deirs, qiie der-
ramaram, pesa-1110 sobre a cabeça como uma maldição, o os
àmpelle pelo mundo como debeis arestos, que arrasta sem
rumo certo o possante sopro do furacSo.
O sriele romano converteu em enlullio as tiins pociero-
sas cidades; a tricimphante espada das filhas do Tibre, cor-
tou-lhes as gargantas; as terriveis sombras de Ví?s?asiano o
Tito pairam ainda sobre as sangrentas ruinas de Jurusalem,
espantando o sonino e arrancando Iagrimas ele lu10 e ver-
gonlia aos desccdentes dos hlacliabeus.
A iiora annunciada pelos proptielas soou no relogio in-
corruptivel dos tempos; as aguias e os corvos, qiie se ani-
nhavam nas quebradas roclias clo Libano, sobmisas ao man-
dado de Deus, pairaram sobre o plaino da cidade maldita.
Seus ciirvos bicos, suas ariadas garras, despetlaçaram sem
pieilade as entranhas dos deicidos, e os qiie soliroviveram a
tão terrivel catastrophe, legaram a seus Lillios urna ~naldi-
630 eterna e uma vida erranto o vergonliosri ali? li consum-
ma-ão dos secuios.
LEITOnAS POPULARES 113
Cumpriram-se as prophecias; o templo de Sion n3o er-
gueli os seus soberbos porticos; as suas portas d e onro não
se abrem ante o passo d o sacerdote hebreu; os descenden-
tes de Jacob jd não correm a sacrillcar ante os altares do
Deus invisivil dos seus maiores, e as harpas e os psallerios
das fillias d e J u d i n30 elevam doces e poeticas melodias ao
Santo dos Sanlos.
Moysks, o interprelc d e Jellovi, teu sabio legislador, teu
dogma, já r130 tornar8 a illtis~rar-terio deserto.
E m viio esperas, povo maldito, a vinda do Messias: no teu
seio teve seli b s r ~ o cuspisle
, no seu rosto, derramaste o seu
sangue, e a sua maldição esmaga com o seu peso a pros-
peridade d e tens fillios.
Não esperes, náo, que os campos de Gabaori s e ciibram
n o v a m ~ r i t ecom os louros de J o s ~ ée os despojos sangren-
t o s dos cinco reis cominandados par Adonisech.
Aqiiclla bstaltia, q u e durou tres dias seni se por o sol, só
pôde effectiiar-se pela vontade cle Ueus, e Deos lançou a
s u a terrivel maldição sobre a lua rac,a.
Por isso as bandeiras (10s Rlac!iabeus nzo tornarão a pas-
s e a r triumliliantes pela hostil Samaria, nem os valorosos fi-
l h o s d e fiIatalliias erguerfio as suas tendas sobre os altos cu-
mes do Garizim.
Debora jri rião adminislrarj justiça 4 sombra das palmei-
r a s d'EpIiraim, nem o canto de Johel, a rnullier forle, roa-
nirnarli nos combates o valor dos fillios d e JudA.
A formosa Esllier não tornari a salvar o seu povo do fu-
ror dos seus inimigos, nem Elias, raio d e Deus, fari cho-
ver fogo do ceo para accender a lenha sercle rlo sacrificio.
As tuas conquistas não s e estenderão desde o 9lediterra-
n e o ao Euplirates, como no ternpn d e David, o cingido do
Senhor, riem teus filhos gosarão e m paz 8 sombra dos seus
salgueiros as immensas riquezas, que Ihcs proporcionava o
florescente reinado d o rei dos Cantares.
Salomão, o bcuz a m a d o do Senhor, j i n5o enviará as suas
naus a Opliir, tcrra d o ouro, nem passear8 as ruas da ci-
dade santa com o s:u carro de bronze de Corinllio, em crija
fronte s e lia e m lettras d e diamanle: Eu tc amo, olb queri-
da Jerzisnlcrn!
A rainha do Meio-dia, a formosa Nicaulis, não chegari,
attrahida pela fama da tua opulencia, montada ni? seu dro-
medario d'Epha, e resplandecente como um mar de ouro,
semeado de prata e esmeraldas, para presentear o teu rei
com tres elephantes carregados de aromas, perfuuies, pbs
d'ouro e pedras preciosas.
As tuas naus n;io explorarão o commercio do mar Ver-
melho, nem das costas orientaes d'hfrica, como no tempo
d e Josaphat, nem teus filhos achar80 no desterro outro Ze-
robabel que os guie até os seus abartclonados lares, e reedi-
fique o derruiílo templo ile seus maiores.
Poro d'ihbrahão! Teu nome 6 um opprobrio, tua patria
o desterro. Grande e o castigo que Deus manda sobro a
tiia raça; mas o teu crime 6 grande, pois derramaste o seu
sangue, qiiando elle ie Iiavia escolhido para siia patria.
Tu cerraste os ouvidos As suas palavras, os olhos aos seus
milagres, e aquellas palavras c aquclles factos resoarn e ap-
parecem ern torno de ti a16 no teu somno.
Deus qaiz recolher te debaixo das suas azas, como a
amante gallinha aos seus pintainhos, e tu sacrilicastel-o em
~reciimpençade seu inexgotavel amor.
Jerusaleml Jerusaleml Em li não lia de ficar pedra sobre
pedra, t e disse; a a sua promessa cumpriu-se.
Jerusalem! Jerusaleml A tud passada gloria i! bojo um
montão de ruinas, sobre as quaes se agiia ainda a alterra-
dora maldiç3o de Deus, repetindo sem cessar: Cliara! Cho-
ra! Chora! Cidade i??grala!.. .
(Continíia).

NAIS RECEIOS DO QUE ESPERANÇBS


I Na noite de Natal do anno de 800, o papa Leão 3 . O ao
offertorio da missa solemne, que celebrava em S. Pedro, to-
mou de cima do altar uma coroa d'ouro, e co1locou.a na ca*
beça do grande rei, que estlva de joellios diarito do confes-
sional dos apostolos. Fazerido isto, exclaniou: « A Carlos o
epio, ao augusto coroailo por Deus, ao grande e pacifico
aimperador vida e victoria.)) O povo repetiu tres vozes este
grito; depois o Papa sagrou a Cerlos imperador, e a seu
filho rei; recebeu as suas liomenagcns e as suas dadivas, e
ali, sobre o tumulo dos apostolos, foi sellaùa esta alliança
onlre o pontificado o o imperio, que tudo annunciava ser
LEITLnhS POI'ULhnES 116
eterna. Assim, ao :abo de 3% annos, o Occidente tinha re-
cuperado o seli imperador, não na debil raça bysaotina, mas
da forte e generosa raça dos francos. Carlos era senhor da
Aliemanha, da Italia e da França, e não linlia rivaes na Eu-
ropa.
TI Nada ba eterno sobre a terra. Em menos d'iim seculo
a illcistre dynastia carlovin,riana desapparecia da scena do
mundo, e depois cle ter dado tão nobres principes, extinguia-se
na miseria ena ignomia. Porem o iinperio ficou, passando suc-
cessivamente a diversas casas nllerriãs, p,ermanecendo por mais
tempo nas cle Saxe, Franconia e Souatiia, e finalmente pelo
espaço de 5OO.O na ile I-Iapsboilrgo. Todos os soberanos em
cuja cabeça assentou esta coroa augusta, não foram dignos
d'ella. A Egreja teve muito que soffrer da casa de Franco-
nia, e mais ainda da casa de Souabia, que responderam aos
grandes beneficias do Papa com uma criminosa ingratidão.
Nos IIapsbourgo, a Egreja aclroii amigos com mais frequen-
cia, o Rollolpho I.', Fernariclo 2.O, Fernando 3 . O , Csrlos G.O
e Maria Thcreza, cgualaram as virtudes dos melliores prin-
cipes christãos; houvo todavia cntre elles um hiaximiario Q.O
e um Jos6 %.O, que lhe fizeram muito mal. Entre esles e o8
outros appareco a íigcira extraordinaria d'iim principe, que
jantou a um poder illimitado e a um espirito elevado um
caracler d e tal modo duvidoso, que se não sahe se elle de-
verá ser collocado entre os amigos ou entre os inimigos da
Egroja; 6 Carlos ti0.
Mas bons ou maus, fieis ou infieis esses monarchas, che-
fes do imperio germanico, traziani sempre sobre a sua coroa
o sello da Egreja calliolica. lJrimeiros principes christãos el-
les punliam acima de todos os outros seus titulos o de pro-
tector (Sclrircztvogt) da Fgreja.
E ;itO quando muitos dos eleitores se tornaram protes-
tantes, não veio nunca ao pensarilento de nenliiim d'eiles a
escollia d'um imperador que nao fosse calliolico.
A memoria do Carlos Magno, as tradicc;oes cnraizadas a t e
entre os protestantes, um seritimento nniversal espalhado
e m toda a naçuo allem3, repelliam uma ia1 iclka. O impera-
dor era sempre o braço secular da Egreja caltiolica; elle es-
tava sempre ligado ao Papa pelos juramentos, cujos ter-
mos, depois de mil annos, 10rmulav:im ainda a grande con-
cspção da alliança entre os dois poderes, contratiida sobre
116 LEITURAS F O P U L A ~ E S

o confessional J e S. Pedro, entre Leáo 3." e Carlos Magno.


Segundo a expressão ern uso na edade media, havia co-
m o que um matrinionio espirili~alentre o papaclo e o im-
perio.
A coroação d'algum modo pnnlia um sello nos esponsnes,
e bem se pode dizer que, se o imperio recebeu grandes be-
neficencias do papado, aquellas que o papai10 recebeu tam-
bem do imperio não eram rncnos valiosas, priricipalmenle
no tempo dos dois primeiros Otlioras, no tempo de Carlos
5." e no dos dois Hernandos, sem os quacs a I~cresia lu-
therana teria provavelmenlo aniquilado a Egreja ein toda a
Allemanha.
Corno symhclo d'esta união intima, o nome do imperador
achava-se escripto na litliurgia; era a elle, com pileferencia
a todos os principes clirist3os, que eram renditlas as pri-
meiras honras ccclesiasticas; ale se cliama\la o Sanio hn-
perio.
III A reforma protestante tinha descarregado um golpe
mortal neste caracter catholico do imperio germanico.
O margrave de Braudebourg, que se adiava ligado A Egre-
j a por votos de religião e de fidelidade, tornando-se lotlie-
rano, transformou o seu principado ecclesiastico em prin-
cipado secular e licrediiario, e ri'uma lorte monarcliia lu-
tlieraria ao norte formou uma opposi;áo sempre crescenle á
digrii~ladeimperial, conservada no sul pelos Hahsboiirgos e
catholicos. No firn do seculo ultimo, d o antigo San&oIfnpe-
rio náo restava mais do que urna sombra, e a revoluçáo
iranceza a fez desvanecer.
Em 9806, Fraricisco 2 . O rl~poza coroa imperial da Alle-
manlia, que s e tornava um tilulo vão, e o irnperio do Occi-
dente segunda vez acabou. Diversos soberanos adoptaram o
titulo d'imperadores: Pedro o Grande no comeco do seculo
XVIII; Napoleão 1 ." no do actual, e pouco depois Francisco
d'Atislria, de quem acabamos de fallar. Ila uui irnperado~
n o Brazil, houve dois no Mexico. &Iasestes imperiicloros ria-
da tem de commum com o ailbigo iniperador da Allemanlia,
e a sua dignidade nenliurna relaçáo tem para com a Egreja,
2 um titulo mais solemne que o de rei, e eis aiii a razáo.
1V A I S de janeiro d'este anrio viu-se surgir utn novo
imperio allemáo (Deutches Reiclr). Não se sabu ainda Bnm
como devera ser chamado o imperador: Impe~*ador.da Al-
LEITURAS POPULARES 1.17
lemanha ou na Allemanlia, allemão ou dos allemáes. A crean-
ça nasceu, mas ainda não está baptisada.
0 governo d'este imperio seri appareutcnlente tempera-
do, haverido uma dieta e principes que continuarão a cha-
mar-se soberanos; rnas, na realidade, serA uma poclerosa
monarchia militar, estendendo-se do Niemen ao Morella, do
Baltico aos Alpes. Urn milháo d'homens armados, coinirian-
dados pelos rnaisliabeis generaes d'entBo, obedecer50 a uma
s ó vonlade e guardar20 a Europa, desde Tilsitt atb Metz,
debaixo do jugo d'esta polenciir:
«O ~riundoemmuilecerA dianle d'ella.))
Pode a Egreja florescer com similtiante acontecimento?
Para o alíirmar seria preciso esquecer a historia da casa d e
Braudebourg, que'deve a sii:~origcm e poder ao protestan-
tismo. Assim como o Snnto I~tzperiofoi, nas suas origens e
na sua conslituicáo essencialmente calliolico, assim Lambem
o novo imperio parece ser essei-iciíilmente protestante; foi o
catliolicismo qiie deu o imperio a Clovis e Carlos RIagno;
Alberto de Braudebourg e o imperador Guilherme devem
tudo ao protestaolisrno.
V Quu póde esperar ou receiar a Egreja d'estc novo im-
p e r i o W m a dynnslia protesbante, a franc-maçonaria espalha-
da e orgaiiisada na Prussia como cri nerihiima onlra parto
da Europa, portIiie a sua rede esteiide-se desde o palacio
real ate a rnais humilde aldeia; universidades prolestantes
por essencia; o ensino secularisado; a preferencia dada aos
protestantes; obstaculos sem numero postos a fandaçáa
d'uma iitiiversidade catliolica; as riquezas do estado entre-
gues em grande parte nas mãos dos riroteslanles; as per-
seguições odiosas de que tcm sido victima a Egreja catho-
lica no reinado de Fre~lerico.Guillierme 3 . O , cuja memoria
ainda vive, entre outras paginas d'esle reinaclo na recusa
d e acceder aos clesejos legilimos ou antes 3s necessidades
irnpe~~iosas da Egreja, mormenh: rio que diz rospeito U no-
meação de bispos capazes, tiiclo isto cerlaincnte inspira
mais receios do gzce esperangas. Por ventiira não attcsta a
historia exuberantemente quc a acçao das dynastias proles-
tantes sobre os seus povos 15 poderosa e quasi irresislivel?
Para nos convencorinos cl'isto basla lançar a vista pela liis-
toria da Al!emanha do Norte, dos reinos Seaudiiiares e da
Inglaterra. D'alii vem um sentimento commum a todos os
118 LEITURAS POPULARES

povos que faz designar nos primeiros artigos das suas cons-
tituições a crença a que deve pertencer o soberano; 6 at6
uma lei fundamental imposta sob p7na d e exclusão na suc-
cessão ao Ihrono. Um priricipe calholico por mau qiie seja
não pode ser prejudicial 4 fb de seus suhditos catholicos no
mesmo grau em que o pbde ser um protestante, ainda que
este seja menos mau. Alem d'isso esse mau principe catho-
lico passa, e p6de ter um successor fiel 4 Egreja, mas a s
dynasti~sficam.
VI E porem justo que se reconheça que no actual reina-
do a Prussia não tem sido perseguidora. Ella deixou aos
bispos a liberdade de desempenharem o seu rninisterio, e
se se quizer por exemplo comparar o que a I3,oreja tem
soffrido na Bariera com a situação, em que se acha na I'rus-
sia, não será a Baviera quem ganhe na comparação.
O partido patriotico bavaro, que qiieria salvar a indepen-
dencia da patrin e que ao mesmo tempo C fervente catho-
lico, acl-iava-se na mais estranha e mais dolorosa posição,
tratando com um govertio, que s6 cuidava em feril-o lia
sua fé, e com iim rei que parecia desejar tornar-se vassallo.
O rei e o governo tiniiam por apoio os mações, os judeus
e algumas pessoas dedicadas i Prussia. A reunião cl'esks
diversas forças foi tão poderosa, que a voz rlos patriotas
calholicos ficoii abafada.
No ducado de Bade os catholicos faziam ouvir graves e
justas queixas; a situação dos seus irmãos c10 Wurtemborg
e de Ilesse era muito preferivel; e se os catholicos submet-
tidos A casa cattiolica de Wittetsbatir gemerem por passa-
rem a soilrer a alta auctoridade do casa protes1:lnledeIIo-
henzollerri, a sua dar O si~avisndapela esperança da vBr se
náo a justiça,pelo menos a politica, impedir que sua condi-
ção se torne peior. Elles contam com as prorriessas,que 1110
foram feitas, de deixar- intactas as leis respeclivas ao rnatri-
monio e ao ensino, e além d'isto dizem comsigo quo os ca-
tliolicos, achando-se d'lioje em diante em maior numero n o
parlamento de Berlim, poderão defender os seus direitos
mais eficazmente.
N6s mal partilhamos as suas esperanças, a o que s c estq
hzendo e que agora so deixa fazer em Roma, centro o co-
ração da vida callialica, longe de tranquillisar confirma as
nossas appl.eliensões.
LEITURAS POPULARES 119
Seria facil i Prussia dissipa1 as; fal-o-ha? Restabeleceri
ella nos seus direitos a ordem nioral e social subverlida na
Europa? Não o sabemos. Uma s6 cousa é certa, pode-o fa-
zer, e pnde-se mesino accrescentar que o seu proprio inte-
resso O prescreve.
Os catholicos submettidos 'uo,je ao seu sceptro, directa ou
indirectamente, excedem a 13 milhões e são as fortes raças
catbolicas da Baviera, do Rbeno e da Westpbalia acostiima-
dos a nada ceder quando se irata rla sua fé. Mas esta razão
não é a mais grave. Esla Europa feita peclaços pela revo-
luç50, esses thronos táo facilmente derribados para .dar
logar a oulros, que certamente não duraráo mais, esses tra-
tados que não são mais do que vãs formulas, esses povos
agitados pela revolução, como navios sem leme no meio das
ondas do Oceano, pedern ordem e paz. Não sQ os 200 mi-
lhões d e calholicos, aias todos os homens de coração, mes-
m o entre as outras religiões, pedem que se ponha um termo
As perseguições de que e victima o depositario da mais au-
gusta aucloridade moral, que reside sobre a terra. Totlos
sentem que, se 6 necessaiSio levantar o eclificio moral, é
preciso coiner,ar por esta pedra fundamental.
Segundo o partido que a Prussia tomar, assim a geraçiío
presenlo c as futi~rasdevem considerar a elevacão d'esta no-
va polencia, uma calamidade nova ou um grande bem para
a humanidade. Mas a Prussia não tomarri a iniciativa a fa-
vor do Calliolicismo, que, embora pareça esmagado debai-
xo de todas as pressões, ha d e um dia apparecer livre e de-
saffrontado. Hão d e passar os seus perseguidores de hoje,
como j i se sumiram os d'outras eras.
Qiie morra Pio IX, o Papa não morre. Se não fora divi-
na a Egreja Catliolica, não seria mister locta incessante 0
tão pertinaz, porem ella, assim como tem o Soberano I1ori-
tiEce na terra, tem o sacerdote eterno, o seu divino í'undo-
dor, no Cko.

CARIBALDINO CONVERTIDO
E m 48 de agosto de 6869 morreu na prisão polilica d e
S. &ligue1 em Roma, Joáo ~lazangorii, de Mantua, um d'a-
quelles que se introduziram n'aquella cidade, e m 1867, pa-
120 LPITUR iS POPULARES

ra ali prepararem o movimento, que, no plano do partido


da anarcliia, devia a9irir as porlas dd cidade ás tropas com-
mandadas por Garibaldi. Era um dos mais zelosos Teste
partido e n'elle occupava urn grande posto. Apanhado em
flagrante delicto, foi ci~ucluzidopcrante ci justiça e condem-
iad do.
Durante o ternpo da sua prisão, rebelde a toda a insi-
nuar,ão dti religião, hlazangoni dizia que era protestdnte pa-
ra evitar que lhe falassem em tal; mas, adoecendo e conlie-
cendo que estava proxima a sua morte, entrou em si e pen-
sou na eternidade que o esperava.
Ainda que a follia oficial narrou lodos os factos maisin-
teressantes a respeilo da morte de RIazangoni, comliido pa-
receu-nos dizer mais alguma cousa, poderido garantir a au-
thonticidade do que dizemos.
Foi tres dias antes da siia morte. O conego Vezda esill-
va junto do seu leito. Mazangoni estava zangado pelo ver
perlo, o disse-ltie com impaciencia:
-1de-vos embora, porque quero dormir.
O conego assim o fez, acontecendo o mesmo que j i linlia
aconlccido com outros padres; mas, passando algum tempo,
~'olloue poz-se & cabeceira da cama, a Rlazangoni Ilie disse:
-Não vêdes que a vossa presença me incommoda 7 Te-
iobo cerlns precisões que não posso satisfazer perante vós.
-Pois bem! eu estou acliii para vos servir n'essas pre-
cisões; este é o nieu dever, e n'isto tenho muita consolação,
corno vossos csmpanheiros bem o sabem.
Todo o dia se passou seni que fosse possi~elao conego
fazer-se ouvir e alcançar do rnoribundo o menor signal, não
direi d e arrependimento, mas de gratidão. Nas feições de
h3azangoni divisava-se alguma cousa, cl~iese parecia coiii o
satanico, e como unia resoliiç30 de querer morrer como se-
ctario do Jcmonio; parecia que o seu orgullio ia, com esta
morle, Lriumpliar dos padres qiie Ilie tiiiliam assislido, da
religifio, do Papa e do proprio Deus.
Chegou a noite, o conego retirou-se para tomar algum
descanço; mas pelas onze kioras, os guardas alterrados pe-
las contorsões e pelos grilos de Nlíiza~igoni, e julgando que
elle ia expirar, foram cliamal-o. O coricgo correu e chegou-
se i cama. N'este momento um valèrile policia, quc estava
de plantão na enfermaria, fazia diligencia por mostrar ao
LEITURkS POPULARES 121
sectario iim crucifixo. Talvez que a presenca d'este padre e
d7esle soldado, mostrando-llie a imagem da misericordia di-
vina obrasse sobre o moribundo e impressionasse o seu cs-
pirito. Olhou por algum tempo para o criicifixo, e o policia
poz-111'0 na mão aberta; porbrn aquella mão recusou-se a
pegar no sacrosanto lenho.
Uma liora depois, o conego ofrereceu-lhe uin escapulario
d e Nossa Senhora, e AIazarigoni, sempre tacilurno disse p o r
signaes que jli linha um 6 cabeceira dasua cama. Desprcn-
dendo* então este segundo escapiilnrio, disse-l!ie:
-E rim bonito preseiite I-pie vos íizeram; porque, posto
perto d e vós, devia attraliir ti graça d o Senlior.
E ctiego~i-lhecorn ellr, aos labios; PiiJazangoni depois d e
muitos movimentou conviilsicos, beijou como sem cyicrer a
imagem e ficou n'uma extrernn agitação.
-Ora vmlos, disse o conego, eu bem sei gue tendes um
b o m coração, o ri'este momento, cslas agitaçues, nBo yroce-
d e m da vossa iloerica, mas sim 1-18lucla do vosso coração
contra a graça que vos quer vencer.
-E corno sabeis isso?
-E' a nlinlia csperiencia quc rn'o faz conliccer, e esta
experiencia, não b a edade que m'a tem tlnclo, mas sim os
trabalhos do rileu ministerio e com que tenho encanecido
os meus cabellos.
Entao Piilazangoni olha fixamenle para o padre, c balen-
do na testa, pergunta-lhe:
-RIeu padre,soffrestesn~uitoem18h9no tempodarcpublica?
-Vivi escondido ri'cima arlega.
-E quem vos tirou d e IA?
-Deus, ineli i11110, para bem da vossa alma. Tende a cer-
teza d e quc, e u soii u m peccador como vcis sois, e preciso tan-
t o como v6s da misericordia tle Dolis; nias cmíim sou scu
ministro, tenlio em meu poder essas chaves mysteriosas,
q u e vão fecliar vos o inferno e abrir-vos o cSo. E (?nt5o,me11
fillio, para que querais resistir por mais tempo aos ternos
convites da graça? i3 s e tentles dilJiculdadc em me patentear
a vossa consciencia, em m e confessardes os vossos pecca-
dos, e s e prcferis dizel-os a outro qlialqner padre, dizei-o,
porque immedialamente o irci cllarnar.
-Nunca confessarei os meus peccados a outro que não
sejaes v6s.
122 LEITURAS POPULARES

-Pois bem, então tratcnios d'isso.


- Mas, meu padre, s e soubesseis ...Tenlio tantos pecca-
dos que tres dias uáo eram bastantes para os dizer, e albm
d'isso cada vez me ~ i n t o ~ m a fraco,
is e rae-me faltando a
VOZ.
-Nio vos importeis com o lem'po, fazei o que poderdes;
fazei o proposito de completar mais tarde a vossa confissão,
se Deus se dignar conservar-vos a vida.
-0hl se Deus me'consorvar avida ainda que seja sO um
dia, juro-vos que o passarei todo só comvosco.
Esta scena táo terna passavasse diante d e testemiinhas.
Não estava no quarto sómente o bom policia..do c,raciExo e
os enfermeiros, estavam tambem sete presos politicos, com-
panheiros do moribundo da conspiração ; o conego, voltan-
do-se para todas estas testemunhas, disse-llies:
-Façam favor de sair, deixem-nos sós.
Retiraram se commovidos, e passado um quarlo de hora,
o conego tinha confessado Mazangoni, qiie talvez n'este
quarto de hora linha dito mais do que diria em tres dias in-
teiros, porque as suas abundantes lagrimas e os suspiros
d o seu arrependimento de ter offendido-tanto a Deus, a ver-
dade, o figario de Jesu-Christo, a sociedade e mesmo a sua
propria aignidade, iam fallar mais alto perante a celeste mi-
sericordia do que todos os discursos. Quando o conego, le-
vanlando as mios, fez descer sobre elle o perdão, o seu
rosto banliado em lagrimas, pareceu transfigurado pela hu-
mildade e pela contrição.
Pouco depois entraram os companlieiros de Rlazatigoni, e
este sxclarnou, apontando para o padre, dizendo que Ilie til
nha dado mais do que a saude do corpo, tinha4he dado a
saude da alma.
E pediu a graça, a felicidade e a lionra da sagrada com-
munháo. Quizeram administrar-lh'a com solemnidade.
Dentro em pouco, o conego, trazendo o Sagrado Viatico
acompanhado dos presos com tochas accesas, appareceu B
porta do quarto.
Senhor, quanto sois bom e misericordioso, vindes visitar
um rniseravel, que, por tantos annos, esteve longe" de v6s,
Senhor! Oh meu Deus, quanto sois grande!
Mazangoni, cliorando amargamente, e mostrando sigtiaes
da mais viva compuncção, recebeu o Sagrado Via\ico. O
LEITURAS I'UPULAIIES 123
ministro de Deus não podia reter os seus suspiros, e os
rostos de todos os conjurados bem mostravam o quanto se
achavam enternecidos, abundantes lagrimas c o r ~ ~ i ade
m seus
olhos caindo-llie pelas grandes barbas que se consideram
como um sigaal distractivo dos revolucionarios.
O moribundo passou o reslo da noite e o dia seguinte
em oraçao. Por muitas vezes, abraçava-se com o crucifixo
e pedia que 111'0 dessem a beijar, quando as suas f~18ças
diminuiam e se Ilie tornavam rnais difficullosos os movi-
mentos. Depois administraram-lhe a Extrema-Uncçáo, e en-
tão pediti publicamente pesd8o de todas as oflensas feitas a
Deus, ao seu vigario, j. jusliça e ti sociedade, como tanibem
de todos os escandalos que tinlia dado.
Um periodico italiano, respondendo a iim artigo da folha
oiricial, teve a imprudencia de lançar sobre a memoria cle
Marangoni este insullo: Embora se co~~fesscrssc,~zclose re-
Cractou. Que maior retralacção podia pedir o conego Vezda
d'este liomem, que ás portas da morte se (ornava um apos-
tolo na presença dos seus cnmplices, e que com as suas la-
grirnas, e com o arrepeniliniento dos seus l~eccados,e com
a s suas palavras, dava um desmentido a lodo o seu p:rs-
saí10 7
Marangoni tinha um preseiitimento de que morreria ds
cinco horas da tarde, e de vez em quando perguntava:
-Quanto falta p:rra as cinco Iioras?
Pouco antes, quando se rei;itavain as orações dos agoni-
santos, priiicipiou a desfalecer, e ás cinco horas expirou com
tranquilidade.
Tres dias anles, quem o visse dizia que era um tlemonio;
a stia conversão e a sua rnorte tão socegada deram ao seu
rosto o parecer d'um anjo.
Ikíarangorii foi o aposlolo dos seiis cnmplices, r, os seus
cumplices o comprovaram, pedindo ao conego Vczda as con-
solações do seu ministerio.

(coxitiuuado da pug. !)2)


uk casa, para onde me cnnduziu, paroccu.rno tiio nnagní-
fica, que hesitei so dcvia entrar, roceiando enganar-xned
Mas, durante a minha incerteza, ahriram-se as portas, e ou-
vi a voz de meu irmão. Elle mi: viu quasi no mesmo ins-
tante e m que eu o encarava, e correu a abraçar-me. Era o
mesmo excellente irmão qiie tanto nie eslimava, e com to-
das as veras do rneu coraçáo folguei com a siia l~rilliante
prosperidade.- Irmão, ainda duvitlaris que tiajam homens
dest)pados para a felicidade, e outros para o iiifortunio?
Quantas vezes lemos disputado sobre este ponto!
«-Na0 renovemos as nossas discussõrs no meio da rua,
m e d i y e elle, sorrindo-se; entra para rniriha casa para io-
mares algiima cousa, e depois conversaremos ii nossa von-
tade.
K -Não, ineu auerido irmáo, llie disse eu recuanclo. t u
tens iim cÓração inuiio bom. 9Jousad-o-Irifeliz, não enlr;ari
ma tua casa: elle allrcliiria a iIcsgr*aça sobre li e sobre os
teus. Eu vim si> para le pctlir a minlia jarra.
-Ella esli s3 e salva, respoiideu-me elle, tu a verás ;
mas niío t'a dou em quanto não entrares em casa. Perdoa-
me, mas eu n>o tenlio fé, iiem acredito nas tuas idL'as su-
persticiosas.
8 Cedi Lis suas instnncias, e fiquei estupefacto de tudo o
que via. A prosperidade n3o tirilia iilcerado o coraçqo d e
meu irmão; pelo contrario parecia empentinr-se om fazer-me
esquecer todas os meus infortunios. Ouviu com a maior
bondade tudo o que llie contei, e contou me depois toda a
sua Iiistoria, que era tanto para admirar, como a miriha.
Parecia-llie que tinlia enriquecido por força cle circi~nislan-
cias, ou t;ilvez pela sua proporia prudcncia. Eu não qiiiz d e
novo combater a sua opinião, ecoiitentei-me corn lhe dizer:-
Irmão, tenliarilos cada uni de nós n scu motlo de pensar:
tri não deixas de ser Saladin-o-Feliz, assim como eu Mau-
rad-o-Infeliz, e isto ha cle ser seinpre assim ate ao fim da
nossa vida.
uIIavia apenas quatro dias que estava em siia casa, quan-
d o um accidente, que me, aconteceu, veio demonslrar que
eu tinha razão. A favorita do sultão, a quem e110 n'outro
tempo tinha vendido a sua jarra, ainda qiie o tempo tinha
murcliado os seus encantos, tiiilia comludo conservado o
seu genio e o seu goslo para tudo o que era bello e ma-
gnifico. Tinlia dado ordem a meti irmão para que Itie man-
dasse vir de Veneza o melhor espelho que encontrasse. De-
LEITURAS POPUI.ARES 125
pois de moita demora chegou este espelho e veio para ca-
sa de meu irmão. Dcsemballou-o, e participou A impacien-
t e favorita que tinlia chegado sem noviclade. Como era j3.
tarde, ella mandou-lhe dizer que o deixasse estar, onde es-
tava, e qrie 111'0 mandasse no dia seguinte pela manhã. Ora
o espelho estava n'uma casa proxiina do quarto, oode e u
dormia, e ao pi: estavam rins lustres de cristal para Lima
sala de meu irmão. Saladin recomrnendou aos seus criados
q u e tivessem toclo o cuidado n'esta noite, porcjtie n'esta oc-
casi5o tiolia muito dinheiro em casa, e Iiorqiie se tinliam
feito muitos roubos na visiuhanr,a. Esta ortlcm foi dada na
miolia prcsenra, e eu resolvi estar pronipto e prevenido ao
menor sigrial. Pile perto (113 mim a minlia cimitarra, e (lei-
xei a minlia poria ineia ul~erta,a fim tlc oiivir o mais leve
rumor, que s e fizesse na casa prosirria ou ria escada prin-
cipal. Pela meia noite, acordei de repente en; corisequericia
d'uma bullin qiie se sentia na ante-camara. Saltei f0ra do
leito e pegiici na cemitarrti: no momento, em qiie entr2ava
n o q~iarto e que era iillumi,ido pela luz d'uina lampatla,
apresentou-se dofronte dc mim um Iioinern com um sabr'e
deseinhainliarlo na m2o. Precipitei-rne sobre elle, pergiin-
lando-llie o que queria ali; não rne respontleii, nias vendo
q u e clle brandia a sua arma cozlra m i n , iilirei-llie urna cu-
tilsda, que llic devia ser mortal. NJeste iuomento, ou\liu so
um liorrivel estrondo, e os fiqngnientosdo esl)ellio, que eu
acabava de quebrar, \ierarri ciihir-me aos 116s.No mesnio
instante urna cousa negra me roçou nas coslas; e eu, qiie-
rendo perseguil-a, tropecei rios cristaes, e cahi coin elles pe-
la escada, fazendo uin grande motim.
«Rleu ii.rnão correu logo para saljer a causa cle tio grari-
d e harullio; quando viu o bello cspellio ern pedaços, e o
corpo do seu irniiío, caliido rio meio dos dcslroços dos cris-
taes, rifio p6tlc deixar de dizer: - Til tinhas razão, rrieu ir-
m3o; t u 6s realmente Mourad-o-Infeliz I
(Continúa)

FARTAR RAPAZES
D. Alvaro Vaz de Almada, conde de Arronclies, aclian-
clo.se na batalha da Alfarrobeira e sabendo que tinham mor-
128 L E I I U R A POPULARES
~

to ao infante D. Pedro, tio d'el-rei D. Affonso 5 . O de Por-


tugal, quiz vingar bem a sua morte e não sobreviver a tio
bom amigo, e. assim, recolhe~ido-se ao seu alojamento, a
esforçar-se com alguns bocados, sahiu logo a pe em campo
aberto, com a espada na mio, fazendo tal estrago nos inirni?
-goç, que nenhum d'elles o accommetteu duas vezes, porque
o mesmo era dar-lhes que matal-os; ate que cançaclo disse
em alta voz ao seu mesmo corpo: Bent vejo que jd izão pd-
cles nzais; e tu, o' ulnza minha, jd tardas.
E com isto se .deixou estender no cháo. Mas porque o
espirito todavia ainda estava em 116, disse para os inimigos,
que eram innurneraveis sobre elle: liizrtnr rapazes! E logo
seu corpo foi feito em miudas postas. Bernardes, Nova Flo-
resta, tomo 1 . O titulo virr.

BILHETE D'UM PROVINCIANO A UM SEU AMIGO MERCADOR


TRADUO~ÃO

Do interessante jornalzinho setubalense, Aspira~ües,trans-


crevemos o seguinte:
aMeu cusloso gosta, não vou i pinga agua presença, por
ter a meu masculino com uma moita teza no lombo, eu yui-
zera contrahir-llie divida a favor de dizer ao soo aquiolfalo
que vomile no isenlo preccptor da tumba curla quantia, que
agora cumplice gordura, e não faça carreta de peça de ir
tão depois do meio dia.^
Sou seti viado
Synonimo-Vaz Meiides.
O tal mercador, não entendendo palavra, tornou a recam-
biar-lhe o bilhete; pedindo-lhe explicaqão d e taes palavras;
ao que o nosso amigo synoninio todo enfurecido lhe mandou
a seguinte traducçáo ao pé da letra:
aMeu ~ustosogosta, quer dizer: nzctc caro amigo, porque
ciistoso 4 o mesmo que caro, e quem e amigo gosta:-não
vou i pinga agua presença, quer dizer: n6o vou á nca pre-
-
senga;, , porque, quem sva pinga agua : por ter o meu
masculino com uma moita teza no lombo, quer dizer: por
l ~ ro ozezt nzachó eawz ecnza matadura no lon~lro,porque
nzasculz12o é o mesma que naaclio, e moita é, o mesmo qua'
?,iata, e teaa é o mesmo que dura; logo moita teza faz mu-
ta-dzcrc~:-eil quizera contraliir-llie divida a favor, quer di-
zer: czc quizera dever-lhe o favor, porque co?zlrahtr divicla
é: o mesmo r4ue dever: - de dizer ao seu aquiolfato, 13 o
mesmo que clizer a o scec caixeiro, porque cá é o mesmo
que nqui e olfato é o mesmo que cheiro, e bem se v& cla-
ramente que aquiolfato quer dizer caixeiro: - que vomite
no isento preceptor, quer cizer:. que lance no livro nzestre,
porque uornit-e é o mesmo que lance, no livro 6 o mesmo
que no isento, logo isento quer dizer liuro, e preceptor é
synonimo d e mestre: - descanço da tumba curta quãntia,
quer dizer: cssn ]?qq~enh(/uu?atia, porque essa é o descan-
qo da t?t~nba,e curtcc 6 o mesrrio que pequena:-que ago-
r a cumplice gordura, quer dizer: qzbe agora recebo, porque
czm~pEiceé o mesmo que's.i e gordzbrn &,o mesmo que ce-
80: logo, cumplice gordura diz: recebo:-e não faça carreta
d e peça de ir Láo depois (10 meio dia, quer dizer: e não fa-
EU ret~nrorle ir Ião larcle, porque carrPfa de peço é o mes-
m o que repuro, e depois clo ~?zeiodia e o mesmo que de
tctrdo.
Sou seu viado bem se entondo ,que I3 o mesr1.o que ser-
vo; logo, sou seu servo.
Synonimo- Vaz Mèilcles.

ANECDOTA
Cerlo inrlividuo, cujo caracler era gerrrlrndnte conhecido por
jndigno, pôde conseguir por intervenção do duque de Ne-
w r s uma honrosa condecoraç7io.
Qiiando os cavalleiros recebem as irisignias da Ordem,
dizem estas palavras: Do?ni?ze non sztm diynzcs.
Tendo o novo condecorado repetido estas palavras, o rei
llie respondeu. Sei isso mzlito bem, e não julgzteis qfle se
nlio fossem as szippZicas do Duqzie de Nevcrs, mezc primo,
824 VOS adrniltisse.

-8sSw
ANNUNCIOS
O RUIALIIETE110 CBRISTÁO tem-se publicado regularmen-
te, todas as semanas, contenrlo uma gravura na frenle de
cada numero e artigos de diversos escriptores, sob a direc-
ção do rer.O Padre Pregador Prior de Nossa Senllora da
Ajuda. O preto da assignatura i! de 500 rs. por 113 nume-
ros, SG ditos lj$OOO, por um. arino ou 32 nurneros, ",000;
numero avulso 8 0 rs. A correspondcnçia deve ser dirigida
ao Director-Lisboa, rya da Atalaia n . O 63.

((n~-iiiroNXCIOSBLD é O t i l \ ~ !do
~ nosso novo jornal, ciija
publicai:,áo fomos obrigados a encetar, inovidos pelas ins-
tanaias de muitas pqssoas, que, comnosço pretendiam que,
no campo (Ia imprensa, havia uma Iaobna a preencher.
Confiddos em que incitacues e instencias ser50 traduzidas
em soccurros para a nova publicac50 c em inleresse por el-
Ia, ó;nimino-nos a dar-lhe começo.
C) nosso progrzmma e simples e m b e mexplicito, e ha de
ser lielrnente descmpenliado. DTO dia, em que tiver de por
termo ;i sua carreira, agradeceremos a todos que o acolhe-
ram.
0 Sr. Josk Joaqiiim Ferreira Lobo, proprietario e halri-
lissimo empregado publico no Tribiinal de Contas, dignou-
se accilar a direcção tla redacçao; o Sr. Carlos O. Rovere,
representante (Ia ni~iito antiga casa editora de livros Rol-
laizd & Sirrieo~zdé o adn~iriistrndor.
A iniciativa da realisa~nod'esla cmpreza c a superinton-
dencin h do director das L~r~rrrn;lsPOIV.JLBRES, que espora
em Deus que nunca Ila de o novo jornal seguir carninho
diverso d'aquelle, q ~ aso 1I,~rrunesPoilu~anssteem seguido.
O UDIARIO Nscro;u,i~~un9o i: exclusivamerile religioso, poli-
tico, inilustrial, cornnierc!nl, o11 noticioso; C iwn jornal que
ha de ser redigido por inoclo que, no campo da rnoralidrttls
e da deceocia, satisfaça a todos os leitores.

Coazo gralzde ??elntorode pessoas nlio podei.íio assiqtzur o


jornal por si so', lembraneos que d;l~as021 azctis pessoas da
mesma localidade poderno fuiir-se e tomar. zcuzcc assiy~hllc-
r a para todcs lcrem.
A ETERNXBAUE
É n'uma d'eçuas deliciosas tardes do estio, em que o sol,
mergilltiando já no ocaso, deixa os rnortaes entre a luz do
dia que morre, e a da lua que começa a pratear as flores
e as casitil~asbrancas do campo.
Junto ù'uma d'estas'casinhaç e debaixo de um alamo, es-
um \'ellío de veneranda pliisionomia, alvos cabellos a co-
brir-lhe a frgnte, brancas hasbas a dar-lhe ao rosto mais
magestada. Esti sentado sobre uma pedra o todo absorto
conteinpla uriia criança de dez annos, que dorrno Iranquilla.
sobre uma aliuofada cle pelles 'le cordeiro. hlisa-a com at-
Ieriç3n e duas lagrimas lhe v e n ~correndo pelas faces, e vão
perder-se nss espessas barbas, como para as tornar mais
respeitaveis.
A crian~adoriuie o somno da irinocencia, soínno que $4
gozam os que n;io pensam nos homens e nada temem de
Deus, porque os seus coraçGes estão ainda virgens do pec-
eado.
Não sabemos no que o velho peasa; mas o que é corto é
que ellc limpou as lagi~irnascom a costa da mão e murmii-
rou, olhando, ora para a criança. ora para o eko, que co-
meçava a cobrir-se de estrellas:
- Assim dorme o jiisto! Parece-me que Deus v6 estcs
sornnos! Gomq serA boin entrar no c60 com a innocencia no
coração!
A criança, como se fosse despertada por estas palavras,
abre os ollios, encara o velho e diz-llie a sorrir:
-Porqiie chora, meu pae? Ora que sempre o vejo cho-
rar, quando acordo, se me vê a dormir! 1)orque chorava?
-Por ti, incu filho, .e por mim.
.-Por rnim?! Que fiz eu?
---Nascesto.
-Então o nascer 6 algum mal?
-a, se ribs 1150 fazemos, emquanto vivemos, o que Deus
manda.
-Ora, Deus não se deve importar com o que nós laze-
I e O V Q h r o B(Dt e m BBEGENNXQ) ISQla1B'(r'P
130 L E I T U R A 9 POPULARES

mos; está no cito ao pit dos anjinhos, como diz o pae, e


então não tem tempo para pensar em nós.
- Qiie dizes, meu filho? Pois não le disse jA que Deus
est8 em toda a parte, .que vê, ouve tudo?
-I-, verdide que disse.
- Pois n6s temos de portar-nos bem para que Elle na
odtra vida nos dê aquillo que merecermos pelo que fizer-
mos n'esla.
- Enlão nós havemos de ir para o céo e contarmos tu-
do a Deris?
d siri^, contarmos tudo, não por que Elle o ignoh; mas
porque na coririssão dos nossos peccados ji! nos fazemos
pcnilencili. Pois tu gostas de acusar-b das maldades, clne
fazes ?
-Não scnlior.
-O peccabor é o mesmo diante de Deus.
-1421s decerto, a gente, em morrendo, airida vive?
-Que queres dizer?
-Sim, a gente, quando morre, vae para o cemiterio, e
depois ainda torna a viver?
-Olha, filho, o que morre é o corpo, e esse Bca no ce-
miterio, c 6 corrido pela terra; mas o que náo morre nun-
ca, o que vao direito ao cko, a dar contas a Deus do que
n'eslc mando fez, 15 a alrnii.
-Ab, sim; mas com certeza ainda h a outro mundo sem
ser este? Isso entgo seri no Brazil, porqnp a mãe sempre
nos esta a dizer que o i3razil 6 outro mundo.
- Sirn, fillio, o Brazil e outro mundo, mas 4 iim inuri-
do, em que vivc! a gente como aqui; e, esse mundo em
que le falo, aqoelle em que esti Deus para ouvir os pec-
cados dos homens, 6 um mundo em que sO enlram as
almas.
-E é verdade que o lia?
- Eu te esplicarei logo isso. Senta-te, que, quando se
fala na outra vitl:~, devemos eslar em posiçiío do respeito,
porqiie temos de falar em cousns muilo re~peita\~ois.
-Bem, estou senlado; agora diga, meu pae.
I
/ 1. I . C I T ~ B h B POPULhnBS f 31.

.
- .- - ....-.. I
\

DEUS REVELADO Nh BELLEZA DA RATUREZA


Vamos analysar o ninho de um passarinho.
Ora vejam, cotno elle soube escolher o ramo mais apro-
priado pdra livrar dos raios do sol os filhinhos! E como 6
bem feito; pririiciro umas finas raizes para llie darem mais
consisleucia, depois cabellos para tornar mais mole a carni-
nha dos pequeninos passarinlios, e por cima de ludo penas
tão macias para aquentar os ovos e os filliosl
E admiravel l E Ludo t3o entrançado, táo semetrico, tão
redondo, que parece mesrno que estiveram com iim com-
passo a medir a circumferencia d'estn casinha d e penas!
Quom lhes ensinaria a elles a medil-o? Quem Ihes diria que
o sol faz mal 4s tonrinhas avesinhas, para lhe esconderem o
nintio entre os ramos das arvores?
Que111 Ihes tiiria qiie as raizes eram proprias para lhe dar
consistencia, os cabellos para o tornar mais fofo, e as penas
para o fazer mais qnente? Quem lhes ensinaria onde tudo
isso se encontrava? Porque i? que o casal dos passarinhos
s e leva 120 hoin, quando tralam do ninlio e dos filhos? Pois
não vemos nds nilirido e mullier a tratar-se mal? E os pas-
sarinhos entondcm que deve113 ser amigos, quando teem de
'
cuidar dos filliosl
Foste Tu, meu Deus, que em tudo nos dis exemplos do
moralidade, e regras de bem vivei.!
Foste Tu, que r150 esqueces nem as implunes avesinhzs,
e vaes depositar nos cora~õcs d'allas o amor paternal 0
filial I
Foste Tu, que permitles que, mesmo ao pè do marido e
multier, atè nos campos, como nos palacios a choupanas,
houvesse d'estes exerriglos para os maridos 'e para os paes,
como para termos sempro vivas e Q vista as doutrinas que
Teu Fillio nos ensinou.
Em toda a parte nos dás exemplos de virtude!
E os passarinhos ainda implumes, como estão contentes
esperando pelo siistento que os paes lhe vem trazer1 Quem
lhes diria a elles, que estão sbs, que alguem pensa n'elles,
qus alguem verá trazer-lhe o alimento, que alguem os es-
tremece e os ama?
Ob, muito bom é Deus, que até diz ao passarinho qus
132 1,FlTúRA.Ç POPlJL4RE9

náo se inquiete por não ter junto de si os paes, porque el-


les cuidam de Ihes dar a vida e o alimento!
E li vem uin dos paes. trazendo no bico uminsecto. Ora
~ c j a i n como elle vem tão conlente, agitando as azas para
depor no bico dos filliintios o iosecto que apantioii! Vejam
como elle C carinhoso para todos, que de bico aberto lhe
suiiplicam quellies dt! de comer; vejam que não faz distinc-
são en:re elles, e reparte por tndos a preciosa carga!.
n'ão estd ali urna viva liiZo aos paes d e f'imilia?
Se Deus airi nos fala pela boca d'estas innocentes avesi-
nhas I
Mas diz-me algilem, que 'não acha bem, que, para s e siis-
tentarem estas a\tesinli;is, seja preciso triatiir os insectos,
que, como ellas, teem igual direito i vida.
t'nmos respontler, e veremos que n'issc~mesmo s e reve-
la a bonclade de lleus para com os liomens.
(Coutiniia).

0 ROSARIO DE FREI ANSELMO


O mestre de musica d e Maria Anloniela, Gluck, era t30
born iiiuaico, como bom catlrolico. Nascido de paes pobres,
mas calliolicos cheios de zelo, deveu a uma feliz circiim-
stniicia o perseverar na fe e religifio dos seus. Gli~clí,como
o inaior riiimero dos musicos d'esses tempos, principiou a
aprender a sua arte, debaixo das abobadas (l'uma basilicâ.
A voz de menino do coro era táo bella, a sua expressão
naliiral táo encant:idora, q u e o numero dos Iieis nugnienta-
va consideravelmente, torlas as vezes que o menino Ctiris-
EGvão tinlia que cantar. Urn dia, que Chr.istUvão Gluck sa-
Eiia do coro depois de ter carilado admiravelmente, veiu-
liie ao encontro um pobre religidso, que com os olhos ain-
da Iiumidos o apertou ao seu coracáo, e, dando-lho os pa-
rabens pelo seu talento, lho desse: AI)! eu n'io tenho aqui
presente algum para te dai., meu amiguinho, em signal do
meii enlhusiasrno, a não s r r este rosnrio! ...
Guarda-o, como lembrança (10 Frei Anselmo, e prornek-
te-me que o rezaris totlas as noites em honra da mãe de
Deiis. Esta pratica devota te darh grande felicidade, mui
bom amigo, e ale, se n'ella fores constante, o ceo, (Lenho
L E ~ T U Q A SPOPULARES 133
este presentimento) abençoará os teus esforços, serás gran-
de n'este mundo diante dos homens, e digno, um dia, d'ou-
vir os celestiaes concertos.
Christbvão, maravilliado e estimulado pelas palavras do
frade, tornou com todo o respeito o rosario das mãos do
religioso, mirradas não tanto pela edarle, como pelas peni-
tencias, e prometteu rezal-o, toda a \.ida, Aos quinze an-
aos o joven Gluclí tinha ja dado a setis paes evidentes
provas d'um talento assas precoce, por isso seu pae, já
carregado d e numeroFa fnmilia, riáo fazia grande oliposip30
ao projecto, qiie CLiristb\ão tinha de ir a Roma, para ali
continuar a aperfeiqoar-se nos estudos da sua arte. Mas co-
3n0 fazer a .\riagem? Sósinlio, sem rrieios, ir da capital aiis-
Iriaca ate á i10 mundo catliolico? Oiitro, que não fosse elle,
teria renunciado ao sei1 projecto, julgado impraticavel por
tantos moti~os.
Não desanimou; ctieio de confian~ana protecção da rai-
nha dos anjos, aquellc que mais tarde devia ser o valido
das duas rainhas terrenas, e o musico, que Maria Thoreza
o iintonieta cl'Austria admittiriarn nos seus paços, rezou
ainda com mais devoçáo a saiiclaç50 do anjo, pelo pobre,
mas precioso Roscr~iocle Frei Anselnlo.
Uma tasde, 4110 Gluck, seguindo o sei] piedoso costume,
acabava de se fortalecer com a reza do Rosario, bateram A
porta da modesta casa de sclus pnes ... Era o mestre da ca-
pella d e s;into Esteváo de Vicnna, que, tendo sido ericarre-
gado de ir i Italia fazer a colleçáo das obras de Paleslrina,
vinlia por parte do arcebispo pedir ao pae de Clirislovão
qiie consentisse que este fosse com elle na qualidade de seu
secretario.
Julgue-se qual seria a alegria de Gluckl Esta licença foi
concedida com as lagrimas do agradecimento, e poucos dias
depois Christo\~ãoseguia a estrada de Trieste, em compa-
nhia do seli bom e sabio mestre. Sempre fiel a quanto ti-
nha ~rornettidoa Frei Anselmo, Christovão não deixava, um
só dia, a reza do rosario, precioso talisnian, que, mais d'uma
rez, o deft?rideu eficazmerite. Voltanclo a Vienna, viu-se,
com o andar do tempo, clieio d e honras na corto de Versail-
Ies; sabia afastar-se das doçuras do descanço c do esplendor
e evitava as conversações, para ir rezar n'algum canto das
salas do paço (onde j i era admittido ao Iracto das maiores
134 LLITURAS POYULIBES

personagrns) o rosario, ao qual elle cliarnara o seu bre-


viario d e musico. Foi n'estns santas disposições que passou
toda a sua vida, e a siia mso, qiie o tinha immorlalisado,
escrevendo o triste o lyrico De proftaidis, conservava ainda
já bastante usado o rosario de Frei Anselmo, no dia, em
que, ferido d'uma apoplexia fulminante, o fdmoso artista
dava a siia alma a Deus.
Não foi só Gluc,k, que entre os compositores alnanos s e
assignalou ria devocáo da reza qootidinna do rosai8io. Mo-
zart, seu eniulo, era muito exacto n'esla devota pratica.
Refere-se cl'este niesmo Gluclc que passando por Ziiricli,
onde residia La\liitc~,o celebre fisionornista, que, pelas ca-
ras lia os corações e os seus mais reconditos cantitilios, foi
visital-o movido de curiositlade.
O sabio eslava no seu gabine~e;fita a visla (10s seus olhos
azues cheios de boiitladr~, vista fina e penelr'ante, e depara
corn um desconliecido a qiiem cumprimenta corn niotlos
muito íigrailavei~;, pergririlando-lhe quem era.
-Quem soii eu? respondeu Cluclr sorrindo. Podia rneliior
dizes-lhe aqiiillo que eu quero ser; aias o que eu soii nBo
o sci eu; Lavater 6 a quem iricumbe dizer. quem eii sou e
o que sou.
Coslumado n taes inlin~ai..ões,o fisionomista comecou a
examinaras feicões do cslrangeiro. Depois de alguos minu-
tos, djsse:
-I!: um musico.
--Jlilsico son, tt verdade; mas isso dito assiin i! uma cou.
sa miiilo vaga.
-Erit3o espere, vamos a vir; 15 rnusico compositor.
-\Ias compoiilor iJe que'?
-0h isso B ser muito exigente! ... E' um compositor dra-
niatico ... as siias obras tlistinquem-se pelo vigor, etzergia
e ousudia, grandeza do idéas ... Rlas espere um ponco ...
Lavater foi buscar um livro i sua estanle e o abriu mos-
trando-o ao seu ir] terlocutor.
-E' o auctor d'esta partitura ...
A partitura era a Queda dos Gign?ztes do proprio Glilck
que eslava tendo uma aceitação admiravel.
Tudo isto podia sor sem ser maravilha.
LElTURAâ POPULARES

O NARTYR DO G O L G O T H A
(Continuavão)
CAPITUI.0 I 1

Estava carregado o ceo, escura a noite, frio o ambiente.


O solitario bufo, qual sentinella nocturna, sollava de vez
,em quando o seu monoiorio e prolongado lamento das altas
copas das arvores, cujo ccco lastimoso ia perder-se nas
profundidades das ca\.ernas.
O inlerrninarel ranger dos dentes dos famintos cl~acaes
do bospiie d'Ephrairn despertava do seu leve somno os fe-
rozes 18bos dos subterraneos d:i tribu de Maiiassés, os quaes
enviavam aos seus terriveis eornpanheiros nas azas dos ven-
tos da noite prolongados a estridentes uivos.
A liia rompia, d e qiiando em qiiando, as espessas nuvens,
que a occultncam, deixarido cair um raio da sua clara e
suave luz sohre os allos ciirnes dos monles de Samaria, que
ùem simelliantes a negros e agrillioados phantasmas csten-
diam o seu sombrio dorso de Leste a Oeste.
O morite Hebal, mais encrespatlo, mais tetrico, mais ma-
gostoso, que seus irmãos, alçava-se no meio d'aqi~cllaaper-
tada cordili~eira,como um gigante ameaçador, maldizendo
a impiedade dos rebeldes sarnaritanos.
O ventosnorte começoii a sibilar entre os espinhos e as
fendas clas roclias, e om breve cerradas nuvens, replelas d e
electricidade, se estenderam eotri veloz carreira desde as
praias do mar occidental As pacificas niargens do Jordão.
O trováo surdo e longinqoo conieçava a agitar-se no es-
paço, annunciando com a sua potento voz aos fillios d e Se-
mer a proxima tempestade, que ia rugir sobre as suas ca-
beças.
A atmosphera condensava-se por instantes, e do seu va-
poroso seio grossas 0 precipitadas gotas principiavam a cair
sobre a seca terra dos adoradores do bezerro, appellidada
pelos judeos casa da i?ziqziidade.
Tciùo annunciava uma d'essas tempestades terriveis, que,
com tanta frequencia, se improvisam sob o coo da Palestina.
Siicceùiam.so os relampagos com rapidez, e o trovão,
percorrendo o espaço, r e d o b r a ~ ao seu poderoso accento.
Sobre o alto cume do monte Hebal. suspenso junto cl'uin
profundo precipiçio, como o nirilio d'iima aguia, erguia-ss
e m seus negros e toscos muros um castello de pobre e ater-
radora arctiilectura.
Aquella sombria fortaleza, levantada ali pela mfio atrevi-
da dos ciitlieus, depois dz dominii~ãodos assyrios, sstava
habitada lia epoca de IIerodes por urna cloadriliia de mal-
feitores.
O se11 cliefe, joven que apenas contava virito :irmos (10
edade, valente e iemerario, a quem uma vin~;inçaimpeliira
á vida aventureira tle salteridor de cslraclíi, prnlico no ler-
reno, zurribava dos soldatios Iierodit~rios,e carrcgado do
roubos rcgiessava ao scu inexpugnavel covil, oridc sabo-
reava com os seus satcllites os ticspojos da pilliagem.
Urn relampago iticeiidiou por um momento o ,esciiro tio-
risonte, e ao scii arerrrielliado clarfio virarn-se uns Iiorncns,
que sc ileslizavam pela qilebrn(la e resvalia encosla c10 rnoii-
te Ilebal em direcçáo ;i Giirizim.
Os rioclciisnos viiljantes camiriliavam, ilcixando li cspaldii
a fortaleza de lIcbal, sem fazerern caso tla tenipestade, qiiu
bramia no espaço, nein Ihes irnporlarcm as dcnsas, trevas,
que os eiivolviarn, nem o perigoso da vereda, por que avari-
çav;im eorn precipitado e segiiro passo.
Erarn jA niais frequetites os relanipagos. A sua avei-mo-
Iliadn luz caia sc~lireos myslcriosos caminhantes, I~ariliarido-
OS com os seus rcflexos.
Eriláo se pode ver qiie eram oito; o seu ti'aj0, mis1ur:i
de Iiabrc~iu romano, os scus rostos tostados pelo sol, e as
suas liirsulas o desl~eiileadi~s barbas, davam-llies um ;ispeclo
feroz,
Enlrc elles i;i iirn jovon, orn cu*joroslo apoiias apontava-o
buço; voslia urna tiirrica pardii, como os naziircrios, iim tur-
baritc alto coin b:iridii~ de liiilio se Itio eiirolava na caliec);~o
uma capa da pcllo tlo camello Ilie servia do rnanlo.
A sua mão direita apertava a curla azagaia de tros pon-
tas dos soldados de Cesai., e da cinta pendia-llic o coinpri-
do p~inha!dos sarriaritarios.
Esle joven era o chefo dos bandidos; o seu tcmerario v:)-
Ior o tinha elevado, erilre o s suus companlieiros, apcsar dos
seus policos annos, ao posto ile capitão.
O seu talho era esbello, a sua pliisionomili franca o cner*.
LPITURAS POPULARES 113'2'
gica; os olhos pretos, velados por longas e espessas pesta-
nas, lançavam olhares irresistiveis, qliando a cblera Itie de-
vorara o coração, doces e corapassivos quarido o socego s e
Itie albergava no peito. Nem uma s6 linha s e achava no seu
semblante, que inspirasse repugnancia; era quasi formoso.
Ao vel-o caminhar entre aquelles foragidos d e roslo re-
pugnante, olhar sanguinario, descomposlo e asqueroso ves-
tido, ter-se-liia dito que não era sei1 cliefe, mas prisio-
neiro.
O joven capitão dos bandidos samaritanos cliama-se Di-
mas, nome que trinta e dois annos depois devia immortali-
sar, no cume do Golgotlia, o Mariyr da Cruz, o Redemptor
d o homem.
Uirnas era filho d'um honrado oiirives cle Jerusalern. Des-
d e os seus mais tenros annos mostrava um affccto sem li-
mjtes a todos os meninos de menor edade que a stia, um
respeito profundo As cás e uma veneração extrema aos ca-
daveres.
Cresceu aprendendo, como bom israeiila, o omcio cle seu
pae, vendo.se sempre rodeado (10s rapazes d o bairro, com
os qriaes repartia as suas fructas e brinquedos.
Quando passava um cadaver pela sua rua, Dimas, s e a s
suas occupações 111'0 permitliam, seguia o seqnito funcbre
at8 o valle do Josaphat, offerecendo-se sempre a ajudar o s
enterradores a collocar o cadaver no occo sep[ilcro.
Dimas ficou orpháo; clioroii a repentina e inesperada
morte de seu boridoso pae, e com os olhos ainda vermellios
pelo pranto encaminhou-se a casa do sei1 lapidario, para que
fizesse um modesto sepulcro para seli pae.
O ajuste ficou feilo por mil e duzenlos obulos ( I ) ; mas
qual não seria a sua siirpreza, qiiando ao chegar ti casa
mortiiaria, onde ainda o frio cadaver descançava no leito da
morte, encontrou tres phariseus, um centurião romano e um
alcavaleiro, que estavam confiscando o pequerio cabedal d o
defunto ouri\lesf
-Que fazeis em minha casa? lhes perguntou D i n a s com
espanto.
-Tomamos com auctorisação da lei e do poder romana
,o que teu pae m e devia, lhe respondeu urn velho.
(1) Quo equivalem a uns vinte oito mil e tantos r&.
338 LEITURAS POPULAllES

-O sopro da morte emmudeceu a boca de meu pae, elle


não pode responder.te; mas eu juro-te pelo Dcus invisivel
de Abrahão, Isaac e Jacob, que nada q e disse nunca da di-
vida que agora reclamas.
- Não menle um phariseu que penteia cãs na Barba, e
curva a fronte anle a ara de Çion; estes que me acompa-
nham são testemunhas do emprestimo que lhe fiz, e por
cerio que tudo o que possue não chega ás duas terças par-
tes do que me deve.
Dimas aturdido, desconcertado, traspassado o coração d e
dor e de pasmo, não achava palavras, com que respondesse
áquelle velho, que o ia abysmar na ~niseria.
As testeniuntias aílirmar~m a verdade das palavras d o
phariseu, e o alcaval8iro seguiu o seu curso, sem o deter
o doloroso ademan do pobre orphão,
- Pois Bem, velho, leva todo o meu erario, os meus
vestidos, a minha cama, se queres, não me opponho; eu
sou moço e robuslo, e não me assusta o trabalho; mas
concede-me ao menos um favor.
-Fala, lhe disse seriamente o ghariseu.
-Empresta-me dois mil obrilos; eu tos restituirei.
-Dois mil obulosll 'i'u estlis doido, mancebo! Como po-
derias pagar-me tão enorma qiiantia?
-Trabalhando para ti, s e for preciso, toda a minha vida,
-Não posso servir- te.
-Vende-me como escravo, se queres.
-Um phariseu israclita não pode vender um descenden..
te da sua raça.
-Pela santa synagoga te rogo, velho, que não me recu-
ses o que te peço.
-Eia acabemos1 exclamou o pliariseu com patentes mos-
tras de mliu humor.
-Pensa no que fazes, tornou Dimas, rangendo os dentes
com furor, ao ver a dureza d'aquelle velho.
-Ameaças-me?!
-Aviso-te 's6men te.
-Eu despreso-te.
-Olha que o dinheiro, que te peço, é para enterrar meu
pae.
-Os pobres não precisam d e sepulcros, havendo ester-
queiras,
LEITURAS POPULARES 139
-&liseravel! exclamou Dimas, agarrando com as nervo-
s a s mãos o velho phariseu pelo pescoço; tu e meu pae des-
c e r e i ~ao mesmo tempo ao sepulcro.
As teslemuntias arrancaram das mãos de Dimas o pha-
riseu, náo s e m custo, e duas Iioras depois o joven orpháo
s e ach:iva n'iim tclrico cal:ihouço da torre Antonia.
Tinlla entáo Dimâs desoito annos, edade, em que as pai-
xões e os sentimentos se não occullam, nem se comprimem.
Ao ver-se sd no mundo, encerrado n'aqiiellas litiniidas e
Iiorrendas paredes, chorou como iirna ci.ian.a, porque s e
lembrava d a s caricias d e sua lioa máe, e do insepuito cada-
ver d o velho auctor de seus dias.
CAPITULO 111

CONTRACTO fi COSTnACTO
A dar, b e m como o prazer, teem seli termo, e esgotam-
s e quando o coração se enfastia ou calleia.
O pobre orpliáo acabou por náo enconlrar lagrimas nos
0llios.
Tres mezes esquecido dos homens, permaneceu n'um liu-
mido e sombrio calabouço, sonhando sempre com a hora
apetecida d a vingança.
Uma manhã ealrou o carcereiro para notificar-llie que es-
tava livre.
Dimas correu a sua casa, e então soube por um visint~o
q u e o cadaver d e seu pae tinha permanecido insepullo seis
dias, e que por fim os enierradores o linliani deitado n'uma
esterc~ueira, onde s e de1)ositavarn os cadaveres dos lepro-
sos.
Dimas ouviu a repugnante narrativa sem descerrar o s
olhos.
Nem uma lagrima lhe assomou aos olhos; o seu coração
estava callejado, mas o desejo d e vinganca crescia-lhe no
peito como u m a vermellia papoula no meio d'um Lampo es-
teril c abrasado pelo sol do Egypio.
Durantu o resto do dia e a noite, vagueou sem rumo pe-
las ruas d e .Jerusalem.
Ao amanliecer viu que se achava no bairro do Bezeta ou
.cidade nova.
Aquellas r u a s estreitas, sujas, Lartiiosas, pei tenciam á
rica, A opulenta Serusalem; mas nem o canto de Sion, nem
os perfumes dos jardins de Ilesodes, nem o luxo da cidadu
d e David, chegavam a ella.
IIabitavam-n'a inodeslos negociantes d e lã, industriosos
armeiros, e gerite, emíim, dedicada ao Lrabaltio e ao com-
mercin.
Dimas cançado, sem saber dirigir os passos, se recostou
a uma porta que permanecia cerrada.
Seus oltios filavam-se niaquinalmenle nas reluzentes fo-
lhas, que pendiam d'uma especie do nioslraJor, fosmarlo com
fios de canhamo.
Dimas pensou em comprar um d'aquelles punhaes, e o
seu olhar, fitando-se no abundante mostrador, começou a
procurar a folha que devia ser executora da sua vingança.
-Quanto vale esta faca? perguntou elle, apontarido para
uma larga folha de Damasco, qiie pendia d'um rlos fios.
-Dois siclos de prata (I); é uma follia exce!lente; res-
pondeii o cutileiro, desprendendo-a do mostrador.
Dimas examinou-a um momenlo; mas, lembrando-se d e
que náo possuia nem um miseravel obolo, disse ao vende-
dor:
-Queres fiar-me esia arma e dar-te-hei, antes que a lua
nova banlie com seus raios o alto minarele da torre d e Da-
vid, vinte onças romanas por ella?
-E quem me responde porque cumprirás a tua palavra?
-Responde-te a memoria de meu defunto pae, a quem
vou vingar com esta arma, e sobre cuja cabeça juro entre-
gar-le esta quantia que e, como sabes, vinte vezes maior
do que a que me pediste, se não morrer lia empreza.
As palavras de Diinas tinham um scllo de verdacle inex-
plicavel.
O cutileiro compreliendeu que alguma cousa estranha s 0
passava no coração d'aquclle mancebo, e por u ~ i id'aqiiel-
les impulsos, que não se explicam n'iim judeu, fiou-se nas
palavras do matutino comprador, vendo um negocio soher-
bo n'aquella eslranlia venda.
-Se me enganas, peior para ti; lhe disse, entregando a
arma; s e tens palavra, Jehova te proteja c salve dos peri-.
gos, a que pode expor-te a tua vingança,
(1) Noyecentos e cincoenta réis,
1>?3ITURA9 POPULAIIES 141
-Agradecido, meu amigo; murmurou o orphão; mas an-
tes de separar-rios devo dizer,le o meu nome para que co-
nhecas o teu devedor. Chamo-me Dimas, lu o ouviria al-
guma vez, porque é o nome que ha de soar liaslanle nas
doze iribiis; e, sem esperar resposta, tomou pela rua adian-
te, e poi~codepois, sainclo da porta de Gados, foi senlar-se 4
sombra cl'um robiisto sgcoinnro, de cujo fsiicto comeu com
appetlite, pois havia muitas horas que não tomava alimento.
Depois empunhou o bornido cabo da espada, e fescarregou
um terrivel golpe rio tronco do riodoso arbiisto: Duns pul-
legadas d e folha se enterraram na annosa casca d a ar-
vore.
-01i! lem boa tempera, disse para si, a ponta nem se-
quer vergou; bern pode entrar toda a follia d'iim sO golpe
na gailgarita o i ~no coração do que lançou o cadarer de meu
pae aos cáes da esterqueisn.
Dois dias depois, junto ri torre Silnb, os soldados de Ilo-
rodes acharam o cadaver d'unr relho. Tioha uma profunda
ferida ria garganta, e outra exactamente egiial no coração.
Sobre a fronte, preso por uni grosso alfinete, via-se um
pedaço d e pripyro, ein que se achavam escriplas com sari-
gue eslas palavras:
aDimas tinga o insepiilto cadnver cle seu pae com a mor-
te d'esle phariseu, e jura pela sua memoria perseguir os
seus descendenles atk d quinta geraçáo.~
Depois d'esto atlenlado, o j o ~ e norplião fiigia da cidade
sacerdotal, refugiando-se nos montes de Hama.
O cadaver de seu pas calcado aos pks o impelliu a com-
melter o primeiro assassinio; a fome o obrigou a executar
o primeiro roubo.
Dimas arrebatou um cabrito aos pastores.
Desde enlão começoii a vaguear pelo mais fragoso dos
bosques.
De noite abandonava as siias inciillas guaridas para as-
saltar os indefesos caminhantes; mas o desgraçado orph30,
que aborrecia o sangue por iristincto, nunca enipregava ou-
Iras armas alem da ameaça para despojar as soas victimas.
Entretanto a lua nova aproximava-se, e Dirnas aindli n30
tinha pago ao cutileiro as vinte onças romarias que lhe de-
via.
Jnr;\ra pagal-as pelo insepulto cadaver do seu pae, era
preciso cumprir o juramento. Mas como, quando nem um
miseravel dinheiro de cobre gossuia?
Dimas, sentado B borda d'iim auguslo barranco, começon
s reflectir sobre a sua sorte futura.
Tirilia dado o primeiro passo na carreira do crime. As
suas façantias vandalicas ainda rião passaram de miseraveis
despojos commelridos nos indefensos pastores com o i ~ n i c o
fim de aplacas a fome; enlao ali, sO, eiicerrado conisigo mes-
mo, cornpreliendia o que tinha feito.
Era irnpwsivel relrocecer; mas lambem compreliendia que
era indispensavel que as suas aventuras fossem em maior
escala.
-Ladrão por ladrão, disse comsigo, biisquemos ouro; a
vida tanto se arrisca, roubando um sestercio (#), coma um
talento (2) hebreu; a honra tanto se perde roubando uma
ponnl~acomo um boi.
Tomada esta rosoliiç~o,Dimas pbz-se em pé, e agitando
os longos cabellos com um movimenlo energico de cabeça,
lançou u m olliar altivo pcr aquellas soledades que o cerca-
vam, e afagando o grosseiro cabo da faca, inurrnurou estas
pslavras:
-Quando a vida se estima em pouco, o 'tioinem podo
'chegar a sei* muilo; sim, é preciso que e u seja o rei d'es-
tes bosques, o terror d e Israel.
Vagueava então :ias montes de Samaria uma quatlrillia
do salteadoras que, i sombra das contendas civis, que agi-
tavam as tril~usde Israel, commetliam toda a casta d e cri-
mes com rima aiiilacia incrivel.
Em oão l[Ierodes enviava os seus soldados para os esler-
minar; os barididos de Samaria eram invisiveis, e sem e m 4
bargo o tliealro das suas vandalicas scenas era o coraç3o da
H-'atestina.
Os mercadores do Egyplo, de Damasco, de Tyro o du
Sydon, viarridse coin fsequencia assaltados i luz do dia, no
meio das estradas.
A audacia dos bandidos samaritanos não tinha limites. A&
,ruas d e Jeriisalern presoticearam mil vezes scenas de repu-
(9 Mooda de cobre de pouco valor.
(?) Talento hebreu cquivalo a um conto quinhentos e tanto8 mil
sEis da nossa moeda.
gnanle barbaridade, levadas a cabo 11elo punlial homicida
dos iridorriilos habilantes do monle Flebal.
AS suas de~asladoras correrias estenderam-se des-
de a tribii d e Judá 3 ti-ibu de Assor, e não poiicas vezes,
passando o Joi.dSo, tinham levado o terror e o siiqüe attj ao
bosque dYEplirairn.
Os montes (10 Samaria com suas psoriind;is cavcrnas llics
serviam de refugio para burlar as perseguições (10s Iiero-
dianos.
O tetrico e solitario c;istello, cloe coroava o cume de 110-
bal, servia-lhes de quartel tle in\lerrio.
D i m s era valente; desesperando dc ericonirar a socieda-
de dos Iiomens, decidiu s e a buscar os dos ferozcs baridi-
dos de Samaria.
Depois de qiiatro dias d e nia~~clias forçadas, cliegoii tis
faldas do terrivel monte.
Ningriem s e teria atrevido a tanto n'aquelles ternpos.
A clescsperação centuplicava o anirno d o Tillio clo ourives
jerosoliinitano.
Dinins parou a uns trinta passos (Ia solilaria fortaleza.
A subida era espinliosa e iiigremc; desfallecido pcla fa-
diga, sentou-so ri'uma pedra.
Achava-se sU; nem o canto das aves, nem a TOZ litima-
na interi~ornpiania profunda solicl8o dos furidos prccipi~ios,
qile o rodeavam.
Dimas parecia o genio do mal, qiiantlo, depois da sua
qneda, se sentou Ii borda d o abysino n conteniplar pois iim
instante a horrivel niansão, cluo Deus Ilio coriceilia e m cas-
tigo da sua louca soberba.
(Contiiifia.)

PRIMEIRO PSALMO DE DAVID

Bcmdito o que não cao em se guiar


Por conseltios de gente depravada:
E, em vendo que vae mal, mud:i d e estrada,
E nunca s e demora em mau logar.
144 LEITURASFOPDLIRES

Que o seu empenho 6 unicamente


A lei de Deus, que estuda noite e dia.
Como a arvorc ao pB d'agua corrente,
Da a seu tempo a fructo que devia.
Nunca Ilie cae a follia; empresa sua
Sae por força conforme o seu ititento:
Emquanto o impio, o mau trabalha e sua,
E 6 sempre como o pd, que espalha o vento1
No tribunal, onde ha de ser ouvido,
1Vão conte com sentenca a seu favor;
Que não entra no numero escolhido
110s justos, dos amigos do Senlior.
O justo, Deus bem sabe o seu caminho,
E guia-o, náo o deixgandar sosinbo:
E o caminho do mau pelo contrario,
becco sem saida e solitario.

Eil-a trajando verdores,


-4 linda mãe dos amores,
Com seus volateis cantores
Pelos campos a folgar;
Eil-a folgando na mata,
Que nas aguas se retrata,
Nas aguas de lixa prata,
Na prata do lizo mar.
Salve, rainha formosa!
Feste,ja-t o lirio, a rosa,
9 0 s jardins a mariposa,
Do trovador a canção;
Festeja-te a pastorinha,
Que nas cores te adivinha
Um pensamento, qiie tinha,
Que tinha; no coração.
D'aldêa o sino te chama,
E o moto que deixa n cama,
Yoi'que vae vdr a yuem ama
Ao pé da encosta d'além;
Stispiram-te sempre os nionles,
Abraçam.te os tiorisoiites,
Choram te rios e fontes,
Nas fontes d'amor que teem.
Bemdiz-te o vclho o ensina
A neta, que 6 pcqrienina,
Rezas santas da divina
Crença, que tem rio Senhor:
Bemdiz-le o armento balando,
Do tomillio o clieiro brando,
E o pegureiro cantando,
Cantando magoas d'amor.
vem, O linda madrugada,
Vem tlo violetas coroada,
Pelas brizas embalada,
Vem n'esres canipos folgar;
Folga nos ceos e na mata,
Q u e nas aguas se retrata,
Nas aguas de liza prata,
Na prata do lizo mar.

A MENINA E AS SETTAS

FAUULA

Vendo umas settas, disse uma menina:


-Porque, sendo tão lindas, tão mis vos vemos?
-Porque nOs entro serpes vivemos
E sua pesonlia nos contamina.
IIu corapães que nascem bellos,
Como as setlas qiie a menina via;
Mas juntando-se com os perversos,
Se fazem mans com tal coinpanliia.

CANTIGAS

Eu liei de morrer cantando,


JA que cliorando nasci;
JA que os gostos ~l'eslavida
Se acabaram para mim.
Quem inc a mim oiivir canlar
Cuidarli que estou alegre;
Tenho o coraçiio mais negro
Oiio a tinta com que se escreve,

Sabes canlar e não cantas,


Deus te queira castigar;
Sabes cantigas Ião lindas
Não m'as queres ensinar.
Não canto por bem cantar
Nem por bons fallns ter;
Canto por cegar ollios
A quem me rião pode v&.
A cantar ganhei dinheiro,
A cantar se me acai~ou;
O dinlieiro m:il gaaliado
Agua o deu agiia o lcvou.
Qiiem me ouvir a mim cantar,
Quom sotlber a minha pena,
DirQ:-Oh I triuto coitado,
Que ainda o cantar to alombrã!
LEITURAS POPULAnES 147

IREDES E VIREDES

Quando o nosso primeiro rei D. Affonso I-Ienriques lan-


fou os moiiros fora de Santarem, ;i forca d'armas, encorn-
mendoii a defeza da ((porta de Vall:idae ao famoso capiiáo
portiiguez, cliamado Peclro Rsctcro. Fnlendo elle ali uma
grande pendencia coin um valoroso mouro, que para salvar
a vida, ia saindo por aquella porta, estando j:i fora d'ella,
disse ao portuguez, ameaçarido o que Iiavia de tornar ou-
tra vez ali a experimerllilr as forças com elle. l>edro Escuro
llie responde11 com estas formaes palavra;: Prcdes e vil'edcs,
e aqui nze achoredes o u nzorto, ozc vico. E porque o mou-
r o náo tornou atb que Pedro I4sciiro rnosreii, dbixou este
valoroso portiigiiez no seu testamerito qiie o enterrassem
n'arjuelle inesnio logar, para que de rienlium modo fallasse
á sua palavra; e n'este sitio lirilia j:i mandado fazer iin.ia er-
mida, e um hospital com camas, para nove doentes neces-
sitados sc curarsem com bast:inte renda para isso applicada;
era o hospital, a que antignmenle cliamavam do uneclama-
d o r o do Palmeira,)) reclamador pelo reclamo que o por-
tuguez fez ao mouro, e palmeiro porque, vencedor o por-
tugiiez, lhe pertenceu a palmn da vicloria.
No reinado tle D. Manuel se miidaram todos os hospi-
taes de Santarem, com totlas as suas rendas para o de Je-
su-Clirislo, por breve de 1rinoceni:io V111, e para a egreja
d'eslo liosnital. Dor manclado cl'aaoelle rei, foram traslada-
dos e guardadói em capeiia propFia os ossos d'aquelle ca-
..pitão.
Neste liospital governaram por al'gum tempo e por dif-
ferentes vezes os conegos de S. João Evangelista.
Quinze hospitaes a albergarias de Santarem s e rcunir1arn
n'este hospital.

CAMILLA DE MONT'ALTO
RIandira o Papa Xisto v buscar da aldca, onde se criara,
para a corle, uma irmá, que tinha chamada Camilla, com
duas filhas e rim fillio, que fez carrleal de ii'l'ont'alltl. Na
vespera foram os cardcaes Rledicis, Este o Alexandrino, p'or
lisongearem o Papa, esperal-a para a conduzi rem e acompa-
nharem ao paço. Poren~,corno vinha vestida mui liumilda-
mente, quizeram que descnnçasse f6ra de Roma n'uma
quinta, e ali se vestisse e ornasse como princeza, para che-
gar A presença d e seu irmáo; o qual verido-a vestida tão
magnificamente, fingiu que a não conhecia o perguntou por
ella. Respondeu-llie o cardeal Alexaridririo, que a trazia pe-
la m2o:-Aqui esta, santissimo Padre.
Voltou Xisto corn severidade e desprezo, dizendo :- Eu
não tenho mais que uma irmã, pobre aldeá das Grotas de
Jfonl'alto, que não pode trajar. como princeza romana; nem
a conhecerei, sem me apparecer como se veste na aldha.
E voliou as costas. despedindo-a assim e aos cardeaes,
que ficaram tão confusos, como sentidos. Veiii a irmã no
dia seguinte vestida coino costumara, e Xisto, vendo-a, a
recebeu affavelmente e lhe disse:-Agora sim, que sois mi-
nha irmá, e niio pretendo que outrem vos faça princeza,
senão eu.
JIandou-a logo aquartelar no seu paço, consignando-lhe
renda mediocre para o seti trato, e Itie.poz preceito de não
se metter cm negocios da corte nem pedir-lhe graça parti-
cular.

O PAE DA RAINHA
O famoso Mitridates, rei do Ponto, amava com excesso a
musica, premiando generosamente aos qiie se distinguiam
n'esla arle dificil. Entre os mais famigerados musicos d o
seu tempo era um ancião,rque ia todas as noites ao palacio
e que com uma filha sria, jdven e formosa, dava o que agora
chamamos concerios. entretendo ao principe e A cbrte com
peças escolhidas.
Mitridates colmava-o de disiinc(ões o tralava-o com cari-
nho; um dia porèm que elle e sua lilha liaviarn crido exce-
der-se a si mesmos, no momento, em que o pobre ancião
esperava o premio merecido, observou que o rei náo fazia
caso algum d'elle e o tratava, senão com despreso, ao me-
nos com indiíferença.
Susceptivelpor extremo, como todos os pobres honrados,
LEITURAS~ O P U L A ~ C S 149
volton para sua casa na maior desesperapio, ficando siia E-
Ilia no palacio no quarto das miilheres que a tinham intro*
duzido, corno silccedia algumas vezes. Que seri islo ? meu
Deus! dizia o ancião; el-rei náo se dignou sequer ver-me. e
sem embargo mintia filha cantou, como uma deusa, e eu m e
esforcei a sustentar-me na maior altura i qual jdmais havia
chegado antes; ameaça-me alguma, desgraça? que serA d e
mim? que serh de niinl-ia pobre íillia?
SO e abatido pelo terror, passou a mais espantosa noite
da sua vida, e com ell'eito linha raeBo. O rei n30 Itie falou,
o rei de\lia estar offeudiclo, e o enfaclo d'um rei equivalia
entáo 5 morte, porqiie a vida dos homens eramiiito menos
para elles que o para nós a vida d'iim passaririlto.
Raiava ja a aurora no horisonle, qnatido o terror e a an-
gustia d e toda a noite haviam rrostrado o ancião do tal sorte,
q u e veiu a final a adormecer. Este somno reparador foi d e
poucos momentos, porque um grande ruido ,que se ouviu
na riia e i porta saa casa, despertou-u logo d'aquelle 18-
thargo. Abriu os olhos sornnolenios e viii distinclamente
que a sua casa estava cheia de soldados e de pessoas eslra-
nfias, que lhe cercavam o leito obrigando-o a levantar-se.
O ancião sobresaltado poz-se de joelbos; alçou as mãos e
exclamou cheio d e terror:-Supplico-vos, soldados, emno-
m e dos deuses immortaes, que m e poupeis a vida.
Uma gargalhada estridente foi a resposta.
-Levanla-te, anciáo, disse-lhe o chefe d'aquella turba;
levanta-te e não temas.
-Quem vos manda?
-El-rei.
-Que exige d e mim?
-Por ora, que obedeças e te cales.
Dirigindo depois a palavra aos que estavam i porta, dts-
se-lhes:
-Escravos e eunucos, vinde e fazei o que deveis. Os es-
cravos aproximaram-sa do ancião e o despiram cornpleta-
mente, e envolvendo-o logo em lençoes alvissimos de linho
Bnissimo, levaram-n'o aos Iiombilos e o metteram n'um ba-
nho de alabastro com agua saturada de essencias e perfu-
mes.
Dizia o anciTio entre si:--Vou morrer; sim, aviclima mais
agradavel aos deuses immortaes e a mellior perfumada; com
2% L E I T U R I S POPULARES

unguentos cheirosos ungem os cadaveres dos que Iião sido


ofierecidos i divindade. Oh ! meu Deus I. m e u Deus ! vou
morrer.
-Vestiao C j t, disse o chefe dos escravos.
Tiraram-n'o immediatametite do banho, e preciosas escra-
vas, de annelados cabellos e trajes esbeltos, com pi~lsciras
íle ouro nas pernas e braços nus, piizeram.lhe um magnifi-
co vestido de purpura, e adornararn-lhe a cabeça com um
turbante ariental.
Logo precedido das mesmas escravas, qiie bailavam en-
graçadamente, foi conduzido ao quarlo mais espaçoso da
casa.
Que transformação! era aquillo um sonho d e fadas! Es-
tavam as ~ ~ a r e d ecubertas
s tie preciosas tapc~ariase arria-
das de ricos quadros e espellios de aço bruriido d e dirnen-
soes colossaes. Tstatuas de alabastro adornavam os angillos
da sala, e ao redor d'esla viam-se collocados sirnelricamen-
te innumeros coxins d e telas riqiiissimas.
No centro tiavia utna mesa magnilica cuberta d e baixelas
de ouro e cheios os pratos dos manjares mais esquisitos.
O ancião, a pedido dos que o conduziam, sentou-se.
O chefe disse:^
-Principiae.
E logo alguns jovens serviram á mesa, o as preciosas es-
cravas, tomando nas suas delicadas miíos os irislriirnentos
musicos, 11rin:ipiaram a Locar, a dançar e a cantar ao mes-
mo tempo.
Cria o ílncião que sonliava, e esfregava os oliios, feri3 a
carne beliscando-se para vêr s e conseguia desporlar ; mas
não sonlinva, estava acordado, era verdade qrtanto se Das-
sava ao redor de si.
-Honra e gloria ao c~ueridod e Mitridates, repotiam o s
escra\los.
Ouviu-se de repente iim clamor geral; e grande ruido de
homens e cavallus, que atiilhavam a rua.
-Viva a rainha! viva a rainha! exclamava o povo frene-
tico.
Aqoelle estrondo cliegava j6 4s portas de casa.
-Gloria seja dada ii rainha, que vem l-ionrar esta casa,
disse o chefe dos escravos.
-A minha casal exclamou clieio d e assombro o velho,
L E I T U ~ A SP O P U L ~ ~ E B 151
ah! vem a rainha i minha casiil Islo S um sonlio, não pode
ser outra cousa seolio um sonho!
As escravas tocaram e cantaram com o maior enlhusiasmo,
crescia a vozeaiia e todos pareciam ter enlciiiquecido.
-Viva a rainha! exclamaram a uma voz chefes c solda-
dos, escravos e escravas, prostrando-se todos ale tocar com
a f,ice no p6.
Appareceii a rainha A porta.
O ancião lançou sobre ella os olhos, qiiiz dar um passo
para ella e cai11 ern terra, exclamando:
-$ minha filhal!!
-Sim, meu pae, respondeu-llie a rainlia, levantando-o s
estreitando-o nos seus braços; sou Estratonica, soii tua fi-
lha, sou a rainha do Ponto.
Os tleuses abençoem a el-rei, minha fillia, e abençoena
tarnbem a ti, porqrie Iioriras teu pac.
-El.rei, caro pae, enartiorou-se dc mirn d e noile, e na
mesma noite m e desposoii. Sou sua miillior e quero honrar
a o pae da rainha. Um cavallo, ricamente ajaezado, te cspe-
ra li porla, o til, vestido de puspura, vaes ser concluzido
em Iriumptio,pcla cidade, acornpanhadn ?os principaes se-
nhores da corte; AIeu pae! ji não tocarlis mais llauta para
ganliar a vida!
-Deuses itnmortaes! dae-me forças, exclamou o ancião,
porquo tamanha venlura me matal

-
I-, caiu desmaiado rios braços da Tillia.
-Viva a rairilia! exdamo~ia rniiltirlão.
Estrato~iica,que foi boa íilba, foi tambern boa esposa, e,
a mais querida do todas que tinha 1Iilridales.

BOA E MA VENTURA
(continuado da pag. 12b)
Quando passou a primeira commoção, não pode conter o
T~SO,vendo-me assim estirado no chão ; depois com um modo
d e tanta boridade que ainda aggravava mais ii minlia lou-
cura, desceu a escada, e, dando-me a máo, disse-me :-
Desculpa-nie, irmão, se lia pouco te faloi com aspereza ....
Estou irilimamorite convencido que n3o tivcstn nenliunia culpa
d'isto ; mas coino B que aconteceu isto 7...
a Em qoanlo Saladin fallava, senti a mesma bulha, que me
852 1,EITlJRAS POPULARES

tinha assustado na antecamara ; porem, olhando para traz;


vi sO um pombo preto, que voava rle roda da minlia cabe-
qa, não pensando em todo o mal, de que elle era causa in-
nocente. Eu tinlia posto aqiielle pombo ali na !'espera com
o sentido ile o crear e de o domesticar para os meus so-
brinhos. Estava longe de pensar que o pot~reaninial seria
causa de um 130 grande desastre. Aljssor de todos os es-
forços para me occiiltar a anciedade d o seu espirilo, meu
irmão tremia sb com a iùéa, lembrando-se da raiva da fa-
vorita, quando ella soubesse da perda do seu magnifico es-
pelho de Veneza. Bem conheci qiie seria inevitavelmenle a
causa da sua ruina, se me demorasse mais tempo na sua
casa, e nada foi capaz de me persuadir a que eu ali me con-
servasse por mais tempo. Não podendo vencer a mintia de-
terminação, disse-me o meu getieroso irmão : - Aciiba de
morrer um corretor, qu9 eu empregava na ~ e n d adas rni-
nfias mercadorias ; queres i r occiipar o seu logar? Eu sou
bastante rico para sof'frer os pequenos erros, que tu talvez
faças por não entenderes de negocios, e alem dJis.so tu ter6s
u m socio ciipaz para te ajudar quando for preciso.
a Tanlas provas d e bondade e n'iirn momento tão fatal
commoveram-me profundamente. Mandoii um de seus es-
cravos comigo A loja, onde m e vêdes, senhores. O escravo
loi encarregado de trazer a minlia jarra de porcelana e d a
rn'a entregar com este recado : - a h côr escarlalo que se
acliou no fundo d'esta jarra e da minlia, e a causa primaria
da prosperidade de que gosa Saladin ; elle não faz mais do
q u e obedecer i restricla justiça, repartindo a sua fortuna
com Mourad. n
a Achava-me por conse quencia n'iima posição muito van-
tajosa ; mas a Iemlirnnça de que este maldito espelho potlia
causat: a ruina tle meu irmão nIo me deixava socegar4 A
senbora, que o tinha encoinmendado, tinha, como eii sabia,
u m genio violento, e este negocio era bastante para llie ins-
pirar a mais atroz vinganca. Ainda pensava n'isto esta ma-
nhã, quando meu irmão m e mandou dizer por u m dos seus
escravos, que, apesar da excessiva colers da favorila, estava
na minhd mão evitar as fataes consequancias. -Na minha
m ã o ! exclamei eu com alegria. Emfim, sou feliz uma vez
na minha vida. Dize ao meu irmão que n2o ha nada que eu
não faça para lhe provar o meu reconiiecimerito e para o
salvar das conseqiiencias da minha loucura.
O escravo matidado por meu irmão parecia hesitar em
dizer-me do que se tratava : o seu senhor, dizia elle, re-
ceiava que eu não Ilie concedesse o seli pedido. Instei com
elle parr'cluc so exp!icasse ; disse-me e n l k que a fayofita
tiniia determinado que sb aceitaria ein lroco do seu espelho
a jarra de porcelana igual dqiiella quc Linha comprado a Sa-
latlin. Não me podia negar : o roconhecimerito inipunha-me
o dever d e pisar aos pes os meus sgpei*aticiosos receios, e
mandei-l ]e dizer que eu mesrno llie iria leiar a jarra,
« Tirei-a, 5. noite, (Ia alta pr$teleira, erri que a tinlia posto :
estava coberta de poeira, sacotli-a e lavei-:i. 1)rcicuraritlo lim-
par o iaterior (10s reslos cle pb escarltite, que eslavam pe-
gadoç,$ise a desaslraila idt'a de lhe dcitar agua quelito.
Ouvi um peqrieilo esialido, e, rriomcntos dcpois, ~,arliii-sea
minha jarra em dois peila~ns,qilc :icaharani de se fl~zerern
bocadinhos, quando cthiram no clião. A b ! estes fragmentos'
h tudo q u e rrie resta I Agora eslA complela a mcilida da mi-
nha desgraca ! I-, ainda vos admirnis, senliores, de que de-
plore o meu fdlal destirio? E não rne asserita, com loda a
rasão, o appellido d e iífolnutrd o-Il?fcliz?... Ah !... eis o final
de tod;is ris rninlias cspcriinças I... Rlellior era que eu l i ~ ~ c s s c
morrido, ou, para rnellior dizci., quc eu nunca tivesse vinclo
ao mundo ! Nada do que teiilio feito, ou teritado fazer, tenho
conseguido. &Iourad.o-Infeliz i: o meli norne, e o destino me
tinha desigiiado para dcpois ser a sua victimn ...
As lamenlações ile hlournd foram iriIerrorn~)iclaspela che-
gada de Siiladin ; depois de ter esperado inuito tcrnrro por
seu irmão, vinlia por fim saber se It~eleria acontecido mais
algurria desgraça. Pareceu admirado rí ~lisla dus dois siip-
postos mercadores, e não p6de conter iirn doloroso grito B
visla dos fragmenlos da bella jarra. l'orem, serripre bom 0
gerieroso, principiou a consolar seu irmão; íiparilio'u todos
0s bocados, examinou corn attenç3o um por uni, c reuniu-os
depois com destreza ; verido que nenliiim dos bocados tinha
a s bordas falhadas, disso qiie ia manda1 a conçerlain, o ospe-
rava que ella ficasse tão boa como era antes.
Ouvindo isto, Mourad cobrou animo. -Irmão, disse elle,
consolo-me de ser illourad-o.Infuliz, quando penso qile tu 6s
Saladin-o-Feliz. Vdde, senliores, coulinuou elle, voltanda-
1.54 LEITURAS POPULARES

se para os mercadores estrangeiros ;?apenas o mais aforlu-


aiado dos homens se acha perto de mim. logo os meus ne-
g o c i o ~tomam um melhor camirilio. A sua presença até ins.
pira alegria, e tenho notado que as vossas phisionomias as.
sombradas pela rnintia melancolica I~istoria, se desanuvea-
ram logo que elle cntroii. Irmão, é preciso ressarcir As nos-
s a s visitas o lempo que teem perdirlo, ouvindo a triste serie
d o s meus irifortonios, contando-lhe a tua liistoria, a qaal
acharão mais dioertitla.
Salndin conveia n'isto, mas com a condição de que os es-
trangeiros iriam a sua casa cear coni elle. Eslcs procuraram
escusar-se, como da primeira vez, pretextando a necessida-
de qiic tinham de roltar para o caravança ; mas venceu a cu-
riosidade do sultão, pariiii com o seu visir para casa de Sa-
ladin-o-Feliz, que, depois da cca, principiou assirn a his-
toria das suas aventuras :
a Ainda que eu náo me possa lembrar de nenlium acon-
tecimento feliz clri niirilia iiifancia, confesso que o meu so-
brenome me inspirou bem cedo uma granc'ie confiança e m
mim mesmo. A antiga ama cle leite de minha mãe, repetiu-
me, vinte vezes por (lia, que tudo o qlle e u emprehendesse
hwia de sortir bcim eí'feilo, porque era Saladin-o-Feliz, Tor-
nei-me presrinçoso !i temerario, e estes prognosiicos teriam
tido, sem duvida, uma consequencia directiimenle opposla
as intenções da ama, se, pela edade de quasi qiiinze annos,
eu náo me tiresse dado ao trabalho de rc~ilectirsobre a mi-
nha louca presumpc,ão, duraiiie uma prolongada d o e n ~ aque
d'ella se seguiu.
« IIavia enláo, na Porta um engenlieiro francez inlelligente
e habil, que era empregado lia corte do sultão,fqiie o es-
timava muito com grande admiração de muitos de mous
compatriotas pouco intelligerites. No dia dos annos do grã-
senhor, o sabio frai~cezfez queimar magnificos fogos de ar-
tilicio, q u eu~ corri a ver, assim como o povo de Consian-
tinopla. Consegui cliegar.me i nicsa, onde estava o francez;
o povo acercava-se á roda d'elle, e eu estava nos primeiros
logares. Disse-nos que, para que não nos aconleccsse algum
mal, seria bom qun nos afastassemos d'elle, acluertindo-nos
qdo nos exptinl.iamos a 8er gravemente foridos pela explo-
são das peças cle fogo. Fiei-me na miillia boa forliina e n l o
tomoi nenhuma precauç8o. Tive atb a loucura d e tocar em
LEITURAS POPULA~I~EY 158
algumas pcças da armação, que pegaram logo, dcrriibaram-
m e coin ciolenciri, e qiieítnaroiii-rne Iiorrivelmente.
a Eu consiilero, serrtiores, este accidetile corno uma das
mais fi:lizrs circcimsiancias da ininlia vida. Durante o tempo
que fui obrig*idoa cstnr de cariia, o engenl-ieiro franccz veiu
visitar-rne rriiritas vezes. lisn urii horaiein s;ihio, serisato e a
sua instriicliva coriversação aclarou as rilirilias iilbds., curan-
do-me (10s meus ridici~losprc!jtiizos, principalriieiite d'aqtirlle
com que me tinhain embaido desde a minlin irifaricia sobie
a influencia da boa ou n13 fortuna nos nc~ociosila virla. -
Não obslanto vos cliainardes Salailiri-o-Fcliz, beni vistos,me
disse ello, que o nnsso despreso rlo perigo vos poz ;is portas
da innrte na flor da e~latle.Segiii o rneii consellio : para o
futuro fiae vos mais na priidencia do que ria lortiirin. Dcixae
que todos \ ns cliamcrn Salaclin-0.I-cliz ; íniis ~ 4 srazei por
serdes na realitladc Saladin-o.Prutlcritc.
alSstas palavrits fizerarn.ilie lal iixil)ressão quc nunca mais
as risrlrici da iuetiloria, e mudaram inteir81rieritc o meu ca-
i'acler e as ~ninliasidCas. Meu irrnao Rlourad vos teri sem
cliivitla ciito qtianlas vezes temos discu~iilon Lheso ila pre-
destiiiaçGo; nunca nos podbmos convencer uni ao o ~ t r o ,e
vivernos separados ein corisequencia das riossas diversas
opiniões: 6 a isto que se deve al,lrihuir a clle as siias des-
graças e a mim u niinlia prospcridnde.
al3evo OS primeiros ensaios dii inirilia forluria, assirn co-
m o meu irrnao vol-o tcrA dito, a tirita csc;irlrite, com rloe
tive iiin irnm[lnso Irabi~lho eiii fazel-a tio posfeit;~, como
ella e hoje. E ~erdiideque por acaso ocliei o p6 no fiirido
das nossas jarras de porceliana: mas ali se conservaria sem-
pro sem valor, se eu nic não Oksse ao 1rab;illio de o utili-
sai.. Não ha diivida que 116s n8o podemos piql!\.&rnoni do-
minar os acontecin~entos;mas tainbeirt s~giiritloo m~lci pa-
recer, C do uso que fazemos das nossas fi~ciild:ille~, que do-
pende o nosso futuro destino ... Rlas senhores, par~ce.me
que vós prereris a contiriunção tla minha tiisloria ao araiizel
das mirilias refloxõcs moraes: sinto na vertlade iião tcr cou-
sas mais intesossaritos para vos corilar. Não ros diroi que
me perdi rio meio d'um dcserlo d'arêa, nutica tive, nem
fui viciinia da peste, nunca sofiri o rncrior naufr~igio. Pas-
sei toda a minlili vida dentro dos n ~ u r o sde Conslantioopls
do modo o rnais pacifico o mais uniformo.
156 LBITUBAS POPULARES

a0 dinheiro que recebi da favorita do sultão, provenien-


t e da venda da minha jarra, faz com que e u dbsse maio-
r e s proporl;ões ao riieii commercio. Entreguei-me todo 4s
transacções e fiz um grande esliido para agradar aos meus
numerosos compradores, por todos os meios licitos que es-
tavam ao rneii alcance. A minha industria e a minha politi-
ca excederam as minlias esperanças. Ern poucos annos es-
tava rico por meio d'este melliodo que tinha adopt~do.
aNáo vos quero entreter com os pequenos incidenles da
vida d'nm negociante, e vou jA tratar do acontecimento que
veiu mudar o aspeclo dos meus negocios.
uProximo do serrallio manifestoii-se um terrivel jncen-
dio. Como v6s, senhores, sois sslrangeiros, talvez não ou-
visseis faIar d'este acontecimento, que fez uma grande coris-
ternação em Constanlinopla. O magnifico palacio do primei-
r o vizir foi inteiramente consurnrnido pelas charnmas; o clium-
bo derretido corria ern lavas dos teclos da mesquita rle
Santa Sophia. As opiniões eram diversas a respeito d'este
tragico acoritccimenlo. Uns siippuiiham que era um castigo
d o céo imposlo ao sullào, por se ter esciisarlo de compa-
recer uma sexta feira na mesquita de Santa Sopbia; outros
o consideravam como um aviso do proplieta para não con-
tinilarmos na gucrra, em que eslavamos en-ipenhados; em
quanto que a generalidade dos politicos dos caffés se con-
tentavam com dizer que o palacio lititia ardido, porque as-
sim o linha determinado Maliomet. Salisfeilos com esta ex-
plicação n8o tomaruni nenhuma precauçáo, no caso que se
repetissem similt~antesdesastres. Nunca os incendios foram
mais frequentes do que n'esta opoca: era raro que se pas-
sasse uma noite, sem acordar aos gritos de: Fogo! fogo!
nO que fazia com que esles incendios fossem mais des-
astrosos eram os ladrões, que vintiam aiigmeritar a conru-
são, e que s e aproveitavam d'isto para irem roiibar as ca-
s a s incendiadas. Descobriu-se que miiitos d'estes malfeito-
r e s escondiam-se ;i noite, na visinliança do bazar, onde o s
negociantes mais ricos tinham as suas fazendas. Alguns d'en-
Ere elles foram apanhados na occasião. em que lanqavam ma-
terias inflammaveis pelas janellas; passados alguns momen-
tos, estas preparações irifernaes communicavam o fogo 6s
casas, que são todas de madeira e pintadas a oleo.
apesar de tudo isto, a maior parto d'aquelles que ti-
LEITURAS POPULARES 157
aham qne perder e que se deviam acautelar, continuaram
a repetir: a B vontade de h1ahomet;u e não lomavam a me-
nor cautella. Eu, pelo contrario, lembrava-me das sabias
advertencias c10 engenheiro francez, e sem descoroçoar dos
supersticiosos temores d'iim fatal destino, não me fiava 9s
cegas nii niinba estrella. Tomei todas as precaiições para
m e livrar i10 fogo. Nunca nie deitava sem que primeiro ti-
yesse examinado s e todas as luzes o fogos da casa estavam
apagados, e se tinha agua na cisterna. Pina:mente tinlia
aprendido do meu sabio francez que a argamaça molhada
era o meio mais promplo para alalliar o progresso do in-
cenclio, por isso tinha no meii palio uma quaritidadc, sciffi-
ciente para qualquer sinistro. Totlas estds precaiições me
serviram: o fogo não me pegou em casa; porem as casas
dos meus visinlios [oram victirnas cinco vezes n'um iriver-
no. Pelos meus esforços, ou talvez por causa das minhas
cautelas pouco tiveram qiie soffrer, e todos me consirlera-
ram como seu salvador e seu amigo. Fizeram-me muitos
obsequias e prcscntes que eu não qiiiz aceitar. Todos di-
ziam qiie cu era Saladin-o-Feliz, mas eii repellia este cum-
priinentn e tinha mais arnbiçao pelo nome de Saladin-o-Pru-
dente. Por isso o qiio nbs cliamarnos tiiodestia, não b miii-
tas vezes mais d o qiie o orgulho concentrado.
«Uma noite, tinha-me dernorado mais do que cosl~imava
a cegr com um amigo; não se via na riia ninguem seri30 os
passevans (guardas que vigiam de noite e que avisam quan-
do ha fogo): e a maior parle d'elles estavam meio adorrne-
cidos. Passando piSoximo d'um dos canos qiie coriduzem a
agua para a cidiide, ouvi o som d'agua que caliia; reparei
que era a torneira que não estava fecliada senão metade, e
por isso deixava sair a agua. Fechei-a pensando que a ti-
nham deixailo meia aberta por descuido, e continuei o meu
camii~lio;mas urn pouco mais longe notei a mesma cousa e
muitas vozes repetida. Corivcnci-me que isto não podia ser
o effeil.0 tl'cirn simples acaso, e supptiz que os malfeitores
se tifiliam combinado para esgotarem a agua da cidade,
afim de que se náo podesse extinguir o fogo, que elles lan-
çassem de noite.
aRefl(?cli por algum tempo no partido mais prudente quo
devia tomar. Eu não podia correr todas as ruas da cida-
de para fechar todas as torneiras que deixavam sair a agua,
Lembrei m e ao principio acordar os giiardas que decerto
dormiam nos seus postos; rrias reílccli depois qoc elles es-
tariam d'accordo com os incendiarias, porque, do contra-
rio, teriam observado e impedido esta perda d'agiia, ao
menos na sua visinl-iança. Decidi-me finalmente n acordar
um rico negociar116 meu visinlio chamado Darrial-%adB,qoet
tinlia ao seu serviço iiin graiiile riumero de escravos a quem
podia mandar nos diversos bairros da ciilailu, para preve-
nir os conloios dos incendisrios, e avisar os habitantes do
poiigo que os aii-ieaçava.
(Continha)

O AVARENTO E O RECATO
Certo avai'cnto giiarcla\>a escondidos seus tliesouros ao
sop6 d'uma coltina, e ~ericloque um regaio corria nlravez
do prado contigtio, banharido-o com suas frescas e cristali-
nas nguas, ilic faloti ri'estes termos:
-I-'ar-a que malbaratas, ern serviço alheio, a lymphn pura
e fresca? Qiie pserriio ou çalardáo esperas rcceber no dia,
em que estiveres esliaiistii? Qiic recompensa esperas das fld-
res, das arvorcs, dos p:issarinlios c d'essa campina? ?il:iis t0
valera, nas entranhas dii terra, abrir iim de[joçito profun-
do, e ahi, i s escondiilas de tortos, ir juntando tiias agiias,
neg;il-as a essa campina ingrata e devorril-as eniio, mais
prudente, com Iiyùropica \lista.
-Cila-to, veltio egoisla, cala-le, Itie tlissc o llrgoto, que
náo serei lentado pela t ~ i navareza. Não yiiero as luas noi-
tes perdidas; prefiro que a minha correrile socegada mur-
mure sem ciiid;iOo I)or eiilre a relva do campo; antes 9110-
ro semear Iierieficios por onrlu quer qiie voii piissando. Di-
zes que não 1150 do ler prcmio as miiihas fadigas: como te
enganas.
Olha; não v6a como as espigas so curvam reverentes
quando passo, como as fldres me beijam e os rouxiaoes mo
deleitam com suas harmonias.
E quando se actiam esgot:iclas as minhas aguaspormuilos be-
neficios, que tenlio feito, o COO beriigno entorna suas nuvens e
m e envia aguas a jorros. Guarda pois todo o teu ouro, e,
entretanto passas tua vida agitada noite e dia e vives em
LEITURAS POPULARES i59
continua tortura; eu tranquillo atravez d'este vergel corre-
rei murmurando orgullioso e alegre.
A avareza L! o vicio detestavel qzce faz dos coracões vis
um inferno; a cartdade 4 fonte ine:cgotavcl e a virtude por
excellencia, que, nas al~tzas~zobres,imprime a nzão da di-
vina 13rovidencia.

O FIDALGO E O RENDEIRO

Um fidalgo, sem ter prendas de que podesse gabar-se,


encarecia a certo lavrador, seu rendeiro, os merecimentos
de seus avoengos, como se fossem propriamente seus ; a
sua e ~ t i r p eera famosa, nobilissima e inuilo antiga a sua li-
nhagem.
Mas o labrego, que o era no trato, possuia um certofun-
do de' sensatez, e ao cabo de ouvir tanta jactancia, não p6-
d e conler-se que não dissesse.
-Peior mil vezes para vossellencia, porque, quanto mais
Ponge esli a semente da sua priineira especie, mais degene-
rada se apresenta.
Para que a /iifnlgnin se perpelzie
tt precpo qzre nos stcccossores,
a pratica llns boccs obras
sempre inallcrncel conti?zzíe.

GRAÇAS A DEUS 1
A verdade e a justi~a vão tendo, por toda a parte, do-
nodados campeões. E' porém mister qae todas as pessoas,
amantes dos principíos de ordem, se convençam, por uma
vez de qiie t6em em consciericia rigorosissima obrigaçio d e
promoverem, quanto e m suas forças couber, o dosenvolvi-
mento da leitilra sã e moral, quer seja por meio de livros,
recorihecidamente bons, quer seja por meio dos jornaes, que,
gragas a Dezcs, vão apparecendo em Portugal. Se os escri-
ptores teein obrigação e dever d e empregarem a sua irilel-
Iligencia no derramamento das boas doutrinns, os quo não são
160 LEITURAS POPULABBS

escriptores teem obrigaç8o e dever de lerem e inciilcarem


a todos, çotn afanoso empeniio, as publicações que se fa-
zem rio inluito dz advogar a santa causa da serdiide e da
justic;a.
O nosso Diario ~Yacio?ial, com quanto esteja na sua in-
âancia, sondando os mares, por que tern de navegar, não
flpl.iar-4 nunca 3 missa0 que s e impoz.
Demos-lhe tempo para robuslecer-se; deixemos que apren-
da a falar e saiba inerlir-se com os atl\ersarios, e depois se-
sri a~lreciado.Por ernquanto vae navegando em ca'nitrria pO-
dre. Quando as onclas/se Ilie encnpellarem na siia derrota,
fara todos os esSorr,os para ven8el-as, mas nunca virarri de
querena, para fugir A procella.
Agradecidos a todas as pessoas, qiie nos vieram ao eu-
coiitro, esperamos ainda que oiitrns mais h20 de vir trazcr-
nos animo, terito porque Iriiios a corisciei~cia (le que Ih'o
merecenios, como porqiie !t olirigaçJo de lodos ausiliarern
esles [~oclerososeletnerilos da \lerdadeira civiIis~ç10.
n'áo querenios conclliir scin mcncionarrnos rim jornal da
provincia, que, sejd C1110 sein metioscabo de ncril~umoutro,
rios terri merecido sernpre u m a attericJo muito especial, por-
qrie desde a sua appari~30ate Iiojo se tem mostratlo lirrnis-
simo rio scu posto c claro na manifestaçáo das siias ùoutri-
nas; fdlamos d a Alulada do T'ez, follia semanal qiic se pu-
blica em Arcos de Val dc Vez, que milito quizeramos quc
por lodos fosso lida.
Ali ngo lia perigo iIc beber-se veneno.
Não*siio muilos irif'cliarnente os jnrnaes que podem ser
lidos táo sern escrupiilo coino aquelle.
Qiie pena que e riso liavcr leiiores baslanles para ajuda-
rom os que sc rnetlem etil taes ernpreaas e alivial-os e m
seus sacriticios que sáo grt.n(lcs e iricalculavcis para quem
nunca ~ i o-que
u i! filzcr iim jorri;il.
C ~ m oa maior pnrle das pilssuris nGo poclerão a s s i p a r
por* si so' o DIAIIIONACIONAL, ,lernbrar~zosque duas ou vzais
pessoas da ~nçsrnalccalidade podcrúo utzijb-se e tomar zceaa
cassignatura para todos lorejn.
Na Livraria Ca'utholica,rua dos Capellistas n.O 78, se oen-
de e se assigna o Di(df8ioA7a~ionnl,COMO tambem se assi-
gnam outros muilos.
A Natividade de AiIaria,Mão de Jesu-Chrislo e Mãe inuito
querida dos Portuguezes deve ser dia de festa em Porlu-
gal: jh o era anles de 1868, e para uma grande parle dos
Portuguezes, não obslante haverem j i decorrido "2 annos,
ainda i! dia festivo, ainda se fazem festas e romarias. Pdde
dizer.se que todos os Portiiguezes, deseiam que o dia 8 de
setembro seja novameate, por decreto do Santo Padre, in-
cluido no numero dos dias santos de guarda.
A Senhora D. Maria Pia, quacdo chegou a Portugal o viu
que náo era sanlificado o Natal de Maria, eslranliou muito,
e moslrou desejos de que aquelle dia fosse dia santo. Ba
quem diga que alguma coiisa se fizera n'este sentido; mas
que se fizesse, ou que se nlo lizesse, 6 mister obser~larque
6 grande o desejo, que ha até luesmo anciedade porque se
torne ao anligo.
E tanto quu uma grande parte dos fieis andava em alvo-
roço, esperando que nos líalendarios viesse jA mencionado
L o dia 8 de setembro, corno dia santo de guarda e bem as-
sim o dia de S. Josi! a 19 cle março.
Miiitas pessoas Ecararn trisles, não vendo o que espera-
vam e agora s e moslrain desejosas de que appareça alguem
que suscite e promova a s o l u ~ ã od'este santo negocio, que
tantas sympathias encontra nos corações dos Porluguozes.
Vimos, pois, soltar a nossa voz, pedindo a todos os jor-
nnes que secundem o nosso grito, lembrando a todos os
senhores Prelados de Portiigal que sondem a opinião do seu
clero e das suas ovellias, e verido que ella eetA em harmo-
nia com o nosso lirado, so unam em communs esforçospa-
ra conseguirem que o governo de Sua Magostade obtenha
d e Sua Santidade que o dia 8 desetembro seja d'ora Avan-
te, como d'antes era, dia santo de guarda, e bem assim O
de S. Jose, ullirnamente declarado pelo SantoPadre Pio IX
Padroeiro da dgrejn Universal, conforme o desejo mani-
festado por innumeraveis e ardentissimas supplicas, as qiiaes,
em quanto s e celebrava o Sagrado Concilio Ecumenio do
' WOL. DO 2.' DECEPUNIO
1
. 1Sg3.18?'43
Vaticano, foram renovadas por fieis de todas as classes, e
que muito conv8m agora sejam repetidas pelos fieis de Por-
tugal afim de que se corisiga que o dia 10 de março seja
dia santo de guarda em todo o contineule, dominios e pos-
sessões do reino de Portiigal: taes são os nossos ordentis-
simos volos, que esperamos serão correspondidos e auxi-
liados por todos os nossos collegas da irnprensa e por to-
dos os fie s. Assim o esperamos e assim serli.

DEUS REVELADO NA BELLEZA DA NATUREZA


(Continuado d a paginn 132)
Dizeis.me que 6 cruel ter a a\lesinlia, para se alimentar,
d e roubar a vida ao insecto! V6iles n'isto iim mal, e eil ve-
jo um bem, vejo a providencia de Detis, velando pela nos-
sa conservação, pela nossa saiide, pela nossa felicidade.
Vamos dernonslral-o. Sabemos que, lodosos dias e a lodas
as k~oras,a folha secca estd caindo da arvore, a flbr dil has-
te, que ris campos estão sempre lang:indo d e si miasmas
putridos, que o homem e animaes est3o sempre exbalarido
a r corrupto, residuos, qiie a vegetaçio contem p:irlicii-
Ias venenosas que se derramam pelo espaço; e de tudo isto
resulta o corromper-se a almosplicro, a ponto de tornar-se
tão prejuilicial i vida qiie morreriamos lodos, se não Irou-
vosso qiiem a piirificasse.
Daus porkm que e pae, que n3o esqiiece nunca nem o
maior peccador, deu-nos purilicadores da atmosphera, e os
insectos são iins d'elles.
Creou os insectos e cleu-llies uma natureza tal, que pos-
sam alimentar-se coin aqiiiilo que a riós nos prejudica, de
maneira que elles absorvem o que lia de mau na atmospll~-
ra e assim a limpam de tiiclo o que iios clamnificaria a vida
e saride. Mas, coino elles vivern do que 6 mari, tambem nos
fariam mal, se existissem em graride iiilnioro e por m~iilo
tempo, porque depois de absor\?erem o mal concluiriam por
nos roubarem o bem, como aroma das flbres e dos friictns;
e albm d'isso começariam tamhcm por fim a expellir mias-
mas putridos; pois, para assim ri50 acoiltecer, deu-rios 1)cus
as avesinbas, q u vem
~ livrar-~ofid'aquelles bichos pernicio-
LEITURAS P O P U L A I ~ E S 163
sos depois de certo tempo, e demais a mais a encher-nos
de harmonia, com qile nos encantam os ouvidos.
NIo lia aqui um grande bem a par d'uma explenclida bel-
leza? 1\30 vemos aqui unidos o util ao agradavel? Não vemos
nas avesinhas uns entesinhos, que nos deliciam os ouvidos
ao mesmo tempo que aos cuidam de melhorar a esisten-
cia?
Quando as avesinhas cantam, deviamos nOç sempre leni-
brar-nos tle Deus, coni respeito e amor, adoração e reco-
nhecimento.
Mas não bastam os insectos para purificarem o ar. E n'is-
to náo ha descuido da parte de Deus! ha ainda a mesma
providencia. Se Deus creasse os insectos nccessarios para o
purificarem, seria taml-iem necessario crear avesinhas si-ifíi-
cientes para os devastarem, e dava-se entáo o caso d e s c
povoarem os campos e os ares de tantasaves que inutilisa-
riam ao homem as sementeiras, porque Ihes co~surniriamo
gráo que confia da terra e os.fructos, que se desenvolviam
nos campos. Deus creou por isso um meio para preencher
esta falta.
E este meio foi a tempestade.
As trovoatlas teem por principal fim o purificarem o ar;
as materias, que formam todos os olementos para ellas são,
em grande parte, prejudiciaes i saude; Deus, pondo em
movimento a atmospliera por meio da agitação da electri-
cidade, e reunindo n'um ponto materias heterogeneas, faz
produzir o trovão e desenvolve em torrentes cle cliuva uiii
elemento, que, para assim dizer, vae queimando o iilal que
encontra e lavando o bem que fica. E por isso que nOs,
depois d'uma tempestade, vemos a atmosphera mais trans-
parente, os sons são mais harmoniosos e o ar mais puro.
E' pois com ração que o povo olha com respeito para a
tempestade; ainda que ella por vezes nos ameaça a vida,
traz-nos sempre um grande bem para a propria vida. E' um
meio extraordinario, por isso mais devemos respeitar o
adorar n'essas occasiões Aquelle qile, mesmo quando nos
manifesta o seu magestoso poder é nosso bemfeilor e pae
ostremoso.
Falaremos agora das montanhas, j& que muitos dizom
que era melhor e mais bonito qua os campos fossom pla-
164 LEITURAS POPULIRES

nos para não haver o trabalho de subir e descer e para evi-


tar oiitros inconvenientes.
(Continúa)
c--

Uin mancebo, edncado em completo isolamrnto, niinca


iinhn ouviilo inusica. Uma grande enfermitiade lhe fez percicr o
ouvido, por isso foi levado B cidaile a fitn de s e r curado d e
sua surdez.
Airida em :orneço da ci~rn.foi levndo por seu pac n ouvir
ilm concerto. O siirdo, vendo os movimentos e gestos dos
execulentcs, des;itou n rir ; e, perguntando o que fazia
aqnella gente, 1Iie fizeram cnmprelinrider que loca~arnuma
peça i!e miisica : o surdo dizia a todos que a musicu era
a cousa mais ncscia e mais ritlicula do miindo e que nfio
podia cornpseIir,~ider qual o fim n q i ~ es e proporiliam, es-
fregando uns irislrumentos contra os outros, assoprnnrlo
n't~ns, baiendo n'outsos, sem qiie isso iiatla prodcizissi?, e
concliiia o surdo que os miisicos eram verdadeiros loucos.
Cliegori a curar-se da sr~rclez. Voltou novaniente ao con-
certo ; qual ri30 foi a sua surpreza, i]Liaes rião fornni os seus
transporlos I Cotnpieliendeu entRú a rasgo tle liido quaiilo
lhe linlia parecido absurdo : cada rriovinlento dos dedos,
cada sopro produzia o sei1 effeito, e todos esses effeilos re-
unidos forniavcim um corijuricto arreb:ilador.
Um respeilavcl aucifio, que ali estava, disse a ilrn seu
filho :
- Niinca te esqiieçns das palavras tl'esso joven ; r, se a l -
guma ~ c forrs
z teritado a julgar os meios que a Providencia
divina emprega, ou a qiieisar-te d o que succede, observa
qiie nós, com respeito ,7s ol~riisd e Deus, estamos no mc!srrio
caso, em que se aclra u m surdo, que assisto a u m concerto.
Considera qne, quando s e nk~rirc:rii nossos olhcis depois d a
nossa mnrLe, ilercrilos que inein:i no mundo urna harmonia
mais perfeita qiie n do rnais Iiarrrioiiioso concerto; e que, se
agora o riao corilieccrnos, k poriliic: estarnos cegos da rnesnia
fórma clile o joven que era surclo.
'es3-
O MARTYR DO GOLGOTEA
(Continuado da pag. 143)
CAPITULO IV

Nem uma sO nuvem empanava o claro horisonle da Pa-


lestina. O sol do meio c10 ceo banhava com a radiante luz
dos scus raios as escabrosas cordillieiras e as ferteis plani-
cies da Samaria.
E 1, ao longe, cla parte de Leste, se estende uma nuvem
cinzenta, que, A similbanca d'um comprido pescoço de co-
bra, merçiillia a enorme cabeça nas azuladas aguns do lago
d e Genezarelli; em quanto a sua enroscada cauda vae se-
pultar-se erilre as pezadas e malditas aguns do mar liorto.
Aquella cinta ile rede fluctuantr, aquclla manga de pO q u e
parece brotiir da terra, eram as nevoas do Jordáo que se
elevavam ao ceo em vaporosas e liumidas emanações.
Dimas coniemploii ein silencio o grandioso panorama, q u e
se estendia anto seus olhos.
De vez eni quando, seus olhares fitavam-se no tetrico e
soli tario cas tello.
A sua cerrada porla, as suas ameias dosertas, os setis
derrubados muros, davam-lhe o aspecto d e uma d'essas
mansões ~ a l d i t a s ,cujas sangrentas tradições afaslam com
espanto clos seus arredores os medrosos habilantcs das al-
dGas, os ingenuos e supersticiosos apascentadores dos
gados.
Dimas, firme no seu proposito, depois de so certificar de
que o seu punlial permanecia escondido nas pregas da tu-
nica, desprencleu do cinto uma luricla feita de folhas de pal-
meira secca, poz uma pedra de trespollegadas de diametro
na bolsa da funda, e depois, fazendo-a girar como um mo-
linete sobro a cabeça, enviou o projcctil para dentro clo cas-
tollo por cima das muraltias.
Esperoii alguns momentos, mas ninguem assomava aos
torrcões.
Tornou a rcpctir por tres vezes a mosma maiiobra ; mas
estas, como a primeira, tiveram o mesrno resiiltado.
-O castello estli sO, disse comsigo; e um sorriso estra-
nho lhe assomou aos labios.
Depois conlinuou falando comsigo :
166 LCITUilA8 POPULARES

-Bom fôra que uma creança, como eu, sc apoderasse


da bolsa d'esses rapazes barbados que fazem tremer sO com
o s seus nomes os impios e effeminados romanos, os torpes
e cobardes lierodianos, e os indefensos mercadores do Nilo,
Euphrates e Jordão.
Dirnas, depois de murmurar estas palavras, ficou um mo-
mento pensativo.
Depois passou a mão pela testa varlas vezes, e desem-
bainhando o comprido punhal e deitando saliva sobre uma
penha, s e poz com tranquilidade a afiar a ponta do instru-
mento que vingara seu pae.
-Eia, valor, Dimas; a morte é um momento ; a vida é
1oi7ga e pesada quando s e tem fome e se dorme em despo-
voado.
E, dizendo isto, encaminboii-se resolutamente para o cas-
tello, em cuja porta descarregou tres fortes pancadas com
uma pedra que apanhára ao passar, muito de proposito.
Ninguem respondeu.
Entáo, certo de que o castello s e achava abandonado,
examinou escrupulosamente o muro que o cercava, achou
um pedaço derruido, pelo qual, ainda que não com muita
facilidade, podia escalar-se a fortaleza pelas muitas fendas
que as junlas das pedras apresentavam.
Com o punhal nos dentes começou a trepar pela mu-
ralha.
h mão que houvesse fraqueado, uma pedra que se hoa-
vesse despegado, a sua morte era certa ; o sou corpo, ro-
lando de abysmo em abysrno, se teria desfeito em sangren-
tos pedaços contra os salientes bicos das roclias.
Por Em, depois de incalciilaveis dilfic"udadea, chegou ti
plataforma da muralha, coberto de suor o rosto e ensan-
guentadas as mãos.
Uma vez ali, percorreu em vão os estreilos passadiços,
a s desertas camaras da tetrica fortaleza, sem encontrar o
cobiçado tliesouro que sonhara. Os seus rnoradoi4es deviam
ter indubitavelmente algum sitio destinado a occilltar os seus
roiibos; mas este sitio sb a elles ou ao ac:iso era facil des-
çobril-o. Dimas perdeu a esperança de o encontrar depois
de tres horas de minuciosa busca.
-Tudo me indica que esta guarida 6 habitada pelos ban-
didos sarnaritunos, disse comsigo; vi ossos frcscos de car-
neiro espalhados pelo chão e fachos resinosos recentemen-
t e apagados, mettidos nas suas argolas de ferro; 6 o mes-
mo; vim por ouro e não o encontro; esperarei que regres-
sem, e elles in'o darão; em todo o caso eu preciso d'um al-
bergue ... ser4 esle castello.
Encaminhou-se então para uma estancia, que jrj. antes ti-
nha visto, e que, segundo o seu calculo, devia ser a cosinlia
e casa de comer dos bandidos.
Apenas ali chegou, começou a revistar cuidadosamente
todos os escuros cantos d a cosinba, e náo tardou muito a
descobrir uma perna d e carneiro pendurada n'um gancho
de ferro.
Seguiu Bvante nas suas investigações, e successivamente,
achou amphoras com agua, odres de vinho e saccos de mi-
lho em varias concavidades abertas na parede, e que, i pri-
meira vista, não tinha distinguido por causa da escuri-
dão.
Aquillo era a dispensa dos bandidos, eDimas quiz apro-
veitar o tempo.
I-irmemenle resolvido a csperal-os, encaminl-iou-se para
a fornalha ou lar, que s e achava, segundo o costume dos
hebreos, no meio da cosinba, e com grande alegria sua viu
.que reliiíziain entre as cinzas algumas brazas.
Nas extremidades do lar achavam-se alguns troncos de le-
nha secca, entre os quaes s e viam algumas achas eçpalha-
das.
Dimas reanimou o fogo e acendeu uma acha, porque n7a-
quello sitio a claridade era pouca.
Então collocou a perna suspensa d'um espeto junto 5
chamrna, e, emquanto se assava, amassou uma toria com a
amarella farinha e agua dos odres.
Meia hora depois o orpliáo aventureiro comia tranquila-
mente e libava o delicioso sumo da vide sentado no meio
da cosinlia do castello.
N'esta tranquila occupação se achava o atrevido Dimas,
quando percebeu um ruido surdo nas profundidades d a
terra.
Dimas, depois de fixar por um momento a attenção, con-
tinuou a sua interrompida cêa, fazendo um movimento d e
hombros com indifferença.
O Fuido aproximava se cada vez mais.
168 LEITURAS POPULARES

Dir-se-hia que muitos homens falavam e arrastavam pe-


sados fardos por baixo da terra que lhe servia de base.
De prompto ouviu-se um ranger estranho e aspero no
pavimento, corno se um ferrolho ou barra de ferro enfer-
rujada se houvesse corrido.
O orplião continiiou comendo, só por precaução pegou
no punhal que se achava junto h comida, e pôz-se a picar
com a ponta a dura pedra que lhe servia de meza.
De subito abateu iim pedaço de solo, e Dimas viti aber-
ta a seu lado uma boca do diametro d e cinco pés quadra-
dos. Diias mãos so apoiaram na borda d'aquella abertura,
e logo a[lparerjeu a cabeça e depois o corpo d'um liomern,
que sallou com li-ireza dentro Qa cosinha.
Este liornem nao viu Dimas, foi voltando-llie as costas,
inclinoii o corpo sobre o boraco, e eslendendo os braços,
aos quaes se agarraram outras mãos, puchou para si com
força, e outro homem saltou da cova cosiilha, e assim
successivamente, ajudando-se uns aos outros, sairam, como
se a terra os ~omilara,quatorze foragidos de repugnante ca-
tadura, de sujo e descomposto trajo.
O primeiro effeito que produziu nos bandidos a presença
d'um homem que comia tranquilamente na sua guarida, foi
o assombro; mas voltando a si instantaneamente, soltarbm
um rugido, e desembainhando os comprídos piinhaes, se
arremeçaram sobro Dimas; porem este d'um salto se poz
em p6, e retrocedendo alguns passos com a faca na mão lhss
grilou com. firmeza:
-Eli, companheiros l... Os lobos não devem morder-se
uns aos outros I . . . E depois o desagradecimento 15 um dc-
feito desprezivel. Pelos cornos do aliar de Sionf ... Com que
vos preparei a cCa para vos poupar trabalho, c quereis ma-
tar-mo em paga do serviço volui~tario, que acabo de pres-
t a r . ~ ...
~~?
Os bandidos olharam-se uns aos outros rom assombro.
Aquelle olhar podia traduzir-se por esta pergunia:
-Quem 6 este loiicu?

ONDE DIùIAS Ei\IPENIIA A SUA IIONnA PARA PAGAR O PUNIIAL

Entre os salteadores, entre essa gente que arrisca avida


LEITURAS POPULARES 169
a carla hora e crava o ponha1 no peito d o seu proximo com
a mesma indifferença com que bebe iim copo d e vinho; en-
tre essa raça de miseraveis qne cresce nos presidios e mor-
re no cadafalso; nada k tão digno de admiração, de assom-
b r o e ale de respeilo, como o valor~pessoal.
Aquelle joven imlerbe, quasi uma criança, olhava-os com
o s olhos serenos e o sorriso nos labios.
O seu coração, e seu espirito, actiavarn-se tranquilos ante
a s aceradas pontas dos puntiaes, que lhe ameaçavam a ca-
beça, que podiam exterminal-o.
Depois, sò um homem extremamente valente e atrevido
podia ter assaltado aquella mansão de liorror que elles ha-
bitavam, tlieatro das suas vandalicas scenas, e espanto dos
camponezes samaritanos.
Todas estas reflexões passaram indubitavelmente pelas
obtusas e sclvagcns imaginações dos bandidos, e sem o po-
derem explicar, sentiram certa sympatliia, certa admiração
para com o atrevido mancebo, qiie tinliam diante, desafi-
ando o sei] poder, e que Ihes capbivrivam os corações colli-
gados pela sua vida de crimes e de sangue.
-Ninguem lhe toque! exclamo~ium dos bandidos, ciija
barba branca, gestos altivos e luxuoso trajo diziam bem
claramente que devia ser o capitão. Quem eu? Ilie pergun-
tou, depois de o examinar atlentamente com olhar de aguia.
- Sou um companlieiro vosso; um joven que começa o
officio honroso e Iiicrativo que professaes; que, admirado
das vossas proezas, vem para que o aperfeiçoeis com o vos-
a o saber nos segredos da arte.
Os bandidos soltaram uma estrepitosa gargalhada.
-Rides-vos? exclamou Dimas, imitando a Iiilaridade dos
facinorosos. Alegro-me infinito; isso quer dizer que jh co-
meçamos a ser amigos, e por isso mesmo vou pedir-vos
um favor. Quereis empreslar-me virite onças romanas?
Os bandidos olharam-se, como querendo dizer: náo lia
d u ~ i d a ,estA doido este joven. Sò o capitão n5o mostrou
es antar-se com as palavras de Dimas. 0s segs olhos pe-
P
n e rantes e phosplioricos, como as da ave de rapina occulta
nos matagaes d'um valle profundo, se fitavam na filanca e
aitiva phisionomia do joven d'um moclo tenaz.
-Comprelienílo o vosso assombro, torno11 a dizer Dimas,
depois du urna pequena pausa, vendo que ninguom lhe res-
170 LEITURAS POPULARES

pondia. Antes de vos pedir dinheiro, devia ter-vos explica-


do o motivo, que me obriga a solicitar um emprestimo, a
primeira vez, que tinha a Iionra de tratar-vos; mas pelo
sombrio deus de Badaal, a quem todos pertencemos, VOS
supplico que tomeis assento e não me olhcis com olhos es-
pan~ados.
Dimas contou em poucas palavras o que, desde a morte
d e seu pae, lhe tinha acontecido em Jerusalem e suas cer-
canias.
Ao terminar a sua narrativa, o ve:bo capitão que ati? en-
tão s6 tinha descerrado os labios para prohibir isua gente
que fizesse damno ao seu atrevido hospede, deu uma ter-
ricel punbada sobre os joelhos, e deitando um punhado d e
prata nas mãos de Dimas, a qual tirou d'uma immensa bolsa
de couro que lhe pendia da cinta, exclamoii com voz caver-
nosa :
- Toma e paga a tua divida, joven, porque i? sagrada.
S e fores ingralo aos beneficias, Belsebuth ( I ) te envie as
suas asqoerosas legiões e devorado sejas por ellas; se fores
leal, Gad (3 te eleve sobre os raios da sua roda.
-Agradecido, anciáo. Dimas te provará que não semeaste
o favor em terra infecunda.
- O meu nome 13 Abaddon (7, sou samaritano, não o
esqueças; com a mesma facilidade estendera a mão para
proteger-te, como para exterminar-te.
- N3o hei de esquecel-o. Agora dd-me a tua permissão
para partir; antes de quatro dias a lua estari cheia, e d'aqui
a Jerilsalem ha tres jornadas longas.
-A paz de Deus seja comtigo durante a viajem, respon-
deu o velho ; e depois, dirigindo-se a um dos bandidos,
continuou: Uries (9, acompanha este rapaz pelo subterra-
neo ao caminlio cruzeiro dos romanos.
- Vendamos-lhe os olhos? perguntou Uries ao seu capi-
tão.
Abaddon olhou um instante Dimas, e este supportou
(1) Belsebuth, ido10 ou deus dae moscas, adorado pelos philisteus.
Chama-se assim porque se infeitava de moscas por causa de estar
sempre rociado de sangue (Lamy, Appa~adoBiblico, liv 111, cap. I.)
Idolo da fortuna.
Abaddon, anjo axterrninador.
Urien, fogo do c&o.
LEITURAS POPULARES 172
aquelle olhar com tanta nobreza, com tal serenidade, que o
capitão, dirigindo-se ao bandido, disse :
- Eu fio-me na sua palavra; não lhe vendes os olhos ;
leva-o pelo caminho comprido.
Uries levantou o alçapão e desapareceu por elle, seguido
por Dimas.
Ambos caminliaram por espaço de meia hora por um
subterraneo.
O caminho era escuro, a atmosphera pezada e salitrosa
u esfriava com os seus vapores a fronte dos dois cami-
nhantes.
-Por Jacob, exclamou Dimas, que, se não mc dás a mão
para m e giiiar, creio que vou deixar os miolos em alguma
d'estas roctias, que ameaçam cair sobre as nossas cabeças.
-Toma e segue-me sem medo; o piso é suave, e a abo-
bada 6 táo alta que Goliat e Saff, se não houvessem mor-
rido, poderiam passar sem curvar a cabeça.
E, dizendo isto, o bqndido lhe deu a ponta da capa ou
manto, que Dimas agarrou.
De vez em quando o joven aventureiro sentia sobre o
rosto um arminho fresco, o que lhe indicava que alguns
boracos abertos na rocha permiltiam a renovação do ar
n'aquelle caminho subterraneo.
-São respiradoiros estes sopros de vento que se sentem
d e vez em quando? pergiintou Dimas com naturalidade.
- São caminlios que conduzem a saidas differentes tla
que buscamos.
011, se os soldados de i-Ierodes chegam algum dia a des-
cobrir a nossa guarida, trabalho hão de ter para nos en-
contrarem I
Dimas comprehendeu que tratava com homens prudentes
e enkendidos no oficio, e isso o alegrou.
Por fim o bandido parou, dizendo:
-Ja chegiinos. Ajuda-me a levantar estas pedras.
Dimas obedeceu-llie, e pouco depois viu os raios da lua
que luziam como fios de prata sobre o dilatado valle, que
se estcndia a seus pks.
Olhoci em torno do si para reconhecer o terreno e disse
ao seu giiih:
-Náo vejo o castello.
- Acl-ia.se da parte opposta do monte. Mas não perça-
172 LEITURAS P O P U L A ~ B S

mos tempo; hoje andamos muito e o somno raboia-me en-


tre as sobranceltias.
-Vamos pois.
E começaram a descer a rocha como duas cabras mon-
'

tezes em direcção A planicie.


A nnite era clara e tranqiiila, c o zepliiro nocturno mal
tinha força para agitar as fulhas das arvores.
-Til que seris pratico no ciirso dos outros, perguntou
Dimas ao companheiro, a que altura nos acliamos da noile?
Uries olliou o cio e depois disse:
-E cedo; achamo-nos ;i cabeça cla osgelis (I); antes que
chegue a hora do gallicilaio (9poderis acliar-te em Bethel.
Uma vez ali, camintias sempre para leste, bordejando um
regato, que le condiizirA 3s margens tlo Jordlo.
Logo torces em direccão ao sul e ate enconlrares JorictiO;
e de Jericliit a Jerusalem ninguum se perde, porque as ca-
rayanas abundam, e depois a via romana te conduzirti i
cidade sanla; ainda que eu vou dar-te um consellio:
Os caminhos feitos pelos romanos, que Deus vivo con-
funda, não nos convem a nós tanto como as veredas in-
transilaveis dos lobos. Crê-me, moço; mais vale caminhar
só pelos bosques que acompanhado pelos caminhos de Cesar.
- Dou-te os agradecimentos e seguirei o teu conselho.
- Entilo a paz seja comtigo, porque j i cliegirnos ao si-
tio, onde B preciso separarmo-nos. Segiie esta senda, que
ella te conduzir5 a Bettiel; a noile é clara, e dormiildo nOs
a terra de Samaria esti ~ n a i ssegura que Ó palacio do Idu-
meii (3).
-Antes de nos separarmos, quero fazer-te oma pèr-
gunta.
- Fala.
- Qualndo regresse ao castello, por onde devo introdu-
zir-me n'elle?
-Pala muralha, como fizeste hoje. S e não estivermos,
espera.
-Esta bem, atè d'aqui a alguns dias.
- JehovA te guie e te saia tudo como dezejas.
- O mesmo te digo.
Dimas tomou a vareda que conduzia a Betl~el.Uries en-
camirilioii.se pela empinada ericosta em direççáo A sua gua-
rida.
O bandido murmurou para si estas palavras ao sepasar-
se do orphão.
-Este rapaz brii fortuna ; i? atrevido, e aposto o meu
punhal de D;:rnasco e a parte do roubo qne rne cabe n'um
anno, que todos os meus companheiros lhe desejam boa
sorte e feliz regresso.
Dimas, emquniito can~inliava, dizia a si mesmo, acari-
ciando as moedas de prata, qiie lfio generosainenle lhe em-
preslira o capilão dos bandidos :
- A minha primeira aventura saiu melllor 11s que espe-
rava; com este dinheiro poderei ficar com honra, e s e en-
contrar o cadaver de nieii pae, dar-111e u m sepulchro digno
ù'elle. Eia, aprossernos o p ~ s s o ,pois diz o clictaclo que o
que paga descança.
(Con tinúa)
<- -

Furtar ao mcsmo ladrão e fazer com que elle reponha


fielmente o que tinha levado coiri nião eng:inoça, lein tanta
graça que move a desejos de premiar-se. N'eslo genero não
ha melhor inventada siibtileza, que a que scfere um ~losso
historiador grave, falttndo (10 grande erigenl~o,de qiie a na-
tureza dotou os Gliinas. Foi o caso que, na Cliiria veili certo
ministro real por visiladoi' c1'um;i cidade : pelo qual of%cio
lhe ganliou tal odio o governador d'ella,. que desejava em-
pecer-lhe om qiianto podesse, e destruil-o : aincla que os
signaes, que d'esta op;1osic;30 dava, não oram manifeslos;
conforme o genio d'aquella nação, que deselira um comer
as entranlias a outro, e comtudo Ilio n30 faltari a iiiri ponto
de cortezia, e se assenteri por convidado li sua mesa. Cor-
rendo pois aqiielle visiiador com as obsig:ições d o seu tri-
bunal, cle repente adoeceo, e n8o despacliava, ainda que
fosse qualquor papel ordinario.
Durando islo tempo consideravel com o delrimento das
partes, quiz um seu amigo saber a causa. A este fim pro-
curou visital-o : porem o accesso lhe foi negado, por se-
174 LEITURIS POPULARES

creta ordem, que o mesmo ministro tinha dado a seus cria-


dos. Com esta repulsa entro11 em vehemente suspeita d e
que a doença era supposta, e d'aqui inferia que a primeira
origem era mais alta, e por ventura sem conselho alheio se
faria irremediavel.
Valeu-se pois da importunaçáo, e veiu emfim a entrar; e
perguntou-lhe com ingenuidade amigavel a causa de haver
cessado de exercer as obrigações ao seu cargo. Allegou 10-
go o outro a desculpa da sua enfermidade. Eu não vejo, re-
plicou. o amigo, signaes alguns d'isso, pois a mesma vizita
me esla desenganando : bem vcis podeis abrir comigo, que
pdcle ser vos aconselhe ultimamente.
Deixou-se emfim o ministro sangrar, porque a lanceta d o
amigo vinha bem apontada, e já lhe tinha bem apertada a
fita com suas repetidas instancias.
Sabereis, disse, que tinha o sello real n'um cofresinho
fechado : e um dia, ao querer usar d'elle para urna provi-
são, não o achei dentro, sendo que o cofre fechado estava
como d'antes, e estou certo que o deixei dentro.
Fiz occultamente para o achar quantas diligencias me en-
sinou a importancia do mesmo caso, e a afflicção do meu
animo ; porem todas ate agora foram baldadas. Se isto rom-
pe fdra, bem sabeis que me perco, e toda a minha casa;
porque certissimamente (não falando nas mais penas) me
depõem do officio, e fico desacreditado, e incapaz de subir
aos mais bancos.
N'estes termos me não occorreu mellior arbitrio, que fin-
gir-me doente, para escusar-me de sellar papeis; e negar-
me a visitas, para escusar examinadores da doença. Bem
vejo que não é remedio duravel, mas occupa tempo, que
6 o inventor d e todos.
Adinirado ouvia o amigo esta proposta ; o depois de con-
siderar iini breve espaço na difficuldade d'ella, sae pergun-
tando : tendes algum inimigo n'esta cidade ? Sim tenho, res-
pondeu elle, o governador d'ella ; supposto que não temos
chegado a descomposiçáo alguma.
Ora pois, tornou arnigo, sem falta, nem detença alguma,
fazei o que vos digo. Mandae recolher a alguma parte mais
segura i10 vosso palacio o mais importante e precioso do
vosso fato. e pela outra, que ficar despejada, pegae fogo,
como se fora inceridio casiial.
O gbvernador lla de ser dos primeiros que acudam a apa-
gal-o; e senão acudir, atli tendes coni que os \litigar d'elle,
denunciando que fallou a esta sua obrigação.
Santo que vier, clamae em altas ~oze,scom O cofresinbo
nas máos, dizendo.llie qiiue se entregue do sello real, para
o salvar ; se elle o náo aceila, tendes desculpa notoria, di-
zendo haver-se queimado, oii perdido por culpa do gover-
nador rrqueriilo a esse intento.
Se o aceita, quando vos tornar a fazer entrega d'elle,
abri-o diarite de tesleinunbas. E ent50, ou o sol lo não rem
dentro, oii vem, como enlcndo que 6 o mais cerlo; senão
vem o sello deritro, seinpre tendes acção [~~zblicacontra o
governador, descarregando sobre elle a culpa, quer elle a
tivesse, por náo restilriir, quer a não tivesse por não haver
fllrtado o sello. Mas se o sello vem dentro, tendes arreca-
dado o furto, e desciiberto o ladi.50.
Contentou de modo o facil e bem diiigido d'este arbilrio
que o ministro logo o deu ci execução. Atea-se o incendio,
rompem fbra imirhensas linguas de fogo i ~ i l co publicaram,
crescem os clamores de dentro e de f h a , amotina.se a risi-
nhançn.
1V3o tardou o governador, bem alheio do que de sua casa
ainda que, distanle, se tiavia de alijnr a principal peça, e m
que aquelle fogo prendia.
Não poda escasar-se de deposilario do cofre, sem em-
bargo de saber que este o n3.o era do sello ; affectando ít
mesma psornptidão e respeito, como se estivesse ali ancer-
rado; visio qiie não havia logar de liusclir chave, e regis-
trar o qiie recebia.
No segiiinlo dia apagado o incendio, vem o cofre com o
sello dentro, que elle tinha roubado por interposia pessoa
com cllave falsa. E cada um fechou debaixo da do silencio
a malicia do outro, por não descobrir a propria.
Eis aqui em praxe a sentença de Salomão nos prover-
bios :
A rectidáo dos justos os liorará, e no seu Tjzesnzo Inço
serão colhidos os irytpios.
176 LEITURAS í'oPuI.AnEç

OH QUEM DERA

Vagando a abbadia de S. Dionysio em Paris muitos a


pretenderam por ser esposa illi~stree com bom dote.
Foi logo o prior da mesma casa ter com el-rei Philippe, e
pelo modo mais cortezao, que soube, lhe insiniioii serviria a
sua magestade com quinhentos marcos de prata, dignando-
se de apresenlal-o n'aquelle logar. El-rei dissimulou, e dis-
se-lhe com algum agrado : entregue o dinheiro ao meu tbe-
soureiro ; e assim se fez.
Veiu ultirnamentc o sacristão-mór armado tambem com
as mesmas armas brancas, que eram outros quinhentos e
lhe respondeu do mesmo modo.
Nomeado o dia, em que el-rei hacia de ir a capitulo fa-
zer a ap~.esenlaçóo,pozeram-se a pai. d'elle os Ires preten-
dentes, sem saberem iins dos outros, e cada qual, tendo
por certo que, em abrindo el-rei a boca, era constituido ab-
bade.
Correu elle com os olhos o capitulo, e reparou quc es-
tava no ullimo logar um monge desprezivel, que, ria mo-
destia do rosto e quietaçáo do corpo, mostrava estar ern
presença de Decs.
Charnou-o, e disse-lhe: Eu VOS nomeio por nbbudc. Fi-
cou o pobre assustadissimo, e começou a allegar sua total
insufficiencia. Porém com isto se confirmou mais o rei di-
zendo : Vós que entendcis que não servis, sois o qzce servis-
Emfim houve de aceitar violentado: mas logo declarou.
que a casa tioha grandes empenhos, os quaes elle por po-
bre 1130 podia satisfazer, a como religioso náo determinava
implicar-se em negocios seculares para esse cffeito.
Então o rei mandou ao seu thesoureiro, que vazasse os
saccos da moeda, cjue recebera em deposito, e disse para
o novo eleito : Aqui tendes rnil e qlcinbsnlos marcos do prn-
ta ;quc se da cnsn sairarn, bem L' que par11 a casa tornem;
e ezc durei o mais qzce vos fdr necessnrio.
01~qtcem dera que sempre assim acontocesee, e náo an-
dariam os pretendentes comprando empregos e buscando
enipenlios para elles, mas antes procurariam ler rnereei-
menlos pard screni procurados e nomeados para os Ioga-
res.
LEITURAS POPULARES

A TESTA DA NATUREZA

P O R J O Ã O D E LERIOS

Traz gala o monte; os valles se aieatihin


Ri-lhe o ceo todo, a natureza é d'elle.
A. F. ~i.: C~TILJIO.-Primavera.
Dos montes as suas espaldas
JA se vestem de esmeraldas,
Onde a aurora vem chorar,
Perde o ceo antigas iras,
E já se alastra em snphiras,
Que manso retrata o mar.
Ji do seio da floresta
S e escuta um hymno d~ festa
Ao erguer e ao pbr do sol;
E' a lyra das ternuras,
Que desfere enlre verduras
Trovador o rouxinol.
Pula o cabrito na v e i p ,
Arrulha a pombiuhit meiga,
Sae a rosa do embrião;
Arde o peixo no oceano,
E no bosque o ligi'e hircano
Aeorclou com coraç'io.
Das balsas nos ninhos novos,
A mãe plumosa aos seus ovos
Di do peito alrs,o calor;
Leva o zaga1 ii zagala
Um malmequer qne lhe fala
As falas do seu amor.
Remoçada a ruga e ruga,
Santo velho as c% enxuga
h' restea do seu casal;
Nas leltras da natureza,
Ora solelra a riqueza
Ora a pobreza annual.
Das boninas 8s violetas
As pintadas borbolelas
Andam doidas a saltar;
Que voadoras florinhasl
Dizem rindo as criaiicinhas,
Morrendo pelas caçar.
Na corrente chocalheira
Vae a flôr da amendoeira,
Que fresca briza apanhou:
Mas tão travessa como ella
Colhe-a n'agi~alima donzella
E - Primavera! - bradou.
Primavera! Primavera!
Brada o hemetq, brada a fera,
Vendo-a na lerra e no ceo;
Tudo e gala, tiido G riso,
Que um risonlio paraiso
Nos mostra o erguido veo.
Sê bem vinda, s6 bem vinda,
To do anno, 6 noiva linda,
E mocidade e prazer;
Traz-me aquellas tardes tuas,
Aquellas noites e luas,
Que fazem o teu poder.
Sê bem vindav minha amada,
Toda em perfume banhada,
Toda alegria e frescor;
Quero cingir-te um abraço,
E depois no teu regaço
Adormeça o trovador.
LEITURAS POPULARES

IIOAS NOITES
POR JOhO DE DEUS

Estava uma lavadeira


A lavar n'uma ribeira,
Quando chega um caqador
-Boas tardes, lavadeira I
- Boas tardes, caçador I
-Sumiu-se a perdigueira,
Ali n'aquella ladeira,
Não me fazeis o favor
De me dizer se a brejeira
Passou aqui a ribeira ?
- Olhae que Cessa maneira
Até, um dia, senhor,
Perdereis a caçadeira,
Que ainda é perda maior.
-Que me imposta, lavadeira !
Aqui na minha aigibeira
Trago dobrado valor.
Assim eu fora senhor
Da levar a vida inteira
Só a ver o meu amor
Lavar a roupa na ribeira. ..
-Talvez que fosse melhor
Vêr coser a costoreira I
Vir, de ladeira em ladeira,
Apanhar esta canceira
E tudo só por amor
De vêr uma lavaileira
I+avar roupa na ribeira.. .
E esciisado, senhor
-Boas noites, lavadeira 1
-Boa3 noites, caçador I
LEITURAS POPULARES

CANTIGAS

Q~lerocantar e não posso,


falla-me a respiraçao ;
falla-me a luz dos teus olhos,
amor do meu coração.
VocB diz que não conhece
uma viola afinada ;
faço-me eu desentendida,
a mim náo m e escapa nada.
Tanto limão, tanta lima,
tanta silva, tanta amora ;
tanta rrienina bonita,
meu pae sem ter uma nora 1
DA-me da pera parda,
da maçã um bocadinbo ;
dos teus braços um abraço,
da tua boca um beijinho.
Nem toda a arvore dá fructo,
nem toda5a erva dci flor ;
nem toda a mulher bonita
pode dar constante amor.
011 figueira, dá-me um ligo,
ob figo, da-me um agraço ;
oh minha mãe d6-me um beijo,
que eu lhe darei um abraço.

BOA E M A UENTURA
(Continuado dc pag. -168)
Era um homem inteltigente, aclivo c que acordava facil-
mente, bem differeutc n'isto de alguns de nossos compa-
triotas, que gastam uma hora para acordarem completamente.
L E I T U R A S POPULARES 181
Tinha um genio expedito, resoluto, e os seus escravos se
pareciam com elle, Etiviou logo um mensageiro ao sultão
para o avisar, e outros aos magistrados de diversos bairros.
Os giganlescos tambores da torre dos janizaros espalharam
o alarma em todas as riias, e em menos rle meia hora do-
pois manifestou-se o incandio nos quartos inferiores de Da-
mal-Zade; por detraz d'uma das portas tinham sido lan-
çadas materias inflamaveis.
((0s miseraveis, que tinham planeado este crime, corre-
ram logo para se apoderarem dos moveis e para se entre-
garem li pilhagem; mas ficaram do todo admirados c enga-
ilados, ~ e n d o - s eprezos nos seus proprios laços, sem atina-
rem como tinham sido descobertos. Prevenitlo a tempo, o
meu amigo extinguiu sem muito trabalho o fogo em sua
casa; o mesmo aconteceu em diversos bairros da cidade,
onde torla a gente estava prevenida: rebentaram rnuilos in-
cendios de noite, mas houveram poucos prejuizos, e a agua,
que se conservara nas fontes, foi sufficiente para os apagar
por toda a parte.
aNo dia seguinte, logo que appareci no Bezestein (mer-
cado publico) todos os negociantes me cercaram e abraça-
ram ctiamando-me o seu bemfeitor, aquelle que tinlia sal-
vado as suas vidas e as siias fortunas. Damat-Ladé offere-
ceu-me uma gezada bolsa ctieia de ouro, e mattcu-me no
dedo um anne1 com um diamante d'um viil~rconsideravel;
todos os negociantes imitaram o seu csemplo e fizeram-me
ricos presentes; os magistrados enviaram-me provas da sua
satisfação, e o grã-vizir miinílou-me um diamante da mais
bella agua,, com estas lialavras escriptas pelo seu psoprio
punlio: ~Aqzcelleq u e snlvou Cowsta~ztinopla.~
~Desculpae, senhores, a vaidade, que pareço ter relatan-
do-vos todas osias circiimstancias. Quizestes conliecer a mi-
nha vida, o eu 1130 podia omittir o que n'ella Iiavia de mais
notavel. N'estas vinte e quatro lioras, achei-me elevado pela
munificencia e gratidão dos habitantes da cidade, a um grau
d e riqueza, que nunca me veiu d idéa que eu podesse ji-
mais conseguir.
aTomei entao tima casa, qae estivesse em harmonia com
a minha fortuna, e comprei alguns escravos. Conduzindo-os
para minha casa, encontrei um judeu que me disse com um
tom adocicado :-Senhor, vejo que vindcs d e comprar es-
182 LEITURAS P O P U L A n E S

cravos. Eu posso vender-vos fato para elles e por um preço


muito rnodico. Nos modos d'este judeu, havia o quer que
fosse d e mysterioso, e milito me desagradou a sua ptiysio-
nomia; mas reflecti que não devia obedecer ao capricho nos
meus negocios, e que se este judeu podia realmente ven-
der-me veslidos mais baratos do que outro qualquer, eu
não devia desprezar a sua offerta, só pelo pretexto de que
n8o gostava da forma da siia barba, d o volver dos seus
olhos, do som fanhoso da sua voz. Disse a este homem que
m e seguisse e e m minha casa tralariamos d'esle nego-
cio.
aOuando tratamos de falar n'esta compra,admirei-me de
o encontrar 150 pouco exigente nos seiis pretos. Só se ne-
gava n'um ponto a responder-me. Eu queria não só exami-
nar as suas fazendas, mas queria tambem saber d'onde ellas
provinham. Hesitou responder-me sobre isto, e eu logo sup-
puz que n'islo havia alguina maldade. Lembrei-me e fiquei
convenciclo de que estes vestidos tinhom sido roubados, ou
tinham pertencido a pessoas que tinham morrido de doen-
ças conlagiosas. O israelita mostrou-me uma caixa, na qual
podia escoiher o que melhor me conviesse. Reparei que an-
tes d'abrir a caixa, tinha mettido no nariz algiimas hervas
aromaticas, e disse-me que era por causa do cheiro do al-
miscar, com que estava perfumada a caixa. O cheiro do al-
milicar, disse elle, complica com os meus nervos. Pedi-llie
alguma das hervas, de que elle s e servia, dizendo-llie que
eu tambem não me dava bem com o almiscar.
a 0 judeu, alemorisado sem duvida com a minha atitude
desconfiada, tornou-se pallido como urn morto. Fingiu que
não tinha a verdadeira chave, e quo por isso não podia abrir
a caixa, que a ia buscar e que ji voltava.
#Fiquei so e notei que havia um rotulo ria tampa da
caixa quasi agagado. Pude dislinguir a palavra Smyrna, e
isto foi bastante para me confirmar nas minhas suspeitas. O
judeu não voltou, mandou buscar a caixa por um dos por-
tadores, e por algum l e m p ~não
, ouvi falar mais n'isto. Um
dia, que estava em casa de damat-Zadé, vi o mesmo judeu,
qut: s e escondia no pateo e fazia toda a deligcincia para
evitar que eu o visse: Meu amigo, c1isse.e~a Damalc.ZadE,
peço-lhe que não attribua a uma indiscreta curiosidade a
pergunta, que vou fazeralhe, e que não pense que me quero
intrometter nos seus negocios. Que especie de transacção
faz com o judeu, qiie acaba de atravessar o pateo?
«-Elle promatteu vender-mo fato para os meus escravos
p o r um preço que n8o se encontra em outra qualquer parte,
replicou o meu amigo; e como tenciono fazer uina surpreza
a miriha filha Fatima, com uma festa no seu pavilhão, no
dia CIOS seus annos, qiiero que todas as suas escravas lhe
appareçam com vestidos notfos n'este dia solemne.
interrompi o meu amigo para Ilie participar as minhas
suspeitas a respeito do judeu e das suas roupas; Damak-
Zadé, não quer mesmo ver este miseravel, que por algu-
mas moedas de ouro, tinha a infamia de pôr em perigo a
existencia (te muitos milhares de seus similhantes. Manda-
m o s um relalorio d'este negocio ao cadi; mas este foi des-
cuidado no que devia fazer, e antes de ter tempo de pren-
d e r o judeu, linha este fugido. Não se achou em sua casa
nem a elle, nem a caixa; soiibemos que tinha embarcado
para o Egypto, e folgamos de saber que elle estava longe
de Constantinopla.
«O meu amigo Damat-Lal6, agradeceu-me do modo o
mais significativo a sua gratidão:-Ultimarriente salvaste-me
a minha fortuna e agora acabaes d e me salvar a e uma
vida que me e mais cara do que a minha, a da miulia filha
Fatima.
uAo ouvir esle nome, não pude deixar d'estremecer. Por
um acaso tinha visto a filha de Darriat-Laclk: os seus encan-
tos, a sua mocidade e a doçura da sua physionomia, ti-
nham-me feito a maior impressão. Porem eu sabia que es-
tava destinada para outra pessoa, e fazendo violencia aos
m e u s sentimentos, estava resoltido a banir para longe d e
mim n imagem da bella Falima, quando seu pae me expoz
d e repente a uma tentação que exigia todo o meu valor para
llie resistir. Saladim, me disse elle, jti qiie nos salvasles a
vida, 15 justo que assislaes i nossa festa. Vinde aqui no dia
dos annos de Fatima; eu vos mandarei para uma janella que
dá para o jardim e d'ali podoreir gozar de lodo o especta-
culo. Teromos a festa das tztlipas, á imilaçáo d'aquella que
s@ faz nos jardins do grã.senhor. Estou cerlo que esfa festa
vos ha do agradar, o alem d'isso tereis occasião de comtem.
plar sem veo os encantos de Fatima.
u-Deus me livre, interrompi eu com uma especie de
184 LEITURAS POPULARES

horror. E' u m prazer que me custaria a felicidade da minha


vida, N3o lhe quero occultar nada, visto que me trata
com, uma tão nobre confiança. J i vi o encantador rosto d e
Fatima: porem sei que ella estd destinada a um homem
mais feliz d o que eu.
«Darnata-Zadepareceu satisfeito com esta franqueza; mas
nã'o quix annuir a que eu não assistisse, com elle, na ja-
nella 5 festa das lulipas; pela minha parte não quiz correr
o risco de ver uma segunda vez o rosto encantador de Fa-
tima. O meu amigo empregou todos os argumentos, ou para
melhor dizer todos os,meios de persuação, que pbde inia-
ginar para me decidir; quiz alé considerar como ridicula a
minha inabalavel resoliiçáo. Tudo foi inuti1:-Vamos Sala-
din, me disse enláo com um modo irritado, estou cerlo que
m enganaes. Tendes uma paixão occulta por outra mulher,
e quereis persriadir-me que e por prudencia que recuzaes o
favor, qiie s e vos offerece. Porque náo me descobris o se-
gredo de vusso coração com a franqueza d'um amigo.
«Admii*adod'esla accusação inesperada e do modo irri-
tado, com que me olliava Damat-Zadé, que até então eu ti-
nha em conta d'um liornem docil e rasoavel, estive quasi
para Ilie responder no mesmo tom e deixal-o; mas amizade,
uma vez perdida, 1150 é facil de recuperar. Esta considera-
ção deu-me força para me conter. -Amigo, repliquei eu,
amanhi tornaremos a falar a este respeito. Agora estaes
zangado, ámanliã estareis a sangue frio: então vos conven-
c e r e i ~de que n3o engano, e que não tenho oulro em-
penho ser130 o de segurar a minlia propria felicidade, por
todos os meios, que esrão ao meu alcatice, negando-me a
contemplar a seduclora Fatima. Não tenlio nenhuma paixão
esconàida nem affeicao por nenhuma mulher.
a-l'ois bem, meii amigo I respondeu-me ellc, com u m
ar alegre, abraçando-me, Fatima é vossal
aEli náo estava em iniin, não podia crer: não acbava pa-
lavras com que podessa exi~rimira felicidade, que sentia.-
Sim, meu amigo, continiiou elle, eu quiz experimentar até
onde chegava a vossa prudehcia: vencestes, dou-vos Faiima,
com a certeza d e que a fareis feliz. E verdade, que eu ti-
nha em vista orna allianca mais elevada: o pachi ~llaksond
m'a tintia pedido para siia esposa. Mas eii soube qiie este
senhor faz u m uso immoderado do upio, e miuha fillia nunca
LCITUIIAS POPU1,AIIES 185
pertencer$ a um homem que se entrega metade do dia aos
excessos d'uma insolente louciira, e *a oulra rnetarle a tima
idioia tristeza. E u não tomo o resentimento do paclili : te-
nho amigos junto d o grã-visir que o corivencerão e que o
obrigario a supporlar uma negativa táo bem merecida. E
agora que me dizeis, Saladin, ainda Lereis duvida d'assistirdes
a festa das Izilipns.
« A minha resposta foi deitar-me aos scus pés e abraçar-
lhe os joelhos. Cliegou a festa das tzilipas, e n'este (lia
m e uni 4 minha querida Fatima. Ali1 e sempre a miaha
qiierida Fatima, airida que somos casados ha rriuitos annosl
Ella é o orgulho e a alegria do meu coração; o tenl-io acba-
d o mais felicidade no riosso affecto mutuo do quc, em todas
as outras circnnslancias da minlia vida, a que dão o norne
d e tão afortunada. O seu pao deii-me a casa, oride agora
moro, e juntou os seus bens aos ineus, de mudo que sou
mais rico do qiie desejava. As rnirihas riquezas perrnittem-
m e que eu, i s vezes, soccorra aos desafortonados, e osta
razáo obriga-me a que não as clespreze. Para ser completa-
mente feliz sQ m e restar persuadir a RIot~riidque as partilhe
comigo e que s e esqueca dos seus inforiunios. Pelo que
diz respeilo ao espelho da siiltann Ci~oritae da tiin jarra
quebrada, meu b o m irmão, nOs vamos ver como islo se
ha d e arranjiir ...r
-Não vos dê cuidar10 o espelho da favorita, disse o sut-
tão desembaraçando-se do seu Irage de mercador, para qile
o s dois irmãos adrriirados 1110 vissem as irisigriias imperiaes.
Saladin, estimo muito saber da tiia proptia hoca a narração
das luas aventuras. Eu reconheço, Vizii*, que náo tintin ra-
zão, quando, ha p o u ~ discuiiamos,
~~, disse elle, dirigindo-so
a o seu companheiro. As liistorias de Saladin-oe1;eliz e de
Mourad-o-Infeliz, confirmam a vossa opiniáo: que a prudon-
cia influe mais q u e o acaso nos negocios hum:inos. A for-
tuna e a felicidade d e Saladin dependem e provum todas da
sua prudencia. Foi pela sua prudcncia que Consiaritinopla
se salvou das cliammas e da peste. Se Mourad tivesse a
sabedoria d e seu irmão, não correria o risco clo porder a
cabeça, vendendo pãesinbos, que elle não lirilia falabricado,
não teria recebido couces d'uma mula, riem a bastonada
por ter achado um annel; não teria sido roubado por um
troço d e soldados, nem teria sido quusi morto por outraq
186 LEITURAS P O P U L A ~ E S

não s o teria perdido no deserto, nem fiado nos discursos


lisongeiros do judeu; não teria posto fogo a um navio, nio
s e teria importado, nem cnmmunicado este terrivel flagello
nò Cairo; não teria despedaçado o espelho da minha favo-
rita, tornando a sua figiira por um ladrRo; n20 teria a loilca
imaginaçiio de que o seu destino dependia d'algiins versos
gravados em uma jarra de porcelana; finalmente ri20 leria
limpado este precioso talisman lavando-o com agna quente.
Portanto, seja Plourad-o-Infeliz chamado d e hoje em diante
i-Iourad-o-Imprudente, e que Salarlin conserve para o fiiluro
o appelido que tio bem merece de Çaladin-o-Prt~ilente.
Assim falou o Sullão, T e , bem differente n'isto dos ou-
tros soberanos da hsia, niio temia confessar quando errava,
nem declarar quando o seu vizir tinha razão. A historia nos
diz que mais tarde elle offereceii um pacliaiick (governo
d'uma provincia) a Saladin ; mas Saladin-o-Prodenle decli-
nou a honra de governar urna provincia do iinperio, dizen-
d o que não tinha ambição; que na sua posic;ão se acliava
perfeitamente feliz, e que seria uma loucura n'elle o mu-
dal-a, porque nada se podia desejar alem da felicitlade.
Não podbmos saber se novas desgraças perseguiram
Mourad-o-Impriidente ; sO se sabe que se fez um assiduo
visitador do Terialzj (bairro onde estii o mercado r10 opio
e que e muito frequentado pelos amadores d'elle) e que mor-
reu victima da sua paixão pelo opio.

A NOVA FADA MOBGANA


No dia 2 de fevereiro d'osle anno d e 8871, aconteceu,
segundo referiu a Gazette de POSCIZ, que os habitantes de
Golaze, povoação do districto de Pkleiclian, (Posen, Fra~iça),
durante o espaco d e duas horas, presenciaram uma batalha,
a qual tropas fantasticas davam sobre o seu lerritorio. A
linha de batalha se desenvolvia em zig-zag sobre uma ex-
tensão immensa: cavalleria e infanleria s e apr9senlavam e m
linha. Distinguiam-se perfeitamente as bandeiras e os ca-
pacetes dos uhlanos, assim como lambem o lalhe dos uni-
formes, mas não a 8ua cor; as figuras tarnbem sa distin-
guiam egiialmenle não obstanle o espesso ne\ioeiro, que as
eircumdava.
A infanteria avançava; a cavalleria se precipitara sobre
LEITUBASI POPULARES 18T
ella; destacam.se da grande massa grupos de cavalleiros para
travarem escaramuças parciaes. Depois columnas inteiras se
precipitaram umas contra as outras batendo-se a ferro frio,
retirando e avançando, por meio de manobras diversas. A
certa dislancia, se viam as ,divisões de cavalleria firmes em
frente umas das outras. A frente de cada uma divisão se
via um cavalleiro egualmente immorel com a espada pen-
dente da mão. A espada se levanta repentinamente, o ca-
vallo se precipita para a frente com um ardor admiravel,
que arrasta toda a divisão.
Com o movimento dos cavallos a neve salta e obscurece
o horisonte ; as columnas inimigas se erivolveni ao mesmo
tempo n'uma indescriptivel confusão, e apresentam uma
massa negra e rnovel, que, por Em, faz uma explosão, co-
mo se fosse uma mina; depois se desfez em eslilhaços; o
campo de balalha se apreserita juucado d'l~onierise caval-
10s. A illiisão era tzo perfeita que ate se podia vir cahirem
os cavalleiros dos cavallos abaixo; os combatentes collriam
o chão, como os flocos de neve; viam-se os cavallos aban-
donados correndo para tima e outra parte.
A multidão dos espectadores, a uma tal vista, deu gritos
de susto; as miill~erese as crianças correram em tropel pa-
r a suas casas. Nesse dia o ceo estava sereno, apenas o s
combatentes 6 que eram envolvidos por um intenso nevoei-
ro. Mas a scena era tão bem representada que ale os ho-
mens pareciam de tamanho natural. Os mais eutendidos re-
conlieceram desta apparição uma sirdples miragem. Houve
até dois curiosos que foram ao centro d'estas tropas fantas-
ticas, e foram vistos, mas não sem alguma commoç50, pas-
sarem atrarez das massas cerradas, calcando aos pks os ca-
daveros; porem elles, os curiosos, é que nada viam de tu-
d o isto. Tornando sobre seus passos, tioham diante dos
olhos, como antes, o mesmo especlaculo, Este pbenomemo
ouroli até o ultimo raio do sol so esconder no liorisonte.
A proporção que o sol ia abaixando, as columnas dos com-
batentes se tornavam mais distinclas. Finalmenle a batalha
sumiu.se por sobre os cumes das arvores d'um bosque vi-
sinho, n'uma obscuridade longinqua.
Seria um effeito d'optica? 15 natural. Dand0.s~isto no dia
immediato ao armisticio, seria um prognostico para o futw
rol Isso não e comnosco.
188 LEITURAS POPULARES

A CURA DO CANCRO

Encontramos o seguinte curioso artigo no jornal ameri-


cano Jlcssctq~rfranco-arnericai?~~:
Jgnora-se atb hoje o meio de curar o caricro. Uma des-
coberta, feita recenlemenle na America do Sul, dd-nos a es-
perança de que a inedicina vir4 em breve a possuir um es-
pecifico eficaz para curarium dos mais terriveis rriales, que
affligem a humanidade. Foi singular esta descoberta, que
em poucas palavras descreveremos.
Ba na Repulilica c10 Equador um arbusto conliecido pelo
nome de czc~zdlsrungo,que só apparece no cuinic das altas
montanhas e cujo nome significa anirilio de cardor)) na lin-
gua dos iridigcrias. 8 fructo d'este arbusto é um veneno
violenlo.
Haverli Ircs annos, havia no ilistriclo d e Loja, no Equa-
dor, iim individuo qiie tirilia u m cancro, e sua mullics, que
queria descarlar se do marido, lerribrou.sc de procurar os
fructos do cunrlurango para o envenenar. Felizmente para
elle não era então a bpoca de haver laes fructos, e a inu-
lher, que por todos os modos queria dar cabo do marido,
pensa qiie a casca do arbusto poilerii produzir os mesmos
effeilos e aproveiia urna boa porçáo d'ella. Fez um cosirncn-
to corn ella e depois deu o a beber ao marido; elle bebo o
cosirnento, qiie, em vez de o rnatar, da liio mais saude.
A rnullier conlinúa a fazer-lhe bebcr mais cosimento e o
resullado foi curar-lhe o cancro completamente.
Soube-se d'esta admiravel cura, e oulsos indigenas come-
çaram a fazer uso do tal cosimento para ciirarem cancros o
o caso i! que colheram bom resultado. Os rncdicos clc Qui-
to che;arain a ter conhecimento cl'esles faclos.
Fizeram repelidas e varias experiencias e estas foram
sempre coroadas de bom resultado, dirigiram ao governo
do Equador um relatorio. em quo Ilie dcscr~eviam como se
havia descoberto este novo especifico [)ara o Iralamento do
cancro e cle todas as molestias d e pelle.
O ministro dos Eslailos-Unidos cm Quito entendeu que
devia dar parle d'esta descu1)erta ao seu governo e inandou
uma porçáo de casca de cundurarigo ao sr. Fisli, secretario
d e estado. O doutor Bliss, de Wasliington, instado pelo
LEITURAS P O P U L ~ ~ R E S 189
ministro do Equador para que se servisse d'este arbusto no
tratamento do cancro, não foi mal siiccedido.
Foram magnificas todas as experiencias que fez. Infeliz-
mente era pequena a porção quc o secretario d e Estado ti-
nha recebido, e em breve se acabou, pe!o que muitos doen-
tes não poderam ficar completamente curados por meio
d'este arbusto.
Entre as pessoas curadas com o cundiirango cita-se a se-
nhora lfathews, sogra do Sr. Calfa'ax, vice-presidente dos Es-
tados-Unidos, e senhora Gorham, esposa d o secretario de
Estado.
O doutor Bliss jB mandou vir cundurango do Equador
por uma ordem expedida para Guayaquil. Como esta dro-
ga não é ainda objecto d e commercio, não pôde fazer a
acqaisição do arbusto. Foi pois preciso que o doutor Kee-
ne, socio de Bliss, parlisse para o Equaclor com o fim do
ali mandar apan:iar pelos indigenas a casca d o cundurango.
Para não encontrar obstaculos ria sua missão scientirica, o
presidente revesliu-o de carncter official, fazendo-o porta-
dor de despaclios. Julga-se que no mez de agosto voltará
com uin carregamento da preciosa casca de cundurango.

FBBULA

-Virações buliçosas, que, por entre as frescas rnmaclas


murmiiraes, onde se encaminliam os vossos suspiros ao des-
pertar matutino ?
-Vão ao ceo, responderam ollas.
-Innocente avesinha, qiie te deleitas voando e cliilrcando,
por entre as frondosas arvores, dize-me a quem são diri-
gidas essas trovas cantadas com tanta suavidade ?
- Yáo direitas aos pés d'hquelle que enriqueceu o meu
corpo com estas ligeiras azas o.me vestiu com esta p!iima-
gem finissima, que me resguarda e me enfeita, disse o pas-
sarinho, saltitando e gorgeando seus liymnos aoacreador,
-E lu, ,inodesí,a violeta, vem cá, dize-me para quem é
esse perfume stiavissimo, que de teu seio exhalas ?
190 LDITURAS POPULARES

- Boa pergunta, realmente 1 disse a florinl~aentre ar-


bustos escondida ; pois não e justo que ao Creador en envie
OS aromas, com que me enriqueceu, dando-me assim o pri-
vilegio d e ser prociirada e querida de todos? Abre suas did
vinas mãos para espargir, ao alvorocer do dia, as perolas
finissimas com que me coroa.
J1 vedes, ternos e queridos Elhos, que temos por dever
e obrigação orar, pedir e louvar ao Senhor Omnipotente,
que a todos nos creou e a todos sustenta. Supplicas e lou-
vores são os trinos das aves, são os suspiros da brisa, e
oração 6 tambem o aroma embriagante que a delicada flor
manda pelas ares até aos pes do Eterno Senhor : assim fala
a mãe a seus filhos ; assim falamos aos nossos leitores tamd
bem. Toda a natureza ora e louva a Deus ; oremos e lou-
vemos Aquelle que e auctor de todos os bens de que go-
zamos.

A GALLINHA E O PAPAGAIO

Divertiam-se uns rapazinlios deitando ao ar o seu papagaio


de papel ; certa gallinha pensadora admirou-se do ver subir
tão alto, quasi a perder-se de vista aquella rnacbina voadora.
E quando a viu em terra lhe perguntou :
- Como é que sem azas, sendo uma cousa tão singela,
t u voas táo alto? Eu que tenho azas e leves pennas, caro
me custa a erguer do chão I
-Subo tão alto porque me elevam.
Ha ~izztitaspessoas que se clevauz, porqace a s elevarn.

ALBARDAS EM LATIM

Antigamente, no logar de Arrifana, os mais dos morado*


res eram ferreiros e alg~insalbardeiros ; um d'eçtes mandou.
um filho a estudar 6 cidade, e tendo umas diífcrenças com
um seu visinho ferreito, lhe dizia : - Eu lhe prometto a
voss6 que meu fillio brevemente ha de vir aqui fazer albar-
das e m latiqlz.
wsisesw
DOMINGAS D E NICENO

Conversavam tres sugeitos, os quaes se prezavam de ou-


vintes entendedores em materia de sermões, o nomeando
-
varios préga2ores de fama d'isse um d'clles : Um dos
melhores prégadores que houve foi uma mulher !
-Uma mulher !
-Sim, senlior, uma mulher chamada Do?ningas do Ni-
ceno.
Sabido o caso, eram as Donli~~gasque imprimiu o padre
Niceno, da Companhia, cujo til1110 tinha o livro por fbra.

ANECDDTAS

Estava doente o imperador Carlos V, e fazendo junta os


medicos a fim de assentarem se era conveniente purgal-o
na dia seguinte, se encontraram os votos, porque mtiitos
votaram que não era acertado por ser lua, respondeu o me-
-
dico Villa-Lobos : Paremos de modo que a lua o não
saiba.
--
Queixava-se um individuo a outro do que lhe doia um
olho, e lhe perguntava se sabia algum remedio.
- O anno passado, respondeu o amigo, ano doeu a mim
um dente, tirei-o f0ra e fiquei hom a ponto que nunca mais
me tornou a doer; faça vossemecê outro tanto.

A temperança é a hygiene mais proveitosa para conscr-


vaçáo da saude, è o verdadeiro talisman para oblor a lon-
gevidade, e, diminuindo as necessidades da vida, RQS faz
mais felizes,
LISTA SGPPLEIENTAR DOS CORRESPONDENTES

Em Penafiel, o i1lrn.O sr. RJaniael Pereira da Silva; em


Guinzarües, o il1m.O sr. Rfiinuel Joay uiin tlJOliveira Bastos;
no Fzdt~chal,o illrn." S. Eduardo filaciel de Brito. Trillcc do
Co~zcZe,José Maria de Castro.
=Essám
NECROLOGIO
O revererido Padre Francisco Antonio da Silva Valente,
d e Estarreja, da freguezia d a Rli~rtosa,correspondente e
incansavei [~ropagadortias Leiltil-as Populares, cornl~lctava
trinta e dois annos a 29 d'oatubro, dia em que foi chama-
d o para melhor vida, coino nos :itrctorisa a accraditar o seu
zelo pelo cumprimento dos seus deveres de sacerdote; pe-
dimos suffragios para clle e para a sr.;' D. Alaria Josi? Groot
Pombo, Lisboa, o sr. dr. José Antonio da Gnrna Leal, Tor-
773s TT~drbnsa sr." D. Maria Guilk~erminad'Ordaz Caldeira
Valladares, C~cslellobranco.
e$ses%w
ANAUNCIOS
A Lie.ra~,iaCutholica tem :ivenda : Aluzanalc Ecclesins-
ticztne Archidioeccsis olisipon~nsis,jpi eço 440 rs. pelo correio
d50; Alnzanrrcl~do Bori~ Catholico. piii'a os srs. assignanles
das L ~ i l u ? ~ Pnpzdares,
as 80 rs.-remelle-se pelo correio aos
que nos mandarem 9 0 rs. em estampilhas, avulso 100 rs.;
Alnza~zach Faaziliar, augri~entadtp cum uma S ~ C Ç ~d'ins-
O
trucçáo e recreio, 100 rs. 4 10.
ii70ucna ern hovzra da Jm~?zat:z~ludcc Co~&ccigãode &luria,
pelo P. Diniz da Companhia (te Jesus, iraducç3o de Gar-
relt, 100 rs. porte franco.-l)liotaograpl~ins do Nossa Senho-
ra da Conceiçáo em ponto grande COO rs. com mrildiira
48000; pequerias, 100 rs ;peqiieriinas com ora$io 40 rs.; di-
tas do Pio IX com oraçáo i 0 rs. pequenas 100 rs. grandes
e m 4 . O 160. Hr! tambcrn urna graricle quantidade de estam-
pas iindissimas, emblemas, niedallias e contgs eocadeadas
enl arame e em prata, chegadas ha pouco. E grando a va-
riedade de livros de piadade e solida inslrucção, que n'es-
ta Livraria se encontram.
DEUS REVELADO NA BELLEZA DA NATUREZA

(Continuado da pagina 164)

O incredulo e o ignorante pensam muitas vezes que o


mundo não esta bem feito, que lem defeilos, e n'estes con-
tam elles as montanhas.
Olham para uma laranja, achamn'a mais bonita com aquel-
las excrescencias que Itie voem; mas não querem que o rnun-
do tenha montanhas!
Pois a montanha não sú é uma das hellezas da natilreza,
mas ate de grande utilidade e muita necessidade para a vi-
da. Se não houvesse montanhas e o mundo e o homem es-
tivessem constituidos, como estão, o homem não podia vi-
ver.
Ora examinemos: S e não houvesse montanhas, era tudo
campo raso ; não teriamos valles, nem sombras, nem fres-
cura, nem agrias crystallinas, nem arvores que precisam de
uma temperatura mais fresca. Os valles s8o esse pequeno
espaço de terreno entre duas ou mais montanhas ; conver-
gem ali algumas aguas, que fazem produzir muita herva,
com que alimentamos os animaes domesticos ; porque ali
ha frescura, ella se reparte pela atmosphera e no verão vem
modificar a temperatura ; são bellos, porque não só encon-
tramos n'elles muita verdura e muitas flores, mas tanibem
porque a temperatura é sempre como não se encontra n'ou-
tra parte; o calor do sol B diminuido pela frescura das
agnas, que os banham, e das arvores, que, na montanha vi-
sinha, se movem ; sabemos que não ha aguas mais crystal-
linas, mais frescas e saborosas do que as das montanhs,
pela simples rasão de que são as mais puras. Nos plainos
não podem ter esta pureza, porque elles absorvem tudo o
que de mau e bom lhe é lançado, absorvem os raios do sol,
porque nada ha que Ihes tire a força e tudo isto vae aque-
cer e estragar as aguas; ao passo que a montanha, nada
recebe, nem impurezas, porque o seu diclive a livra d'ellas
com a chuva ; nem os raios do sol, porque o vento e as ar-
1
.. VOL*DO %.' DECENNXO 1 8 Y l -lSW!4
194 L E I T U R A S POPULLREJ

vores, ou os penhascos os açoitam ; a agua pois d'ali vem-


nos, por assim dizer, em pririieira inão, com todo o seu vcr-
dadeiro sabor, transparencia e frescura.
Todos sabemos que muitas arvores sO se dão bem ou no
alto das monlanlias ou nus encostas cl'elias ; quem 1180 sabo
que a vi~lee a oliveira medram, f o l g a i ~e~ produzeni mais
nas encostas? porque ali estii mais abrigado e a terra tem
mais vida, porqi~erecebe si> o qne lhe Faz conta ; pois biim
ficnriamos sem o doiirado liquido, sem o precioso vinho, se
as rnonlanhas desapp;irecessem. E sabem porque ? Porque,
se estas e oiitras arvores, arbustos, flores e hervas. estives-
sem n'um ciimpo plaino, sem as monl~rihtisque obstassern
i inipetuosidadt! dos veritos, esles fustipal-os-liiiim, fariarri
abrir largas fendas As terras, absoi'veriarn-lhe a humidade,
secrlariatn, tlestruiriaim tudo. Ollie~nos para o mar, e veja-
mos a força que o vento ali lerri, porque nada oricoiilra qiia
o quebre ; vejamos como quebra os mais grossos mastr-os
dos navios, como elevam as agoas 3 piinto de parecerem
montanlias, como desfazem collossaes embarcações, como
Yeni furiosas d'ericontro 4s barras. Pois na terra haveria
peiores estragos, se náo liotivesse montantias, porquc os
ventos quebrariam as arvores, arrancariam os artiuslos, des-
fariam as flores, murchariam as hervas, fusligariarn os Iio-
rnens a poi~tod e não os deixar sair de casa, se olles po-
dessem existir, seria tudo um cahos, que em pouco tempo
estaria recliizido ao mais horroroso deserto.
E a belleza d'ellas? Vimos a sua utilidade, fallaremos da
sua belleza.
(Continh )
mEs%w

ASBFIYIBLÉA
DOS ESCRIPTORES E ORADOAES CAPBOLECOS POBTUGUEZES

%,dia 27 d e dezembro, ris 31 horas do dia, reunir-so-


hão os mambros da allildida Assemhléa na capella sita no
jardim do Palacio de Chrislal, onde s e r i eelebrada a Missa
do 13spirito Santo antes da soa constituigáo e inaiigurap3o
dos seus lrabalhos.
Da referida capella irão directamente para a salla Gil V i m
cente, no referido Palacio, local da reunião. Ali ser8 consq
LEITURAY POPULARES 198
tituida a Assemblka com a eleição da mesa. Eleita esta, o
presidenle pedira ao ecclesiastico presente, wnsliluido em
maior dignidade, que insoque de novo o auxilio do Ceo so-
bre os Lrabalbos futuros da Assemblea, depois do que o
presidenle Pai:& o discurso de inauguraçáo.
Depois d'este o primeiro secretario far8 uma exposição
dos trabalhos da convocação da Assembléa, e lera o pro-
gramma d,'aquelles de que ella tem a occupar-so.
O escopo d'esta reunião caiholica é alheio a toda a lucta
de partidos, e tem p o r exclusivo fim o accordo d'estes sol-
dadas cla Fé a respeito do modo como meliior s e possam
unir os. exforços dos que trabalham na defesa da Religião,
sem aliás tirar ás differeriles localidades o grande bem cle
t e r cada uma d'ellas aqueltcs que a Providencia ali collo-
coa coaia ~ i ~ u z a d oda,
s penna christan.
Alem dos membros da commissão organisadora, com-
posla da Ressoas com os sentimentos exigidos e com as hn.
bilitações litterarias ; alem dos meiribros d'essa commissão
s b podecão ser adrnittidos como mambros da Assembl6a as
pessoas conhecidas pelos seus escriptos ou discursos, tão
puras na doutrina, que possam ser considerados como ten-
d.0 sido apprevados por uma censura episcopal, embora
nlalgumi leinpo tivessem sido Agostinlios antes das suas con.
versões, mas que se tornassem como Agostinho depois com
ella,; e que se, compromettam, mediante a graça Divina, a
p-erseverar sm taes sentimentos.
thesouceiro poder6 sor pessoa em, quem bastem os ii-
tulos a sua respeitabilidade christan.
Conlandot desde. o dia da ina~igiiração~atb ao do encerra-
mento, a assembléa ducará oito dias, ou mais ou menos,
cooforme 6 Assernbléa parecer melhor, segundo a, sua pro-
pria rcsolu~áo.O acto finiil de en~errameatoserh faito por
uma hcçáo d s Graças no Templo que, for indicado 6 Assem.
blba pelo presidente; sem que por isto deixc de ser fecha-
da cada uma das sess4es pela cocitação de uma oração de
agradecimento ao Ceo.
A sassãril d e inauguração e a do encerramento serão p u ~
blicas,. modiaole um bilhete pessoal, assigpado compotonto-
menla,, e mediante um quantum a favor da satisfaqã~~ das
iiespezas da Assemblba o cl'aguallas que depois esta aucto~
risar. Taes bilhetes serão feitos para a admiss'la das dois
196 L E ~ T U R A S POPULARES

sexos, e as pessoas que os tomarem sí, serão admittidas


como especladoras.
Se mais alguma sessão houver de ser publica, será feito
annuncio com toda a possivel anlecipação.
As auctoridades competentes teráo o devido prévio an-
nuncio da reunião d'esta Assembléa, que para ellas teri
sempre todas as suas portas aberlas.
Alem dos discursos do estylo em taes occasi5es ; alkm
dos proferidos para o necessario andamento o conclusão
dos trabalhos ; algom ou alguns discursos apologeticos da
Religião poderão ser proferidos por aquelles membros que,
precedendo convite, forem designados, ou que sem convite
prkvio a Assembléa consenlir, e nos momentos não destina-
dos A discussão em maior serviço da Religião.
A Assernbléa occiipar-se-ha do estabelecimento ou orga-
nisaçáo dos meios, pelos quaes se possam pôr em relações
reciprocas com os mais assiduos escrijttores e oradores ca-
tholicos com domicilio em differentes localidarles, no inluilo
d e ligar e unir os seus exforços, quanto seja possivel, no
serviço dos interesses religiosos.
Para isto a Assernbléa poderA clesde logo tranformar-se
em Academia catholica, salvo o preenchimento de forma-
lidades legaes, que a Assernbléa terá no devido res-
peito.
N'esta Iiypothese formara os seus estatutos ou el~gerdlima
commissão, que, recebendo as bases, em que aquelles de-
vem assentar, decididas pela Assemblea, os formule e sub-
metta As devidas auctorisações.
Quando a Academia não seja formada, ou fique para mais
tarde a sua formação, a Assemblha .elcperA de entre si uma
commissão permanente, estabelecida n'uma das principaes
cidades do reino, e com a qual se correspondam todos os
escriptores e orador^^ calbolicus no que s e refiraao serviço
e defesa da Religiáo.
A Assemblèa dividirá a preparação dos seus trabalhos,
durante a sua existensia, por tres commissões, que apre-
sentarão em Assembl6a geral o que tiverem trazido para ahi
s e r apreciado. A presidencia designará dois membros para
cada uma das commissões, e deixar6 aos outros membros
da Assernbléa a sua livre inicialiva para irem trabalhar com
a commissão que escolheram.
LEITURAS POPULARES 197

Primeira Commissão
Dará o seu parecer sobre o modo de melhor e mais pro-
mover a confecção, traducção, e edição de bons livros.

Dará o seu parecer sobre o modo de melhor e mais pro-


mover a creação e profusão cle Revistas e Jornaes catholicos.
Tcrc eira Conlmissão
Dará o seu parecer sobre o medo como os escriptores e
oradores catholicos meltior possam pela palavra sustentar
a s sal~itaresdoutrinas cbristãs. Como para o futuro possam
s e r promovidas novas Assembleas como esta, devem ser
convidados a coricorrer, unindo-se aos escriptores e orado-
r e s catholicos portiiguezes, todos os promotores e susien-
ladores de todas as obras pias e assim no espirito da Santa
Egreja Catholica Apostolica Romana, para d'este modo ser
ainda mais unida a acção catliolica, e verificar mais plena-
mente, o que lia annos esta em pratica annual na Allemanha,
Ba.Suissa, na Belgica, etc. Esta Academia ou associação ca-
tholica se deverá pôr em correspondeocia com as outras
associações catholicas fbra de Portugal.
Eis pois o pragramma dos trabalhos de que se occupari
a Assemblèa dos escriptores e oradores catholicos portugue-
zes. Não tem estes a tratar ou a entreter questões de dou-
trina, por isso que obedecem todos á doutrina de Christo e
d a Sua Egreja, mas sim a combinarem-se sobre os meios
d e melhor a servir nas circumstancias em que-Deus por Sua
Misericordia os collocou.
Pede-se a todos os alludidos escriptores e oradores ca-
tholicos que podereni concorrer, que com a possivel ante-
cipação annunciem a sua vinda para as devidas preclisposi-
,.ções; no entretanto, aquelles que por qualquer motivo as-
sim o não tenham feito, nem por isso serão excliiidos da
4Assemblba ainda quanclo cheguem depois d'esta reunida,
devendo comtullo haver antes o respectivo biltiele, especie
d e diploma, necessario para fazer parte da mesma Assem-
19s LELTUQkS POPULARI$S

bléa e para todos indispensavrl ; a mesa tomara a s provi-


dencias para que elle possa aer passado áquelle que eslejâ
no caso de o receber, e que cle perto o u de longe tenha
chegado, e para isso 11al:i As portas da Assemblea. {Os es-
criptores ou oradores impossibilitados de comparecer por
qualquer motivo podem maridar a sua adherencia por es-
cripto.
A correspondencia, e os I'i~tiirosmembros da Assembléa
dos escriptores e oradores cailiolicos i sua chegada ao Porto
podem dirigir-se ao abaixo ;ihsignado, n o palacio dos ex."OB
srs. marquezes de àlonfalin e I'erena, na Torre da Marca.
Porto, 14 de novembro de 1871.
D. Antonio dd'Almeida.

O MEZ DE DEZEMBRO LONSAGRADO A MARIA EM CRACOVIA


Como não,ha terra, a qual não offere~aalguma causa de
particular pela .qual faça dif'ferença das outras; ou pela ar-
cbitectara dos seiis edificios, nu pelos cosbumes dos povos,
ou por outro qualquer mot,ivo; lambem cada terra pode-se,
assignalar pelo diflereritc nlod0 de tributar Iiomenagem
Virgem. Assim accoritece crri Cracovia, uma das cidades miiis
notaveis da Polonia. Ha Ires seculos que os devotos de,iila-
ria, para augmentar e excii:tr cada vez mais o amor a Rai-
nha3dos Ceos, lhe consagrlar:im todo o Advento; e t c o m ra-
zão, .por ser esse o tempo, r i o qual a Egi'eja commemora ia
.Cpaea, na qual Maria deu ao mundo o 8edemptoi.. Pnr isso
,pediram com grande ,iristarii;ia a sagrada Congregação dos
Ritos a liceuça para se rlixet. ein todas a s noites do Advento
a Rlissa RiIarianna, ao que 1)t:iiignarnente annuiu a dita con-
gregação, sempre desejoca, como 6, da gloria de Deus e
de sua .Saatissirna Mãe. Desile aquella data, o inez de,de-
zembro ficou coasagrado a Maria, como 0.0 entre nos o mez
de m i o ,
Na ,Polonia russa, prussiarrcl, austriarsa, durante todo e$$,&
~mez,muito antas cla aurora, e m todas as egrejas, quer se-
jam 1da.cidade ou do 'campo, se r e m e muita 'gente. Causa
edificação o ver-se quasi tod;is as egrejas, 8guella hora, api-
ahadas de gente,,e aquelles mesmos que aostumam levaa-
LEITURAS POPULARES 199
Ear-se tarde, deixarem a cama para assistirem 5 missa do
Nossa Senhora; outros, apesar do incommodo, que teem que
soffrer pela distancia, mau teiripo, e trevas da noite, mais
depressa se sugeitarn a soíiirer tiido isto do q u e a deixarem
d e visitar Maria.
Ardem sobre o altar não menos de dezeseis velas, e em
muitas egrejas mais ainda de cern, e no meio d o altar uma
toclia maior, que se dislingua das outras, por estar enfeita-
da coin bonitas flores, e esta syi;ibnlisa Maria. Um devoto'
concerto inusical ou devotos Ii~srinoscantados por moninas,
convidam os íieis 4 devoçGo e recolhiinento, Duas horas o u
uma hora antes da aurora cania.so a missa de ivossa Senho-
ra, sempre com paramentos E~ranco,; ainda que seja festa
d e martyr ; seguem depois ou!ras missas rezadas. N'esses
dias, em que triurngha a devo(5ci h Mie das Misericordias, 6
q u e os pregadores, mais que nurica coslumam arremeçar-se
oorrtra o peccado. Maria moslrii-se agradecida obrando pro-
digios e graças especiaes n'eosri tempo, e fazendo com que
aicolheita seja abundante, notarrdo-se ser sempre maior o
numero das conversões n'ossr! tciivipo do anno.
a certo que por Maria coriuPgiiimos tantos beneficias;
que a devoção seja sempre cresi;enle para com a mais ter.
na e carinhosa das mães; que os nossos aflectos e os nos-
sos suspiros se dirijam sernpri? a Ella que muito bem pódo
conseguir para o mundo a paz i!a ordem, d e que tanto ca-
rece.

O BARTY'R DO,G O L O O T H A
(Continiiado d ~ pap
t 178)

Dimas seguiu o conselho de Uries, e, atravessando as-ve-


redas mais incultas, chegou a Jeriisalem tres dias depois; o,
q t r a n d o {na)oidads wuerdatal- ~ i e l a a p ~ r tJudiciaria,
a s e en-
aaminhou paaata~baixaf Jerusalein,; que era onde habitavai a.
cutileiro.
200 WITURAS POPULIJLES

O confiado artista achava-se occupado em fazer a ponta a


u m a faca com o peito inclinado sobre um rebolo, e bem lon-
ge por certo de imaginar que o seu devedor viesse inter-
rompel-o no seu trabalho tão agradavelmente n'aquelle ins-
tante.
- A paz de Deus seja comtigo, lhe disse Dimas en-
trando.
O cutileiro levantou a cabeça sem suspender o movimen-
t o do pé direito, que fazia girar a roda, e fitou um olhar
indifferenle no mancebo.
-Não m e conheces? Ilie perguntou o mancebo.
-Creio ter-te visto em alguma parte.
-Ha quinze dias, n'este mesmo sitio, me fizeste um fa-
vor e venho pagar-t'o.
-Ahl exclamou o cutileiro, recordando-se da scena, que
os nossos leitores já conhecem.
-Sim, eu sou o moço, a quem vendeste fiado um punhal
damasquino, cujo preç.0 era dois siclos.
-E agora melembro, volveu o cutileiro, que lu me of-
ferecesle.. .
-Vinte onças romanas; aqui as tens, tornou Dimas sem
o deixar acabar, e tirou d'uma bolsa d e couro bastante re-
pleta as moedas indicadas, que foi deitando,sobre uma su-
ja mesa, que estava junto do rebolo.
O sonido da prata feriu agradavelmente os ouvidos do
judeu, a julgar pelo sorriso que lhe animou o semblante.
-Por Jacob e minha mãe que não espereva que cumpris-
ses a lua palavra!
-Fizeste mal em desconfiar.
-Tens rasão, e alegro-me por Deus vivo que assim te-
nha succedido, pois isso me indica que fizeste fortuna.
-Não muila, mas estou em caminho de a fazer.
-Herdaste d e algum parente?
-Não.
-Por fortuna achaste algum thesouro no velho palacio
d e Salomão ou David?
-Nada d'isso.
-Então...
-A minha fortuna tem urna origem que não posso re-I
velar-te; mas, s e não se te apagar da memomoria o meu
LEITURAS POPULAREB 931
nome, algum dia o saberas sem necessidade de que eu t'o
diga. Chamo-me Dimas: não o esqueças.
-Deus d e justiça! Entao tu és o matador do sacerdote
irsaac,(V Cesse veitio avaro e ruim a quem os confundam? ...
-Sim, eu matei-o, porque devia maia1.0; a faca, que me
emprestaste, foi o instrumento; em nome de meu pae t'o
agradeço; em meu nome as vinte onças romanas que acabo
de entregar-le.
E Dimas, sem esperar resposta, tomou por uma riia adian-
te, deixando o cutileiro absorto e aturdido.
Dimas encaminhou se para a esterqueira, onde, segundo
noticias tinham os enterradores deixado o cadaver de seu
pae.
Restavam-lhe na bolsa ainda mais de dois mil obolos, e,
firme no seu proposilo, queria dar honroso sepiilcliro ao
aiiclor d e seus dias; mas tudo foi em v30. Tres horas d e
escrupulosa busca empregou n'aquelle liediondo sitio o al-
fim perdeu a esperança de achar os restosde seu pae, que
talvez houvessem servido de pasto aos brita-ossos e corvos
que pairam na pesada athmosphera de tão repugnantes si-
tios.
Então duas grossas lagrimas lhe assomaram As palpebras,
e, levantando os olhos ao c60 na direcção do templo d e
Sion, nome011 estas palavras:
-Pae e senhor, tu foste bom durante a vida ; eu imis
tei a tua lionradez , vivendo ao leu lado! Porque ao veres
a desconsolação d e teu filho, não me cliamas para que pos-
sa dar-te sepdltura digna de ti?
Dimas soltou um longo e doloroso suspiro, e, como s e
com elle houvssse expellido um d'esses pesos que oppri-
mem o coraidão, larnou a curvar-se sobre a terra, e com 0
auxilio da sua longa faca coritinuou a interrompida e peno-
sa tarefa de remover aquelle montãojde ossos e pedras e ca-
daveres meio insepullos, que se lhe estendiam debaixo
das plantas.
Dimas procurava com o mesmo afan que se aqi~ellasec-
ca e esteril terra occultasse um thesouro.

(i) Isaac significa riso. Assim se chamou o menino que Sara pariu,
pois tendo 80 annoe da edado quando o anjo do Senhor lhe annunciou
queeeria mue, @opon: a rir, crendo qu0 mofava ù'ella.
E02 L E I T U R i S PUPULAREY

O seu amor filial lhe lvz esquecer que os abrasadores


raios do sol lhe caiarn.per~~i?ndicularrnente sobre a cabeça.
Pela frontecorriam-ltie g i ~ ~ s s o ~ ' f tle
i o ssuor, que, conver-
tidos em gottas, iam cair e lirsiler-se entre a removida ter-
ra, quo feria o prolongado i, cootinuo golpe de seu punhal.
Aquelle joven formoso, ~;ilonree forniclo, coberlo desuor,
abstracto no seu trabalho, iiilliiferente a tudo lrnenos aoque
o occupava, era verdaileir~imeote um modelo de Iillios.
Cada cabeça que assouinr;i li flôr da terra, cada membro
que descobria, era uma e:;pc3iança; mas, quando os seus
olhos, ao buscarem as feiyõtls queridas d e seu pae, se en-
contravani com o livido e ;isqueroso semblante d'um des-
conhecido, então Dimas caiiii~iliavaalgiins passos, dando um
doloroso gemido e conlinuii\la o seu tral~allio.
Aquelle gern!do era urna esperança, que 1heJPugia do co-
raçao, queixando-se de tsr sido vencida pela realidade L d e
um desengano.
Morto de fadiga, falto de alcnto, deixou-so cair A som-
bra de um salgueiro sem esperança de poder achar o cada-
ver de seu pae.
Ali, sb com a sua dor, o nssalloii uma idba terrivel, e um
sorriso feroz lhe perpassoti pclos labios.
-Sim, disse comsigo, é isso; esta noite irei ao valle de
Josaphat ; procurarei o opiilento sepiilcliro d'esse phari-
seu, d'esse yellio cruel q u u irifarnou ocadaver d e meu pae;
arrancarei a lousa que o cobrae; lirarei o corpo perfumado
d'esse miseravel, e deixal.o.liei rCeste imrnurido sitio,lpasa
que seja pasto dos carnivoros raposos que rasgarão a mal-
dita carne, ernquanto o nor:li~rno onocrotalo, apoiando a s
iferinas ,garras na sua impura fronte, batorido as negrastams
.sobre a sua insepulta cabeça, soltarh alegre oiseu grasnid'o
horrivel o pavoroso, prepariinclo para io festim as dois es-
,tomagos,t3 famintos de carrie liumana.
Dimas, dcpois de proferir tio terrivel ameaça, acudiu a
cabeça, como se as furias do inferno se agitassem lera torno
(i) O onoerotalo é o corvo nocturno dosthebreus e*grcgos.Tem naB
fauces outro eerlomago, que enche d(1pois de fui to para rominar a car-
ne nos momentos de fome.
O seu grasnido I! trircte erharrivcl; Bs uezes introduz o pescoço nà,
agua,le 86 com a:respira(j&oimita o zurro dos onccgroa ou asnon nil*
vestres.
~errrfdbspo~manlrs 2m
&elle, queimando-lhe as faces com seusLardentes e impu-
ros silvos.
Seus labios entke abertas, seus olhos brilliantes e en'co-
vados, sua face descomposta, davam hquel~lebello semblanu
t e alguma cousa d e terrivel, de infernal.
-Eu era bom, tornava a dizer, eJtu me impelliste aoa
crime. Um mar de sangue corre ante meus pbs; a minha<
vida serd infame: alrninha mOi8tba cruz; o meu corpodivi-
dido:em~pedaçosis e verá tahez exposto nos camrnh'os. De*
tudo.isto tu tens a culpa: vellio avaro de coraç5'0 ddorootia:
Maldita1 sejas! Maldito sejas como apniulh'er impura at6 B
decima geração, que eii juro eule~rninar,emquanto o meud
braço terxha.força para empiinl~aro punlial vingadoi*!...
E Dirnas, como s e com aq~iellasmaldiç8es houvesse exha-
lado! todo o seu espirito, deixo11cair a cabecã sobre a s mdos
com abatimento.
Assim permaneceu porr ospaço de milito tempo.
A brisa da tarde começoti a remer entre as copas das: alrL
vores e ainda permanecia imrnnvel.
O vento nocturno suspirou vntre as-plantas,db campo; e
Dimas não s e movia ù'aquelle sitio.
A lua 14 do ceo banhou com sciis tibios raios aAcylindri-
cfi;ertaltallorre d a ) DLivid, e L)imas ainda permanecia na
mesma iposiçãoi.
Ks cegonl~as dos altos mina reles de Jerasalem, começa-
vam a deixar ouvir seus cantos, e uin mocho, passando en'a
tre: os ramos das arvores, ao [r6 daqual sedachava i m m ~ l e l
ef silencioso oijoven orpbão, soltou ao vento a seu tetrico'
e compassado pio.
Então Dimas poz-se a p6 e c~lliouern lorno de si, como
ser acabasse de despertar d'um ~)esaclbsomno:
O seu rosto tinha perdido a I'er~ocidatlbque pouco antes
mostrara!
Q sou olh'anCtRske e ainda$Iiilrnido~pelas lágrimas de fok
go, que linha derramado, era rloce c inoffensivo.
Um suspiro anguslioso-e prolongado Ilie saiu do peilo.
-Não, mil vezes não; disse falando cornsigo; nunca pro-
fanarei os cadaveres: nunca dbixarci sem prelecção os ve-
lhos e a s crianças. A morte e n infancia serão sempro res-
peitidasipoi! D'imxs O in'cinor'osu. I'O~cloa,pois, meu pae. Vin-
204 LEITURA8 POPULABES

guei-te no corpo vivo. Deixa que respeite a maleria inerte,


que serve d e sustento aos vermes da terra ...
Dirnas, durante as horas de triste meditação decorridas
ao pe d'aquella arvore, sustentara uma Iiicta horrivel entre
os desejos d e vingança e os instinctos bons e generosos d e
seu juvenil coração, e, como se vê, o coração sahia vence-
dor.
Desistindo de seus planos, só uma estrada s e abria ante
elle: a dos montes de Sarnaria. Encaminl~au-se para ella.
chegando no quarto dia, ao declinar da tarde junto aos mu-
ros de inexpugnavel fortaleza dos bandidos, e entrou n'sl-
Ia do mesmo modo que da vez primeira.
Apenas entrou, encaminhou-se para a cosinlia, mas esta-
va deserta. Então eslendeu-se no chão e esperou.
Tiniia desoito annos, e o somno n'esta edade, qiiando se
tem andado muito, não tarda a descer sobre as palpebras.
Dimas dormiii com a mesma tranqui!idade com que dor-
mia em casa de seupae, quando o somno innocente da ado-
lescencia Ilie sorria sobre a formosa cabeça.
Jh muito entrada a noite, o alçapão, que os nossos leito-
res j i conhecem, abriu-se para dar passagem aos foragidos
d e Abaddon.
D'esta vez vinham carregados d e presa, e nas suas ghy-
sionomias selvagens e ferozes brilhava o contentamento.
Como a habitação estava escura, não repararam em Di-
mas.
O capitão mandou a um dos bandidosque accendesse a s
têas e pouco depois as negras paredes s e tingiram d'essa
claridade avermelbada e incommoda das resinosas mate-
rias.
Então viram Dimas dormindo tranquilamente sobra o du-
r o e frio pavimento da cosinba.
-Cumpriu a sua palavra, disse Abaddon, dirigindo-se
aos seus. Creio que d'esta rapaz se poderi tirar partido.
CAPITULO TI1

O baptismo de sangue

Desde aquelle dia pertenceu i terrivel quadrilha dos Sa-


maritanos o orphão de Jerusalem.
LNTUnAB POPULAIIES 205
A sua juventude, o seu valor, e a sua graça pessoal, fo-
ram entre aquelles desalmados poderosos motivos para que
todos o olhassem com certa d e f ~ e n c i a ,que não escapou 4
perspicacia do joven aventureiró.
Por oulra parte Abaddon, velho encanecido no crime, co-
m e ou a olhal-o como filho.
6 seu coração callejado nunca havia amado, e ante ayuel-
le bello e temerario joven que o acaso tinha lançado no seu
caminho, começou a sentir essa doce sympathia, esse afan
desinteressado e puro que sentem os paes pelos filhas.
Dimas, medianamente instruido nassagradas Escripturas
por um rabino amigo inseparavel de seu defunto pae, tinlia
a vantagem sobre todos os seus ferozes companl~eirosde
lèr e escrever o bebreu com bastante correcção.
Algumas noites, quando os espiões não traziam novas fa-
voraveis e era preciso permanecerem encerrados na sua gim-
rida, Dimas que linha comprado em Sichem ( I ) o Pentateu-
co, (3, lia-lhes as sagradas e pakiarchaes narrações, que
o historiador dogmatico, o insigne philosopho, o admiravel
'cheologo, o inspirado propheta Moysks havia escripto para
os descendeqtes d e Abraháo.
Esta siiblime inspiqação d o Eterno que transmittiu ao po-
vo israelita o seu i:lustra caudillio e libertador, tinha agra-
davelmente entretido aquelle punhado de homens, que o
crime expulsára da sociedade, obrigando-os a viver nas pro-
fundidades das cavernas, como as feras carnivoras do de-
serto.
As vezes, quando Dimas com doce e sentida entoação
Ihes transmittia as sabias narraçSes do, legislador do Sinai,

(1) Sichem, ou segiindo os hebreus Dichar, pupuloea cidade de Sa-


maria, situada entre os montea I-Iebal c Garizim. Perto d'esta cidade
.se acha Bethel, onde Jacob viu a Deus em sonhos no alio da ea-
cada.
(l) O Pentateucho palavra grega que signi "ca cinco volumes 0
eram: o Geneais, o Kxodn, O Levitico, os Numeroe a o Deuteronomio.
noa quses se encerra tudo o que aconteceu ao povo de Ieracl desde a
creagilo do muiido at15 t i morte de MoysBs, seu auctor. Este 6 o unico
livro que os aamaritanos respeitam, tendo-o como divino e como uni-
00; despresam os outros como couea inutil, porque se esci.averam do-
poia da sua aeparaçfio dos jndeus.
Confiarvaram-sr em antigoe caracteres hebraicos, que eram ou que
s e usavam antes do captivciro de 13abylonia.
as ferozes bandidos prorompiam em espantosas acclarna-
çGes, e a admiração par:) aom o seu joren oompanheiro c&-
gava ate ao enthusiasmo.
Erilão os banilidos aconselhavam a Dirnas que abandonas-
se o seu nome, que nenhuma significação divina tinha en-
tre os hebreus, e tomasse outro d'aquelles que, aju!itando
algumas letras segundo o seu oostume, exprimiam uma con-
dição celesle ou honrosa no que o usava.
-Todos lhe qoeremos como a um filho, grilnva um ban-
dido; ponhamos-ltie o nome de David (9, que 16 esse a que
lhe compete.
-1Vã0, não, dizia outro, Jeliovi enviou-o enlre nbs; de-
ve ctiamar-se-dhe Samuel (".
Dimas escutava como o sorriso nos labios as contendas doa
seus companlieiros, e acabava por c o n ~ e n c ~ 1 .de
0 ~que o
nome posto pelo pae era o melhor e o unico que devia usar
o filho
Assim decorreram alguns mezes.
Dimas foi insensivelmente inculcandb an'aquellae corações
algumas idéas liurnanas, fazendo-lhes rêr que nada podia
dxaltal-os tanto aos olhos dos isrwlitas como II converterem
a8 suas vandalicas façanhas em hepoicas {e temerarias em-
presas do solrlados independentes.
Uma guerra de partido contra Herodes e os romanos era
o que Dimas se propunha levar a cabo, protegido, como
ora, pelos sscabrosos montes da Sarnaria.Mas os saiis fero-
zos companheirosnão se decidiam a abandonar facilmente os
seus antigos costiimes.
O roubo, o crime, e toda a sorte de excessos, tinha sido
por espaço de muitos annos 0 seu viver, e quando so en-
cariece duma profissão, adquirem-se certos habitos, que
chegam a encarnar-so no mesmo ser, formando por nssim
dizer, urna segunda natureza que só abandona 'o iadividuo
quanclo o ultimo sopro da vida Ilie oscapa do peito.
Diinas cenlieceu que, para lograr o seu inlento, era pre-
ciso deixar correr o tempo e os acontecimentos, ou rodear-
so de gente moça o pouco endurecida no çriine, e resi-
gnou-se a esperar melhor occasião.

.
O
"
1 osto por Dcus.
Uma noite, os bandidos tiveram noticia pelos espiões de
que uma caravana, que conlluxia a Jerusalem as mercado-
rias de Tyro, acarnpira n'uma quebrada das cordilllciras de,
Joppe.
Abbadon dispoz cair sobro ella e saiu da sua giiaridn se-
guido dos terriveis comparitieiros.
A noite era clara e serena; hrancas e vaporosas nilvens,
como pequenos flocos de neve se deslisavain pelo limpido
horisonte, salpicantio o diaphano azul do cco com suas poe-
tic- e çapricliusas oscillações.
As vezes, a lua escondia a sua prateada fronte atraz dos
fluctuantes veos, que se agitavam rio espaço, rnostrando
de vez em quando a clara luz dos seus raios pnr. erilro as
arrendadas orlas das nuvens, e como as virgeris de Sion lan-
Cavam seus alhares alrnvez clo seu fino e delicaclo veo.
Noi~e formosa e poetica, cheia de encanto, mysterio e
doçura, em que o ceo sorria e a torra exhalava os perfurnes
do seu seio.
Porqiio uma noite serena dirige ;i alma o immenso tlie-
souro de encantos, emquanto quc a belleza do dia so nos
fala aos sentidos.
O sol arranca lagrimas dos olhos; e a lua suspiros do
coraçio.
A noite representa a bondadc e doçura do Creador, e o
dia o poder e a força de Deus; por isso, euiquanto uma
chora lagrimas doces e perfiimarlas como o rbcio, o astro
fecunda e abrasa corn os raios d a siia pyra de fogo.
Sem as deliciosas brisas d n noite, sem o perfumado so-
pro do zephyra noctiirtio, o mundo seria urn abrazirdo de-
serto, urrr pararno irihabitavel.
A lua é a amavel confidente, a doce amiga, a terna com-
panheira das almas sensiveis e apaixonadas.
A sua lua tenue e delicada pode-se contemplar com ex-
tase como os ollios do ser que amamos, e o corsçio dilata-
$e no seu estreito carcere, admirando a molancolica poesia
que brota tla siia fronte casta e radiante.
Ella 6 a m3e bontlosa (10s filllos do iiifortonio. Os 1-10-
meps mais altivos iião se envergonliam de cliorar arilc a
sua presença, clesafoganclo as dores do c o r a ~ ã o ,as pGnas,
da vida, porque os raios, que o seli disco derrama sobra a
terra, estão impregnados da inexgotavel bondade de Deus, 6.
208 LEITURAS POPULARES

fecundam a esperança nas almas que soffrem, a consolação


nos corações que padecem, como o claro manancial, que se
deslisa entre os cespedes do prado, derrama a vida e fra-
grancia com seus frescos beijos no calis das violetas, ane-
monas e perpetuas.
A lua e finalmenle o sorriso dos anjos, o r6cio celeste,
que Deus envia, todas as noites, do seu ceo para dizer aos
desgraçados :
-Esperae, con6ae. Eu não vos esqueço.
...................................................
Os bandidos deslizavam-se de rocha em rocha para o
ponto indicado pelos espiões.
Pela meia noite chegaram ao cume &um outeiro e pa-
raram.
Uries, que era o mais pratico, separou-se dos compa-
nheiros para explorar o terreno, pois segundo os seus cal-
culos a caravana devia achar-se acampada n'aquellas visi-
nhanças.
O bandido, arrastando-se como uma cobra, chegou sem
fazer bulha A borda d'um barranco, e agarrando-se a uns
arbustos com as suas callosas e robiistas mãos, se inclinou,
ficando quasi suspenso sobre o abysmo, para reconhecer o
sitio.
A noite era clara e a lua deixava ver os objectos sem
diffictildade. Uries estendeu a vista alguns segundos pela
pacifica \leiga que se estendia a seus pés, e depois foi reu-
nir-se com seus companheiros.
-Conta, Ilie disse seccamente o capitão, vendo-o chegar.
-Effectivamente, disse Uries com indifferença, a carava-
na, como nos disseram, levantou a sua tenda no valia d e
Joppe. Todos dormem, camellos e homens; mas julguei ver
luzir 4 luz da lua alguma cousa semelhante aos capacetes
romanos.
-Seri uma apprehens5o tua, tornou o outro.
- Tenho bons olhos; bem sabes que me engano poucas
vezes. .. e principalmente d e noite.
-Não tem nada de estranho que em alguma cidade das
circumvisinhanças, tornou a dizer Abaddon, se Ihes tenha
reunido algum soldado.
-Ou podem ter pedido uma escolta em Sichem os mes-
mos caravaneiros, disse Dimas.
LEITURAS POPULARES 209
-E que farcrnos? perguntaram outros.
- Por Deus vivo ! Que havemos de fazer ?. .. Descer ao
valle, e s e forem romanos ou berodianos levar as suas ca-
beças para o nosso castello como troplieo da victoria, ex-
clamou Dimas cheio d'amor patrio.
- Tem razão o mancebo; desçamos á planicie, tornou a
dizer o capitão.
Os bandidos apertaram as correias dos cintos, viram s e
os punhaes salliam com difficuldade das bainhas, e aper-
tando com as dextras as lerriveis azagaias, se encaminha-
ram em busca dos caravaneiros.
Pouco depois, caindo de improviso sobre a tenda, a en-
volveram como uma rede.
Os commerciantes, surpreliendidos nas primeiras Iioras
do somno, acordaram sobresaltados; o panico s e apoderou
d'elles, e desde entáo só pensaram em fugir, deixando e m
poder dos seus terriveis inimigos os fardos e os camellos.
Mas não succedeu o mesmo aos tros soldados romanos,
que ao primeiro grito de alarma saltaram com ligeireza
acima dos seus cavallos, armando as dextras da curta e
terrivel espada que os fizera senhores do mundo, e se lan-
çaram com impeto sobre os baiididos.
Um romano, e sobre Indo um romano da Palestina no
tempo d e Herodos, ter-se-bia crido ùesbonrado, retroce-
dendo diante de seis judeus, raça vsncida e escrava, que os
filhos do Tibre olhavam com insultante desprezo.
0 s legionarios do Idumeu regressavam a Jerusalem, ti-
nham topado por casualidade com aquella caravana, e ha-
viam-se unido com ella por esse espirito sociavel que do-
minava os soldados do Capitolio.
Os romanos, soltando um grito de guerra, ao qual se-
guira os nomes de Morte e de Iilinerva, brandiram as es-
padas sobre as cabeças dos bandidos; mas ai! aquelles is-
raelitas não eram os fracos e covardes filhos da cidade d e
Jerusalem; eram raios cia montanha, soldados ferozos d o
deserto cuftidos com o sangue e os perigos, e depois, o
terrivel renome de moradores do monte Mebal Ilies quintu-
plicava as forças.
Os romanos náo podiam fazer mais que bator-so atú mor-
rerem, e assim o Bzeram. Mas a sua morte custou cara aos
sairiaritanos.
Abaddon, o velho capitão, querendo cravar a azagaia no
peito do cava110 d'iim de seus inimigos que o perseguia,
recebera uma terrivel estocada no pescoço, pela qual, em
poucos instantes, lançou até a irllima gota de sangue das
veias.
A mais dois l~andicloscoube a sorte do seu cliefc.
Dimas malou pela siia mão um dos legionarios, arremes-
sando-lhe a azagaia que teve a fortuna de Itie cravar no ~ ~ e i t o ;
mas ao mesmo tempo recebeu uma terrivel coti14d I ~ na a ca-
beça que o fez vacillar, e que inevitavelmente o seti inimigo
seria sogundado, se Uries não liouvesse saliido ein sua de-
feza, cravando o punhal no lado do romano, o quci o fez
cahir do cavallo.
A lua, sempre clara e formosa, alli~mioiicom seiis tibios
e poeticos raios, aqoelle comhato, aquella scenri de san!ue,
em que seis homens tinliani soltado o iiltiino sopro da vida,
e cinco Icivnvam nos corpos sangrentos signnes.
Os bandidos, seriliores do campo, dispiiullarn-se a carre-
gar os caniellos coin o mais rico da presa e a collocar e m
outras os foridos qire não poclia~npelo seu eslado andar o
caminho a p6; mas Dimas, qiie airida que ferido não tinha
perdido a serenidade nem os sentidos, os deleve, dizendo-
lhes :
-Companheiros, antes de partirmos demos ~ e p i i l t ~aosri~
morlos, com o qiie Lioriraremos o corpo dos nossos cama-
radas, e náo deixeinos rasto d'esla calastrogl-ic que experi-
mentamos, que semprc poderia alentar os nossos persegui-
dores.
Esia segiinila rasão convenceu os bandidos, que irnrne-
diatamente se pozerarn a abrir uma cova, c, pouco depois
romanos e sumaritanos jaziam sepultados para sempre sob
o pezado manto d a terra.
Os bandidos abandonaram aquelle sitio muilos, e carran-
cudos. Uimas caminhava a pé ao lado dos cornpariliciras
som despregar os Idbi0~.
Pelas faces eorriam-llie clnas lagrimas. O veltio capitão
tinha lhe moslrado iim alfecto franco c dcsinteressailo, cba-
mavs-llie seu iiltio, e o joven agradecido cliorava pela me-
moria do seguado pae qiie acabava de perder.
Bastante entrado o dia cliegaram aQ mantu Ilebal, e a
poucos passos da entrada subterranea pararam.
L E I ~ U R A S POPULARES 211
-Que s e faz aos camellos? perguntou Uries, dirigindo-se
a Dimas como se fosse o chefe da qiiadrilha.
-Descarregae-os, e depois vollaa~lliesas cabeças para (4
mar, dae-lhes a voz d e marcha e que vão para onde qui-
'zerem.
- Não sfei.ia meltior vtindel-os Amanhã em Betliel? disse
uui dos barirlitlos.
- Jh vos disse que convem desorientar os novos persêa
guidorcs, e eslcs cainellrs poderiam descobrir-nos.
-Tens rasão, disseram varios bandidos.
Descarrega'tlos os camellos, colloc;ararn-n'os como tinha
indicado Dimas, e os ligeiros quadriipedes roinpernin u sets
largo lroie atravez do monte em direcçlo ao Oeste.
Então os bandidos melteram no castello, s bra~os,ii rica
presa que tai~losangue lhes custára.
fl'aquella noile, Dimas foi proclamado capitão; e, ao to-
mar o conimarido d'aqiielles desalmados, llies fez jurar tres
cousas:
Primeira, que amparariam sempre e stb com risco da
vida as crianças que nãio chegassem aos dez annos.
Seg~inSla,qne rnspeitariam ern torlas as occasiões, 8 a\&
a troco cle soflrerern violencin oil insullos, todos os vellios.
Terceira e ultima, qiie niirica deixariam os catlaveres in-
sepultas, tendo tempo para ciimprir este santo dever.
Dimas fez-llies comprehender que j4 que a sorte os lan-
çira 4 vida de avcntureiros, o qiio náo era niuito bello, era
preciso que a guerra i sociedade se Bzcsse com condições
mais siiaves qiio alb entáo; e pois que :i soa intenção não
era outra que a de s e onriquecerein empobrecendo o pro-
ximo, que isso se podia conseguir sem necessidade do ter-
ror ao abrigo d'rlma handcira clot pnriitlo, que corno bons
israelilas deviam levantar em defeza da patria humilhada
pelos impios romanos.
As palavisas de Dimas inílnrnmiirlitn os seus coinpariliei-
ros, e alguns d'elles chegarnm a sentir o remfirso pelo san-
gue derramado e tempo perdido na pilliagem e iio crimo.
Depois, esqiiecendo o capitão morto, se bciiicu, nt6 caliirern
rolando pelo c1120 embriagados, ii sautle do cripitão vivo.
Desde então a quadrilha tle Dimas, ainda que vivia (10
roubo rio despo\loado, começou a ser tnais Iiiimatia, clio-
gando com o ternpo a ser mais que uni baiiitlo de ladrões
212 LEITURAS POPULARES

um punhado de homens livres, que amantes da sua lei, re-


ligião e independencia, com suas espadas faziam guerra ter-
rivel aos soldados do tyranno I-Ierodes.
Agora retrocedamos outra vez ao capitulo segundo d'este
livro, quando, A avermeltiada luz d o rolampago, vimos desli-
zarem-se pelas quebradas surdas da Samaria oilo bandidos
d e aspecto feroz, entre os quaes caminliava um joven ar-
mado com uma azagaia e envolto ri'um capote d e pelle de
camello.
Este joven era Dimas, que havia seis mezes capitaneava
os foragidos, alcançando, de dia em dia, mais apreço e do-
minio sobre os seus corações.
Explicados os antecedentes do moço bandoleiro, siga-
mol-o apezar do tempestuoso da noite e do fragoso do ter-
reno.
(Continúa)

25 DE JULHO

Batalha de Campo de Ourique


POR AYnES PINTO DE SOUSA

O sol de julho queimava


com seus raios a vibrar,
o ceifeiro descançava
de cançado de ceifar.
N'essas terras transtaganas
vem soberbas penetrar
essas hostes mauritanas
nossos campos a talar.
J i resoa pelos ares
o cordovez anafil,
corresponde a seus vibrares
a trombeta granadil.
A relva, que o vento cresta,
calcando vem o corcel,
foge toda a gente mesta
do grão poder d e Ismael.
Vem na frente caminhando
cordovez Abenelrar,
Amelek vem guiando
Mauritanos d'alem-mar.
De Sevillia manda a gente
o alcaide Benafa,
e d e Silves, rei potente.
bem de perto o segue'ji.
Aos àlardos gritadores
vem os chefes a apparecer,
os alarves batedores
pelas terras a correr.
Mui adestrados e ledos,
vem as hastes a b r a d i r ,
traz a bandeira dos crentes
u m valente e nobre Emir.
Essas gentes variadas
jB começam do chegar;
as bandeiras hasteadas
sollas vem a tremular.
L& nos campos deleitosos
d'ourique vem corribater,
hi, como donos vaidosos
começam campo a fazer.
Uma esp'rança bem fundada
dentro n'alma Ihes reluz,
cuidam A j ter conquistada
esta terra que seduz.
LEITURAS POPULAREB

Cuidam que o mauro crescente


acaso pode ter juz
de pOr por lerra o ingente,
o nobre pendão da cruz.

CANTIGAS

Uma silva me prendeu,


uma silva pequenina;.
não lia cousa que mais prenda
que os olhos.dluma menina.
I-Ia silvas quo dão amoras,
ha outras que não as dão;
ha amores que são firmes,.
ha outros que o não são.
Gheguei i borda do rio
Silva verde é meti ehcosto;
que importa que o munde fale,
s e o amor é. do meu gosto.
A salsa d o meu quintal
arrebenta pelo pe;
assim arrebente a bocca
a quem diz o que não é.
A salsa que eslii no rio
d e verde se esta revendo]
eu como iirnrel te adoro,
lu falsa. me estk vendendo:
Debaixol da' oliveira;
menina, 8 que B o estar,
tem a folha miudinlia
não entra 18 o luaa:
LEITURAS POPULARES

D'aquella janella d'alern


m e atiraram um limão;
a casca deu.me no peito,
o summo no corac,áo.
Alecrim B borda d'agiia
d e I'ongo faz apparencia;
muitas cousas se perdem
pela pouca diligencia.
011 meu manjaricão verde,
j i meu peito foi teu vaso:
ja IA tens aotros amores,
já d e mim não fazes caso.
Qiicm ama duas a par
deve ter grande talento,
para poder arranjar
tanta mentira a u m tempo.

PEDAÇO D'UW ARTIGO

Bem está pagando Victor Maniiel a sua Cristc fortuna:


prescindindo do que espera, que 15 mais terrivel e ~loloroso
que o que amargurou os dias do seu pae, vive elle enlre
angustias d e que náo'k po~sivel~bzer-se id8a. Em,Roma n8o
s e alrove a parar, apesar de ter mandado abrir quatro ou
cinco porlas secretas no Quiririal; e quando se 4iz que s e
acha em Turim, Florença, Pisa ou Milão, entende-se que8se
acha em alguma quinta, isolado d'cssas cidades, rodeado de
guardas, que, em vcz de Ilio tranquilizarem o animo, lhe
infundem novas inquietações.
A' imitaç'io de Crommel, Iiuncn Victor hlanuel dorrnc
d u m aposento, duas noites seguidas, neni #diz a ninguern,
até ao momento d e se retirar, q u e aposento oscolhou para
descançar, ,da mesma forma. A Irora das comidas~dosoe.iis
cosinhasco ii sua vista, regeitando o que se lho preparou,
'210 LEITUBAS POPULABES

manda fazer os guizados que lhe apetecem.-Olha que brin-


cadeira! antes pão secco.
E nem sequer pode abdicar como deseja ardentemente.
Tem dez ou doze filhos alem do principe IrIumberlo, rai-
nha a senhora D. Maria Pia, o rei Arnadeu e a princeza
Clotilde casada com o principe NapoleBo ; tem dissipado a
sua fortuna pessoal, querendo por isso sealisar um empres-
timo d e 3.000:000 de ilbras nãn pôde coriseguil-o em Ila-
lia, onde nioguem confia, na prosperidade da casa de Sa-
boya, foi pois fazel-o I Belgica, e ahi se lhe poz por condi-
ção que não abdicasse e alem d'isso s e lhe exigiu um fia-
dor que affirmam está eu1 Hespanha.

CASO INTRINCADO
E m 4834 a condessa de B... saliia de Maux em magni-
fico carro de viajem, acompanhada pela siia aia e iim cria-
do; dirigia-se a Bordeus para ahi, em casa da familia do
marido, dar 1 luz o fructo do seu casto amor.
A Providencia talvez não quiz que os seus planos se rea-
lizassem; a condessa, quando ia nas proximidades de Poi-
tiers, senliu-se insommodada e sc viu obrigada a recolher-
s e na primeira pousada que o acaso lhe deparou. Achava-se
ella então náo longe d'uma pequena aldêa, que ficava 5
beira da estrada. Procurou em váo uma casa coinmoda para
s e recolher, n'aquella ald6a não s e encontravam commodida-
des de especie alguma. Mandou procurar iim cirurgião pa-
r a lhe assistir, e esta preciosidade em terra tão miseravel
apparoceu. Vem o cirurgião; a condessa pergunta-lhe se
era possivel encontrar-se uma casa, na qual podesse pas-
sar a,quelle transe com alguma commoclidade; respondeu-
lhe este que perlo havia uma cabana muito aproveitavel,
attendenào ao estado da condessa, e que o alvcrgue per-
tencia a uma pobre viuva, mullier Iionesta, que estava tam-
bem proxima a dar á luz. Em taes circunstancias não va-
cillou a condessa no partido que tiriba a tomar; decide-se a
utilisar-se da cabana da pobre viova e eil-a em breve ins-
tallada ao pobre cazobre. Mas a dona da casa vd-se tambem,
como a condessa, em occasião proxima do dar ao mundo
mais uma creatura humana; o cirurgião mal sabe para qua
LEITURA8 POPULAnEB 217
lado s e ha d e voltar; e ora presta soccorros a uma, ora a
outra.
Momentos depois viam a luz do dia mais dois innocenti-
nhos, deixando as mães sem sentidos. Foi ainda o doutor
q u e os limpou e deitou no unico berço que havia.
A condessa, apenas recupera os sentidos, pergunta pelo
filho.
- Senhora, respondo-lhe o cirurgião todo embaraçado,
desculpe-me; eu devo dizer toda a verdade: - Estes dois
nascimentos foram quasi ao mesmo tempo, e vi.me tão
atrapalhado que fui deitar as duas crianças no mesmo her-
ço, porque n'esta misera\rel casa havia sb um. Os dois re-
cemnascidos são meninos, mas qual d'elles e o seu declaro
q u e o não posso dizer.
A condessa, depois de ter medilado algum tempo, volveu:
-Em casa de quem estou eu?
- ,TA iiie disse, senhora, que esth e m casa d'uma boa
mulher, pobre e viuva, ha poucos mezes, mne de tres me-
ninas, e d'este menino que decerlo vem augmentar-lhe a
miseria e não a alegria.
-Pois bem, doulor, concluiu ella; n'esse caso ambos os
meninos serão meus filhos.
Escreveu a o marido, informando-o do que lhe occorrera;
sste pouco depois achava-se ao lado d'ella.
Expoz-lhe quanto acontecera e yoal a sua resolução em-
quapto As crianças; o conde ouviu-a, sorrindo, e admirou
n'ella o amor de mãe. Pouco depois entrou em negociações
com a viuva e por fim acordaram ern que os recernnascidos
passassem para o poder da condessa, a qual, depois de
restabelecida, partiu com o maritlo para Bordeus, levando
comsigo as duas crianças. Esperava ella que a nalureza se
encarregaria d e desfazer posteriormente aquella confusão do
acaso, indicando pela parecença das feições o verdadeiro
filho.
Mas não foi assim. Nenl~uma das crianças dava a mais
leve id6a do pae ou da mãe.
Continuava a incerleza ao mesmo tempo que a ternura e
o amor da condessa se repartiam egualmente pelos seus
dois filhos não do sangue, mas do coraç30.
Morre o conde e 6 nomeado um tutor para os menores.
A condossa continua a ser egualmente estremosa para olles,
218 LEITURAS POPULAIICS

não se poupando a despezas para condignamente os sus-


tentar e educar, escolhendo para isto um bom preceptor,
que tinha em sua casa.
Chegaram á edade dos 21 annos, e reuniu-se o concellro
d e familia para tratar da emancipação d'elles e dar Liquelle
a que por direito pertencesse, o nome e liítvcres do conde.
Interrogada a condessa sobre qual d'elles clevia ser o Iier-
deiro, respondeu:
- Decedi vbs, pois eu não tenho c o r a m n para o hzer;
se derdes a um d'elles os haveres de meu marido, c u da-
rei ao outro os meus.

A MARAVILHA DE VENEEA

O seculo 37.930 lecundo em grandes genios, como cm gran-


des virtudes, não podia rleixar de legar 3 posteridade algu-
mas celebriclades femininas. Pallaremos hoje d'uma q11e
constitue um dos seus mais beilos diamantes; a joven IIe-
lona Carniiro, illuslre veneziana, descendente das mais no-
bres familias da repoblic::, e cujos ascendentes figuram e m
todas as paginas da historia de Vencza ; esta donzella foi
destinada desde o berço a dar á sua familia ainds outro ge-
nero d e illustração.
Como era dotada d e espirito superior e de não vulgar in-
telligencia, quiaeram fazer d'ella iIma mullier sabia, doutora
sm sciencias, e que nada ignorasse em todos os ramos dos
conhacimentos humanos.
A modestci joven só desejava uma vida liumilde como o
sou' canacter, simples como o seti coração, o fizeram d'ellal
uma maravilha 1 SO tinha nocessidado d e oraç'iio e de paz :
sobrecarregaram-n'a de penosos cstudos. O grego classioo,
latim, francez, grcgo vulgar, o hcspanlrol e o liebreu:
formáram o periodo de seus primairos ostiidos, e c10 tal
modo se excedeu n'elles que, apropriando.so de tão di-
versas linguas, as falava e escrevia com correcção e.elogan-
cia.
Tambem a philosophia, llieologia e todas as sciencias oxa-
ctas a ocmparam egualmenta. Mas, por um extraordinario
contraste, o espirito da donzella, quo penetrava com admi-
LIITUXASPQPULAnES au
ravel lucidez todos os segredos da sciencia, sb com extre-
ma irepugnancia, e por obedecer A vontade de seu pqe 6
que se dedicava ao ,estudo.
Aborrecia a gloria ; parecia morrer de confus"a e cons-
trangimento, quando sabios e illtisires eslrangeiros, attrahi-
dos pela sua reputação, vinham ouvila e admiral-a.
Quando seu.pae qtiiz que fosse recebida como mestra em
artes ~eidoutora em pliilosophia na ,universidade tle Padua,
a sua perturbapão n8o leve limites: lançoii-se a ~ 0 ~ pbs~ba-
1s
nliada e m !agrimas, supplicarido-llie afastasse d'clla ,esse,ca-
lix, e protestando que, se a siihmettessem a uma tal prova
n50 Ilie subreuiveria muito tempo.
Alsua predicção, assim como as seus prantos eisoluços,,
tudo.foi inutil contra a inexorav~l vaidade do sei1 pae. 4
unica graça que obteve foi ti do não allparecer na ,presens8
d o ,concurso immenso que a festa de Santo Antonio attra-
hia ia Padua,
.Durante o espaço de tempo, que lhe foi conceilido, ,quiz
preparar-se para esse terrivel dia, não como coslurnam f?-
zer os candidatos ordinarios, consultando os sabios e os 11-
vros, [mas recorrerido A protecçao da Santissima Virgem, e
ao Bacramento da Eucliaristia, a fim de receber ali todos
os sentimentos de liumildado e resignaçRo, e um scguro pre-
rser.vativo {contra as illusões do amor proprio, e pekigosos
deslumbramentos da vaidade.
Apesar das mais engenhosas precauç,õos que,pdde imqgi-
.nar a aua ,modestia, !a cidade enclieu-sc dolcuriosos,dosar-
redores, pcinaipalrnente d e Nen~za, para assistir~m,a um
esl;eztaculo tão novo como extraordinario; e cari~oa gran-
d e sala da univepsidade estava longa de poder,~anlerno seu
crccinto Lamanha~multidão,foi deciditlo mrn geral satisfação
dos recem-cliegacios, :qua IIelena Cornaro sasleritaria ,a
tlheso na ,vasta (Basilioa d e Santo Arrlonio ; esta resolu~ão,
!longe d e augmentar a sua praociipar,ão a agonia, pelo,oop-
trariio a fez experimentaraum,grande ,transporta de~alogtiis.
Parecia-llie que ali estaria mais immediatamenlo s s b , a pvn-
.te~çáo de Deus e de Maria Sanlissima, e oe coria~ões~ d o s
,seus ouvinles mais dispostos A indulgencia e 4 piodade.
Na irnaqliã d o dia 26 de junlio do 1678, o repique (I9s
sinos !e o (sussurro da multidáo, que sa cagglomerava
fronte da sua habitação para a ver saliir, lhe annurlciaro&I
220 LEITURAS POPULARES

que o momento fatal s e aproximava. Antes de sahir poz-se


d e joelhos, e erguendo ao ceo as mãos supplicanles, come-
çou uma oração que conlinuou e rept?liu em todo o tempo
que durou o trajecto, sem que os murmurios approradores
as acclamações d e praser. q ~ i oa colhiam na sua passíigem,
podessem distrahil-a um momento da sua ferventissima prece.
Quando a joven donzella transpoz os iimbraes da egreja,
esteve a ponto de cahir desmaiada : n'esse momento ella
tave a apprebensào de iim transtorno momenlaneo na sua
memoria, e, para acalmar o susto, que tão terrivel id6a lhe
fez sentir, arrastou-se tremendo e foi cahir ao pc do altar
da Virgem, implorando a sua protecção. A l i recuperou toda
a sua coragem. Appareceu na tribuna, pailida, solemne com
a fronte cingida d e louros ; os olhos primeiramente baixos,
mas depois elevados para o Ceo com uma cxpressão indefi-
nivel de suavidarle, de piedade e de dor! Os espectadores,
qiie haviam segiiido com a maior nttenção os seus menores
snovimentos, vendo-a assim, tão sublime e táo modesta, táo
illustre e tão humi!de, commoveram-sc ate ao ponto de der-
ramar lagrimas !
Bem depressa o enternecimento deu Iogar ao entliusias-
mo, quando viram com que precisão de dialectica, com que
arrebatamentos d e eloquencia a joven tratou. as mais espi-
nhosas questões philosophicas, que lhe foram propostas 1
Por muitas vezes, suas deducções foram inlerrompidas por
applausos unanimes, e estas interrupções lisongeiras, longe
de produzirem n'ella o mais ligeiro rnovimeiito de orgulho,
perturbavam-n'a a ponto que foi preciso alreviar a prova,
para não prolongar mais o seu doloroso solrrimenlo.
Reconili~ziram-n'a a sua casa em trilimptio, e os estran-
geiros exclamavam absortos: Se Trenezn a nlarnvilha do
mzdtzdo, Ilelena era a maravilha de 1ri:?icza.
Porem, este dia triiimphal alteroii para sempre a sua
saude e deixou-lhe a origem da viila : caliiu doente de orna
enfermidade de languidez, que a conduziu lcxitameritc ao 90-
pulchro.
Comtudo, no termo da esislencia, um relampago d e ale-
gria veiu ainda reanimar aquella alma sublime e piedosa,
que não fbra creada para as alegrias da terra, quando sou-
be a victoria que João Sobieslri ganhava sobro os turcos á s
portas de Vienna.
A sua mão moribunda pôde ainda celebrar em phrases
harmoniosas a gloria do libertador da Christandade-orou
por elle, e invocou em seu auxilio o poder de Maria prote-
ctora dos polacos : preoccupada sempre d'esta imagem, nos
seus ultimos momentos orava ainda por esta causa santa,
julgando ver a Rainha do Ceo que lhe estendia os braços ...
e morreu... assim ... docemente arrebatada na sua visão en-
cantadora I. ..
A pompa terrestre, que tanto liavia temido durante a vi-
da, a seguiu ao tumulo; as soas exequias tiveram todo o
apparato. Uma pompa triumphal, louros, lyrios e lagri-
mas lhe cobriram o athaúde; todas as vozes repetiam os
seus elogios ; sea nome foi celebrado e abençoado, e Vene-
sa inteira a chorou como uma das suas glorias.
Helena havia realizado a idea que seu pae sonhava para
@lia, mas a morte foi a consequencia d'esse esforço supre-
mo, d'esse sacrificio completo das suas mais caras tenden-
cias. Aquella que só desejova a quietaç50 e o silencio, mar-
tyr da humildade e da obediencia, pagou com o sacrificio
da sua vida esse estrondo de gloria, esse 140 rumor que, n a
terra, circumdou o seu nome.

FOLHAS DO MEU DIARIO

Com este titulo publicou-se em Londres lim livro, que


seri popular em toda a Europa.
A occasião em que saiti a luz parece dar-lhe o cara:ter
d'um precioso Christnzas g i f ~(presente de natal) da rainha
de Inglaterra ao seu povo.
A rainha Victoria tinha por costume desde 1842 levar
comsigo um album em quo escrevia, com o abandono da
sinceridade, seus sentimentos e suas impressões de cada
dia.
Havendo tido occasião de lel-o o sr. A. Ilelps, dislincto
escriptor escocez, guia que foi do principe Aiberto nas siias
excursões pelas montanhas, foi tal a impressão que rece-
beu com a sua leitora, que pediu encarecidamente i rainha
lhe permittisse imprimir alguns exemplares para repartil-os
2% LEITURAS POPULbnES

e n l ~ eas pessoas, a quem Victoria I distingue com a sua


amisade, que n'ella b sempre modelo de constancia.
AtPI aq,ui se estendia a acictorisação, concedida ao ascri-
p o r escocea, quando a rainha aclioa preferivel enlregar a
obra, não a uni circulo estreito de pessoas, mas ao publico
em. geral9
A nobre rainha, a esposa exemplar, a mãe terna, não te-
ve a menor pretenção de buscar celebridade litteraria, eu.
icegando i leitura rio povo inglez a pliotograpliitt do espi-
pirito da auctora e do seu coraçáo, tirada na expressão ins-
tantanea de seus psnsarnent~sde cada dia e de cada bora,
mas o desejo de entregar aos seus subditos suas mai inti-
mas confidcncias, como meio de a a~ampanliarem do pala-
cio á choça, no culto qiie tribiila i rnemoria do bom prin-
cipe Alber.10, para quem, como todos sabem, conserva viva
uma santa o puris~irnapaixão, que algiima similhariça tem
cpm a que çorisumiti aquella poetica rainha de Castella, acla-
mada em 1521, e conhecida na historia por Joaana a Doida.
Victosia I tem cuidadosamente excluido das suas memo-
rias ludo o que sc refere á sqa vida officjal,, e, fcz bem. Des-
pida de setis altos altributos, de sua coroa e de sou n~anto
real, è como se pegasse na mão a cada iim dos soiis subdi-
tos, convidando os a folliearem o sei1 diario iotimo, que por
espaço de 26 annos escreveu, nas poucas tioras, que o rei-
nado I-ia deisado livres A mullier, ií esposa e a máe.
Ella apresenta ao leitor o seu marido, seus Bllios o seus
criados ; ella o assenta i siia mesa, ao lado d a sua brazei-
ra, na sua citi'ruageni, e o convida a acompar11ial.a nas ex-
cursóes feiias incogriito, que conta como os mais at~radavoiç
momentos da siia vida.
Nresta conversação intima os que a cercam, agpareçem
tambem despidos dc suas grandezas : ol pririrtipe. ~ o n s o r t e4
&i,arna(lo singelameale Ailbario, oil bom esposo, adoiiado d e
sha mulher; ou bom visiritio, queridc! dc seusi visipbo,~como
de, seus cri(tdos, Designa os seus filhos, segundo o terno
costume e as familias, por esses diminutivos que brotam do
herço) e que sXo para as mães mais doces e mais qperidos,
que os raom.es ctirem~niasarnsoledados ante a pia bagtisroal,
$ um prazer p.am o lei,tor seguir a Wicky, Baltie, Qaby;,
aos; seus asludos,, nas seus! brinquedos, noq b ~ a ç o sde seu
pae,, sobrei as joelhow de sua mãe, o não pode deixar do ex-
L E I T U R A 8 POPULARES 223
perimentar uma grande emoçáo ao ,ver o carinho, com que
os trala, o org~ilhosublime, com que a rain ia, a mãe e a es-
posa os apresenta aos seus subdilos, ao mesmo tempo que
parece hiiscnr almas que tornem corn ella alguma 11arte na
dor, que lhe causa o deixal-os i Providencia sem pae.
N5o cnstnmam os reis sentir nc(tessidade de seiavir-seda
imprensa para o uso que d'ella fazem os cidadzos ; algnns
hão espcculado corn esse agente poderoso dos modernos
tempos para abrir caminho ás siiaç candidaturas o arnbi~áo
fazendo ostent;i$ío de idbas que nada do efl'ectivo tiriliam
senão o proposito de servir-se d'ellas. Não 110s lernl)r:l que
alguma lesta coroada haja entregue ao seu povo uma corifi-
dencia tão desinieressada, tlao cordial, tão intima, 130 ver-
dadeira, tão comp~o\~ada por factos conio as Folhas clo Mczc
Dia rio.
O li\lro foi aaolhido com imn?ensa avidez e se 112 ao redor
da brazeira em todas as familias da aristocracia, da classe
media o do povo inglez.
i1 bistoria contumporanea apresenta o longo rilinado de
Vicloria I c o ~ o typo de escriipiilosa observancia, não só
das leis, senão das pralicaç e dos coslurnes conslitucionaes
da Inglaterra ; o livro de que trztarnoç, patenteando uma
vida iniima, que d'outro lado jamais foi mysturiosa nem
eqiiivoca, lhe assegura novos litulos ao carinho e respeito
dos inglezes, porque, sem a menor ostentação, singela e ina-
dvertidamente assignala o bom moclelo de esposas e de rnáes
do Reino-Unido.

O SANTO E O TABERNEIRO
Foi um laberneiro queixar-se a S, Viconte Perreiru d e
que muitos dos seus freguezes Ihs levavam o vinho fiar10 e
não faziam caso de lh'o pagar, senão mal, tarde ou nunca,
o pediu que falasse o santo no pulpito sobre esla materia
pois era de corisciençia. Disse-lhe o santo:-Trazei-me aqui
do vinho quo vcndeis.
Leroo o taberneiro uma porção de virilio, que o padre
aparou no seu oscapulario dizendo: vazae aqui.
O homem liesitiou, mas o santo insistiu dizendo:
-Vazae, qiio assim convem ao vosso negocio.'
$24 LEITURAS P O P U L A n E S

Vazou o vinho, e este se escoou abaixo deixando em ci-


ma a agua que lhe estava mislurada. Então o santo disse:
6 irmão, s e v6s assim furtaes, que quereis que vos restituam?

PILAR CLARO E DESERIBARAÇADO


Costumava cerlo sugeito ir repetidas vezes jantar a casa
d'um vizinho, que nada gostava de taes visitas. Um dia,
em que o jantar se ia demorando, perguntou o sogeitinho:
então quando s e põe a meza?
-Quando, respondeu o dono da casa, o senhor se tiver
ido embora.

ANNUNCIOS
ONDEESTA~IOS?-Estudos sobre os acontecimentos actuaes
i870 e 1871, obra escripta por illgr Gaume e vertida em
portugaez, precedida d'nrna dedicatoria a S. Santidade Pio
IX. Para os nossos assignantes o preço é 350 reis porte
franco.
---
PROPHECIAS sobre a Egrejn e a Revolu~iio,O Antichristo
e os Ullimos tempos, piiblicados em Londres por EIenrique
D. Langdon - traùucção feita sobre a 8." edição ingleza,
Para os nossos assignantes o preço é 200 rs. porte franco.
Terço e visitas ao Sanlissimo Sacramento, 40 reis porte
franco.
O nrm DE JESUSou o MEZ DE JANEIRO.Consagrado a Je-
sus Christo, compilação de RIeditações, orações e exemplos
para todos os dias do mez de janeiro. Segunda edição, palo
padre Jos4 d e Sousa Amado. Vende-se na Livraria Calho*
lica. Preço 300 reis.
---
MANUALno C r i a r ~ ~ . & ~ . uso dos meninos da escdla e
Para
d o calhecismo e m Varatojo. Com a competente licença
ecclesiastica. Vendeise na Livr5aria Calholi~a,rua dos Ca-
pellistas 78. Preço 160 reis.
N." 8
SUBSCRIP~BOA FAVOR DO SANTO PADRE RIO BX
Incluindo as parcellas aqui mencionadas, monla a reis
2:136635320.
P.O Joaquim Fernandes, Porto de Ovelha, 1d940. -As
Recolhidas do Bea terio d e Bosba, 600.-Anonyma, 28 -4 6,
-71, 500.-JosédJAlmeida Ratado, 500.-Manuel Rotlrigues
cle Carvalt~o,do Lustoza, B$Y3O.-D. hnna Emilia da Cosla,
de Gomisi, 960. -Um anonymo de Villar-maior, 40. - D.
Suzana, BOO. - D. Manuela do Carmo Pamplona, "10. -
Uma sr." tle Torres Vedras, SOO.-Unia filha d e Maria, cle
Lisboa, iG0.-Um anonyrno, do GaviSo (Abranles) 2$000.
-U. I., 200.-Santa Cruz do Castello, 800.-A. Ferreira,
de jullio a dezembro de 4871, GO0.-.Castro, idem, i$",O.
- W. id. G00. - Valenle, iil. 300. -D. Maria Beianarda,
id. 1d000.--hl. C . , id. 600.-RI. Jesus, id. 600.-Lsitt~ras
Pop?(lares, id. 34000. - Maniiel l[aodrigues Fi eixo, 400.-
Marialina Silva, 80.- João Alexandre, 400. - iilanuel Do-
mingos Maia, 500.-Antonio d'0livait.a Pilippe, 200.-3030
Asseimpç50, 320.-João dc Paiia, 40.-P.O José Loiirenço,
300.-Joáo Lopes, 40. - hfanucl Leitáo da Silva, 200. -
José, Redrigues Manso, 300.-Manuel d'bbreii, 100.-Josb
Rodrigues Martello, 500. - I'.P Dento Ilodrigues Martello,
200.-Pac Joaquim B. d e S. R. 800.
3 C

DEUS HCPELADO NA BELLELA DA NATUREZA

(Continuado dc pag. 194)


Offerecem-nos as monlanlias certas bellezas, que necessa-
riamento nos remontam pela imaginago e pensamento ;i.
causa primaria du todas as bellszas.
SenSo, encaremor; desassombradamente as montanhas,
que a natureza nos apresenta, tão diversas em seus acci-
dentes.
Eis ali uma, sem verdura, sem arvores, som vegeta~qo,
descarnada, no osso, sombria. 0lharilol.a do longo, e não
1.0 VOL. DO aeU ss~cnnnrao. XS'YR-IS'ITB.
vemos mais que um enorme montão de granilo. DA-lhe de
chapa o sol, e parece escura; alveja a lua campos e mares,
e ella conserva-se envolla em pardacento manto; por toda
a parte nos deliciarn o olfato milhares de mimosas flores;
e ali nem o cardo vegeta; inabria-nos o canto harmonioso
d e iim sem numero de avesinhas, e ali raras vezes se ouve
o tristonho cuco. Parece que Deizs esqueceu aquelles sitios,
que não os dotou d e ul,ilidade alguma, que nada valem.
Mas quereis conhecer-lhe a encanto? Olhae-a com atten-
$20. Faz-nos lembrar um velho, calvo, sombrio e respeita-
vel, taciturno e imponente. Fazei-lhe repercutir de qualquer
ponto um canto qualquer, o vereis reprodcizidos por ella
tantos cantos quantas são as suas qiiebradas; aproximae-
vos mais d'ellas, e dar-vos-hão limpida agua, fresca, pura,
saborosissima; erguei, se podois, aquelles monlões de gra-
nito, e tocae n'esta maleria, com que edificaes vossas casas,
defendeis vossas cidades, calçaes vossas ruas; debaixo d'elle
encontrareis a melhor caça que enriquece vossas mesas;
mas cavae mais, aprofondae mais, e tereis pelo menos en-
contrado uma fonte perenne de riqueza, sáo as melliores
aguas, com que regaes os valles, os vossos prados, as vos-
sas sementeiras, que morreriam definhadas, se sob aquella
tristonha capa não se occultasse o que Ihes dá vida.
Essas montanhas são como o homem rico de virtudes,
mas tZo modesto que a ninguem as revela no exterior.
E quem collocou ali aquelles gigantescos penedos, que
não ha homens nem animaes qiie inteiros os possam mover?
E quem os pôde mover, para ir lançar muito abaixo d'elles
a veia d'agua, que borbulha na encosta?
Quem lhe deu á montanha aquella fbrma, que parece
mesmo que tudo aquillo rolou d'um a outro ponto e que
ali se veiu accumular depois?
Foi Aquelle em cnja vontade está a força; foi Aquelle,
e não podia sei' outro, que, para castigar os crimes dos ho-
mens, mandou íi lerra um diluvio universal; e a força das
aguas, que tudo moveram, foram amontoando pedras e ter-
ra, as agnas reuniram-se depois n'um ponto e foram es-
correndo n'umas partes com maior impetuosidade a ponto
de levarem comsigo as pequenas pedras e terra-o qiio deu
em resultado a formação das montanhas, de que falamos
- e n'outras partes as aguas desceram mais mansas, dei-
LEITURA8 POPULARES 227
-
xando ainda muita e boa terra o que deu e m resultado
as montanhas cobertas de vegetação d e que falaremos.
Quando virmos, pois, uma d'aquellas moritanlias, bem-
digamos o elenio poder, e evitemos o crime, porque ellas
nos recordam o immenso castigo que os ascendentes da
Noé padeceram. (Continha)
ezseesw
O IABTYR DO GOLGOT'BA
(Continuado da pag. 213)

CAI'ITULO VI11

Um golpe em falso
-Enlão lu asfirmas, amigo Uries, qiia a caravana egy-
pcia, apesar do sei1 aspeclo pobre e miseravel, conduz urn
thesouro? perguntou Dimas a um dos bandidos que cami-
nhava a seu lado.
-O seu carregamento é trigo fecandado com as aguas
do Nilo; mas entre os saccos, que conduzem os cereaeu so
occultam cluas caixinhas construidas em Alosaridria, I i i E
quaes s e encerra um thesouro. Uma vem repleta de p6 do
ouro fino, a outra de pedras preciosas, e ambas são clesti-
nadas ao Cesar. Os seus condtictores ignoram que entre o
loiro grão, que transportam, se esconde uma riqueza. O
carregamento vao consignado a um rico negociante do Ce-
sarea, em cujo posto se acha ancorado iim navio romano,
que deve transportal-o h cidade dos consules.
-Boa ha d e ser a presa, para que os meus lobos malto-
zes te não maldigam por Ihes teres feito abandonar o covil
n'uma noito à'cslas. Mas por Deus vivo que me admira quu
tão precioso thesouro não seja escoltado por gente armada.
-Os negociantes egypcios são desconfiados, odoiam os
romanos o temelri ser despojados nas viagens pelos mesmas
a quem confiam, mediante um salario, a guarda das suas Q-
zendas.
-Mas não te i e r i s enganado?
-S6 Deus i? infallivel. Sem embargo espero um fcliz
exito.
-Que parte olfereceste ao que te revelou o segredo'?
228 LEITURAS POPULARES

-Xa não offereci nada. Foi elle que o exigiu. De maneira


que se lhe não dermos nada, não faltamos ti palavra.
--Vejo que és astiito e precavido,
-Capitio, terih0 quarenta iinnos, e entrei no oficio
quando apenas levanlava do chão Lar110 como a azagaia, que
levas na mão, porque meu paa teve, como eu, extremo
affecto i s cousas do proxiii~o.Desde mui pequeno reconhe-
ceo o auclor de meus dias que era urn rapaz aproveilavel,
e aproveitou-se de mim, dando-me o Lic~nrosa e delicada
missiio de espizo. En tomei como um brinquedo aquella
occiipacão e desempenliei-a com esse afan, com que a in-
fancia toma as cousas, que lhe agradam. Aos doze anrios,
era eu um modelo d c asrucia. sagacidade c perielraçlo. Nlao
é modestia, Dimas; todos os velhos bandic-10s da Palestina
m e tintiam por modt?ln e me designavari1 corno lima mara-
vilha da arte. Não tenho sido capitão por duas rasões; a
primeira, por que não sou ambicioso, e não qiier dizer isto
que tu O se,jas ; e a segunda, por que, sendo sirriples mem-
bro d'uma quadrilha, posso servir niellior os meus compa-
nheiros e leltar uma vida rnais indeperrderito. TLI sabes cllie,
5s vezes, me ausenlo POr dez ou quinze dias de VOS ; d u -
rante este tempo, percorro as Lribiis; sou jucleu entre os da
Judea, galileu na Galilea, e sarnsrit:ino ria Samariri. Mudo
dc nome como ile raça, quando assim me corivern. Sou aqui
coriimerciarite, ali sacerdote. 13rilroduzo-me nas casas, e co-
mo lentio isso a que chamam dom rle agradar, ganho a ami-
zade e as syrnpattiias de seus donos, descubro os seiis sc-
gredos, inieiro-me dos seus planos e negocios, e, qiinndo a
rninlia memoria reiine uma boa qu;intidnrla de conliecimen-
tos, volto ao velho castello de Hebal, orille me esperam os
meus companlieiros, informo-os de tudo, e elles sabem aco-
lher o frcicto dos meiis trabalhos, evitando.lhes d'este modo
que passem a noite n'um barranco niortos de frio e enso-
pados erri agua, esperando os eamiirtiantes, para apaotjarem,
em troca de tantas penurias, tiin sacco do negra cevada ou
um punhado de arnarella faritiba,
-Qs um sabio, amigo Uries, e a co~nparibiafaz bem em
dar-te duas partes na presa.
-Ai querido Dimns, os liomens s2o muito ingralosl Es-
tou certo de que, apesar do rncu saber, qualquer dia, em
recotnpensa da minha sciencia c dos meus desvelos, me
LEITUnA8 POPULARES 229
penduram d'uma arvore, como fizeram ao meu honrado
pae, que sabia tanto como eu.
Dimas sorriu-se, ouvindo a picaresca linguagem do faci-
nora, lido entre os seus camaradas pelo mais astuto da
quadrilha.
-Crê-me, capitão, tornou Uries ; o homem foi creado
para não fazer riada ; estiida com atlençáo o seti corpo, e
verAs que os seus braços se prestam mais a eslirar-se e m
preguiçosa posição, que a cavar a terra armados d'um pe-
sado ensadão. A preguiça é natural, o trabdlllci é violento
o improprio. O homem afana-se e traballia, porque assim
cr& que chegar6 um dia a não fazer nada. Traballiemos pois
algum tempo, e depois a regalada preguiça nos apertar6 en-
tre os seus amantes e carinhosos braços.
Uries terminou a sua relação com um interminavel abri-
mento de boca, quo foi abafado por um trovão ospan-
toso.
-MA noite, disse um dos bandidos.
-Peores foram as c10 diluvio, lhe respondeu nutro.
-Se a presa fôr tão pesada como a atinosphera, tudo
ir8 bem.
-Uries é utn preguiçoso, e quando elle nos fez sair do
castello em láo aspera noite, não creio que seja com o fim
d e darmos um passeio por estes barrancos.
-Falae mais baixo que ctiegamos ao sitio, disse Uries,
chegando-se aos seus camaradas; por aqui devem passar,
quando a luz da aurora amanhecer no oriente.
-Então ser8 preciso emboscarmo-nos, tornou o oulro.
-Eia, rapazes, cada um procuro ao abrigo d'urna rocha
um refugio contra a inclemencia do cko, Ihes disse Dimas
em voz baixa; enibrulhae-vos bem nas vossas capas, e cui-
dado que não adormeçaes; ao primeiro grito de alarma lo-
dos ao meu lado.
Os bandidos emboscaram-se do mellior modo possive
nas roelias d'am angusto barranco, que era o sitio, em quo
s e achavam.
Dimas e Uries, despresando a cliuva, collocaram-se em-
brulliados nos seus capotes janto d'uma corpiilanta arvore,
que se achava proxitna 8 parede, pela qual, segundo os seus
calculas, devia passar a caravana.
Meia hora escaça liaveria que os bandidos se achavam
230 LEITURAB roPULAnP6

acampados no barranco, quando o canto monotono do cuco


principiou a ouvir-se na visinha espessui a.
Uries ergueu-se, como o chacal que ouve os passos d0
caçador e os latidos do cão, que lhe deram com o rasto.
- Q u e Lia? lhe perguntou Dimas sem levantar a voz.
-Ignoro; mas nada boin me promette aquelle canto.
-Aquella ave não agoura o mal nos nossos livros.
-E que aquillo que canta não é um passar0 mas um
homem.
-Um homem! exclamou Dimas empunhando a azagaia.
-Nada temas, é um amigo ; 0 um espião qile m e serve
bem; mas breve sairemos de duvidas.
E Uries imito3 d'uma maneira prodigiosa o gramido es-
tridente e desagradavel do corvo. Pouco depois um homem
salpicado de barro e pingando agua, appareceu anle o ca-
pitão e o seu amigo dizendo:
-A pa? seja comtigo, amigo Uries.
Dimas olhou com assombro aqiielle homem, que chegara
ate elles sem ter feito o mais leve rnido.
-Comligo venha, amigo Adão (I), que novas trazes?
-Uma circumstancia inesperada nos lira a presa das
mãos. Os conductores da caravana caminham a eslas horas
para Jerichó, entre duas fileiras de tercia~iosromanos.
-Por Isaac explica-le melhor e depressa, exclamou Di-
mas com irnpaciencia.
-Segundo parece, ~ ó s tornou
, o espião, não sabeis ain-
da n nova que agita o povo d'Israel, e faz tremer o tyranno
Herodes no seu palacio?
-Nos monles da Samaria s6 se ouvem os uivos dos lo-
bos, disse o capitão.
-Pois bom, na cidade santa, conta-se que tres magos
chaldeus vieram a JudA em bilsca do Messias promettido.
O Idumeu, desejando apoderar-se d'esses estrangeiros que
chegaram As suas terras, alentando a s esperanças do povo
judeu com falsas novas, mandou por todas as tribus os seus
soldados. Os viajantes são detidos e interrogados, as suas
mercadorias passam por um escrupuloso exqme, e esta sorte
(1) Adão é o mesmo que vermelho. Assim sa chamou o primeira
-
homem, porque foi feito d'uma terrq veirnejha, (Lamy,Apparato
~iblico;iiv. 1x1, cap. VIII).Edon significa tambem vormelho entre O&
hebreus.
LEITURAS POPULARES 231
coube aos egypcios que esperaveis por estes barrancos ...
pois a estas horas caminham para Jerichó guardados pelos
legionarios do rei de Jerusalem.
-De maneira que esse thesouro?.. . perguntou Dimas.
-Cair$ indubi tavelmente em poder de Berodes, rerlicou
o espião; o qual, ao saber o seu destino, se apressari4 a re-
mettel-o para Roma, como uma amoslra do respeito, que lhe
inspira a cidade impia.
Dimas encolheii os hombros, fazendo um gesto com o
rosto, e depois disse com impassiuel e indifferente entoa-
ção:
-Este negocio mallogrou-se ; é preciso resignarmo-nos
e esperar outra occasião melhor. Comtudo, seria muito con-
veniente náo perder a pista a esse carregamento de trigo.
-Penso isso mesmo, capitão, disse Uries ; quem sabe ?
Merodes pode coritiscal-o e pol-o A venda, e n'esse caso o
negocio 13 compral-o.
-Pbdes tu ericarrcgar.te d'esse negocio?
-Com muito goslo.
-Pois então, parte para Jerichó; n6s esperamos noticias
tuas no castello.
-A minha bolsa est8 vasia, capitão.
-Toma este cinto; contêm dozo minas hebreas ( I ) , que
t e bastarão para comprares o carregamento em caso neces-
sario ; mas não te esqueças de que o que póde tomar-se,
não convem comprar-se, segundo o regulamento da nossa
profissão.
E Dimas, dizendo isto, entregou a Uries um cinto d e
.@ouroque escondia debaixo das largas pregss da tunica.
-Tu me acompanharis, Adão.
O vermelho fez um gesto d e indifferença, e respondeu:
-Vamos 14.
Então Dimas reuniu os seus cornpanlieiros, e disse-lhes
e m duas palavras o que havia e o que se decidira.
Ninguem descerrou os labios; nem uma queixa saiu d'a-
qiiellas bocas; mas nos rostos se expressava claramente o
desgosto que Ihes causava aqaelle contratempo.
Uries e o vermelho tornaram o caminho de Jerichó, e os
(1) Omna ou mina, hebrea vaie approrimadamente 28850b-r6ie da
da noana moeda
232 LEITUFAS POPULAAEB

bandidos dirigiram-se, maldizendo-os no seu interior, para


os montes de Sarnaria.
A chuva tiiil~acessado, porem a noite continuava escura
e carregada, ouvindo-se, d e vez em quando, o longiquo e
medonho estrondo do trovão.
Os bandidos, tacilurnos eocabisbaixos, caminhavam mos-
trando o sen mio humor ao mais pequeno incidente qiie se
llies atravessava no caminho. Um charco d'agua, um escor-
regão, era saudado corn uma blasphemia horrivel.
Tinham abandonado o seu covil, desa'fiarido a crueza da
noite com a esperança d'uma presa fabulosa, e regressavam
molhados até aos ossos e com a lama até á cinia. sem te-
rem augmentado um miseravel obulo aos seus cahedaes.
Perio já do scu covil, ao atravessarem um pedragoso
barranco, oovirarn pisada9 d e pessoas que se aproximavam
em direcção opposta i que elles soguiam.
Uimas fez quo s e delivessem os seus soldaclos, e se es-
coiidessein atraz d'uns mattagaes e nas quebradas das ro-
chas.
Entre tanlo, pelo estreito barranco, cm que est,avarn os
bandidos emboscados, caminliava iIIn veneravel arici8o em-
brulhado no manto pardo dos Galileus. Este ancião condu-
zia um burro pela redea, e na modesta cavalgadura ia uma
miílbar moça e um menino de poucos mezes.
O Menino dormia docemenle no regaço materno, cuida-
dosamente onibrulhado n'urna capa triangular de cor de
coririto ; a Mát: chorava em silencio, e o ancião orava em
voz baixa.
O trovzo conlinuava roncando sobre a cabeça dos pobres
vjâjantes.
DB sut)ito O ancião parou, porque ao dobrar uma curva
do barranco um homem s e levantou cl'urn matagal e lhe
pôz ao peilo as aceradas poritas d e uma azagaia, gritando
com voz c;ivernosa:
-Alto, ou morres.
u passos. A joven deu um grito,
O ancião r e i r ~ c e ~ l edois
e apertando seu fiho ao seio exclamou:
-Deus de Siãol Salvae o meu Jesus!
Agora o leitor nos permittiri que retrocedamos. Mais
tarde tornaremos a encontrar-nos com os viajantes e os
bandidos dos barrancos da Samaria. (Continúa.)
A ORAÇÃO DOS INNOCENTES

Thereza, viuva d'um pobre jornaleiro, tinha cinco filhos,


e, para su~tenlal-os,nada mais tinha que o t,rabalho do seu
braço.
Certa manhã, deu ella a cada um dos tres mais velhinhos,
que iam i escola, uma fatia d e pão negro, dizendo-lhes:
-Tome, meus filhos, 15 tudo quanto lia em casa. Bem
podeis pedir a Deus e a Nosso Senhor Jesu-Christo, pae da
Bnfancia, que venham em nosso auxilio : nqo lenho carne,
nem pão, nem um ovo sequer, e não sei que Iiei d e dar-vos
d e comer. Ide, filhos ; De~is,disse: lnvocae-me cm vossas
?lecessidades, que e u uos soccorrerei; pedi-1116, filhos, que
nos soccorra.
O .mais vellio cios filhos d e Thereza, que se chamava Car-
los, apenas tinha oito annos, levava pela mão a Tl-ieodoro,
que era o terceiro d'aquella irmandade cl'orptiãos, que náo
tinha mais de cinco annos, e ia muito aíllicto. Passando pela
Egreja viu que a poria estava eberta, lembrou-se da recom-
wendação de sua mãe e entrou, indo ajoelhar-se sobre os
degraus do altar, onde estava o Sacrario. NHo vendo nin-
guem e crendo que estava só, s e poz a rezar em voz alta,
d'esta maneira:
aOh Jesus, que tanls amaes os peqoeninos I Vindo eni
nosso auxilio ; somos cinco irmãos e a nossa pobre mãe j i
não tem nada para nos dar. Não tem carne, nem pao, nem
um ovo sequer. Promeltestes soecorrer-nos se Vol-o pedis-
semos; venho pedir-vos que nos deis de comer e a nossa
mãe. D
Foram os dois rapazinhos d'nli para a escola e voltaram
para casa, segundo"era costume i tiora de comer.
Entrando em casa, viram logo dois pães graudes, um p0-
daço de carne cosida e um cestiriho com ovos.
-0h mãe1 exclamou Carlos, Deus ouviu-nos! Foi algum
anjo que trouxe tudo isto?
-Deus ouviu a tua oração, sim, meu filtio; mas não pre-
cisa dos seus anjos do céo para mandar-nos soccorrer,
quando tem os seus ministros na terra. Quando ta estavas
rezando diante d o altar do Santissirno, o sr. padre cura te
estava ouvindo; compadoceu-se da nossa pobreza o pro-
metteu arranjar-me trabalho bastante lucrativo, e para nos
supprirmos entretanto, m e deu dois mil reis, com que e u
comprei o que vês sobre a mesa; creio qne para o futuro
nada nos faltari. Ajoelhemo-nos agora, meus filhos, e de-
mos graças a Deus que sempre soccorre os desgraçados
quando o invocam cheios de confiança.
Terminada a prece d'aquella familia de innocenles, aca-
bou de abrir se a porta, quo estava meia cerrada, o entrou
o padre cura, cliorando de alegria por ver as homenagens
da innocencia rendidas á Divindade. Abençoou o ranchinho
e disse:
-Sr.a Thereza, tem trabalho certo e boa paga e habita-
çáo em casa da Morgadinha da rua da Fonte, do dia de S.
~ i c e n t eem diante. -
Mãe e filhos correram todos a beijar a mão d o bom pas-
tor, verdadeiro ministro do Divino Mestre.
Era um quadro admiravell

ONDE SE DÃO AHI SE LEVAM

Encontraram alguns estudantes uma mulher, que guiava


muitos burros. - Bons dias, tia dos burros, lhe disse um
d7elles.
-Bons dias, meus sobrinhos, respondeu a mulher.

25 DE JULHO
Batalha de Campo de Ourique

JQvae a nova correndo


da mauritana invasáo;
toda a gente está tremendo,
toda tremo com razão.
A donzella triste chora
ir captiva padecer,
carinhosa a mãe descora,
teme seu filho perder.
Saudoso o velho lamenta
não poder jb pelejar,
mas com seus brados intenta
aos noveis esforço dar.
Jà signal dão para a guerra
a trombeta e o atabale,
o som levado da serra
IA se morre n'esse valle.
Já se concertam as lanças,
vão-se espadas pulir,
sb tem nas armas esp'ranças
d'a terra poder remir.
Os nobres e cavalleiros
vem seus terços a guiar,
são leaes, são verdadeiros,
ou morrer ou triumphar.
D'aiem Douro mandam gentes
ricos-homens, infanções,
castellões trazem contentes
os bravos fortes beirões.
D'I-Ienrique o filho valente
Portugal vae libertar,
proclama a guerra contente
contr'o vil filho d'hgar.
De todos os seus seguido
/vem alegre a caminhar,
com seu povo tão luzido
vao a mouros procurar.
LEITURAS POPULARES

Deixa o Lena, que rodeia,


corno mimoso cairel,
Leiria, q u e se recreia
nos viços do seu vergel.
Santarem a namorada
seu rio sompre a beijar,
v6 com zelos de enfadada
o seu Tejo vadear.
Nos plainos d'alem Tejo,
caminhando a bom seguir,
cumpre Affonso o seu desejo,
vae na frerite a dirigir.
Soberbo cavallo baio
cavalga o moço gentil;
6 de rija malha o saio,
arrnadiira c6r d'anil.
Traz na mão lança potente,
de Çhristo gravada a cruz
leva no escudo fulgente,
que brilhante lhe reluz.
(Contida)

AS JANEIRAS

As janeiras não se cantam


nem aos reis, narn aos cor6ados;
mas n65 vimol-as cantar
por ser annos meltiorados.
Gosae sim, senliores, sempre
mil prazeres venturosos,
qiie os bons annos principiem
a fazer-vos mais ditosas.
LEITURA3 POPULAnEB

Os bons annos sO se cantam


a quem contra o tempo rude,
como vós, numera OS passos
pelos passos da virtude.

Bons annos, felizes annos


aqui vos vimos cantar;
se o ceo cumprir nossos votos,
muitos haveis de contar.

INFANCBA DE JESUS

Estando Maria
B borda do rio,
lavando os paninhos
do seu bento Fillio.
Maria lavava,
Jos6 estendia,
chorava o Memioo
com frio qiie tinha,
Não choreis, Menino,
1150 choreis, amor,
isso são peccadns,
que cortam sem dôr.
Os filhos dos homenz,
em berços dourados,
s6 vos, meu htenino,
em palhinhas deitado!

Chamasle-me amor perfeito,


w u s a que a terra não cria;
238 LEITURAS POPULARES

Amor perfeito é Deus,


Filho da Virgem Maria.
Saniissimo Sacramento,
linda palavra eu dei,
livrae-me, Senhor, livrae-me
de quem eu livrar-me não sei.
Eu hei-de amar, hei-de amar,
hei de amar bem sei a quem,
hei de amar a Deus do céo
que e s6menle quem paga bem.
011 rosa, j i hoje ein dia
quem mais faz menos merece;
a terra 6 quem nos cria,
Deus d o ceo quem nos conliece.

O NOSSO H E R ~ E
1578 - 159%- 1622

SUA INFANCIA
CAPITULO I
Um castello, uma d'essas habitaçoes, que ao mesmo tem-
po eram fortalezas, e que, por terem sido jB descriptas ve-
zes sem fim, nos queremos dispensar agora de compro-
rnetter a nossa penna, tenlando fazer uma pintura d'aquillo
que ella mal saberia esboçar, e o palaoio, aonde conduzi-
mos hoje os nossos leitores, e que era situado sobre uma
collina a pequena distancia de Thorens e a quatro legoas
bem medidas da cidade, quo hoje e capital do deparlamen-
to da Alta-Saboia.
Do cimo do torre20 do castello s e descobria um d'esses
pontos de vista esplepdidos, que são privativos da Saboia.
d'essa rival da Suissa. D'um lado s e descobre uma immensa
cadêa do montanhas coroadas d e agulhas e picos recortados
e d e bellas explanadas, onde tambem .se veem cupulas dis-
lormes: os Freleç, a Pedra Parmeaã, o monte Pithon e o
LEITUnAS POPULARES 239
Pescy. Da massa principal se destacam dois enormes con-
trafortes, entre os quaes s e profundam, n o meio d e suas
muralhas de granito, extensos valles e pequenas veigas.
Cada um d'esses contrafortes tem o seu termo em dais
elevados cumes: a Cabeça Negra e a Cabeça de Chamlai-
tier. Ao Poente, no fundo do valle, se veem desenhadas as
montantias que dominam o valle de Tliônes, e por d e traz
d'estas se erguem as que cercam o lago d'knnecy. E um
encadeamento d e colossos, muitos rochedos amontoados
eriçados de arestas agudas, muitos terrenos cultivados, im-
mensiílade d e montes coroados de settas pontagudas e de
agulhas, que fendem os cèos, um cahos, que involuntaria-
menti: faz lembrar o monte Peliou cavalgando o Ossa. Ao
Norte, o valle de Tliorens se apresenta obstruido por au-
tra grande amontoaçio, que deixa uma abertura enorme
desde Plat ate ao castello de .Boiay, uma brecha muito mais
estreita d o lado d'Evires.
Emfim, quasi no centro do valle se ergue u m monticulo
d e mediana elevaçgo, onde assenta um castello e palacio.
Devemos accrescentar que o valle B atravessado pela
corrente sinuosa da Filliere, e que cerca de cincoenta loga-
res e cazaes cobrem a planicie, sobrè a falda das monta-
nhas, no meio dos bosques, ao abrigo dos montes e dos
rochedos; mas a penna não pbde nunca bem descrever com
todas as circumstancias a obra maravilliosa d e Deus. Seria
mister um grande volume para esboçar apenas quadro tão
magnifico, quanto admiravel, e para escrever esse livro de-
veria ser empregada a penna d'iim poeta d e grande estro.
Em 20 d e setembro do anno da graça 4578, não se pen-
sava, n'esse nobre solar, senão em contemplar a paizagem
magnifica, a que referimos o pouco que deixamos dito. A
vasta sala dos Cavalleiros, que constituis a principal peça
do castetlo, retinia com os grilos alegres d'uma meia duzia
de jovens, a mais velho dos quaes contava apenas os pri-
meiros dias da sua decima quinba primavera. Temos ii frente
dais rapazotes uniformemente vestidos d e giliiões e calções
azuos golpeados d e escarlate, dais pagens d o palacio, Ma-
nuel de Thiollaz e Fernando de Couzie. Depois seguia-se
um adolescente d e figura delicada, trajando a s mesmas co-
res, porem mais ricarnerite vestido. Todos o tratavam c o ~ '
aquella curtezia tradicional d'esse tempo: misser Luiz dB:
$40 LEITUHAS POPULARES

Sales-Breus. Era sobrinbo do conde de Sales, representante


do nome e das armas d'essa illustre casa. Os tres primos,
filhos d'este nltimo complelavam o ranchinho folgazão.
João Francisco e Luiz, que eram os mais m o ~ o sbrinca-
vam com o senhor de Breus e os pagens; porem Francisco,
quG era de lodos o mais ~eltio,não se prestando a tomar
parte em tão ruidosos folguedos, estava assentado no vão
d'oma janella, ao pC! de sua excellencia, sua piedosa mãe,
Pranciscii d e Sionnaz, inulher de Francisco Ia0, conde de
Safes, barão de Thorens e senhor de Boisy. Este nome de
Francisco se havia rniiltiplicado signaladamente n'esta illus-
tre familia, que pretendia descender dos sacerdotes salios
da antiga Roma, e que, para venerar uma tal tradição, ti-
nha conservado no seti escndo a figura d'iima rodela cru-
cil com o mote: Nec pEus, nec minus.
Francisco de Sales era então um bello rapazinho d e onze
Iirinos, louro, de olhos pretos, testa espaçosa resplendes-
conte de força e d e serenidade e de intelligencia. Bom s e
via n'aquelle rosto socegado e puro, que nunca um m i u
pensamento perlubára o seu espirilo; no seu olhar franco e
vivo se descobria o horror que elle tinha A falsidade; em
seus labios irosados se lia a doçura e a bondade, de que era
dotado. N'uma palavra, elle representava o verdadeiro Lypo
do perfeito menino christno, a imagem d o Menino Jesus.
N'este momento não falava. Com os cotovelos apoiados
sobre os joelhos, e com o rosto descançado sobre as suas
mãos alvas e delicadas, parecia estar absorto na contempla-
ção d e .sua mãe, e com o seu vestuario branco, cabellos
encaracolados e faces rosadas, se assemelliava a esses bollos
cberubins, d e que Raphael tanto gcstava d e cercar a Vir-
gem Maria.
A Senliora de Sales parecia estar toda enlevada na sua
piedosa leitura. Depois do dizermos que o , semblante de
seu filho era um reflaxo do seu, teremos completado o seu
retrato. Envolvida n'um comprido manto de teludo preto
com golpes d s seda carmevim; a cabeça coberta com u m
d'esses toucados, cuja moda tinha sido introduzida em França
pela joven rainha d'Escossia, Maria Stuart; todo o seu en-
feite consistia n7uma cruzinha d'ouro suspensa d'oma fita
c6r de fogo. Era um lindo quadro o que apresentaram a
castellã e seu filho, n'aquolle vão de jauella moldurado por
LEITURAS POPULARES 241
cortinas d e rico damasco, e fechado com vidraças adrnira-
velmente coloridas, que eram primores d'um fabricante de
vidros do decimo quinto seculo,
0 outro grupo nem era táo magestoso, nem reprosentava
um quadro tão encantador.
Mas que exiaberancia d e vida! Como riam, corno saltavam
aquelles rapazes alegres l Como se mostravam contentes e
satisfeitos!.
Luiz de Brcus era quem certamente merecia a palma da
pei.ulancia, como eram signaes evidentes as suas faces de
carmim e os seus oihos brilhantes de prazer. Seus cabellos
negros estavam coltados pelo suor nas fontes da cabeça, e
offegante do cançasso náo podia falar.
Luizintio, seu [irirno, se rebolavii gentilmerito sobre o ta-
pete e fazia travessuras a seu irmão João Francisco, que já
tinha attingido a respeitavel edade de nove nrinos.
Quando o joven Senhor de Breus s e enfadou de saltar,
d e correr e de contender com os seus camaradas, cliamou
para junto de si blanuel e Fernando, e travoti com elles
uma conversa intima, passando da gracejo ao a r sovero, e
do divertimento 6 sciencia.
Vamos commeller a indiscrição tle slcnograpliar iirn tal
dialogo:
-Olhae, exclamcu Luiz, sorrindo-se, olliao o meli rico
primo Francisco: nem tuge, nem muge. Pare;e uma estatua
de cera que para ali esta. Como 6 qiie elle pbcle viver as-
sim, sem brincar, nem correr, nem saltar, lendo sempre,
sempre meditando?
-Talvez que elle è que tenha acertado, respondeu o jo-
ven de Thiol1az.-Nem todos gostam de ser turbiilcntos. Mis-
ser Francisco 6 pensador, e quem sabe çe ello pretende ser
poeta, como esse Clernenle Marot, de quem, ainda ha b e m
Qollcos dias, o pae nos falava?
Fernando d e Couzié fez rim tregeito de desdem.
-Poeta1 E certamenle urna profissão digna d7um fidalgo!
Ohl não, Thiollaz, tu estas brincando: para nos, oii armas
ou letras, o breviario ou a ospadal padre o11 soldatlo h o
que deve ser quem E fill~od'algo, filho d'alguenri, islo B fi-
dalgo, e senlior dla:gurna cousa.
Manuel ergueu os hombros, cruzou os braços com uma
indignação comica e respondeu corn vivacidade:
242 LEITURAS POPUL~REEI

-Bom rapaz1 tu falas como um cavalleiro de ha cem an-


nos. Nio ouviste, quando fomos visitar o marquez d'Allin-
ger, aquelle senhor francez, o Senhor de Clermont d'Am-
boise, o bravo Bussy?
- E então?
-Dizia elle que el-rei Carlus IX tem por intimo amigo
um tal mestra Ronsard, com quem elle faz negocio de le-
tras em verso. Citou-nos uns que, se bem me lembro eram
assim:
Versos compor (embora eu possa desgostar)
Tem muita mais valia que a arte de reinar;
Ambos cingimos c'roas; mas, como imperante,
Tu as recebes; e tu as dBs, poeta, avanto.
-Muilo bem1 e acbas bello, agrada-te isso?
-Não sou entendedor de poezia, replicou Luiz de Breus
com certos aras de imperlinente.
-Sim 6 bello, disse o Senhor de Couzii: ; porem isso
não quer dizer nada. Esse tal' Ronsard não 6 fidalgo!
-E o rei Carlos?
-Faz o que quer; um rei nTo se desdoura por isso.
Manuel de Thiollaz, corou de despeito, bateu o pb enco-
lerizado e reflectiu por um momento. Suas feições foram
perdendo a cor, e elle retorquiu então com certo ar de
triumpho:
-Diza-rife, Thiollaz, que julgas tu da casa d e Buttet?
- g de boa nobreza.
-EnlBo concedes que Misser Marco Claudio de Butlat 6
-
um bom fidalgo?
- Com certeza.
Esli bem1 esle nobre cavalheiro O tambem um bom
poeta, e posso assegurar-te, que preza mais os seus versos
do que todos os esqoartelarnentos do seu escudo.
-Vamos adiante.
- Tu nlo queres dar-me credito? Vae procurar o capel-
Ião do castello, D. João de Age, e pede-lhe que te deixe
vbr a bihliollieaa de Monsenbor, e Ia encontraria as Poesias
do 1Marco CEaudio dc Duttet, saboiano; a Ode sobre a Faz;
a Amaltl~éa,e dir-te-hei, alem disso, que 0 mestre Roasard
faz o maior caso do nosso compatriota.
-Concedo, murmurou CouziB, coni uma certa confusão,
LEITUIIAS POPULARES 20
que o Senhor de Buttet faça versos; 6 uma excepção. Mas
eu estou persuadido de que elle renunciaria a poesia, se se
lhe demonstrasse que elle não usa como cavalheiro, fazendo
que se imprima o que elle escreve, estando ainda uivo.
Thiollaz fez um grande movimento; ergueu os hombros
e exclamou com certo ar de desden:
-Sempre as tuas famosas ideas antigas, meu rico Fer-
nandinhol ... Sgo idéas antigas, safadas, oontemporaneas do
diluvio, essas que tu manifestas 1 JA não sstamos n'esses
tempos, em que nobres senhores e... imhecis.se gabavam
de nno saberem fazer o seu nome... Embora se admitta que
tal tempo existisse. -Sabes tu, Coueié, como é que um dos
amigos de meu pae trata os nobres muito orgulhosos? -En-
tre parentheses, este amigo do senhor de Thiollaz é um vil-
-
láosinho. Elle Lhes fala assim :
Tu dizes que és 'mui nobre,
por que tens um pergaminho,
ficaras homem agenas
se t'o roesse um ratinho.
Luiz de Sales-Breus não póde suster uma gargalhada, e
os seus dois priminh~s,que muitas vezes riam sem ter de
que, riram lambem agora sem que soubessem de que se
riam.
-Ali! meu nobre donzel de Thiollaz, disse Luiz de Sales
Boisy, falas que nem um doutor!
-Tenho compreliendido perfeitamente, exclamou seu ir-
mão com uma voz vibrante, digo que tens muita rasão, Ma-
nuel.
Vendo que chegava ao seu antagonista este~eforçode tro-
pas, se não aguerridas, ao menos promptas para o ataque,
Pernando do Couzie se sentiu inteiramente~derrotado..To-
davia, como lodos OS orgulhos~s,recusou dar-se por ven-
cido, a disse n'um tom, em que a cdlera se misturava com
o despeito :
-Tudo isso o que prova é que Misser Francisco deve
tnancbar. os dedos de tinta e dar torturas ao espirito para
hzer maus versos.
Thiollaz deixou ver em seu rosto a expressão' da mair;
profunda admiração a respondeu :
244 LEITURAS POPULARES

-Mas ninguem pretendeu fazer ver isso!


-Deveras? E que dizias tu ainda agora?
-Eu não disse cousa que com isso se parecesse.
-Disseste I
-Não disse!
-Sim! que t'o digo eu, exciamou o irascivel Couzib. Tu,
vendo Misser Francisco todo pensador ...
-Que tinha talvez -nota bem, talvez, - a intenção de
...
s e fazer poeta1 Mas eu não affirmei, e o que disse foi por
brincadeira.
Quem ficou confundido? O nosso amiguinho Fernando de
CouziCI nada esperava menos do que esta sardonica resposta.
E peor foi, quando a senhora de Sales, que, até ali, não ti-
nha levantado os olhos d e cima do seu livro, poz este sobre
o braço da sua pollroria e chamou Fernando para junto
d'ella.
Este se aproximou com os olhos baixos e todo confuso.
-Meu filho, Ilie disse a caslellã, tu ainda não sabes o
q u e é um poeta! Não sabes que os maiores e os mais san-
tos personagens disputaram entre si a honra de comporem
os hymnos, que nOs cantamos na egreja. Julgas que os tra-
balhos da intelligençia não ennobrecem. Olha, Couzié, *que
náo O desdouro ensinar os homens! Ora, o poeta, o liisto-
riador, o philosopho ensinam. Um ensina aos Iiomens a cs-
lebrar as grandezas divinas, as bellezas da natureza; o outro
Ihes relere os factos gloriosos do passado, como um exem-
plo util; as acções más como uina lição lerrivel; c o outro
Ihes ensina a referir todos os seus pensamentos para Deus
creador e consolador; a tirar as consequencias de tal facto,
e averiguar as causas do outro. O escriptor, que sabe a quer
cumprir a sua missão para maior gloria d e Deus, póde ser
collocado a par do pregador ... escreve o que este prega.
Progura convencer e instruir; defende as boas causas, e, con-
forme a express50 ù'um dos Padres da Egreja, combato os
bons combates do Senlior.
Os outros rapazinhos tinham seguido o paqemziiil~o e
formavam um semicirculo s m redor da nobre condessa. O
traquinas do Luiziiiho apontava com o dedo o pobre Couzit?,
sem se importar d e offendel-o e ria devagarinho falando
em voz baixa com João Francisco, seu irmão mais volbo.
A senhora de Sales continuava :
-Depois, meu Fernando, tu acabas de commetter um
peccado de orgulho. L i porque tu és fidalgo, consideras
abaixo de ti tudo que não é da Egreja ou da espada. $
que tu não considekâs que teu avô, Joáo de Couzie, era um
escriplor de merecimento; que teu tio Marin de Couzie pu-
blicou, não ha dez annos ainda, algumas poesias e uma col-
lecção de sonelos. Depois, tu tens na lua farnilia bellos exem-
plos a seguir. Um dos teus antepassados em linha collateral,
Francisco de Couzib, foi bispo cle Qrenoble, arcebispo d'Ar-
les, de Tolotise e de Narbonno. Nuncio em Arragnn, vioe-
chanceller da Egre,ja Romana, patriarcha de Consiantinopla;
tu tens li~açóesde parenlesco com S. Luiz d'Arles e com
S. Bernardo d e Menthon. Tudo isto 6 glorioso R eu bem
compreliei~tlr~que a tua vaidade de creança se sinta lison-
jeada com ido. Mas escuta: estes grandes santos, estes gran-
des personagens tinham por primeira virtude n hiimildade.
Jesu-Christo, o maior dos filhos dos homens e o unigenito
...
d e Deus, nasceu n'um presepio Olha que a nobreza d e
nascimento nada é sem a nobreza.de coração lhe n3o servir
d e adorno. Estimo mais um camponez que nasceu n'oiria
choça e que vive ciiristãmente no seli casal do que um no-
bro senhor, filho d e rei, irmão de imperador, que seja mal
.procedido.
CAPITULO I1

Gomo 6 que, depois de ter sido mal succedido n'uma ques-


tão litteraria, Fernando Couzié tornou a ficar mal n'uma
questão heraldica.
A breve, mas frisante lição, quesa condessa acabava d e
lhe dar, impressionou vivamente o pagcm; 4 proporç'io que
sua sdnhora liie ia falando, s e ia descobrindo no semblante
do rapazinlio a. diversidade de impressões, que se succediam
n o seu espii+ito. -4ssim que ella acabou de falar, ergueu ella
a cabeça, a com aquelle sorriso franco e alegre de que s 6
.as almas puras sabem o segredo, ‘paz um joelho em terra,
gdiaate da casiellã, e com uma voz comrnovedora, respondeu:
-Excellenlo e graciosal senhora minlia, com a devida ve-
,nia, eu peço perdão, de que não.serei iridigno, seguíodo
fielmente os consellios que a vossa maternal bondade agora
mesmo me dispensou.
246 LEITURAS POPULARES

A condessa fitou-o com um olhar penetrante, que elle sup-


portou sem susto, nem perturbação, nem orgulho, nem au-
dacia, A condessa continuou a olhar fixamente para elle, du-
ranta alguns momentos; vendo que elle não desviava o s
olhos dos seus, inclinou-se; beijou-o na testa dizendo-lhe:
-1de por mais algum tempo divertir-vos, e lendo juizo.
O rancho poz-se logo em movimento sem mais ceremo-
niasi e cinco minutos depois as abobadas sonoras da sala
dos Cavalleiros retiniam com o estrugido de novas gargalha-
das e de novas disputas.
Francisco não dissera uma palavra emquanto ducou a
scena, que acabarnos da .referir. Mas, assim que se apanhou
sb com a condessa, abraçou-a muitas vezes, dizendo-lhe com
effusão :
-0b minha mãe, minha querida e boa mãe1 como e u
sou vosso amigo!
-Eu sei, Francisco, que sois meu amigo, porque pro-
curo guiar-vos pela senda da virtude..,
-Indo adiante de mim, minha querida mãe, animando-
me com o vosso exemplol
-Faço apenas o meu dever, praticando assim. Quem vbs
faria crer na virtude, s e vossos paes nlo fossem os primei-
ros a pratical-a? Muito bem, Francisco, eu estou contente
comvosco, a16 boje ainda me não destes occasião de vos d a r
muitas repreheusões. Por isso, que feliz mãe que eu sou!
O rosto infantil do jovan conde córou ligeiramente.
-0h minha máe, não me façaes presumpçoso.
-Tomae cautela convosco, meu filho, lhe disse a con-
dessa com vivacidade. Não tomeis este meu elogio senão
como um simples incentivo A pratica do bem, Com certeza
que estaes muito longo d e serdes perfeito, algumas vexes
atb mesmo me fazeis inquietar pelo vosso fuluro. Tendes um
fdefeilo, <deque muito convem emendar-vos : gostaes )muito
de fazer escarneo.
-Minha mãe!...
Enceruava bastante amor este nome lão doce, assim p r o ~
nunciado por-este interessante manuebo. Por isso a senhora
-de Sales não pode conter um sorriso. Quem poderia dizer
os thesouros de.lindulgencia que aonthm-o corapo d'uma
na%? A condessa.sorriu~se,fioou desarmada.
(Contida.)
LEITURAS POPULARES 241

NECERANI
Sobranceiros As hortas de Asacaia, mas um tanto abaixo
d o sitio, onde era o conveoto dos frades d e S. Bento e m
Santarem, aguardavam os Portuguezes, a pé, com os caval*
10s pela rédea, praticando em voz baixa, e recebendo do
rei D. Affonso llenriqucs as ordens do que haviam de fazer.
Jb parecia não estar longe a hora de executar e empreza, quan-
do de repente appareceu uma estrella muito grande e muito
inflammada, a qual por grande espaço de tempo esteve pa-
rada, illuminando uma grande parte da terra, até que vaga-
rosamente se encaniinhou da parte de Noroeste em direcção
ao Tejo até que se perdeu de vista. Não era cousa ordinaria
um signal assim, e pelo rei D. Affonso foi tomada uma tal
apparição como um aviso e bom presagio de victoria. Este
e outros signaes que para os Portuguezes eram motivo de
animação, produziam nos mouros grande desalento.
Sohre o quarto d'alva, que G. quando o somno costuma
ser mais pesado, parliu d'aquelle sitio el-rei com seus sol-
dados, deixando ali ficar os criados com os cavallos. A pb
atravessaram o olival de Montirds, e, descendo ao valle, que
fica entre a calçada de Santa Clara e a d'iltamarma, toma-
ram pelo valle acima com grande silencio e cautela, indo
adiante filem Moniz, que muilo bem sabia as melhores par
ragens para a entrada, e logo atrds el-rei seguindo-lhe o s
passos. PorSm aqui se lhe desvaneceu (por um bom accor-
do) o &o, que levavam direito ao logar do muro, a que que-
r i a m ~subir; pois ahi viram duas velas em theatros feitos d e
novo, as quaes vigias se estavam espertando um ao outro;
a viram mais q u e a ronda dos Mouros andava por cima d o
muro, requerendo 4s velas q u e não dormissem e que vigias-
sem. Os Portuguezes se deixaram estar quietos, lançados
de b r u ~ o sem terra enbe uma seara d e pão, que ali estava,
atb entenderem que as vigias todas estavam dormindo.
*Depois d'isto, a pouco espaço de tempo, abalou Mem
Moniz com os que o seguiam, indo muito pezaroso do que
tinha visto e ouvido, chegou.^^ ao pé da muralha, e tre-
pando por u m Lolliado d'um oleiro, q u s estava contiguo á
muralha, passou 4 mesma muralha a encaminhar uma es-
cada sobre uma hastea d'ella. E como a escada se não sus-
teve bom no muro, correu pela haslea abaixo e deu n'aquellb
248 LEITURAS POPULARES

telhado fazendo tão grande estrondo, que por este grande


rumor cuidaram os nossos serem sentidos das velas. Abai-
xou-se Mem Moniz, escutando se onvia dentro algum ruido
e, não o sentindo, fez que se pozesse a escada acrs llom-
bros d e um soldado, moço, que estava emhaixo com os mais,
e a quem Fr. Bernardo d e Brito dã o norne de Mogeime.
nEslando n'esla fórma a escada na propria altura do mu-
ro, tanto que por ella suk~iu&Iem Moniz e poz seus pés fir-
mes na murallia, com os dois niais que o seguiram, levan-
tou a bandeira real; a este tempo que estavam em cima sós
estes tres, acordaram as velas, perguntando u n a d'ellas
com voz dormente, quem eram os que ali estavam, Mem
Moniz lhe respondeu, na lingua arabiga, que elle era um
dos que andavam rondando, que lhe f;ilasse ali fóra pois
era cousa de importancia. O &louro desceu mais aùaixo ao
muro, logo Mem Rloniz com pressa o matou, e , corlando-
lhe a cabrca, o lancou em baixo aos nossos para testemunha
verdadeira do bom sliccesso, que esperavaai. N'este tempo
a outra vela que reconheceu eram clirislãoa os que tal fa-
ziam, em alias vozes, começou a bradar dizendo: Nacerani,
flacsyani! qiie quer dizer Nazarenos ou Cliristáos. Quando
jS. em cima estavam dez, acodiram, correndo, os Mouros da
ronda dquellas alteradas vozes, e, topando com os nossos,
ahi ccim as espadas nas mãos, liouve d e parle a parto, rigo-
rosa peleja. D
Rlem Pvloniz ia pelejando e aninriando os szcis; mas lem-
brando-se da proinessa, que em Coimbra linha feito a el-rei,
de lhe abrir de dentro as portas d'aqiiella praça, acudiu a
ellas e rr~aiscinco cninpanheiros fazendo todo o possivei por
lhesgquebrar as fechad;ras, o que finalmente conseguiu com
um maciiado ou rnasso d e ferro,que.lhe ,lançaram de fóra.
Entrou el.rei corn os setis soldados, e logo tle joellios e m
terra e c,om as mãos erguidas ao c60 deprecou com breve
oração B Divina Providoncia para poder alcançar o fim da
mcloria, como alcançou completa.
Ainda os Mouros mais nobres, vendo.se perdidos e quasi
realisado o prognoslico dq ter Santarem novo principe, s e
foram1 relirando a toda a pressa ao forrelde Alfange, onde
não seria difficuliosù escaparem fortificando-se; mas D.
Affonso, que com o pensamento bem via tudo o qu8 convi-
nha, lbes seguiu os passos com tanta pressa, que juntamente
LEITURA8 POPUL4RE 249
com elles s e rnetleu pela porta da fortaleza, levando com-
sigo D. Peclro, seu irmáo, e outros valentes e conseguiram
sustentar o combate ate que acodiu Lourenço Viegas com
bastantes soldados e se acabou a peleja n'aquelle gonto;
entrelanto andava Mern ivioniz, que muito bem conhecia
aquella terra e sabia por ondl: Iiavia d c caniiriliar, e com
sesseiita soldados seus companlieiros, fazendo estranhas
proezas em armas, foi varrendo os inimigos, até que Abze-
chri alcaide e governador da vilia, vendo-se j3 sem espe-
ranças de a podeia defender, espavorido com grande rriagoa
d e tão lastinioso estrago, Iralou de salvar a vida na ligei-
reza d'urn cavallo, levarido comsigo uns poucos de Rlouros
nobres, com os quaos se escapou caiitti.losanierite pelo pos-
ligo de Sanlo Estevão, que depois s e ficou ciiamando Pos-
tigo da Carreira.
Abzecliri, fugirido, se encaminhou para Sevillia, onde es-
tava o seu rei IIIOUSO Albarnque, que estava na torre d o
Oam, talvez esperando ancioso alguma boa oii m i noticia,
que lhe podesse chegar de Santarem. Viu o rei mouro que
ao torigc vinliam uris cavalleiros, correndo i1 toda a brida.
Disse logo o rei para uris IIouros graves que com elle
estavam, que scr liie assnstava o coração, ptir'ecerido-llie que
era Abzeck~ri, alwicle ile Sanlarern, que deixaria a tcrra pei-
dida, ou quasi em termos de se render aos clirist5os; e para
fazer jiiizo de qual d'estas coiisas poderia ser, disse que, s e
ao passar d e u m rio, que n'aquelle carriirilio estava, dessem
d e beber aos cavallos, era islo signal certo de ficar Santa-
rem pelos Portuguczes; porem, se passassem o rio correndo,
náo lhe faria duvida que viniiam pedir soccorro, Vendo el-
rei que davam d e beber aos cavallos, ficanrlo ali delidos,
logo se retirou da torre e s e foi lamenlar a sua desgraça,
como quem perdia muito ficando seai uma praça cle tanta
impoi'tancia.
Emquanto Albaraqiie em Sevilha tomava o seu nojo, o
nosso D. Alfonso Ilenriques e os seus valentes andam pelas
ruas 'escalahicastrerises calcando os C O ~ P O Sdos barbaros já
sem vida que n'ellas jaziam. E ficou ldgo o rei christão se-
nhor d'aquella terra, pelo que todos ali davam graças a
Deus, pela estranha mercê, que Ilies fizera, pois ainda não
acabavam d e crer a portentosa façaril~a,a que tinliarn dado
fim por suas proprias mãos. E corno se a cada um lhe cou-
250 LEITURAS POPULABES

bera a honra d'aquella victoriosa empreza, saudando-se uns


aos outros, pois ~2áose perdera um sd soldado, s e davam os
parabens, de'safogando em abraços o grande gosto A alegria,
q u e senliam em seus corações.

A CIDADE SUBMERSA

Passastes já por Slaforen, Staforen, a cidade abysmada nas


aguas? Levanta ainda para o ar os palacios coni os seus rni-
naretes, e quando, por tempo de bonanga, a barca vos le-
var sobre as vagas transparentes, o remador pode apnntar-
vos lá no fundo as ruas e praças desertas, ha seculos, por-
q u e iia seculos ja que o mar, o mar imnienso e profundo
tudo absorveu.
Em outro tempo ella brilhava no Iuxo e no orgulfio; e
numero sem conto de navios partiam sem cessar do seu
porto para o demandarern.na volta, carregados coni os the-
souros do mundo. Aturdidos então pelas riquezas, os seus
filhos, cuja soberba augmentava com a aburidancia, esque-
cida a caridade, em breve tiveram por Deus sO o diuheiro:
que, vendo-os, dir-se-liia que para abrir o céo uma chave
d e ouro seria bastante. Assim, quando a medida s e encheu,
homens e thesouros, tudo o oceano afutidou rias ondas vin-
gadoras.
Comtudo, entre os ricos soberbos, uma rniill.ier houva, que
os excedia a todos na opulencia e no orgiilho; e a rique-
za d'ella só na extensso da sua crueldade acharia comparo.
Um dia mandou cliarnar um dos capitães, 0 disse-lhe:
-Embarca no maior dos meus navios, leva quanto di-
nheiro precises; mas não voltes a Staforen sem uma carga
completa d e quanto a terra tem de mais preço o valor. Tens
u m anno para a viagem.
O capitâo era velho e prudente; respondeu pois:
-A terra é fertil em quantos thesonros ha; dizei-me pois
quacs são para 116s os de mais preço o valor, afim que a
vossa vontade seja em tudo satisfeita.
-Uma vez que tanto applaudem a tuasciencia, não acho
necessario dizer-t'o. Quem goza a honra d e me servir, de-
LElTUBAS POPUI.ARBS 2ãX
ve perceber-me a um signal apenas. Embarca pois, ou te-
m e a rninha colera.
O velha partiu cheio d e anciedade. Que lhe trarei? ia-se
elle perguntando, balouçado nas 3guas. A qual hei d e
preferir, as barras de prata e ouro, os tecidos d e ca-che
mira, o ambar ou as perolas? Bem meditado, elle afinal
conciuui: que ha d e mais preço e valor que o trigo? Se 6
o alirriento indispensavel do homem? nem ba rico ou p0-
bre que o dispense.
Endireitou para Dan tzig, e chegado ao porto, carregou o
navio de um formoso trigo de Polonia, tão formoso corno
havia inuito se não via. Ao fim de alguns mezes estava de
volta, e apressou-se a appresentar-se 4 dona do navio.
-I>epressal disse clla maravilhada, e medindo-o altiva
dos pès at6 B cabeça. Qiie trouxeste pois?
-A mais rica carregação de trigo, respondeu timido o
velho.
-Uma carregação de trigo! sem duvida que me não fal-
Ias serio. Uns grãos, unsgráosirihos, bons o muito para se-
mear. Com certeza me não desobedeceste a tal ponto.
-Querieis quanlo a terra produz de mais prec;o e valor:
que ha de mais valor e prec,o que o trigo, se elle serve pab
ra fazer o páo, que o hoinem lodos os (lias pede a Deus
lhe conceda?
-Ah! como 6 assim, lu vaes ver o caso que eu façod'el-
10. Por que lado foi o navio carregado com esta mercado-
ria vergonhosa ?
-Do lado direito.
-Pois que deitem já o trigo todo no mar do lado es-
querdo. E já. E para estar certa que s e execula o que
mando, eu propria vou assistir.
O capitão retira-se amedrontado e triste. Seria offencler
a Deus, pensava elle, e não serei eu quem conimetta tal
impiedade. Assim eu preservasse aquella que eu sirvo.
E foi buscar todos os pobi2es,, e escondeu-os perto d o
navio. Cliegou ent8o a orgulhosa mulher.
-Velho obstinado, imprecou ella, ainda nada cumpris-1
te. Devo então eu propria mandar.
E vollando-se para os criados:
-Alirae o trigo todo para o mar.
262 LEITURAS POPULARES

A esse tempo os pobres precipitaram-se em chusma, 8


ajoelhando diante d'ella proromperam n'esias vozes:
-Por caridade, por caridade1 Dae-rios anles este pão, a
nOs e a nossos filhos e s f o ~ e a d o s ,
Mas foi em vão; que a abominação da crueldade foi con-
summada diante d'esses desgraçaclos, que se lorciani impo-
tentes e desesperados.
Relampejaram de indignação os olhos do velho, que se
adiantou com passo firme e solcmne, e com voz lenla e so-
nora, di,inte de lodos s e dirigiu dqriella mlrllier:
-Será castigada a abominaç80 d'este crirue. Vira um dia.
e ba d e ser airida cedo, crn qiie te repu1asi;is IOliz, podendo
apanhar nas ruas e praças, para aplacar a lua fome, alguns
grãos dispersos d'esse trigo formoso, que liojr, desprezas.
-Isso podrsh acontecer no dia, em qiic a rriais rica lier-
deira de Stafaren vir de novo este annel.
E atirou ao mar o seu annel de ouro.
Essa tarde ainda tinha ella d e o encontrar no estornago
d e um salmão, servido 6 sua mesa.
Náo tinlia ainda chegado a noite, quando irira correio lraz
a noticia du destruiçáo dos navios enviados a o 01'ientc; com
os que demaridavam o Occidenle, cgual rioticia.
Depois o assalto d e caravanas pelos heduinr)~;di?pois a
quebra de rima casa de commercio, arrasta tln a lambem
na sua ruina na perda d e sommas,incriveis. Ern sesiirno, o
aano [ião tinlia acabado, e a prophecia do capilio oslava j i
cumprida. A desgraçada morreu entáo, chuia do miseria,
nas palhas.
O sei1 exernplo porkm não serviu d e lição aos fillios de
Staforen, que cootiniiaram no egoismo do seu luxo e no
orgulho; mas o casligo estava a desabar. No sitio, om qiiea
carregação de trigo tinlia sido atirada por rnoclo tso impio,
levariiou-se uni banco d e areia, conhecido lioje airida pelo
nome de barzco dcr ntzdI~er;e n7este parcel, qiie crescia sem
fim, enraizaram-se os troncos de uma planln desconhecida,
muito sirniltianle ao trigo, mas com a differeuçir que eram
Ôcas as siias espigas. E a arvore incogriila e o baixo de areia
obstroiram ein brese o porto, esgotada por este modo a
fonte das suas riquezas. E como a soberba dos liabilanles
ainda não diminuisse, o mar, por noile de lempestade,
LEITURAS POPULARES 263
~ e n c e n d oos diques, rompeu novos caminhos, e abysmou
para sempre nas ondas a cidade sem emenda.

Passastes já por Staforen, Staforen, a cidade abysmada


nas aguas? Levanla ainda para o ar os paiacios com os seus
minaretes; e quando, por tempo de bonança, a barca vos le-
va sobre as vagas transparentes, o remador pode apontar-
vos ia no fi~ndoas ruas e praças desertas ha secuios, por-
que ha seculos já que o mar, o mar immenso e prufnrido,
tudo absorveu!

O PRIUIEIRO FURTO

(Fabula)

Um mancebo inexperiente viu bellas, rubras maçãs n'um


pomar. Ficou logo d'ellas namorado, e, sem mais pensar
nem ponderar as consequencias, trepou o valiado e soltou
denrro.
Porem ainda mal tinha colliido o primeiro pomo e o ie-
vava a boca, quando Ilie saltou com foria horrivel um cão,
que era guarda da fazenda; e com tal impeto e força lhe
avançou, que o inoço s e viu caido em terra. Era agi1 e valente
faz esfor~ose se levanta, e, podendo lançar mão d'uma
enxada, que ali estava, lão herri dirigido foi o primeiro gol-
pe atirado, que n'um momento vê o fiel guardador a seus
pks estendido.
Aos latidos, que o cão dera, e que o ecco da encosta ain-
da repetia, acode o dono todo apressado, e quanclo 14 re-
volver-se bautiado em sangue o seu queriilo e fiei coinpa-
nheiro, trespassado d e dbr e cheio de raiva por se vêr oG
fendido o mal Iratado na sua propriedade, aponta corilra o
infoliz mancebo a sua espingarda, da ao galilho e a baila
parte sibilando.
No estado de excitação, em que foi feita a pontaria não
pode o liro acertar, e o infeliz mancebo, vendo-se vivo,
quando s6 podia reputar-se morto, alça novamente a enxa-
254 LEITUILAS POPULARES

da, corre sobre o pobre fazendeiro, descarrega-lhe o golpe


fatal, com que o estende a seus pés!
Confuso e estupefacto é coltiido junto dassuas victirnas,
levado para a cadèa, sem lhe valerem as lagrimas do tar-
dio arrependimento.
Em vão se esforça por fazer persuadir a justiça de que
sua intenção nunca fora praticar tamanho mal; k condemna-
do A morte e na força vae expiar o seu delicto.
-Ai! por querer roubar uma maçã, disse elle ao mor-
rer, me vejo assim proximo a morrer de morte infame, e
lego a cleshonra á minha familia!
Quem ler, tome bem conla no que aconteceu a este in-
feliz moço, que por t3o peqcieno mal, que lhe parecia fa-
zer, se viu nas tristes circumstancias cle commeller males
maiores e soffrer-lhes as tristes consequencias.
Haja sempre toda a caatella com o primeiro passo.

UM GENTIO PALLANDO COMO 8 0 1 CATHOLEGO

Persuadindo um amigo a Diogenes que se não exerci-


tasse tanto no trabalho, o pl~ilosophorespondeu sabiamen-
te: Se tu correras no estadic~em cornpetencia, por ventura
pararias ou affrouxarias estando já peruto da raia ou balisa?
Anles apertarias o passo. Qrianto inenos resta de vida, tan-
to devemos procurar seja mais horiesta.

GRANDEZA

Nada tia grande uma vez qiie taniia fim; c quem quizer
que lhe pai8eçani pequenas as cousas, que a outros se re-
presentam mui grandes, ponha-as diante da eternidade e
tão pequenas ficarao, que totalmente as perca de vista, co-
mo se perde a terra a quem olha para baixo rlescle o fir-
mamento.
ANECDOTAS

Quando Florença era republica, havia repetidas mudan-


qas de goverrio, e tendo em certa oecasião, por mA condu-
cta dos iiobres, passado o governo para as mãos da plebe,
um dos nobres, querendo escarnecer do seu visinlio, pes-
soa vil e abjecta, por ser iiin dos novos governadoros, lhe
disse: como poderis til e outros quo taes ignorantes po-
bres e inexperienles das cousris do rnundo governar born
uma cidade t3u grande e tão riobre como esta?
-Cada urn de nUs, respondeu prornptamente o plebeu,
sabe muito bem o que v6s fizestes e, fazendo em tuilo o
contrario, não podemos deixar do acertar.

Gabava certo individuo a sua quinla a um amigo, dize~i-


do-llie que n'ella tinha muito pão o agua; respondeu.llie o
amigo que era boa para Sexla feira santa.

Ouvintlo um menino qoo siia r i i k perdera uma domaiida


que ella sustentava, liavia nioito Lempo, so dirigiu a sua
mãe radiante de alegria e beijando-a ternamerilu. - 011!
minha quorida mãe, ainda bern que perdeu a negrogada do-
manda que tanlo a alormcritava; agora íicarci descançada.

NECROLOCIO

l[>edirnos sufiagios pela alma das nossas associadn~I).


Gertriides Magna da Silva Athayde, Ourem; Ijaadro Jos6 Ni1-
nos Ribeiro, Caria; Dr. Joaquim do Castro o Mcllo, I'orlo;
D. Maria Gubian d e Faria, I1orto.

ANNUNCIOS

sobra a Eg~*cjne
PROI~IIECIAS (1 Rcqokccão. O Anticliris-
256 L E I T U R I S POPULARCS

to e os ultimos tempos, publicação feila em Londres por


Henrique D. Langdon em inglea, e agora traduzida da 'i."
edição: para os nossos assignantes se vende ou ss remette
por ,150 reis.
Terço e Visitas ao Santissirno Sacramento; e Obsequias
ao Sagrado coraç30 de Jesus, 40 rs.
O Livro dos fllelzinos Chl-istnos 400 reis porte franco,
Almanach do Bonz Caiholico, por 80 rs. para os srs. ns-
signantes das LciturasJPopz6lures. -Almanach Fanziiinr, 100,
- O Novo 11íez de &largo, homenagem a S. Jose. 2000 rs.
Dovotissima Arovann ao Senhor S. JosS, 60 rs.-hrove?~a do
Poderosissimo Patrocirzio do Senhor S. JdsLI, 110 rs. - Lin-
das pliothograpliias d'uma bella imagem de S. Josh, gran-
des a Ido00 rs; mais pequenas a 600 rs.; em quarto, 200
rs.; em billiete de ~ i s i t a100 rs.; peqliennscoiii ~ : ~ a ~ em
ões
portugiiez 40 rs.; ditas com a commemoração do sarilo crn
lati=, ciecselada ullimamente, propria para os reverenclos
sacerdotes terem nos breviarios, 40 rs.-l'ambcin lia pilo-
toçrapliias de Nossa Senhora da Conceiçio, de todos o s ta-
manhos slipisaditos, para quem quizer ter corrcspondcntes
is de S. JosG.
A Aaccolta ou Collecção de orações e obras pias pelas
quaes teem os Surnrnos PontiGces conceclido as Sarilas In-
dulgencins. accresceritada corri as concess?3es do Santissinno
Padre Pio IX. 3.a edição porlugueza, 6 0 0 rs.
O Poder l'ernporal dos Papas por 300 rs. porto franco.
Reuistu dos Sçiellcias Ecclesiasticas, esla-se l~iiblicarido
o 2.' anno; compreheode toda a sciencia Ltieologica, piiilo-
sopliia, Iiistoria, lilteratiira. arLcs catholicas, musica, lactos
nolicias religiosas, e corisultas e respostas riiiiilo interes-
santes. Prec;o da assignatura por anno ou 92 riumesos, por-
te franco, 6 de 1gY620 rs.; assigna-se e m Coiruibra, r u a da
Calçada, n." 98 e 104, e em Lisboa, na Liurarin Cntliolica;
rua dos Capellistas, n.O 78.
DEUS REVELADO NA BELLEZA DA NATUREZA

(Continuado do pag. 227)


Adrnirlimos jA a moitpnha escalvada, notlimos-1116 a bel-
leza que clla contem; vejamos aquella, em que a vegetação
assombra SüiiS flores, em que as flores esmaltrim a vei'dcira,
em que a verdura reveste siia fertil terra.
Saberrios todos que as arvores, corno todo o arbusto e
toda a flor, carece il'urna alinospliera apropriaila A sira es-
pecio. O clne vegeta nos vallos riam soinpre medra nas cn-
coslas; o quo so robiistoce nas montanhas r150 cresce rias
campinas. 15 tudo o qcie existe 6 necessario; n9o lia um
grão de areia, u m mosquito, urn atmo, qiio não represento
um grrii~clep:tpel na naturep!a. A gota de suor, que nos cae
da frotita representa no univorso um ser de qiic sti çaraco.
E como deixarúo tle ser precisas as floros, os arbustos, e
a s ar\,oi.as? Pois Deus podia enganar-se no rlue fez? Pois
I)ecis podia i u e r uma c,ousli q ~ i onão fosse procisa? 011,
n9o.
E tudo o (1110as montanhas dio, n90 se produzindo ri'ou-
tra parto, corno crear-sol
Nocessarias são pois para a vagctação BSS~ISelevaçócs que
incornmodam o vilijaii.lo.
Mas entre o mesmo viajanto em sii:ls malas. O calor
abram, 3 poeira cega, o suor cao a jorros da requeimada
frorite, as anuas dos valles sHo esc:issas o v20 rriornas; mas
ali, no coritro d'aqilelln verdura, no seio d'nqiit!lla sombra
corre sirnvo t-irisa, trazendo a Irescura e cotn olla o confiirlo;
11a a pureza tlo ar' que refi-igcra os pulrriõi!s, ha íi fiqssaa
agua q11o refresca a boca e reanima o corpo. I3 \iitlo silon-
cio, iritcrroml,iclo apenas pelo ciciar clas follias, a n'acluotla
alcgra soml~rae bem-estar a alma parece qrio respira, pa-
iletra com o pensamento nas abreas regices, a scm o p r i -
sar, sorri ftizor por isso, riat~iralmonto, lurnhr:i-sc tlo Dolis,
admira a sua graiidoza d'Elle, medita na sua I~onuíicencia
o ci~itlailopolos llomons, lembramo-lios da inullior o Ellios
qua pareca desojarnos ttw ali coiiinosco, ao nosso lado, paiqa
não sertnos os iii-iicns a gosar d'ac~ilelle doce 1)ein ; pensil-
1.' Y@L. I)@ 2.' DRCENNKO* 1 8 Y X-184YB.
mos n'ellas, mas com amor e com saudade ; lembramo-nos
do nosso passado, e, se n'elle encontramos alguma nu\ em
negra a abscurecel-o, vem o remorso pungir-nos a con-
sciencia.
Ahi temos pois os bens materiaes e moraes das moiila-
nhas. N1a<luellafragrante solidão parece que nos contempla-
mos a nOs mesrnos e a quem nos creou, 1130 chegam ali
nem o desenfreado rugir das paisloes do mundo nem o das
nossas; estamos sbs, s6s com Deus, vemti-nos e sentimos
a nossa pequenez, vem01 o e recontiecemos a sua grandeza.
Reconhecemol-a, porque nos miramos sobre aquelle im-
menso monte cle terra e de granilo, trazido para ali pela
omnipotente mão do Cre:jclor, e nhs, que somos sobre elte
um pequeno ponto escuro, visto do longe um ponto qiinsi
irnperceptivel, ronfessarnos que somos iim ~zadnem pre-
sença da grancleza d'acluelle que tudo fez. Temo-nos como
o rei da natureza, como a coroa e senhor do mundo, e ali
somos oljrigados a confessar a nossa pequenez.
Reconhecemos que aquellas commodidades, que a moii-
lanha nos offerece, são impagaveis, que níjs, por rnais que
fizessemos, seriamos incapazes de produzir táo perfeito
bem-estar, uma frescura que tanto nos consolasse, um ar
que tanto bein nos fizosse, e temos de comnosco dizer,
olhando para o cko:
-Tanto bem nos fazes, grande Lleus, que nem nas mon-
tanhas láo isoladas, nas monlan\ias de que ninguein faz caso
e que alguns maldizem, nem ali le esrliieceste de propor-
cioear ao Iiomem comrnodiclades e prazeres. No povoado,
se l& corre algom ar mais puro, i! d'aqui que B levaclo,
porque estas arvores o purificam, porque 1120 cliegam aqui
os miasmas que IA causam as doencas e as epidemias. Bem
hajas, meu Deus, pela tua boncladel
Eis um dos grandes bens das montarilias: tornar o ho-
mem grato para com Deus, e o rccontlecimorilo d a sua pe-
quenez, o que eqnivale a uma replica ao sou amor proprio
e ao seu orgullio.
E, se quizessernos mostisar mais alguns bens materiaes,
diriamos que 6 nas montanhas arborisadas que encontramos
a mais saborosa caça, especialmenle iio inverno ; que i: ali
que os nossos animaes domeçticos vão saborear a verde e
fresca herva, que debalde procuram, em outra parte, no es-
LEITURAS POPULUES 259
tio; que 6 ali que elles tambem vão descançar e refrescar-
se, para recuperar as forças perdidas ou extenuadas pelo
cançaço e pelo calor.
Não digamos pois nunca mal d e qualquer obra da natu-
reza. Tudo o que existe n'ella prova-nos s b a grandeza e
bondade de Deus. Nada falta n'ella e nada sobeja ; e s6 a
omnisciencia o podia fazer, islo h, sú Aquelle que tudo sa-
be, quer dizer, Deus.
Adoremol-o pois sempre, e motivos de adoração temos
nOs sempre em tudo o que nos rodeia.
E, se fecliarmos os olhos, pensemos em nOs mesmos,
que rasges temos para a perpetua adoração.
Falaremos no seguinte arligo do homem, que, como re-
male da natureza, rematara tambem os artigos que sobre
estes assurnptos temos escriplo.
(Continúa)
-z=zwSw
O PANTHEON

Toclos sabem que este soberbo templo, que ainda hoje so


conserva em Roma foi edificado por Agrippa, cidadáo ro-
mano, genro de Augusto, duranle o seu terceiro consulado,
isto 6 no anno cle Roma 327, vinte e seis annos antes do
Nascimento de Nosso Senhor Jesu-Christo. O templo foi de-
dicado a Jupiter vingado, Joui ultori, depois da balalha
naval d'Accio, na qual iluguslo Cesar venceu a Marco Ali-
relio e ficou senhor do iinperio romano, mas em breve viu
o Olympo inteiro tomar logar no seu novo santuario, que
foi chamado Pnntheon, porque ali se adoravam todos os
deuses juntos. Passados tempos, tendo sido informado Ti-
berio por Pilalos, governador da Juclea (os governadores
das provincias tinham obrigação de fazer sciente o impera-
dor das cousas notaveis que aconteciam na provincia), do
que se tinha passado com Jesus de Nazareth; e como a re-
surreição do mesmo era ja conhecida em toda a Palestina,
e jri muitos liavia que o reconheciam pdr Deus, quiz ali le-
vantar uma estatua ao Christo reyscitado na Palestina e
pol-o entre o numero dos deuses ; mas o Deus verdadeiro
recusou tal offerta, e foi por isso que o senado romano se
oppbz a tal proposta de Tiberio. Sendo a religião cliristã
divina não devia nem necessitava, para estabelecer-se e pro-
pagar-se, da auctoridacle humana.
Foi esse mesmo templo profanado por todas as divinda-
des pagíjs, cil~tidodo imperador l'hocas no anuo d o Senlior
607, pelo Papa Bonifacio I1 e pelo mesmo Poiitifice purifi-
cado no armo d o Senhor 608, e por isso tiro11 tia siia mo-
rada su1)tcrrarica infinidade d e ossos de martyres, e vinte
oito coches ~aagniticamenteornados transportaram no meio
das acc1amai;íjes de Roma inleira os novos triurriphadores
ao sanlnarin do paganismo venciílo, o Pantheon que foi de-
dicado i Ptninlia dos Arijns e dos liomens e tornoii n titulo
d e Santa 1Iari:i dos RIartyr~s,Iioje rhailintlo Nossa Sentiora
d a Rotriritla. Dois seciilos depois, eni 830, Gregorio IV o
consagrou cni honra rle todos OS santos, e por ardem d o
dito I'oniifiee o dia d'essa consagraçáo tornoii-se uma festa
d e preceito qiie a Egreja calholicn c e l ~ h r aainds Iioje, todos
os annos, no primeiro de novembro, íesla que outr'ora so
fazia sb eili Hoiria aos 13 tle maio. O Paritheon, transforma-
d o em ternl~lo de Maria, lhe atlesla a ine~plica\~el vicloria
d o cii7istiaiiismo sobre a idolalria, e manifesta ao m i ~ n d o
o triumplro d e Maria sobra o judaismo obstinado ; n'uma
p a l a ~ ~ r aRJ~rin,
, a ilivinclad(i. da iniiocencia, da fis:iqucza o do
infortiinio, Y :.li venerada, e coino o Deus il'lsi'ael Iinvia, n70u-
tso tempo, consagrado o templo d e Salomáo com a appari-
çAo da stia gioria, quiz Lainliem a augnsta Virgem tomar
posse da S ~ I Rneva morada corn um brilhante prodigio, cori-
forme o attestarn graves auctores.
O enlhiisinsrrio tlos cbristáos por verern sua Mãe n Santa
Virgem cc~llocacla no l'antlieon tiritia pro\locado as zomba-
rias e blasplictnias dos judcus ern Roma, e trava-se conlen-
da nos ilois campos oppostos. Uin pobre romano c ~ g od e
nascença, mas inuilo cheio de fb, não deixa escapar a occa-
sião de c o r n b a t ~ ros inimigos da virgindade d e Maria, e cone
fundir os t ~ i m o s o sfillios d e Israel. Estes pela sua parte n
cobrem ele injurias, lançam-lhc rio rosto a sria cegueira,
dizem-lhe qiie o filho tle Maria por elle criicificado ri90 po-
dia dar-lhe a vista. Elle divinarriente inspirado pecle com fi?
tres dias e uina vez, accresccnta elle, (111~ as rasões mais
claras não vos convencem, rencler-vos.ha a vordade, s e e11
alcançar a vista liela intercessão d e Maria, antes que tenha
passado a festa da Purificação. O escarneo cla irici'edulidada
I!EITUR,\S POPULARES 261
foi a resposta: ~n~r7J"t"hntoespalha-se pela cidade de Roma
o boato do ajuste. No dia da festa apresenta-se rio Pnnthcon
imrnenso concurso de ehristCios e judeus, a expeciação da
que deve succeder tem sasr)ensa a multidão. O cego faz-se
conduzir i egreja, quando n'ella se estava rezando o officio,
no dia da Puriíicação, chegu afinal com grande custo ao re-
cinto sagrado, entoa a anliphona que ellc proprio tinlia com-
posto em honra de Maria c, da sua virginal inlegridade:
aEalve, virgem Maria, sois vtjs s6 que tcndes voncido e
voncereis todas as heresias iio universo.^ Ainda não csttl
conclilida e jA seus ollros esl50 abertos B luz c10 dia. Mil
teslcmunlins, amigos e inimigos, certificam o milagre ; o
pasmo e aiegria apodei8am-serla assembléa; qninlientos ju-
deus se convertem, o proprio lJapn os baptisa o assim s e
inaugura o novo santuario le.ilantado Aquella RUie do miseri-
cordia, que a Deus aproare conceder-lias, como meio certo
para chegarmos a possuil-o.
Em melnoria d'csse faclo l ~ â za Egreja na sua liturgia o
canto do picdoso cego, qrie :linda repete em nossos (lias.
Uma graça das mais especi:ies foi c,oncedida por Sua San-
tidade i egreja da Hrninactilaila Conceiç50 de Sees, na Fran-
ça, isto i! uma indulgencin tle Lx'ezentos dias a Lodo o iiel
que n'aqnelle santiiario, rczarido a Aue Mn~.iu,accresceiitar
depois das palavras-Sn?zta Maria Jlae dc Ue?rs-a palavra
-Irnmact~lada-;qmnto seria ],ara desejar qiie miiitos ou-
tros devotos ,santliarias peciissom e alcançassem de filaria
o mesmo favor, não devendo Gcar ntraz o nosso Portugal,
que, com tanta rasão se afaria ile lei-a por padroeira: assim
ficaria lambem satisfeito o desejo d'aquellcs quo querem so
faça mernoria especial da Immaculada Conceisão na Scitccln-
tgào A fzgelica.

CINCO BANDEIRAS
Quando el-rei D. Affonso iv passou n Caslolla com o fim
de soccorrer o Caslelhrino corilra o Mouro, quo infeslava
aquelle reino, fazendo-se conscllio, yotaram os capitaes cas-
telhanos que se desse Tariia aos Riouros, para (lu0 dusis-
tissem da guerra. Oppoz-se cl-rei gencrosamcnto a csta ro-
solução dizendo: Eu não salii do iiicu reino corn gente tiío
262 LEITURAS DOPULAAES

costumada a vencer, para consentir que os infieis se fiquem:


com logar, uma vez, possuido por christãos.
Seguindo-se o voto d'el-rei, se dou a memoravel batalha
do Salado, em que os hfotiros ficaram vencidos, Offerecen-
do-lhe el-rei d e Castella todos os despojos d'esla victoria,
el-rei lhe respondeu que não saliira do seu reino a buscar-
riquezas, senão gloria; e que tendo-o ajudado com as ar.
mas, o servia tambem com o fruclo d'ellas; mas que para
levar ao seu reino a noticia d'aquella victoria, tomava algu-
mas armas do infante Abohamo, filho d'el-rei Sejulmença e
cinco bandeiras, que ganhara por suas mãos.

O IIIARTYR D O G O L B O T B A
(Continuado da pagina 214)
LIVRO I1
E i t r e l l a do mar
Uma virgem conceber4 c: dai&8,
luz um Filho, por nome Etnmsnuel,
isto 6 , Deus romnosco. Este Filho,
dado milagrosxmcnte ao munao, serti
um renovo do tronco de JcssB, uma
flor nascida da BUU raiz. SerA clia-
mado o Deus Forte, O Fae do seculo
futuro, Principc do Paz. SerA levnn-
tado como um estandarte ti vista doa
povos ; as naç0ca vlri2o offerecer-lhe
as suas homenligens, e o sou sepiil.
ehro será glorioso. - (Proplaeciade
Isaiss.)
CAPITULO I

Maria
Vou dar começo ao livro da Virgem. A penna de Zorrilla,
o pincel de Murillo se tornam pequenos ante a formosura
da Mãe afílicta, que clioroa no cume do Golgotha a morte
de seu Filho.
A grandeza de Maria B divina ; por isso não chega a ella
o talento humano.
Perdoa, pois, se, a minha insuEciencia s e atreve a narrar
a tua dolorosa hisloria. A f6 christã alenta minhas escassas
LEITURAS POPULABES 263
forças ; o teu glorioso nome d6 côr ás minhas palidas idóas ;
em Ti confio, para levar ao cabo a penosa peregrinaqão que
me impuz.
Nazaretli, patria de uma Virgem, borco d e um Deus, en-
volta ainda nos ultimos crepes da noite, dorme tranquilla
n'um extremo do pictoreçco valle d'Esdrelon.
A suprema vontade do Creador a collocou no seio de
duas collinas, que, qiiaes mães carinliosas, a estreitam com
seus robiistos braços para a livrar das tormentas outonaes.
Nazareth, azulacla pomba do Oriente, t u fizeste o teu rriinlio
i sombra do IIermon para te embriagares com o perfume
que te enviam os floridos campos de Chonaan, que foram,
em tempo, o cobiçado jaimclim da tribu israelita d e %a-
bulon.
O rócio celeste cae sobre os teus campos ; JeliovA te sailda
d o seu throrio de luz, e os anjos cantam o hymno d e bem-
vinda, porque as propliecias vão cumprir-se.
Uma meiiina formosa, coii~oa estrella da manhã, acaba d e
respirar o primeiro sopro da vida, e de seu peito virginal
sae um geinido de dor.
o primeiro d'um Ser que nasce ; il'iim Ser que vem ao
mundo interceder eternamente por nOs.
O seu berço não se cobre çorn as ricas colçlias d o Egy-
pto, nein se adorna com o ouro da I'erçia.
As suas marililhas não se perfumam com a esscncia d o
nardo, nem s e accende myrrha e oleo balsainico nos perfu-
madores de praia, como fazem os principes liebreus.
Pobre o grosseiro linlio lhe cobre as delicadas carnes. Uma
pobre casinha lhe serve d e albergue, e Liumílílos mulheres
d o povo rodeiam o seu berço e recebem o seu primeirosor-
riso.
E, sem embargo, aquella rlebil crcatura nasceu destinada
a ser a Iiainlia dos ceos, a Mãe dos Anjos, a Esposa d e
Deiis.
Os conquistadores deporão os sceptros a seus pks ; os reis
curvar50 ante Etla as altivas frontes, e os afflictos, irnplo-
rando a sua prolecção, irão adoral-a de joellios anla os al-
tares levanlndos pela f6 cliristá.
Porque Ella serh o balsamo universal das dores huma-
Das; a esperanSn do naufrago, a consolação do tristo.
O seu glorioso nome serli invocado nas occasiõos amargas
264 LEI I I: i 8 POPULARES

d a vida, porque Deus a i'i~~~t~iriou para gosar no seu seio o


Verbo Divino, que em ,i:\ri\n d e homem ba de remir com
o seu precioso sanguc! t+hcc,adonefando da humanidade.
Porque Ella sera o n ~l;i;rico recto e brilhante, em que
nilnca s e ha d e enconla f iiem o nó do peccado original,
nem a casca do peccadl 'ii i11al.l
O seu nome será pai-i \is ~ f l i c t o smais doce aos labios do
que um faoo d e mel, nl !isongeiro ao ouvido do que um
I:$.

suave cantico, mais delii iil, i ao coraçlao do que a mais pura


alegriaa2
Mas não adiantemos 115 .ontecimentos. Sigamos as sa-
gradas tradições do Oi i<i : i , ? , o coi11 ellas á vista e a fé na
alma, Deos nos dar8 t'.?r7 :.!)ara levarmos ao fim a difficil
peregrinação que nos \ r i t : iikr;bimos.
Em Nazareth, peqiiei,: ::~,?~lrle da baixa Galiléa, vivia um
homem honrado conh; +aitio com o nome d e Joaquim, da
tribu de JudA, e da dr;,cc,ii~.::~liciade David por Nathan.
Sua esposa tinha o ~ l rAriiia (graciosa).
~ i i : ~ i t l ?

Ambos eram bons r c J ~ . ! ' i vavam com a fe do coração os


mandamentos de Jeho~;i. :li.is a Senhor apartava d'elles o
seu olhar, e Anna era i:.:.(lx l i , clepois de vinle annos d e ca.
sada.
Joaquim podia romp18r.sr,~li+llosinfecundos laços, dando-
lhe as cartas d e rlivorcir) ~ y r i a* lei dos phariseus com tanla
facilidade concedia.
Lei barbara, inhumarj:, c b L i i qiie as esposas se convertiam
em escravas, e os esyc1:t) ilin tluspoticos senhores, a pois
só por ter feito coser d t tir:iín o comer para o dono da casm
ou For nlo ser bastanti! : ~:*~:iiisa, podia o homem repudiar
sua mulher e unir-se coiii, ):,Ira. ))

Anna, pois, vivia trisit, : ilrrliie a iiífeclindidado era olhada


em Israel como um o ~ j ~ ~ ~ ) l i t . ; í i
&Ias, Joaquim amava i i :;posa, e vivia resignado entre
o trabalho, a oração e a s::~~ila.
PediaIi1 com fervoroso ~ n i . : Litton Deus que lhes concedesse
um herdeira para se vi-z1aY~ rirnpos da manclia, que sobre
elles pesava, e Deus nixLli:: ' ; i ~ srogos, porque saiam de
dois corações puros, qi;i9 !>icriharn n'Elle a sua fé e espe-
rança.
i S. Ambroaio.
S. Antonio de Lisboa.
LEITURAS POPUTrRES 265
Anna sentiu finalmente agit;irb,.;e nas siias entranhas o
germen d'um novo Ser, e louca rle alegria foi participal-o
ao seu esposo.
Passou uma lua e outra Ilia, 1. por fim uma manhã do
mez de Tisri4 Anna foi mãe, e Joa!lnim apresentou aos seus
parentes e amigos uma menina f o i triosa como um anjo, loira
como o pó do ouro dos mercadnit:~do Egypto.
Nove dias depois, segundo os (20stumesdos Israelitas, s e
reuniram na casa paterna para d;ii ein um nome i nova Ver-
gontea.
O pae poz-lhe o mais bello nome. o mais sublime que ainda
combinaram as lellras d o alfabelo, porque elle sb encerra um
poema d e inexgotavel ternura.
Este nome era Mirian (Maria), nome que em lingua sy-
riaca significa Soberana,.e em hehraico Estrella do Jiar.
E como dar-lhe outro nome e que melhor explicasse a
alta dignidade da Vjrgem que lialia de encerrar no seu seio
o Martyr (10 Calvario 7
S. Bernardo o disse, Maria 6 , com effeilo, aquella formosa
e brilhante Estrella que resplandece sempre sobre o mar
vasto e tempestuoso do mondo,
A mulher hebrea purificou-se solemnemente no templo,
oitenta dias depois do parto, offer~cendoanle a ara um cor-
deirinbo branco ou duas rolas, se e pobre, ou uma coroa
de ouro se e rica.
Anna era pobre e offereceu urna rola em sacrificio ; mas,
agradecida ao precioso Don que Jeliovi lhe concedera, lhe
empenhou a sua palavra d e consagrar sua filba ao serviço
do lemplo, quando aquella terna flor, que lhe dedicava,
soubesse distinguir o bem dò mal.
Assim creou a seus peitos a Biaria, porque em Judd as
mães teem a imprescindivel obrignr,ão de crear seus filhos.$
Alheia a formosa Menina desde os seus mais tenros annos
aos brinqiieùos subjugadores cla infnncia, cresceu entre a
meditação e as ternas caricias de seiis pqes.
1 Segundo a opiniao de ~Iguilsorient~es,q Virgem Mariw nasceu
a 8 de setembro (Tisri),fpdmelro mez civil doe judeus, no nnno 734
de Roma e21 antes da era vulgctr. A hora do seu nascimento foi O
amanhecer.
2 Em todos os livros da Eecriptiira Sagrada n8o se encontram se-
nno trea ames : a de Rebeca, a do Mipliiboseth, e a de Joae.
266 LEITURAS POPULARES

Aos tres annos era olliada com respeito por todos os hu-
mildes habitantes de Nazareth.
Em seus olhos, azues como o ceo do Oriente, brilhava
uni reflexo de luz divina.
Seus labios, nacarados como o cerrado c a l i ~dos cravos
de Jericb, tinham sempre um sorriso de indefini~eldoçura
para totlos quantos s e aprosirnavam d'ella.
Os abundantes anneis da sua loira cabelleira caiam, como
uma chuva de ouro, sobre a modesta tunica de lã azul que
cobriu seu delicado corpo.
Algumas tarcles, nas pictorescas estacões vernaes, sou pae
a levava a passear pelos floridos jardins do valle d'Es-
drelon.
A formosa Menina, sentada á sombra d'um d'aquelles cor-
polentos salgueiros, que tantas vezes acoitam debaixo dos
seus melancolicos ramos as caravamas arabesl, se compra-
zia em eslender o doce olhar pelo claro e diaphano coo d e
Galilea.
Seu pae não se atrevia a interrompel-a, durante aquelles
momenlos de celeste contemplação, çrenclo-a inspirada por
alguma revelação divina.
Depois, ao regressar a casa, com as mãosinhas, brancas
e Bnas, como a flor do llierebinto, fazia um ramo de nar-
cisos, anemonas e açucenas, e, durante o caminho, se de-
leitava em aspirar o seu delicado perfume.
Muitas vezes o pae Itie colhia o dourado fructo, que lhe
apreseniavani ao passar o sycomoro e o platano, e a Me-
nina o guardava com as flores, e, ao chegar ao seu povo,
offerecia a sua mãe aquella preciosa fructa e aquellas lindas
flores, dizendo :
-O pae lembrou-se de ti : traz-te isto.
Maria chegou ii eclade prefixada por seus paes para a en-
tregarem, conforme tinham promettido, ao templo sagrado,
como uma das virgens d71srael.
Os parentes de Joaquim dispozcram-se a acompanhal-a,
pois, segundo os hebreus deviam prescnciar a sagrada ce-
remonia.

1 A mais numerosa caravana podciia abrigar-se em roda do seu


tronco collossnl, e acampar junta SL sua sombra, com suas bagagem
o camellos. - Lamartinc, Viagem & Palestina.
LEITURAS POPULARES 267
A humilde caravana saiu, pois, de Nazareth em direcção
a Jerusalem.
Era a estação das chuvas ; o Cison, secco durante OS c3-
lidos mezes do estio, arrastava sobre o seu leito d'areia as
vermelhas e turbulentas agiias.
Os viajantes evitaram o perigo, que o rio Ihes offerecia,
tomando as encostas embalsamatlas do Carmelo e a ferlil e
arenosa planicie de Saron, invernadeiro perenne de Galilea,
eemeacla por todas as partes de Iarangeiras, palmeiras e
abetos.
Cliegnram por fim depois de alguns dias de caminho ii
popiilosa cidade de Jerusslem, e entraram n'ella pela porta
d'Ephraim.
CAPITULO I1

A Virgem de Sião
Alguns dias depois, os paes, seguidos de seus numerosos
parenles, alaviados com o trajo de gala, se encaminharam
para o templo.
Joaquim Levava nos braços o cordeiro sem macula, que
devia ufferecer ao Senhor.
Anna sua esposa conduzia sua Filha.
A santa Menina levava nas mãosinhas, embrulhada n'um
pedaço de branco linho,.a flor de farinha indispensavel para
o sacrificio.
Ouçamos o que diz da apresentação de Maria o abbade
Orsini :
« Atravessando o pateo exterior, em que o eslrangeiro
devia deter os seus passos sob pena de morle, o sequito
augmentou com bom numero de empregados do rei, de pha-
riseiis doutores e damas illustres, que uma disposição se-
creta da I'rovidencia reunira por casualidade sob os porti-
cos de Salomão.
a Parou um momento a comitiva nos degraus de marmore
do Clbal.4 Ali os ptiariseus estenderam os seus t~philim.~
2 Espaço de dez covados entre o pateo dos gentios e 5s mulheres.
3 Tephilim, pequeno pedaço de pergaminho, no qual escreviam com
tinta feita de proposito quatro aeutengaa da Escriptura, c os judeus ü
levavam collocnd~no bravo direito ou no meio da testa. Estava muito
l distincç"ao. -
em voga no ternpo de Jeau Cliricito a era um ~ i g n a dc
(Besnage, Hz'storia dos judeus, liv. VII, cap. VII.)
268 LEITUnAÇ POPULARES

e cobriram as orgillliosas frontes com oin dos pannos do


seu taletl de lã branca e fina, adornado com romãs de pur-
pura e com cordões cbr de jaeinlho ; os valentes capitães
de Elerodes envolveran~-senos seus ricos mantos presos com
broclies de ouro, e as filhas de Siáo ve1sram.s.e mais estrei-
tamente com as pregas dos seos veos ern 1-espeito aos anjos
do sanlflario.
a A diciiia ijlenina e a siia brilhante comiliva transpoze-
ram a porta de bronze yiie fechava aos aos profanos o sa-
grado recinto.
a A porta do Nicanor girou sobre os seas gonzos para
deixar passar a victima, e offeer'eccu em perspectiva o lem-
plo de Lorobabel com suas coroas votivas, suas portas for-
radas de folhas de ouro, c suas paredes construidas de pe-
dras enormes e polidas, nas qiiacs as máos dos seciilos ti-
nham estendido essa cor de Fülha secca que ùestingue os
antigos edificios do Oriente.
« Tudo era grande e aenet-ivel na casa de Jehovd, e sem
embargo, apesar da siia magniíicencia, quanto liaviam de-
caido do seu esplendor e sariiidade 1 Um não sei que de de-
feiluoso e incompleto se fazia sentir atb nas suas ceremonias
mais imponentes. Os seus sacerdotcs jti não oram os ungi-
dos do Senlior ... a Arca santa tinha desapparecido.
a Mas um dia glorioso ia brilhar, e o Oriente começava a
illuminar-se.
a o s sacerdotes e os levitas, reiinidos no ullimos degrau,
receberam das mãos de Joaquim a victima cleprosperidade.
ahquelles ministros do Deus vivo, não tinham a fronte
cingida com o louro o11 com o aipo verde, como os sacer-
dotes dos idolns: tima especie de mitra arredondada, d'um
tecido de linho mui tapado, uma tunica de linlio comprida,
branca e sem largura, apertada por um longo cinto borda-
do a ouro, jacintho e purpurn, corripunha o trajo sacerdotal,
que não se trazia senão no lemplo.
~ D e l ~ ode
i s ter deitado sotire o hombro esquerdo as pon-
tas fluctuantes do cinto, tini dos Echanezis pegou no
cordeiro, cuja cabeça virou para o Norte, e lhe cravou no

Talet, manto quadrndo que levavam 0s judeiie para fazerem ora-


$50, e com o qual cobriam a cnbcçii.
EcJ&aneu,sacrificador ordinario.
LEITURAS POPULABIS 269
pescoço o cutello sagratlo, pronunciando uma breve inxo-
caçáo ao Deus de Jacob.
((0sangue, qiie caia ri'urn. vaso de bronze, ficou reser-
vado.para rociar os cornos do altar.
al'eito isto, o sacrificador amonloava ri'um espaçoso prato
d'ouro as estranhas, os rins, o figndo, ;i caucla o mais par-
tes da victima, que varias levitas Lhe npresentavani succes-
sivamente 2, depois de a terem lavado com todo o esmero
na sala da fonte. ISlle poz soli1.e a oblaçlo incenso e sal ;
em seguida, subindo com os p&s descalços a suave escada,
que conduzia i plataforma d o altar dos holucaustos, fez li-
bações de vintin e sangue, lanço11 á brilhante chamrna, que
aenburn sopro humano linha accentlido, Gutn pouco de
flor de farihba misliirada n'urn copo de ouro com o mais
puro azeite d'oliveira, e poz, finalmente, a offrenda pacifica
sobre os ardentes lenhos que tinliarri saido do grande bos-
que de Sichem I , e que os officiaes superiores do tem-
plo tinham examinado com cuidado e despojado das cascas.
a 0 resto da hostia, com reserva do peito e da espadua
direita, que pertenciam aos sacrificadores, foi entregue ao
esposo d e Saqt'llnr~a,que dividiu os pedaços entre os seus
proximos parerites, em conformidade com os costumes do
seu povo.
KOSultimos sons das Lrombelas sacerdotaes ouviram se
ao longo dos porticos,.e o sacrificio ainda ardia sobre o altar
d e bronze, quando um ministro do templo desceu ao atrio
das mulheres para terminar a cerenionia.
((Arma, seguida de Joaquim e levando sua filha nos bra-
ços e a cabeça coberta com um vio, se adiantou para o
ministro do Altissimo e lhe apresentou a joveri serva do
1 AOS quatro cantos do altrr dos holocanstos havia quatro pila-
res pequenos, os quaes eram Ôcos, e por ali se via o sangue das vi-
cti~nas.Estes eram os cornoe dos altares, de que tanto se fala na Es-
criptura.- (Hisloria doa judeus.)
a Besnage asucgura que para o simples ~acrificiod'nm cordeiro
se empregavam dezoito sacrificadores.
Os judeus niío se serviam ;nem do sopro da bocca, ncm de folles
de nenhuma enpecie, para accender o fogo dos altares : excitavam a
chamma derramando azeite sobre os carv0es accesos.-(Hiatoria doe
judew.)
Vichem, territorio de Napluaa (Turquis Asiatica), unico bosque,
-
d'onde se tirava a lenha para os sacrificios. (Correspondencia do
Oriente, tomo IV.)
270 LEITURAS POPULARES

Senhor, pronunciando commovida estas ternissirnas pala-


vras: Venho orerecer-te o presente que Deus rne deu.
(10 sacrificador hebrei~ acceitou em nome do anjo, que
fecunda o seio das mães, o precioso deposito que Ille con-
fiava a gratidão, e abençoou os sanlos esposos, como Aeli
o pontifice tinha abençoado, em outro tempo e n'uma cir-
cumslancia similliante, o piedoso Elcaria e sua ditosa con-
Sorte.
estendeu em seguida as mãos sobre a assernblba que se
inclinava á sua benção pontificia Oh Israel, exclamou, di-
rija o Eterno para ti a s z m luz, fapa-te prosperar em to-
das ns cozcsas, e conceclu-te n paz!
r u m cantico de gozo e acção de graças liarrnoniosamente
acompanhado pelas harpas sacerdotaes terminou a apresen-
tação da Virgem.>
Esta foi a ceremonia que teve logar 110 templo de Siao
nos ullimos dias de novembro.
Zactiarias, principe dos sacerdotes d e hin e parente de
Joaquim e Anna, foi o que recebeu a terna Virgem dos
braços d e sua mãe para a depositar ao lado das suas com-
parilieiras na casa de Deus.
Desrlo aquelle dia, as piodosas matronas que eram res-
ponsaveis ante os sacerdotes pelo precioso deposito que se
llies confiava, olharam coin respeito a terna adolescente cuja
bondade e formosura as subjugava. .
O seu r ~ t i r ono templo niio foi uma clausura rnonachal.
Seus paes, que desde o momento da apresentação se do-
miciliararn em Jerusalem, a visitavam com frequencia.
Todas as tardes depois das ablu$ões, quando os raios do
sol começavam a banhar com a vermelha luz do seu cre-
pusculo vespertino as eordillieiras do Thabor, e as aguias
abanflonando os seus iiegros ninhos d o Libano pairavam
com preguiçoso voo sobro os brancos e elevados minaretes
d e Jerusalem, Maria, coberta coni o podibiindo veo das
virgens, o seguida das suas companheiras, entoava com fer-
i Em quanto o pontifice dava a sua benqgo, o povo era obrigado
u p6r na mlos sobre os olhos e encobrir o aomblaiite porcluo n:io era
permittido v&. n m5o do snecrdote. Os judeus iiiiaginavr~mque Deus
@ R ~ U V BI I ~ I ' B Zdo ssc~idoto,e oa olhava atrxvce das suas mnos eeten-
&das, L. riiio se ~trovinmn levnntrir os olhos para ellc, porque nin-
,quem ydrle vr?t. a Deus e viuera-(Boanego, Liv. VIL Cap. XV.)
1,EITUnAS POPULARES 2 73.
voroso accento ao p6 cla ara as preces de E s d ~ u s e, o Deus
d e Sião ouviu a sua doce sul~plicaque do p6 d a terra s e
elevava ate o santoario do seu paraiso, expressa n'este poa-
tico e santo estylo:
a 0 h Deusl ... Seja o vosso nome glorificaclo e sanliTicado
n'este mundo que creasles, segundo a vossa voritadc: [ ~ L Z B ~
~ s i t l a ro z~osso reina: floreça' a redempção e venha o Mes-
sias promptamenle u
Isto entoavam ao som das melodiosas Iiarpas as virgens
do templo, e o povo lhes respondia com fervoroso accento,
inclinando as frontes para o c1i50: Amenl Arnenl e logo re-
peliam os inspirados versiculos do bello psalaio clos pro-
plietae hgeu e Zacbarias:
a 0 Seribor desata os quo estão presos: o Senhor illumi-
na o s que estão cegos.
a 0 Senl~orlevanta os quo estão cahidos : o Senhor ama
o s q u e são justos.
a 0 Senhor guarda os estrangeiros: Elle torriari sob a sua
protecção o orphão, a viuva, e destruiri os caminhos dos
peccadores.
« O Senhor reinar5 em todos os seculos: Tu, Deus de
Sião, reinarás em todas as geruç-00s.))
Maria permaneceu até i edade de quinze annos no tem-
plo d e Salomão, sendo o modelo de virtude e santidade en-
t r e as suas companneiras.
As horas, que 1110 deisavarn livres os officios divinos,
empregava-as em bordar e fazer outros trabalhos delicados,
e n o estudo d e sagrados livros; a sua habilidade sern egoal
em fiar o linho fino chegou ate n6s n'uina tradição orienlal
q u e designam com o nome de Fio du virgem 2, essas telas
finas e delicadas, cujo tecido parece que vae desfazer-se
com o menor sopro d e vento. Aos quinze annos, Maria era,
segundo S. Dyonisio Areopagita, conlemporaneo da virgem
e q u e teve a incornparavel ventura de ver a casta luz dos
1 Esta oragão 6 mais antiga de todas as que conservam os judeus:
alguns cecriptores rt speitaveis asseguram que estava em uso ~ n l e S
de Jesii-Christo, e que os apoatolos a aprccisiam com preferencia n a
Synagaga.
2 Os tecellaes ffancczes da edndo media, em commemornçlo de
Maria, levavam nas festividades um estand!irtc com urna Virgem carab
regada de magnificos bordados e um lottroiro que dizia: Nossa A%-
nliora a Rica.
372 LEITURAS POPULARES

seus olhos e ouvir a doçura da sua voz, formosa atd des-


lumbrar, e tel-a-?ia adorndo como n 2~712 Deus, se vzão li-
uesse sabido qzce náo ?LUsenão z~mso' Deus.
S. Epiphanio no seculo iv nol-a descreve d'este modo:
a A sua estatura era iim pouco mais de mediana; a sua tez,
levemente dourada como a de Sulamita pelo sol da sua pa-
tria, tinha o rir:~ matiz das espigas do Egypto; seus cabel-
10s eram louros; sens olhos vivos; a pupilla tirando um
pouco para cor d'azeitona I; as sobrancell-las perfeitamente
arqueadas e cl'cim negro o mais formoso; o nariz, d'uma
perfeição notavel, era aquilino; os labios rosados; o talho
do semblante formosamente ovailo; as mãos e os dedos
eram compriclos. u
Rlaria, pois, segundo o parecer d'alguns sabias commen-
tadores da Sagrada Escriptura, encerrava em si sÒ todos os
ricos tbesouros de helleza, caridade, valor o virtude qu:
poderia reunir o grandioso cathalogo das miillieres da Biblia.
No puro e immaculado vaso que encerrava ù seu ser, ti-
nham-se reunido todas as perfeiçoes que o Eterno póde ou-
torgar a uma creatiira.
A Mãe d e Deus não se concebe d'outro modo.
A importante, a dolorosa, a rsgeneradora missso, a que
estava destinada desde o momento, em qiie o seu peito vir-
ginal respirou, na terra dos homens, o primeiro sopro d e
vida, tão sómente uma mullier locada no coração pelo bafo
de Deus podia leval-a ao cabo.
Por isso Deiis, qiie a escolliera, para que o mundo a in-
vocasse rio ftituro com o excelso nome rle siia Mãe, fez com
que Riaria fosse casta como Susana; bella e valorosa corno
Estlier, a judia que evitou o exterminio dos setis compa-
triotas; prudente como Ahigail, esposa de David; previsora
como a prophetisa Débora, que soube governar os Iiebreus
e salval-os da dominação (10s chnnaneus, e sonfida e resi-
gnada, como a mãe immortal dos Macliabeus.
Terminaremos o retrato da Virgem dizendo que Maria
falava pouco, era simples nas suas palavras e modesta no
seti porle, e não gostava de deixar-se ver, apezar de ser jo-
ven e formosa.
Assim se achavam as coiisas, quando no c150 soou a hora
U s azeitonas na Palestina azo d'uma côr azul abrilhantads.
LEITUBAS POPULARES na
de começarem as lagrimas a empanar as limpidas pupilias
da Virgem.
Deus começava a ,prova terriael a que a destinara.
Zacharias, gran-sacerdote e parente de Maria, entrou, uma
tarde, na sua calla e disse-lhe:
-Cobre a cabeça com um marilo e segue-me.
-Aonde, senhor.? perguntou a joven.
-Um bomem exhtila no loiio de morte o ullimo sopro
de \.ida. Jehovi o chama i casa dos vivos e antes de
abandonar os seus parentes quer abençoar-te.
-Meu pael exclamou Maria, clieia da mais cruel dor.
-Sim, teu pae, lhe respondeu o sacerdole com religiosa
enloação.
Joaquim moi'reri como morrem os justoçg~~.odeado da sua
farnilia e ven'lo em torno do si as orai$es e os soluços de
seus parentes e amigos.
Maria cerrou-lhe os olhos e acompanhou com sua mãe o
cadaver 4 ullima morada, segul~doa vontade dos hebreils.
Mas ai1 este golpe cruel náo veiu s b ; aiitro o seguiu a
p6s, mais lerrivel, se póde ser, que deixou inconsolavel e
ùrpúã a immaculada Alaria.
O seu coração começou a ser traspassado com dois gol-
pes crubis, que foram o preludio cle outros mil g z n~ es-
peravam.
A lampada morluaria n2o se tinlia apagado na habitação
da viuva,
O grosseiro camelote "inda anvolvia as delicadas formas
de Maria, e sens pequenos pás aitida se acliavam descalços,
quando segundo emissario foi annunciar-lhe ao templo que
sua mãe estava expirando.
A J o ~ e n ,acompanhada d'uma das matronas, correu ao
leito de sua mãe.
Era noite: junto A modesta porta da casa dlAnna viu Ma-
ria uma carpideira acocorada, que lançava ao vento seus
dolorosos gemidos.
-Mullier, lhe disse, 6 minha mãe morla por desgraça?

1 O aepulcliro chamava-se entre os judeiis a casa dos vivos, para


mostrar que a almn immort .1 vive ainda depois da scpnrngiio dama-
teria.-(Resnage, Liv. VJI, cap. xxxv.) I
2 8acco de lucto tecido de pello de eamcllo.
274 LEITURAS P O P U I ~ A R C S

-Não, Virgem, lhe respondeu: ainda vive; mas o meu


pranto annuncia a sua ultima liora, que está proxima.
O orvalho da manha, ao descer dos cbos, cnconlrou a
alma d e Anna que se elevava ao throno d e Deus.
Maria era orptlã, e como tal livre e senhora do seu alve-
drío. Mas ella escolheu a casa de Deus como refugio d o
seu dilacerado coraçao.
A sua dôr foi angustiosa, grande, mas resignada. Do fun-
do da sua alma virginal se exhalaram preciosas e abundan-
tes lagrimas, porque o seu coracio, fonte d e inexgotavel
ternura, nunca seccou; e elevando ao céo seu rosto dolo-
roso e seus lacrimosos olhos, exclamava com inavioso accen-
to, esgotando o calis da amargura: 01i Jehová, faça-se a
tua voiztnclel
Maria aecendeu a lampada na synagoga, mudo araiilo da
sua dôr, que pedia orações para soa defuncta mãe, e jejuou,
por espaço de doze mezes, todas as semanas no mesmo dia,
em que ficara orphã i.
Maria, ainda que pobre e orphã, teve lutores de ordem
sacerdotal.
Zacbarias, esposo de Isabel, e pae de S. João Baptista,
precursor de Christo, foi o depositario que escolheu S. Joa-
quim a hora da morte.
CAPITULO I11

O ANNELn'ouno
Moyahs tinha dito: O qzco não d e i x n ~ .descendonch enz
Israel, seja maldito. A lei, pois, obriga Maria a tomar es-
poso.
Os pites do Baptista, d'esso martyr do capricho d'uma
rainha impura, viviam em Ain, pequerio povo que se acha-
va situado duas legoas ao Sul d e Jeruaalem, e desattenden-
do as repetidas supplicas da sua afilliada, que se obstinava
em permanecer pelo resto dos seus dias no templo de Sião,
convocaram todos os parentes da raça do David e da tribu
de Judii.
Uma descendente d e David não podia subtraliir-se ao jti-
go do matrimonio. Os propl-ietas tinliaxn annunciado que
Este jejum era n abmtincncin completa de todo a qualquer ali-
mento por espago de vinte e quatro horas.
LEITURAS POPULAREN 275
d'um ramo verde e frondoso sahiria o Messias desejado, o
Salvador dYIsrael,o qual devia collocar o verde estandarte
dos Machabeus sobre os templos pagãos da impura Roma,
e os judeus regosijavam-se vendo nos seus sonhos dc vin-
gança o assombro e espanto com que os escravos do Tibre
leriam estes vermellios caracteres da sua gloriosa bandeira:
Qual da entre os deuses I' sirnilhaszte a ti, oh Eterizo?
Isto era a esperança do povo hebreu, desde que o assy-
rio, derrotando-o com suas vencedoras legiões, o transpor-
tou captivo Qs margens do Euphrates.
Israel chorou lagrimas de dar na impura Babylonia. -4s
harpas de JudA perderam as suas doces melodias, e os va-
sos sagrados do templo d e Si50 foram depositados aos pés
d o deus Belo, como se Jehovi podesse render vassalagern
a o idolo sangrento dos babylonios.
Maria, pois, era uma espdrança para o povo d'hbrahão.
A perfumada violeta de Nazareth, o verde renovo do rei
dos cantares, devia unir-se com uni homem da sua raça,
cuja limpeza de sangue fosse tão pura, tão immaculada co-
mo o que girava pelas azuladas veias da Estrella do Mar.
Segundo as sagradas tradições, vinte e quatro aspirantes
se apresentaram Q mão da joven Virgem.
Entre elles achava-se Jqsé, o carpinteiro de Nazareth, e
AgabiJis, o nobre jerosolimitano.
Jose era pobre, humilde, e ganhava o sustento com o
modesto trabalho das suas mãos.
A sua edade orçava pelos quarenta annos 5 e a sua ve-
neranda cabeça ji corneça\la a cobrir-se de cans.
Agabi~sera moço, rico e bello.
Um offerecia uma vida de privações; outro uma existen.
cia de luxo e abundancia.
Jose o humilde sb lhe poderia dar o duro pão do jorria-
leiro; Agabus teria lançado aos p6s de Maria preciosas te-
las do Egypto, e adornado seus braços com ouro e pero-
las da Persia.
(Continha.)
1 Algiina esçriptoren attribuem R S. JosO oitente annos de edadc
na epoca du seu casamento; ma8 entre os hebreus a iiniBo d'um Ve-
lho com urna joven era prohibido. nos termori mais humilhantes c ver-
gonhosos, e B de crer qu? os tutores da Virgem n l o haviam de faltar
a uma lei que tanto respeitavam; pelo que em virtude de varios pa-
receres e tendo em conta a lei firanios quarenta rinnos de edade.
Supportoo grandes tormentos
duros ruartyrios na cruz,
morreu para nos salvar;
seja bemdito Jesus.
CORO

Beaidita e louvada seja


a paix6o do Rsdef~zptor,
que por nos livrar da czilpa
morre26 cnz nosso favor.
Quanto por n6s padecestes,
6 bom Jesus Salvador!
Quem ha que possa entender
tantos excessos de amor!
Na vossa santa cabeça
cr'ôa d'espinhos cravaram,
d'onde, entre dores incriveis,
fontes de sangue manarani.
Vossos cabellos divinos
foram em sangue ensopados,
sangue que veiu remir-nos
de nossos feios peccadosl
Vossos santissimos olhos
verteram iagrimas ternas,
para livrar nossas almas
do fogo e penas eternas!
Vosso purissimo rosto
cheio de escarros nojentos!
por nossos muitos peccado.s,
Senlior Deus, tantos lormentos !
LEITURA6 POPULARES

Vossas sanlissimas faces


soffreram mil bofetadas,
por duros feros algozes
escarnecidas, pisadas.
Vossa saniissima hocca
vinagre e fel amarguso
provou, poupando A nossa alma
castigo eterno horroroso1
Vosso pescoço divino
com grossas cordas ligaram,
d e rua em rua com ellas
como reo vos arrastaram!
Vossas sanlissimas costas
pezada cruz conduziram,
entre agudissirnas dores
mais e mais chagas se abriram!
Vosso santissimo peilo
foi cruelmenie rasgado;
d'elle correu aliundanle
remedio para o peccado?
Vossas mãos puras divinas,
pregaram n'esse madeiro,
d'elle pendente ficastes,
bom Jesus, Deus verdadeiro !
Os vossos pbs sacrosantos
foram com ferro fendidos;
mas foi rasgada a senleriça
contra milhões de perdidos!
O vosso corpo divino,
ferido e todo chagado,
nos diz quanto ti horrendo,
quanto 6 medonho o peceado 1
Vosso arnave1 coração,
pois que o abriu dura lança,
convida a que n7elle entremos,
cheios da maior confiança!
Por merecimento infinito
de tão amarga paixão
terno Iesus, concedei-nos
de nossos crimes perdáo.

25 D E JULHO

Batalha de Campo de Ourique


(Continuando de ptig. 236)

Como dois feros gigantes


frent'a frente os campos 'stão,
tremulam mauros crescentes
ante o cruzado pend8o.
Affonso como prudente
animoso anima os seus,
p7ra qne os seus brios lh7alente,
conta-lhe .o auxilio de Deus.
Conta e faz-lhe juramento
d e como vira o Senlior,
brilhando no firmamento
entre flilgente esplendor.
De como na cruz brilhante
lhe quiz as cliagas mostrar.
mandando que d'ora avante
por armas as vão tomar.
LEITURAS POPULARES

Assim Affonso animado


com seu povo tio fiel
não duvida, ataca ousado
essa gente de Ismael.
Audaz mouro não regeita
este combate aceitar,
as longas alas ageita
par'os nossos circumdar.
Soam gritos por Mamette
e por Deus e Portugal,
cada qual fero commette
rija balalha campal.
Os cavallos relinchando
s e vão soltos a correr,
mortos seus donos deixando
IA sobre a terra a jazer.
VZo as setas disparadas,
vão espadas a tinir,
fortes lanças arrojadas
larga f'rida vão abrir.
Ali fica sem senlidos
nobre filho de Ismael;
c'os alentos j6 perdidos
além morre um anadel,
Os cinco reis colligados
perdem a vida a fugir,
vendo seus campos levados
rios d e sangue a tingir.
Afíonso as alas corria
ledo 9victoria a bradar,
aos seus contente dizia:
eu pude a patria salvar.
LEITURAS POPULARES

Lá nas tendas j A vencidas


das rotas tropas d'Agar
christãs bandeiras erguidas
soltas 'stão a tremular.
Sobre os escudos alçado
dos seus guerreiros leaes
o vencdor é levado
em volla dos arraiaes.
Cem mil vozes d'alegria
j i relumbam pelo ar,
ao principe,que vencia
um throno v30 levantar.
I)e todos um grande brado,
como d'arnor em signal.
brada: rei seja saudado
Affonso dc Portugal.
Por nosso sangue vertido,
por nosso esforço leal,
seja por nQs defendido
o nosso rei naliiral.
O tributo não paguemos,
que se paga ao leonez
real, real, s6 qneremos
rei quo seja porluguez!

VOBALAMMA

N'esses"ditosos tempos, dignos de eterna recordação, o m


que saiam de Portugal centenares d e apostolos do Evange-
lho e s e espaltiavam por todo o mundo para desfazer a s
trevas da mentira e derramar a suave e bcnefica luz da ver-
LEITURAS POPULARES 281
dade, quantos prodigios de graça e miseri cordias não en-
nobreciam a nossa Europa aos o ! ~ o s dos povos estrangei-
ros!
Davam as novas christandades, por toda a parte, nume-
rosos filhos á Egreja da terra, e preparavam felizes cida-
dãos para a Egreja do Ceo. Contaremos entre estes uma
joven infiel, que suspirava pelo momenlo dc poder conhe-
cer e amar a religião santa, que faz o homem justo. Refe-
rimo-nos i princeza Vobalamrna. Acandura e caridade d'es-
ta joven é descripta com os mais singelos traços por u m
sacerdote, que teve occasiáo de apreciar-lhe as boas inten-
ções e nobres sentimentos.
Era filha do principe de Cota. A cidade d'este nome en-
contra-se na peninsula indicada, fica 1150 longe d o Ganges,
n o Malabar, e a distancia de uma milha da costa; e a capi-
tal do reino de Cota. Uma enfermidade jd chronica-escre-
ve o sacerdote-resolveil o principe de Cola a visilar a nos-
sa egreja de Cbrichnabousam na persuação d e encontrar
n'ella remedio para a sua doenca. Trouxe comsigo a sua
filha Vobalamma, que contaria eiiião uns oito annos. Que
acção d e graças não temos de dard divina Providencia pe-
lo seu amoroso cuidado para com esta criança!
Teve o principe com os missionnrios muilas conferencias
nas quaes s e falou das verdades santas (Ia nossa religião.
Elle j i começava a accredilal-as; mas a força das paixões e
considerações mundanas vieram outra vez cerrar-lhe o s
olhos da alma á luz da verdade. Infeliz pae I Não parteci-
pou do glorioso futuro, que erinol~reccil sua fillial
Avidamente recebeu ella em seu coração a palavra d e
Deus. E, cousa admiravcl! d metlida que avançava em eda-
de, augmentava-se-lhe em sua alma a graça, que Deus llie
dispensava para ler conhecimerilo da verdadeira luz. Nunca
o Eterno so esqueceu da feiicidade dos homens, c por isso
illurninava o espirito da amavel neophyla, dando-lhe certa
perspicacia e engenho para poder proseguir na descoberta
da verdade.
Soube ella que um ourives cliristão fora lovar'ao palacio
algumas joias, e aproveitou logo este arisejo para v i r se.
podia falar sosinlia com elle'o perlir que Ilie desse escri-
ptas as orações, que os novamente convertiilos coslumavam
recitar; e, não satisfeita ainda com isto, fazia tudo o que
282 LEITURAS POPULARES

lhe era possivel para ir á egreja pedir explicações ao mi-


nistro d o Evangelho. Náo o podia porém conseguir; por-
q u e havia o costume de não sairem as princesas sosinhas
do palacio, nem falarem com estrangeiros.
Não encontrava meio alguiii. de levar a cabo seus inten-
tos, mas o ceo e o seu 1. om cora630 descobriram por fim
um muito aproveitavel. Lembrou-se ella de que fazendo
converter á fé christã um seu servo fiel, poderia ter a feli-
cidade de saber por intervenção d'elle o que desejava. Es-
colheu para tal fim o muito fiel Paulo, asua escolha foi tão
feliz como puras eram suas intenções.
Paulo chegou a ser catliequista e na egreja de Chrichna-
bousam.
A princeza falara, muitas vezes. com elle sobre os prin-
c i p i o ~da religião christã, servindo-se dos poucos conl~eci-
mentos, que na infancia obtivera. Os seus bons e ardentes
desejos suppriram em parte os seus conhecimentos. Para
persuadir não ha mellior linguagem do que a do coração.
Apenas viu que elle estava disposto a converter-se, re-
commendou-lhe:
-Vae tu mesmo, Paulo, aprender da boca do missio-
nario a lei de Deus e não voltes sern teres recebido o lia-
ptismo. Peço-te que não esqueças o que ello te disser; por-
que me ensinaras tanto mellior, quanto mais tu aprende-
res.
O fiel servo cumpriu escrupulosamente as ordens da sua
boa senhora. Muito lhe valeram a elle as primeiras luzes,
que tinha já, porque facilmente, comprehendeu as princi-
paes verdades e abraçou-as tanto do c o r a ~ ã oque nao tar-
dou a ser baptisado.
Assim que voltou ao palacio, logo mostrou quanto ora
respeitador do verdadeiro Deus. Tintia-lhe o principe dado
algumas ordens e Paulo corre a cumpri-las, mas parecia-
lhe ao mesmo tempo que ellas eram um tanto arnbiguas,
e receiando cooperar involuntariamente para o cullo dos
idolos, volta outra vez á presenca do principe e pede que
lhe explique claramente as ordens, que acabava de lhe dar,
ao que respondeu o senhor:
-Que te importa que as minhas ordens ma digam res-
peito ou aos idolos? Faze o que te ordenei.
LEITURAS DOPU4AnEB 283'
-Importa muito, voltou Paulo; se vós me não enplicar-
des claramente o que vos pergunto, não vos obedeço.
-E porque?
-Porque e u não adoro senão um Deus, creador do ceo
e da terra, e n90 me é permiltido contribuir de modo al-
gum para o ciilto dos idolos.
A primeira vista parece que o velho sectario da idolatria
devia offender-se com esta rnagniíica resposta, mas Paulo
era então muite necessario a Vobalamma e Deus não quiz
que o mancebo perdesse, n'esta occasiáo, as boas graças
d e seu scnhor.
Não liavia tempo a perder; era mal irreparavel a perda
d e um momento; a princeza pois aproveitava todos os ins-
tantes, do que podia dispbr, para completar a sua instriic-
ção sobre as verdades do cliristianismo e com um ardor
sempre crescente.
O seu grande desejo de receber o baptismo dictava-lhe,
Cis vezes, alguns meios, d e quesb uma alma pura, mas sem
maduro pensar, como o cosluma ser a infancia, s e podia
lembrar; aconselhava.a mal o seu zelo ardente mas indis-
creto. Dizia elle um dia a Paulo:
-Sabes tu? Penso que posso ir receber o baptismo d e
uma maneira muito simples; a egreja fica distante d'aqui
sb tres legoas, não podiamus nbs ir li e voltar n'uma noi-
te sem que ninguem o soiil~esse'l Não tinhamos mais do
que vêr se podiamos descer e subir o muro do parque do
palacio.
O prudente servo declarou que era impraticavel tal pla-
no, porque poria em risco a \'ida e a lionra de sua senho-
ra. Mas não s e nota n'aquellas palavras e desejos as santas
disposições da joren para abraçar o cbristianiçmo, de cu-.
jas verdades ella, de dia para dia, tomava maior conheci-
mento? Então não pensava senão em ser baplisada.
Mas o mortal inimigo da felicidade dos homens empe-
nhava-se em retardar a realisação d'este bello triumpho da
verdade sobre o erro, no palacio desconfiou-se que a joven
princeza j4 não fazia caso das cerimonias da idolalria e que,
o seu coração estava completamente inclinado para a reli*
gião christã. Para a desviarem d'este proposito entenderam;
os parentes d e Vobalamma que o melhor era casal-a. Ea-
ganaram-se redondamente ; a joven declarou que não se,
284 LEITURAS FOPULIRES

queria casar e desejava mesmo guardar castidade até á


morte-exemplo tão raro n a India, como o era outr'ora en-
tre os judeus.
Não liouve meio que a familia não empregasse para a
dissuadir de tal resoluç5o; mas tudo era em vão. O joveu,
que a queria esposar, conheceu a rasáo, por que não acei-
tava a mão d'ella, e , para a remover, encarregou Paulo de
convencer a princeza de que devia casar com elle e que
caso estivesse de accordo, promettia leva-la 4 egreja a re-
ceber o baptismo logo depois das cerimonias das bodas.
Sem esta condicio por certo sa não incumbia Paulo d e tal
mensagem; Vobalamma ooviii a proposta apresentada pelo
fiel servo e declaroii.lhe que receiava, se casasse, ficar na
dependencia c10 marido e perder a liberdade de procurar0
sua salvaqão. Resolveram-n'a porem dois motivos a consen-
tir no casamento:-o primeiro foi a promcssn de lhe per-
mitlirem a escollia de religião, o segundo foi o seu profon-
do respeito 6 ~ontadí!dos paes.
Entretanto o principe das trevas punha novos obstaculos
A felicidade dn ferverosa neoptiila. Todos estavam descon-
tentes com a princeza por Ilie notarem suas nobres dispo-
sições, e attrihiiirain a Paulo o despreso, que ella volava
aos idolos e a todas as vaidadcs da terra. Verdade é q u e o
bom do mancebo, mais empeiihado em servir ao Senlior
do ceo, do que ao da terra, não occultava nunca de nin-
guem suas opiniões e crencas. Sempre, e em toda a parte
o joven aposto10 preslava solcmne homenagem 3. siia fé; e
ate mesmo em presença do principe não deixava de mos-
trar o ridiculo dos falsos deuses e do culto que Ilies ren-
diam. Esta magnifica e grande coragem atlraliiu-lhe por
fim o odio do sobcranno; iim ultiino rasgo Iieroico poz re-
mate i sua infelicidade.
Celebrava-se uma festa pag5, consagraila ao deus prote-
cter do palacio; o idolo era lavado triumplialmenle ein pro-
cissão pelas principaes ruas da cidade. Paulo estava na sala
das guardas, quando a procissão ia passando; viu-a de per-
to, mas não lhe ligou importaricia alguma quando todos
manifestaram o seu respeilo, fazendo o signal de publica
adoração, como era coslume. Admoestaram-n'o repetidas
vezes e elle conservava o mesmo clesprozo para com aquella
cerimonia; mas tanto lhe disserarn que elle chegou a zan-
LEITURAS POPULARES 285
gar-se por terem os outros prestado sacrilego respeito ao
idolo, que toda a cidade adorava. O principe foi immediata-
mente informado d'isto; i: claro pois que Paulo, tendo só a
temer a indignação do seu senhor que não vacilou em optar
por um partido, que já teria tomado, se não fosse o seu
ardente desejo de salvar a sua senhora.
Preparado jri por continiios sacriíicios e salutares tribu-
lações para exercer as funções do apostolado, saiu do pa-
lacio e derlicoii-se completamente ao serviço do verdadeiro
Senhor, deixando o servico do priricipe. Tornando-se em
acerrimo catl~equisla,mostrou tanta instrucção, que foi csco-
lhido para mestres, dos que dessjavain instriiir-se nas ver-
dades santas e zbraçar o christianismo.
A saida de Paulo era, como elle suppuriba, um mal para
Vobalamrna. Privadt: das lic,ões e exemplos do que era ao
mesmo lempo servo e mestre, a que novas provas não fi-
c011 exposta a innocente ~ictima,a fervorosa Vabalarnma!
Bem semelliante ao fragil hatel, ia ella por sobre o mais
perigoso (10s mares e atravez de todas as ruins paixfies fc-
rir-se em temiveis escolhns. Fustigada pelas tempestades
do intintlo, é aincla ferbzmente tentada pelo demonio e pela
carne. Qual serB o seu destino? As oodas, enfurecidas pelas
criieis voragens, que, ora se afiindam, ora se erguem for-
rnidaveis contra a virtude, v20 talvez traga1 a? Oh, náo por-
que a Providencia velava por ella; não, porque Vobalamma
jamais perdeu os sentimeritos de aratidão e a fé, e todas
sabemos que aquelle que se apoia com plena confiança nos
braços do Senhor nunca será confundido.
Ignoramos que nova guerra declarou contra a innocente
o espirito do mal; o que porem 15 certo é que, pouco de-
pois de Paulo ter saido do palacio, celebravam-se pompo-
samente as bodas da princeza. No ultimo dia d'esta explen-
dida cerimonia saia todo o cortejo do palacio e então era
para vêr o luxo magnifico em tudo, deslutnbrante por um
sem numero de palanqi.ins e de cavalios.
N'este dia o acaso, ou, mellior diremos, a Providedcia
quiz fazer bem patente a grande e vira fB da sua serva,
permitlindo que Paulo se encontrasse com ella, qoando ia no
meio das pompas do corlejo. A princeza, apenas o avistou,
fez Ingo com que elle se lhe aproximasse.
Yobalamma havia consentido no casamento com a espe-
286 LEITURAS POPULAREB

rança de receber logo o baptismo, como lhe haviam pro-


mettido; não é pois para admirar que a presença do fiel
mensageiro d'esta promessa ferisse de repente opsentidos
d'ella, fazendo-lhe esquecer todas as honras, qtie lhe ren-
diam, e as conveniencias, que, em rasão da sua posição,
tinha a guardar.
(Continúa,)

MA LVAS

Passava, em certa occasião, e!-rei D. Fernando com a rai-


nha D. Isabol a calholica, de Hespanha, por um caminho
todo rodeado de malvas, 'propondo-lhe certo negocio de
grande peso, e dizendo-lhe que determinava tomar tal re-
solução, que visse o que lhe parecia, respondeu-llie a rai-
nha: Senhor, se o caminho, por onde vamos, houvera de
vos responder, que diria? (Mal vis.)

NEM UM NEBI OUTRO

Tratava-se em Roma de mandar um exercito contra Vi-


riato; eram pretendentes do posto de general Sulpicio Gal-
ba e Aurelio Cotta; e como os votos dos senadores se di-
vidissem no senado, uns por pdrte de Sulpicio e uutros por
parte d e Aurelio, excluiu ScipiBo a ambos, dizendo: Nern
um nerrz outro convem mandar 4 Lusitania, porque um ne-
nhuma causa tem e ao outro nada lhe basta.

PERTO UNS DOS OUTROS

Estava o insigne capitão Leonidas e m campanha, e did


zendo-lhe umdos seus soldados ao v8r o inimigo: Seohor,
estão jB perto de nds, Leonidas respondeu: e nbs perto
d'el!es.
LEITURAS POPULARES 287

CHRONICA
O soborano'Pontifice recebeu seiscentas miilheres trans-
teverinas cjue lhe foram manifestar a sira'dedicação; Pio IX,
respondendo, Ilies fez recordar que vinte e quatro annos
antes, tinha recebido no Quirinal, uma deputação de Trans-
tevere. Depois respondendo a esta pergunta: Quando aca-
barão os males que afligem a Egreja de Roma?-O Santo
Padre falou assim :
-O inunclo sempre foi hostil a Jesu-Christo e i sua Egre-
ja, contra quem tem combatido sempre ; mas as persegiii-
$8es cle todos os tempos passaram, e a Egreja immortal
triumphou sempre. Os incredulos e os impios a teem des-
pojado, insultado e maltratado por mil formas ; mas todos
elies passaram--defzazcti szcnt-e a Egreja ainda perrnane-
ce e permaneceri sempre, porque acima do Senlior n3o ba
forca nem sabedoria. Emquanto ii rcsposta a vossa pergun-
ta: Quanrlo i: que isso tera Bm? EsLe qun?zdo náú o sei eu,
mas o que eu sei S que nOs o poderemos abreviar por meia
das nossas oraçáes e da maisescrupulosa observaçáo da lei
d e I)eus.

Um principe protestante allemão, o principe Schwarlz-


bourg - Rudolstadt, assignou com o bispo de Paderborn
uma convenção clua reconhece ao clero calliolico o direi19
de erigir escolas,pregar e ensinar. Cii pouco falta para que
tudo isto seja expressamente prohibido.

BIBLIOGRAPHIA
0 l l o r t ~ do
? ~ Golgotha-Tradigões do Oriente por IIenri-
gzcc Peres Escre'ch.
Esti-se imprimindo uma esmerada traducção d'esta bel-
lissima obra, a qual estamos dando n'esta folha, e que nqo
abstante isso, merece ser possuida impressa em separado.
Constari de dois grossos volumes em 8.' francez; cada um
dos quaes custará 600 rs. dor assignatura e 800 rs. avul-
288 LEITURAS POPULA~ES

so, sendo o importe pago na occasião da entrega. Assigna-


s e no Porto, Livraria Catholica Portuense, praça de D. Pe-
dro n.O 431, e em Lisboa, rua dos Capellistas n.O 82 1.O
andar. Esti no prélo o 1 . O volume.
--A

Tornou a apparecer a Civilisuçüo folha quinzenal, que se


publica em Coimbra nos dias 11 e 15 d e cada mez. Preços:
para as provincias anno, ou uma serie de 24 numeroç
4&220 rs.; semestre, ou 12 numeros 660 rs.; mez ,140 rs.
pagamento adiantodo, em estampilhas ou valles do correio.
Assigna-se em Coimbra, becco das Flores, n.O 38; ernLis-
boa, Livraria Catholica, rua dos Capellistas, 75.
A julgar pelos dois numeros do 2." anno, que j9 s e pu-
blicaram, devemos, crn homenagem 6 verdade, declarar
que á um trabalho de primor; uma leitura assim bem me-
rece que todos a difundam e recommenclern.

NECROLOGIO
Pedimos suffragios pela alma do Sr. J. J. Amado, Belem.

ANNUNCIOS
PROPHECIBS sobre a Egreja e a Revolz~ç~o. O ilntichris-
to e os ultimos tempos, piiblicaçáo foita em Loridres por
Henrique E). Langdon, em ingiez, e agora traduzida da h.*
edição: para os nossos assignarites se remeite por 150 rs.
Setenario de Nossa Seriliora das Dores, por Fr. Ray-
mundo dos Anjos Beirão, GO rs.
O Poder temporal dos Pcrpns, 800 rs. porto franco.
O mez do Sagrado Co~*cr$ãode Jesz~s,200 porte franco.
Nouissimo ililez de Jfuria, ou &Jaz das Fiorcs,
Lindas pl~otograpliins de uma bella imagem de S. Jose:
grandes a 14000 rs.; mais pequenas a 600 rs. em quarto
200 rs. tamanho regular 1100; pequenas com orações em
portuguez; ditas com a commemoração do Santo em latim,
conforme o decreto ultimamente publicado, e proprias para
os reverendos sacerdotes trazerem nos breviar!os, 40 rs.
NOSSA SENHORA DA SOLEDADE EEB ALVARENGA

Quasi no cenbro da parochia dlAlvarenga, no concelho e


arcyprestado d'hrouca, diocese de Larnego, alveja a modesta
e graciosa capelia de Nossa SENIIORA DA SOLEDADE, d'AqueHa
Mãe-Virgem que, no viso do Golgotha, com os ternissimos
olhos n'urna cruz, em que o amor pelos homens fez perder
a vida a quem d'ella é auctor; viu, transida de acerbissimas
dores, a skena mais commovente, scena tão estupenda que,
em face d'ella, toda a natureza se abala, e que nós, caros
leitores, ainda que ousamos'recornmendar-vos constanle e
piedosa meditação sobre tão sanguinolento e lancinante, co-
mo saiidavel quadro, não podemos nem queremos trazer ri
vossa idka com todas aquallas peripecias, que Aquelle povo
Ião perverso fez bater nos peitos.
O unico alvo, a que miramos, é descrever em poucas e
desataviadas ptirases este pequeno e lindo sanctuario, a R-
zer por mais e mais dilatar a devoção d'esta parocliia e de
outras para com Aquella, cujo Filho bemdilissimo, entre-
gando-lhe o discipulo amado, nos deu por Mãe; devoçáo
esta já fundamenle radicada no feliz despacho que milhares
de 6llios crentes alcançam, quando em suas necessidades
recorrem humildes ao IIEFUCIO DOS PECCADOIIES sob a doce
e maviosa invocação de SENEIORA DA S O L E D ~ ~ E .
E que titulo mais adequado As nossas necessidades pode-
riam os homens inventar em honra de Maria Santissima, do
que aquelle que logo traz ri idéd o martyrio, a morte e se-
pultura de seu amantissimo Filho victimado pelos homens,
e a propria amargurada dor d'aquelle coração de Mãe, Es-
posa, e Filtia do Crucificado?!
Nenhum certamente.
II
Agora, que jri temos falado o preciso licerca da invoca-
ção de NOSSASENIIOIIA DA SOLEDADE, diremos alguma G O U S ~
da sua ermida.
11.0 voa. DD 3.0r ~ ~ c s m a o . zsra-ns~a.
290 L ~ I T U R A I POPCLARDB

Em 4755, conforme se colhe d'ucria inscripçáo aberta em


uma pedra d e alto relevo e de f0rma oval sobre a porta
principal da capella, foi esta edilicadn por mandado do pa.
d r e Pedro João Soares Ferreira, ao cimo d o logar de Car.
valhaes rio sitio da Pedreira, um dos mais liridos e vistosos
da parochia; pois que, sendo erecta quasi no cume d'uma
elevada collina, e fazendo como que d i v i s ã ~entrt? os mon.
tes e as lerras agricultadas, d'ali se vê, em fdrma de bacia,
quasi todo este extenso e accidentado vaile, no fundo da
qiial se v6ern bons prados, a maior parte do anno,' cober-
tos de mimosa relva, e orlarlos tle frondoso arvoredo, onde
a vide se casa corn o duro rcible, ou com o elevado casta-
nheiro, dos qaaes, em seu t,empo, pendem I'ormosas cachos;
e, subindo ou lançanclo os olhos pela encosta, deparamos
com estreitas l ~ i r o sparecendo outros lantos degraus, por
onde se ascende a o lhrono da RAINHA nos ANJOS.
Todo este panorama se torna mais bello e seductor quosi-
do, tia primavera, se divisam rnilhares de fructeiras disper-
sas pelds camoros com seu manto de verile e lustrosa fo-
Ihagerii, enfeitadas por lindos e variegados festóes de per-
filmadas florinlias, de entre as quans sa ouve o liarmonioso
festejo d e innumeras e divrrsas acesiritias que, suspensas
nas tenras tranças{ e mirando-se no puro cristal dos arroios,
e m que toda a veiga com soas humildes e, algilmas, ~ l v e -
jantes casinbas se retrata, ali cantam. seus castos amores,
que se tornam em o mais grandioso byrnno ao Creador !
E que diremos tambein do realce, que a todo este qua-
dro dáo as muitas ermidas ou capellas, que circurndam e
matisam a parochia, ser~lirido-ll~a d e muro ine~l)ugnavel,
como ainda teremos occasiio rle mostrar quando falarmos
em algumas d'ellas?
Quem pois s e aproximar d'aqoelle sanctuario, e qiiizer
meditar sobre as rnaravilbas da natureza, tem, lançando a
vista por sobra o terreno qiia se descobre, muito em que
pascer o espirito, a cle que louvar o poder, a bondade e a
grandeza d o Creador universal.
A capella, apesar cle modesta, é milito linda tanto inte-
rior, como exteriormenle, porque, tendo uma altura regu-
lar e proporcionada ao seu cornprimenlo o largura, recebe
a precisa luz polas porlas principal 0 lateral, e por tres fies-
tas que tem, uma ao lado do Eviingollio na direcção do al-
LEITURAS POPULARES 2%
tar, e duas aos lados da porta principal, que lica voltada
entre SUI e poente, sendo a Ialerai entre sul e ~ L I s c ~ 0~ ~ E ,
ambas com vistas para o ccritra do valle.
A Imagem da SENHORA,por ciljo niacerado rosto se
v8em deslisar grossas lagrimas, quaes joias d e infinito va-
lor, tem os braços em fbrrna de receber o Sagrado Corpo
de seu bemdictissimo Filho morlo ; e é por isso qtle, nas
procissões de Passos, Endoençlis, ou em algumas de peni-
tencia, vae no seu andor privativo, que palra isso nunca o
seu illustre e religioso administrador pôz o mais leve es-
torvo, antes da mell~orvontade se proinptifica.

Do seu instituidor passou o doiriinio e administração


d'esta capella aos seus succeusores, primeiro a uni irimão
d'aqiielle, depois ao filho d'este, qiie Sai. o capilão-rnbr Da-
vid Soares Ferreira, e il'este a SEU tillio Antonio Luix Meli-
des Soares Ferreira H'into, capitTio-mós dos tres extirictos
concelhos d'hlvarenga, Cabril e Pasacla, o qual, cremos nbs,
foi quem promoveii n maior decencia d'uste sanctnario, por-
que, na sua visita a ~3staparochia ein 20 de abril dc 1790,
diz o bispo de Lamego D. Joáo Antonio Binol 13inçio que
suspendia a dita capella por estar muito indecen1o.-D'esJe
administrador passou a seu filho o i1lm.O sr. Antonio Au-
guslo Ferreira Pinlo, pae do aclual o illm." sr. Maniiel 'Au-
gusto Ferreira Pinto da casa c quirila de Villaros.
Dos pomposos festejos que ali se laziam ein Iionra da Pa-
droeira, ainda vivern muitas testemuuhiis que referem corn
saudade a devol.30 d'aqt~ellas eras de crença pura c radi-
cada.
Ha muitos annos qne olitros feslejos mais não tem, do
que quando ali vae alguma procis~fio,cliie sae da egreja ma-
triz, havendo .sempre por essa accaçiáo n'aqualla errnidn
urrl sermáo dedicado ;i SENIIO~A DA SOLEDAUIZ.
Alem d'isto houve ali em 1860 a e B d e agosto tima
bella funcção mandada fazer pelo i1lm.O sr. João Augi~slo
Ferreira Pinto, irrnão do actual adrninistratlor da capella,
em cumprimento d'uiâi voto, qne o dito senlior fizera, von-
do-se em risco de perecer em uin ilaufragio, virido n'usso
mesmo anno d o Rio de Jaúeiro.
2$2 LEITURAS P O P U L A n E S

Não só pela amenidade do sitio, mas até porque o antigo


(Nossa Senliora da Piedade) estA completamente desmoro-
nado, serre actualmente de Calvario a capella, d e que vi-
mos d e falar, nâo se tendo nunca recusado a isso o seu
bondoso administrador. ,
E ji que falamos na capelia da Senhora da Piedade, se-
ja-nos permiltido aqui mesmo cbamar a attenção dos nos-
sos comparochianos para o sen lastimoso estado, pedindo-
lhes que por mais tempo não soffsam aquella affronta ao
seu nome d e povo religioso e morigerado; pois que com
rasão s e julga da crença e religião d'um povo pelo aceio
dos seus templos e ermidas.

Deus de clemencia infinda,


Tende de mim piedade:
A minba iniquidade
Oblilerae, Seribor
Pois em misericordias
Vòs sois tiio abundoso,
Com este criminoso
Não exerçaes rigor.
Mais, inda mais lavae-m'a
Das manchas do peccado:
Assim, purificado,
Mui outro me vtrei.
Conheço a minha culpa.
E tenho d e contino
Presente o desatino
Do mal que perpetrei.
A vós unicamenle
Eu fiz a atroz offensa;
Ousei vossa presença,
Meu Deus, desacatar.
Sais sempre justo e recto;
Contra senlença vossa
LEITURAS POPULARES

Não ha ningoem que possa


Desculpas allegar.
Mas v6s sabeis que eu fôra
Em culp) concebido,
'E: peccador nascido
Do seio maternal.
Eis que a verdade amando
A mim, que muito honrastes,
Arcanos revelastes
De sciencia divinal.
Foi mercê grande; agora
Outra implorando, eu clamo
Com verde hyssbpeo ramo
Ah! vinde-me asperger.
Por v6s niundificada
Minlia ferida impura,
Em extremada alvura
A neve hei d e exceder.
Ouça de novo annuncios
De beneficias vossos,
0 s liumilhados ossos
De gosto exultarão.
Ah! desuiae as olhos
110-meu crime fiinesto:
E m mim nem leve resto
Deixae de corrupção.
Um coração craae-me
Limpo de indigno affecto,
Eni mim animo recto
Vos praza renovar
Longo de vossa face
Não me arrojeis proscripto
De vosso Santo Esp'rilo,
Não me queiraes privar.
Restitui-me o goso
QUG outr'ora em mim sentia
LEITURAS POPULARES

Na fb com que e:a VOS via


A minha salvação.
Por VOS communicado,
O eçpirito supremo
Me infunda em lodo o extremo
Vigor consolação.
Aos maos as sendas vossas
Eu mostrarei: perversos
Detestarão, conversas.
Seus crimes, seu error.
De sanguinaria pena
Forrae-me ao risco, ao susto;
A vds Deus, santo, e justo,
Tributarei louvor.
Descerrareis meus lnbios:
Em cablicos, em l~ymnos,
De vossos dons divinos
Eu soltarei pregão.
Se VOS prouvessem liostias,
Eu rezes immolara:
A v6s oflerla cara
As victimas náo são.
O sacrificio praz-vos
De animo htimilde, afflicto,
Um coraçáo conlricto
Jamais desprezareis
Sião a vós recorre:
Se conseguir seu brado
De v68 ser escirtado,
Seus muros erguereis.
As oblações, e os votos.
O justo sacriiicio
De receber propicio
Enlão vos prazer&
Sobre o altar, com pompa
Propria do fausto evento,
LEITURAS POPULARES 295
Rezes de grosso arnento
O povo iinmolari.
A. J. Viale.
-Essa
O M A R T Y R D O GOLCOTIIA
(Contiauado da pagina 276)

CAPITULO 111

O Annel de Ouso
Mas os sacerdotes disprezararn a riqueza, e escollieram
o pobre carpinteiro íle Nozarelli, porqno Deus Ilies liavia
recordado o va ticinio d'Isaias qui: dizia assim : S a l ~ i ~zarzn
á
vara da r a i z de Jcssd, e da szin raiz szcbt~-ciacaza por p m -
ciosa.
Vints e qualro varinhas de ainendneira clepositaram no
templo, ;inoite depois ile orarem, os liretenilenles.
Uma tradiçzo nriliga relatittla por S. Jeronymo refcre quu
a secca vara d e JossB, Tillio de Jacob, fillio da Nathan, s e
enconlron verdo e iloricla no [lia seguinte.
Agabiis, desesperado por este proíligio que lhe mostrava
o ceo fecliando toda a pnrta 3 sua esperança, quebro11 re-
signado a sua vara, e correu a encerrar.se n'uma gruta do
Carmelo com os discipulos de Elias.
A siia (10r foi immerisa ; mas a sua fb, tão grande como
a sua dbr, o fez clirist2o G morre11 com as lionras da san-
tidade.
Os lutoros manifestaram a Maria o nome e a classe do
esposo escolhido.
Ella acceitou-o sem proniinciar a mais lavo queixa.
Os clolicados Iraballios do Templo, os perfumes da Santa
Casa, iam trocar-se em breve pelas rudes o penosas Pddigas
da mulher do pobre.
Porem, Maria, for10 de espi~ilo,confiava quo o Sonlior
lho daria forcas pare supporlar tão pesada carga.
Ainda qua dostinarla a ser esposa d'am carpintoira, ri'db
se julgoli degradada, ?orqile todo o Israelita era artista, p o i ~
296 LEITURAS P O P U L A ~ E S

por alta que fosse a sua gerarchia, o pae tinha obrigação


d e ensinar um officio a seu filho, a niío ser, dizia a lei, que
quizesse fazer d'elle um Ladrão :e além d'isso, José, ainda
que pobre jornaleiro, descendia de David, e sangue de reis
gyrava pelas suas veias.
Os desposorios de José e Maria celebraram-se com essa
poetica singeleza dos tempos primitivos. O noivo, em pre-
sença dos parentes e sacerdotes, offereceu um annel d e
ouro, liso e de pequeno valor, 4 sua fotura esposa, dizen-
do-lhe :
-Se tu consentes em ser niinha esposa, aceita esta prenda.
I Os escribas lavraram o contracto com esta laconica fúrma:
a E José, filho de Nathan, disse a Maria, filha d e Joa-
quim: Se minha esposa segundo a lei de Moysés e d'Israel.
En prometto honrar-te e prover a tua sustentação e ao teu
vestuario, segundo o costume dos maridos hebreus que
honram suas mulheres e as sustentam como convem. Dou
desde logo a somma prescrlpta pela lei de duzentos zuces
4, e prometto te, além dos vestidos e dos alimentos e de
tuclo o que te fBr necessario, a amisade conjugal, cousa
commum a todos os povos do mundo.>
Aqui assignava o marido e as testemunhas, e depois con-
tinuava d'este modo o contracto :
aMaria consentiu em ser esposa de José, que por sua
vontade para formar sobrevivencia conforme os seus pro-
prios bens, ajunta á somma antes indicada a de oitoceutos
zuces 2. D
Depois d'esta ceremonia erguiam-se louvores ao Deus de
Israel, sendo no fim abençoados os esposos por um sacer-
dote que representava o defuncto pae de Maria.
Decorreu um espaço de cinco mezes, durante o qual os
parentes dos desposados preparavam a segunda ceremonia,
que era entre os israelitas a rnais importante.
Chegou, por fim, o dia aprasado, que era lima quarla
feira 3 do mez de janeiro. A lua estendia o rosto de prata
Um zuce teria o valor de cento e quarenta r6is de noasa moeda.
1
Este segundo dote era maior ou menor, segundo os haveres doe
2
desposadoa.
Os judeu6 escolhiam 8 qual ta feira imprescindivelmente para
diado sou casamento, crendo-a de bom agouro: fez se entre ellea um
d'eusee costumea supernticiosos dos povos, que o tempo transforma
quaai em lei.
LRITURhS POPULARES 297
sobre as serenas aguas do estreilo mar de Galiléa, quando
e m alegre tropel se dirigiam por uma angusta rua de Je-
rusalem para casa de Maria muitas donzellas ricamente ata-
viadas.
As tochas que ernpiinhavam as callosas mãos dos escra-
vos allorniavam o passo das donzellas, banhando de clara e
vermellia luz os escuros ambilos da rua, fazendo brilhar a o
estylo da Porsia, os cintos d'ouro e as tiaras chatas, das
donzellas.
Os ricos cintos d'ouro, as tiaras chatas da Persia e a s
redesinlias de diamantes das virgens, despediam i luz das
tochas mil reflexos brilhantes como as eslrellas d'uma noi-
te escura e serena.
Um pallio sustentar10 por quatro jovens jiideas aguarda-
va a esposa. A Virgem apresentou-se no limiar' da porla.
As harpas e flautas dos tocadores lançaram ao vento de-
liciosas torrentes de doce harmonia, e os amigos e paren-
tes agitaram e m signal d e regosijo os ramos de palmeira e
de myrto que levavam na mão.
A comitiva rompeu a marcha em direcção ao templo.
Jose ia adianle rodeatlo dos seus jiibilosos amigos. A sua
veneravel cabeça era cirigicla pela corda de enxofre e sal.
A dança e OS gritos d'alcgria começaram, e as mulheres,
derramando' essencia nos vestidos da esposa e flores pelo
solo que pisava, gritavam com toda a força:
-Bemdita seja, beaidila, a descendente de David!
Uma multidão imrnensa esperava os csposos nos degrius
do templo. hpcnas os viram d claridade das tochas, excla-
maram cm cfro:
-i?eaidito s ~ j ao que vem!
Como qilalilicar este immeriso prazer, esta alegria enlhu-
aiaslica qua transbordava d e iodos os corações, nas bodas
de duas creatnras ião lirimililos como Riaria e Jose?
Deus, sem duvida, que reservava 6 Mãe d e Jesus a rua
danhmargiira, quiz dar-ll~eum dia de triumpho em Jeru-
salem, como a seu Fillio, em compensaç30 das amargas la-
grinias que derramar rio cume do Golgollia.
O pallio recebeu debaixo do seu augusto tecto os espo-
50s. Ambos s e sentaram : Maria Iovava coberto o semblante
com um voo; JosO envolvia-se iio sou tnlet.
-Eis aqui, disse Josú nielterido segundo annel no dedo
298 LCITURAB P O P U L A ~ ~ G
medio de Maria, t z ~6s mintia mulher, segundo o rito dai
Moysbs e d'lsrael.
-Estende um panno da tua caga sobre a tua serva, lhe
disse o su'mrno sacerdote com voz palisada.
-Es obedecido, respondeu o palriarckia estendendo o
taiet e cobrindo com elle a cabeça de Maria.
Depnis um parente enclii!i~ de vinlio uma t:iça d e vidro,
e dopois d e applicar-lhe os labins, a dou aos esposos parai
que bebessem Lambem.
Então o sacerdote 1ariçoi-i ao ar utn punlindo cle trigo em
signal de abundancia, c tomando o copo da rrião dos espo-.
SOS, 'O ,apresentou -a um meiiino tle seis ariiios. Este que-
brou o copo coin oina varirilia de prola.
A ceremonia nupcial linha terminado ; ia coineçar o fes-
tim.
Erii quanto os convidados sc entregavam ao boliçoso cn-
canto (10s commentarios e da coriversaç50, Jose pronuncioll
em voz baixa estas palavras ;isua esposn:
-Tu sercis coazo uzilzha nzão, e s7b te respeitarei conto
ao mesnzo allar de Johood.
Sete dias duraram as fcstas; ao oitavo os esposos abailh
donam Jeriisalem para se transportarem a Nazareth.
Alguns parcntes, segurido o costume, os acompanharam
até h primeira paragem, dcspcçliritlo-sc, d'elles com as la-
grimas nos olhos e o sentimento no coração.

O anjo Gabriel

Nazareth, ilbr de GalilSa, recebeu no seli amoroso seia


os castas esposos.
. Jesus, Rosa do campo, Lyrio dos valles, ia ser coacehi-
c10 nas virg!naes entranhas da Eslrclln do Mar.
Jose e hhria viviam conlerites e felizes na lliiniilde habi-
tação de Santa Annn.
O palriarclia exercia a sua proriss5o de carpinleiro n'rima
loja de doze p6s do largo e ozitros tantos do comprido, ser
parada da* casa de ~11znacozcso de sessenta passos.
Segundo uma anriga tradição do Orienle, exercia o seii
LEITURAS POPULARES 29 9
officlo de carpinteiro em local diverso c10 em que tinha sua
esposa e vivenda.
Caritativo em extremo, tinlia levantado sobro a porta da
sua casa d e trabalho uma especie de coberto feito com ra-
mos de palmeira, a cuja sombra os fi~cliigadosviajantes ti-
ailiam um banco em qiie descançasseni, agua fresca com
que apagassem a shde, saboroso pão amassado pela Vir-
gem com que matassem a fome, um tecto (16 follias que o s li-
vrava dos ardentes raios do sol, e um Iiomern bom a affavel
que com o sorriso nos Inbioç llies offerecia a sua pobreza.
Ali, segundo diz Orsiiii, o laborioso artista construia ara?
dos, jugos e carros de lavotira, e algumas vezes levantava
as cabanas das alciêas.
Ali, segundo S. Justino kíarlyr, foi que mais tarde o
homem-Deus ajudoti seu pae ern tão penosos e rudes traba-
Ibos.
O braço de Jose era forte, e mais cl'rirna vez o santo ope-
rario derribou ao golpe do seu macliado as robiistas arvo-
res do Caraelo.
Entre t,anto Maria, a esposa immnciilada, a terna Virgem
d e Sião, moia com suas dclica(1as mãos o g r i o do trigo e
amassava a farinlia em rcdonrlas tortas.
Diariamente, coberto o rosto com o tiipido veo, e a pe-
sada urna dos nazarenos sobre a delicar:i:i cabeqa, tomando
o caminho dos Nopaes, se dirigia n uma fonte pouco dis-
tante do povo, para encher o sou canlaro.
Terminados os que-fazeres ila casa, lançava mão a Vir-
gem do t3sc0 fiiso e do aspero linho, e entrotiila com o
trabalho, esperava a liora em que José, com o rosto co-
berto de srior, devia voltar n easn.
Enl%o, sobro orna. mesa do ~~iriliolina e branca como a
corisciencia do artiíice que a havia fr,ito, collocava Maria
fructas siiborosas e legt~messoccos, clixc çonslituilim 3 fru-
gai comida dos descerideiites de David.
Os Iicbreus são sobrios ati! d invcrosimiltiança, pois em
tempo de necessicladc basta-llies um copo d'aqua c uln pc-
daço de 1120 negro para pass;rrerri o dia, sem quc por isso
se moslrem ciesfiillecirlos rias Iií~rasdo trabaltio.
1 Enormes vasos de Iirrrro, do altura dc~~ncdida,
que levatn L{ C~I-
beça.
"bojo conhece-80 cstu fonte com o iiome do fonte dc Mãria.
300 LEITURAS POPULABEQ

Durante a frúgal comida dos santos esposos, que era is


seis horas da tarde, o sol, mergulhando-se no occaso, Ihes
enviava os seus ultimos raios atravez das vistosas nuvens
d o ceo da Palestina,
Os rouxinoes, das visinhas ramagens, soltavam os seu6
repetidos trinos, saudando a noile, e as melancolicas rolas
d o Cartrielo arrulhavam nas copas das arvores chamando
seus companheiros errantes ao ninho nocturno.
~ s s i mdecorreram dois mezes.
O anjo da paz cobria coni suas niveas azás a modesta
vivenda dos fiituros Paes do Messias.
Uma tarde havia-se Jose encaminhado para o monte.
O sol, occulto no occaso, sO prestava ao mundo essa ti-
bia e vaga claridade que deixa apoz de si, como uma mos-
tra do seu esplendor.
A noite estava proxima a empunhar o seu sceptro de
Bbano, e Jose não voltava do Carmelo.
A Virgem esperava-o resignada debaixo do seu caraman-
chão de açucenas e aromatica madresilva.
Os seus olhos azues dirigiam-se para Serusalem, procu-
rando no dilatada ceo o ponto, que, segundo o seu calculo,
devia achar-se collocado por cima do letnplo d e Sião 2.
Seus labios, rosados conio os cravos dos Alpes, se en-
treabriam silenciosos para darem passagem a palavras sem
ruido, formadas no fundo do seu pcilo virginal.
Aquellas palavras eram a oração da tarde dirigida ao
Deus de Jacob.
Os entrelaçados ramos do caramancbão s e abriram para
darem passagem a um formoso adolescente, de cuja bran-
ca tunica sabiam torrentes de luz.
O anjo Gabriel, o eniissario da inexgotavol bondade d e
Deus, achava-se junto de Maria, que, cheia de temor e so-
bresallo, ficou cravada no diiro pavimento.
(Continúq.)

1 Sexta feira 25 de msrgo, segundo o padre Drexeliur.


Oa povoa orientaes voltam-ee para certo ponto do ceo quando
oram, o que elles chamam o ksbla; ou judeue para o templo de Jeru.
aalem ; os mahometanoe para Meca ; oe aabeun para o Meio-dia, e osu
magos para o Oriente.-(Orsini,)
LBITUB,iS POPULARES 301

SEPULTURA D E D A V I D

O monte de Sião, que, nas eras biblicas, \teve a honra d e


dar o seu nome a Jerusalem, apresenta hoje um aspecto
arido, esteril e tristemente solemne. No sei1 cume arredon-
dado avultam tres ruinas celebrcs. A casa de Caifds, o Ce-
naculo e o palacio d e David. A casa de Caifris, onde S. Pc-
dro renegou ao seu divino Mestre, é hoje uma egreja servida
pelos Ar~nenios, e fórma a corda (Ia montanha. No palacio
derrocado de David existe ainda uma pequena sala, onde
se conservam tres tumulos de pedra ennegrecida pelos se-
culos. O Cenaculo serve hoje de hospicio aos Turcos. Foi
n'aquelle mesmo Jogar que o liai-propheta guardou, durante
tres mezes, a Arca da Alliança ; ali celebro11 Jesu-Christo a
sua ultima paschoa ; instituiu o Sacramento da Eucliarislia ;
appareceu a seus discipulos, depois de resiiscitado ; e toi
tambern ali que o Espirito Santo desceu sobre os Apos-
tolos.
'P'entou-se, um dia, fazer umas escavações n'aquelle sitio
e, a tal respeito, conta-nos Berijamiin de Tudele um facto
singu!ar acontecido n'essa occasi2o.
u Jcrusalern B rodeada por todos os lados de altas mon-
tanlias, inas é sobro a morilanha de Sião que devem estar
as sepulturas da familia de David, de que se ignora preoi-
samente o local.
I-Iaverri uns quinze annos que uma das paredes d o Tem-
plo, ali edilicado, s e desmoronon. O Patriarcha de Jerilsa-
lem ordenou a um padre que a mandasse reparar com as
pedras adiadas nos alicerces das muralhas da antiga Sião
(a cidadella ou cast,ello de David). Para este effeito o padre
ajustou a obra com uns vinle trahalbaclores; entre esles ha.
via dois moilo amigos o bastante intelligentes.
Um d'elles. depois da obra estar ji adiantada, lembrou-
se, um dia, de convidar o outro para alrnoqar em sua casa.
Quando tornaram para o traballio, depois de terem cornido
juntos, o insr~ector das obras Ihes perguntou a rasão, por
quo se tinliam demorado tanto tempo ; ao queelles respon-
daram que compensariam na liora da sésta o lornpo que ti-
nham f'iltado ao trabnlho. Effectivnmente, em quanto os ou-
tros operarios fararn jantar, os dois amigos pozeram-Se do-
302 LEITURAS POPULARES

véras h obra, e levantando umn grande pedra que tapava


urna coocavidade aberta em uma outra pedra, diziam um
para o outro : - Varnos ver se lia aqui algum thcsouro es-
condido, - e, eutrando junlos pela abertura, foram (lar a
um palacio subtcrraneo siistentado por columnas de mar-
more, e coberto de follias de, noro e de prata. A entrada,
liavia uma mesa com um sceptro e unia corba em cirria :
era a sepultura de Davjtl, rei tl'lsracl ; a rle Salomão, com
os mesmos ornnlas, estava a esquerda, assim como os de
nauitos outros reis tle Jiidi rfa fdmilia c10 David. Tambem
ali viram cofres fechados ; ignora-se o que conlinbam.
Querendo os dois amigos penetrar mais no interior do
editicio, qlcvarito~i-seuni turhilh5o de vento, que, enlrauilo
pola abertura do antro os deiion por terra, onde ficaram
corno rnortos ate a tarde. Outro furacão os fez tornar a si e
pareceu-1;es ouvir, n'aqoelle morneiilo, rima voz, que Ilies
disse : - Levantae-vos, e salli d'este logar.
O terror, de que estavam possriidos, os fcz fugir npres-
sadamerite ; foram conlnr ti2130 o que Ibes tinha acontecido
ao Patriarclia, qiie os ftiz repetir a mesma tiistoria ein pre-
sença tle Abrah5o cle Constanliiinpla, o pliariseu, que so
achava então ern Serusalern. O I>alriarcha o mantlrira cha-
mar para llie perguntar a sua opinião a tal respeito, ao cllie
elle responlleii que aqilelle lozar era a sepultura de Das'id,
clestinarla para os reis de Jiida.
No dia seguinte, estavam os dois Iioil~einsdoenics de cama,
eim consequcncia do lerriv~lsuslo, qiie linham esperirnen-
tado. Por rnais promessas q n u SH 11-10stizerlim, nadfi foi capaz
de os i*esolver í3 tornarcrn ao rricsmo sitio, dizendo riso ser
permitiido a algum rnort,al llerieiriir rio inysterinso asylo,
cuja entrada o proprio I)otls proliiliia, ùc rnodo que a ca-
verria foi cuidacioçamen~tnfechritla por ordoin d o Patriarcha,
e ate hoje ficou cornplelafiento esconitirlii. »
Jti uma sirnilhante I~isloriafoi coninda por Joseptlo, q u o
a refere ao larnpo de I-lerocles, o gi3anila.
Pela sua veraciclade oii r;;irac,ler mara~~ilhclso
n3o respon-
demos ribs, por cor10 : acliirnol-n ciiriosa e conin lal a tla-
aios ao publico.
LEITURAS POPULARES 3@8

DESGOBER'Eh
Clermont.Gauneau, emprega110 rio consulado francez em
Jerusalern, acaba d0 fazer uma iinpwrtante descoberta arcl~eo-
logica, qual è a de um monolito c~iiadrado perlencenle n o
teniplo de Salomão, reectiílcado poi.F-lerodes o Grancla. Tem
aquelie monolito gravado, n'um dos lados, em ~ 3 ~ i l i f i ~ O s
caracleres d'essa egocn, um? extensa inscripqào, na qiial $0
prohibe sob poria de morle aos ~:cní,ins,penetrar no intorior
dos recintos sagrados que cercam o templo. Esla itiscripç3o
deslinaila exclusivainenie a servir do aviso aos estrangeiros,
esta recligida erri grego, isto e, rio idioma que eolão erii arl-
bptado 1101- Lodos OS POI'OS pagáos da Syriii. O qiie ali se 14
6 int~iramente conforme com as ~iolicjtls s ~ i b ~ ~ i r ~ i ~ l ~ ~ d i l ~
pelo historiador Josepho.

O NOSSO IEBOE

A discordia passara para o cainpo d'Agramant : qiicrernos


dizcr que d discussiio litterarin 130 I~rilliantemcritosi~steri-
tada de 11arta a parle stnxedia uruia cliscussáo hernldii:a, sos-
cftada erilro os Ires adolescentes : Ltiiz de Breus, Tliiollaz
de Couzie. João Francisco os esciilava de I ,oca aberta ; nada
com[)reiiendia ainda de tiirlct aqiiillo, rnas gostava dn se iris-
trilia, e como não sabia o que havia de dizer, esi,avti todo at-
tenlo. i? seti irmão mais pequeno divertia-se foriinando em
orclem de batallia soldados de p a u e colubrinas da masma
materia, e que em cousa alguma se parclciain com as pecas
Armstrong, com que o anno passado so divertiam os fran-
cezes e os prussianos. Porérai, cT'esln vez, (leu cii~cao sr.
'Fiiiollaz.., Que, para falar a verdada, serianios injustos,
preieridorido dar rasão nos outi-os dois.
Tralava-sc cle explicar o brazão do casa de Salas o h siin
origem. Thiollaz rião queria adruiiltir qiia sous limos doa-
cenrlcssern dos farnnsos sacerdotes salios, e Luiz c10 Breus,
corli iima vivaciiladi! que muito se assimilliava 6 violonci;i,
suslentava que si3 osla era a origorn vefdacloira.
Disculiram sobro as ciuzes a as eslrollas do escailo (li\
304 LEITURAS POPULARES

casa de Sales, examinando as peças de armaria que tinham


diante dos olhos, ate que o joven Thiollaz, dirigindo-se a
Luiz de Breus e ao sr. de Couzie, disse:
- Olhae, que eslas armas pertenceram a um dos vossos
anlepassados. Estes tridenlos mouriscos, estes alfanges re-
curvados foram por elle tomados aos tarcos. Eis-aqui a
bandeira que elle recebeu do conde de Saboia como prova
d o seu valor; aqui está o pendão das cores de Sales, que,
nas batalhas, se via fluctuar ao seu lado, e aquelle pedaço
de escarlate 15 o estandarte de Mahomet, que elle arrancou
das máos de um soldado do Sultão. Sire Luiz, o vosso avo
Pedro I, que acompanliou o conde René V de Saboia i ilha
de Bhodes e que f ~ prodigios
z de valor para obstar a quo
os Osmanlilas se apoderassem do bairro dos cbrislãos, fez
com as suas proprias mãos este glorioso tropheii e aqui esta
a rasão, por que elle poz uma cruz nas suas armas.
Couzie sorriu-se malevolamenie : linha agora occasião de
se vingar.
-Como te enganas, Thiollaz ! disse elle com affectada
tranquillidade, e o sr. Luiz lambem ainda agora se enganava,
quando falavayda cruz. Foi um crescente que Pedro de Sales
poz nas suas armas em memoria de suas façanhas.
A condessa cle Sales, com um sorriso de ternura nos la-
bios, escutava altentamente, sem dizer palavra, segundo o
seu costume, esta sabia discussão que parecia estranha entre
rapazinhos ainda tão novos. Com a mão apoiada sobre o
hombro de Francisco, que tambem ouvia sem dizer palavra,
ella seguia com um interesse notavel as differentes phases
d'esta disputa. Ainda duravam iis controversias por caus:i
da cruz e do crescente. Cada iim defendia a sua opinião
com aquella inabalavel tenacidade e rigorosa logica, que B
privilegio d e adolescentes. A final, enfadado com a perti-
ioacia de seus adversarios, ou antes, vendo esgotados todos
os seus recursos de argumentação, Tliiollaz exclamou com
voz vibrznte :
iEh l por S. Maiiricio ! meus senliores, tudo isso não
prova que a casa de Sales descende dos sacerdotes salios.
João Francisco de Sales abriu limidamente os labios e
perguntou, balbuciando e como quem se envergonhava da
sua ignorancia e do que lhe parecia um arrojo de audacia:
-Oh primo Luiz, fazes favor de me dizer quem eram
LEITURAS POPULARES 305
esses padres salios de que tendes estado a falar? Eram al-
guns aposlolos de Je~u-Christo?
Gargalhada geral ! Os outros, ufanos e soberbos com o
seu saber, escarneceram sem piedade do pobre Joãosinho,
que, com os seus nove annos, nada sabia dos padres salios,
nem tinha medo de coriCessor a sua ignorancia ! Os sabios !...
Thiollaz contentou-se com fazer um movimento com os
hombros.
Couzié deu signaes de uma orgulhosa moriestia. Luiz d e
Sales olhou para o seu priminlio com ares desdenliosos. Mas
nenhum se dignou responder-lhe. João Francisco, vendo-se
assim llumilhado, retirou resolutamente a siia pergunta. Ern
presenca de uma tal obsiinaç50, não Iiavia que recuar, por
isso Luiz de Breus accudiu logo com a resposta, accentuan-
d o cada palavra, explicando c:ida uma plirase para bem fa-
zer penetrar a sua erutliçuo na cabeça do ignorantinlio, pondo
rnuiIo em relevo os seus vastos conliecimentos.
- &Ieii querido JoSo Francisco, liouve, n'outros tempos,
em Roma, um rei cbarilado Numa Pompilio, giierreir.~fa-
moso e n2o menos sabio que famoso, o qual instituira doze
sacerdotcs para guardarem doze escudos de bronze, um 110s
quaes tinha cabido tlo ceo, e a elle ariclnvam inlierentes o s
destioos da nag,2o roniana. Estes padres Iiabitavarn o templo
d e Marte. Cliamavam-se salios, porque dançavam pela ci-
dade ...
João Francisco o interrompeu, mostrando signaes d e in-
dignação e dizendo :
- E quercis fazer-me acreditar qiie a nossa casa descende
de raça rle pagios dançarinos et caftera. Ide-vos d'aqui xnui
depressa, meu querido primo ...
Mariucl de T l i i ~ l l i i desalon
~ As gargalhadas, eritrclanto
que Luia, todo formalisado, responde11 :
- A casa d e Cossé, em li'rança, descende do imperador
Coccio Nerva! h casa cle Levis, alliatla do Nossa Sonliors a
Virgem Maria, não descende d'iima das doze tribus d'Is-
rael? I%, em Saboia, não temos n6s os Wentlion quci pro-
tendem ter sido b:irões antes d e ter nascido Nosso Serilior
Jesu-Christo14 E: vbs mesmo não dizeis : Antegztum Abra-

1 Ante C7~risf~~rn jam !)aro nafzcs eram (entes de Chriato


~,atl~,rn,
naricer j t l eu tiuhu nascido bariro) :Divisa da Mentlion.
306 LEITURAS POPULARES

h a m fleret eyo szsn,. (Anles d e existir Abraham Aj eu exis-


tia ?)
~ Ó m oiam falhando as rasões, e os argumentadores, dis-
ptitando o terreoo palmo a palmo, náo pareciam disposlos
a cnegarem a um accordo, acliavam-se em tcrmns clo che-
garem as máos e recorrerem 3. ras3o d o mais forte. Fran-
cisco cle Sales tinha acoinpariliado esta conterida com milita
attcnçáo ; erilendeo ser opportiino ensejo para cllu iiilervir.
Depois d e haver trocado corn sua mãe um olhar d e inlelli-
gencia, e dando a sua voz urria inflesão d e zoililsaria, es-
clamou :
- Primo Luiz, anda cd ; cu vnil mostrar-te ccmn 6 que;
a nossa origem e riiuito rnais anliga d o que lu pretcades.
Luiz e todo o rancho s e aproxiinaram em duas liirmas
do sofA d a Senhora d e Sales, dando gritos d e alegria.

O MONGE BISPO
Nem os prcjuizos do tempo, nern os respeitos liumaiios+
foram capazes d e impcrar no estadista que pri:side ao goa
verlio cla França, quando riorneou para bispo de Quimper
e tlc LBon o monge benerliclirio Anselmo Nouvel do conq
vento fliridado, ha vinle e dois annos, no ceritro das flores-
tas d e l'lorvand na formosa Bretanha, pelo 1). RiIuard, q u e
confiou aquella casa aos Sagrados Corações do Jesus e Ma-
ria Immaculacla. Sobre [Irna d'essas vellias anl,as que serd
viam aos Druidas para inimolarern victimas Iiiiinatias c o l l o ~
cou elle uma eslatua da Mãe (le Deus, ciijo semblante oilla
e protege o piecloso asylo da oraçáo, d a penitciicia e d o es-
tudo.
N'esla solidão abençoada i? quo O excellente espirito, q l l ~
a n i h a os filhos do P. Miiard, torna facil e amauel a prati-
ca da obediencia e 'da cariclade íraternal, fazia as dolicias
d'aquelle qiie o presidenle da repob!ica frariceza, s c ~ n c c i o ~
nnndo e co7zstigrntzdo o princ!~~iod a liberdade dos institzt-,.
tos snonasticos, escolheu para pastor d'aquella dioceso. E
náo const\a que o sr. Tliiers fosse interpallado no parla-
menlo por ter feito uma tal escollia, nem tarui pouco que as
LEITURAS POPULARES 307
instituições ropublicanas d e França corressem o menor pe-
rigo.
Diz o Jlonde que uma tal n o m e a ~ ã oé iim facto que ha
seculos s e não tem dado em França: ir ao claustro tirar um
monge para ser elevado ao Episcopado.
Quando o novo hispn entrou na sua cidade eliiscopal pa-
ra o q u e era esperado solernnemenle, a fim d e s e r coiidu-
zido i i:atliedral com todas as honras do estylo e totnar
posse da sua diocese, nljresentou s e cqm o seu lisbitu do
monge, som outro distinclivo mais d o que a cruz peitoral
e barretinho (solideo) roxo, a receber as insignias episco-
paes, a mi1,i.a e a cruz. Depois a multirláo o felicilou e s e
mostro11 dcsejosa de receber as priiiiicias das bançáos q u e
elle eslll enrarregado d e derramar em nome d e Deus sobre
u m rebanlio celebro pela firmeza d e sua fé.
Pio IX, no principio r10 sei1 glorioso poritiíicadn dizia
que n s ordens rciligiosns sno tropns rtztxiliarcs sscoll~irlas
d o exercito de Jcm-Christo. scnzpre fdleis ao ur?aaaze~ztoe ci
defeza cla oociec~nde cioil e cla ~epzrblicnchriutü.
-->

VOBALAMIIA
(Continuado da pau. 286)
- Paulo, disse-lhe ella logo qtie o viu, eis-mo Tóra d o
palacio; a occasião náo porlia ser inell-ior; aritla, conduze-nie
di egreja, porqiio desejo que o baptismo corbe esta cari-
rnonia.
E, dirigindo se em seguida a todos quo podiam cnadjii-
val-a na sua prelençãô, siipplicou-lbes e conjnrou.os p:is;i n
arixiliareni: mas foi c m vão. Il:sta alma cti~iílidiie piira era
o alvo rl'uina indigna vileza c. d'umn verdadeira porlirliti. A
promessa, que Ilie haviam fcito sinceramente oii d e mii fú,
foi dosprezad:~no pnlticio; e todos os dias illiitliarn a inno-
acntn coin viirios pretexlos, som fazerem caso d:is repelidas
e tocantas si~pplicas da prínceza para que cumprissem o
quo Ilic tiriliam promettido.
Bom do1)ressa se dusmnscaron a Iiypocrisia; toda a fami-
lia iIe Vobali~inm:~spi rcoriin para a ol~rigareina ahsndonar
o desejo qiie a devorava. Debalde loi eiriliregiiila a voz da
persuaç3o; os malvados Ianqliraln pois rnáo rlo rnoios violen-
308 LEITURAS POPULARES

tos e a generosa cathecumena, sem mesmo ainda pertencer


aos membros da Egreja, era tort~iradacomo os confessores
da fé. Submetteram-n'a aos mais atrozes tormentos, cujo
rigor sb o pQde avaliar quem habitou na India e conhece
os costumes d'esles POVOS.
Vobalamma foi privada de todos os previlegios da sua
jerarchia e raça, como indigna d'elles. Faziam-n'a comer em
separado; e este insulto, especialmente nos dias em que to-
da a familia se reunia e nos banqueles de maior etiqueta,
tornava-lhe mais sensiveis o approbrio o afronta com que a
queriam castigar.
Oh I mas como é glorioso e muitas vezes doce até o so-
ffrer-se por lesu-Cliristo e partecipar de seus npprobrios!
Conhecia-o a joven victima e foi mesmo t3o profundamente
cdinpenetrada do merecimento de sua sitiiaçáo, que ella
manifestou os seus sentimentos da maneira mais enternece-
dora.
Na sua honrosa reclusão não mostrou nunca o mais leve
signnl de surpreza, de aborrecimento ou de tristeza. Tinha
sempre debuxado no rosto a mais admiravel serenidade;
não estava simplesmente resignada, mostrava até alegria
por sof'frer estas publicas humilliações, porque ellas ainda
lhe avivaram mais o desejo de ser christã.
Que eloquentes e sublimes lições não recebemos aos pbs
da criizl Vobalamma ,ahi aprendeu i ~ m asciencia preciosa
innegavelmente,-a de calcar aos pbs os respeitos humanos.
A sua vida retirada e solitaria foi por ella convertida n'um
apostolado; empregava muito tempo em instruir as damas
do palacio nas verdades da religiáo. Infelizmente para ellas
não foi esto- tempo o suRiciente para colherem o fructo de-
sejado com as salutares instrucções e mais ainda com @
exemplo da princeza.
O Senhor contempla sempre com alegria o interessante.
espectaculo, que nos ofíerece a innocencia perseguida. Elle
não prolonga na terra, as Iiictas e tormentos dos seus ser-
vos senão para Ihes preparar no ceo uma coroa mais hon-
rosa. Deus, sempre tão terno e tão justo, quiz o11 punir o s
que se oppunham á felicidade da siia serva muito amada,
ou apressar-se a recompensal.a, levando-a d'este mundo no.
mesmo anno, em que havia casado.
A augusta enferma, apenas conheceu o perigo que amea-
LEITUnA'S POPULARES 309
cava a sua salvação e vida, renovou as suas instancias a o
marido; lançou.se-lhe aos pés e supplicoii-lhe banliada e m
lagrimas que a deixasse ir i egreja para que os homens d e
Deus lhe adminislraascm o santo baptismo. Não o commo-
veram as supplicas e lagrimas da justa moribunda; dizemos
justa e porque não daremos esse titulo a Vobalamma, s e
ella o merece? indubitavel que os seus tão santos dese-
jos e senlirnentos tio nobres suppriram o dom de Deus
que tão cruelmenle Ilie recuzavam; e innegavel que a ama-
vel e corajosa Vobalamma não tinha menos direito do quo
o imperador Valeriano, do qual Santo Ambrozio fez tão
grande elogio, para ser considerada corrio clirislã antes d e
receber o baplismo; 6 inqriestionatlel que esta alma pura e
angelica entrou pelo caminho da graça na sociedade d o s
aleitos de Deus.
As virtudes de que deixou tão gratas recordações, fize-
ram em todos os espiritos uma impressão ainda mais effi-
caz do que hnviani feito as suas palairas. Sua bella e casta
innocencia foi como que um Evangelho em acção, e este
precioso livro, sobre~ivondo-lhe,foi lido e relido com tão
feliz resultado que muitas damas do palacio, parentes d a
joven heroina, abraçaram por fim o cliristianismo juntamen-
te com seus fillios.
A mesma familia de Vobalamma não pode por fim dei-
xar de apreciar a religião cliristã, e ate o principe, que tão
deshumanamenle se tinha oppostn a que sua filha s e bapti-
sasse, mostrou grande empenlio em que se fundasse uma
egreja em cada cidade em que elle fixasse a sua residencia.
Virgens christãs, que explenciido modelo vos oirerece, no
seio do paganismo, a joven princeza de Cota! Cercada d e
inimigos da nossa religião, e edoc,ada entre a cegueira das
mais pomposas superslições, beb6ra a idolalria com o pri-
meiro leile, e teve coragem para abjural-a mesmo na au-
rora da vida; aos oito annos era christã pelo coração e pe-
las obras!
Depois, que inlrepida perseverança para entrar no cami-
nho da verdade I Que sublime amor 4 verdade conliecida 1
Que profissão tão publica e constante das stias crenças ate
ao seu ultimo suspiro!
Illustre Vobalamma, que magniíico espectaculo offercceis
310 LEITURAS POPULARES

a meus olhos! Vós fazeis-me lemhrar os triumphos das vos-


sas generosas rivaes em amor ao cliristianismof
Querida mocidade, nós temos mais de rima Vohalamma,
mais de uma heroina, nas longinqrias paragens, onde des-
pontaram os raios vivificadores do sol da justiça.
Lri, durante uma cruel perseguição contra a lei de ~ h r i s -
to, os esbirros barbaros percorreram as casas dos cl-rris-
tãos; entraram na liabitação de um bispo missionario, o es-
trondo, que faziam,.desperta o prelado e adverte-o para
que fuja; entram os soldados no seu quarto e,... como era
contra elle e contra todos os que conviviam com os mis-
sionarios que queriam descarregar o seu odio, o oEcial Fnn
manda immediatamente pbr a tratos uma christã de dosac
nove annos do idade; pergunta-llie se ella guarda a sua vir-
gindade, ao que a viclima respontle aflirmativamente.
- E quem vos obriga a isso 7 continuou o perseguidor.
-Guardo-a, volveu a joven virgem, de minha livre voa-
tade e sem que algueih rne obrigue d e forma alguma.
-Sabes onde estáo os europeus?
-Náo sei.
O infiel, apeilas lhe ouve esla resposta, ordena quc? Ilie
aperlem mais n balestilha, a qual, collocada entre os dedos
da victiina, serve para se comprimir com grande violencia
(especie de torlura que se faz íis mulheres n'estas para-
gens). A genernsa virgem, charnatla Maria, sente uma ine-
favel alegria por soffrer pela f6, alegria que enfurece mais
o official, vendo-lh'a brilhar no sereno rosto, a ponlo de
lhe dizer em tom ameaçador:
-Sabes que posso condemnar-te 5 morte?
-Aqui esla a minha cabeça; podeis mandar-m'a cortar,
com o que me dareis a suprema felicidade.
Ali mesmo são detidos alguns inissionarios e os esbirros,
por ordem dos manrlarins, prontlem muitos outros cbris-
tãos d'amhos os sexos, entre os quaes se encontravam don-
zellas rnuito novas, a maior parte das qcines tinha $ido edu-
cada em casa tl'i~mn viuva, charnada Livie-chin, sonliora
muiro respeitavel por sua virleide. A esta serve de prota-
eção a sua muita idarlo, titulo respeilavel na Ctiina mais
que outros quaesquer; ella porem, porque amava extremo-
samente as suas educanclas e via estas innocentes cordeiri-
nhos escoltados por fciriosos lobos, seguia-as por todas as
LEITUBAS POPULARES 31%;
ruas, acompanhando-as com as suas lagrimas e gemidos.
AMicta sobre tudo, porque a sua idade a excluia do mar-
tyrio, enclama\la dirigindo.se aos algozes :
-Desgraçados, para que me paupaes? O crime d'ellas 6
o meu, eii tarnbem sou clirists.
Mas os seiis volos não foram escntados; levaram sb as
jovens á prisão. Os ~>crseguidores,pensando que tirariam
partido do medo e fraqueza, proprios do seso das irifeli-
zes, tentaram 0lirigal.a~a renegar; em presenca d'ellas lan-
çam por lerra as imagens sagradas tiradas clos altares dos
christáos; querem qac as infelizes calcliiem aos 1~15sestas.
imagens; mas as virgens, erifileirando-se em redor il'ellas,
ajoelliarn-se simultaneamente conio cle curribinaçio, para
Ihes renderem, em cillto publico o fervoroso, o mais aa-
IllenUco lestemunho da força da sua fi? e do seu profundo
respeilo a esies objectos. Debalde Ilies descarregarli pancad
das sobre os pks para as olirigarerri a rnudar de posiçáo
tão edilicante; ellas conservam-se imrnoveis, sem se impor-
tarem com as dores de tal tormento, maior do que s e pode.
imaginar para uma cbineza, cujos pks, mettidos n'iim gran*
da aperto 'logo desde da infancia, ~5.0d'uma serisibilidado!
proporcionada d seia iricrivel pequenez.
Bein dignas são estas virgens de serem collocadas ao la-
do da princeza do Cola; e o que não diremos da joven
Magdalena. fiIondo?
Durante a Iiorrivel perseguição feita no Japão aos filliosl
de Christo, Magdalena, filiia e irmã clo dois martyres, foi
juntamenle com ellcs lançada As ohamrnas, e sd ella ficoa
@nl pb no meio da fogiieira; mesmo depois de muito quoia
mada parecia ainda cheia de vida e como que jnserisivel &
dor. E, ainda depois de se coaserirar inruiavel por muito
ternpo com os ollios fitos no ceo; virarn-n'a abaixar-se,
ajuntar e apanhar algiimas brazas, fazendo d'ellas uma co-
rda para cingir a fronte; assim preparada para receber o~
esposo celeste, celebra ern cantos laudatorios a sua folici-
dade e não cessa de cantar, senão quando, cloixando-se cair
e eslendendo-se sobre as brazas que a cercavam, exliala
docemente sua altria angelica.
Virgens fieis, podia citar-vos aintla mais aclos lioroicos
d'este genero, que Iior-iram a quadra bril1i:inle da idade em
que estaes; e seria dc~uellasparagens, .banliadas, airida lia
812 LEITUBAS POPULARES

pouco, pelas fecundas aguas da graça, que iria buscar os


modelos; ahi a mocidade, para reparar seus erros e faltas,
assume sempre um caracter de grandeza e heroismo.
<Uma joven, escrevia Boisserand, missionario da Cochin-
china, a 26 de fevereiro de 1703 commettera a m crime na
povoação em que vivo. Sabbado vem ter commipo muito
triste para me pedir que lhe dhsse de penitencia orações,
jejuns, cortar os cabellos, ori outro qualquer sacrificio pu-
blico que eu julgasse conveniente. Encantado de taes dis-
posições disse-llie que não me atrevia a fazer mais publica
a sua deshonra e que os seus bons desejos e optima dispo-
sição suppriam ji a penitencia. No dia s e ~ u i n t ed e manhã,
entre a oração e a missa, entra na egreja, lavada em lagri-
mas prostra-se por terra; saudou os christãos e depois pe-
diu-lhes perdão, sem eii Ilie ler recommendado tal cousa.
Foi um puro movimento da graça; iniaginao agora qual não
seria a minha alegria; não pude deixar de a felicitar e ani-
mar com o exemplo da RIngdal~tna, que, por iim acto as-
sim heroico, obteve mesmo da boca do Senhor o perdão d e
seus peccados. Convenci os ctiristãos de que deviam ale-
grar-se com o arrependimen1.0 d'esta peccador'a, e rende-
mos a Deus publicas acções de graça.D
Oh queridas leitoras, comparemos "aida d o justo, que
Bão e mais do que uma continua serie de virtudes consa-
grada completa e unicamente felicidade da humanidade;
comparemol-a, repito, a um rico jardim recamado de flores
a carregada de immensa quantidade de fructos. Ali, n'iim
canteiro afastado do formoso campo de floros, escondido
humildemente sob a verdura, a modesta yioleta perfuma
com sei] aroma suavissimo todo o logar. E a fiel imagem
de uma mocidado innocente e pura; j 4 suas virtudes a des-
abrochar espalham ao longe o delicioso perfume de una
santa vida. O presente responrle.nos pelo futuro; e, assim
como a serenidade da aiirora i! annuncio d e serena tarde,
assim como a morle O o espellio da vida, do mesmo modo
a primeira quadra da vida é jíí a fiel pintora dos que se
lhe seguiram, e o crepusculo da vida reflectira sua encan-
tadora aurora.
LEITURAS POPULARES

A ANDORINHA E O GATO

E olha nHo escorregues acaso com


a lingua e cai:ia diante de teus ini-
migos, que te armam ciladas, e ve-
nha a tua queda a ser incuravel e
mortal.
Ecclesia~tico,C. 20, v. 30.

Tendo ligeira andorinha


largamenle viajado,
veiu junto de um telhado
o ninho seu conslruir.
Com a vista cubiçosa
velt~ogato o sitio attenta'
sonda, indaga, emfim assenta
que n3o o pode inveslir.
Pelo que com ar humilde
tenla a pobrinha lograr,
e lhe começa a falar
depois de rnuito tossir:
«-Seja bem vinda, os emboras
d'esle servo seu aceite.
Que instriicções e que deleite
dever8 ter quem a ouvir I
Pobre de mitn I esle inverno,
mui prostrado me deixou ;
quasi tonto e surdo estou,
sem gosto ao comer sentir.
Ando triste, oh I por esmola
queira-me um pouco alegrar,
venha comigo falar.
Que fez depois de partir ?B
81% LEITURAS POPULARES

De ter um tão bom ouvinte


fica a palreira contente,
desce a folgar c'o doente,
quer o tonlo diverlir.
Chega-se a elle, e dizendo :
ieizl~ornzezc. .. logo o tratante
atassalha a viajante,
põe-se a rosnar e a engulir.
De contar c! clisco~.rcr
sobejo goslo inse~zsato,
ent ggnwas, como a s do gato,
tenz fl~itoa muitos cair.

O MAIOR COIYIETA

ud jornal soisso annuncia qiie o celebre professor d'as-


tronomia de Genebra o sr. Plaiilainour, descobriu reconte-
mente um novo cometa, que excede em volume todos os
cometas descobertos ati? lioje.
Segundo as observaç"os e os calculos do sr. Planlamour
o noyo cometa vem animado d'urna prodigiosa rapidez e se
dirige em linha meta para o nosso globo, com o qual en-
trari em collisão proximo ao meado d'agosto de 1872. A
sua aproximação se manifestará por um extraordinario des-
envolvimento de calor. A cataslroplie sb poderi ser ovita-
da por um desvio do cometa no seu curso, entrando bo raio
d'altracção d'outro corpo celeste.
Se não tiver o desvio que se espera, por ahi teremos al-
giima rabanada, que atirará comnosco para as montanhas
da lua.
mss&=
CAARLATAO DESMASCARADO
Cesto imperador da China tinha muita inclinação para as
sciencias occultas. Um cliarlaláo Ilie apresentou um elixir,
LEITURAS POPULARES 318
aconselliando-lhe que o bebesse, e promettendo-lhe q u e
esta bebida o faria immortal. .
Um dos aeus ministros que se achava presente, depois
de haver tentado inutilmente disuuadil-o de tal, pegou n a
taça e bebeu o licor. O imperador todo irritado o condem-
noti i morte; porem o mlriislro Ilie disse com toda a pla-
cidez:
-Se a bebida dA a immortalidade, baldados serão vos-
sos esforços para me fazerdes morrer; se não a di, deveis
punir-me porque vos fiz ver a verdade.

SOMBRAS

Os Romanos chamavam sombras Aquellas pessoas, que,


sem serem convidadas para o banquete, entravam pegan-
do-se e seguindo a O L I ~ S O Sseiis amigos. E a Filippe, pae
d e Alexandre Magno, se pegaram, lima vez tantas d'estas
soml~ras,que o hospede fico11 assombrado, porque não ti-
nlia feito prevençáo para tantos. Mas Filippe o livrou d e
padecer vergonha, mandando por iim pagem dizer ao ou-
vido de cada um, qiic guardnçsem fome para os ullimos
pratos, por serem mais regalados. Com que, todas por co-
merem mais, comeram menos o bastou o pouco, ciiide o
muito não bastaria: ficando as sombras As escuras, quando
viram o engano As claras.
As felicidades temporaes são rim banqiiste do varios pra-
tos, que o murido offerecc. A poucos convida, e por pouco
tempo: estes enl5o são os grandes e mimosos da fortuna,
e seus parentes, amigos e conhecidos são as sombras. que
os seguem para lamber os sobejos dos pratos e apanhar as
migalltirilias, que caem da mesa.

M'EDO GASTO

Julio Cesar nos principias de seu governo portou-se com


moderação e suavidade, attendendo i disposiçáo das leis 3
depois não piinha grande reparo e n ~as quebrar, usando ds
absoluta auctoridade ou violencia.
516 LEITURAS POFULAAEY

Um senador muito ~lelho, chamado Considio, lhe disse


livremente:
-Senhor, sabei que, se o senado vos não, vae 5 mão, é
porque, com o temor de vossas armas, não nos ajustamos
a determinar o que convem.
Respondeii Cesar:
-Pois como te não obriga o mesmo temor a estar em
tua casa e calar a boca ?
-Coin a milita edade, disse Considio, gastozr-se-me o
medo; porque a vida que posso perder e ja pouca,

RECEITAS

M. James Marshall, de Leeds, em Inglaterra chama a at-


tenção para um preservativo conlra a tiydrophobia.
Esta descoberla é devida a um antigo veterinario clia-
mado Youatt.
Consiste o remedio na introdiicçio de nitrato de prata
ordinario na chaga. O nitrato decompõe a saliva, deslroe o
virus, attrahindo-o i s extremidades capillares e neutrali-
sando-o. Depois caulerisa-se. Quando a chaga estd cample-
tamente fechada, esfrega-se para desfazer completamente a
cicatriz.
Quasi todas as pessoas e principalmente as senhoras sen-
tem grande desgosto com essas excrescencias a que se d5
o nome de verrzrgus, ou mais vulgarmente cravos.
Pois não 8 muito difficulloso destruil-as, e para isso basta
empregar um processo mui simples, que o clr. Lisfranc
empregou sempre com bom resultado no Iiospicio da Pie-
dade em Paris.
Lisfranc fazia mergulhar n'uma dissolução muito forle d e
sabão negro a parte ern que apparecia a verruga. Esta dis-
solução produz sobre a verruga uma leve cauterisação na
superficie. Todos os (lias sc vae tirando a crusta qoe cobre
a superticie da excrescencia, e por este meio se obtem uma
completa cura. Deve-se evitar o uso do acido sulfurico (oleo
de vitriolo), porque é um agento muito irritante, que pro-
d u z inflamma~ãoem vez de curar as verrugas.
Ela exemplos de ter sido necessario fazer a amputação
LEITURAS POPULARES 317
dos dedos, em que as verrugas foram cauterisadas com
acido sulfurico.

CRRONICA

No domingo d a Quinquagesima o Soberano Pontifice re-


cebeu dos romanos novas 'demonstraçóes d'affecto.
Na primeira sala do Vaticano estavam postados os alum-
aios; que frequentam as escolas noclurnas; u m d'elles leu
ao Santo Padre uina commovedora pnesia, 5 qual Sua San-
tidade respondeu com palavras affecluosas e cheias cle ca-
rinho.
Na sala dos guardas estavam as Irmãs do Precioso San-
gue, infatigaveis e iotelligentes mostras de muitas meninas
romanas.
Desde pela manhá que, na sala ducal, esia'c7amreunidos
os parochianos d e S. Celço e tle S. Salvaclor e Lauzo.
Grande numero de pessoas d~ todas as edades e condi-
ções esperavam que chegasse Sua Santidade, que chegou
u m pouco antes do meio dia.
A multidao ancioaa o recebeu com demoristrações de aIe-
gria e calorosas acclamações. Meninos e meninas cantaram
u m hymno; o arcipreste de S . Ce!ço leu junto do throno
pontificio um discurso, em que manifestava os senlimentos
da assemblks. Seguiu-se outro Iiymno.
Então o Sanlo Padre se levantou, ,falando affavelmentc,
como sempre, mas talvez niais commovido que nunca. Eis
em poucas palavras o seu disccirso:
Os sentimentos d'affecto, que o vosso cura m e patenlea
são para mim Ião apreciados como sinceros. Acceito-os,
pois, com grande prazer e como um verdadeiro conforto
no meio d'esta guerra que os inimigos de Deus recomeçam
na horrivel situação, em que nos achamos.
No entanto do Evangelho de Iioje podemos tirar alguma
esperança. Jesu-Ctiisto expunha a seus discipnlos que de-
via ir a Jerusalem, onde esperava a traiçáo, os insultos, as
torturas e a crucifixão. Mas para os confortar disse: aAo
terceiro dia resuscitarei gloriosamente, então s e abrirão a
todos as portas do c é o . ~
N6s tambem esperamos que o fim Castas ddres esti pro-
ara LBITunRs roPuLAREs

ximo. Tenhamos pois confiança que a misericordia de Deus


nos arrancar8 do triste estado ern que nos achamos.
Estes hymrios que acabo dc ouvir me enchem de espe-
rança porque, depois das catastsoplies, que Deiis nos tern
mandado disse comigo : ((as harmonias dos nossos orgãos
estão suspensas.u Deus quer ja outra cousa, e seja-nos per-
mittido n'isto um presagio de que a sua misericordia rião
deve tardar. Elle que e a mesma misericordia não quererâ
prolongar mais os nossos soffrimenlas. Oiçamos estas pala-
vras repassadas de ternura: Dar-vos-hei lagrimas com me-
dida. Sim, Elle as d i , mas com medida, e como um bom
pae que 13, de certo que náo quer vSr os seus fillios por
muibo tempo afflictos.
Jesii-Christo nos d i ainda outra lição rio Erangellio de
hoje. Quando ia pela estrada de Jerichó uin cego, que ou-
viu O susurro da multidão, que passava, e sabendo que
era Jesu-Christo poz-se a gritar <Filho de David, tende
compaisão d e mim. E quanto m-iis se Il-ie dizia que se ca-
lasse mais elle gritava: Filho de David tendo compaixão d e
mim, e logo recuperou a vista. Vós Lambem tendes clama-
do: aFillio de Daoitl tende compaixio de ri0s.s
Vos o dizeis rias vossas orações particulares e o repelis
em alta voz nas egrejas, as quaes, na actualidade não são
veneradas, corno devcm ser.
Vós tendes invoc.ado a protecção divina, o v65 a invocaes
ainda com todas estas ohras santas, que vbs uppondes iis
obras de iniquidade de seiis inimigos. Com esias boas dou-
trinas e este ensirio cliristão, ~ 0 vos
s oppondes 4s doutri-
nas do erro, que se dizem evarigelicas; ds forçqs do infer-
no oppontles a piedade e o fervor tlo christão.
Sim as orações, as boas obriis agradam a Deus, embora
que o momento da sua bondade nos seja occulto; mas te-
mos fe em que não estd lange. Dous pcrrnitta que esta ben-
ção, que eu vos vou dar, sejacl'isso o penhor. Sim, senhor,
abençoae este povo, abençoae todos aquelles que me tendes
confiado, afim de que nenlium d'elles s e perca. Direi pois
como o divino mestre: <De todos aquelles que me confias-
les nenlium morreu, senão o Iiomem da perdiç3o.n
Sim lia niimerosas excepçGes, porque ha homens surdos
i voz de Deus, surdos aos remorsos, surdos ao temor dos.
I~BITURABPOPULARMY 319
castigos di~linos,surdos a14 mesmo 4 voz da probidade or-
dinaria e da linnra.
(t1q11i a voz do Santo I'adre se altorou mais que o cos-
tirrne. e s~guiu-soprofundo silencio, depois do qual resoa-
sam n;i sala as mais solemnes e respeitosas prolestaçóes em
mcio cle soluços).
Eu \-os abrnçôo do intimo da rriinha alma, e a todos
aclncllcs que aqui eslão, e aesla cidade, para a qual eu in-
voco arderit,emente as graças clo Senhor. Que Elle a f0rti8-
qiio piir7n que possa resistir aos maus enelazplos, e trium-
pilem as suas boas obras das mis acções, que se comniet-
tem.
@iie a hcnçáo cle Dciis VOS ajiide a combater, vencer e
triurnpliar, afim de que todos os nossos votos sejam coroa-
dos na ctoi na fijlicidade.
Toda ii miiltiilão posla cle joelhos recebe11 com prof~in-
dn coniniocáo o bençáo do Sol~erarro130ntifice.
I?, o Siiuio Padre s e retirou ou arittis se separou d'elles
sensi\~elmentecommovido, abençoando-os segunda vez.

N'ilm (10s dias do cai*na~~ãl cm Iinma, os mascartis enlra-


r a m cinm clivcrsas e g r ~ j a se na de Sa~ztadIcl?.iai d'I(1ria en-
toaram canlos" impios e obscenos, tro meio de danfas in-
fcrnaes. Uiii d'aquellcs dcsalriiaclos, entrando na egrpjii de
S. Nicoliiu em Gesarini, sob pretextn de que lhe queria fa-
lar, aproximou-se de um religioso, que cstavã arranjaudo o
altar para a celeliração da missa, e Ilie cravan na garganta
uma f;ica, e s e escapou deixando o pobre Irináo coberto de
snngiie. Comrnellinienlos d'estes praticam-se a cada hora e
a cada carrto impunemente.

O Ossnrvcrtore romauo diz que o l)apa, recebendo mais


(10 mil lieis rorrianos Ilies recomrr~enrloa,enlre moitas Cou-
sas, que orirsseril pela Assemblba nacional #uma grandena-
çHo, (1110 Icnl de se occupar proximamente dos interesses
da Sani:r SB, e em cu,jo seio algaem tomarA a defesa d o Pa-
paddo. misler orar, disse elle, para que as resoluçóes que
s e toaiarem, sejam vantajosas paraessa nação o para a San-
ta Se.
320 LEITURAS POI'ULARES

Um despacho telegraphico recebido em Paris a 19 de fe-


vereiro confirma e apresenta mais explicitamente a noticia
d o Osserealore ~.omario.
Diz assim:
Na al\ocuçio da manhã d'aqiielle dia dirigida 4s deputa-
ções de muilas parocliias romanas, o Papa aconseltion e
animou os romanos a que orassem pelo triumpho da san-
causa, pela assemblea nacional franceza afim de que Deus
na discussão sobre as petições dos cattiolicos irispire os de-
putados para que tomem resoluções convenientes A gloria
d e Deus e se lembrem de que sem Deus não pode haver
governo-e a que orassem pela Allemantin, para que Deus
a sustenha na fidelidade i SB apoçtolica.
Esta allocuçao produziu uma sensação profi~ndanos ro-
manos e nos estrangeiros.

Uma princeza (Ia familia imperial d'Austria começoii o


seu noviciado, n'um convento d'ursulinas. Foi a duqueza
Maria Ueatriz, qiie nasceu em 1824, irmã do duque de Mo-
deoa, esposa do infante D. João e máe dos infantes Carlos
e Affonso de Bespanha.
Foram baldados tridos os ,esforc,os empregados pela farni-
lia para a dissuadir do seu projecto. Tendo conseguido uma
dispensa ,do Papa, trocou a rnagnifi~enc~iado palacio dos
duques de Modena pela pobre cella de i i m convento.

O que sobre turlo se deve desejar, n'este mundo, 5, ca-


recer d e poucos e fazer bem a muitos.
---
Não pode haver honra, onde não ha virtude.
--a

I-, grande felicidade achar na adversidade um amigo. quo


s e m simulação, s e compadeça e condoa dos nossos infor-
tunios.
A peior liberdade qua ha no mundo 6 a liberdade do er-
ro, vivendo cada um a seu modo.
L E I T U R A S POPULARES 323
é a maior tagarella, quando está com os filbinlios, empe-
nhando-se, sem o saber, em que o seu menirio ja diga mui-
tas cousas, e achalido-llie graça ate em cousas que n%o tem
nenhuma.
Todos nbs ternos visto a mulher, em quanto solteira,
guardar muitas vezes um silencio enfadontio ; mas casa,
tem um filho, e ahi temos a carrancuda e a bisonha conver-
tida em caririhosa e faladora, por4ue o seu filho lhe pede
caricias e lagarelice.
Quiz Deus que o liomern seaperfeiçoasse, que a alma d'elle
se desenvolvesse; mas seria isso? Como curiseguiria Deus
que o I~omeinquizesse mais do que agricultar as terras para
se alimentar 7 Goosegiiiu.~lielo modo mais riobre, íiando
ao homem o desejo da gloria, o empenho de bxceder as
outros em saber. Se náo fosse este desejo, o homem d e
hoje seria como o de liontem, bem similhante A andorinha
que faz o seu riinho, como o fez a primeira aridorinha, ou
as abelhas que fazem todiis e fizeram sempre omel d o mes-
mo modo e sem se aperfeiçoarem.
I;; por isso que vemos logo a criança, que, começando
apenas a compreliender o que rè, não cessa de fazer per-
guntas a proposilo do tudo o que encontra. Ella pergunta
logo B mãe para qrie servem as flores, porque B que ha lua
no ceo, o que e a lua, para que servem as eslrellas, e todas
essas perguntas, que parece que nada valem ; mas que pro-
vam o dcsejo que Deus poz no coração do liornem para se
desenvolver e comprehender as bellezas do universo. E deu-
lhe este desejo, porque so assim C: que o hoinern, rernon-
tando icausa que croou todas as bellezas do mundo, podia
por fim vir a saber que tudo foi ieilo pelo mais generoso
dos paes, pelo mais amavel dos entes, pelo mais podaroço
110s seres, por Deus, e que por isso lhe devcsmús gratidiio,
amor, respeilo e adoraçào.
E, se quizermos ver em bem pouco a omnipolencia d o
Creador e sua sabedoria, analysemos a cabeça do homem.
Comecomos pelo cabcllo.
Pensar4 alguern que o cabe110 rios foi dado sO para bel-
leza ; mas, não assirn.
Não temos na cabeça nem no corpo um s 6 cabello que
não seja preciso. Deus atB disto, até n'um caballo, n'uma
cousa que pisamos aos pes, se nos revela 1
824 L E I T U R A S POPULARES

Toda a gente tem experimentado, que, no verão, se sair


sem chapeo B rua, e apanhar sol por muito tempo, sente
logo dores de cabeça; assim, como tambem, no inverno,
se andarmos com a cabeça descoberta muito tempo pelo
campo, ella nos doe. Pois bem, isto mostra a necessidade
que a cabeça tem de andar coberta, e por isso Deus a co-
briu do cabello para a resguardar dos raios do sol e do frio
do inverno. Verdade é que a criança nasce com pouco ca-
bello, e que este cae ao velho; mas é porque a criança não
deve ter a cabeça muito agasalhada para melhor se Ilie des-
envolver, pois muito calor tem ella ent3o que o sangue gira
com m:iis vida e carece de ar para se tornar mais robusta
e robustecer as carnes. E por isto que rids vemos a criança
gosiar muito de andar nua, e ale e um gosto vel-a como
esta contente, qiiando a despimos rio rxieio de iima atmos-
phera temperada, e a vemos abrir satisfeita os bracinlios e
pernas, como para nos indicar qiie estri i sua vontade.
Ao velho cae muitas vezes o cabello, porque jii onão pre-
cisa, e ate moitas vezes o incommoda, se elle persist,e em
não cair. Tem o crarieo jh milito duro e o cabelln s6 llie
produziria comisões, se continuasse a conservar-se.lhe como
na mocitlade.
As sobrancelhas não são tambem só belleza. N6s vemos
que o Iiomem, quando est8 calor, súa copiosamente, e ve-
mos-lhe o siior correr em bica pela testa. Ora o suor pre-
judicaria rnuito os ollios se cahisse n'elles ; por isso Deus
os resguardou com as sobrancclbas e deu-lhe um feitio tal,
que o suor que chega até ellas corre vae para o meio da
cara ; o qiie podia ou prejudicaria os ollias, ou iria cahir
na boca, e incommodaria o paladar com o seu amargo ; te-
mos pois,as sobrancelhas a correrem ambas para os lados,
obrigando assim o suor a caliir nas faces, o que náo fiz
mal.
Os ollios são muito melindrosos, um argueiro os molesta,
e no ar andam sempre argoeiros e insectos, q u e se entras-
sem nos olhos, fariam muito mal e muito incommodo. Foi
por isso que Deus nos deu esses abanadores, a que cha-
marrios pestanas, que esláo sempre em continuo movimento,
para afastarem dos ollios tudo o que podia damnilical-os.
E servem ainda para mais.
i) homein não pbde dormir com luz, e quando dormo
LEITURAS P ~ P U L A R E S 325
ostá em socego, os membros não se movem senão para dar
movimenio ao sangue; por isso nos deu Deus a s palpe-
bras que os cobrem e livram da luz e de tudo o que os pre-
judica. Mas ellas não podem nem devem unir-se uma a ou-
tra perfeilamenle ; por isso 3s peslanas entrelaçam-se umas
com outras de modo a fazerem sombra, a obstar que O pó
c o suor entrem nos olhos.
Mas porque temos n8s os olhos ali e não em outra parte?
Porque sO ali é que podiam e deviam eslar. Pois nOs, qiian-
do queremos ver uma cousa ao longe, não nos pomos nos
bicos dos pes e não subimos aos logares elo\~adospara me-
lhor vermos? 'í'ambem os olhos por isso mesrno deviam
estar na parte mais elevada do homem, do contrario veria-
mos sO de perto.
O nariz está feito do melhor modd, e collocado no me-
lhor logar.
Imaginemos que não era, como é; que as ventas, em vez
de estarem e m baixo, estavam em cima, ou dos lados no
meio. Querem saber o que acontecia? Morriamos. Estando
de qualquer modo que indicGmos, o pO e o ar entravam
n'elle continuamente ; e, como tem communiçação Com o
estomago pela guela, entrava n'elle a toda a hora o pO e o
vento, e seguia-se que o estomago n5o podia digerir a co-
mida, porque o vento arrefecia-o e tirava-lhe por conse-
guinte a força, e o p6 cahindo n'elle prejudicava imrnonsa-
mente a digestáo ; ora, logo que a digestão não seja rega-
lar, a morte não tarda por motivos que não vem para aqui
explicar.
Além d'isso, sabemos todos que os aromas tendem todos
a elevar-se, que partem de baixo, e, se as ventas náo es-
tivessem onde estão, difficilmente receberia os aromas, bem
como o cheiro dos corpos corruptos o que faria grande mal
5 saude.
Está bem collocado, porque, como dissemos, os aromas
tendem a elevar-se, e por isso devia o nariz estar na parte
mais elevada do corpo; do contrario si, receberia o s que
estivessem muito proximos, e conrem ter conhecimento dos
miasmas qua estão longe, para os ri80 aspirarmos, o quo
prejudicaria a saude e a vida, corrompendo-nos o sangue.
Ora 6 o nariz que nos livra d'esse mal, porque elle, a dis-
tancia, nos avisa da existencia (10s corpos quenosdamníficam.
326 LEITURAS POPULARES

As orelhas e o ouvido estão feitos e collocados o melhor


possivel.
Os sons são como os aromas na tendencia de se eleva-
rem, caminhando quasi horisontalmente. Sabemos que o som
torna-se mais distinclo, encontrando um objecto em que vá
repercutir e que Ibe proporcione ondulações; vemol-o bem
claramente nas naves de um edilicio e nas quebradas dos
montes, onde notamos o delicioso ecco que fez, n'outro
tempo, scismar tania gente. Pois as orcllias tem por isso
aquelles adrniraveis contornos, que fazem com que os sons,
ao chocal-os, produzam ecco e passem ao ouvido mais per-
feitos e dislinctos. E como ordinariamente é da frerile que
recebemos os sons, porque o bomem quasi sempre fala para
o seu similbante de frente a frente, porisso as orelliasest3c~
voltadas para diante, e collocadas no alto, porque, como
dissemos, os sons tendem sempre a elevar-se.
A boca esti tambem no seu logar. Todos os corpos gra-
ves pendem para o centro, a agaa e a comida são pesadas,
e por isso tendem a descer. Ora se a boca serve para comer
e beber, devia necessariamente estar por cima tio estomago.
Devia tambem estar perto do nariz, porqiiu as comidas e
bebidas, qiiando estão estragadas e podcm fazer mal, tem
um mau cheiro ; temos por isso o nariz ao pé da boca, como
um vigia, para nos avisar da qualidade da comida.
Ainda mais. A boca serve tambem para falar. Devia por
isso estar em parte elevada, para chegarem mais longe o s
sons que d'ella parlissem.
Sb ria cabeça do Iiomern, na sua parle exterior, vimos
nds quanto Deus se empcnliou em fazer e collocar tudo do
melhor modo possirel. Se a analysassemos interiormente,.
se vissemos como se operam as sensações, s e observnsse-
mos as operações de cada um dos sentidos, mais nos admi-
rariamos ainda ; pois o exterior nem sombra h, em perfei-
ção, d o interior. Por Mra lia apenas a grosseira casca a co-
brir o precioso amago.
Quem não reconhecerti, pois, em tudo quanto notámos,
a yandeza e bondade de Deus ? ! Quem o não amari, se na
mais pequena coma encontrâmos a sua amavel grandeza? 1
A16 nas necessidarles, que nos cercam, mesmo nos valles
que nos rodeiam, vemos nds a bondade de um extremosis-
LEITURAB POPULARES 327
simo pae, que faria, se tratassemos de averiguar onde estão
as maiores bellezas.
O homem, s6 olhando para si, tem d e reconhecer que só
um Deus omnipotente e oinnisciente seria capaz de o crear.
Mesmo que so o homem exislisse no mundo, sb elle seria
suficiente testemunlio da existericia de Deus.
Adoremos pois Aquelle que, em tão pouco, mostra a sua
bondade para seus filhos, a sua grandeza e ornoisciencia.

HISTORIA NATURAL

Especie de ralo, arganaz, silvestre. Habita debaixo da


terra, o a estructiira do seu domicilio e admiravel. Apa-
nhada em pequenina, se domeslica mais facilmente que
qualquer animal selvagerri, e quasi com a mesma facilida-
de, com que se ensinam os nossos animaes dornesticos.
Aprende sem difnculdade a pegar n'um pau, a sesticular,
a dançar e a obeilecer em tiido A voz de seu dono.
Ha ciganos que ganham a sua vida mostrando as habili-
dades d'este animal, e o trazem mellido dentro d'uma
caixa de pau.

IJouve uma certa marmota, tão arteira e ladina, que,


saudosa da sua palria, onde brilliar queria, s e escnpuliu ao
cigano, qiie era seu dono.
Saltando de contente, apresentavaseus ares de sooliora,
q u e o' ter prendas Ilie influiu. Pelo caminho ideava mil
falsidades, conlos mil; a10 quo toda vaidosa avistou os pa-
trios lares.
Parece que devia retomar os usos da sua terra, apresen-
tando-se de p6s o mãos rio clião, sem estrangeiro modo
nem atavio. Pois quem deu 161 Qual matrona doutorada,
foi apoiada n'urn borda0 que as boas vindas recebeu. Tal-
328 LEITURAS POPULARES

vez julguem que risonha e qnieta respondeu: nada, nada!


deu um salto com tanta força, que ia partindo a testa.
Foi convidada a jantar, comeu bem, mas falava desde-
nhosa dos banquetes a que assitira. Mostram-lhe as casi-
m a s tarreas, tudo n'ellas acha mau, o seu palacio de ma-
deira, com mil mentiras descreveu.
Com sorriso mofador tudo ouvia, tudo olhava, e tanto
quix ser notavel que incorreu no odio de toda a gente. -
N'islo chega o inverno com todos os seus rigores, sem que
ella em tal cuidasse; e então pediu humildemente um can-
tinho para inrernar. Com o seu palacio de pau logo nas
ventas lhe deram; ninguem a querendo em sua casa, mor-
reu, coitadinha, exposta ao frio!
Porque ha de vir qiiem viajou
de estulta ufania clieio?
Gaba tanto o solo alheio!
mas porque 6 que o deixou?

O M A R T Y R DO G O L G O T H A ,
(Continuando de pag. 300)
O anjo illuminou a Virgem com um celeslial olhar, e de-
pois, estendendo a mão em sigrial de acalamerito, lhe disse
com doce e harmoniosa voz:
- Ez'zc te sazldo: e's cheia de ginpa: o Senhor 6 conltigo:
Tu e's bemditn entre todas as m.zclhsres.
Maria, com os oltios fitos rio cháo, n l o se atrevia a des-
pregar os lahios.
Como a flbr, quo, ao receber a gota de orvalho, que lhe
envia o ceo, abre as siias pelalas, dobra as siias folhas, as-
sim a pudibunda Virgem de Nazaretl~, om quanto o seu
amoroso coração se abria para albergar n'elle as rngste\rio-
sas palavras do enviado do ceos, curvava a fronte, receiosa
d e offendel-o com o seu olhar, ou talvez temesse como
MoysBs uêr o sezc Dezts e azorrcr.
-Nada tomas, Maria, tornou a repetir o anjo com do-
çura, inclinando a sua radiosa fronte, porque achaste grapa
LEITURAS POPULARES 329
diante de Dezcs; conceberús no teu seio e darcis á lzcz 26m
filho a qziem porás o nome de .Teszcs; Blle será grande e
chanzado o filho do Altissinzo. Deus Ihe dará o throno de
seu pae; reinara eternnmente sobre a casa de Jacob, e o
seu reino 17ão terci fim.
- Como se fard isso, pois eu não c o n h e ~ ovarão? disse
singelamente Maria, não sabendo como conciliar o tilulo de
mãe com o voto de virgem offerecido junto da ara d e Sião.
A Virgem não duvida, diz S. Agostinlio: Ella s6 deseja
instruir-se pa maneira corno deve operar-se o milagre.
- O Espirito Santo descerá sobre Ti, continuou o anjo,
e a uirtzide do Allissbno te cobrira com a szca sombra; eis
aqui porque o santo fructo que de ti ha de nascer será
chamado o filho clc Deus.
O mensageiro de Jehovi qniz deixar uma prova da ver-
dade das suas palavras iqiiella Virgem escolhida nos cecs,
como a urria sarita que devia ser por nove mezes a depo-
sitaria do Verbo divino.
-1zabel lua prima, lhe disse, concebezc urn plho na szca
scnectude, c este d o sexto mez da gravidez da qztc é repzl-
tada esteril, porqzce nada i ~ nirnpossiz)el a Deus.
Maria, anriiqiiilada ante os beneficias de Deus, crendo-se
na sua modestia indigna da escolha com que o Eterno a
honrava, baixou a fronte com htimildacle, dizendo:
-Eis aqui n escrava do Senhor; fuga-se em mim segun-
do a tua pnlavra.
O anjo desappareceu, e o Verbo divino fez-se carne para
padecer por nós o martyrio cruento da Cruz.
Maria, desde aquelle instante, conccbeu o pensamento d e
visitar sua prima, a quem tanto devia.
Isabel era mili entrada em annos, e Maria cheia d e cari-
dade.
Ser iilil aos seus similhantes era o seu maior prazer; se-
mear o bem, o gozo mais delicado e querido da siia alma.
Antes de transpormos os iimbraes clos ricos paranles da
Rosa cle Nazareth, diremos duas palavras do pae de S.
João Baptista.
Ouçamos o que diz Ataulfo de Saxoriia referindo-se ao
texto de S. Lucas:
UNOSdias de Ilerodes, rei de Jiidka, tiavia um sacerdote
Chamado Zacharias, da familia sacerdotal de Abea, uma d'a-
330 LEITURAS POPULARES

qnellas que serviam por turno i, no templo, cuja mulher,


chamada Elisabeth ou Isabel, era egualmente da raça do
Aarão. Ambos eram justos aos olhos de Deus, e guardavam
strictamente todos os preceitos e leis do Senhor; e tenù&
entrado Zacharias para offerecer o incenso quando lhe com-
petia, lhe appareceu o anjo do Senhor estando 6 direita d o
altar dos perfumes, tendo o rosto cheio de tarita magesta-
de, e toda a sua pessoa manifestando um ar tão divino,
que Zacharias se perturbou e todo o seu corpo começou a
tremer, sendo preciso que o anjo o socegasse filando-lhe.
- ((Não temas, Zacharias, lhe disse: a minha presença
deve servir-te de goso e consolação antes que de temor: a s
tuas supplicas chegaram ao firmamento, foram ouvidas por
Deus, e para que te convenças d'isto, sabe que Isabel tua
esposa, ainda que esleril e velha, te dará um Blho a quem
chamaras João, o qual encherd de consolação loda a casa
d31srael. O seu nascimeuto será para ti e muitos outros
motivo de grande alegria e presagio certo de futura gran-
deza. Ser6 grande na presença do Senhor: elle esti desti-
nado a exercer um cargo sublime junto do Messias, que
virá bem depressa e o completard.
aSerS. santificado desde o ventre de sua mãe e cheio d o
Espirito Santo, e em todo o curso da sua vida guardará
uma abslinencia tão rigoros,a, que nunca beberi vinho nem
cidra, e prbgará com tanto zelo, qti9 converteri muitos fi-
lhos da sua raça ao seu Detis e Senhor. Elle precedera a
vinda do Retlemptor e ird diante d'Elle com o espirito e a
virtude de Elias, e prégará com tão prospero successo, que
os filhos renovarão nos seus peitos a f6 e piedade de seus
paes. Converterá os incredulos e os obrigará a seguir o ta-
minho da prudencia dos justos, e preparari para quando
venha o Sanhor um povo perfeito, para que receba com
docilidade os preceitos da siia nova 1ei.n
Até aqui o Cartuxo da Saxonia.
Zacharias viu o anjo com grande prazer; mas a duvida
aninhava-se no SOU coração.

Segundo o estabelecido por David, ou sacerdotes judeus eaevam


clivididos em vinte e quatro turnos, cada um doa quaea eervia no
templo uma semanh Cada turno eetava uubdividido em sete partea.
Zacharins ora do turno dVAbea.-(Prid., Biutorb dos judeus.)
LEITURAS P O P U L A Q ~ ~ 531
Aquellas palavras, que lhe resoavam com doçura nos ou-
vidos, não eram cridas pela sua alma.
O ceo outorgava-llie a graça na sua ancianidade d e dar-
lhe um filho; este filho era o Baptista, o precursor d e
Cbristo, e o venturoso sacerdote não dava credito iquella
revelação divina, exclamando:
-Eu sou velho, e minha esposa é o tanto como ea; co-
mo poderei saber que é certo o que me dizes?
Esta desconfiança irritou o enviado de Jehová. Seus olhos
despediram um raio de luz celeste. Este raio do ceo foi
tocar a lingua do sacerdote incredulo.
- Eu sou Gabriel, tornou o emissario celeste, um dos
anjos que moram junto ao throno de Deus, e do quem s e
serva para transmiltir as suas ordens. Elle m e enviou a ti,
e porque duvidaste das rninlias palavras, surdo e mudo se-
rás ate ao dia em que se cumpra o que vim annunciar-te.
Zacharias ficoli atcrrado e sem poder terminar a semana
do seli officio no templo, pelo casligo que Deus lançara so-
bre elle. Triste e afliclo abandonou a populosa Jerusalem,
e atravessando parte da Galiléa, da feraz Samaria e duas
terças partes da terra de JudS, depois de cinco dias de
viajem chegou 4 cidade de Ain, onde tinha a sua casa e as
suas terras.
Sua esposa Isabel recebeu-o com a alegria no rosto e o
sorriso nos labias.
A venturosa mãe de João queria participar a seu esposo
o favor que Ileus lhos concedia; mas o incredulo sacerdote
não pôde ouvir as suas palavras nem responder ás suas
pergunlas.
Um mar d e lagrirnas corria dos seiis olhos. Angustiosos
suspiros sahiam do seu peito, porque Jehová o tinha casti-
gado.
Isribel lançou-se nos seus braços repetindo-lh8 gozosa:
-O Deus de Jacob ouviu as minhas supplicas. Sou mãe,
sou mãe! Sinto nas entraolias o germen d'um novo ser que
s e agita. E tu nada me dizes!
Zacharias esforçava-se em vão por ligar as letlras. Era
surdo. Exlialou um suspiro de angustiosa dor, e cahiu des-
fallecido aos p8s da sua esposa.
332 LEITURAS POPULAREB

CAPITULO V

A paz seja comtigo


Maria guardou no fundo da alma a revelação que o anjo
lhe fizera. Hada disse a seu esposo, porque modesla e m
excesso temia que transluzisse nas suas palavras um raio
de vaidade.
Guardou, pois, o segredo como um thesouro precioso
que Deus llie confiara, esperando com santa resignação q u e
os acontecimentos portentosos, que o ceo lhe annunciava, a
conduzissem ao ponto escolhido pela superioridade divina.
Participou a José o prazer que lha causaria visitar sua
prima Isabel, e o que bom e carinlioso se desvelava p o r
satisfazer tudo quanto era grato a sua santa esposa, lhe
deu gostoso a sua permissso para que empreliendesse a
viajem desejada.
Jose era pobre: do seu modesto jornal viviam e não lhe
era facil abandonar o traballio; assim que, aproveitando
a occasião de irem a Ain, palria d'lsabel, uns parentes seus,
lhesnrecornmendou sua esposa, e Maria partiu d e Nazareth
na estação das rosas.
Jose acompanhou sua esposa até duas legoas do povo, e
depois, com o coração oppresso pela ausencia da Virgem,
regressou a sua casa.
Isabel, esposa de Zachnrias, tinha sido uma segunda másq
para a Virgem desde que hnna e Joaquim a deixaram s ó
e orphã.
Os favores recebidos nela menina. durante a sua Derma-
ccncia no templo de ~ i ã o iam
, ser pagos pela muiher na
casa da velha Isabel. Esta era a idèa que animava Maria ao
. sahir de Nazareth para emprehender a viajem.
A joven e formosa viajeira, montada na sua modesta ca-
valgadura, e rodeada de algumas boas mulheres que como
ella s e dirigiâm para as montanhas de Judéa, em que Za-
charias o Aaronita tinlia a sua vivenda, abandonou uma pa-
nhá a sua patria nativa.
A cidade d'Ain aclia-se situada n'um extremo da Judaa.
O caminho, aspero e montanhoso, expõe a cada passo a,
vida do viajante.
Susteritam alguns escriptores que a Virgem foz a viagem
s6, o que parece inverosimil aitendendo ao aspero e que-
LEITURAS POPULARZS 333
brado do caminho que tinha de atravessar, e a que na Sy-
ria, segiindo Volney e outros varios conhecedores dos coç-
tumes do Orienle, i~inguemviaja só, mas sim em bandos ou
caravanas, sendo preciso que muitos queiram ir ao mesmo
ponto; precauçáo necessaria n'um paiz aberlo aos arabes
como a Palestina.
Como, pois, teria consentido S. José, o varão prudente
e reflexivo, que sua casta esposa, a terna Virgem d e quinze
annos. houvesse emprehendiclo uma viagem de ciuco ou seis
jornadas n'um paiz sem outras pousadas que os grandes e
clesmantelados cobertos chamados ksrvanseray, onde os ca-
minhantes se refugiam durante a noite n'um monte, como
um rebanho de ovelhas?
N6s rodeamos a Maria de amigas 8 parentes durante a
viagem, porque isto é o mais vurosimil, attendendo ao ca-
racter da viajeira e aos costumes dos judeus.
A caravana, depois de atravessar as tribus de Iasacbar,
Manassés, Samaria e Renjamim, saudou as altas coroas do
templo de Siao e os galliardos minaretes da cidade sacer-
dotal que deixava á sua esquerda, e cliegou felizmenle Bs
cercanias de Ain, sem qiie os ferozes habitanles da via san-
grenta Ilie delivessem o passo.
Um dos parentes que faziam parte da comitiva da Vir-
gem, se adiantou para participar a Isabel a proxima che-
gada de Maria.
A que devia ser mãe do Baptista act~a\~a.se n'uma der-
ruida casa de campo, quando recebeu 180 fausta nova, c+
cheia d e goso correu para o carninlio com os braços eslen-
didos para ieceber n'elles a sua,joven prima.
A Virgem viu caminhar para ella a nobye velha com sem-
blante cheio de alegria e felicidade, e baixando para o chão
os olhos, Ilie disse com doçura:
-A pu,z seja conztigo
Isabel sentiu no seio um movimento estranho. A voz doce
e respeiiosa íle Maria levantara um ecco meloilioso no seu
coraçiio.
O seu semblante reanimou-se e o sangue começou-lhe a
ferver nas veias, como se a soa natureza houvesse retroce-
dido quarenta annos.
Eata snudaylo empregou-a Chr;ato muitas vezes durante an sua*
viagens, c hoje em dia 6 muito comnium nos povos do Oriente.
334: LEITURAS POPULAPES

Que mysterioso influxo, que santo filtro tinham introdu-


zido as palavras da Nazarenla, para que a lingua de Isabel
exclamasse d'esle modo:
-Semdita és1 tzc entre todas as mullteres, e bemdito é o
Frt~ctodo teu vetztre.
E depois, vendo que Maria, conservando a sua attitude
humilde, não despregava os labios, conlinuou:
-D1onde m e vem a felicidade d e que a Mãe do meu Se-
nhor venlia para mim? Porque logo que a tua voz chegou
aos meus ouvidos, rnau filho me saltou d e alegria nas en-
tranhas, e tu és ditosa por teres crido, porque o que se te
disse da parte do Senhor seri cumprido.
Isabel, a immortal esposa de Zacharias, tocada nos olhos
da alma pelo sopro myslerioso de Jehovi, linha visto atra-
$ 6 ~do ignorado porvir o tbrono de gloria que o Eterno re-
servava a sua prima.
Porem ouçamos as palavras da Virgem, o cantico poetico
e sublime do Novo Testamento, o mais inspirado, o mais
harmonioso das Sagradas Escripturas, d'esses livros que teem
sido e serão eternamente o inexgotavel manaricial da inspi-
ração christã. Maria respondeu d'este modo a Isabel:
< A minha alma glorifica ao Senhor, e o meu espirito se
transporta de goso em Deus meu salvador.
porque attendeu A humildade da sua serva, ao diante
serei c-hamada bemaventurada e m toda a serie dos seculos.
.«Porque fez em mim grandes cotisas Aquelle que 6 omni-
potente e cujo nome 13 santo.
r A sua rnisericordia se estsnde de edade em edade so-
bre os que o temem.
aManifostou a forca do seu braço, e dissipou os que se
encliiam de orgulho no meio do seu coração.
aDepoz os grandes do se:] throno, e exaltou os humildes.
aEncheu de bens os que estavam famintos, e empobre-
ceu os que eram ricos.
@Lembrou-seda sua rnisericordia, e protegeu Israel seu
servo.
aSegiindo a promessa feita a nosso pae Abraliam e 6 sna
descendencia para sempre. s
aA Virgem, diz o abbape Orsini, que com tUo poelicas e
delicadas cbros descreveu a Visitação d e Maria, permaneceu
Ares mezes no paiz dos hellieus, o passoli ,assa longa visita
a pequena distancia do paiz de Ain, no fundo d'um florido
e fertil valle, em que Zacharias tinha a sua casa d e campo'.
uAli foi onde a Pilha de David, Lambem prophetisa e tlo-
tada d'um geoio egual ao do illustre chefe da sua familia,
pude contemplar A vontade o ceo estrellado, os bosques so-
noros, e o vaslo mar que estendia no horisonte as suas on-
das agitadas, ou pacificas;sobre as resonantes praias da
Syria.
((0aspecto d'essa natureza tão completa nas suas partes,
tão hab~lmente harmonisada no seu todo, em que tudo e
maravilhoso, desde o tecido da flor e a aza do insecto, até
esses mundos errantes que brilham nas trevas da noite,
despertava a admiração profunda da Virgem para corn as
obras magnificas do Creador.
aQuão grande e, pensava a filha dos proplietas, quão
grande e aquelle que dil as slias ordens A esirella da mâ-
nh3 e que signala 3 aurora o ponto do ceo em que deve
apparecer; que manda ao trovão, e a quem o raio subinis-
so diz ao apresentar-se: aqui estou!. ..
quão grande é1 ... Mas a sua bondade é egual ao seu
poder.
aElle que pbz a cordura no coração d o homem, e deu
o instincto aos animaes.
aElle e quem provê ás necessidades incessanles da crea-
tura, quem dA calor debaixo da areia ao ovo do avestruz,
e vela sobre o belhemoth 2, quando dorme a sombra dos
salgueiros da torrente; queai prepara ao corvo o alimento,
quando os seus filhos vão errantes e famintos grasnando
pelas nuas rochas dos barrancos.
aEntão, a imitagáo do psalmista, a Santa Virgem convi-
dava toda a natureza a bemdizer com ella o Creador.
N'cste valle possuia duna caspa Zacharias : uma apenas d i ~ l t w a
d'outra um tiro de arco ; a entrevista eflectuou-se na primeira, que
eath mais ao occidente de Jerusalem e o nascimento do Baptista n a
segundrs.
2 Behemoth, unirnu1 de que so b l l a no livro de Job. Uns craom
quo E o hippopotarno, outroa o rhinoceronte; mne segundo O Talmird
dos judeus, 6 o touro primitivo, o qual consome cada dia a hervo de
dez rnoatanhas, que tornam H cobrir se de nova ve etagXo durante a.
noite para o aiirncntar. Bste t o ~ ~ m
no, dis do juizo foal, ser4 comido
pelori fiois n'um banquete preeidido pelo Messiae, que tiegundo ellota.
deve vir ainda salval-os.
336 LEITURAS P O P U L A R R S

aNas suas excursões atravez dos prados, se comprazia na


contemplar,ão das flôres que achava ria passagem.
aUm dia a Virgem pôz a ni3o n'uma flor inodora que os
arabes chamam a~themita,e immeditamente a flor adqiiiriu
uma fragrancia, um perfume 150 grato I , que ainda lioje
em dia é olhada com predilecção entre os filhos do Oriente
8 familia d'aqiiella pl;trila qiie tal virtude adquiriu sd com
o contacto da Nazarena.
((Por traz da elegante casa do pontifiçe hebreu, estendia-
se um d'esses jardins chiimados paraisos entre os persas,
e cuja disposição tinham tomado os caplivos d'lsraei do po-
vo de Cyro e Semiramis.
acampeavain n'elle as mais bellas arvores da l'alestiria,
amenisarido os seus atlractivos o doce perfume das laran-
geiras e os arroios do crystnlina agua que serpenteavam
sob os pendentes ramos dos srilguciros.
~A11ifoi que os terrios cuidados de Maria fizeram esque-
cer a Isabel os seus receias sobre um successo, cuja espe-
ranr,a a enchia de gozo, mas que a sua avançada eclade po-
dia tornar funesto para ella.
aQuáo religiosa e grave devia ser a conversação d'aquel.
Ias duas santas mul t~eres!...
.Uma, joven e simples e ignorante do mal como Eva ao
sahir das rnáos do Creador.
aA oiilra, carregada de annos e enriquecida com uma
longa experiencia, proftindamente piedosa.
<Uma tendo no seio, por longo tempo esteril, um Cilbo
que devia ser prophsta. e m a i s qzce propheta, e a outra a
semente bemdita do Altissimo, o cliefe libertador d'1srael.n
Nas formosas noites de veráo, quando o pallido fulgor tln
lua allumiava a floresta, collocaoa-se debaixo d'orna copada
figueira ou dos verdes pampnrios d'lirna grande pereira 2 ,
a comida da opulenta familia do modo Zdcbarias, composta
c10 anho alimentado com a herva da montarlha, tlo peixe do
Sidonia, do favo de mel siltlestre estratlido da concavidade
1 TradiçUo persi.
Os hebreus gostam muito de comer dobnixo das ramadas,já,polo
calor excessivo n'aquellea climas, j& pelo :iutigo costume de seus
avôs, que por espnço de tantos itnnos vivorum debaixo das suas teli-
das durante as suas longas peregrinaçoes. - (Pleury. Coeturnes dos
irraelitns )
LEITURAS POPULARES 337
da velha enzinba, das saborosas tamaras de Jericlió que fi-
guravam eritáo até na meza do Cesar, dos damascos da Ar-
menia, dos alfostigos d'Alepo e dos pecegos do Egypto.
O vinho (Ias collinas d'Engaddi, que o mordomo do prin-
cipe dos sacerdotes guardava em cubas de pedra, circulava
em ricos vasos qiie enchiam os criados com alegres rostos.
Maria, frugal assim no seio da abnndaricia como no da
mediania, contentava-se com algumas fruclas, u m pouco de
pão e um copo d'agua da fonte de NapAloa I .
Assim decorreram trez mezes, durante os quaes Maria
foi para a velha Isabel uma filha terna e sollicita.
Zacliarias, entretanto, mudo e siirdo pela sua duvida an-
te o enviado de Jeliovi, esperava com santa resignação que
a bon,lacle do ceo descesse sobre elle devolvendo-lhe o s
preciosos dons que lhe tirara.
Chegou por fim tão desejado dia, e Isabel dei] luz u m
menino.
Grande foi o assombro e a ailmiração dos pacificas habi-
tantes de Ain ao verem aquella velha, que inundaùdo, o
rosto d e lagrimas de gozo, Il~esmostrava o tenro filho com
que Deas a fayorecera.
Os parentes reuniram-se e tractou-se do nome que ao fi-
lho do sacerdote devia pôr-se.
Todos optaram pelo de Zacharias, que era o de seu paa;
mas Isabel, opporido-se, respondeu aos seus parentes c o m
firme voz:
-Do aaoclo ulgum: Joüo ser6 chamado 2.
Então o velho sacerdote, a quem por signaes pergunta-
vam os parentes que nome devia pôr-se definilivamente a
seu filho, pediu uma taboinha encerada e um ponteiro, e
escreveu estas palavras com segura máo:
-,João c' o sou nome 3.
Os circumstantes olharam uns para os outros com es-
panto. Lasharias era surdo.mudo. Como, pois, escrevia o
mesmo nome que sua miillier acabava de pronunciar e que.
elle não tinha podido ouvir I
Mas a expiacão da culpa tinha terminado, e Deus com o
i A aus. abstineneia n2o era um jejum, ora antes um costume. (O
padre Valverde.)
2 Evangelho de S. Lucns,
3 Idem.
338 LEITURAS POPULARES

seu infinito poder devolvia ao sacerdote liebreu as preciosas


faculdades de que o privara por espaço de nove mezes. Za-
charias falava e ouvia como antes da revelação do Anjo, e
o povo com assombro commentava este milagre.
Por fim chegou a hora de que a santa Virgem abando-
nasso a casa dos seus parentes, e depois de abraçar e aben-
çoar o recem-nascido, regressou a Nazarelh acompanhada
por alguns creados de Zacbarias.
O nascimento do Baptista foi esplendido como o do filho
d e um principe liebreu. Os habitantes d'Ain regosijaram-se
com as festas que o sacerdote fez em celebração de táo fausto
acontecimento.
Mais tarde os judeus, tendo em conta que João era filho
de um sacerdote rico e Jesus d e um pobre carpinteiro, ti-
veram em mais o primeiro que o segundo,, pois o Filho d e
Deus não foi para elles mais que uni homem commum.
A preponderancia do Baptista foi grande. João passira a
vida no dt;serto. Jesus viveu obscuro em Nazarelh, ali! tres
annos antes da sua gloriosa morte.
Os musulrnanos, segundo diz D. Herbelot na sua Biblio-
thsca Oriental, conservaram lima grande id6a de S. João
Baptista, a quem elles chamam Jaliia-ven.Zacliaria (João 6-
lho de Zacharias).
Saadi rio seu Gulislan faz tambem menção do sepulchro
do Bapiista, venerado no templo de Damasco : n'eliefaziarn
as suas orações, e refere as d'um rei arabe que fui ali em
peregrinaçáo.
O califa Abdad-Malelí quiz comprar esta egreja aos chris-
tãos; mas tendo recusado estes a quantia de qaatro mil di-
nars (dobras de ouro) que Ihes offerecera, armou a sua
gente e se apoderou a viva força do templo que desejava
adquirir com o seu ouro.
Mais adiante, nos tornaremos a occupar da S. João Ba-
ptista. Agora voltemos a Nazarelh, onde rios esperam outros
acontecimentos.
(Continlia.)

OS ALPES NA PRIMAVERA
... Os Alpes da Saboya envolvemse d'alvas nuvens, que
por momentos se dissipam para deixar vCr o magostoso
LEITURAS POPULABES 333
amphitheatro: a sua imponente immobilidade forma um con-
traste sublime com o turbilhão das nuvens e com o movi-
mento das aguas, que dá a todo o lago' o aspecto de um
immenso rio com uma corrente impetuosa.
E assim que a fiel natureza nos annuncia os seus bene-
ficio~.Antes de derramar sobre os campos as chiivas d a
primavera, envia os seus mensageiroslevar ao mundo a no-
ticia, e o murido sorri d'esperança e ù'alegria. Felizes ou
desgragados os Iioniens adoram e abençoam a s ~ b e r a n amão
que obra estes eternos milagres ; e conhecendo uma vez
mais q i ~ eella não os abandona, voltam com confiarir,a para
os trabalhos que dispõem a terra para receber no seu seio
as influencias ~ l e s t e s .E qual seri aquelle d'entre tibs que
não se entregue com affan aos seus misteres, quando ve-
mos, quando observamos que Deus traballia comriosco e
para nbs?
Com razão dizem os poetas clne a natureza i o templo
do Eterno, e nbs todos que, segiindo as nossas forças, tra-
balliamos com sentimentos de respeito e de amor, n'este
magnifico sanctuario, somos os sacerdoles e os sacrificado-
res.
Mas comprehenderão os liomcns a grandeza e a santida-
d e da sua missão e compenetrar-se-hão d'esta sublime ver-
dade? O especlaculo da nalureza que nol-a devia revelar,
exerce sobre todas as alinas a sua divina influencia? pa-
ra lastimar, mas 6 preciso confessar que uma grande par-
te dos viventes atravessam' a vida sem verem o logar d a
scena. Encerrados dentro dos muros das cidades, mettidos
em occultos rotiros, nunca veein o c60 nem a terra o o s
seus pensamentos se limitam como o seu horisonte. São
para lamentar estes infelizes reclusos ; é preciso desejar-
lhes, de tempos a tempos, alguns dias bons, ou ao menos
algumas horas ao ar livre, oride ellas pousam contemplar
as maravilhas da creaçáo e alegrar-se com o espectaculo da
sua belleza. Elles voltariam talvez com saiidade para as suas
tristes habitações, mas levariam comsigo lembranças conso-
ladoras. Voltarão para os seus obscuros trabalhos, com p
sereno pensamenbo de que a Proviclencia, que para com ei-
les tem sido tão benefica, que tanto poder e gloria lhes
tem dado nos seus risonhos campos, não se esquece d'el-
les na sombra em que se passa a.sua vida; cercados das
3m LEITURAS POPULARES

obras dos homens, terão sempro presente na memoria sin


obras d e Deus; o pão que comerem Ilies fari lembrar as
louras colheitas. Aquelle que as fez germinar, crescer e
amadurecer.
Rias VOS, homens felizes, a quem a vossa commodidade
e vo>so modo de vida permittem quando vos apraz de con-
templar o bello universo: naveganles que percorreis as mais
loogiquas plagas ; astronomos que com os vossos instru-
mentos inquiris as protundezas dos ceos; viajantes de todas
as especies que perante vbs védes desenrolarem-se mil
quadros diversos; ~ 6 todos
s em fim, que, sem mudardes
de logar, podeis no vosso feliz ocio, oii mesmo entre as
vossas lides, levantar os olhos para os espaços celestes, e
percorrer com a vista este vasto horisonte, estaes, ainda
uma vez vol-o perguntamos, estaes bem compenetrados do
milagre evidente, perpetuo, sempre o mesmo e sempre no-
vo, que a invisivel mão do Creador patenteia á vossa vis-
.
ta?..
Ah! se nbs tivessemos ollios para vêr, e ouvidos para
ouvir, de que differente modo seriam dispostos os nossos
corações! Como saberiamos amar aquelle que se revela por
tantos beneficiosl Que outro poder seria capaz senão o
seu de nos enternecer, lembrando-nos que temos por n6s
aquelle que vê e que tudo pode? Quanto seriamos indigen-
tes e miseraveis, se indifferenles e frios olliassemos para
os immensos thesouros que a natureza derrama do seu seio
mesmo para com os maispequenos e os mais debeis seres,
mas que tambem recebem a sua parte?

DEUS

Tu que reges, Senhor, altos destinos,


Que do cabos a terra alevantaste,
E deste brilho aos astros matutinos,
Que com um sopro teu o mar creaste,
Agregado de dotes peregrinos.
O homem, como Tu; tambem formaste
LEITURAS POPULARES

E bondoso, Senbor, %lhefacultaste


O ser eternamente venturoso,
Entre mil bens um pomo lhe vedaste;
Mas elle, sendo ingrato e cubicoso,
Esqiiecido dos bens que lhe oultiorgaste,
Quebrantou o preceilo, desdenlioso.
Assim tornado filho do peccado,
O homem por soberbp desditoso,
Foi ás eternas penas condemnado;
Mas tu, Senbor, clemente e piedoso.
Quizeste, em creatura transformado,
Salval-o do inferno tormentoso.
Em pura e casta virgem, Tu gerado,
Vindo d7Eterno Pae, d'Eterna luz,
Por mysterio d'amor tão sublimado,
Nasceste para morrer, Christo Jesus!
E do Sinai o rito consagrado,
Finda co'a nova lei, que hasteia a Cruz.
Para remir-nos humano ser tomaste:
Do tbrono eterno, d'essa irnmensa gloria.
Da celeste mansão, Senhor, baixaste:
E teu sangue asselando, por rnemoria,
A morte, com que a vida libertaste
Aos teus de tal martyrio na victoria.
Em gloria plena, ein toda a redondeza,
Nos elevados cóos entre fulgores,
Bem dita sejas, immortal Grarideza,
Que encheste o cbo e terra de favores;
Qlorifique o teu nome e natureza;
Cante o celesle coro os teus louvores.

A ESCADA DE ,OURO
A caridade e uma escada de ouro; e esta escada t e m
oito degraus.
442 LEITlJRAS POPULARES

O degrau inferior i: dar; dar com a'mão, e não com


o coração. O pobre aceita, porque precisa; mas diz: A i !
que mAu rico I E Deus, não tem recopensa para tal es-
mola.
O segundo degrau é dar com boa vontade, mas não se-
gundo as suas posses. Benificencia que calcula, não 6 ca-
ridade.
O terceiro degrau 6 dai. conforme os seus meios, mas
depois de ter sido sollic~ita~lo.hluitas vezes nos engana-
mos ; porque muitas vezes aquelle quep6de não tem pre-
cisão.
O quarto degrtiu 15 ir ao encontro do infeliz ; mas dan-
do-lhe na mão, excita.lhe a vergonha.
O quinto degrtiii e dar sem ser visto : os nossos av6s
depo~itavnmmuitas vezes uma esmola em u m logar, aon-
d e os pobres a iam buscar sem serem vistos.
O sexto degrdu é dar sem nos darmos a conhecer.
O setimo degrau é dar tudo sem que --o que d i e o
que recebe se conlieçam; é o que se fazia no santo templo
de Jerusalem, com os depositas na sala do mysterio. Tra-
zia-se em segredo e em segredo eram sustentadas familias
pobres e resp oitaveis.
O oitavo degriu 6 dar para tirar da miseria ou para im-
pedir quc se caia n'ella. Por isso esta escripto: aSe o teu
ãrmão sc desvia, se a sua mão enfraquece, ajuda-o, faze
com que elle não caia; estrangeiro ou indigena, faze com
que elle viva ao 130 dc ti, sustenta-o honradamente.)) Este
6 o degrdu mais alto da escada de ouro da caridade, e pa-
ra qncm Dcus reserva todas as suas bençãos.

PROPHECIA

Algiins jornaes publicaram uma prophecia a qual diz aque


a resolução franceza ainda não acabou; qu0 a primeira parte
foi preparada por Napoleão 111, a segunda por Thiers, pelos
academicas e jornalistas, mas que por fim trará. o triumpho
da Egreja.~ Accrescenta a Unitú Catholica que aesta se-
gunda i'avoliiiçiio tcrd em Italia um ecco terrivei. Pobres ci-
dades de Jtalial Pobre Rornal As agilas da revolução cobri-
rão a terra por espaço de cento e cincoenla dias : debaixo
d e todo o ceo, todas as montanhas serão por ellas cobertas,
Mas o Senhor lembrar-se-i~ade Noíi; e no vigesimo dia do
selimo mez a arca descançará sobre as sete collinas de Ro-
ma. Então Deus dirl a Nok: Eis cliegado o momenlo, sae
da arca. E o patriarcha saira com todos os seus fillios, e
levirularão iim altar ao Senhor omnipotente e misericordioso
pelos seculos dos seculos. »

Teve este mez, no anno de 4872, cinco quintas feiras.


Deve-se pois entender que o mesmo facto s e deu, lia vinte
annos. Ha exactamente vinte e oito annos, isto e um cyclo
solar, qtie elle náo se apresenloil. Duranle este periodo,
cada um dia da semana tem figurado cinco vezes arn feve-
reiro nos annos bissextos.
O seculo actual contbm vinte e quatro d'estes annos; po-
demos dividil-ùs em sete classes: fevereiro teve cinco do-
mingos em 1824, e ,4852, e ha de ter egiial numero do
domingos em 1880; cinco segundas fiiras em 41808, 184.6,
4864, 1892; cirico terças feiras em 1890, 1848, 1876; cin-
co quartas feiras 1804, 1832, 1860, 1888; cinco quintas
feiras em 1816, ,1844, 1872; cinco sextas feiras em 1838,
1866, 1888; cinco sabbados em 1812, 384.0, 1868, 1896.

O NOSSO HEROE

(Continuado de pag. 30G)


Um inslanle depois, assistia a esta scena, sem que n'ella
tomasse parte, um novo personagem. Era um padre d e es-
tatura elevada e de meia edade, com maneiras mui distin-
ctas, deixando ver em seu semblante certa expressáo 11%
doçura e bondade, qtie não excluira a perspicacia e finura
de que elle era dotado. Chamava-se Joáo de Age e acumu-
lava as funcções de preceptor dos meninos d e Sales com
344 LEITURAS POPULARES

as de capellão da casa. Ainda ninguem tinha dado pela sua


egtrada na sala.
-Vamos lA ver isso, disse Luiz de Breus a Francisco,
mostra-nos a tua sciencia, quer!do primo.
-Prompto, meli Luiz ; descobri que n6s descendemos,
em linha recta do muito alto e rnuito poderoso senhor Adam,
principe de Eden, o maior sabio, o primeiro homem do
seu tempo, que viveu 4:004, annos antes de Nosso Senhor
Jesu-Christo.
Esla picanle respgsla provocou novas gargalliadas com
algumas exclamações de despeito i mistura. C'sle sosurro
durou cinco miniitos, e depois a senhora d e Sales fez um
signal para se restabelecer o silencio e tomou a palavra.
-Meus meninos, disse ella, acabaes de me dar muito
prazer, mostrando-me que tendes aproveitado as excellen-
tes lições, que de vossos mestres recebeis, ao passo ~ U G
daes provas d e que sabeis tirar partido dos conhecimentos
que tendes adquirido. Poucos da vossa edade, meus bons
amigos, haveríi que se divertissem, por espaço d'uma hora,
discorrendo a proposito d'um brazão. Apesar de que con-
sidero com9 futil uma tal sciencia, muito estimo, comtudo
ver-vos n'ella .tão adiantados. Com a differença porem d e
que não gosto de vos ver inspirados de orgulho, como
acontece quando procuraes descobrir a verdade. Ttiiollaz B
v69, Couzie, em breve completareis os vossos dezeseis an-
LIOS e logo depois começareis a exercitar a dura profissão
das armas. Estudae pois com ardor. Tende amor pelo tra-
balho, como outros o teem pela preguiça, e tende princi-
palmente sempre em vista e por unico Rm o gloria de Deus
e da nossa santa religiáo. E meio dia; são horas d e estudo.
Ide trabalhar.
O rancho folgasao escutou com respeito estas palavras
assim despretenciosas, nas quaes o elogio s e mostrava ha-
bilmente misturado com a critica. 0 s rapazinhos quasi que
assim o entenderam e se retiraram contenles e dispostos a
tirarem todo o proveito das lições que iam receber do pa-
d r e João de Age.
Este os acompanhou até íi bibliottieca, marcou o traba-
lho a cada um e tornou logo para junto da condessa, que
tinha mandado ficar comsigo o seu filho mais velho. Ella
estava palliila. Francisco parecia estar commovido. Por certo
que alguma cousa se tinha passado, porque, vendo appare-
cer o padre, o estudantinho desappareceu subitamenle, dei-
xando sua mãe em presença de seu mestre.
-Entio que temos, minha senhora? perguntou o capel-
130.
A castelli, sein occultar o seu pesar, respondeu :
-Sabeis, meu reverendo padre, que o nosso Francisqui-
nlio tem ?prendido nos collegios da Rocbe e d'Annecy tudo
o que ahi podia aprender, e que Nonsenhor tenciona man-
dal-o para Paris?
-Sim, minha senhora.
-Pois bem1 antes de partir quer Francisco p6r em pra-
tica uma louca idka, que Ilie fervilha na cabeça. Não igno-
raes que niessire Gallois de Regard, bispo de nagnorea, s e
acha presentemente no castello de Clermont. Na ausencial
de Monsenbor Giustiniani, bispo de Genebra, deve ordenar
alguns padres?
-Sei muito bem, minha senhora.
-Francisco quer antes de partir, receber, tonsura das
mãos d'esle prelado. Jh tem falado varias vezes com Mon-
senlior que não quer absolutamente auctorisal-o a isso, por
que tem suas vistas sobre elle. Pela rnintia parte, eu he-
...
sito ... isto seria para rnim um grande sacrificio Destina-
mos João Francisco para a Egreja, mas é novo, e não faze-
mos mais do que seguir o costume. Quero o vosso coilse-
lho.
No semblante do padre transluziu um reflexo de amor e
d e esperança.
-Minha senhora, disse elle, os designios da Pr-ovidericia
são insondaveis! O vosso TiItio tem onze aiinos; e j6 um ho-
rnem pela intelligencia e pelo caracter, deixae-o obrar a seu
..
gosto.'Orae, supplicae, senhora. Quem sabe? talvez ...Náo
é senão uma preparação ... Isso não prende ninguem Por ...
que não haveis pois de permi~tir.lh'o?
CAPITULO IU:
Em que se pretende escrever algumas paginas de historia
a fim de misturar, segundo o preceito, o util ao agra-
davel.
J i os nossos leitores o terão cornpreliendido: a nossa in-
346 LEITURALI POPULARES

tenção 6 traçar algumas feições da vida do seu e nosso


grande santo, do padroeiro da Saboia. Não será por tanta
inutil dizormos aqui algumas palavras a respeito da casa de
que elle saiu e que hoje se acha completamente extincta.
A discussão heralrlica a que acabamos de assistir nos faz
perceber quaes eram as preterições d'esta illustre familia,
pretenções que Carlos Auguslo de Sales devia desenvolver,
um quarto de seculo depois, no seu Pourpris historiyzte. E
certo que a casa de Sales era uma das casas mais ricas do
Genovois. O primeiro d'esta familia que appareceu na bis-
toria e Gerardo, vidrima da Roche, oficial do rei de Bor-
gonha, Rodolpho 111. Depois apparece Girin, religioso de
Talloires ; Aimon, rigario d'Ardutiiis de Vaucigny, bispo d o
Genebra, em $11511 ; Guilherme, prior dos Templarios de
Chambery, em 121 1; João de Sales, escudeiro de Luiz XI,
e finalmente Joao I11 de Sales, escudeiro e camarista d e
Luiza de Saboia, duqiieza d1Angouleme, mãe do rei Fr'an-
cisco I. Este ultimo JoSo teve dois fillios do seu casamento
com uma filha da casa de Milonthoin, um senhor de Breus,
pae do nosso Luizinho e de Gaspard, do qi~aldescende a
primeiro ramo de Salcs, estiricla em 1860. O outro estava
destinado a tornar-se grande pela sua posteridade. Chama-
va-se Francisco e tinlia o titulo de senlior de Nouvelles ;
chamavam-lhe conlmumente o conde do Sales.
Em 4560, o senlior de Nouvelles, que tinha enlão trinta
e oito annos, casou com uma menina que não tinha mais
de qualorze. Era Francisca de Sionnaz. Pertencia a uma
grande familia : seu pae D. Melchior, senhor de Vallieres,
de Thuile o de 130isy, tinha combatido em França e na Ita-
lia, As ordens de Francisco I, em Allemanlia, 6s ordens d e
I I e n r i ~ u e11. Sua mãe era da casa Villete-Clieuron, d'essa
familia illustre que deu 6 Egreja um papa, Nicolau 11, miri-
tos bispos a Aoste, tres arcebispos a Tarentaise. Francisca
de Sionnaz náo tinha senáo um irmão, o qual, depois d e
ter combatido em Lepanto, no sitio da Rochella, em Cha-
telairie, niorreu no campo da batalha. Era por tanto unica
herdeira da sua casa, e o sire de Nouvelles tomou d'ali e m
diante o titulo de senhor de Uoisy.
Era um valente homem d'armas, um fino diplomata mes-
sire Francisco de Sales, senhor d e Nouvelles a de Boisy.
Oficial no exercito do rei de França, assistiu aos cercos de
LEITUPAS POPULARES 347
Landrecies e de Saint-Didier, oade praticou prodigios d e
valor. Em 4589, leve sua parte no tratado d e Cateau-Cam-
brésis e parlamentou lão bahilmente com o imperador Car-
10s V e o rei FIenrique 11, que a França teve que entregar
a o duque Cabeça de Ferro os Eslados de Saboia, de que
ella sa linha apossado. Mais adiante teremos occasião d e
explicar este ponto da histeria. Presumindo que depois d e
t e r servido tão bem o seu paiz lhe assistia o direito de to-
m a r alguur descanço, o conde de Sales regressou 5s suas
terras e casou. O seu unico desejo erilao era ter um filho.
A senhora de Sales tinha todas as virtades d'uma mulher
forte, d'uma rniilher cliristã. ~ealisou-seo lypo da multier
d a Biblia: Domi nzaizsit, lanam focit. Dividia o seu tempo
entre o trabalho, a oração e a esmola; piedosa, niodesia e
affavel, formava com o seu nobre esposo, piedoso e caritn-
tivo, como ella, um d'esses pares dilosos, sobre os quaes
Deus esparge as suas mais abu~idanlesbençãos.
Só ao cabo de sele annos 6 que Deus salisfez aos seus
desejos.
Entre tanto que a senhora cle Sales esperava esle her-
deiro do seu nome, que, um dia, bavia de illustrar a sua
familia, o seu paiz e a Egreja, deu-se um acor~tecirnetitono-
tavel.
A duqueza de Nemours foi visitar Annecy.
Pertencia por seu marido h cAsa de Saboia. O primeiro
duque de Nemours era FiIippe-saris-Terre, que representou
um papel tio notavel no tempo de Luix XlV, na occasi8o
das grandes luctas politicas entre a Saboia, a Borgonha e
a França. N30 sendo ainda mais do que baráo do Beacifort
pelejara como valente na batalha d'Agnade1. Seu sobi*inl~o
Francisco I Ibe deu, com o ducado de Nerriours a mão d e
s u a prima, Carlota de Orleans, filha do duqiie d o Loriguc-
ville. D'este casamenlo leve um filho e uma Rllia. Esta ca-
sou com o duque d e Mercceur, da casa de Lorena.
O filho foi esse Jacques de Saboia, duque de Nernours e
de Genevois, governador d e Lyoarinais e Dauptiinb, general
da cavalleria de França, que, aos quinze annos commandava
durentas lancas ; que defendeu Metz contra Carlos V ; im-
pediu que o s protestantes' levassem Carlos IX, e de
quem o senhor de Branlorna dizia : ((Era urn principe mui
abello, valente, lratavel, bemdizente, bom escriptor tanto
348 LEITURAS POPULARES

aem prosa como em verso. Era dotado de grande intelli-


agencia e genio. Os seus pareceres eram os melhores d o
aconselho. Era famosamente adextrado em toda a sorte d e
aexercicios, era perfeito em tudo, e por tal arte que quem
anão viu Saboia-Nemours, nos alegres annos da sua juven-
alude, nada viu, e quem o viu, p0de afoukmente, em toda
t a parte, nomeal-o-a Flor da cnva1leria.u Este inclito se-
nhor esposou, em I l i G G , Anna d'Este, condessa de Gissors,
filha do duque de Ferrara e de Renee de França e viuva
do graa-duque Francisco de Guise, que Poltrot de Mkrb ti-
nha assassinado em frente de Orleans.
(Coutinúa. )

CANTIGAS

A rosa para ser ro$a


deve ser (1' Alesandria ;
a dama para ser clama
deve chamar-se Maria.
dos nomes que mais gosto,
b do nome de Maria ;
quem te poz tão lindo nome,
o meu segredo sabia.
Eu adoro a Deus do ceo,
os santos em seu altar,
pae e mãe cá na terra,
nada mais tenlio que adorar.
O mar pediu a Deus peixes,
os peixes a Deus altura ;
o homem a liberdade,
a mulher a formosura.
D'aqui para a minha terra
b tudo caminho chão;
tudo são cravos e rosas
postos pela minha mão.
Rosa branca toma côr,
não sejas tio descorada,
qiie dizem as outras rosas,
rosa branca n5o vale nada.
O meu ;mos 6 um cravo,
sb eu o soube escolher;
para o craveiro dar outro
lia de toruar a nascer.
O cravo tcm vinte folhas,
a rosa tem vinte e uma;
o cravo anda em demanda
por a rosa ter mais uma.
Fui ao jardim das flores,
acliei o jnrdirn fecliado ;
ate as flores se fecliam
ao mesquinho desgraçodo.
Ai-la.ri-10-16
bem te vi estar
d borda do rio
a ensiboar.

CARNE DE UMA REZ

Quer saber-so c~ualo paso de carne sem OSSO, use-se rim


methodo inglez, qiie consiste em :
1 . O Medir a circumferencia do pescoço do animal na sua
p a r t e mais grossa, mesmo quasi sobre o peilo e espad:r;i;
9.' Miiltiplicar e numero de ceritimetros obtido n'essa
medição, por esse mesmo numero;
3.O Multiplicar o producto obtido pelo numero d e centi-
m e t r o s que der outra mediçlo feita sobre o comprimtlnto
do animal desde a extremidade da 'espadua ate li linlia que
c a e perpendicular das nadegas;
350 LEITURAS POPULAILBB

4 . O Tomar a segunda parte do producto d'esta ultima


multiplicação;
5.O Dividir este quociente por 35,937;
6 . O Multiplicar o quo~iente,que se obliver, por 21.
O producto d'esta mulliplicação indica o numero de ki-
logrammas que o animal tem d e carne.

ANECDOTB
N'um livro recentemente publicado em Inglaterre se114 o
seguinte caso, acontecido com a sr." Rothschild, mãe do
grande capitalistii d'este nome. A boa velha senliora, achan-
do-se perigosamente enferma dizia ao seu medico:.
-Faça, meu bom doutor, alguma cousa, algum esforço
por mim.
--Mas é que, minlia senhora, eu não posso fazel-a mais
moça.
-Nem eu lhe peço tal, doutor; dar-me-hei por mui sa-
tisfeita, se me fizer mais velha; e tanto mais satisfeita quanto
mais velha conseguir que eu seja.

O HIlUAFRE, O TORW E O CAÇADOR

Quaes settas ligeiras cortavam os ares um milhafre e um


tordo; esle fugindo e aquelle persegliindo ; e, no seli voar
desatinado, foram cair na recle d'um caçador. Esta, dizen-
do-lhe o milhafre que o deisasse, que nenhum mal lhe fize-
ra, respondeu-lhe:
-E o tordo que mal te faz?

COIEDIAS

Assim poaderava um discreto o tempo, que roubam'as


comedias, e por isso lhe chamava corne dias.
LEITURA3 POPULAREB

Ad~er.terzcia.- A paginas 225 (n.O 8 tl'este 1.' volume


d o % O decennio, onde se lê-+j'4,500-deve ler-se-7#500:
erro pelo qual s ó demos depois de adverlidos.
Incliiinilo as parcellas aqui mencionadas, monla a réis
2:"?5&370.
De James CharlesFrencli Duff e famiiia, 4&00 rt.-Fre-
guezia de Santa Maria de Lagos, 240-Uma devota de Lou-
16, 28'100- Fregoezia da Conceição de Faro, 48000-Fre-
guezia dYAlte. 3dG35 - Freguezia de I'adernrj, 313d006-
Freeguezia d'Esloy @ . V e z por outra via), Id420-de Lou-
16 5.$040-Reverendo Prior cle Marmeleite, S&iOO.-S. 300
-Anonymo 400-M. Jesus 1100.

AOS NQSSOS ASSIGHANTES


Com esta folha raniatnmos o 4.O volume do 2 . O decen-
nio; e, n'esia occasiáo, n8o podenios deixar d e agradecer a
todos os nossos correspondentes, u assignantes, que com-
prehendendo o nosso fim e o alcance d'esta "pblicaçáover-
dadeiramente popular, vieram a tempo e a horas ajudar-
nos a par o remate n'este undecimo marco, que ahi deixa-
mos erguido; pedimos aos que ainda não fizeram outro tan-
to, se apressern a fazel-o, para rios aliviarem do sacrificio
que fizemos para conclilir o livro, náo ~ b s t a n t enão termos
recebido o dinheiro sufficienle para a sua publicar,ão: este
6 sempre o principal motivo de todas as faltas de regulari-
dade ria publicaçilo. Pedimos aos leitores que introduzani o
jornalsinho por todas as casas.
O nosso desejo intimo era que a publicação saisse regu-
Iarissima e A vontade de todos, o que é impossivel. Podem
porkrn todos accreditar que as nossas intenções são puras e
rectas na intenç8o de moralisar e instruir recreiando. On-
ze livros 0 onze annos completos no 1.O de maio de 1812
são outros tanlos dociimentos da verdade do que deixamos
dito.
1 .* VOL. I)@2 . 0 I)E;GENNPQ. 1SY1m3912e
354 LEITURAS POPULARES

Tudo parece reunir-se para consagrar 6 nossa boa Mãe o


mais be,llo rnez do anno, este mez que embelleza as flores
dos nossos campos e embalsama os nossos jardins, este
rnez em que a natureza parece sair do tumulo e resuscitar.
Porém a origem d'este concurso universal, o interprete d'es-
te quadro vivo da creaçzo ern que se harmonisam todas as
cbres, como para symbolisar as virtudes de Maria, e o cliris-
tão, é o filho do Maria.
Como poderiam as almas devotas ser indifferentes a uma
devoção tão cheia de encantos? Era preciso suppôr; que to-
dos os sentimentos tinham dosapparecido do coração do ho-
mem, e quo o amor de tildo o que é puro e santo tintia
deixado de existir sobre a face da terra. O mez de Maria
tão i~eilono seu objecto, tão attrahente nos seus exerci-
cicios1...
O seu objecto, ninguern o ignora, n9o consiste em re-
cordar urna virtude, ou um favor especial da Santissimg
Virgem, nem algum myslerio da sua existencia; nias abrau-
ge a hj'ie de Deus em todo o seu ser, em toda a sua vida.
Que poderoso attractivo para os corações puros! Uma Vir-
gem! uma Mãe! O que l ~ amais terno, O qne ha mais forte
entre as creaturas de Deus? A graça com todas as suas de-
licadezas, unida ao amor com todos os seus carinhos. Que
coraçlo, ainda que muilo endurecido, não acharia um resto
de sensibilidade, de calor ;i vista d'este synibolo de ternu-
ra e de pureza? U n a Virgem! uma Mãe! As almas ternas e
caslas param na presença d'este delicioso quadro e estre-
mecem de alegria; os curações envelhecidos jA pelo pecca-
do surprehendiclos, suspiram recordando-se dos seus san-
tos affectos jd passados; lodos ainda teem esperança, pois
tão poderosa influencia se encontra em todas as devoções
que dizem respeito ;i Satilissirna Virgem, niesmo quando s e
consideram despojadas d e qualquer demonstração exte-
rior l
Mas juntae a isto tudo o qire a natureza e a arts podem
produzir de mais bello, de mais arnavel: os encantos da no-
va estação, o perfumetias flores, o brilho das luzes, as d ~ -
votas loitiiras recitadas na tribuna . christã, o cantico dos
LEITURAS POPULAIiEEN 356
canticos, as lindas e variadas decoracões, e eritão conhece-
reis o victorioso encanto que se liga aos exercicios do M e z
de Maria.
Ordinariamente e de tarde que elles compçarn, na occa-
sião em que os ullimos ruídos ila terra ,caem e deixam de
s e ouvir com os ultimas raios do dia. Jã tem cessada os
trabalbus, e todas aquellas almas que tiverem devoção e
boa vonlade podem assistir a estes exercicios. Quem duvi-
da quarito esta hora mysteriosa do crepusciilo e favorave1
para o nlcolhimento e para as effusões d'amor para com a
Sanlissima Virgem? As grandes solemnidades liturgicas ce-
lebram-se de dia ao vivo clarão do sol; as horas da larde
accommodarn-se melhor ao i1.1~~ de ~Iia~.ia,
devoção terna e
singella, como aquella que e o motivo d'ella. O povo ctiega,
ajoelha perante a sagrada imagem qiie est8 collocada no al-
tar, mas que parece crieia occultapelos ornalos; pelas flores,
com que parece qne A porfia n quizeram embellezar. D'ahi
a poi~co,ouve-se algum hyrnno liturgico em louvor d e hJ:i-
ria; depois vozes infanlis fazem soar louvores ;i sua Bainha,
a sua hlãe, ao seu niodelo. Cessam os cariticos, tudo e si-
lencio. Um minislro de Deus apparece e, na tribuna sagra-
da; ellu n#o prega sobre as grandes e terriveis verdades
da. salvaçáo; nh faz resoar otrovão da divina palavra con-
tra'bos peccadores; deixa ordinariamente escapar do seu co-
raç5o simplesmente o sem arte, sentimentos do mais tprno
amor para com a Sanlissima Virgem; relata as principaes
circumstancias da sua vida: o seu milagroso nascimento, a
s u a entrada no tempio, a visita do anjo Gafiiriel, as ale-
grias e as dores da maternidade no presepio de Bethlem,
a fugida para o Egypto, as virtudes occultas em Nazaretk,
as dores n o Calvario e o triumpho no ceo. O povo com-
movido escula-o e ora.
Depois oiivem-se canticos graves e solemnes ; o hymno
d o Sautissirno Sacramenlo annuncia que Jesu-Christo saia
d o seu tahernaculo e que vae abençoar com affectos as ai-
mas devotas que vieram render cultos a sua Mãe. Os cao-
ticos continqam ainda por algum tempo, e o povo reti-
ra-se.
Passou-se uma hora n'estes devotos e ternos exercicios,
uma hora do ceo na #terra. Oh! quanto são pallidas as tar-
des do murido, mesmo as mais brilliantes comparadas com
356 LEITURAS POPULARES

as tardes do Plez de Maria! Umas deixam apoz si o can-


çaço c, algiimas vezes o reriiorso, emquanto que a lem-
brança rlas outras niinca deixa pcsar algum.
Talvez que alguem pense, depois do que acabamos de es-
cretler, que a devoção do Mez de dluria C toda sentimen-
tal, e que basla para bein a praticar, enliegarrno-nos do-
cilmerite as inclinações, c10 nosso coração. Isto seria um en-
gano. Toda a devoção verdadeira (e esta de que tratamos
merece este nome), deve fazer as almas aclivas para o bem,
generosas e mais Geis em cumprir todos os deveres da
vida çhristã.
Unia pratica muito i ~ t i lconsiste em imitar uma virlude
particular da Santissima Virgem
hlenina, donzella, esposa, mãe, viuva, umas vezes na
alegria, ocitras na tristeza, no meio do mundo, na soli-
dão, Naria percorreu o circulo irileiro das condicões da
vida humana e as santificou; ella pode por cunsequencia
ser tomada como modelo por. todos os estarlos e por to-
das as edades. Os seiis fillios serão muito felizes, se lhe
provalern o seu amor.pralicando, com fidelidade e de iim
mudo esrlecial, uma das si..as v!rtrides; aquella principal=-
mente qiie mais Ihes cusiar a praticar e que os obriga a
um saçriBcio, E, a flor rara e preciosa que eiles gostosos
devem depbr perarite o seu altar.
O Mez de Maria, pela volta da primavera, 6 muitas ve-
zes urn perigo para a innocencia; elle chama os prazeres,
e lia Italia principalmente passa-se este rnez ern danças e
alegrias profanas; mas por meio d'esta feliz de\loçáo, esta
critica eslnçâo acha-se mudada em mez de salvação e " d e
boas obras.^
Em verdade, o mez das flores 6 muitas yezes o mez do
prazer. Au mesmo tcmpo que tudo desabrocha na natureza
pliysica, ha tambem em nbs como um despertador para a
sensibilidade. A alma espande-se mais facilmente para cer-
tas aspirações vagas, indecisas, sem olrjecto real, que se
tornariam.depressa perigos serios para a mocidade.
A Egreja bem o conheceu, e eis porque ella acolhe e fa-
voi8ece a devoçSio do 4lle.z de ,V[rria. Na sua profunda sa-
bedoria ella uiío diz: ((Esgotae a bnte das commações, sec-
cae o osso coração, calcae, destrui sem piedade os senti-
mentos que n'ella se geram. ii Nio; ella cotnprehendo a ama-
LEITURAS POPULARES 357
vel natiíreza do liomern, e não conden~nanenhuma das suas
faculdades, não proscreve nenhum dos seus scntimentos,
mas dirige-os, fornecendo-lhe urn elemenlo digno de os oc-
cupar.
aSim, diz ella 5s almas noveis, aos corações inquietos
que buscam onde pensar, dae um livre vôo aos vossos af-
feclos'. Vou propor-vos u m objecto que por muito que fa-
çaes nunca amareis em clemazia: é uma Virgein, 6uma Mãe,
i? Maria I Não temaes abrir todos os ttiesouros do vosso
amor; ornae os seus altares, cantae os seus louvores, de-
pondo a seus p8s os vossos perfumes, vossas preces, vos-
sas flores. Qiie tudo o que Iia de mais gracioso na nature-
za, de mais doce na poesia, de mais terno no coração, de
mais risonho na imaginaç5o seja consagrado e m tionral-a e
bemdizel a. Ella n2o deslroe u m unico dos sentimentns do
homem, pelo conirario ella os mantem na sua dignidade ;
ella não impede a generosa sere que sobe e alimenta o co-
rac;ão da mocidade, aponta-ltie o caminlio;e do mezde maio,
que seria um escolho para as virtudes dcllcadas, faz uma
Bpoca d';iinor puro e de benção.
Vamos pois n'esle mez prostarrno-nos aos pBs da ima-
gem (Ia nossa amabilissima Mãe, vamos ornar o seu altar
corri flores, vamos respirar o perfume da mais terna devo-
cio. A ~ A V O $ ~ Oa Maria Sanlissima convem a todas as eda-
des; e se ella se sorri para a infiipcia, se é precisa para a
mocidade, tambem faz a consolação d',aquelles que se acham
no ultimo qilartel da vida.
Nunca precisdmos tanlo como agora de invocar a protec-
ção de Maria, n'este tempo em que a ft! diminue, em que a
socicdado esli abalada pelas mais 'perniciosas doutrinas,
em que se corifunde o bem com o mal, em que o sènsua-
lismo invade todas as classes; em que a for@ e o numero
fazein a lei. Aproximemo-nos pois, cbristãos, aproximemo-
nos, mais que nunca, dos altares de filaria, vamos pedir-
lhe pelos nossos irmãos desgarrados e por nós mesmos,
por P,\rtogal, pelo proximo triumpho da Santa Egreja Ro-
mana. Se é preciso um milagre para salvar. a sociedade,
Naria o alcanqari por meio das supplicas de seus filhos.
LEITUBAS POPULARES

ORAÇÃO PELO SOBERANO PONTIPICE PIO IX

O Senhor o conscrue. lhe dt: vida,


E se digne livra1 o de perigos
Conceda-lhe paz não interrompida,
Liore-o das mãos de seus inimigos.
Ob Espiritos celestes !
Ali! vinile, e com braço ingente
Defendei efficazn~ente
O armento do Senhor!
Livrae-nos das mãos dos impios,
Nossos crueis inimigos,
Qiie ameaçam com mil perigos
O universal Pastor.
Calca-se aos p6s a verdade
N'estes seciilos de ferro,
V6-se Iriiirnphar o erro
Com satanico arlificio.
hlil hordas de homens piignazee
(De patriotas com a capa)
Tentam derribar o Papa
Do seu solio poritificio.

Por certo nGo comprehendo


A caiisii d'isto q u a l seja,
A não ser a negra inveja,
Outro inotivo rião sei.
Pois que cuidado vos cause
Dizei-mo misera gente
Dizer-se o cPapas stimente,
Ou dizer o apaga-Hei!?
Eu sou filha submissa
Da Santa Itomana Egreja;
Amo o Papa, e bem que o veja
Derribado do seu throno:
aviva!-exclamarei sempre,
Em tom firme e intelligivel-
aDa Egreja o Chefe visivel!
Viva, viva PIONONO!t
Alguem que não seja i m ~ i o
Pode ver sem conlristar-se
Qiiasi o mundo corispirar-se
Contra o Pastor e a Grei?
Ver em tsiumpliante plaustro,
Oslentando magestarle,
Entrar na eterna cidade
Esse solifugo reil!
Santo Pac, sou vossa filha
EA j .)ais hei' do negal-o:
I)esejo ralifical-o
Com sangue do coração.
P ~ i rlanto humilde vos peco
Que mil hençãos concedaes
Aos vossos filtios leaes,
E aos rebeldes ... perdão!
Ruge o mar, e s e encapella,
A porcella
Oiive-se ao longe bramir
De Pedro a barca luctando,
L i vogando
Parece querer-se afundar.
D'aqui nm mastro quebrado,
Do ouiro lado
Impelle-o ,rijo tufão:
Quem poderá sem siicculgbir
Resistir
A furia do aquilão?!
Mas em meio da tormenta
L1 s e ostenta
360 LEITURAS POPULARES

Do grande Pio o valor


Rema, cheio d e conforto,
Para o porto
Dos recifes sem temor
Com aspecto magestoso
Vae donoso
A tempestade acalmar:
SO tendo a razão por 1bme
J i n30 teme
Nos baixios sassobr:ir.
Grande Deus! em vbs esperamos,
E rogamos
Chegue a V& riosso claiiior
Das rnãos dos irnpios livra6
E guarda0
De S. Pedro o euccessor.
Vosea solemne promessa
Tão expressa
Fazei que carnpritia seja:
E que as porias infornaos
Possam jdmais
Prevalecer contra a Egrcja.
Qmnipolente Deus, Senhor Eterno
Compadecei-vos do Vosso Pio
VOS sois cleinenle, mcu Deus, conduzi-o
Pelo caminho do roino suporno.

CATIIECISIO DOS BADICAES


Qiie é o inferno?-A monarchia.
Quo é o purgaloriol-A republica.
Que é o paraisol-A communa.
Li o [Bem, 15. o catondcrn.
LEITURAS POPULARES

O BARTYB DO G O L G O T B A

Trndiq6as do OrTenJs
(Continuado da pagina 388)
LIVRO I1
O edicto do Cesar
Donzellinhas formosas de Nazarelh que abris o postigo
das vossas janellas, quando a luz indecisa d'alva vos envia
do Oriente os bons dias : v6s não madrugaes tanto como
a casta Esposa d e JosC o carpinteiro. Olhae a,.. li vae...
Sobre a sua divina cabeça, que ha de ver-se coroada do
anjos, descança o pesado canto das nazarenas.
Os seus pks, a que a lua ha de servir de pedestal, des-
lisam-se pela vereda que conduz 6 fonte, ligeiros como os
d e uma gazella.
Sangue dc reis corre pelas suas veias : mas o throno dos
seus maiores desfez-se sob as garras da aguia romana, e a
coroa dos seus illiistres antepassados repousa sobre a fron-
te de um senlior estrangeiro.
A siia estirpe real náo a ensoberbece; modesta e labo-
riosa, occupa-se dos que-fazeres da casa como ;i ultima das
mulheres liebreas. Porque Maria recorda as palavras do Psal-
mista seu antepassado : Toda n Iionra da filha de 2tm prin-
cipe consiste no interior d e sua casa.
A Virgem chega 4 fonte ; algumas nazarenas quc a se-
guem, chegam tambem e trocam a saudação dos israelitas.
- A paz seja comtigo, lhe dizem.
- h paz seja comvosco, Ihes responde ; e pondo a pe-
sada urna sobre a cabeça, torna a encaminliar-se para Na-
zareth pela tortuosa senda dos Nopaes.
Então as nazarenas se reunem em redor da fonte. 0 es-
tado da Virgem não escapou aos curiosos olhares das mu-
lheres.
Uma d'ellas faz observar i s outras que Maria esth gra-
vida, e ainda qiie rião se atreveram a da,r l1.e os parabens,
s e regosijam no seu interior, e tencionam propagar a nova
pelo povo.
Entretanto, JOSE trabalha na sua pequena loja. O nobre e
962 LEITURAS POPULARES

honrado patriarcha nada sabe, porque seus olhos são cegos


para a malicia, e respoitil sua esposa como uma Virgem ds
Siáo.
Mas os dias passam, o o estado da Virgem torna-se mais
visivol. Eii13o JosC rião da credito aos seus ollios ; mas urna
melancolia iricxplicavel se apodcríi d o seu coraç3o.
O somuo não desce soiii>eas siias palpehriiç ; profundos
suspiros se escapam do sei1 peito, e a duvitla começa a es-
tender o mortal veneno pela sua alina recta c simples.
Unia manliii, com o maclindo ao hombro, s e encainiiitia
para o Carmolo. As profuntlos rugas da sua ver~errivelfronte
s e acham c:irrcgadas de nclgros ~)reseritimentos.1)ebil o cos-
po, preoccupaàa a imagiriação, s e scnla a sorribra rl'um fron-
doso salgueiro, ssqiieccnclo-se clo inolivo que ali o conduz.
-Ser6 verdado o que os meiis ollios tcciri vislo ?...(liz
comsigo. Maria, a immaciilada Virgem, a Esposa casta, a
mullier de singelo e recto coraçáo. corrio e possivel que
haja esquecido os sous deveies 1...Como crer que haja illa-
ùido assim a boa f6 d o homerri, qiie como pae caririhoso, a
admitliu ern sua casa respeitarido os seos clesejos? Como
crer cjiie Maria dustioriru as cans cliie povoarn a rninlia velha
cabeça? 0111 não, não. isso i150 i! possivel.
Então Josij, suspenderido o sou soliloqiiio, derramava
aburidanles Iiigiiimas, perrnaneeeritlo mudo o silencioso por
alguns instantes.
- ltlla /òi r.econhecfdn g ~ a o i c l a ,tornava
~ a miirmtirar s
palriarclia : iodo Naz;lretti o s;ibe ; os rnous paroiites clie-
gailarn a porta tlri minliii aasa a felicitar-me, e a s siras pa-
lavras da rogosijo e alegri:~foil:irn solas qiie sa rric ci-avararn
~ i ocorac;iIo, porque clles igriorairi o CiiStO l a ~ o q u enos une.
Que fazer, Dons do Siho I... Vivotsei debaixo d o mesmo teclo
d'urna rnulhcr adufl~rii9 . . . Cobilir-me-liei d e infamia faltarido
a lei ?... C:erlSaroi os ouvidos 4s p:il;ivras de Salornlo, que
nos disse : O que t e m conzsigo wrha rnukht??'ccdztiteI'n, dym
louoo, zcrn i?tse?tsaloP
Quanto deveu de sofrrer acluelle s;irito varão nos rnomen-
tos d e diivida qiio o duvorava I k~iillaríí lei, ou desliorirar
siia Esposa, crarn (os dois catriirihos que a sua critica sitiia-
@o Ilia a[~resentava.
LEITURAS POPULARES 963
cr A paixão dos zelos é dura como o inferno. e o marido
não perdoa no dia da siia vingança. D Isto havia dito Sa-
lomão. a A mulher adullera deve morrer. linha escripto
))

o grande legislador dos hebreus no monte Sinai.


Os zelos eram terriveis eolre os israelilas ; a historia nos
apresenta exemplos horriveis. SO a suspeita de u m crime
que odiavam, armava o braço do offendido esposo, e o terro
homicida vollava i bainha mancliado com o sangue da mu-
Bher culpada.
Dina, Thamar, Marianna e oiitras m~iitasque cão recor-
damos, são os exemplos que nos apresenta a historia.
O bastardo, maldito ate a decima geraçáo, via.se privado
da todas as prerogalivas, de todos direitos concedidos aos
hebreus. As suas plantas inipuras não podiam pisar as sy-
nagogas ; as assemblkas iiacionaes fechavam-se para olles,
B as escolas do estado Il~esrecusavam as luzes da scieocia.
Todas estas ideas ferviam em tropel nri mente do patriar-
cha, quando Deus, compadecido (Ia sua secreta agonia, man-
dou sobre as suas palpebras o fluido reparador do somno.
Jose fechou os ollios vermelhos pelas lagrimas d e fogo
que Iiavia derramado dsombra de solilario salgueiro, e ador-
meceu.
Enlão, uma brilhante nuvem cor de opala desceu do ceo
e s e estendeu como uma rode sobre o frondoso arbusto. 0s
seus fluctnantes reflexos envolveram os pendentes ramos da
arvore melancolica. Uma voz doce e mysleriosa saiu d'entre
as prateadas garças da nuvem.
--Jose, filho d e David, dizia a voz celesle, não temas ter
Maria tira esposa. porque o qiie nasceu n'Ella, foi formado
por virtude do Espirito Santo ; Ella dará A luz um Filho a
quem poris o nome de Jesus, porque será o Salvador d o
seu povo, livrando-o dos seus peccados.
Jose, despertando de tão formoso sonho, tr,ansbordava
d e felicidade. As suas suspeitas tinham-se desvanecido, como
a s leves nt~vensinhasante o s o ro subtil da noite. O seu es-
i
pirito vacillante, forlalecido e rme com as divinas palavras
do mysterioso annuncio de JehovA, jíí não o alormentava.
O seu braço, desfallecido s lariguido poucos momentos
antes, começou a descarregar coni vigor, armado do ma-
chado, sobre os altivos pinheiros, como se desejasse reco-
brar com a actividade as horas perdidas.
361 LEITURAS POPULARES

Adorou os mysteriosos planos do Eterno, e vendo em


Maria a Jlíie do Redetnptol. fulzc~o,se envergontiou das siis-
peitas que concebera, guardando-as no fundo do seu nobre
coracão.
Passaram alguns mezes. Os ventos outonaes começaram
a despovoar os ramos das arvores das amarelladas folhas.
As nevoas de outubro annanciavam as prouimas neves,
quando, uma manhá, a trombeta de um araulo romano en-
cheu de ciiriosidade e desalento os pacificos habitantes de
Nazareth.
A s i m como as espantadas abelhas se revolvem ao redor
do cortiço, assim os Nazarenos se agitavam em torno dos
soldados romanos, anciosos por saber o motivo que ao seu
indefenso povo os conduzia armados do escudo de guerra
e da lança de combate.
A sua incerleza diirou pouco, porque um centurião, agi-
tando a barideirola, indicou ao arauto que podia cumprir a
sua missão, e este levantou a cumprida trombeta, e depois
de arrancar do bellico inslrumento duas prolongadas notas,
indicando á multidáo que ia falar, pronunciou com voz clara
e vibrante estas palavr:is :
- Quirino, governador da Syria ; por ordem do Cesaií.
Auguslo;,iinperador cle Roma, conquistador da Asia, Egypto,
Syria, Judêa, Galilèa e Phenicia. IElle manda e ordena que
todos os bebreus da baixa Galilèa corram a inscrever-se
por familias ou por tribus, transportando-se 4s cidades dos
seus maiores, para que no praso de tres m e ~ e ssaiba o Cesar
os subdilos que tem nos paizes conquistados com o poder
das suas legióes. O que desobedecer, soffrerd a multa de
seis carneiros s e for rico, e se for pobre sera açoitado com'
varas.
(Continha)

OS I A L E S PRESENTES B SEUS REMEDIOS

Se .o silencio fosse um remedio para os males, que, na


actualidade, afligem a sociedade; so o somno ou a ceguei-
ra, real ou fingida, podessem desviar e esconjurar outros
males maiores que se lião de seguir aos males preserites,
não viriamos riós, queridos leitoros, alterar esse silencio,
espalhar o somno ou dehcerrar os olhos de quem não quer
ver o mal, que, por niodos tão variados, vae la\lrando pela
socidade e perielrando nas faniilias. Nio viriamos qiiebrar
esse silericio que dizem ser priidente, interromper o somno
qiir pretendem ser reparador; mas tlão podemos tleisar de
arrancar 9 despedaçar essa venda com que se cobrem os
olhos dquelles que dizem que r150 podcnii endireitar o muri.
do, e que para o tempo das grandes calamidades, j3 elles
c i não estarão: estranha maneira de discorrer! E m presença
dos desastres qiie teem flagellado e esta0 flagellando ou-
tros povos, e em frente das Lorrcntes tle desmoralisação,
que não sO nas cidaùrs, mas ale jíi nas villas e nos carn-
pos, tudo vão invadindo, que vemos n ó s ?
Silencio, sornno, e cegueira!
Continuem silenciosos ; e prudente estar calado ; durmam
para reparo das forças empregadas em ajudar os ventos das
lempestades ; ningueru queira ver males que não pbde re-
mediar: assim vae-se mais breve e d e tropel para o abys-
mo insonclavel que esii cavado e aberto para rios tragar a
todos.
Esteja calado quem qnizer, durmam todos a somno solto,
qae ribs, em que Ilies pese, bavemos de fazer as nossas re-
flexões, havernos de mostrar que, não vendo nbs em toda
a terra senão males, e não encimtrando remedio algum em
toda ella, cheios da nossa dignidade de liomens devemos
erguer os olhos para o ceo.
Uriamo-nos em sentimentos cle palriotismo e d e religião ;
con~iderernosque um interesse commum exige a dedicação
e a união de nossos corações e carece dos esforços d e todas
as vontades.
N30 sobieexcitemos odios nem paixijes, quando insta uma
graride necessidade de implorar as misericordiaa do Senhor,
quando a impiedade provoca e desafia com rnaior pertina-
cia a sua jiistiça ...
Deos 6 paciente porque é eterno. Qoaesyuer que sejam
os direitos e as exigericias da sua justiça, não tem nunca
preeisão de precipitar lhe n acc2o. La vem um dia, em que
,a morte lança a seus pès o peccador que se pretendia apoiar
n'uma apparente impunitlade, para poder continuar a sua
ida de crimes. Tal era a unica refleãáo de Sarito Agosti-
366 L I I T U H A S POPULARES

nho 4s objecções do seu tempo contra a acção da Providen-


cia na clirecção do mtirido moral.
Effeclivamente muitas vezes o espectaculo tla virliide in-
feliz, comparado com a perspectiva do vicio triumphante e
cnroado, siisaiia as blasphernias do irnpio, as rnlirniurações
il'uma fé vacillanle. Náo se contempla sem alguoia tentacão
a mau que consegue fí~rtunae honras por meio de vis in-
trigas, que a mais vulgar probidade desauclorisa, ao passo
que o justo esquecido, al~andonatloIiicta com todas as suas
necesdidades, vive na obscuridade e se definha na indigen-
cia. Se OS riossos destinos se lirnitassom ;i sepultura, a ra-
são teria motivo de se (lar por offeridida com esla reparti-
ção capricliosa dos bens e dos males terrenos ; mas o do-
gma da irnmortalidade da alma dissipa as sombras d'esse
x&-,ysteria, e nos mostra, ao sair d'este mundo, um outro
paiz, onde Deus àh a cada um o que Ihe perlence: aos
maus e perversos, castigns sem Gm, e tis almas santas, re-
compensas eternas. Eis reçlabelecida a ordern momentanea-
mente transtornada.
Por unia rasão facil d c coinprehender já assini n5o 6 a
cconomia da Providericia relativamenle its nações. O hoinerri
tomado indi~~idualmente 6 iramortal, no sentido ein que,
ao cabo da, sua peregrinação, se despoja d'uma. viria fugi-
tiva para se revestir rl'iirna vida permanente; porem a vida
(ias sociedades não uilragassa os limites do tcrnfia. Filhas
(Ia terra ellas nasceni, crescem, eiivelhecem e rnorrem para
nunca mais resi~scitarem, como nações, na, eternidade. Não
hão de ser, por esse titulo, citadas a comparecerem nos
grandes tribunaes dos ultimos tempos. Quem ousaria dizer
no entanto que ellas não depenilern do tribunal d'a justiça
divina? ... Visto pois qtle alii não teein de comparecer no
fim dos seculos, é~evidentissíuioque estão siijeitas aos seus
decretos autos, de terem coricluido a sua carreiaa sobre a
terra.
G Religião Q a sá rasqo nos ensinam que as nacões com-
meitein aclios pelos quaeu sáo respoiisaveis na presença d e
Deus. O ser c~llectivou qiie se dá o nome de povo 6 sus-
ceptivel de bem e de mal, como os individuos que o com-
póe. Tem seritimentos generosos e paixões \~ergonliosas.Se-
gundo os principias qiie psesitlem no seu gover3rza, os in-
deresses que promove, os habitos que adquire, as verdades
t E 1 T D n A S POPULARES 867
011 os erros ~ I I Gadopta, assim pbile ser justo ou injusto,
honesto ou licencioso, religioso ou impio. IIa por tanto vir-
tudes e crimes publicos, que. ern rasão da soa nar.ureza,
tomam um caracler nacional. Mas Deus tem por dever pu-
nir esles crimes por casligns opporturiarnente infligidos,
premiar aquellas virtudes com i)eiieficios temporaes.
Ora as nações teem, por meio do revoluçSes incessantes,
prlticado toda a casta de desosd~nsem sati6façWo da siia
cilbiça, renovando, serri temor clo fogo do ceo, as infamias
d e Babylonia e Sodoina. E agora 7 Silencio, somno, ce-
gucira I
Olliemos a Europa, corno qiienz precisa ver o que n'ella
se passa. I'or toda a parte os governos se separam da re-
ligizo, que é a sua principal forca ; renegam a soa oi3igem
cliristá e procuram achar apoio em cornbineçõas ficticias e
ephenrieras, cuja experiencia deveiqia jB tel-os desenganado.
Enlregues a um espirito de vertigerii e de erro, cooseritem,
qiiando não mandam que se ensinem ruins doutririas, consen-
tem quando não ordenam d imprensa perversa que faça dos-
tillar de seus prelos vcJnenos mortií'eros.
N'estas circumstancias, quasi por toda a parte, os ho-
rncris mais eminentes e ao mesrno tempo mais interessados
na manutenção da ordem, se conservam silenciosos e 'se
ahsteom de tomar parte na gerericia dos negocios pirblicos.
As sc!ntinellas da casa d'lsrael dormem um sornno que 6
condemnado por todos, que não teem os olhos cerrados
por urna indifforença ciilpa~~el, por uma indolencia grande-
mente criminosa. Os aposlolos d e hoje ri20 descerram o s
labios para fazerem sentir a esses Iiomens eminenles a ri-
gorosa obrigação que teem de erripsegarem o seu p r ~ s t i m o
a bem da orderri social. Nos pulpilos raro 6 ouvirem-se as
verdades inteiras e completas. E Lariibem, ai dos qiie as di-
zern I elles decaem das graças dos homens do poder e sTio
considcratlos pareas na terra, onde a adulação, a lisorije e
a mentira leem o seli iniperio. D'aqui resulta esse negriirno
que tudo envolve e cobre. Bi~sca-aeno Iiorisonte um ponto,
d'onde possa surgir a luz ; e esse ponto n3o se cricontra.
'Li: pois necessario proceder corno os Apostolos, quanilo bu-
lidos pela ternpestade. Elles gritavam com loilas as suas
forças: Senhor 1 salva-nos se xiBo niorremos ! E o Senlior
parecia estar dormindo, mas o Çeu çoraçao velava. Saa d@
368 LEITURAS POPULARES

seu descanço, diz uma palavra e restabeleceu-se logo uma


grande serenidade.
Não se faz mister ser clirislão para reconbecer que os
males presentes são grandes e que anriunciam outros maio.
res, e que por conseguinte deve liaver grande reflexáo so-
bre a maneira de obstar o que os males progridam e se
desenvolvam. -4irida mesmo os hometis que mais dislrrlii-
dos vivem, ;i. vista dos aconteciinentos que se desenrolam
diante de nossos ollios inquietos, s3o obrigados a confeisar
que é indispensavel tima reforma moral. Porkm, quando s e
trata de pôr em pratica estas ideas de regeneraç50, a scien-
cia Iinmana procura, hesila e discute sem chegar a coiala-
SÕGS praticas. Mas a religiáo, meltior esclarecida sobre o s
nossos destinos e necessidades nos descobre a origern do
mal e nos indica o remedio para elle.
Em eguaes circomstanciaç exclamava o fdmoso arcebispo
de Carribrai:
~Qiiemnos acarretou tantos males? fomos nbs. D'onda
procedem elles? clos nossos peccados sbmente. Se conli-
nuamos pelo mesmo caminlio, os males crescerão, e Deus,
jus10 como não pbde deixar de ser, tem que clar lerriveis
exemplos de sua\justiça. Como desarniar.ltie o braço com
que tem de nos punir ? - E se ficarem atgzcns d'eiles, diz
o Senhr>r, csles se tnirrwão entre a s secas iniqzlidndes, cu
andarei contra elles atS qz~eO se24 incirczcmcidado coraçüo
fique cal-rido de vergonha pela sua ingratidlio (Levit. xxvr,
39, 41.) Apressemo-nos pois a inlplorar o termo dos ma-
les ; o rernedio eacaz e infallieel 6 a oraç3o; amemos o
Senhor, como ~ l l enos ama; cumpramos e respeitemos a
sua santa lei, e todos os nossos rriales desapparecerão as-
sim que nos convertermos para Deus e para a siia lei.
Ouçamos ainda o grande Fenelon orn idenlicas circiim-
slancias: c A paz sera o fructo não de vossas negociações,
mas sim das nossas orações. Baterido nos peitos e que n6s
a conseguiremos. iilla t i r i n7io da sabedoria dos profundos
politicos, mas sim da fé dos simples e dos humildes. Ame-
mos o Senhor, como elle nos arna, teremos feito a nossa
felicidade. Todos os nossos males lerão desapparecido desde.
que nos tivermos convertido para Deus. E-rios mister des-
armar o Senlior do ceo e nlo os principes da terra. a
LEITURAS DOPULAIES 369
justiça divina que devemos abrandar e não as rivalidades,
as invejas e os odios das nações.~
Quer dizer o eminente prelado que temos grande, abso-
luta necessidade de renovarmos a pratica da vida christã, 0
de seguirmos o espirilo de penitencia, como unico meio
efficax para se poder realisar a necessaria renovação.
Qoe deve porem entender-se por espirilo de penitencia?
Uma santa tristeza de termos abandonado a Deus, despre-
sado a sua lei, esquecido o seli culto, profanado os dons
d o Espírito Santo; um pesar sincero de nos havermos se-
parrrtlo da [ante das aguas vivas para irmos beber, no ca-
~ninlrodo Egypto, uma ngua turva (Jer. 11, 13, 18); um
sentimento vivo e profundo da miseria a que as nossas pai-
xões nos toem rediizido ; uma paciencia firme, religiosa e
tranquilla para supporlrir as nossas afflicçõrs ; uma santa
indignação para piinir o corpo de haver armado tantas ci-
ladas e feito 4 alma tantas Iraiçóes; finalmente um nobre
ardor em submette~.os sentidos a rasâo e a rasão a Deus;
eis aqui o esliirito de penilencia, que, reformando os nos-
sos cnstumcs, nos irara a energia da fk, porA termo As lu-
ctas d'estd com 3 rasão, e deixari de fazer conhecer Dezcs
contru Deztas (Leibnitz. Essais de Ttieod., $ 39.") Isto tudo
quer dizer que a fi: de nossos paes, essa fé que os cobriu
d e gloria, e airida hoje o unico rernedio efficaz para os ma-
les presentes.
S6 a f& pbde impedir que as revoluções se succedam ás
guerras, que as carnificinas sejam as consequencias das dis-
cordias civis, e que, alluidas como estão as bases e os fun-
damenlos da ordem religiosa e social, 1150succeda esse tre-
mendo geral rlesniorariarnenlo que ameaça Ludo sepultar
em suas ruini~s.
Fujamos d'essa sociedade incredula e alhea ; acerquemo-
nos do Vigario de Jesu-Chrislo, e com elle oremos para im-
plorarmos a misericordia de Deus offendido.
A oração dos Iiiimildes é o unico remedio para desviar
os males presentes, e evitar os futiiros males.
Deus quer ser tionrado pelos Iiumildes, e por isso os
consola com os doris de sua graça.
Todos os poderosos meditam na consolidação e no au-
gmento . do seti poder, mas nenhum d'elles tem a certeza
de conservar o que possue.
370 LEITURAS POPULARBB

Os humildes que não ambicionam os bens d'este mundo


Zeem vislas superiores, e Ileus, muitas vezes, perrnitie que
essas vistas penetrem albin dos seus horisontes e descorti-
nem mais ou menos os acontecimentos futuros. Mas se ia-
Iam e manifestam os dons que recelieram, os livres pensei-
dores, os que sò crecm nos factos corisuiriados e sò furidam
suas esperanças em tramoias politicas e no direito da força,
riem-se e mofain d'elles.
Rlas 'embora a incr'ediilidade alargue a sua esfera, em-
bora zombem os iricrediilos da Te que anima a esperança e
aquece o amor dos liuniildes, a historia ecclesiaslica supc-
rabunda em testemunhos do cuidado que Dei.1~tem em os
enriquecer d'aquellas previsões, com que pela sua voz nos
fazem conhecer os castigos e as rnisc!ricoriiias que Deus usa
para com o m~indo.~ Corii quanlo deva empregar-se a maior
cautela e a mais escrupiilosa crilica em receber essas pre-
dicções ou propliecias, nlao devemos com tudo deixar d e
lhes prestar toda a altenção, que a prudencia não reprova.

Varios jornaes estrangeiros e riacionaes teem referido in-


teressanles prornenores sobre certas revelações d'uma hu-
milde mulher que habita o paiz napoliiano. chamado Oria.
Apesar do cuidado qiie tom tomado para ficar occulta, esta
mu'ltier s e tem tornado corihecitla pobco a pouco. Prelaclos,
sacerdotes, seculares pios se iipiriliam ii roda do seu leito
d e dor, e a interrogam. Qiiancl~ b obrigada a obedecer,
responde, e as suas palavras revelam sernpre uma vasta e
sublime concepção.
Sem darmos considerarel imporlancia R vistas que a Egreje
ainda não approvou, permittir-rne-tieis todavia o cilar, a ti.
tu10 de simplos inforinaqão, outros promenores rnais pre-
ciosos e mais circumstanciados sobre os aconlecirnenlos de
que, no dizer de Palina, não tarda14 que sejamos lostemu-
nhas.
E primeiro que tudo Palma viu no c40 uma grancle cruz
de que saiam oito raios que caiam sobre a terra. Quatro
d'ostes raios eram d e rnisericordia, e outras quatro de jus*
LEITUiiAS POPULARES 371
tiça. Os raios de misericordia allumiavam o Orienle e o Oe-
cidente, islo e a Turquia d'um lado, e do oulro a America,
e no centro, a Inglalerra e os paizes polacos e riissos. Os
raios da justiça feriam a França, a Allemanha, a Bespanha
e a Italia.
Depois disse que no proximo mez de julho (tia iima data)
a EIespanba, a França e a Italia eolrariam em iima fase d e
perturbações horrorosas. As realezas de emprestlmo das
duas peninsulas iberica e italiana seriam derribadas. A pre-
Eexlo de restaurar estas monarchias, com euspecialidade a
d e Victor Emanuel, que tem um trata io com Gtiilhernie, e
de reslabelecer a ordem social, que a politica do 1)isiriark
tão profundamente perlurbou, os exerciios allem8es inva-
dirão de novo a França, e Paris seri tornada e castigada
segunda vez. Lulas erisangueniailas espantar30 o miinrlo.
A Russia unir-se-ha d Friinça, assim como a America, a In-
glaterra, e mais tarde a Austria. Os campos de baialha da
Ztalia cobrir-se-1150 de mortos alleniSes, russos, francezes e
italianos. Depois de terriveis allernativas, os prussiarios se-
rão vencidos, esmagados por toda a piirte, e poticos dyelles
regressar20 aos seus lares. Wenrique de França acclarnado
pelo povo reinara, e Pio 1X tornar4 a entrar em Roma para
ali gosar os primeiros dias de triiimplio da Egreja.
Torno o repetir, que B a tiliilo de informação que vos
communico estas cousas. A Egreja cala-se. Esperemos. '
Estas revelações parece estarem ein Iiarmonia com a ce-
lebre Prophecia d'orval, a mais admiravel que tem appa-
recido n'ostes tempos. (Acha-se a Prophecia d'0rval iocluida
e fazendo a parte principal do volilme, que publicamos com
.o titulo : Propkecius sobre a Eqreja e Revolução - o quat
$6 remette aos nossos assignatites, que nos mandarem 1%)
reis em eslampilhas.)

WEGOLOIARTYR
Assim chamam os gregos n S. Jorge, e quer dizer esta
palavra - o Grã-Martyr ; - isto e marlyr por excellencia.
Na vida d'esle santo se 16 que, estando preso pela F6 e
ja deslinado para a fogueira, os tyrannoa se recearam que
não ardesse (como a outros muitos martgres tinha succedi-
372 LEITURAS P O P U L ~ R E B

do) e assim ficasse mais acreditada a viriude e f6 (10 santo,


Para obviar este inconvenienle e assegurar se d'esta receio
lhe envolveram todo o corpo em fios de linho asbestino;
para que, se não se abrazasse o corpo, da incorriiptabili-
dade do tal linho provassem que n>u era milagre; e se
se abrazasse, ficando o linlio illeso, fosse maior o oppro-
brio dos chrislãos. Porkm, Deus qoe k aiictor da natureza
e graça juntamente e de niriguem recebe leis; ordenou que
o linho incombuslivel ardesse logo e pelo ciintrario o corpo
do santo Ecasy illeso, sem um cabello menos. Com o qual
milagre a nossa santa Fé ficou mais illustrada e pitblicada
ale por linguas de fogo ; por isso se reduziram a ellas gran-
de numero de almas.
%g?gz$g.-<
IIISTORIA NATURAL
ASDESTON
Asbeston, abiantus ou linho asbeston : chama-se as-
beston porque esla paiavra quer dizer incombuslivel, que
não se @de queimar; chama-se abiantus, porque esta pa-
lavra, em grego, vale o mesmo que dizer imrnaculado, im-
polluto. Ainda, além d'esles, t-em oiitros lodos significativos
das suas qualidades. Nem é de reparar que unia s6, especie
sortisse tantos appellidos, porqoe as cousas mais incognitas
e raras, quando chegam 4 noticia de cada uni, parece-lhe
ter direito para lhe por o nome que julga r120 ter ainda a
tal especie.
A rasão natural da admiravcl e singular propriedade de
resistir ao fogo dizem ser a cootexlura de suas partes todas
semelhantes, lenlas e viscosas.
D'este linho mandavam os imperadores fazer mortalhas,
em que seus cadaveres fossem envoltas, para que postas
sobre a fogueira, corno era uso, suas cirizas podessem guar-
dar-se separadas rias urnas e mausoleos. AI6 aqui chegou a
vaidade humana e o appetite da exce\lericia propria, dedi-
gnando-se de quo o p6 tle um cadaver queimado estivesse
em companhia de outro p6 menos nobre.

E P I T A P B I O DE UH RELOJOEIRO
Um relojoeiro hespanhol compoz para si mesmo o se-
guinle epitaphio :
LEITURAS POPULARES 37.3
u Aqui jaz em posiçzo horisonsnl o corpo do relojoeiro
a honra fi~ia msla real cfe sua vida e a pruclcncia o regu-
...
lador de suas acções. Os seus movit~~entos foram sempre
bem regz6lados, e o temor de Dcus e 13 amor do proximo
foram sempre a chave da sua cori(1ucta. Dispnntia tão bem
do seu tentpo que as horas, para elle deslisavani n'urna
larga osphera de praser e delicias, at6 que a cordu de seas
dias se lhe quebroii aos cincoenta e sele annos ; levou com-
sigo a esperanca de comparecer livre d e loda a imperfeição
perante o grande relojoeiro do universo.

O NOSSO HEROE
(Continuado de pag. 318)
O duque de Nemours yuiz que a sua riova esposa visi-
tasse o seu apanagio, do qual Anuecy era a capital.
Enviou-a pois a esta cidade aconipa~iliadados cardiaes d e
Lorena e de Guise, seus ciinhados, e d'uma nunierosa co-
mitiva liouve, como era natural, grandes feslas e toda a
nobreza da provincia correu a Annecy para \,e[-a.
Possuia a Saboia um monumento Iiislorico e religioso d e
valor iiicoinparavel. Era o leriçol de Nosso Senlior, conhe-
cido pelo nome de Santo Sudario e qiie Iioje se conserva
na capella do palacio real de Turim. Diremos como é q u e
esta inextimavel reliquia veiu para a Soboia.
Nicodemos, foi quem primeiro o possuiu e o tinha
deixado em herança ao mestre de S. Paiilo, o doutor Ga-
maliel. Depois passou para as mãos de diversos discipulos
do Redemptor. Quando Tito foi pôr sitio á cidade d e Daviù
0 d e Salomão, os christãos subtrahiram ao roubo o precio-
so lençol e o trouxeram comsigo, quando voltaram a reedi-
ficar, suas casas. Em 1187, o famoso Salah.Ecldin, a quem
chamamos simplesmente Saladin, tomou Jerusalem, e Guy
d e Lusignan fugiu para o seu r'eioo d e Cliypre, levando
comsigo todos os seus thesour'os, entre os quaes s e encon-
r o u CI Santo Sudario.
Como E que elle d'ali foi para a Borgonha? 2 isto qiie
s e ignora. O caso 6 que uma nobre seuliora, Margarida d e
Cliarney, mulher de Huberto de Villarsexel, conde da no-
374 LEITORAS POPULARES

che sobre Lognon, senhor de Santo IIippolgto e dlOrlie, o


deu á duqueza de Saboia, Anna de Chypre da casa de Lu-
rignan. Este deposito sagrado foi liosto na capella do cas-
tello de Chambery, que por bulla de 1.1 de abril 4467, o
papa Paulo I1 erigiu em collegiada. Em 4572, Sixto IV
deu a esta egreja o titulo de Santa, e era servida por um
cabido composto d'um deão, um arcediago, iim chaiitre, u m
thesoureiro e d'um grande numero de conegos e padres
honornrios.
Deus marcou, por um acontecimento milagrosa a authen-
ticidade d'esla reliqiiia l . A 4 de dezembro de 4532, pela
meia noite, um incendio, cuja causa foi sernpre ignorada,
se maiiifesioii na Santa Capell;~de Chambery. Um ~a\~allieiro
da carnara do duque Carlos levori comsigo dois padres do
convento de S. Francisco e um serralheiro clinmado Gui-
Iliernie Piissod. ul~orainao centro das chammas, diz Bes-
soo nas suas J l ~ u o r n ~HrsTonrQuEs,
s romper as grades d o
ferro do altar mhr, e depois de terem arrancatlo os cadea-
dos em braza, levaram o Santo Sudario, que tiraram inta-
cto, apesar de estar j4 em braza (como preuent:iou toda a
côrle e o povo que ali affluiu) a caixa de prata ricamente
trabalhada, e qiie fora dada por Margarida S'Austria, du-
queza de Saboia. Dois annos depois o papa Clemenle !V,
a fini de se assegurar da autlienticidade do sagrado lençol,
ali enviou Luiz de Gorrevod, cardeal do titulo de S. Cesa-
rio tn Polatio, bispo de Maurienne, l ~ g a d aapostolico. Este
prelado constatou o milagre com urn processo verbal, cujo
original ainda existe.
Os duques de Saboia liveram sempre urna grande verie.
raçáo por este venerando despojo da Paixão do Salvador.

flegundo a Hiotoire des Rséq~esde Perkguezm, do Diipuid e


Ciirovrique de Moi~sac,o 8a1lto Si~dariodeveria pertencer ft shbadia
de Cadouin, de Citeaux, na diocesn da Snrlat, em Périgord. Duveria
ter sido levado dVAntioche,em 1105, por um cupelliio d'Aymar, b i s ~ o
da Puyen-Velay, legado apostolico do exercito cliristlio na Teifa
Snuta. Tamb~rnse 'refere que foi milngroasmedte rinlvd d'ukn iiicendio
e levndo B i~bbadiade Cadouin, d'onde foi transportado em 1392 paro.
Tolosn, oude permaneceu at6 1456. Coinciclenciu celebro ! a abbrtdin
de Cridouin foi, segundo a Hiuloire dea Ordres monasti uee de BQliotí
(tom. 5, cap. L4), fundada por um tal Giraud de Sules. Pndsgxinos aa
eete personagem perbncia 4 ftrmilia de 8.Frjtnoisco ; foram pdrbrn
ibatdados os nosspe esfopçoe.
LEITUBAE POPULARE8 375
Luiz I, Carlos o Guerreiro e Manuel Philibert mandaram
cunhar dinheiro com a efigie do Santo Sudario. O beato
Rene 1X ia muitas vezes, a pé, de Turin a Cliamberr-
cento e sessenta líilomelros - para venerar d Santo Suda-
rio. Sua mulher Yolanda de França, fillia de Luiz SI o
acompanhou uma das vezes. Francisco I, am al5iG, fez, com
o mesmo Em, 0 a gé a viagem de Lyão a Chamberg. Os
reis d'esse tempo sabiam pelo menos expiar suas faltas
quando as, coinmettiarn 4.
Tornando 3. viagerri da duqueza de Nemours, ella quiz
ver o Sarilo Siidario que foi enviado a Annecy, segundo al-
guns hisloriadores d e S. Francisco de Sales, entre outros
blarsollier e o sabio cura de S. Sulpicio.
Apoiando-nos na auctoridaile dos tiistoriadores cla pro-
vincia ecclesiastica de Salioia 5 ,120 somos d'esla opinião,
mas a fim de não introduzir algum elemento de discordia
na vida (lu grande santo, aceiiarnos uma tal opinião e acei-
tamol-a, por caiisa da piedosa tradição que ella faz recor-
dar.
O Santo Sudario esteve por tanto exposto n'uma egreja
d'Anriecy.
A coridessa de Sales foi uma das primeiras a ir veneral-o.
Pediu muitas rnercès a Deus para o menino, que ia oas@r,
offereceu a Jesu-Christo, promettendo rião o considerar
nunca tomo seu em virtude da offerta que d'elle Ibe fazia,

1 Uma vpa por todas deve dizer-se que tudp o qiio diz respeito ao
Sarito Sudario, a S. Frnncisco de Salet, soa principea de Sltboia, hs fa-
miliaa nobiaes cittidaa n'este'traballio, foi bebido nas mais authenticas
e reepeitaveia fonteo conta mo^ a LiieWria, e este romance nbo C mnie
do que uma suporfetaçào ?c bordado apresentada sobre um esboço in-
teiramcntc hi~t,~rico.-A este prop~aito6 que erit~ndemosdever ao?-
teatar soa histoiiudorea de S. 1C"raneisco de Sales esta trnneferencin
do Santo Sudurio para Annecy. E ~ t srigrada a reliquia apenas foi rem
movida tr:s vezea. A ùuqueza Claudia de Snboia o teve algum tempo
QO aastello de Billiard em Bugey ; o duquk Oarlos 1 11, obrigudo p~Ja
guercti a deixar a 6abo a, o levou par* Servil, Niza e finalmente,,
1478, o duque Mauiiel Philibert o fez trairnportnr para Turim, onde
tem estado, não obstante a promessa que se tinha feito dc o enviar B
Çhambeily.
Z pqsgon, oura de Chiipeiry, Memoires pozlr Z'l~istoireeccl~ricuiti-
pzlel @c;. U ~ C L I X . - O cardeal Billiart, Mvqoires pour sei.i~irá 2'fi.i~-
toire ecclraid~ti~ue du dinceee de Chambery. Augley, 1CI2360ire du d i o ~
cese de Maurieane.
376 LEITURAS POPULARES

tomal-o á siia conta, como uma cousa que lhe pertencia, fa-
zer-lhe todo o bem e contribuir para que elle s6 vivesse
para honrar e fazer ' h g r a r os mysterios adoraveis d e sua
paixão e morte.
Deus ouviu-a.
O menino naplceu em quinla feira, 21 de agosto d e 1557,
entre as nove e as dez horas da<noilc,no castello d e Tho-
rens, n'um aposento a que chamavam a Camara de S.
Francisco &Assis.
Foi baptisado no dia s e p i n t e e >teve por padrinho D.
Francisco de Ia Flechkre, prior de Saleuzy e a mãe de sua
mãe que tinha contriihido segundas nupcias com messire
Boaventi~rada Flkchere. O menino recebeu o nome de Fran-
cisso Boaventiir;.
Devia chamar-se, um dia, S. FRANCISCO ...
DE SALPS
As primeiras palavras, que sua boca proferiu foram es-
tas : Deus e minha mãe rnzrito me querem!
A primeira falta que elle commelteu foi um rocibo. Ti-
nha lirado a um operario um atacador de seíla de muitas
cores. O operario o procurou por torla a parte. Então o
menino foi ter com seu Iiae e Ilio disse :
- Meu pae e meu seotior, aqui es16 o atacador d'aquella
pobre homem. Fui eu que Ihio tirei ; estou arrependido a
peço perdão, esperando que m'o haveis de concetler.
. O Senhor de Sales foi inexoravel. Francisco foi flagella-
do em presença de todos de casa. Perdoem as nossas lei-
toras ao pae de S. Francisco de Sales este crime t i o ...
conveniente.
Impossivel seria referir aqui todas as acções da sua fn-
fancia. Um grande volume não chegaria para cornprehender
tudo. Basta dizer que, desde os seus mais tenros annos, se
divisava n'elle o qrie viria a ser.
Na idade de G annos sru pne o mandou para o collegio
da Roche fundado em 1304 por João d'Angeville sob a.di-
rêcção de Pedro Bataillard. Elle fez a admiração de seus
condiscipulos, de seus mestres e das familias d'aquelles
jtios.
Dois annos depois, tendo o se~iliorde Boisy abandonado.
inomentaneamenle o seu caslello do Sales,,retirou Francisco
do collegio da Rocfre e o poz no d e Aiinecy com o fllho
'o senhor de Breus seu irmão.
LEITURAS POPULARES

CAPITULO ,IV
Seja feita a. tua vontade

Perdbe-00s quem quizer esta longa digress20:' Tornamos


agora A nossa bistoria, tomando-a no ponto, em que a dei-
xamos.
A senhora de Sales não esteve ínuilo tempo s 6 com o
abbade de Age. Não tardou que seu esposo apparecesse na
sala dos ca~alleiros e a conversação se ericaminliou logo
para o projecto, qiie Fkancisco tinha rle receber a tonsura
das mãos do bispo de Bagnorea.
-Como assim1 exclamou o conde, pois airida dura uma
lal ideal! Já são Ires vezes qiie Francisco me vem com tal
proposta, e tres vezes lhe respondi que m e seria impossi-
vel approval-a.
-Senhor!...
Esta exclamação solta escapou involuntariamente á mãe.
O abbade de Age, com as máos juntas guardava silencio.
O Sentior d e Sales continuou calíJrosamente:
-ScrB possivel quc meu filho rnais velho me abandone?
Este filho me custoti tantas magoas ... inspira-me tantas es-
peranças ... Eu não seria capaz de o ceder a Deus!
O abbade de Age atreveu-se a responder com voz pau-
zada e persuasiva:
-Deus qiie vol-o deu, senhor, n3o teria direito a tirar-
vo!-o? O vosso filho pertence-vos? Não: pertence a socieda-
de. AtLentae bem .n'is\o: s e elle for magistrado, senador,
ministro, os oegoci'os o roubarão 4 vossa presença. blilitar
ofliciall do exercito, elle deveria ao rei toda a sua vida e
todo o seu sangue. Deus não exige um tal sacrificio: o mar-
tyriol qner almas de eleigão; o sacerdokio quer espiritos
...
obedientes, corações fieis
O Sentior de Sales;não podendo contei. a sua agitação4
passeava em todo o comprimenlo da~csala,tcomo
a um leão
na sua jaula, e s6 respondia ás palavras clo padre com i n ~
tierjeiçties abafadas e odm. gemidos. A condessa o seguia
com' plhos de an'ciedade a?murmurava8unia fervorosa ora-
ção. E.. que 6 sacrificio para ella estava já consiímmado,
embora que a natureza tentasse dominal-a e fazer-lhe en-
378 LEITURAS POPULAREB

trever o soffrimento, sem Ilie deixar comprehender a sua


grandeza e o seti merecimento,
O abbade continuava:
- E se a providencia chamasse para o ceo este menino
que vds llie reclizaes?
Um silencio de morle se seguiri a esta pergunta. A mãe
sentira iim clioque interior. O pae anles quereria que lhe
alravessassem o coraçáo com uma espada.
(ContinúÁ.)

APPELLAÇÃO
Notificando-se ao delfim de França, quo depois, foi Car-
10s VII, a sentença assignada por el-rei, sqii pae, e pelo de
Inglaterra seu iniinigo, na qnal o tleclaravam por incapaz
de succeder na coroa, rcspondeti que appollava. Instaram-
lhe com admiraçán que tlissesse para qiiein. -
Para a gran-
delia do meu coração e para a ponta da minlia espada. -
E não se enganou.
=s3s%-

BAGO D A R E P U B L I C A
Ao tliesouro do principe chamava o imperador Trajano
- Baço da republica; porque., assim como, crescendo o
baço, se COnSOmb o corpo, assim quanto mais cresce o the-
souro do principe, tanto mais s e vae destruindo e desfal-
lecendo o reino.

D. F R E I M I G U E L B A N G E L
Este illastro varão, natural de Aveico, foi religioso da
ordem de S. Domingos, professo no convento da sua patria.
Logo que complelou os seus estudos, foi nomeado professor
de Escriptura Sagrada e, pouco depais, mestre de noviços;
d o convento de Bemfica, logar que exerceu dignamenta at8
que foi exercer eguai emprego na universidade da ordem
dos pregadores, em Lisboa. Não se sabe ao certo o anno e m
que nasceu ; sabe-se que em 161lh chegou. a Goa, enviado.
pelo prelado da sua ordem. ,Conhecia este, havia jCi muito
tempo, a necessidade de reformar os conventos do oriente,
cuja metropole era em Goa, Falou a tal. respeito com frei
LEITURBB POPULAnEG 319
Miguel Rangel, que promptificou a ir li India, para tratar
das necessarias reformas. Ahi se demorou, como vigario
geral, por espaço de qualro anrios, findos os quaes, deixou
a India para ir empregar-se nas n~issões de Solor. Derno-
rou-se n'esta ilha ate i02ti, voltando n'este mesmo auno a
Goa, onde foi prior do convento da sua ordem e professor
de Theologia. O seu zelo pela salvação das almas não lhe
permiltiu que permanecesse por inuito tempo em Goa ; por
isso partiu de novo para Solor, onde chegou ein 1628. Ahi
viveu tão austeramente qrie seus exemplos, mais efficazes
ainda que siias doutrinas, converteram muitas almas e cha-
maram muilas a alistarem.se na milicia do christianismo.
Sete annos duraram os seus trabalhos n'aquellas paragens,
aLB que lhe foi dada a mitra d o Cochim, de cuja diocese
foi o setirno bispo. Elevatlo a tão alto cargo, foi pela sua
humildade menos bispo do que simples monge. A sua ca-
ridade levava-o a disperider lodos os seus liaiferos com os
pobres, chegando algiirnas \ezes a dar a propria cama. Rurica
o afliigiani os trabalhos, as mortificações, as contrariedades !
Larneolava a falta de meios, não por amhição, nias porque
desejava ler mais recursiis p;ira dar esmolas, de sorle que,
por mais rendosa que fosse a milrn, semprc! o seria pouco,
para quem tarilo qiieria fazer beni aos pobres I Fez todas
as reformas que na sua diocese julgou necessarias. Visilan-
do a, ebegori li cosla de Tuciitiirim, onde os Iiollandezes
pescavani grande quantidade de aljcfares. Nolou que a am-
bição dos mesmos hollaiidezes era o causa da oppreusão,
qu& as clirislãos solfriarn. Iridigriado eom isso e cheio de
ze'ió pelos filhos de Cliristo, frei Miguel Rangel amaldiçoou
aquelles mar;es, onde desde então nunca mais se ericontra-
ram riqucaas. Falleceiido D. frei Sebastião de S. Pedro, ar-
oebispo de Goa, foi cliamado, para governar iriteriria~neote
esta diocese, D. frei hliguel Rangel, que a regeu por espaço
de dois ariaos, findos os quaes, se retirou a Cochim; onde
falleceu em sexta feira 44. de selembro de ,1G46. A sereni-
dade de espirito acompanhou-o durante a sua doença ar&
sollar o ultimo suspiro.
Seus re8los rnortaes foram sepultados na Se de Cocl
sondo acbados incorruplos um anno depois da sua m ú i c ~ .
P a s s a d ~ sannos, os religiosos de S. Francisco transporta-
ram-os para o collegio de S. Boaventura, de Goa. Em 1666,
foram d'ali transladados; Qpm grande pompa, para a egreja
d e S. ,Domingos da mesma cidade, onde jazem em mausoleu
magnifico. Este varão, que illustroil a. ordem a que per-
tencia, a patria que Ilie deu I, berço, a diocese de qiiefdra
prelado e as lerras onde missiorijra, escreveu uma obra re-
lativa 6s missõ$s (10 oriente, em que revela que a intelli-
gencia e aptidão para a litteratara eram tambem dotes que
ornavam o seu espirito magnanimo e bemfilaejo.
Na vida e morte cl'este irisigne.uafio deu-se uma nolavei
coincidencia. Fora elle muito devoto da Exallaçáo da Santa
Cruz. Tomou o vliabito de noviço' no dia ern que a Kgreja
resa d'est'a solerrinidade : professou em iglial dia : em igual
dia morreu e, firialmente foi bispo de Cochim, diocese cuja
-
invocação B Santa Cruz.

FILHA DE P H A R A O
Os jcrnaes inglezes annunciam o oasamento da mulher
mais ext~aordinaria~ que balvea existe aclrialmenl na Europa.
Trala-se de RiIahcl Gray, rainha dos Isohemios (ciganos).
Mabel Gray, adíniravel donzella de lvirrle e qu'atrio ou+vinte
e cinco anaos, 6 a rainhaAlieradilariad@JodJosbs'boliemios
de Inglaterra, Escossia o Irlancla, e, Deus sabe se os ha'!
Diz-se descendente directa dos Pharaós do Egyplo e, como
elles, adora Isis e Osiris: O seu7poder ~ ã Bopara se desde-
nhar'd'elle. Ella reina com effeito sobre tres oii quatro~rnil
mendigos de sacco e corda, catraeiros, pickpoooclcets, tr
Yi-
e elixires e marialas de t da
cegamente. Se Mabeli Gray
~ r a dqile dt?seja4a mor1e:lcle uma
metleram ( o assassino 'sem faze-
elebre ledora de sinas do R'eino-
00 reis) ~1la"iiz o vosso passa-
ro. O mancebo que com ella vae
rtence a uma exdeilente fami-
na em terras. *Ir$ser filho dw
Ptfarabs e rei dos bohemios? Isso &que ninguem pbde dizer,
~isto;quese ignoram os tepmosl &o seai contrato de casa-
&&dto&
canunAs POPULA~EE 881
E porem certo que o dia da boda ser8 um grande dia d e
festa para todos os mendigos e saltimbancos dositres rei-
nos-unidos.

CANÇÃO DA ENGEITADA

Nio coriheço pae, nem mãe,


Nem n'esta terra parentes,
Sou filha das pobres h e r ~ a s ,
Neta das aguas correntes.

Os mgys paes me abandonaram,


Foram-se todos os meus;
Erilre os filhos tia desgraça
56 tenlio a grdça de Deus.

A caridade abriu.me os braços,


N'elleç meus olhos abri,
Nem tem do pundo outro amparo
Para m e amparar a mim.

Vivo como em terra estranha,


Não conhependo ninguem;
Vivo p o peregrino
Que've tudo e natia tem.
Em toda a terra não acho
Quem por mim conceba dó,
A iião ser a caridade
Com quem vivo triste e só.
Caridade, ai caridade,
Alivio da minha dBr,
Para pagar teus affectos
So tenho prantos de amer.
882 ILZITURASPOPULARES

CANTIGA

Tenho iim saco de cantigas,


Inda mais uma taleigada,
Todas aqui hei de ir,pondo
Levando todas de enfiada.

AIIORISMOS
Abril, aguas mil coadas por um niandil.
- Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado.
-No priiicipio ou no fim abril vae sem ser ruim.

A PIOMA E O CRAVO

Clarinha tirou d'um ramallietc! de lindas flores uma pio-


nia, surprendida do agradavel cheiro qiie exhalava a ilbr
sem aroma a menina lhe pergiintou:
-Como, sendo scmpre inodora, adquiriste os suavesper-
f%rnes ,g,iie exhalas?
A' f18qilhe respondeu:
-Pois não percebes? ... Eslanùo junta com o cravo,gue
maravilha 6 cheirar assim?
Qut:r\'eis que os vicios nunca enpanem
*i$ brilhos da vossa jiiventiide?
Da$-lbe innocenlbs companhias,
ponde-a a6 lado da virtudo.

IrIH DO PitIã(EIR0 VOLUME DO BBFIUNDO DGCXNNIO

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