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MÓDULOS DIDÁTICOS DE RESISTÊNCIA DOS MATERIAIS

João Augusto de Lima Rocha

MÓDULO 1: O TENSOR TENSÃO DE CAUCHY

1.1. Introdução

A idealização do sólido deformável como um meio contínuo é uma simplificação


matemática adequada à aplicação do Cálculo ao estudo de seu comportamento, quando
o corpo está sujeito às ações de outros corpos e a restrições impostas a seu movimento.
As ações de outros corpos podem ser: de contato direto, ou de ação à distância (ação
gravitacional, por exemplo).

O desenvolvimento histórico dos métodos imaginados para resolver esse problema foi
longo, e passou por uma fase em que se buscou resolvê-lo a partir da avaliação da
interação entre as moléculas do corpo, até chegar ao método proposto pelo cientista
francês Augustin Cauchy (1789-1857) que, em 1821, introduziu o conceito de tensão.

Cauchy imaginou cortar o sólido deformável segundo um plano fictício passando pelo
ponto em que estava interessado em conhecer a resposta, isto é, a tensão, surgida em
consequência das ações externas e das restrições impostas ao movimento do sólido.
Evidentemente, podem-se passar infinitos planos de corte pelo ponto considerado.
Cortado, enfim, por um desses planos fictícios (Figura 1.1), o corpo passa a ser
considerado como composto de duas regiões que interagem entre si, exatamente através
da seção de corte. Na vizinhança do ponto P, em particular, a interação da sub-região R1
com a sub-região R2 (Figura 1.2), pode ser entendida como sendo a resultante, ∆F, das
forças moleculares que, idealizadas segundo o padrão de meio contínuo, podem ser
sintetizadas pela expressão:

∆F
t = lim , (1.1)
∆S → 0 ∆S

onde ∆S é a medida da área de uma vizinhança de P contida no plano de corte. O vetor


t, chamado de vetor de Cauchy, tem dimensão de pressão, isto é, N/m2 ou pascal, no SI.
Figura 1.1

Cauchy foi adiante e imaginou representar t como uma função linear do vetor, n, normal
unitário externo ao plano de corte, no ponto em estudo. Tal aplicação linear, que leva
um elemento espaço de vetores tipo n a um elemento do espaço de vetores tipo t, é
denominada tensor de tensão, T, também conhecido como tensor de Cauchy. Então,
vale a relação:

t = Tn (1.2)

Para um dado estado de carregamento e de restrições ao deslocamento do sólido, há um


só valor do tensor tensão T, associado a um dado ponto P do sólido. Dado um sistema
cartesiano de eixos, no IR3, T é representado por uma matriz, T, cujas componentes têm
dimensão de pressão.

Convém observar que a formulação de Cauchy preserva a Terceira Lei de Newton, a da


Ação e Reação. Para verificar isto, basta a observação da eq. (1.2), na qual, ao colocar-
se o vetor –n em lugar de n, tem-se –t para o vetor de Cauchy (Figura 1.2). Vê-se na
figura que t representa a ação da R2 sobre R1, no ponto P. Já –t representa a reação

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Figura 1.2

(igual em módulo e direção, mas de sentido contrário) da região R1 sobre R2, nesse
mesmo ponto.

1.2.O significado físico das componentes do tensor tensão T

Considerando-se um sistema triortogonal de eixos coordenados como referência para os


pontos do sólido deformável, o tensor T é representado pela matriz T:

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T11 T12 T13 
T = T21 T22 T23  (1.3)
T31 T32 T33 

E F
T33 T32

A T31 B T23

T13
T22
G T12 H
T21
T11

C D

Figura 1.3

Para a interpretação das componentes Tij, considere-se uma vizinhança infinitesimal,


com a forma de um cubo, de um ponto genérico P, do interior do sólido, tal como
mostrado na Figura 1.3. Considerando-se os vetores unitários, n1, n2 e n3 , orientados no
sentido positivo dos respectivos eixos coordenados, os vetores de Cauchy
correspondentes às seis faces são:

Face ABCD: t1=Tn1=(T11, T21, T31),

face EFGH: - t1=T (-n1)=(-T11, -T21, -T31),

face BFDH: t2=Tn2=(T12, T22, T32),

face AECG: - t2=T (-n2)=(-T12, -T22, -T32),

face ABEF: t3=Tn3=(T31, T32, T33) e

face CDGH: -t3=T (-n3)=(-T31, -T32, -T33).

Isto significa que o equilíbrio de forças ( ou equilíbrio de translação) do cubo está


assegurado por essas equações. No entanto, o equilíbrio de momentos (ou equilíbrio de

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rotação) ainda precisa ser estudado. Admitindo-se que o cubo da Figura 1.3 tenha uma
aresta de comprimento a, o equilíbrio de momentos assegura que:

Em torno da direção x1: T32 .a2.a- T23 .a2.a=0 ⇒ T32.= T23

Em torno da direção x2: T31 .a2.a- T13 .a2.a=0 ⇒ T31.= T13

Em torno da direção x3: T21 .a2.a- T12 .a2.a=0 ⇒ T21.= T12.

Daí conclui-se que a matriz T é simétrica. Como o sistema triortogonal de eixos foi
escolhido arbitrariamente, então a representação do tensor tensão, em qualquer sistema
de eixos desse tipo, é sempre simétrica. Esta é uma importante propriedade do tensor
tensão de Cauchy.

1.3.Os invariantes do tensor T

Definido em cada ponto interior do sólido, o tensor T possui um significado intrínseco,


de natureza física, associado ao sistema de ações exercidas sobre o sólido e ao conjunto
de restrições, ou vínculos, que condicionam o seu movimento. Surge, então, a pergunta:
e se o sistema de eixos de referência for mudado, como será possível saber se a nova
matriz representativa do tensor tensão, num ponto dado, representa o mesmo tensor T?

Em termos concretos, imagine-se que sejam dadas duas matrizes, T(1) e T(2), referentes
aos sistemas de eixos triortogonais de referência S1 e S2, respectivamente. Pergunta-se:
como fazer para saber se essas duas matrizes representam, cada qual em seu sistema de
referência, o mesmo tensor T ?

Obtém-se a resposta a partir da formulação do problema de autovalor. Assim, diz-se que


duas matrizes representam o mesmo tensor T, se o conjunto dos autovalores (com os
respectivos autovetores) de uma, for exatamente equivalente ao conjunto de
autovalores e autovetores da outra. E que estes autovalores e autovetores sejam os
mesmos do tensor T. O problema de autovalor, para o caso, coloca-se da seguinte
forma:

Tn = λ n , (1.4)

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que é uma equação que equivale à pergunta: existe algum valor de λ para o qual o vetor
de Cauchy, t , possui a mesma direção da normal ao plano em que atua? Se existir, qual
a orientação desse plano?

A eq. (1.4) pode ser escrita da seguinte forma:

Tn = λ In ,

onde I é o tensor identidade. Essa equação pode ser transformada para:

(T − λ I )n = 0 .

Imaginando-se agora uma representação dessa equação num dado sistema triortogonal
arbitrário de eixos, ela equivale a um sistema homogêneo de equações algébricas:

Dado que n≠0, esse sistema só terá solução se:

T − λ I )= 0 ,
det( (1.5)

onde T e I são agora as matrizes, referentes ao sistema de eixos adotado. A eq. (1.3) fica:

T11 − λ T12 T13 



det  T12 T22 − λ T23  = 0, que resolvido leva à seguinte equação de terceiro
 T13 T23 T31 − λ 

grau em λ, conhecida como o polinômio característico do problema de autovalor:

λ3 − J 1λ2 + J 2 λ − J 3 = 0. (1.6)

Nessa expressão, as grandezas J1, J2 e J3 são chamados os invariantes do tensor T, e


correspondem a:

J 1 = trT = T11 + T22 + T33 ,


T T12  T T  T T23 
J 2 = det  11 + det  11 13  + det  22 e

T12 T22  T13 T33  T23 T33 
J 3 = det T

A solução da eq. (1.6), no caso geral, dará três valores para λ, que são os autovalores do
tensor T. Esses valores são todos reais, em virtude de uma propriedade das matrizes
simétricas. Na verdade eles correspondem às tensões principais, isto é, aos valores que

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multiplicados pelos respectivos vetores unitários dos planos-solução, dão os vetores t
normais a esses planos. O nome tensão principal decorre do fato de que nesses planos o
vetor t não possui componente tangencial ou cisalhante.

1.4.As componentes normal e tangencial do vetor t

É muito conveniente, na análise de tensões, o conhecimento das componentes normal e


tangencial do vetor de Cauchy, t. A projeção normal, σ n, desse vetor, é dada por seu
produto escalar com a normal unitária externa ,n, ao plano considerado, passando pelo
ponto P do sólido, como mostra a figura 1.4. Assim:

σ n= t. n e tn=σ n. n

Onde tn é a componente de t. na direção de n. Se o sinal de σ n for positivo, tem-se uma


tração. Caso contrário, tem-se compressão.

Por outro lado, a componente tangencial de t será:

ts = t-tn . Também pode-se obter essa última componente a partir da projeção de t sobre
um vetor unitário que esteja no plano de corte e seja coplanar a t e tn.

Figura 1.4

Exemplo: Obtenha as componentes normal e tangencial do vetor t, no plano de normal

unitária n= ( 3 /3; - 3 /3; 3 /3), em ponto do sólido em que o tensor tensão é dado
pela matriz:

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 20 − 15 20 
[T ] = − 15 10 − 30 em MPa
 20 − 30 − 40

Solução:

a) Cálculo do vetor t:

 20 − 15 20   3/3   55 
     
T = Tn= − 15 10 − 30  − 3/3 = 3 /3 − 55
 20 − 30 − 40  3/3   10 
   

b) Cálculo da projeção σ n e da componente normal tn

σ n= t..n = 3 /3( 55;-55;10). 3 /3( 1;-1;1)= 1/3(55+55+10)=40

o que indica que se tem uma tração de 40 MPa. A componente normal de t será:

tn = 40n= 40( 3 /3 ) ( 1;-1;1)

c) Cálculo da componente tangencial tst

ts = t - tn= 3 /3( 55;-55;10).-40( 3 /3) ( 1;-1;1)= 5 3 (1;-1;-2)

O módulo de t, cujo valor é 3 50 MPa dá a medida da tendência ao corte, ou


cisalhamento, nesse plano, no ponto P.

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