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Caixa de Ferramentas
Caixa de Ferramentas
Acaso........................................................................................................................................................... 14
Acontecimento ............................................................................................................................................ 16
Agenciamento ............................................................................................................................................. 26
Angústia ...................................................................................................................................................... 31
Anômalo ...................................................................................................................................................... 31
Antropofagia ............................................................................................................................................... 42
Antropologia ............................................................................................................................................... 43
Arte ............................................................................................................................................................. 78
Caos............................................................................................................................................................. 90
Clínica ......................................................................................................................................................... 97
Comunidade: origem e destino da comunidade como obra e assentada na obra - Agamben ............... 125
Comunidade dos sem comunidade - Pelbart: Vida capital: força de afetação, multidão, coletivo ........... 149
Dois regimes de loucos: poder e dispersão das parcialidades (fragmentar) ............................................. 173
Episteme.................................................................................................................................................... 176
Esquizo...................................................................................................................................................... 185
Fenomenologia:..................................................................................................................................... 204
Impossibilia em Didi-Huberman, não-relação, espaço como carne e proximidade na distância ............. 257
Loucura: Antropologia da diferença: para além da psicopatologia das doenças mentais e da vida
biologicamente tomada no biopoder ..................................................................................................... 294
A loucura no Jardim, desrazão clássica até a virada do século XVIII: ................................................. 308
Loucura e tratamento moral XVIII psiquiatria converge para Freud ................................................... 317
Necessidade............................................................................................................................................... 358
Pathos criativo e desassossego: sentir tudo de todas as formas: Nietzsche e Fernando Pessoa ........... 379
Patologia na continuidade com a vida, subordinada à linguagem e à natureza da vida ....................... 385
Possível, impossível e sentido: a operação do acontecimento sobre os entes e os corpos ................... 421
Psicose....................................................................................................................................................... 432
Racismo..................................................................................................................................................... 475
Razão......................................................................................................................................................... 475
Saber como forma de exterioridade em Deleuze: saber, visibilidades e formação discursiva ............. 488
Sentido, conhecer como validar um real como necessário e central ..................................................... 511
Sentido e valor: avaliar é criar, a loucura como ponto de vista sobre a saúde (pensar normas) ........... 525
Social......................................................................................................................................................... 585
Vitalismo e mecanicismo: Vida Corpo-máquina, vida mecânica e saber geométrico matematizado .. 680
Acaso
“nessas paragens do vago onde toda realidade se dissolve” (MALLARMÉ, 1991, p. 19)
“espontaneamente (sem nenhum recurso a uma intervenção exterior) e por acaso (sem se referir a princípios
estranhos à (ROSSET, 1989, p. 95-7)
Rosset (1989, p. 129) o que revela o acaso é um “estado de morte: isto é, um plano de níveis estritamente
equivalentes, onde nada é suscetível de intervir, de tomar relevo”. Não há fundamento para constituir ou
modificar a natureza, o acaso é um estado de indiferença, sinaliza “o caráter vão de toda empresa”.
Paradoxalmente, esse mundo natimorto é um mundo de festa e renovação – ausência de obra, desobramento,
inoperância celebrada.
A este mundo, Pascal – afirmador de uma natureza perdida a qual quer reencontrar e inimigo do acaso,
portanto – propõe uma “atitude não-jubilatória: viver nele sem tomar ‘parte’ nem ‘gosto’”. Esta atitude de
indiferença, pode ser afirmada de duas formas distintas: como um nada esperar tedioso e como uma atitude
festiva de esperar o acaso com certeza.
bartebly
Loucura trágica é o mais incomodo e o mais impossível para nossa cultura, ela exacerba a realidade de que
Rosset (1989, p. 110) pouco importa que eu esteja perdido, importa q haja um porto, mesmo que eu nunca
chege lá. Pior que se perder no desconhecido é se reconhecer no acaso.
Há aqueles que se perdem, e dentre os que se perder há aqules que desejam nunca se encontrar.
Ela reúne os três elementos do pavor: acaso, desnaturalização, não-ser (p.112)
A perda designa o ser localizável, a a perdição, por sua vez, a inezintencia previa de toda referenciação (rosset,
117-8), desvio positivo da anomalia da loucura.
A criação estética consiste em ir ao encontro do acaso, sobrepujá-lo, fazer correr os fluxos, dar passagens a
criações, a modos de instituição normativa positivos de acordo com acada passagem de vida.
“criar, nessas condições, seria renunciar à necessidade, afirmar o acaso ” ROSSET, p. 188
Nestas condições, criar implica renunciar qualquer necessidade, recusar qualquer razão em proveito de
um ato contraditório por excelência: introduzir um elemento de modificação (acaso) num conjunto
cuja auto-modificação não é modificável (acaso). Pressuposto: nada foi criado, nem é suscetível de ser
criado, seja pela mão do homem ou de deus, que não seja por uma questão de acaso. Consequência: a
aceitação da impossibilidade, assim reconhecida, da criação, é condição necessária e paradoxal da
criação estética.
“o indeterminado não é uma simples imperfeição em nosso conhecimento, nem uma falta no objeto;
é uma estrutura objetiva, perfeitamente positiva, agindo já na percepção como horizonte ou foco.
Com efeito, o objeto indeterminado, o objeto em Idéia, serve-nos para representar outros objetos
(os da experiência), aos quais ele confere um máximo de unidade sistemática”
Comentando sua admiração pela arte do pintor Francis Bacon Kundera (2013, p. 16) traz algumas
entrevistas deste para levantar o papel elementar do acaso em sua pintura. Nelas, o pintor exalta o acaso ao
defender sua pintura primeiro contra a obstinação de sua adjetivação prévia sob o signo do horror e segundo,
da “verborragia teórica barulhenta e opaca que a impede de entrar em contato direto, não midiatizado, não
pré-interpretado, com aquele que a olha”.
Renegando tanto uma expertise demasiadamente inteligente ou estruturada (que o pintor pareia a
Beckett) sobre seu próprio processo de criação quanto as marcas ali deixadas como hábito, Bacon localiza o
acaso numa mancha de cor fortuitamente introduzida no quadro que, no entanto, muda totalmente seu tema e
a leitura que se pode dele fazer. Neste fortuito lance de tinta e pincel – análogo ao lance de dados que
Mallarmé pauta na linguagem –, o pintor encontra na noção de jogo o contraponto elementar da
caricaturização de sua pintura como horror.
Se a as ideias de Beckett sobre criação vão impedindo e limpando os hábitos de sua criação, acabem
por deixar “a impressão de que, por querer eliminar, nada havia ficado e que esse nada definitivo parecia
vazio” (BACON apud KUNDERA, 2013, p. 15). A herança, a rotina e o preenchimento por necessidade
técnica são parte da criação e da pintura de Bacon em seu diálogo com a história da pintura. Há entretanto, a
busca de uma profundidade alheia a tais preenchimentos, pois de acordo com Kundera (2013, p. 17),
quase todos os grandes artistas modernos têm a intenção de suprimir esses “preenchimentos”, de
suprimir tudo aquilo que provém dos hábitos, tudo o que os impede de abordar direta e
exclusivamente, o essencial (o essencial: aquilo que o próprio artista, só ele, pode dizer).
Arrancando os traços de preenchimento, os clichês técnicos cujo modelo o escritor tcheco encontra
nas tradicionais transições de temas nas sonatas, resta relação singular do artista com a criação. A relação
singular e direta de profundidade, a mesma que Bacon dedica aos corpos que pinta sobre planos
monocromáticos, arquissimples e chapados. Sobre este fundo, o pintor sobrepõe um primeiro plano
desdobrado na profundidade densa de cores e formas. Sobre o fundo ascético, no qual a beleza parece estar
em dieta reduzida, uma explosão nada purista ou sublimatória de beleza, pois se trata daquilo que, à despeito
do horror dos açougues, pulsa na “grande beleza da cor da carne”, como nos revela Bacon (apud KUNDERA,
2013, p. 17)
Em seguida, para fechar o ensaio, Kundera (2013, p. 21) tergiversa valendo-se de falas do próprio
Bacon:
VER:
Acontecimento
“As verdadeiras Entidades são acontecimentos, não conceitos” (Deleuze e Parnet 1998 80). Além disso, querer
o acontecimento pressupõe também levar o próprio juízo ao seu limite, suspender o excesso da interpretação
pela leveza da experimentação com a vida: “trata-se de querer o acontecimento, qualquer que ele seja sem
Para o ano novo” >>Tudo “se revela imediatamente ou logo depois como algo que ‘não se deveria faltar’”(Id.
§277 522).
que “palavras são signos sonoros para conceitos; mas conceitos são mais
ou menos determinados signos-imagem ... para grupo de sensações”, Todo acesso conceitual à vida, pois, é
abreviação e sufocamento das possibilidades criadoras6
VER: série de acontecimentos em convergência ou divergência em NC 2011 como modo gregário de tratar
as multiplicidades pululantes em cada acontecimento.
preciso entender por acontecimento não uma decisão, um tratado, um reino, ou uma batalha, mas uma
relação de forças que se inverte, um poder confiscado, um vocabulário retomado e voltado contra
seus utilizadores, uma dominação que se enfraquece, se distende, se envenena e uma outra que faz
sua entrada, mascarada. As forças que se encontram em jogo na história não obedecem nem a uma
destinação, nem a uma mecânica, mas ao acaso da luta.
O qual relaciona a Nit G.M., II, 12.
“o acontecimento é coextensivo ao devir e o devir, por sua vez, é coextensivo a linguagem” (LS, p. 9)
Ao nível da superfície, o acontecimento é um conjunto de singularidades colocadas em relação
O acontecimento não é obra de um indivíduo, a saber, não se trata de passividade ou atividade de um sujeito,
os objetos reais não atuam como causalidade sobre o incorporal do sentido. Este, por sua vez não é mais que
quase-causa dos efeitos de superfície. Assim, perguntamos: qual é o operador que produz, não o
acontecimento em si, mas que produz efeitos no sujeito a partir de suas fendas, superfícies e dobras? Este
operador que catalisa e atualiza o acontecimento em sua realidade incorporal e impessoal (DELEUZE, LS)
sobre a superfície do vivo.
O esquecimento, como a morte, são desvios incondicionados. Arrastam à revelia, à despeito de toda
vontade.
1
Relativamente a Áion e Chronos, “a compreensão da posição deleuziana supõe a leitura conjunta de Diferença e repetição (as três
sínteses do tempo), de Lógica do sentido (a oposição de Chronos e Áion) e de A imagem-tempo (a oposição de Chronos e Cronos,
cap. 4 – ver CRISTAL DE TEMPO)”.
Para retomar a superfície objetiva onde o mundo se faz, pois
“uma cumplicidade primeira com o mundo fundaria para nós a possibilidade de falar dele, nele, de designá-
lo e nomeá-lo, de julgá-lo e de conhece-lo finalmente, sob a forma da verdade” (FOUCAULT, 2011a, p. 48)
acontecimento e criação
Querer o acontecimento na plenitude de ser digno do que nos acontece, pois, exige um outro pathos,
um duplo movimento que ultrapassa a mera “efetuação” da ferida no corpo, da vulgar experimentação
do comum que aprisiona nas malhas conceituais e impede a criação. E aqui tocamos em nosso
problema: denominamos esse pathos precisamente como a arte de transfigurar.
Deleuze e Parnet (p. 61??) tratam de “experimentação-vida” entra na ordem da filosofia experimental
(NIT FP 1980, 16 (32)), que leva a filosofia para além da representação, no intuito de buscar outras vias de
acesso à vida.
O acesso À vida se dá pela experiência, só ela autoriza (cf. BATTAILE, ExpInt??).
Conclusão: O terapeuta é aquele que ajuda a montar conexões para que o desejo possa operar e funcionar
intensificando o presente não interpretanto ou descobrindo a significação das palavras, mas fazendo-as
passar por intensidades, fazendo estas passar pelas palavras através da linguagem e de agenciamentos
construtivos. Não há nada por trás. Ele escuta e através das sintonias afetivas empresta seu corpo para que
sirva de ponto de partida para novos agenciamentos.
Há de se sensibilizar a consciência para torna-la porosa permeável, coextensiva ao plano da produção
desejante, plano virtual do inconsciente ao qual não tocamos, pois só tocamos suas atualizações. Mobilizamos
aspectos intensivos ou expressivos, afetos de vitalidade como pontua Stern. O pensamento inclui o afeto
como forma de conhecer o mundo. “Controlar o incontrolável, recortar a nosso modo a mudança contínua
onde a vida se insere. Contraefetuar o acontecimento” (RAUTER, 2012, p. 149).
Os grupos funcionam como acesso ao plano coletivo ou plano virtual, que é o plano intempestivo. Nos
grupos se atualizam ritornelos existenciais tais quais ele opera no cotidiano.
A droga é um modo de intensificação de sensações, um modo ético de operar com o organismo.
Produzir uma mudança subjetiva aproxima a clínica da arte, [[fazer dobras sobre e com o possível com ou
desde o informe. Dobrar o informe das forças que constituem e atravessam para dar realidade formal
(secundária) AE:
a própria obra de arte é que constitui uma psicanálise bem-sucedida, uma sublime “transferência”
com virtualidades coletivas exemplares. Ressoa a hipócrita advertência: um pouco de neurose é bom
para a obra de arte, é uma boa matéria, mas não a psicose, sobretudo não a psicose; e assim se distingue
o aspecto neurótico, eventualmente criador, do aspecto psicótico, alienante e destruidor (DELEUZE&
GUATTARI, 2011, p. 181).
Freud (1916 – Notas introdutórias a psicanalise, Vol XVI Standar Ingles p. 312) enxerga criação artística
como meio compensatório para ganhar atenção dos pais.
Já Otto Rank (1989) vê na criação artística um rompimento com a trajetória pessoal, com a história infantil
e familiar um contato com as forças sociais e com outros planos, como o do cosmos. Para Rank o
inconsciente não se restringe às representações recaladas, mas se associa com a vontade, no sentido
nietzschiano. Nem tudo é sexual, que remete ao plano pré-individual, assim como a criação.
A crítica de Deleuze e Guattari (2011) à sublimação é que a libido tenha de se converter em outro tipo de
energia para investir os objetos sociais – dados formalmente como modelos ou nas linhas de exigências ou
de uma normalidade (inteligibilidade e realização) socialmente aceitável. Assim a sublimação depende da
dessexualização.
A sublimação está profundamente ligada à analidade, mas não no sentido em que esta, por lhe faltar
outro uso, forneceria uma matéria para sublimar. A analidade não representa o mais baixo que seria
preciso converter num mais elevado. É o próprio ânus que passa para cima, o que ocorre nas condições
de sua exclusão do campo, condições que teremos de analisar e que não pressupõem a sublimação,
pois é esta que, ao contrário, deriva delas. Não é o anal que se propõe à sublimação; [168] a sublimação
é que é inteiramente anal; assim, a crítica mais simples que podemos fazer à sublimação é dizer que ela
não nos faz sair da merda (só o espírito é capaz de cagar). A analidade é tanto maior quanto mais
desinvestido estiver o ânus. A essência do desejo é certamente a libido; mas quando a libido devém
quantidade abstrata, o ânus, elevado e desinvestido, produz as pessoas globais e os eus específicos
que servem de unidades de medida para esta mesma quantidade. Artaud diz bem: este “cu de rato
morto suspenso no teto do céu”, donde sai o triângulo papai-mamãe-eu, “o uterino mãe-pai de um anal
furioso” de que a criança é apenas um ângulo, esta “espécie de revestimento eternamente pendente
sobre uma coisa qualquer que é o eu” (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p. 190).
Mas toda curiosidade cientifica exploratória é sexual também. Rauter (2012, p. 122) aponta que o inconsciente
freudiano é incapaz de produzir algo novo, sua função incute transformações que mantém tudo em seu lugar
e termos, e os sonhos não produzem “nada que já não estivesse contido nos restos diurnos e nas ideias latentes.
Já para Winnicott, o brincar é uma experimentação que fica entre o sonho e a realidade e se perde na doença.
Ele habita o espaço transicional, progressivamente conquistado com a autonomização em relação à mãe e
dela diferenciar-se. Só brinca quem é capaz de estar só no processo de singularização e do estar em grupo
(WINNICOTT, O brincar e a realidade, p. 63). O contraponto é a vida meramente adaptativa, que implica no
isolamento, perda de sentido e da capacidade de criar.
O espaço transicional é o plano de emergência de formas ou do território, que são mínimos ali
(GUATTARI, 1992, p. 114). Cabe À clínica restaurar ou inventar formas de viver criativamente, por isso,
deve suportar o caos sem interpretações que dêem sentido apressadamente. “A vivência do caos é produtiva”
desde o não sentido caótico se engendram formas criativas de viver, sentidos.
A psicoterapia clínica trabalha no limiar entre o caos e a organização, a interpretação quando surge,
deve surpreender. Os sentidos devem ser construídos e não dados de antemão. O exercício da criatividade é
ativo e soberano, confere autonomia ao sujeito. Rank (1989) considera a experiência terapêutica como
criação, pois os tipos criador e revolucionário estabelecem relação ativa com a civilização e não estacionária
de adaptação submissa ao meio, como o neurótico. O viver criativo parte de uma ética positiva onde as ações
geram atos criadores.
A criação diz respeito À atualização de forças positivas e alegres e afirmativas.
“A vida é o que se quer produzir por meio da arte. A arte não a imita, mas interfere e cria condições para
sua construção” (RAUTER, 2012, p. 132).
[[loucura ou criação, ambo são acontecimento, produzem : sentido + marca no corpo: a clínica seria tentativa
de instaurar acontecimentos, ou dar, criar planos de imanência? VER plano de consistência, transcendental
Deleuze (DR) traz Hölderlin (em seus comentários a Édipo Rei, junto a Hamlet e ao Dezoito Brumário de
Marx) para tratar dos três tempos que caucionam a ação histórica. Entendemos que estes três tempos
comparecem de maneira singular na clínica da loucura tal como a tomamos aqui.
Obviamente, nem sempre algo acontece, na maior parte das vezes o trabalho clínico é paciente e
persistente na sua delonga, “no tempo fora dos gonzos” e não raro o antes prevalece cristalizado por bastante
tempo numa sedimentação dos arranjos subjetivos. Por razões de síntese, seguimos adiante e passamos aos
três tempos definidos por na elaboração deleuzeana.
Antes é o tempo da cristalização das formas subjetivas, ali o sujeito permanece sedentarizado em torno
da figura psicossocial do maluco de serviço psiquiátrico. Este tempo se define pela deficiência e pelo
inapelável fechamento sobre si. É o tempo da circularidade paranoica. [ no primeiro tempo da trilogia tebana,
Édipo se mistura aos deuses, ele tudo pode, nas formas parecem conjugadas na eternidade divina. A paz dos
Deuses lhe aparece como até que vem a peste. E com ela a revelação do horror em que se concretizara seu
destino. Édipo tendo se descoberto parricida e incestuoso, fura os próprios olhos.]
Ao que se segue a cesura: algo emerge daquela forma objetivada. Geralmente informe, por vezes
imperceptível e noutras escandalosamente gritante como um surto psicótico, algo se passa que abre a
experiência subjetiva para as forças inumanas. Caracterizada como abertura, a cesura corresponde à efetuação
do acontecimento (DELEUZE, 2000), trazendo um magma furioso de desterritorialização e transformações
onde provoca a queda dos valores e das determinações e, contiguamente, a suspensão do sentido.
O depois é caracterizado por Deleuze como tempo do plebeu, do homem sem nome ou fisionomia. É
o tempo de trágica vida de Édipo em Colono. É também o de Ulisses, que se assumira como ninguém perante
o ciclope, no seu retorno a Ítaca como um comum para reivindicar seu trono a partir de um torneio de arco e
flecha. É o tempo condicionado por um “mínimo de eu” como tomamos partido valendo-nos de uma exposição
de René Schérer (2005).
Não deve ficar preso À sua efetuação, o vivo deve seguir adiante,
Acontecimento, contra-efetuação e sentido
[[efetuação e perda...acto
Para Nietzsche (1992, p. 47), a lírica não é plenamente realizável. Algo sempre se perde na efetuação do
acontecimento, faz parte da aposta – enquanto jogo da criação trágica segundo Blanchot (CI2??) perder –
perder algo.
Na lírica o querer (inestético) e a contemplação (estética) são inseparáveis.
VER: sentido;
Acontecimento e corpo
Díaz (2012, p. 98) salienta que numa perspectiva nietzschiana (2005, 2006), o corpo é o lugar da origem, da
Herkunft, onde temos a marca atual de vitórias passadas, e de onde nascem os desejos, as pequenas mortes e
os erros. Onde a vida se expressa, se anula, se debate e se contradiz em perpétuo conflito entre as partes
constituintes [[[Marton).
Singularidades.
O corpo [[[ver contraste com normalização]] não é unidade substancial, mas é superfície de inscrição e lugar
de dissociação do eu e das identidades instituídas, é um volume em queda perpetua. Daí A genealogia da
moral se pautar como análise da proveniência na articulação do corpo impregnado de História, que por sua
vez o destrói.
Assim, é no corpo, fonte das marcas atuais, que se dá a emergência do acontecimento.
O acontecimento,m além de ser visível está envolto em práticas discursivas.
Além das palavras vazias e abstratas e dos meros fatos secos, há de se construir as condições de possibilidade
aquém das formas constituídas, acessar a dimensão capaz de romper a superfície e desatar os nós nas quais o
instituído se formou e se crislizou como sentido que qualifica a experiencia. A obra não conserva sua
individualidade, só há a matéria da obra, que não é nada até que convertida um elemento de realidade na
relação com os jogos de força, é a reconquista da superfície.
A história aparece como o jogo dos lugares psicossociais, predestinados, contra o qual se impõe a emergência,
como afirmação do não-espaço.
Não há lugar para este enfrentamento, o enfrentamento é o próprio lugar, e o enfrentamento é o corpo.
O perspectivismo só é capaz de recortar um acontecimento, um fato, uam situação em sua unicidade
aleatória. Não há como fazer soluções gerais, são sempre singulares cada composição clínica. Sua limitação
reside aí. O sentido histórico nietzschiano é perspectivo e não ignora esta injustiça como aponta Foucault
(2005, p. 30). [[ver Klossowski (2004, p. 17, sobe sentido histórico e individual em Nietzsche]]
Assim como o esquecimento ,a capacidade de desfazer o eu, de romper a superfície cristalizada é uma força
ativa que serve de instrumento clínico. O desobramento é uma força ativa, diligente, impulsora e não
paralisante.
Acontecimento e cristalização
Sobre a surpresa, Janine Ribeiro, tratando da distinção entre cristalização e fritura (1985,p. 30-1) cita Brillat-
Savarin:
“Todo o mérito de uma boa fritura provém da surpresa; é assim que se chama a invasão do liquido
fervente, que, no mesmo instante em que se dá a imersão, carboniza ou tosta a superfície externa do
corpo imergido" (...) Nos dois casos transforma-se o objeto, ou melhor, sua superfície externa; esta se
toma irreconhecível: na cristalização é a mudança que importa, porque o amor-paixão só conta no
apaixonado, e por isso se nutre somente de aparências (memórias, que são imaginações). Na fritura,
porém, diz-se que a
modificação que embeleza o fora não altera significativamente
o dentro; este é reconhecível; o que pdderia valer,. igualmente,
para a cristalização, e só não serve porque nesta não interessa
o objeto que serviu de suporte aos diamantes. (...) Se há diferença nas transmutações, é em primeiro
lugar de ênfase (porque na cristalização acentua-se somente a parte externa do objeto), e de tempo,
em segundo - contrastando a lentidão do cristalizar com a rapidez da fritura. Assiste-se, nos dois
casos, a uma modificação do objeto que, sem alterar seu interior, exalta, magnifica a sua superfície
exterior. (...)O uso da surpresa,
como recurso de pensamento, supõe que se contesta
uma razão que se restringiu a suas familiaridades, isto é, a
seus hábitos. Para esse pensamento cansado, a sUrPresa é o
melhor remédio ou, se quisermos usar a fórmula foucaultiana
tão freqüente, a melhor estratégia. Assim, os talvez de Foucault,
os seus pequenos/atos menos avalizam uma modéstia,
do que pertencem a um saber e um fazer militares. (...)A sUrPresa é um princípio de economia militar
– tentar fazer que forças relativamente inferiores se valham de agilidade para vencer inimigo mais
poderoso; fazer que no tempo a rapidez, no espaço a mobilidade, em suma a energia, prevaleçam
sobre a massa. (...)Usar de sUrPresa na guerra é, podemos dizer, introduzir o teatro na arte militar:
aumentar, nos encontros armados, a importância das simulações, dos disfarces e enganos. (...)"A
sUrPresa faz parte do domínio
da tática, pela simples razão de que, nesta, todos os dados de tempo e lugar são mais curtos.
CONTINUA.....
Os acontecimentos não tem nada a ver com interioridade, se dão como jogo de forças na superfície do mundo,
eles se dão no fora, aquém das formas de exterioridades dos saberes e das interioridades psicológicas.
O acontecimento é um cristal
VER: Buci-Glucksmann – Estética do efêmero.
Afeto em Nietzsche
“Ser cruel e inexorável com tudo o que é velho e enfraquecido em nós” (NIETZSCHE, GC, par 26) pressupõe
um mundo que se vai, que deixa de existir, a morte do instituído para o assentamento do novo, a partir do qual
se implanta novos sentidos para a experiência da loucura.
A escrita como exercício pessoal praticado por si e para si é uma arte da verdade contrastiva; ou,
mais precisamente, uma maneira refletida de combinar a autoridade tradicional da coisa já dita com
a singularidade da verdade que nela se afirma e a particularidade das circunstâncias que
determinam o seu uso.
Ainda estou à espera de que um médico filosófico, no sentido excepcional da palavra - um médico que
tenha o problema da saúde geral do povo, tempo, raça, humanidade, para cuidar -, terá uma vez o ânimo
2
De fato, a afirmação da vida como valor maior está presente desde os primeiros escritos nietzschianos. Porém, como aponta
Mendonça (?? Ver trágica), tal afirmação ganha contorno e argumento cada vez mais orientado para a valorização da experiência
artística das superfícies e das aparências, que para o estudo das ciências e saberes de sua época. Movimento de valorização das artes
para afirmação da vida que ganha sua expressão mais acabado, segundo a comentadora, em A Gaia Ciência e que, não obstante,
pode ser acompanhado no volumoso apanhado de notas que integram a edição dos Volumes Póstumos.
de levar minha suspeita ao ápice e aventurar a proposição: em todo filosofar até agora nunca se tratou
de ‘verdade’, mas de algo outro, digamos saúde, futuro, crescimento, potência, vida.
Afeto em Nietzsche
ABM, p 23, 127
P 12 “a alma como estrutura social dos instintos e dos afetos” construção da inteligência, invenção de causas
q não existem,
FragPost 1883-84, p 24 ou 20
A travessia À profundidade é uma viagem vertiginosa (ABM, 23)
Ressaltando criticamente que a psicologia se orienta por preconceitos e apreensões de ordem moral, sob o
signo da espiritualidade pura que se pretende fria em seu desinteresse, redunda numa ação paralisadora, em
seu deslumbre (provindo da inebriação dos valores superiores) deformante da cobiça e do comando que visam
e estão no fundo da conservação e da necessidade.
FP 1888: Nietzsche opõe o amor, o orgulho,o respeito, o triunfo a voluptuosidade, a Vontade de poder e a
vingança, como afetos que ajudam o indivíduo no domínio e expansão, na precedência da VP sobre a vida,
eles sobressaem aos afetos deprimentes como a compaixão e o espanto, que servem de purgativos na tragédia
grega antiga, elas são a outra face da frieza e indiferença das estatuas frente à necessária ruptura deslocadora
do afetos.
Por um lado não se deve destruir ou seccionar os afetos, selecionando-os do que acontece a alguém, não se
deve reduzi-los através de análises que os reduzam a mediocridades particulares. Por outro, não se deve
entregar condescendentemente e passivamente aos afetos, às forças inorgânicas (como Nietzsche critica
Goethe em ABM).
Há que proceder por direcionamento
Em outros termos, método para o manejo das forças intensivas.
A magia e o encanto de Klossowski é que soube interpretar Nietzsche através dele mesmo, isto é, se
desfazendo das noções de sujeito, razão e consciência. Ele parte do instinto, da vontade de potência e do
eterno retorno – assim como afeto, impulso (pulsão, Trieb), desejo. Usar a corporalidade e os instintos
para entender o pensamento, as exigências fisiológicas para um modo de vida.
Grande para Nietzsche é possuir força e vontade anímica.
Agenciamento
Pensando sobre questões de método Deleuze e Guattari (2005, p. 59) afirmarem tacitamente:
não fazemos evolucionismo, nem mesmo história. As semióticas dependem de agenciamentos, que
fazem com que determinado povo, determinado momento ou determinada língua, mas também
determinado estilo, determinado modo, determinada patologia, determinado evento minúsculo em uma
situação restrita possam assegurar a predominância de uma ou de outra. Tentamos construir mapas de
regimes de signos: podemos mudá-los de posição, reter algumas de suas coordenadas, algumas de
suas dimensões, e, dependendo do caso, teremos uma formação social, um delírio patológico, um
acontecimento histórico... etc.
Foucault.
O que é um agenciamento? Em princípio, é uma alternativa
conceptual ao sujeito e à estrutura, que permite a Deleuze – as
palavras são de Philippe Mengue – “refundar uma teoria da expressão,
eliminando qualquer traça «representativa» na função de
expressão, e contornando toda a teoria da linguagem e dos signos
(do significante) de Saussure”12.
Como funciona? Basicamente, relacionando os fluxos semióticos
com os fluxos extra-semióticos e as práticas extra-discursivas,
para além das relações de significante a significado, de representante
a representado: trata-se de uma relação de implicação recíproca
entre a forma do conteúdo (regime de corpos ou maquínico)
e a forma da expressão (regime de signos ou de enunciação). Neste
sentido, qualquer agenciamento tem duas caras: “Não há agenciamento
maquínico que não seja agenciamento social de desejo, não
há agenciamento social de desejo que não seja agenciamento colectivo
de enunciação (...) E não basta dizer que o agenciamento
produz o enunciado como o faria um sujeito; ele é em si mesmo
agenciamento de enunciação num processo que não permite que nenhum sujeito seja atribuído, mas que
permite por isto mesmo
marcar com maior ênfase a natureza e a função dos enunciados,
uma vez que estes não existem senão como engrenagens de um
agenciamento semelhante (não como efeitos, nem como produtos).
(...) A enunciação precede o enunciado, não em função de um
sujeito que o produziria, mas em função de um agenciamento que
converte a enunciação na sua primeira engrenagem, junto com as
outras engrenagens que vão tomando o seu lugar paralelamente13.
Há outra característica fundamental dos agenciamentos: qualquer agenciamento apresenta, por um lado, uma
estratificação
mais ou menos dura (digamos, os dispositivos de poder; Deleuze
diz: “uma concreção de poder, de desejo e de territorialidade
ou de reterritorialização, regida pela abstracção de uma lei
transcendente” (Kaf, 153fr), mas por outro compreende pontas de desterritorialização, linhas de fuga por
onde se desarticula e se metamorfoseia
(“onde se liberta o desejo de todas as suas concreções e abstracções”, diz Deleuze15).
Resistência:
os processos de subjectivação como dobra das relações de força dos dispositivos de
poder. Trata-se da constituição de modos de existência, da invenção
de possibilidades de vida, da criação de territórios existenciais,
seguindo regras facultativas, capazes de resistir ao poder como de
furtar-se ao saber, mesmo se o saber intenta penetrá-las e o poder
de reapropriar-se delas.
Só há desejo agenciado ou maquinado. Vocês não podem apreender ou conceber um desejo fora de um
agenciamento determinado, sobre um plano que não preexiste, mas que deve ser ele próprio construído."
(Dial,115). Isso é insistir mais uma vez na exterioridade (e não na exteriorização) inerente ao desejo
agenciamento o nome que lhe cabe, "desejo"? Aqui o desejo torna-se
feudal. Aqui como em outra parte, é o conjunto dos afetos que se transformam e
circulam em um agenciamento de simbiose definida pelo co-funcionamento de
suas partes heterogêneas.
Os enunciados que neste caso, não se confundem com estados de coisas ou com a descrição destes, peças e
engrenagens dos agenciamentos (cf. DELEUZE & PARNET, Dial). Correspondem a formalizações não-
paralelas de expressão e conteúdo que agenciam signos e corpos como peças heterogêneas de uma
máquina não-essencial, que funciona sempre nos limiares, nas pontas de desterritorialização. Eis o duplo
movimento do desejo colocado em jogo nas cadeias significantes, de código e de fuga, com seus elementos
significantes e a-significantes: codificação e descodificação. Se instaura territórios é sob um fundo e uma
lógica desterritorializante, dessaterradora cuja promessa ou a ameaça de se levar a um outro ponto não pode
ser confundida com falta ou reduzida a uma espécie de imprinting que o aloca na ordem das trocas afetivas,
numa metafísica intersubjetiva simbólica.
Antes, o desejo inscreve a carne e a realidade com seu devir sem termo, por isso, se deseja no
infinitivo: trata-se de um querer, um levantar, um desfazer, etc.
“Assim que o desejo agencia alguma coisa, em relação com um de Fora, em relação com um devir, destrói-
se o agenciamento” (DELEUZE & PARNET, Dial, p. 63) em sua
a narrativa inscreve a criação na estrutura do tempo narrado (Imagem-tempo), de modo a extrair um sentido -
como Kairos – do tempo infinito de Cronos. Assim, “a narrativa representa o tempo indiretamente”.
Vemos assim que uma metafísica desejante transcendental que visa restaurar a verdade, universal e sempre
acessível dos estados da alma na estrutura, ou melhor, na estruturação desejante do ser do sujeito. Uma
verdade eterna dada pela voz enquanto presença do ser a si mesmo, como sentido interno ao ser e sua verdade
ao que opomos a instauração de uma inscrição que é primeira (AE) à dinâmica intersubjetiva das trocas
afetivas que alicerçam o desejo enquanto desejo do outro sob a égide de um Outro magnificente.
VER: dispositivo;
Angústia
Anômalo
um termo menor extraido do menor. Extrair o termo, e no caso é o anômalo, a variavel menor, q é moby
dick (Devir intenso MP!!) quebra o sensório motor no ImaMov, a queda não é a morte, é o nascimento, algo
morre. Aniquilamento, tragédia, catástrofe.
Que seria para além do homem? o homem superior tenta superar-se a partir disto, nao é evolução. Tá mais
proximo da involução, por que nao é o alemão mas o grego. por que este movimento involutivo!
Deligny (deleuze) o humano como comum da espécie, q nos destaca do comum como se dele tivéssemos
dele evoluido. como se no fundo a FilDif procurasse uma etologia, ecologia, dimensao das indiscernibildiades.
tenho distinçao sem separaçao, a mais absoluta comunidade, o neo-comunismo. nao mais a partir da logica de
classes, nao mais nas etapas da evoluçao, q é uam superaçao pra tras, nao p frente. Voltar a sopa prebiotica,
proteina fervendo, onde se dá os processos autopoieticos. Isso soa diretrizes, nem o ezquizo vive isso. Tem
chiste, tem extase, sonho, ato falho, e aí a moral vai pro ralo.
O fio de ariadne ajudando teseu era o fio da moral, do conhecimento.
Seguindo esta linha de pesquisa, Canguilhem (2002) ressalta que, atento ao problema da
monstruosidade, que não deixa de ser um tipo de anomalia, I. Saint-Hilaire distingue quatro categorias de
anomalia distintas segundo complexidade e gravidades gradativas: Variedades, Vícios de conformação,
Heterotaxias e Monstruosidades. As variedades são anomalias leves e simples que não apresentam desvios
graves de formação ou funcionamento, não caracterizando deformações nem dando margens a infortúnios
para realização de funções. Os vícios de conformação são igualmente anomalias simples, porém com
agravantes de formação anatômica, que comprometem ou inviabilizam a realização de uma ou várias
funções devido a sua deformidade constitutiva (por exemplo: a imperfuração do ânus, a hipospadia, o lábio
leporino).
Já as heterotaxias são anomalias complexas e graves do ponto de vista anatômico que têm, contudo
maior aceitação devido ao fato de serem dificilmente percebidas e não comprometer as funções do organismo
(o exemplo raro aqui é a transposição completa das vísceras ou situs inversus). Por fim, as monstruosidades
são anomalias muito graves e complexas que, não obstante, comprometem ou impossibilitam a realização
de uma ou de várias funções ou – o que é considerado por Saint-Hilaire ainda pior – engendram conformações
viciosas radicalmente distintas daquelas estabelecidas por sua espécie (como a ectromelia ou a ciclopia).
Em anatomia, o critério da gravidade das anomalias se deve à importância do órgão nas conexões
fisiológicas e anatômicas que ele tem. Por outro lado, podemos afirmar que a gravidade da anomalia da
loucura é dada de acordo com o grau de periculosidade frente à capacidade responsiva do sujeito, em suma,
condiz a sua capacidade de conexão e articulação no âmbito social.
Ora, o nomos grego e o norma latino têm sentidos vizinhos, lei e regra tendem a se confundir. Assim,
com todo o rigor semântico, anomalia designa um fato, é um termo descritivo, ao passo que anormal
implica referência a um valor, é um termo apreciativo, normativo, mas a troca de processos gramaticais
corretos acarretou uma colusão dos sentidos respectivos de anomalia e de anormal. Anormal tornou-se
um conceito descritivo, e anomalia tornou-se um conceito normativo. (...) A anomalia é um fato
biológico e deve ser tratada como fato que a ciência natural deve explicar, e não apreciar: "A palavra
anomalia, pouco diferente da palavra irregularidade, jamais deve ser tomada no sentido que se
deduziria literalmente de sua composição etimológica. Não existem formações orgânicas que não
estejam submetidas a leis; e a palavra desordem, tomada em seu verdadeiro sentido, não poderia ser
aplicada a nenhuma das produções da natureza. Anomalia é uma expressão recentemente introduzida
na linguagem anatômica, e cujo emprego nesta linguagem é pouco frequente. Os zoólogos, dos quais a
expressão foi tirada, a utilizam, ao contrário, muito freqüentemente; eles a aplicam a um grande número
de animais que, por sua organização e seus caracteres insólitos, se encontram, por assim dizer,
isolados na série e só têm com outros gêneros da mesma classe relações de parentesco muito afastadas"
(CANGUILHEM, 2002, P. 50-1)
Logo, devemos desvencilhar a anomalia das usuais concepções que a compreendem como desordem,
irregularidade ou como um capricho da natureza. Pois elas não condizem à perversão das leis da natureza,
elas são produções, artifícios da própria natureza em seu ethos artificialista (cf. ROSSET, 1989a). O
anômalo não é senão uma exceção às leis que os homens determinam aquilo que podem compreender como
leis naturais, que especificam os caracteres e relações mais frequentes e os modos como se deve ser segundo
seus próprios parâmetros. Por isso, mesmo que coincida com o anormal, enquanto aquilo que se afasta, por
sua própria organização, da maioria dos casos e situações que lhe servem como referência, a especificidade
do anômalo reside em seu caráter inabitual e insólito. A anomalia é aquilo que não cabe nos parâmetros de
medida, estruturação e formalização que definem as ciências da vida.
Condição que não deixa de definir a anomalia, enquanto conceito empírico e descritivo, em torno de
um desvio estatístico. [[loucura crítica]] Mas ela não se confunde com o anormal pois coloca suas próprias
questões para si, desvencilhada da norma referencial sobre a qual é definido o anormal.
Na esteira destas afirmações, se colocarmos a loucura como anomalia, podemos articular as pesquisas
de Foucault (1979) que toma a loucura como uma experiência fundamental de insubordinação com a
ponderação de Canguilhem (2002, p. 52) de que a anomalia só é objetivada pelos saberes com a condição
de ter sido objeto da consciência. Trocando em miúdos, isto implica no fato de que a loucura é silenciada
para, em seguida, ser objetivada pelo monólogo da razão. À medida em que é alvo de uma percepção, à
medida em que se percebe a diferença elementar na qual implica ser louco ou anômalo, “sob a forma de
obstáculo ao exercício das funções, sob a forma de perturbação ou de nocividade” é que nos tornamos
capazes de dar um nome e formular saberes para a experiência inominável da loucura.
Deleuze e Guattari (2011) já sinalizam para esse espetacularismo que ameaça a todo tempo o vivente a cari
num abismo do indiferenciado.
Anomalia X anormal
anomalia designa um fato, é um descritivo, enquanto anormal faz referência a um valor, sendo um
termo apreciativo. Não obstante, a confusão tornou o anormal um conceito descritivo e a anomalia,
avaliativo (cf. NP, 1990, p.101). Pela sua perspectiva, o anômalo seria apenas o “desigual”, o
“diferente”, e o patológico sim seria o “anormal”, não por carecer de norma, mas por ser uma norma
valorada negativamente pela vida: “o patológico não é a ausência de norma biológica, é uma norma
diferente, mas comparativamente repelida pela vida
A anomalia, como uma variedade biológica, pode transformar-se em doença, mas não é, por si só,
uma doença: “a anomalia pode constituir um objeto de um capítulo especial da história natural, mas
não da patologia” (NP,
Saint- Hilaire, a anomalia é um fato biológico que a ciência deve explicar e não apreciar
Não existem formações orgânicas que não estejam submetidas a leis, e se existem exceções, são
exceções às leis dos naturalistas, e não às leis da natureza. Ou seja, todas as espécies vivas “são o que
devem ser”.
A anomalia tem suas leis próprias de formação e funcionamento.
como variedade biológica, seria apenas qualquer desvio do tipo específico ou qualquer particularidade
orgânica apresentada por um indivíduo comparado com a grande maioria dos indivíduos de sua espécie
Ela será patológica apenas quando suas normas forem inferiores quanto à estabilidade, fecundidade e
variabilidade da vida e forem sentidas privativamente pelo organismo, num determinado meio. Isto é,
enquanto a anomalia não tiver uma incidência funcional a ponto de ter expressão na ordem dos valores
vitais, ela será uma variação sobre um tema específico, uma ilustração da diversidade de normas
presente na ordem biológica: “A anomalia é a consequência de variação individual que impede dois
seres de poderem se substituir um ao outro de modo completo. Ilustra, na ordem biológica, o princípio
leibnitziano dos indiscerníveis. No entanto, diversidade não é doença” (NP,
É normal que exista a variabilidade, pois ela é necessária à adaptação e, portanto, à sobrevivência das
espécies (cf. NP, 1990, p.242). É através da variabilidade que a vida obtém, “sem procurar fazê-lo”,
uma espécie de seguro contra a especialização excessiva, sem reversibilidade ou flexibilidade, o que
no fundo é uma adaptação bem sucedida (cf. NP, 1990, p.111). Daí a importância das mutações para
a preservação das espécies: “em matéria de adaptação, o perfeito ou acabado significa o começo do
fim das espécies” (NP,
Refuta que as modificações do código genético contradizem a “sabedoria dos organismos”, Canguilhem
lembra que nem todas as alterações bioquímicas são patológicas, pois pode acontecer que, em certos
meios, elas possam conferir uma certa superioridade àqueles que são seus beneficiários
“ao contrário da humanidade que, segundo Marx, só levanta os problemas que pode resolver, a vida
multiplica, de antemão, soluções para os problemas de adaptação que poderão surgir” (NP, 1990,
p.240).
a maior parte dos seres vivos são mortos pelo meio muito antes que suas desigualdades possam lhe ser
úteis, isso não quer dizer que apresentar desigualdades seja biologicamente indiferente (cf. NP
dois sentidos da flutuação, propicia a adaptação, mas também a plasticidade (2012).
Há de se criar as condições para o anômalo da loucura responder Às exigências do meio, ou ressignificar
estas através da presença pujante da anomalia.
Para ser normativo, ou normal, saudável, não se há de ser fiel a um tipo específico ou ao normal referencial
segundo um sentido social imposto sob certa distribuição política sobre o real, mas de ser normativo,
capacidade de instituir novas normas vitais quando da necessidade de superar as dificuldades que
resultam de uma alteração do meio em que se encontra.
o normal=saudável em biologia não é tanto a forma antiga, a mais frequente ou aquilea pautada pelos
mecanismos de normalização, mas a nova, se ela conseguir, no seu meio, manter-se se estabelecer
como atitude normativa:
“Compreende-se finalmente, porque uma anomalia – e especialmente uma mutação, isto é, uma
anomalia já de início hereditária – não é patológica pelo simples fato de ser anomalia, isto é, um desvio
a partir de um tipo específico, definido por um grupo de caracteres mais freqüentes em sua dimensão
média. Caso contrário seria preciso dizer que um indivíduo mutante, ponto de partida de uma nova
espécie é, ao mesmo tempo patológico porque se desvia, e normal, porque se conserva e se reproduz.
O normal, em biologia, não é tanto a forma antiga, mas a nova, se ela encontrar condições de existência
nas quais parecerá normativa, isto é, superando todas as formas passadas, ultrapassadas e, talvez, dentro
em breve, mortas” (NP,
Anomalia e caosmose
- Félix Guattari : Conversación con Juan Luis Martínez
(http://www.letras.s5.com/jlmartinez230801.htm)
un movimiento de caosmosis. Pero el caos no es en absoluto el desorden, la catástrofe, el fin. Es una manera
de realimentar la complejidad y refundrla en el mismo movimiento en que se produce esa abolición
caósmica.
E não tem nada a ver com espaço e tempo.
Amigo amizade
"Dois homens, de idade extremamente diferentes, que código eles usariam para se comunicar? Eles estão um
diante do outro, sem armas, sem palavras convencionais, sem nada que os tranquilize acerca do sentido do
movimento que os leva um para o outro. Eles têm de inventar de A a Z uma relação ainda sem forma, que é a
amizade: isto é, a soma de todas as coisas por meio das quais, um pode dar prazer ao outro".
(Michel Foucault, "Da amizade como modo de vida").
A vida como presença imediata, brilhante e selvagem da verdade, é isso que é manifestado no cinismo.
Ou ainda: a vida como disciplina, como ascese e despojamento da vida. A verdadeira vida como vida
de verdade. Exercer em sua vida e por sua vida o escândalo da verdade, é isso que foi praticado pelo
cinismo, desde sua emergência, que podemos situar no século IV do período helenístico e que prossegue
pelo menos até o fim do Império romano e [...] bem além dele (FOUCAULT, 2011, p. 152).
Como explica Hadot, o cinismo imprime uma ruptura radical em relação à crença nas convenções
sociais. Com isso, quer indicar que o cínico rejeita aquilo que, de modo geral, os homens consideram como
sendo as regras elementares da vida (indispensáveis à melhor convivência em sociedade). O cínico despreza
as conveniências sociais, as opiniões consensuais e o valor exagerado atribuído, por exemplo, à propriedade,
à riqueza, às honrarias e à política. O cuidado de si do cínico revela-se como estilo de vida por meio de uma
prática de liberdade que não é outra coisa senão um exercício iconoclasta da parresía. Diz Hadot, o cínico
“Não teme as autoridades e exprime-se em todos os lugares com a provocadora liberdade de expressão
(parrhesía).” E mais, “A filosofia cínica é unicamente uma escolha de vida, a escolha da liberdade, ou da total
independência (autarkeia) das necessidades inúteis, a recusa do luxo e da vaidade (typhos).” A radicalidade e
a irreverência desse éthos é também um modo de procurar cuidar dos outros, levando-os a questionarem a
suas vidas e, assim, as instituições que os cercam (HADOT, 1999, p. 162-165). Personagem central da
filosofia cínica, Diôgenes (o cínico) reúne os atributos mais expressivos do governo de si cínico da
antiguidade. Diôgenes Laêrtios em Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres fala, por exemplo, do encontro de
Diôgenes (o cínico) com o rei Alexandre da Macedônia, ressaltando a coragem do filósofo: “Certa vez
Alexandre o encontrou e exclamou: ‘Sou Alexandre, o grande rei’; ‘E eu’ disse ele, ‘sou Diôgenes, o cão’.”
Ao caracterizar jocosamente essa denominação de cão, ele assevera: “‘Balanço a cauda alegremente para
quem me dá qualquer coisa, ladro para os que recusam e mordo os patifes.’” Em outra oportunidade Alexandre
(o Grande) teria perguntado a Diôgenes: você não me teme? Em resposta, o filósofo cínico teria dito: “‘Que
és tu? Um bem ou um mal?’ Alexandre respondeu: ‘Um bem.’ Então Diôgenes concluiu: ‘E quem teme um
bem?’” (LAÊRTIOS, 2008, p. 167-168).
Tratemos, agora, mais diretamente do tema da verdadeira vida. Entende Foucault que nessa
experiência antiga há quatro formas de caracterização da verdade. Temos, portanto: 1) o verdadeiro como
aquilo que não é oculto, não é dissimulado; 2) o verdadeiro como o que não sofre nenhuma mistura com
qualquer outro elemento além de si mesmo; 3) o verdadeiro como o que expressa retidão e se opõe aos rodeios
e às dobras; 4) o verdadeiro como o que existe e mantém a sua identidade, imutabilidade e incorruptibilidade
para além de toda mudança. No caso do cinismo (salientamos: o tema também é discutido em Platão), as
quatro expressões da vida verdadeira (não dissimular, não misturar, retidão e incorruptibilidade ante as
mudanças) podem ser definidas/resumidas na expressão “pegar a moeda da verdadeira vida”. Ou seja: “Pegar
a moeda de volta, mudar a efígie e fazer de certo modo o tema da verdadeira vida caretear.” Explicando
melhor, mudar a sua efígie pode ser interpretado como um princípio ao mesmo tempo de extrapolação e
reversão no qual a crítica da vida ordinária (realizada por meio dos atos e da arenga brutal) afirma uma “vida
outra”. Nesse sentido, “reavalie a sua moeda” quer significar confronte e mude (se necessário “quebre”) as
regras, os hábitos, os costumes, as leis instituídas, como condição para forjar a vida de um outro modo
(FOUCAULT, 2011, p. 192-200, 212-213). Em resumo, a coragem da verdade está presente na bravura do
cidadão que participa diretamente da política, na ação e na ironia do filósofo que não teme os seus detratores
e na atitude escandalosa do cínico. Enquanto nos dois primeiros casos o risco é assumido, sobretudo, pelo ato
exclusivo do “dizer verdadeiro”, na experiência cínica corre-se o risco também pela maneira (radical) como
se vive. O cínico sofre represálias por afirmar a sua vida como “vida outra”3. Nessa perspectiva, diz o pensador
francês: “O jogo cínico manifesta que essa vida, que aplica verdadeiramente os princípios da vida verdadeira,
é diferente da que levam os homens em geral e os filósofos em particular.” No que tange a sua abrangência,
acrescenta: “Creio que com essa ideia de que a verdadeira vida é a vida outra, chega-se a um ponto
particularmente importante na história do cinismo, na história da filosofia e com certeza na história da ética
ocidental.” (FOUCAULT, 2011, p. 215). O princípio de reversão proposto pelo cinismo é um traço marcante
da forma cínica de governo. Como soberano de si, o cínico age como um “monarca” que subverte valores,
sendo (escandalosamente) um “rei da miséria”. Sua missão é realizar, em favor de si e do “outro”, um combate
contra a heteronomia (da humanidade) e, para tanto, utilizase da própria vida e da diatribe visando alterar o
éthos das pessoas: seus hábitos, suas maneiras de viver, as convenções a que aceitam se submeter
3
“A coragem cínica da verdade consiste em conseguir fazer condenar, rejeitar, desprezar, insultar, pelas pessoas a própria
manifestação do que elas admitem ou pretendem admitir no nível dos princípios. Trata-se de enfrentar a cólera delas dando a imagem
do que, ao mesmo tempo, admitem e valorizam em pensamento e rejeitam e desprezam em sua própria vida. É isso o escândalo
cínico. [...] Nos dois primeiros casos, [bravura política e ironia socrática] a coragem da verdade consiste em arriscar a vida dizendo
a verdade, em arriscar a vida por tê-la dito. No caso do escândalo cínico [...] arrisca-se a vida, não simplesmente dizendo a verdade,
por dizê-la, mas pela própria maneira como se vive.” (FOUCAULT, 2011, p. 205-206).
Sobre a missão do cínico, Foucault explica:
“A função do cínico [será a de determinar] onde estão os exércitos inimigos e onde estão os pontos de
apoio ou os auxílios que poderemos achar, encontrar, de que será possível tirar proveito em nossa luta.
É para isso que o cínico, enviado como batedor, não poderá ter nem abrigo nem lar nem mesmo pátria.
Ele é o homem da errância, é o homem do galope à frente da humanidade.” (FOUCAULT, 2011, p.
144-146).
em O banquete, o amor é endereçado tanto a um outro sujeito (o amado) quanto à verdade. Aqui, a amizade
não deve ser vista como uma relação calcada na supressão de si mesmo ou na escravização do “outro” (quer
se trate do indivíduo amado, quer do logos almejado), mas como um ato de liberdade no qual a renúncia a
certos prazeres é condição para o acesso à verdade296 (FOUCAULT, 1990a, p. 219-220).
O amor verdadeiro é um amor que não dissimula e não disfarça porque não tem nenhuma vergonha e
qualquer constrangimento: caso aquele que ame, por algum subterfúgio, tenha vergonha de manifestar seu
amor, esse não será um amor “de verdade”. Mas um amor verdadeiro é, ainda, um amor puro – isso quer dizer:
sem a mistura dos prazeres da carne, pois não é um amor que visa às satisfações imediatas. Ele é puro porque
ainda, em última instância, não existe porque procura obter o reconhecimento da pessoa amada. O verdadeiro
amor não é recíproco, não é uma troca: o verdadeiro amor quer simplesmente amar (ele não ocupa o amador
com a vontade de querer ser amado). O verdadeiro amor é também um amor reto, justo, direito, em
conformidade com as regras e os costumes – ele não está assentado em nenhuma maldade, em nenhuma
transgressão, em nenhuma corrupção ou conspurcação, em nada que ponha em risco a paz e a harmonia da
polis. O ponto principal, todavia, é: esse verdadeiro amor que é transparente, puro e reto, é um amor que não
é passageiro, que não se apagará com o tempo, que não se despedaçará no jogo imprevisível das surpresas,
das mudanças e dos acontecimentos da vida. Isto porque o verdadeiro amor é um amor indestrutível.
Essas mesmas características que dizem respeito ao verdadeiro amor são encontradas no lógos aléthes – no
discurso verdadeiro. Nas palavras de Foucault (2011a):
O lógos aléthes é uma maneira de falar na qual, primeiramente, nada é dissimulado; na qual, em
segundo lugar, nem o falso nem a opinião nem a aparência vêm se misturar ao verdadeiro; [em terceiro
lugar], é um discurso reto, um discurso que é conforme às regras e à lei; e, enfim, o aléthes lógos é um
discurso que permanece o mesmo, não muda, não se corrompe e nem se altera, não pode nunca ser
vencido nem revertido nem refutado (p. 193).
Evidentemente, podemos reconhecer algumas semelhanças com todo o campo das Teorias da Verdade.
Refiro-me a ideia de que só é verdade o que é verdade em si – isolamento da verdade – e que aquilo de que
se diz ser verdadeiro ou falso não mudará – imutabilidade do portador de verdade. Ocorre, todavia, que a
verdade aqui é inscrita em registros bem distintos. Não se trata, no contexto das análises feitas neste capítulo,
de inscrever as atribuições de verdade somente ao campo das proposições, mas algo bem diferente: fazer
funcionar a verdade não unicamente no campo teórico, discursivo, científico, filosófico ou metafísico, mas
também no âmbito da própria vida. Isto, nos termos utilizados pelas Teorias da Verdade, significa que a
própria vida é tomada como um portador de verdade. O que é, porém, uma vida verdadeira? Aqui
encontraremos novamente os quatro traços do verdadeiro, tal como pensados por Platão, grafados na própria
vida: uma vida verdadeira é uma vida que nada dissimula, uma vida que não é entregue às
multiplicidades, uma vida pura, uma vida reta e uma vida que se mantém segura na identidade de si
mesma. Foucault (2011a) nos dá um exemplo do texto Ilíada, mencionado por Sócrates, e enfatiza a atitude
de Aquiles em relação a Ulisses. Aquiles é um homem que manifesta a verdade de seu espírito: um homem
sem rodeios. É sem rodeios precisamente porque não existe nada oculto entre o que pensa, o que diz, o que
quer, e o que faz – e isso porque existe uma atitude de transparência e de simplicidade de um homem direto,
que não dá lugar a qualquer desconexão ou qualquer defasagem entre seu pensamento, sua fala, seu querer
e seu fazer. Portanto, aqui estão em jogo a franqueza, a autenticidade e a capacidade de prometer.
Por oposição a Ulisses, Aquiles aparece como o homem da verdade, sem rodeios. Entre o que ele pensa
e o que ele diz, entre o que ele diz e o que ele quer fazer, entre o que ele quer fazer e o que ele fará
efetivamente, não há nenhuma dissimulação, nenhum rodeio, nada que venha a ocultar a realidade do
que ele pensa e que será a realidade do que ele faz (FOUCAULT, 2011a, p.195, grifos meus).
Para que haja, portanto, uma verdadeira vida, como uma continuidade, identidade e transparência entre o
pensar, o dizer, o querer e o fazer, é necessário que o homem da verdade não seja alguém entregue às
multiplicidades. Na República, Platão já fazia referência a esta oposição entre o homem da verdade e o homem
entregue à multiplicidade dos prazeres. Nas palavras de Foucault (2011a): “essa vida fadada à
multiplicidade é uma vida sem verdade” (p.196). Como poderia um homem refém das
multiplicidades ser alguém capaz de autenticar o que pensa no que diz e o que diz naquilo que faz?
em Mil Platôs, Deleuze e Guattari (2011) mencionam seis “características
aproximativas do rizoma” (p.22): princípio de conexão, de heterogeneidade, de
multiplicidade, de ruptura assignificante, de cartografia e de decalomania. Estes
princípios estão todo tempo a fugir e a escapar daquilo que é representado como a
verdadeira vida (cuja estreita relação com a vida autêntica abordarei no último capítulo).
Qualquer ponto de um rizoma deve ser conectado a qualquer outro e deve sêlo (...) as multiplicidades
são rizomáticas e denunciam as pseudomultiplicidades arborescentes. Inexistência, pois, de unidade
pivô no objeto ou que se divida no sujeito. Inexistência de unidade ainda que fosse
para abortar no objeto e para ‘voltar’ no sujeito (...) nós não temos unidades de medida, mas somente
multiplicidades ou variedades de medida (...) [o rizoma] opera imediatamente no heterogêneo e salta
de uma linha já diferenciada a uma outra (p.22-27).
“Essa vida verdadeira é uma vida que escapa da perturbação, das mudanças, da corrupção e da queda, e se
mantém sem modificação na identidade de seu ser. É essa identidade da vida em relação a si mesma que faz
escapar todo elemento de alteração” (FOUCAULT, 2011a, p.198).
Uma vez identificadas essas quatro principais características do amor e do discurso verdadeiros como formas
de expressão da verdadeira vida, e uma vez também esclarecida a relação entre esta inscrição da verdade na
vida na prática da parresía, passemos agora à análise do cinismo.
Antropofagia
Antropofagia e subjetividade em Rolnik
Antropologia
Obra e vontade delimitam o horizonte do homem moderno na capacidade de manejar com liberdade,
como se fora um material sua existência. Por isso, comenta Jaspers (1970, p. 56), ele é o único animal que
vive na história e na tradição e não se restringe ao substrato e à herança biológica. Neste âmbito, a natureza
humana é decorrente de sua liberdade em obrar. Em suma, a responsabilidade e a capacidade se articulam
à liberdade essencial do homem na indissociabilidade instaurada desde a modernidade entre a autobiografia
indivíduo e a obra que ele constituí em vida, dada na liberdade do saber obrar.
Porém esta obra de claridade o transcende (daí vira outara coisa q não autor.)
Para engendrar a doença mental se faz imprescindível um campo de apreensão do homem e de sua vida.
Foucault (1975) ainda no começo de seus trabalhos em Doença Mental e Psicologia já destaca a
imprescindibilidade de uma antropologia para que a conversão [ver categorias, cinco] da loucura em doença
mental.
A especificidade da doença mental em comparação às demais doenças consiste no fato de que esta dispensa
um correspondente orgânico. além disso, seu parâmetro de conversão é antropológico. A doença mental é a
forma e a expressão que a loucura adquire enquanto variabilidade da forma homem.
Assim, vemos na antropologia a condição e a expressão da totalização da vida e da experiência existencial
dos indivíduos.
Ver As quatro fórmulas poéticas que Deleuze (2011) usa para definir a filosofia kantiana.
Tampona o sentimento abismal 1968/1985. Sujeito agente de execução da ação nit 2006. Def naturza
é imporante mas insuficiente, necessita de antrop, relação ética com o mundo e consigo .
sujeito substancialmente único, responsável e senhor da razão e vontade próprias inscrito num
sistema de totalização. Este sujeito é o fundamento ético de uma forma natural que inscreve a experiência
humana numa formação específica e num funcionamento delimitado
Apenas tomando a antropologia moderna como ponto de ancoragem e referência é que se realiza a
captura da vida e da experiência concreta sob a forma da norma e a regulação do comportamento e atitude.
Entre a analítica da finitude que confere a positividade do homem como ser finito, definido e limitado por
várias finitudes anteriores a ele e o que Foucault (2000) chama de ciências empíricas, que se dedicam às
empiricidades da vida, do trabalho e da linguagem, se desenlaça o campo das ciências humanas. Operador
da regulamentação em torno de normas e funções, o campo das ciências humanas acopla toda experiência
moderna a um sistema que instaura e coloca o homem (tal como definido pelos cânones modernos) como
origem e fim de toda experiência.
A noção de homem da antropologia moderna é o índice de captura da vivência concreta e da
formação e movimento dos indivíduos
Homem: a antropologia como condição de apreensão da vida e fundamento empírico da norma
A soberania do cogito cartesiano não assegura mais as sínteses empíricas na modernidade, eles devem
passar pela finitude da consciência do homem que trabalha, vive e fala.
Sem dúvida, não é possível conferir valor transcendental aos conteúdos empíricos nem deslocá-los
para o lado de uma subjetividade constituinte, sem dar lugar, ao menos silenciosamente, a uma
antropologia, isto é, a um modo de pensamento em que os limites de direito do conhecimento (e,
conseqüentemente, de todo saber empírico) são ao mesmo tempo as formas concretas da existência,
tais como elas se dão precisamente nesse mesmo saber empírico. (FOUCAULT, 2000, p. 342)
A antropologia serve para conferir uma valoração apriorística aos conteúdos empíricos e remetê-los a
um sujeito. Os limites do conhecimento são formas de existência.
A antropologia é o fundamento que conduz o pensamento ocidental moderno de acordo com Foucault
(2000).
O sonho antropológico refere-se à dobra empírico-transcendental que faz com que todo conteúdo e
conhecimento empíricos sirvam como campo de determinação filosófica do fundamento do conhecimento,
de seus limites e da verdade específica e em geral. Segundo As palavras e as coisas, é desta dobra que nascem
as ciências humanas – apontadas na psicologia, na sociologia, na análise mitológica e na literatura.
Na era clássica, a natureza ordenada divina, dá lugar aos juízos necessários e validos, conjura a loucura,
o erro e a ilusão.
a existência concreta individual apenas acessa a vida através de seu próprio corpo vivo, estudado pela
biologia, de seu desejo e da atividade que responde a ele, inscrito sob a economia moderna e de sua
linguagem, objetivada pela filologia.
Qual a dobra? Fazer valer o homem da natureza, da atividade e do discurso o fundamento de sua
própria finitude.
A análise da essência (natural e de direito) do homem é convertida na analítica em extensão do que
pode vir a ser a experiência do homem.
Nela,
“a função transcendental vem cobrir, com sua rede imperiosa, o espaço inerte e sombrio da
empiricidade; inversamente, os conteúdos empíricos se animam, se refazem, erguem-se e são logo
subsumidos num discurso que leva longe sua presunção transcendental. E eis que nessa Dobra a
filosofia adormeceu num sono novo; não mais o do Dogmatismo, mas o da Antropologia”
(FOUCAULT, 2000, p. 471)
Ver também Deleuze F2
Esta corresponde ao movimento que se desenha sobretudo a partir do século XIX, período evocado no
capítulo sobre O círculo antropológico em História da loucura (FOUCAULT, 1979). A antropologia ali
expressa o intuito, tipicamente moderno, de apreender o diverso, o adverso e o inverso [ver DR, dif e
diverso] de nossa cultura sob o custo de cortar as diferenças que os definem e caracterizam. Dela advém a
concepção humanizada que converte a loucura em doença mental sob a insígnia da alienação, tornando-a
coextensiva ao homem normal e, portanto, potencialmente reversível. Consequentemente, o louco é inscrito
num sistema antropológico referido a determinada formação normativa.
Analítica da finitude e dinâmica das ciências humanas – como consequências de se pensar o finito a
partir das finitudes e não mais uma metafísica do infinito desdobrada nas formas de representação.
Quando o esquema representativo que assegura a linguagem e a ordem do mundo clássico se estilhaça,
surge o homem sobre os cacos da linguagem em fragmentos. (a reintrodução da linguagem nas artes e na
psicanálise indicam o atual inadequação do conceito de homem)
a psicopatologia do século XIX (e talvez ainda a nossa) acredita situar-se e tomar suas medidas com
referência num homo natura ou num homem normal considerado como dado anterior a toda
experiência da doença. Na verdade, esse homem normal é uma criação. E se é preciso situá-lo, não é
num espaço natural, mas num sistema que identifique o socius ao sujeito de direito; e, por
conseguinte, o louco não é reconhecido como tal pelo fato de a doença tê-lo afastado para as margens
do normal, mas sim porque nossa cultura situou-o no ponto de encontro entre o decreto social do
internamento e o conhecimento jurídico que discerne a capacidade dos sujeitos de direito. A
ciência "positiva" das doenças mentais e esses sentimentos humanitários que promoveram o louco à
categoria de ser humano só foram possíveis uma vez solidamente estabelecida essa síntese. De algum
modo ela constitui o a priori concreto de toda a nossa psicopatologia com pretensões científicas.
Observamos, desta maneira, que a naturalização se desdobra em duas frentes de objetivação e
sujeição do louco. Primeiro, cauciona um sistema capaz de identificar e alocar o sujeito em seu lugar,
institucional, mas também existencial. Conseguintemente, ela atua entre e articulando o internamento,
correspondente à operação prático-terapêutica que funda a psiquiatria e a loucura modernas, e a destituição
de sujeito de direito, inserindo-o numa certa antropologia moderna pelo lado da negatividade.
Foucault (2000, p. 473) salienta que “a Antropologia constitui talvez a disposição fundamental que
comandou e conduziu o pensamento filosófico desde Kant até nós”.
Mesmo Lombroso parece assentar a frenologia sobre uma antropologia, sobre um conhecimento do
homem À nível de justificativa (cf. FOUCAULT, 2008, p. 194)
Hemos percibido la generación de Sartre como una generación ciertamente valiente y generosa que
sentía pasión por la vida, por la política, por la existencia. Pero nosotros nos hemos descubierto otra
cosa, otra pasión: la pasión por el concepto de lo que yo llamaría el ‘sistema‘.
(…) Sartre trató al contrario de mostrar que había sentido en todo. (…) El punto de ruptura está situado
en el día en que Lévi-Strauss, en cuanto a las sociedades, y Lacan, en cuanto al inconsciente, nos
mostraron que el ‘sentido’ tan solo era probablemente una especie de efecto superficial, un reflejo,
una espuma, y que lo que nos impregnaba profundamente, lo que ya estaba antes de nosotros, lo que
nos sostenía en el tiempo y en el espacio, era el sistema. (Eribon, 1992: 217-218)
A paixão é pelo sistema, se colocando ao lado de Lévi-Strauss
Retira o homem do centro do pensamento.
Foucault pretende legitimar un proceso histórico que conduce al pensamiento más allá de Kant y del
“sueño antropológico” de una modernidad que quiere hacer de lo humano un medio de acceso a la
verdad y, al mismo tiempo, un fundamento de todo conocimiento. En síntesis, Foucault retorna a Kant
para comprender la totalidad del pensamiento moderno como una deriva de su apuesta filosófica y
para anunciar la definitiva ruptura del pensamiento crítico con respecto al recurso antropológico.
Nessas, por detrás de perigosa fachada de um saber de validez universal, opera uma força disciplinada
e dissimulada de pura vontade que deseja ser o poder do conhecimento. Kant seria, pois, o primeiro
crítico do conhecimento que, com sua análise da finitude, abriu as portas à era do pensamento
antropológico e das ciências humanas, marca da Modernidade.
(2000, p. 101-2) “após a crítica kantiana e tudo o que se passou na cultura ocidental do fim do século
XVIII, uma divisão de um novo tipo se instaurou: de um lado, a máthêsis se reagrupou, constituindo
uma apofântica e uma ontologia; é ela que até nossos dias reinou sobre as disciplinas formais; de outro
lado, a história e a semiologia (esta absorvida, de resto, por aquela) se reuniram nessas disciplinas da
interpretação”
“a crítica se desloca e se destaca do solo onde nascera. Enquanto Hume fazia do problema da
causalidade um caso de interrogação geral sobre as semelhanças, Kant, isolando a causalidade, inverte
a questão; lá onde se tratava de estabelecer as relações de identidade e de distinção sobre o fundo
contínuo das similitudes, ele faz surgir o problema inverso da síntese do diverso” (2000. P. 224)
ele se dedica às relações das representações entre si, cujo fundamento e justificação não estão no nível
representativo. Ele se atenta ás condições para toda e qualquer representação seja estabelecida.
Interroga a representação não desde suas possíveis combinações dentro do quadro ordenação do mundo
clássico, mas desde seus limites de direito. Até onde pode ir o sistema representativo? Retira o sabe e o
pensamento do campo representativo, desdobrado da ordem divina infinita.
Desde Kant, Foucault (2000. P. 340) pondera que “o saber não pode mais desenvolver-se sobre o fundo
unificado e unificador de uma máthêsis”
Sob o triângulo crítica-positivismo-metafísica do objeto é que se ordena todo conhecimento ocidental desde
o início do século XIX
“Instaura-se assim, a partir da crítica — ou, antes, a partir desse desnível do ser em relação à
representação, de que o kantismo é a primeira constatação filosófica — uma correlação fundamental:
de um lado, metafísicas do objeto, mais exatamente, metafísicas desse fundo jamais objetivável
donde vêm os objetos ao nosso conhecimento superficial; e, do outro, filosofias que se dão por tarefa
unicamente a observação daquilo mesmo que é dado a um conhecimento positivo. Vê-se de que modo
os dois termos dessa oposição se dão apoio e se reforçam um ao outro; é no tesouro dos conhecimentos
positivos (e sobretudo daqueles que a biologia, a economia ou a filologia podem liberar) que as
metafísicas dos “fundos” ou dos “transcendentais” objetivos encontrarão seu ponto de investida;
e, inversamente, é na divisão entre o fundo incognoscível e a racionalidade do cognoscível que os
positivismos encontrarão sua justificação” (FOUCAULT, 2000, p. 337).
Questão de ética e atitude se assenta sobre a evidência que o homem “é um ser finito: e assim como, desde
Kant, a questão da atitude se tornou mais fundamental que a análise das representações (já não podendo esta
ser senão derivada em relação àquela)” (2000, p. 352). Atitude que convoca o homem a conhecer o não-
conhecido, só assim ele encontra seu ser na profundidade podendo então conhecer a si mesmo.
Desloca-se a questão transcendental para e que reativa a questão do cogito, não mais como se apresentara para
Descartes, mas do cogito moderno.
Quádruplo deslocamento em relação à questão kantiana, pois que se trata não mais da verdade, mas do
ser; não mais da natureza, mas do homem; não mais da possibilidade de um conhecimento, mas daquela
de um desconhecimento primeiro; não mais do caráter não-fundado das teorias filosóficas em face da
ciência, mas da retomada, numa consciência filosófica clara, de todo esse domínio de experiências
não-fundadas em que o homem não se reconhece. (...) É que, para Descartes, tratava-se de trazer à luz
o pensamento como a forma mais geral de todos esses [pág. 446] pensamentos que são o erro ou a
ilusão, de maneira a conjurar-lhes o perigo, com o risco de reencontrá-los no final de sua tentativa, de
explicá-los e de propor então o método para evitá-los. No cogito moderno, trata-se, ao contrário, de
deixar valer, na sua maior dimensão, a distância que, a um tempo, separa e religa o pensamento
presente a si, com aquilo que, do pensamento, se enraíza no não-pensado; ele precisa (e é por isso
que ele é menos uma evidência descoberta que uma tarefa incessante a ser sempre retomada) percorrer,
re-duplicar e reativar, sob uma forma explícita, a articulação do pensamento com o que nele, em
torno dele, debaixo dele, não é pensamento, mas que nem por isso lhe é estranho, segundo uma
irredutível, uma intransponível exterioridade. Sob essa forma, o cogito não será, portanto, a súbita
descoberta iluminadora de que todo o pensamento é pensado, mas a interrogação sempre recomeçada
para saber como o pensamento habita fora daqui, e, no entanto, o mais próximo de si mesmo, como
pode ele ser sob as espécies do não-pensante. Ele não reconduz todo o ser das coisas ao pensamento
sem ramificar o ser do pensamento até na nervura inerte do que não pensa. (2000, p. 445-6)
Ao passo que para Descartes é o pensamento que reduz e contém a loucura, como contém o erro e a ilusão,
Já no texto O que são as luzes? Foucault (1984/2007a) destaca a definição negativa conferida por Kant para
Aufklärung como Ausgang, designando saída ou resultado, frente ao dado, ao ontem. A proposta kantiana se
furta a compreender o presente a partir de uma totalidade ou de um acabamento já dado ou futuro para buscar
a atualidade desde a diferença: a atualidade é uma diferença em relação ao ontem. Assim, a saída que
caracteriza a Aufklärung concerne a um processo que nos resgata do estado de menoridade, estado no qual a
vontade é sujeitada à autoridade e condução nos domínios que devem convir à razão. A atualidade concerne
à autonomia e às práticas de libertação do sujeito.
B)
O cogito moderno, diferentemente do cartesiano, não se dedica a uma forma geral de pensamento.
Desta maneira, a razão, correlato da analítica da finitude e do cogito moderno, não se dedica à verdade da
loucura, mas ao ser do homem – e pode retomar o impensado do homem e a possibilidade de seu
enlouquecimento como objetos de reflexão. Assim como não se dedica à natureza geral das coisas, às
possibilidades de se conhecer ou à falta de fundamento das teorias filosóficas, voltando-se para a figura
conceitual do homem como fundamento da experiência com o mundo que parte de um desconhecimento
primeiro e para a retomada de uma consciência filosófica em relação às lacunas da experiência em que
o homem não se reconhece.
o conhecimento do homem, diferentemente das ciências da natureza, está sempre ligado, mesmo sob
sua forma mais indecisa, a éticas ou a políticas; mais profundamente, o pensamento moderno avança
naquela direção em que o outro do homem deve tornar-se o Mesmo que ele (FOUCUALT, 2000, p.
453)
C)
Se no pensamento clássico, a origem é buscada sempre como origem da representação, na modernidade
a vida, o trabalho e a linguagem ganham historicidade própria. A historicidade própria e autônoma faz
brotar a necessidade de uma origem simultaneamente interna e estranha que propicia a busca da natureza
do homem em contraste com o louco. Historicidade independente do homem mesmo, relativa a uma vida
independente e anterior à ele, ao trabalho historicamente institucionalizado e à impossibilidade de alcançar a
palavra primeira a partir da qual a linguagem se desenrola.
Não há mais origem profunda ao homem moderno. Sua origem e fundamento está na fina superfície
repleta de mediações que liga seu ser à vida, ao trabalho e à história – às empiricidades que constituem as
ciências empíricas e as ligam com as exatas e as humanas. O homem é conhecido somente na superfície de
objetivação, sua profundidade é deslocada do âmbito existencial para as profundezas de seu organismo como
esclarecido em O nascimento da clínica (FOUCAULT, 2011).
Por um lado, a origem das coisas escapa – é maior ou anterior, de toda maneira inacessível – ao ser do
homem. Por outro, o homem é condição para a instauração do tempo na duração, no fio que liga toda uma
cronologia a partir da qual se pode plantear a questão da origem.
Foucault denomina el triedro de saberes de la episteme moderna está formado por las ciencias llamadas
exactas (cuyo ideal es la concatenación deductiva y lineal de las proposiciones evidentes a partir de
axiomas), las ciencias empíricas (la economía, la biología y la lingüística, que para cada uno de sus
respectivos objetos –el trabajo, la vida y el lenguaje– procuran establecer las leyes constantes de sus
fenómenos) y la analítica de la finitud. Cada una de estas tres dimensiones está en contacto con las
otras dos. Por un lado, entre las ciencias exactas y las ciencias empíricas existe un espacio común
definido por la aplicación de los modelos matemáticos a los fenómenos cualitativos. Surgen de este
modo los modelos matemáticos, lingüísticos, biológicos y económicos. Por otro lado, entre la analítica
de la finitud y la matemática encontramos todos los esfuerzos del formalismo, y entre la analítica
de la finitud y las ciencias empíricas encontramos las filosofías que tematizan los objetos de éstas
como a priori objetivos: las filosofías de la vida, de la alienación y de las formas simbólicas, por
ejemplo. Las ciencias humanas –la psicología, la sociología, las teorías de la literatura y de los mitos–
no se ubican en ninguno de estos tres dominios, sino en el espacio definido por las relaciones que
mantienen con cada uno de ellos. Algunos de sus procedimientos y varios de sus resultados pueden
ser formalizados siguiendo el modelo matemático, pero las relaciones entre la matemática y las
ciencias humanas son las menos importantes por dos razones.
Analítica da finitude:
É no abandono da Mathesis Universalis que o homem é tornado representação de si mesmo desde a biologia,
a economia e a linguagem possibilitando, a partir desta figura global da soma representativa pode ser
convertido em objeto de estudo. A investigação autorreflexão sobre as representações da vida, do trabalho e
da linguagem.
Na era clássica o ser e a representação encontram em um lugar-comum, “o homem aparece com sua posição
ambígua de objeto para um saber e de sujeito que conhece: soberano submisso, espectador olhado” (2000, p.
430)
Dissipação decorrente de um nova relacionamento entre as palavras e as coisas e sua ordem. A louc não
mais mal. A representação não é mais o lugar da origem a partir da qual se desdobra o quadro de sua
ordenação.
A representação pertence À ordem das coisas mesmas e de sua lei interior, não como aquilo que determina
do exterior a realidade do mundo. do finito limitado por Deus.
“Cuvier e seus contemporâneos haviam requerido à vida que ela mesma definisse, na profundidade
de seu ser, as condições [pág. 430] de possibilidade do ser vivo; do mesmo modo, Ricardo havia
requerido ao trabalho as condições de possibilidade da troca, do lucro e da produção; os primeiros
filólogos haviam buscado, na profundidade histórica das línguas, a possibilidade do discurso e da
gramática. Por isso mesmo, a representação deixou de valer para os seres vivos, para as necessidades e
para as palavras, como seu lugar de origem e a sede primitiva de sua verdade;”
“só se pode ter acesso a ele através de suas palavras, de seu organismo, dos objetos que ele fabrica
— como se eles primeiramente (e somente eles talvez) detivessem a verdade; e ele próprio, desde que
pensa, só se desvela a seus próprios olhos sob a forma de um ser que, numa espessura necessariamente
subjacente, numa irredutível anterioridade, é já um ser vivo, um instrumento de produção, um
veículo para palavras que lhe preexistem. (...) A finitude do homem se anuncia — e de uma forma
imperiosa — na positividade do saber; sabe-se que o homem é finito, como se conhecem a anatomia
do cérebro, o mecanismo dos custos de produção ou o sistema da conjugação indoeuropéia; ou, antes,
pela filigrana de todas essas figuras sólidas, positivas e plenas, percebem-se a finitude e os limites que
elas impõem, adivinha-se como que em branco tudo o que elas tornam impossível.” (432)
trabalho leis q lhe escapam, língua q já está aí, vivo que... CX Candiotto.
A positividade do homem é anunciada na positividade do saber. E estes lhe escapam. Por isso, o homem se
anuncia como ser indefinido.
Todos os conteúdos empíricos do homem só têm positividade no espaço do saber, do conhecimento possível,
ligado À sua finitude.
Qual o fundamento das positividades empíricas? A finitude marcada pela espacialidade (regras e normas,
circulação) do corpo, a possibilidade de produzir desejos e respostas para estes desejos (AE??), que se entende
no tempo de uma linguagem como narratividade, ou q usa a linguagem para se definir.
A finitude e o fundamento das positividades empíricas é demarcada, por sua vez, pela espacialidade (dada
segundo regras e normas, circulação) do corpo, pela possibilidade de produzir desejos e respostas para estes
desejos (cf. DELEUZE & GUATTARI, 2011), que se entende no tempo de uma linguagem como
narratividade, ou que usufrui da linguagem para se definir.
o homem não é mais apneas um lugar privilegiado, mas o próprio ordenador de todo o conjunto do real (mesmo
se não em termos de evolução,ele está no termo final de uma longa série).
Pensamento do mesmo:
“De um extremo ao outro da experiência, a finitude [pág. 434] responde a si mesma; ela é, na figura do
Mesmo, a identidade e a diferença das positividades e de seu fundamento”.
Remete toda diferença À identidade. Como a represrntação fazia rebater o mesmo sobre o quadro clássico.
A analítica da finitude lança as bases para a repetição do positivo sobre o fundamental. a partir das finitudes
que determinam de cima e do exteior o homem é que o transcendental repete o empírico, o cogito repete o
impensado assim como o retorno da origem repete seu recuo.
A experiência que se forma no começo do século XIX aloja a descoberta da finitude não mais no
interior do pensamento do infinito, mas no coração mesmo desses conteúdos que são dados, por um
saber finito, como as formas concretas da existência finita. Daí o jogo interminável de uma
referência reduplicada: se o saber do homem é finito, é porque ele está preso, sem liberação
possível, nos conteúdos positivos da linguagem, do trabalho e da vida; e inversamente, se a vida, o
trabalho e a linguagem se dão em sua positividade, é porque o conhecimento tem formas finitas
2000, p. 436
a positividade da vida, da produção e do trabalho (que têm sua existência, sua historicidade e suas leis
próprias) funda, como sua correlação negativa, o caráter limitado do conhecimento; e, inversamente,
os limites do conhecimento fundam positivamente a possibilidade de saber, mas numa experiência
sempre limitada, o que são a vida, o trabalho e a linguagem. (2000, p. 436)
Limites positivos, até onde pode ir o conhecimento, etc, os limites da ação humana, até a psicologia científica
nasce dos laboratórios medindo os limites e propriedades da percepção e da sensibilidade, as capacidades de
resposta e os limiares de dor, etc.
Tentações...
ao nível das aparências, a modernidade começa quando o ser humano começa a existir no interior de
seu organismo, na concha de sua cabeça, na armadura de seus membros e em meio a toda a nervura de
sua fisiologia; quando ele começa a existir no coração de um trabalho cujo princípio o domina e cujo
produto lhe escapa; quando aloja seu pensamento nas dobras de uma linguagem, tão mais velha que
ele não pode dominar-lhe as significações, reanimadas, contudo, pela insistência de sua palavra (438)
Uma vez que a soberania do cogito cartesiano não assegura mais as sínteses empíricas, elas devem
passar pela finitude da consciência do homem que vive, trabalha e fala pois vida, trabalho e linguagem são
anteriores e determinam o homem. Por isso, não se trata, aliás, de encontrar em Descartes uma determinação
definitiva do que se pensa e se vive na era clássica, ou de fazer da leitura foucaultiana dele mais do que é 4.
Pelo contrário, a instauração de uma analítica da finitude expressa a necessidade de se pensar o homem
desde o que ele experimenta concretamente em sua vida e não sobre um discurso filosófico ou teológico que
carregue consigo a verdade da ontologia.
4
Como de fato, parece que Derrida (2001) exagera na importância da leitura que Foucault (1979) realiza das Meditações de
Descartes (1987) na História da loucura. A obra e os escritos de Descartes sinalizam na análise de Foucault (1979, 2000) apenas
um dentre uma variedade de saberes menores que definem a era clássica mais e melhor que os grandes pensadores em História da
loucura e As palavras e as coisas. Neste âmbito, os dois livros citados são exemplares, uma vez que buscam a realidade da loucura
nos autos de polícia, nos decretos administrativos e nos tratados de medicina da época num caso, enquanto noutro, se furtam aos
grandes autores ou filósofos para especificar os campos de empiricidades que estuda.
Para Foucault (2000), este sistema de finitização define a positividade dos saberes que conferem a
positividade do homem ao mesmo tempo em que sua realidade e suas regras lhe escapam. Por isso, o homem
moderno se anuncia como ser indefinido.
Para Foucault (2000), a própria positividade do sujeito sobre o qual se articula o discurso é decorrente
da definição positivada das finitudes que lhe faz inacessíveis a realidade e as regras de sua constituição,
tornando homem. Por isso, o homem moderno se anuncia como ser indefinido.
essa figura paradoxal em que os conteúdos empíricos do conhecimento liberam, mas a partir de si, as
condições que os tornaram [pág. 444] possíveis, o homem não se pode dar na transparência imediata e
soberana de um cogito; mas tampouco pode ele residir na inércia objetiva daquilo que, por direito, não
acede e jamais acederá à consciência de si
“estranho duplo empíricotranscendental, porquanto é um ser tal que nele se tomará conhecimento do que torna
possível todo conhecimento” 2000, 439
De um lado, como foco da análise estética transcendental, surge o sujeito, ser finito estabelecido sob
parâmetros necessários e universais de percepção e sensibilidade que se dão no espaço do corpo, alçado ao
nível de organismo. Diz sobre as condições anatomofisiológicas e da natureza do conhecimento humano
que “lhe determinava as formas e que podia, ao mesmo tempo, ser-lhe manifestada nos seus próprios
conteúdos empíricos” (FOUCAULT, 2000, p. 40).
estética trascendental e implica el reconocimiento
tácito de que las formas de nuestra sensibilidad proporcionan las condiciones
de posibilidad del conocimiento. Dentro de este primer enfoque, se
halla la filosofía positivista y su pretensión de alcanzar la verdad del objeto
para, desde allí, formular un discurso verdadero de la naturaleza y de la historia.
Já a análise dialética transcendental (2000, p. 336) confere a coerência, a ordem e o liame daquilo que
se pode conhecer desde as multiplicidades empíricas. Ela condiz às condições históricas, sociais e
econômicas do conhecimento que se forma no seio de relações entre homens e da possibilidade de abertura
do ser finito a novos horizontes. Se refere, enfim, a condições do conhecimento determinadas pelos saberes
empíricos e que, não obstante, prescrevem suas formas.
Dialéctica trascendental y donde se articulan todas aquellas filosofías que buscan las condiciones de
posibilidad del conocimiento en la cultura y en la historia. En este caso, la verdad emerge como la promesa
de un discurso escatológico que intenta asimilar lo trascendental a lo histórico.
Ambas obedecem a una similar lógica epistémica
El positivismo salta de la constatación de la imperfección del conocimiento a la configuración de un
saber estable; y el discurso escatológico pasa de la crítica al saber ilusorio – como busca em Kant, VER
TEXTO, a la fundamentación de una ciencia de la historia. Así, opina Foucault, ambos enfoques son
incapaces de superar el carácter repetitivo de la analítica de la finitud, puesto que no logran separar y
confunden lo empírico y lo trascendental.
Ao passo que a analítica da finitude condiz aos limites exteriores a partir do qual se define o homem
a partir das exterioridades, como ser vivo que fala, deseja e trabalha. Ela serve de eixo desde o qual se
desenvolvem as ciências humanas. Com efeito, no lugar da metafísica da representação que convive com a
análise do vivo, dos desejos e das palavras, advém a analítica da finitude e da existência do homem e com
ela, sinaliza Foucault (2000, p. 437) a tentação de refazer uma metafísica sobre cada um destes objetos.
As ciências empíricas dão base para a formação das ciências humanas: a psicologia, a sociologia e a análise
literária e dos mitos.
Sem nos delongarmos nesta discussão de base filosófica, o alvo da análise de Foucault (2000) parece
ser a filosofia moderna sob sua versão fenomenológica, que falha ao se empenhar numa reflexão sobre o
vivido e o vivível, concernentes ao empírico, assentados, contudo, sobre uma subjetividade constituinte, a
qual ela se põe a definir e especificar. A preocupação em definir o sujeito articula a filosofia com seu exterior
na lateralidade dos saberes empíricos que a limitam e impõem regimes empíricos de finitude ao sujeito
constituinte. Antes e exteriormente à sua concepção como sujeito constituinte da filosofia, o homem é
especificado a partir destes saberes empíricos.
“discurso que permitisse analisar o homem como sujeito, isto é, como lugar de conhecimentos
empíricos mas reconduzidos o mais próximo possível do que os torna possíveis, e como forma pura
imediatamente presente nesses conteúdos; um discurso, em suma, que desempenhasse em relação à
quase-estética e à quase-dialética o papel de uma analítica que, ao mesmo tempo, as fundasse numa
teoria do sujeito e lhes permitisse talvez articular-se com esse termo terceiro e intermediário em que
se enraizariam, ao mesmo tempo, a experiência do corpo e a da cultura. Um papel tão complexo, tão
superdeterminado e tão necessário foi desempenhado, no pensamento moderno, pela análise do vivido.
O vivido, com efeito, é o espaço onde todos os conteúdos empíricos são dados à experiência; é
também a forma originária que os torna em geral possíveis e designa seu enraizamento primeiro; ele
estabelece, na verdade, comunicação entre o espaço do corpo e o tempo da cultura,”
Crítica À fenomenologia [[ ver começo do texto]], que pretensamente “contestação radical do positivismo e
da escatologia; que tenha tentado restaurar a dimensão esquecida do transcendental; que tenha pretendido
conjurar o discurso ingênuo de uma verdade reduzida ao empírico, e o discurso profético que ingenuamente
promete o advento à experiência de um homem”
Na busca de um modelo que supere o positivismo e o discurso escatológico da estética e da dialética
transcendentais, a fenomenologia ocupa o posto de analítica transcendental como teoria do sujeito. “análisis
de lo vivido” de Merleau-Ponty, cuyo proyecto sería la articulación de una ciencia con carácter trascendental
y contenido empírico, capaz de dar cuenta del sujeto como fuente de las significaciones históricas y culturales
[Dreyfus y Rabinow, 1988), p. 54 [[ colocar em nota??]].
Na tentativa de fazer uma filosofía de “aquello que se da en la experiencia” y de “aquello que hace
posible la experiencia” supone una oscilación que condena al análisis a la inestabilidad y al proyecto
a permanecer incompleto. En suma, la fenomenología no puede escapar a las trampas del duplicado
empírico-trascendental y al final, como las tradiciones anteriores, termina confirmándolo.
fenomenologia pretensamente surge como uma experiência do homem fundada no vivido. Porém há de se ater
mais que ao vivido, ao vívido em sua relação com o vivível (não reduzido ao futuro e suas promessas, mas
alocado nas múltiplas vivencias possivelmente decalcadas do atravessamento das singularidades) e o passado
contato (a memória é a liberdade do passado). A fenomenologia consiste numa interrogação sobre o modo do
ser, modo de ser do homem e sua relação com o impensado. Ela parte de uma redução do cogito, da questão
do ser, subsumindo-o ao conhecimento, ao que se pode conhecer, porém retoma a questão ontológica, volta a
discutir o ser. No entender de Foucault (2000), ela volta
Fenomenologia tenta fazer valer no homem, o empírico pelo transcendental. Tenta fazer do vivido, como
fragmento do vivido, a verdade transcendental do homem. “Ela procura articular a objetividade possível de
um conhecimento da natureza com a experiência originária que se esboça através do corpo; e articular a
história possível de uma cultura com a espessura semântica que, a um tempo, se esconde e se mostra na
experiência vivida”
Na mesma época estudando a fenomenologia de Husserl Deleuze (2000)
essa figura paradoxal em que os conteúdos empíricos do conhecimento liberam, mas a partir de si,
as condições que os tornaram [pág. 444] possíveis, o homem não se pode dar na transparência
imediata e soberana de um cogito; mas tampouco pode ele residir na inércia objetiva daquilo que, por
direito, não acede e jamais acederá à consciência de si. O homem é um modo de ser tal que nele se
funda esta dimensão sempre aberta, jamais delimitada de uma vez por todas, mas indefinidamente
percorrida, que vai, de uma parte dele mesmo que ele não reflete num cogito, ao ato de pensamento
pelo qual a capta; e que, inversamente, vai desta pura captação ao atravanca-mento empírico, à ascensão
desordenada dos conteúdos, ao desvio das experiências que escapam a si mesmas, a todo o horizonte
silencioso do que se dá na extensão movediça do não-pensamento
porque é duplo, o homem se alicerça numa dimensão fundamental de desconhecido, dimensão de seu ser
que lhe transborda o pensamento. Ele pode então, se interpelar a si mesmo a partir daquilo que o escapa,
que escapa à sua apreensão e a seu pensamento. Pode se interpelar acerca desta liberdade não objetivável,
que Jaspers (1970) – juntamente à Kierkegaard – encontra na filosofia com a autorreflexão que se refere ao
juízo de Deus.
É porque comporta e tem esse desconhecido em si é que se torna necessária uma reflexão transcendental –
não mais como ponto de apoio para a ciência da natureza como servia em Kant contra a incerteza dos filósofos
– mas para responder à existência muda do desconhecido em nós. Discurso filosófico responde a isso, à
liberdade que não se deixa objetificar.
Percebemos, deste modo, que a era clássica não pode pensar o homem, porque se assenta no
pensamento de Deus e sua ordem infinita. O conhecimento deve, portanto, emular a infinitude divina como
desdobramento. Assim sendo, o modelo clássico de síntese é dado sob um saber universal pautado, por
exemplo, em Descartes (s/d, p. 10) quando ele propõe na quarta das Regras para a direção do espírito que
“deve haver uma ciência geral que explique tudo o que se pode investigar acerca da ordem e da medida”.
Esta ciência geral, que tudo contém, sendo capaz de explicar tudo o que diz respeito à quantidade e à ordem
na verdade é a Mathesis Universalis. Ela coloca todos os elementos do mundo sob uma ordem matematizada
nas grades do quadro representativo cuja hierarquia, segundo a tese de Foucault (2000), emana de Deus e
atua, desta forma, na direção da formação e da aquisição pelo espírito de uma atitude que sustente os juízos
sólidos e verdadeiros sobre tudo aquilo que se apresente ao sujeito, conforme postulado na primeira regra.
Questão da era clássica até kant: como a expereicnia da natureza pode dar lugar a juízos necessários?
A questão do do cogito moderno é: “como pode ocorrer que o homem pense o que ele não pensa, habite o
que lhe escapa sob a forma de uma ocupação muda, anime, por uma espécie de movimento rijo, essa figura
dele mesmo que se lhe apresenta sob a forma de uma exterioridade obstinada?” 445
Desloca-se a questão transcendental para e que reativa a questão do cogito, não mais como se apresentara para
Descartes, mas do cogito moderno.
Quádruplo deslocamento em relação à questão kantiana, pois que se trata não mais da verdade, mas do
ser; não mais da natureza, mas do homem; não mais da possibilidade de um conhecimento, mas daquela
de um desconhecimento primeiro; não mais do caráter não-fundado das teorias filosóficas em face da
ciência, mas da retomada, numa consciência filosófica clara, de todo esse domínio de experiências
não-fundadas em que o homem não se reconhece.
O homem transborda a experiência que lhe é dada. Ele é definido como objeto, porém extrapola as barreiras
objetivas desta formulação como objeto. Ele não pode ser o sujeito de uma linguagem que se formou sem ele,
seu sistema (produtivo) lhe escapa e seu sentido é inacessível pelas palavras (regime de linguagem) que
dispõe.
Mesmo no cogito clássico Descartes descobre, ou melhor, postula o cogito em contraste com as experiências
de pensamento não fundado, como o sonho, o erro, a ilusão e a própria loucura, instalando-os como não-
pensamento.
No cogito moderno, trata-se, ao contrário, de deixar valer, na sua maior dimensão, a distância que, a
um tempo, separa e religa o pensamento presente a si, com aquilo que, do pensamento, se enraíza
no não-pensado; ele precisa (e é por isso que ele é menos uma evidência descoberta que uma tarefa
incessante a ser sempre retomada) percorrer, re-duplicar e reativar, sob uma forma explícita, a
articulação do pensamento com o que nele, em torno dele, debaixo dele, não é pensamento, mas que
nem por isso lhe é estranho, segundo uma irredutível, uma intransponível exterioridade. 446
Para conduzir o ser das coisas ao pensamento, o cogito moderno deve estender o ser até aquilo que,
categoricamente e de direito, não-pensa. Deste modo, inclusive, é que instala a loucura na continuidade
com o ser do sujeito fundado na natureza humana.
Origem e história
Se o pensamento clássico busca a origem fundamental como origem da representação, na
modernidade, os saberes empíricos sobre a vida, o trabalho e a linguagem ganham historicidade própria. A
historicidade própria e autônoma faz brotar a necessidade de uma origem simultaneamente interna e
estranha que propicia a busca da natureza e da verdade do homem nas empiricidades da vida, do trabalho
da linguagem de acordo com Foucault (2000) e em contraste dialético com a loucura5. Historicidade
independente da objetivação do homem como sujeito, relativa a uma vida livre e anterior à ele, ao trabalho
historicamente institucionalizado e à impossibilidade de alcançar a palavra primeira a partir da qual a
linguagem se desenrola.
Desta forma, não há mais origem profunda ao homem moderno. Sua origem e fundamento está na fina
superfície repleta de mediações que liga seu ser à vida, ao trabalho e à história – às empiricidades que
constituem as ciências empíricas e as ligam com aos demais saberes. Por um lado, a origem das coisas escapa
– é maior ou anterior, de toda maneira inacessível – ao ser do homem. Por outro, o homem é condição para
a instauração do tempo na duração, no fio que liga toda uma cronologia a partir da qual se pode plantear a
questão da origem – das coisas do mudo e do próprio homem.
Até o século XVIII, reencontrar a origem implica colcoar-se mais perto da reduplicação da representação
divina. Kant e a natureza vem de Deus,... etc
Natureza como ordem cerrada e trama contínua, o conhecimento é a sequencialmente perfeito, linear e puro
das representações. Mesmo o desenvolvimento cronológico se vê concatenado neste quadro, cujo ponto de
origem está fora e dentro do tempo real simultaneamente. A origem dá lugar à história – daí história natural,
analise das riquezas, etc.
5
Note-se que não se trata de uma dialética ente razão e loucura, como houvera anteriormente, mas de uma constituição dialética
comparativa. O não-louco se define assim em contraste com aquele que tem a razão alienada, aquele que não tem contato consigo
mesmo e com sua natureza de homem. Não se trata, em suma, de trânsito entre razão e não-razão, mas da objetivação da liberdade
na sujeição a um sistema antropológico. Neste sentido, a objetivação se torna forma ativa de sujeição – e também a um nível mais
sutil, a um nível de interpenetração, no espaço comum em que a subjetividade do louco diz sobre o próprio homem: nível (formativo)
da antropologia, nível (de operacionalização) da noção de homem como objeto e sujeito de conhecimento.
Diferentemente, no pensamento moderno, a vida, o trabalho e a linguagem têm historicidade própria e
não podem enunciar sua própria origem. A historicidade que clama e funda a necessidade de origem,
simultaneamente interna e estranha a ela.
como o vértice virtual de um cone onde todas as diferenças, todas as dispersões, todas as
descontinuidades fossem estreitadas até formarem não mais que um ponto de identidade, a impalpável
figura do Mesmo, com o poder, entretanto, de explodir sobre si e de tornar-se outra.
O homem constituiu-se no começo do século XIX em correlação com essas historicidades, com todas
essas coisas envolvidas sobre si mesmas e indicando, através de seu desdobramento, mas por suas leis
próprias, a identidade inacessível de sua origem. (FOUCAULT, 2000, p. 455).
O recuo da origem se refere ao recuo da origem das coisas, da vida, do trabalho e da linguagem que escapa
ao próprio homem e a seu ser.
“O homem está separado da origem, que o tornaria contemporâneo de sua existência” (2000, p. 458).
Porém, a vida, o trabalho e a linguagem tem seu começo nele, mesmo se o antecedem e o excedem. Mais do
que objeto de saber, o homem é, pois, a abertura.
Na ordem empírica do real, todas as coisas são ao homem recuadas pois são inapreensíveis em seu ponto
zero – assim como a loucura não pode ter um ponto zero como parece querer sugerir Foucault (1961/1999)
no primeiro prefácio de sua tese de doutoramento. O homem constitui, pois, o recuo em relação ao qual o
recuo das coisas é engolfado.
A tarefa do pensamento se desenha, então, como busca da origem das coisas para contestá-las e fundá-las
colocando-as na temporalidade do homem, em sua ordem qualitativa. Assim o homem, sujeito
transcendental sem origem nem começo a partir da qual tudo tem início.
O homem é o tempo que gira ao redor de si mesmo e da promessa, embora sempre mais próxima, jamais
realizável de chegar à origem.
O pensamento da modernidade é cravado numa relação dúbia com a origem das coisas e do homem. Frustra
ao mesmo tempo a empreitada do positivismo, que tenta colocar o tempo do homem dentro da ordem e da
lógica do tempo das coisas, e a tentativa de inscrever as coisas na história do homem. Esta tentativa de alinhar
a experiência que o homem tem das coisas com o tempo do homem é frustrada neste recuo da origem.
As tentações de reinstalar a metafísica no seio do pensamento moderno ocorrem quando se faz advir certa
camada de originário, quando se forja uma origem no lugar em que não há nenhuma origem, mas onde, à
despeito disso, se encontra uma manifestação memorial do tempo sem lembrança das coisas sobre o
tempo sem começo do homem. Tal movimento instala o psicologismo como a ciência geral do mundo,
psicologizar todo o conhecimento ou, ao invés disso, pautar uma espécie de metafísica da experiência
alçada como origem incontornável que a salvaguarda de toda objetivação positivista.
De fato, o pensamento moderno toma para si a tarefa de restituir a origem da experiência. Frente à
dificuldade de instalar a origem – pelo menos diretamente – sobre o homem, ele se desenvolve e se aprofunda
na direção deste recuo buscando a origem na própria experiência, naquilo que a sustenta ou no recuo que a
possibilita. A grande preocupação da origem e de seu retorno revela a sede da modernidade pelo recomeço,
por um início das coisas capaz de justificar e definir a experiência por e nele mesmo.
Neste âmbito é que brilham as estrelas de Hölderlin e de Nietzsche. Entre a loucura e a criação, eles
vem a reencontrar o início perdido no extremo recuo da origem, onde o deserto cresce na sombra volumosa
da ausência de deuses. Se Deus é o infinito desde o qual se propaga e se garante, se fecha e se curva, a
experiência clássica, os dois alemães encontram um mundo no qual reina a vontade do fazer humano. No
mundo moderno, os deuses se esvaíram, e sob a sombra de seu silêncio não há nem curva nem fechamento da
experiência, somente a rachadura, uma brecha e um tremor de terra incessante que progressiva e
irreversivelmente libera a origem à medida mesma em que se dá seu recuo.
De um modo ou de outro, este originário restitui o pensamento do Mesmo. Seja na realização das
plenitudes acabadas, seja ao restituir o vazio da origem desencravado com o recuo incessantemente
conduzido em sua direção. A instituição do domínio do originário articula a experiência humana com a
história e com o tempo da natureza e da vida a fim de reencontrar o fundamento do homem sobre sua
identidade essencial, seja ela a plenitude ou o nada que o caracteriza e define. Não obstante a história e
o tempo sejam prontamente colocados de lado, mesmo tornados obsoletos, eles forçam a pensar o ser naquilo
mesmo que ele é.
Assim, nesta tarefa infinita de pensar a origem o mais perto e o mais longe de si, o pensamento
descobre que o homem não é contemporâneo do que o faz ser — ou daquilo a partir do qual ele é;
mas que está preso no interior de um poder que o dispersa, o afasta para longe de sua própria origem,
e todavia lha promete numa iminência que será talvez sempre furtada; ora, esse poder não lhe é
estranho; não reside fora dele na serenidade das origens eternas e incessantemente recomeçadas, pois
então a origem seria efetivamente dada; esse poder é aquele de seu ser próprio. O tempo — mas esse
tempo que é ele próprio — tanto o aparta da manhã donde ele emergiu quanto daquela que lhe é
anunciada.
Na tarefa de pensar a origem, o pensamento evidencia o descompasso, o desencontro entre o homem e
aquilo que o constitui como ser. Antes, o homem está no cerne de um sistema de poder que o define a partir
de um campo de dispersão que o afasta de sua origem ao mesmo tempo em que promete com ela uma
imanência absoluta e contudo jamais encontrada. Se o homem não encontra sua origem na manhã eterna das
coisas, tampouco se produz a si mesmo no amanhã prometido de uma imanência absoluta pois ele é
atravessado pela vivência do empírico que o antecede e limita.
Desta maneira, pensando a origem em relação a seu ser e à experiência com as coisas do mundo, o
homem encontra apenas um reiterado campo de dispersão que
O tempo da representação dispersa a própria representação numa sucessão linear criando uma imagem
que reduplica a si mesma retomando o tempo integralmente sobre a origem desde a qual a representação
emana e desde a qual, o conhecimento pode ser disposto num quadro representativo. Desta forma, o quadro
garante o conhecimento sob uma compreensão eterna capaz de abarcar em suas séries a totalidade da
experiência clássica limitada pelo infinito divina, origem da representação.
Na experiência moderna, a distância da origem se impõe à experiência fundamental, que cintila e
se manifesta positivamente na origem. Tendo isto em vista, a paixão pelo recomeço toma conta da experiência
uma vez dada o descompasso do homem com seu ser, o que propicia com que as coisas empíricas – a vida,
trabalho e fala – se deem em sua própria temporalidade.
Destarte, o tema do tempo se articula com finitude do homem. Dada no domínio deste pela vida, pelo
trabalho e pela linguagem, a finitude se torna num nível mais fundamental
“a relação insuperável do ser com o tempo. (...) o pensamento moderno remata o grande quadrilátero
que começou a desenhar quando toda a epistémê ocidental se abalou no fim do século XVIII: o liame
das positividades com a finitude, a reduplicação do empírico no transcendental, a relação perpétua
do cogito com o impensado, o distanciamento e o retorno da origem definem para nós o modo de
ser do homem. É na análise desse modo de ser, e não mais na da representação, que, desde o século
XIX, a reflexão busca assentar filosoficamente a possibilidade do saber.” (FOUCAULT, 2000, p. 463).
Redescobrindo a finitude na relação com o tempo desde a interrogação pela origem,
Inútil, pois, dizer que as “ciências humanas” são falsas ciências; simplesmente não são ciências; a
configuração que define sua positividade e as enraíza na epistémê moderna coloca-as, ao mesmo
tempo, fora da situação de serem ciências; e se se perguntar então por que assumiram esse título, bastará
lembrar que pertence à definição arqueológica de seu enraizamento o fato de que elas requerem e
acolhem a transferência de modelos tomados de empréstimo a ciências. Não é, pois, a
irredutibilidade do homem, aquilo que se designa como sua invencível transcendência, nem mesmo sua
complexidade demasiado grande que o impede de tornar-se objeto de ciência. A cultura ocidental
constituiu, sob o nome de homem, um ser que, por um único e mesmo jogo de razões, deve ser domínio
positivo do saber e não pode ser objeto de ciência (FOUCAULT, 2000, p. 507).
pensar na relação das ciências humanas com as normas e puxar para o segundo cap
a análise arqueológica não descortinou, no a priori histórico das ciências humanas, uma forma nova
das matemáticas ou um brusco avanço destas no domínio do humano, mas, sim, muito mais uma espécie
de retraimento da máthêsis, uma dissociação de seu campo unitário e a liberação, em relação à ordem
linear das menores diferenças possíveis, de organizações empíricas como a vida, a linguagem e o
trabalho. Nesse sentido, o aparecimento do homem e a constituição das ciências humanas (ainda que
sob a forma de um projeto) seriam correlativos de uma espécie de “desmatematização”. (...) ao
desaparecer [esse ideal de matematização], ele antes liberava a natureza e todo o campo das
empiricidades para uma aplicação, a cada instante limitado e controlado, das matemáticas; os
primeiros grandes progressos da física matemática, as primeiras utilizações maciças do cálculo das
probabilidades não datam do momento em que se renunciou a constituir imediatamente uma ciência
geral das ordens não-quantificáveis? Com efeito, não se pode negar que a renúncia a uma máthêsis
(ao menos provisoriamente) permitiu, em certos domínios do saber, suspender o obstáculo da
qualidade, e aplicar [pág. 483] o instrumental matemático lá onde ele ainda não penetrara. Mas se, ao
nível da física, a dissociação do projeto da máthêsis constitui uma única e mesma coisa com a
descoberta de novas aplicações das matemáticas, o mesmo não ocorreu em todos os domínios: a
biologia, por exemplo, além de uma ciência das ordens qualitativas, constituiu-se como análise das
relações entre os órgãos e as funções, estudo das estruturas e dos equilíbrios, investigações sobre
sua formação e seu desenvolvimento na história dos indivíduos ou das espécies; tudo isso não impediu
que a biologia utilizasse as matemáticas e que estas pudessem aplicar-se à biologia bem mais
amplamente que no passado. Todavia, não foi em sua relação com as matemáticas que a biologia
assumiu sua autonomia e definiu sua positividade. O mesmo ocorreu com as ciências humanas: foi
o retraimento da máthêsis e não o avanço das matemáticas que permitiu ao homem constituir-se como
objeto de saber; foi o envolvimento do trabalho, da vida e da linguagem em torno deles próprios
que prescreveu, do exterior, o aparecimento desse novo domínio; e é o aparecimento desse ser
empírico-transcendental, desse ser cujo pensamento é indefinidamente tramado com o impensado,
desse ser sempre separado de uma origem que lhe é prometida na imediatidade do retorno — é esse
aparecimento que dá às ciências humanas sua feição singular.
As ciências humanas são definidas por Foucault em torno de suas relações com a analítica da
finitude (como explicitação e desenvolvimento desta) e com as ciências empíricas (como duplicação delas)
na busca da positividade do homem na vida, no trabalho e na linguagem e na investigação de como ele pode
conhecê-las na modernidade através de seu corpo, seu desejo e sua fala. Elas se debruçam sobre o largo terreno
que vai da economia à biologia e delas à filologia e destacam o homem como condição de possibilidade para
estas empiricidades.
Consequentemente, como duplicação das ciências empíricas, a biologia aparece como desdobramento
do par constitutivo da função e da norma. Neste sentido é que a disciplina e o biopoder, ao tomarem a vida
sob um ponto de vista biológico, aplicam um paradigma normal sobre o corpo do indivíduo, tendo em vistas
o funcionamento regular e a boa formação. A função designa as formas com as quais a vida e os
movimentos dos vivos podem ser representados. Ao passo que a norma institui os modos com os quais as
funções instalam (inconscientemente na maior parte das vezes) suas próprias regras.
Por fim, o homem como sujeito e objeto de conhecimento deve se fazer responsável pelo destino
ocidental. Como funcionário da história, o homem estabelece para si tal tarefa política como moral
humanista que torna todo saber simultaneamente modificação, como reflexão e transformação daquele que
conhece. Em decorrência disso se erige o paradigma da ciência ativa e a fé na razão como força melhoradora
de si mesmo e do mundo sob as insígnias ressaltadas por Foucault (2000) de “pensar o impensado”, “tomar
consciência das coisas”, “elucidar o que está silencioso e oculto no mundo”, “reanimar o que parece inerte”.
la razón analítica del siglo XVII se caracteriza por su referencia a la naturaleza, y la razón dialéctica del siglo
XIX por su referencia a la existencia (las relaciones entre el individuo y la sociedad, la conciencia y la historia,
la praxis y la vida, el sentido y el no-sentido, lo viviente y lo inerte), el pensamiento no-dialéctico del siglo
XX se caracteriza por su referencia al saber (DE1, 542- - O homem está morto? (1966/???)
El discurso ele las ciencias humanas tiene precisamente la función de hermanar, acoplar al individuo
jurídico y al individuo disciplinario, hacer creer que el primero tiene por contenido concreto, real,
natural, lo que la tecnología política recortó y consútuyó como individuo disciplinario. Raspad al
individuo jurídico, dicen las ciencias humanas (psicológicas, sociológicas, ere.), y encontraréis a cierto
hombre; y de hecho, lo que presentan como el hombre es d individuo disciplinario (FOUCAULT,
2006, p. 79-80).
as ciências humanas têm por função por función gemelar, acopla este individuo jurídico [el individuo tal
como aparece en las teorías filosóficas y jurídicas] y este individuo disciplinario, de hacer creer que el
individuo jurídico tiene por contenido concreto, real, natural, lo que ha sido recortado y constituido por la
tecnología política como individuo disciplinario.([[CASTRO 2009) Humanismo
De modo paralelo e simultâneo, para que o homem fosse instalado e acoplado aos saberes é necessária sua
sujeição sob as instâncias da disciplina e da normalização (FOUCAULT, 1977).
À medida em que o poder normalizador condiciona os saberes sobre o homem, o humanismo moderno é o
correlato discursivo dos poderes exercidos na sociedade de normalização.
Sob a luz das pesquisas foucaultianas, Castro (2009, p. 218) pondera que o humanismo moderno é
caracterizado por uma dobra na qual quanto mais o sujeito renuncia ao poder, mais soberano ele é.
Associado ao discurso filantrópico, ele bloqueia o desejo e a possibilidade aceder ao poder e tem em seu cerne
a teoria do sujeito – enquanto teorização sobre o homem e como forma de sujeição deste.
Assim, o sujeito se constitui fundamentalmente como soberania sujeitada desde uma variedade de
acepções. Enquanto alma, o sujeito é soberano sobre seu corpo e sujeitado a Deus; sua consciência é soberana
para fins de juízo (o não-louco deve ser capaz de identificar o louco), mas submetido ao âmbito da verdade,
que contudo, lhe é superior e lhe escapa. Enquanto indivíduo, o sujeito é soberano titular de seus direitos mas
igualmente submetido a deveres e regras da sociedade, assim como às leis da natureza. Frente a sua
interioridade, a sua imaginação e a seus desejos, o sujeito são é fundamentalmente livre, muito embora seja
submetido às intempéries exteriores de seu destino.
A instauração do homem no campo do saber é possível com a sujeição realizada pela disciplina e pelas
tecnologias de normalização num âmbito mais amplo ao mesmo tempo em que esta torna possível o saber
sobre o homem.
A normalização e noção humanista de homem se implicam uma na outra. Aquela condiciona este, que por sua
vez a justifica.
A disciplina nasce de
“uma observação minuciosa do detalhe, e ao mesmo tempo um enfoque político dessas pequenas
coisas, para controle e utilização dos homens, sobem através da era clássica, levando consigo todo um
conjunto de técnicas, todo um corpo de processos e de saber, de descrições, de receitas e dados” (1977,
p. 121)
É a possibilidade de controle – decalcada da noção de finalidade do homem – que faz nascer uma ideia de
fim, é na medida exata que o controle é possível que a se pode estabelecer finalidades para o processo.
Mas a humanidade não tem fim e, se controla seu funcionamento, cria também as formas de justificar tal
controle.
DE1 619 (Che cos’è Lei Professor Foucault? («“Qui êtes-vous, professeur Foucault?»”) (¿Quién es usted,
profesor Foucault?) (1967/???)
O humanismo levanta a bandeira de toda sujeição do homem. Mesmo que não exerça o poder e quanto mais
renunciar ao desejo e à vontade de poder, submetendo-se ao que lhe é imposto, o homem pode ser soberano.
Do humanismo vêm as pequenas soberanias permitidas àqueles que se sujeitam: a alma que deve imperar
sobre o corpo ao passo em que se curva perante a ordem divina ou normativa em vigência; a consciência que
determina o reino do juízo desde que se submeta à verdade; o indivíduo enquanto sujeito de direitos –
submetido às leis da natureza e às regras sociais – e por fim a liberdade individual fundamental, que faz (ou
exige) do sujeito soberania interior sobre si mesmo e conivência exterior com sua situação e seu destino.
É o que faz Foucault afirmar que no coração do humanismo está o sujeito (DE2, 226 1971/???) Par-delà le
bien et le mal (Entretien, Actuel) (Más allá del bien y del mal )
O homem – enquanto a priori histórico - sempre serve de fundamento a todas as positividades e como
elemento empírico na ordem das coisas. Ele surge da fratura do espaço da representação, ligado à profundeza
da vida, das formas de produção e do devir das linguagens.
As ciências humanas tomam o homem como objeto no que ele tem de empírico, isto implica toma-
lo simultaneamente “como o que é necessário pensar e o que se deve saber” (2000, p. 476).
A episteme moderna é conformada em um espaço volumoso e aberto segundo três instâncias ou
dimensões. Primeiro, as ciências matemáticas e físicas e sua ordem de encadeamento dedutivo e linear de
proposições evidentes ou verificadas. Segundo, as ciências empíricas (da linguagem, da vida, da produção e
da distribuição das riquezas) que estabelecem relações entre elementos descontínuos mas análogos, de modo
a enxergar relações causais e constantes de estrutura. Entre ambas, há a partilha de um campo de aplicação
comum. Por fim, a reflexão filosófica se desenvolve como pensamento do Mesmo. Transpostos para filosofia
os temas relativos às empiricidades é que passamos a pontuar as filosofias da vida, do homem alienado e das
formas simbólicas. Por outro lado, porém, a filosofia é aquilo capaz de designar o fundamento dessas
empiricidades em ontologias regionais que “tentam definir o que são, em seu ser próprio, a vida, o trabalho e
a linguagem; enfim, a dimensão filosófica define com a das disciplinas matemáticas um plano comum: o da
formalização do pensamento” (2000, p. 480).
Assim, a precariedade, a incerteza e a dificuldade das “ciências humanas” não se deve à densidade de
seu objeto, “mas, antes, a complexidade da configuração epistemológica em que se acham colocadas, sua
relação constante com as três dimensões que lhes confere seu espaço” [pág. 481].
o indivíduo é o resultado de algo que lhe é anterior: o mecanismo, todos os procedimentos que fixam
o poder político ao corpo. Devido ao fato de que seu corpo foi “subjetivado” – isto é, a função sujeito
se fixou nele -, que foi psicologizado, que foi normalizado, é que se tornou possível a aparição do
indivíduo, e com referência a ele se pode falar, se podem emitir discursos, se pode tentar fundar ciências
(FOUCAULT, 2006, p. 78)
As ciências humanas são mecanismos e procedimentos disciplinares:
As ciências humanas
individuo jurídico con el disciplinario, pretendiendo mostrar que el contenido concreto, real y
natural del primero es el segundo, “raspad al individuo jurídico, dicen las ciencias humanas
(psicológicas, sociológicas, etc.) y encontraréis a cierto hombre; y de hecho, lo que presentan como el
hombre es el individuo disciplinario”50. Al contrario, el discurso humanista señala que el individuo
disciplinario es alienado e inauténtico, de manera que si se le devuelven sus derechos se encontrará
al individuo filosófico – jurídico como su forma originaria. En esta discusión, Foucault señala que lo
que se denomina hombre, en los siglos XIX y XX es la imagen de la oscilación entre el individuo
jurídico, que sirvió como instrumento de reivindicación del poder de la burguesía, y el individuo
disciplinario, que fue moldeado por esa misma burguesía para utilizarlo como fuerza política y
económica, “de esa oscilación entre el poder que se reivindica y el poder que se ejerce, nacieron la
ilusión y la realidad que llamamos Hombre”51.
Y lo que en los siglos XIX y XX se llama Hombre no es otra cosa que una
especie de imagen remanente de esa oscilación corre el individuo jurídico,
que fue sin duda el instrumento mediante el cual la burguesía reivindicó el
poder en su discurso, y d individuo disciplinario, gue es el resultado de la
tecnología urilizada por esa misma burguesía para conscituir al. individuo en
el campo de las fuerzas productivas y políticas. (FOUCUALT, 2006, p. 80)
Se na era clássica não há espaço para a realização da figura antropológica do homem, esta se dá com
o regime de finitização imposto pela finitude da vida, do trabalho e da linguagem na aurora da modernidade,
no final do século XVIII.
Na mesma entrevista (1965/1999 – “fil e psico”), O problema do signo e do sentido mina por dentro
o homem,
Depreende-se, a partir de uma ética de conservação, de uma política de restituição e de uma estética
do mesmo e da identidade que a loucura antecede os saberes psi. O objeto pré-existente
Antropologia Duas experiências, uma do homem, outra da loucura
Homem X exp loucura mod
Uma experiência do homem, impermeável à loucura a não ser nos termos de uma reversibilidade
(caracterizada pela desalienação) relegada ao médico, enquanto figura à qual cabe fazer a mediação entre o
homem e a loucura. E uma experiência do louco, que se relaciona com uma razão abstrata, que não pode ser
a dele mas da qual ele é a língua e o instrumento de expressão ao mesmo tempo.
Na modernidade se estabelecem duas experiências, a experiência do homem, que não se comunica com a
loucura relegando ao médico esta função, e há a experiência do homem da loucura que se relaciona com
uma razão abstrata, que não pode ser a dele mas da qual ele é a língua ao mesmo tempo. Se rompe então o
diálogo entre o homem e a loucura (FOUCAULT, 1961/1999).
Não há possibilidade alguma diálogo do homem com o louco, apenas submissão da natureza deste à ordem
reinante daquele. Duas experiências se desenham nesse novo horizonte da modernidade. Uma do homem
racional que se relaciona com o louco apenas mediante a figura do médico, através de uma relação abstrata
que articula a racionalidade à segurança da vontade contida e liberdade restringida nessa figura mediadora.
Noutra temos o louco, que não se relacionando diretamente com o homem, só se comunica com o outro lado
da sanidade através e mediante a mediação de uma racionalidade abstrata que o coloca no âmbito de
conformidade – ou de uma moral de consideração, tornando-se fraco e suscetível ao comando alheio exterior,
nos termos de Nietzsche (2006) –, na qual o louco é por fim submetido física e moralmente à razão.
Na sombra deste diálogo interrompido, em que não há linguagem comum entre os dois lados, a loucura
aparece como falta de sintaxe e gramática própria no balbucio e na imperfeição das palavras de uma linguagem
– a da loucura – submetida e subordinada à gramática da razão.
Mediante sua coexistência com as coisas e os demais elementos do mundo, Foucault (2000, p. 466) encontra
o homem numa “distância incontornável do tempo”. Todo saber sobre o homem é ambíguo, uma vez que
ele é definido frente a um recuo da origem, que coloca sua finitude (sobre a qual dissertam os saberes) sob
a sombra do não-pensamento.
Como afirma Candiotto (??arq em PC), uma perspectiva positivista atribui valor transcendental À
natureza, ao passo que a dialética faz o mesmo com a história. Nenhuma das duas são ao mesmo tempo
forma e conteúdo do saber e, por isso, prescindem de teoria do sujeito e de crítica.
“Verdade do objeto, que se manifesta pelo corpo e pelos rudimentos da percepção;
ou que se esboça após a dissipação das ilusões e a desalienação da história.
Verdade do discurso, que permite situar sobre a natureza ou sobre a história uma
linguagem reconhecida como verdadeira.
ambiguidade, pois não se sabe se é a verdade do objeto que prescreve a verdade do discurso, que, por sua vez
tem como tarefa descrever sua formação na natureza ou na história (discurso positivista); ou, se pelo contrário,
a verdade do discurso filosófico é que define e promete a verdade do objeto, seja a natureza ou a história
(discurso escatológico).”
A arqueologia de Foucault (2000) encontra a verdade do homem não sob uma identidade, mas sob um campo
de dispersão constitutiva nas ciências da vida, do trabalho e da linguagem. Estes saberes evidenciam a
anterioridade e a exterioridade do ser empírico do homem em relação a qualquer consciência
transcendental. As empiricidades apontam, consequentemente, para a historicidade e a fugacidade do sujeito
transcendental que operaria as sínteses do conhecimento, constituindo uma figura livre, autônoma,
responsável capaz de assegurar o bem-pensar e a não-loucura.
As ciências empíricas dão base para a formação das ciências humanas: a psicologia, a sociologia e a
análise literária e dos mitos.
Sem nos delongarmos nesta discussão de base filosófica, o alvo da análise de Foucault (2000) parece
ser a filosofia moderna sob sua versão fenomenológica, que falha ao se empenhar numa reflexão sobre o
vivido e o vivível, concernentes ao empírico, assentados, contudo, sobre uma subjetividade constituinte, a
qual ela se põe a definir e especificar. A preocupação em definir o sujeito articula a filosofia com seu exterior
na lateralidade dos saberes empíricos que a limitam e impõem regimes empíricos de finitude ao sujeito
constituinte. Antes e exteriormente à sua concepção como sujeito constituinte da filosofia, o homem é
especificado a partir destes saberes empíricos.
Assim, as ciências humanas se constituem sobre o frágil fundamento deste homem, objeto sujeitado
suposta e pretensamente considerado constituinte.
G. Canguilhem (1970, p. 136): “Para perceber a épistémè, foi preciso sair de uma ciência e de uma história
da ciência, foi preciso desafiar a especialização dos especialistas e tentar converter-se num especialista, não
da generalidade, mas da inter-regionalidade.”
A finitude é dada nas singularidades, são pequenas mortes de cada forma de vida no contínuo heterogêneo
que habita cada existencia, ou melhor, em cada existência individual que, contudo habita o contínuo
heterogêneo dos inúmeros modos do viver.
Assim, conforme caracterizado desde A ordem do discurso (FOUCAULT, 2011a), o discurso é mais
que uma simples superfície de contato e enfretamento entre uma realidade concreta e uma linguagem de
apreensão, mas um conjunto heterogêneo de regras capazes de definir os regimes dos objetos em adequação
às práticas que se ocupam deles.
Cada instituição contém o discurso e fixa seus limites assimilação da ordem hegemônica.
A cultura ocidental é a cultura do Mesmo desdobrado segundo cada época em equivalência, semelhança,
identidade e natureza
Propriamente, o homem aparece como signo sem interpretação, como signo sem sentido em sua
busca acompanhar a gênese do sentido, sobre o tema, é lapidar o nome de Hölderlin em As palavras e as
coisas de Foucault (2000). [[Schmid ver]]
Embora Heidegger ressalte o aspecto fáctico, este não aparece em sua teoria centrada, isto sim, no
jogo da vida com a morte, que não é nada mais que o acontecimento de viver e morrer: o próprio campo
problemático. Ele cita o poema de Hölderlin, Mnemosyne. onde o poeta diz:
Um signo somos nós, e sem sentido
Feitos de dor, e quase que temos
Perdido toda a língua na Estranheza
Mesmo quando acerca dos humanos,
No céu uma pendência se levanta, e com força
Rumam luas, tal também discursa o Mar e devém seu caminho..
Cf. Hölderlin, Canto do destino e outros cantos, tradução Antonio Medina de Rodrigues, São Paulo,
Iluminuras, 1994, p.34.
A loucura é um fracasso da afirmação da vida sobre a morte (Bichat), a loucura é um signo da finitude (falar
da relação entre loucura e hist).
Bichat remete à ideia de precariedade, a vida não está dada, ela é uma conquista permanente, na qual as forças
vitais têm que sobressair às forças mortais.
É preciso que eu produza meios para sobreviver, no descolamento da natrueza. A terra é a natureza pródiga,
a partir do momento em que tenho que trabalhar, os meios são finitos, como o homem é finito.
A prodigalidade da natureza se esgotou, por isso a precariedade é o signo da morte inscrito no progresso, na
historia.
Entre civil e barbárie se estabelece na discussão sobre o indio, como o símbolo da incivilidade. Primitivo,
mulher, louco, criança: identificações de menor civilidade em proximidade com a natureza – passível de pré-
lógica.
As neurociências (são um ramo do projeto de desaparecimento do homem) são mais um descentramento anti-
humanista, assim como fora a psicanálise. O que está me jogo no discurso das neurociências, é a questão do
risco e da periculosidade, mas a liberdade não é o ponto especifico de foco. A liberdade como questão não
é mais a questão.
Apagar a finitude, Bichat pensa a vida a partir da morte, daí a finitude na anátomo-clínica. E daí às ciências
humanas.
Através do prolongamento da vida e das neurociências, é o projeto de que talvez não vamos mais morrer,
seremos seres eternizados. Uma projeto onde a extensão da vida vai se avolumar cada vez mais, até talvez a
imortalidade.
O que havia de trágico na modernidade, que era finitude, se esvazia no contemporâneo.
A questão da finitude se esgota.
Não ter mais Deus como guardião implica em trabalhar sempre a finitude, mas podemos pensar a
periculosidade sem pensar na liberdade.
Como pensamos a periculosidade sem pensar a liberdade.
A eutanásia sempre foi um interdito moderno, há um imperativo do viver. Você não é arma para a sua morte.
Há na modernidade a promoção da vida.
Não tem mais trágico no ocidente, no oriente há, mas aqui não. Na literatura ou no cinema vê-se o trágico,
aqui não. E isso tem a ver com o apagamento da finitude, a ausência do trágico. Ele está intimamente ligado
à tensão permanente entre vida e morte. Quando criamos outras linhas e outros contornos para esta relação, o
trágico se esvazia.
Pinel mostra como a culpa é interiorizada, próprio de controlar o sujeito. Mostra a construção da norma
para a possível recuperação.
A tese sobre a liberdade é uma tese sobre a finitude, pelo próprio fato de produzir a categoria de homem NC
MC.
As categorias do círculo antropológico é introduzir a noção de homem e consequentemente a finitude (por
conta dela, todos podem se tornar loucos) que é a base da psicopatia, da psiquiatria e da psicanalaise.
Tudo o que se afirma no homem se desfaz com o tempo. A modernidade é uma linguagem ao infinito, que
se desdobra.
O insólito, é nas dobras de nossa cultura que pode surgir o ser de um escrever que não diz nada q o próprio
escrever.
A literatura é o não-lugar da linguagem em sua expressura própria. Não trata de retorno da identidade, mas
uma forma condenada sempre ao desaparecimento, à ruína, efémero rosto de areia.
1 – há uma contrarreação filosófica perante a noção de morte, e sua afronta com a vida.
Frente à sexualidade, crê que feita para amar e proliferar.
E à historia. Profundidade da consciência.
1- los ardiles de auto-controle – Dit ecrit p. 619 é a possibilidade de controle que nasce da ideia de
fim.
2- uma capacidade de errar. Depois de 1978, o texto sobre Canguilhem. Dit Ecrit p. 441. o limite da
vida é aquilo que é capaz de errar. A anomalia atravessa toda a biologia. Modificado em 1984, Dit
Ecrit IV p. 763. o erro singular.
Tem três trocas: não tem mais mutação, mas a singularidade se deve tão somente ao erro. Sai o “destinado
ao erro”, e vai condenado a errar e a equivocar-se. Terceiro, o erro constitui não o esquecimento...
DE IV, p 75. o equivoco de MC: queria falar da morte do homem, mas queria falr dee outra coisa. Usa a
subjetividade com a preocupação com o sujeito inteiro, como fenômeno de grande escala, e este sujeito é
errante, não é senão um continuum de errância.
Entrevista com Trombanoni, de 1980: deslocar infinitamente suas subjetividades, que nuca terá fim e que
nunca nos colocará frente ao que seria o homem mesmo. DEIV75 “ao falar da morte do homem de maneira
simplista, era isso que queria dizer”.
“o uso dos prazeres”: na contraportada da edição francesa, há um aforisma de René Char: “L’historie dês
hommes”.
DEIV p. 74:
A historia do ser vivente é o limite entre errar e a capacidade de controle, é o devir.
Marx: “o homem produz o homem”
Focuault: temos que produzir algo que não sabemos.
A afirmação que o sujeito moderno só se constitui desde uma profundidade desdobrada sobre e a
partir das forças de finitude é o toque de pedra do pensamento de Foucault (2000) em As palavras e as coisas.
Ao tentar atribuir à finitude formas concretas, explorando sistematicamente Ricardo, Curvier e Bopp, esta
obra busca as bases de fundamento do que vem a se tornar o sujeito moderno. Tal ancoramento fundamental
vem a combater a flutuação de sentido na qual o homem desliza entre as categorizações nos quadros de saberes
clássicos ao sabor das forças da existência. O fundamento da finitude visa dar contorno à deriva existencial
ilustrada na viagem dos personagens de Brant (2010) e no desdobramento infinito dos saberes clássicos.
O contorno ontológico em meio à flutuação nas superfícies e ao desdobramento ao infinito próprios à
era clássica é dado pela limitação lógica6. Ao passo que na modernidade, com a introdução da profundidade
natural através das finitudes, o limite é dado por oposição real, como aponta o comentário de Deleuze
(2014) sobre a obra foucaultiana. Dentro deste sistema é que o sujeito moderno e autônomo (cf.
FOUCAULT, 1975, 2000) passa a ser postulado em referência a uma natureza oposta ao louco.
Consequentemente, no bojo da modernidade, profundidade e finitude passam a dar o tom das práticas e
teorias sobre a loucura. A navegação sem termo e sem fim é limitada, portanto, pela lógica e pelas oposições
reais na era clássica e na moderna respectivamente, em processos a serem submetidos ao crivo da experiência
trágica da loucura sob a perspectiva foucaultiana que tomamos para nossa tese.
“A noite da loucura, então, não tem limites; aquilo que se podia tomar como sendo a natureza violenta do
homem era apenas o infinito da não-natureza” (FOUCAULT, 1979, p. 526)
Por isso, Foucault (2000) e Schmid (2002) consideram que a ética moderna não tem fundamento
algum, pois se volta para o impensado. Isso não significa que a moral moderna se resuma a pura especulação,
ela tem um modo de ação, por ela mesma pautado. Trata-se de deixar falar o impensado para dele se
apropriar, constituindo com ele o solo de nossa própria experiência. Desde o século XIX o pensamento sai
6
Sinal disto, é que boa parte das obras como as de Descartes (1987) ou Spinoza (2002) escritas entre os séculos XVI e XVII
esbarram na limitação lógica divina como o infinito que limita desde o exterior a finitude de seus súditos, como elucida Foucault
(1963/2001). Na modernidade, por outro lado, a história opera as oposições que condicionam a formação de um corpo antropológico
para o homem moderno, pois
“só há história (trabalho, produção, acumulação e crescimento dos custos reais) na medida em que o homem como ser natural é
finito: finitude que se prolonga muito além dos limites primitivos da espécie e das necessidades imediatas do corpo, mas que não
cessa de acompanhar, ao menos em surdina, todo o desenvolvimento das civilizações. Quanto mais o homem se instala no cerne do
mundo, quanto mais avança na posse da natureza, tanto mais fortemente também é acossado pela finitude, tanto mais se aproxima
de sua própria morte” (FOUCAULT, 2000, p.356).
de si mesmo e, deixando de ser teoria, ele libera e submete. Assim, o pensamento moderno é sempre político,
sua ética consiste em capturar o outro, transformando-o no Mesmo que ele.
- ética moderna: fundamento se volta para o impensado >>> modo de ação = deixar falar o impensado
para dele se apropriar > constituindo com ele o solo de nossa própria experiência > XIX o pensamento sai
de si mesmo e, deixando de ser teoria, ele libera e submete.
- pensamento moderno = político = capturar o outro > transformando-o no Mesmo
Entendemos que para Foucault (2000) a ética relaciona o pensar à prática como pensar de outro modo desde
As palavras e as coisas. Pensar de outro modo incute em transgredir a própria finitude.
a ética como a pergunta caracteristicamente moderna sobre a finitude do homem no vácuo da morte de
Deus, do fundamento mais elevado.
Há uma dobradura ao final da era clássica em que a modernidade7 se anuncia como um ligeiro traço
de luz no horizonte. Segundo Foucault (1966/2001, p. 222-223), isso foi “na mesma época que na poesia de
Hölderlin se manifestava a ausência cintilante dos deuses e se enunciava como uma nova lei a obrigação de
se esperar, perpetuamente, sem dúvida, a ajuda enigmática que vem da ‘ausência de Deus’”. Perante a
queda do discurso clássico do infinito o poeta alemão aparece como o primeiro desbravador da finitude
humana.
A finitude que vem do fora, da incompatibilidade fundamental da linguagem ao homem evidenciada
com o despedaçamento da linguagem clássica representativa.
Neste âmbito, o sujeito não constitui mais uma instancia exterior que comanda a linguagem,
desaparece a possibilidade de haver autor e, junto dela, o domínio do sujeito sobre a língua.
Ele agora não passa de uma dobra interior à linguagem que ressurge como aquilo que fala com a
liberação da representatividade da gramática geral (FOUCAULT, 2000, 1964/2001). Ademais, não só é a
linguagem (e não o homem) que fala, como ela aparece como a forma geral que determina o ser do homem.
Por isto, os estudos foucaultianos dos anos 1960 se valem da noção de fora para captar o ser da
linguagem, o fora que determina ao homem. Desde o exterior, de cima, de fora.
O homem se constitui perante a dispersão da linguagem e se dissolve quando esta é retomada, visto que a
aparição do sujeito moderno depende de seu caráter soberano sobre a linguagem.
Não se deve admitir que, estando a linguagem novamente aí, o homem retornará àquela inexistência
serena em que outrora o mantivera a unidade imperiosa do Discurso? O homem fora uma figura entre
dois modos de ser da linguagem; ou antes, ele não se constituiu senão no tempo em que a linguagem,
7
Foucault (2000, p. 533) enseja que “alguma coisa de novo está em vias de começar, de que apenas se suspeita um leve traço de
luz na orla do horizonte (...) Hölderlin, que Hegel, que Feuerbach e Marx já tinham, todos eles, esta certeza de que neles um
pensamento e talvez uma cultura findavam, e que, do fundo de uma distância que talvez não fosse invencível, uma outra se
aproximava — no recato da aurora, no fulgor do meio-dia, ou no contraste do dia que acaba”.
após ter sido alojada no interior da representação e como que dissolvida nela, dela só se liberou
despedaçando-se: o homem compôs sua própria figura nos interstícios de uma linguagem em
fragmentos. (2000, p. 535)
Ver: gregário
Arte
Como a loucura se converte em saúde? questão política da passagem dos fluxos de um nível ao outro
(DELEUZE, 2000, DELEUZE & GUATTARI, 2011)
Salvaguardar o funcionamento avariado das máquinas de subjetivação.
A descodificação diz respeito ao processo que, mesmo nos seus ímpetos mais angustiantes ou aventurosos
caracteriza a loucura (cf. DELEUZE & GUATTARI, 2011, p. 480) mais ao lado de uma abertura (a qual
condiciona o acesso à dimensão pática) que da doença ou desmoronamento.
Paralelamente, é próprio ao o campo da arte forjar cadeias de descodificação que dão passagem à
dimensão pática (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p. 489).
“o puro processo que se efetua e não para de se efetuar enquanto se processa, a arte como
‘experimentação’” (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p. 492)
Experimental para J. Cage
A nova terra coincide e é alçada pelo processo de efetuação da produção desejante – processo de formalização,
de constituição de produção imanente, de forjamento –, é “efetuado enquanto procede, e tanto quanto
procede” (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p. 506)
A imaginação artística e literária concebe numerosas máquinas absurdas: seja por indeterminação
do motor ou da fonte de energia, seja pela impossibilidade física da organização das peças
trabalhadoras, seja pela impossibilidade lógica do mecanismo de transmissão. (...) Já não se trata de
confrontar o homem e a máquina para avaliar as correspondências, os prolongamentos, as substituições
possíveis ou impossíveis entre ambos, mas de levá-los a comunicar entre si para mostrar como o
homem compõe peça com a máquina, ou compõe peça com outra coisa para constituir uma máquina.
A outra coisa pode ser uma ferramenta, ou mesmo um animal, ou outros homens. Portanto, não é por
metáfora que falamos de máquina: o homem compõe máquina desde que esse caráter seja comunicado
por recorrência ao conjunto de que ele faz parte em condições bem determinadas (DELEUZE &
GUATTARI, 2011, p. 508).
Como resistência, rebeldia e crítica à instância utilitaristas, a loucura se nega a servir de ferramenta a este
sistema “humanista e abstrato, [que] isola as forças produtivas das condições sociais do seu exercício”
(DELEUZE & GUATTARI, 2011, p. 511) e funciona como ruído maquínico de circulação e afetação, sob
uma perspectiva trágica.
O agenciamento é a unidade mínima do real é preciso estabelecer desde o início a diferença de natureza
entre a ferramenta e a máquina: uma como agente de contato, a outra como fator de comunicação;
uma como projetiva e a outra como recorrente; uma reportando-se ao possível e ao impossível, a outra
à probabilidade de um menos-provável; uma operando por síntese funcional de um todo, a outra por
distinção real num conjunto. Compor peça com qualquer coisa é muito diferente de prolongar-se ou
projetar-se, ou de fazer-se substituir (caso em que não há comunicação). Pierre Auger mostra que há
máquina desde que haja comunicação de duas porções do mundo exterior realmente distintas num
sistema possível embora menos provável. Uma mesma coisa pode ser ferramenta ou máquina,
conforme o “phylum maquínico” se apodere dela ou não, passe ou não por ela (DELEUZE &
GUATTARI, 2011, p. 511).
“A arte faz existir entidades espirituais” ressaltam Deleuze e Guattari (2008, p. 11), entidades imateriais de
afetação concreta.
Mediante isto, linha mortífera do fora se avizinha de um lado da criação e de outro das mais ferozes
formas de captura, seja através da morte, seja na sobrecodificação dos fluxos desterritorializados do desejo
nas malhas de regime determinísticos de circulação.
Não obstante isto, como explicitado acima, o pensamento vem da linha do fora e a ela retorna para
enfrenta-la transpondo-a para que se possa vive-la, pratica-la, pensa-la, tornando-a uma arte de viver. Ou
seja, para habitar esta linha sedenta e mortífera, temos de dobrá-la, fazê-la curvar-se sobre si mesma num
retorno em que um feixe de força afeta si mesmo. Desta maneira o sujeito pode habitar a linha tênue do
fora, no limiar da invenção de possíveis para além da monotonia do doente mental reduzido à sua
institucionalização, medicamentosa ou manicomial, familiar ou psicossocial.
Neste sentido, a alienação psicossocial não é outra coisa que um efeito terciário do sequestro das
potências disruptivas e contingenciais do fora.
Arte e fórmula
Se podemos conceber uma composição artística segundo Deleuze (CC), ela remete a uma fórmula,
que não se restringe à sua aplicação mecânica sobre a vida, mas a desorganiza de fio a pavio à medida que
desestabiliza seus ordenamentos e suas hierarquias, assim como as relações de causa e efeito que as instituem.
I would prefer not to é a fórmula que repete o desarrazoado escrivão Bartebly tem efeito de catástrofe para o
bom senso e a ordem causal do advogado que tenta desafortunadamente persuadi-lo a tomar outro rumo que
a sua atordoante inação.
Desta maneira, a fórmula se desenha como operação material no texto que o lança longe dos meandros
da história e do simbólico, do bom senso e do senso comum– complemento um do outro, segundo Machado
(2009, p. 136). A fórmula é performática, ela se performa emperrando a divisão entre latente e manifesto.
Com a fórmula, a escrita não vem a significar algo que não está ali, mas ela maquina algo, opera passagens
e cortes de maneira a tornar obsoleto o afã de buscar algo oculto por traz do que é narrado.
Uma vez que a narrativa só relata a si mesma, o próprio acontecer daquilo que relata (BLANCHOT,
2005) a composição condiz a um manejo com o intensivo, dado com o sentir e o operar no plano impessoal
de imanência, produzindo singularidades capazes de atravessar as pessoalidades e o transcorrer do tempo.
Neste ponto, a composição resiste à determinabilidade do conceito e aquilo que produz, à usura do tempo
(QF?). Ademais, ela produz sentido, atuando no entrecruzamento das séries corporais com as enunciativas
mediante a instância paradoxal inarticulada que as organiza na interpenetração de singularidades, de
intensidades e forças afetivas.
Depreende o contato com as instancias erráticas do fora as possibilidades da loucura se deslocar para
além de si mesma, transitando por espaços outrora interditados: os palcos, a cozinha, a casa, etc. Produzindo
saúde nas intermitências com suas próprias vicissitudes.
Neste intuito nos interessa as condições tecnológicas de manejo clínico da criação através da busca do tempo
da idealidade acontecimental, Áion, para além de sua efetivação cronológica, cronificada na figura
psicossocial do louco. Tempo do se aconteceu e do que está para acontecer e tempo do se se passa na fria e
imóvel de uam presença de estado da alma.
Ah, Carl, enquanto você não estiver a salvo eu não estarei a salvo e agora você está inteiramente
mergulhado no caldo animal total do tempo — e que por isso correram pelas ruas geladas obcecados
por um súbito clarão da alquimia do uso da elipse do catálogo do metro & do plano vibratório que
sonharam e abriram brechas encamadas no Tempo & Espaço através de imagens justapostas e
capturaram o arranjo da alma entre imagens visuais e reuniram os verbos elementares e juntaram o
substantivo e o choque de consciência saltando numa sensação de Pater Omnipotens Aeterni Deus, para
recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa humana e ficaram parados à sua frente, mudos e
inteligentes e trêmulos de vergonha, rejeitados todavia expondo a alma para conformar-se ao ritmo do
pensamento na sua cabeça nua e infinita (...) com o coração absoluto do poema da vida arrancado
para fora dos seus corpos bom para comer por mais mil anos.
Arte, vida e seus regimes de infinitização
Uma corrente de vida, pensamento e linguagem nos constitui e atravessa como seres vivos no mundo
e, entre nós e o mundo, há o puro acontecer[[por que tem o acto puro aqui?]]. O acontecer da vida se
desdobra, pois, no acontecer do pensamento e da linguagem. Assim, as linhas desterritorializantes do
pensamento e da linguagem constituem um fluxo incessante que ultrapassa os limite que nos configura
subjetiva e objetivamente. Ora, no campo transcendental, na experimentação daquilo que ocorre fora-de-si,
nos encontramos imiscuídos e em contiguidade a este fluxo incessante ilimitado. Embora o eu seja fixado e
definido por seus limites subjetivos e objetivos, os fluxos incessantes de pensamento, vida e linguagem não
se subordinam a esses limites. Como o pensamento, linguagem e vida (capacidade normativa) constituem um
regime de infinitização?
No intuito de pensar os processos de subjetivação para além do sujeito epistêmico, Foucault (2000, p.
400) lança mão de um ser da linguagem, deslocando-se do campo da linguística para o da literatura em As
palavras e as coisas. Evidenciando as formas fundamentais da finitude da forma homem, a literatura tende ao
ser da linguagem. Os exemplos foucaultianos fazem questão de desvencilhar este ser da linguagem de sua
efetuação sobre uma superfície lógica: em Artaud, ela é a obsolescência da função representativa e
significante da superfície linguageira do discurso em prol da violência plástica, profunda e chocante do grito
do corpo torturado e da materialidade do pensamento; com Roussel, é encontrada na linguagem fractal do
acaso e da repetição da morte, etc.
O ser da linguagem como linguagem ao infinito é perfeitamente apreciável nos contos A biblioteca de Babel
assim como em O livro de areia de Jorge Luis Borges.
A provação das formas de finitude acabam desatando a loucura, pois leva ao que está aquém da
superfície lógica, leva ao fora alheio aos domínios fronteiriços da finitude, leva, pois, ao reino informe e não-
significante do fora que, entretanto, libera a linguagem da significação e da representação. Neste espaço
descoberto, correspondente ao que Deleuze (2000) considera como plano transcendental, é que se dá o
enlouquecimento da linguagem – conforme trabalhado em A voz do silêncio (PRADO, 2013) – e a obra
foucaultiana encontra Bataille, Blanchot e Kafka.
Alheia à superfície lógica, a literatura desenvolve uma linguagem redobrada sobre si, que traz o fora
para além de toda interioridade e exterioridade já dadas ao implodir a interioridade que condiciona e possibilita
o pensamento lógico-reflexivo. A valorização da literatura nos interessa desde que constitui a capacidade de
acesso da linguagem a um espaço vazio, a-subjetivo, próprio ao ser da linguagem em sua exterioridade como
fora. Pois “esse pensamento que se mantém fora de toda subjetividade” é qualificado por Foucault (1966/2001,
p.222) como pensamento do fora. Nesta época parece de suma importância a Foucault (1963/2001b) levar a
linguagem a seus limites, levar a linguagem ao infinito sob uma força de atração (postulada desde Blanchot)
fim de fazer implodir toda interioridade do sujeito.
Em Blanchot a atração consiste na própria experiência do fora, pareada por Foucault (2000) ao
desejo em Sade, à força em Nietzsche, à materialidade em Artaud e à transgressão para Bataille. Atração que
se dá no campo transcendental, como pativo, como um levar-se, um ir-se... impessoal. Ser atraído para além
da superfície lógica para experimentar no vazio denso, a presença do fora (BLANCHOT, 2012). Tal como
a experiência trágica da loucura, a atração não remete tão simplesmente de abertura do ser, mas a um regime
infinitização dado contato com um campo transcendental infinito, alheio e incompatível, pois, a qualquer
fechamento. A atração não tem nada mais a oferecer que um vazio que se abre infinitamente – “um pouco de
possível senão eu sufoco”, sufocado no campo transcendental.
A arte como construção é uma concepção que emana da convergência entre os meios materiais intrínsecos
a ela, seus mecanismos naturais, e a liberdade humana.
Aforisma 6 da terceira dissetação GM
Recorrendo a Stendhal, para quem a beleza é uma promessa de felicidade, Nietzsche (GM,fr p. 154??)
critica Kant na Genealogia da moral apontando que este encara o problema estético meramente da posição de
espectador e não na de artista criador, daí a categoria central de sua análise ser o belo.
A abordagem problemática da estética, segundo a visão nietzschiana que compartilhamos, encontra eco em
Heidegger (??) que ao tomar a estética como “a ciência do comportamento sensível e afetivo do homem e
daquilo que o determina” tendo a noção de beleza – passível à natureza e à arte – como determinante, cuja
testemunha fundamental é o homem.
Não obstante, entendemos que a estética, uma vez que se debruça sobre a arte como uma práxis, está
sempre na berlinda, correndo o risco de deslizar de um papel descritivo ou interpretativo para um âmbito
normativo problemático.
A crítica de Nietzsche à Kant leva em conta que este a olha do ponto de vista do espectador que a coloca ao
lado do conhecimento assentado na noção de belo e da universalidade daquilo que se entende como belo. O
belo kantiano agrada ao espectador mesmo tendo em conta seu desinteresse – assim como os mestres do
desinteresse (GC??)...
Inclui apenas o espectador no belo. Como pletora de vivencias fortes e singulares numa dimensão não mais
que contemplativa. Nietzsche critica Schopenhauer a tiracolo, para quem a contemplação artística – o estado
de arte com arte (pois contemplar, assim como perceber corresponde já à criação de um mundo) – liberava da
escravidão da vontade e do interesse sexual. Estado sem dor, sem vontade, sem tormenta e sem querer que
Schopenhauer louva na terceira seção de O mundo como vontade e representação.
O contraponto é Stendhal que entende o belo como uma promessa de felicidade, como um por vir – dirá
Blanchot –, como criar um mundo para viver, ao diagnosticar os sintomas do mundo presente. A loucura
como criação de um novo mundo e invenção, à tiracolo, de outro homem, ao mesmo tempo se constitui como
crítica da sociedade e da cultura que exclui a loucura, seu outro. Em suma, Stendhal concebe uma exacerbação
da vontade e do interesse ao passo que o ideal ascético serve para livrar do pathos. Concebido como tortura.
A dimensão afetiva é obliterada à medida de sua associação imediata e sem recuo com a desgraça do
sofrimento. Porém há uma posição trágica afirmativa da vida e do pathos, uma outra concepção da arte, mais
ligada à dimensão da criação.
aqui que a arte chega à sua modernidade autêntica, que consiste unicamente em libertar o que já estava
presente na arte de todos os tempos, mas que se encontrava oculto sob objetivos e objetos ainda que
estéticos, sob as recodificações ou as axiomáticas: o puro processo que se efetua e não para de se efetuar
enquanto se processa, a arte como “experimentação” (...)
John Cage [1912-1992] e o seu livro Silence (Middletown, Wesleyan University Press, 1961): “A
palavra experimental pode convir, desde que a tomemos para designar não um ato destinado a ser
julgado em termos de sucesso ou fracasso, mas simplesmente um ato cujo resultado é desconhecido”
(p. 13). E sobre as noções ativas ou práticas de descodificação, de desestruturação e a obra como
processo, remetemos aos excelentes comentários de Daniel Charles sobre Cage, “Musique et anarchie”,
Bulletin de la Société Française de Philosophie, julho de 1971 (DELEZUE & GUATTARI, 2011, p.
492).
Pelbart CartNii:
Encontro do sujeito com a ciência e o enigma, com a verdade demonstrativa e a verdade acontecimental,
ritualizada.
p. 52: a produção é conjunta e conjuntiva. São coemergentes produto e processo, contemporâneos no metier
de Didier-Weil. A lentidão de que ele trata se acopla ao Áion deleuziano, tempo de produção, velocidade
simultânea, aceleração engendradora, nau do tempo rei cruzando mares e desertos.
corpo seria hoje o espaço (mais ou menos apertado) que nos é dado entre a ciência e o enigma -o espaço de
respiração (talvez sufocante) entre o domínio da amizade e o do ininscritível (presente suspenso entre o terrível
passado e o futuro sem nome).
Arte trata-se de fazer não de fazer objetos, mas de fazer espaços entre os objetos.
Weber (1789) Entendimento do componente sensorial da arte — a aísthesis — como potência de sedução
e de "desvio" do receptor quanto ao "estado ideal" de atenção e mobilização ético-política postulado pela
filosofia;
a noção de que cada obra carrega em si uma valência política passível de ser determinada objetivamente
pela inteligência filosófica — e portanto externamente à interação entre obra e receptor;
por fim, a homogeneização da ação do receptor médio, que aqui chamaremos de "senso comum" sempre
que ele aparecer sob um tal ângulo. Em sua somatória, tem-se com
eles o "quadro normativo" de que fala o título do ensaio.
experiência do receptor é marcada pelo trânsito constante entre momentos de abertura sensorial e momentos
de distanciamento do evento estético em que a ação da consciência ocupa a cena, ensejando daí os
fenômenos da compreensão e da criticidade.
Disso advém a histórica ambigüidade do pensamento filosófico quanto à potência de deslocamento própria à
arte. – [[Como o pathos, inimigo do pensamento aistesis]]
Se essa força de deslocamento pudesse ser apreendida, e então
conhecida, ela poderia ser manejada pelo pensamento.
Como esse não é o caso — como a sua incognoscibilidade é
paralela à sua existência empírica e à sua evidência fática —,
entende-se a desconfiança que dela terá o pensamento
logocêntrico (que aqui não é sumariamente identificado à
filosofia), que tão cedo passou a caracterizá-la — ou ao menos
parte dele assim o fez —, como potência do "engano" ou do
"enfraquecimento da subjetividade".
Nessa linha, temos os mestres da pureza e do desinteresse; Submeter a arte a paradigmas a ela exteriores,
utilidade – Wilde fala da arte inútil, ela aparece como inimiga do conhecimento, inimiga da razão e dos
saberes, movimento de Erasmo ao submeter a loucura ao discurso: controlar a aísthesis; em linhas gerais, e,
mutatis mutandis, este foi o movimento empreendido por Platão
(quando condena a mímesis por mentir aos cidadãos através da
sedução), por Rousseau (quando condena a estetização por
afastar os homens da concentração nas necessidades pragmáticas do Estado), por Schiller (quando interpreta,
assim como Rousseau, a estetização como decadência da cultura), por
Adorno — ao desconfiar do prazer como desguarnecimento da criticidade...
retirada do silêncio imediato do seu puro acontecer, a aísthesis
passa a prestar contas à organização e à autoprodução da
sociedade, para as quais os indivíduos surgem como átomos
que, nesta condição, podem e devem ser teorizados com base
na sua suposta homogeneidade.
Nlz adaptação utilirarismo.
Estética X razão:
1) o divórcio entre aísthesis e reflexão, analisadas individualmente em função dos seus potenciais "perigos"
para a "formação política do cidadão";
2) a conseqüente desconfiança quanto à imprevisibilidade própria ao jogo entre as duas instâncias, abafada
sob a idéia de que a arte é capaz de exercer uma influência direta sobre o receptor, afetando tanto a sua
consciência quanto a sua
sensibilidade para as coisas do mundo, sendo portanto dotada do poder de diminuir a sua capacidade crítica
e/ou a sua disposição para o "fazer pragmático" (i.e., o fazer considerado indispensável à continuidade ou ao
melhoramento da sociedade);
3) o julgamento sumário do receptor, pela consequente desconfiança quanto à sua capacidade de
posicionamento crítico diante da ameaça de "desvio";
4) a confusão entre a descrição e a prescrição (entre a afirmação do que a arte é e do que ela deve ser),
ponto em que a filosofia da arte abraça o distanciamento u-tópico freqüentemente característico — e
necessário — da filosofia política, em detrimento de uma possível "ciência" da arte.
senso comum" é uma categoria constituída performaticamente pelo próprio discurso, não recebendo uma
abordagem individualizada, apesar de servir como base para a
armadura conceitual... nada mais é do que o hábito filosófico de homogeneizar a ação do receptor em seu
contato com a obra de arte, não importa sob qual parâmetro valorativo (positivo ou negativo)...
procedimento tão corriqueiro quanto caro — diríamos
indispensável — às filosofias normativas
Machado, 2009, p. 137: Platão: modelo positivo da recognição e do senso comum, e negativo do erro em
Deleuze (2002).
a tragédia [enquanto modo de apresentação e afirmação da presença de algo no mundo] veiculava idéias sem
apelar explicitamente ao logos, escamoteando a apresentação das
idéias como tais, e assim "ludibriando" a defesa racional contra a impostura.
o perigo não era a mímesis em si, mas sim o seu impacto no socius: por causa dele Platão julgava necessário
denunciar o desequilíbrio que a aísthesis impunha à absorção do
conteúdo semântico e à disposição psíquica do público — em última análise, denunciar o próprio recurso à
aísthesis como digno de desconfiança.
Gumbrecht (1998) entende que a literatura tenha sido objeto de uma vontade intensa de teorização em razão
da sua função social de produção de realidades alternativas à realidade cotidiana, combinada à indefinição
do seu estatuto social (por tratar-se de um objeto cuja carência de uma necessidade autoevidente não
compromete sua produção e seu consumo).
A partir daí, entendemos sua potência de perspectivizar a realidade social, a legitimação de tal função
ocorrre nstes ou pela soma de caminhos:
1) a arte deve a sua existência a uma disposição antropológica elementar; qual??
2) ela é obra do gênio e então admitir-se-ia a autonomia completa da subjetividade autoral;
3) a pressuposição de uma razão completamente despragmatizada;
4) o pleno delineamento do conceito de ficção em sua distinção quanto à mentira, ao engano e ao desvario;
"É como se a impossibilidade de afirmar um programa operacional para o sistema literário, programa
esse capaz de assegurar normas para a produção literária e sua recepção, tivesse intensificado os
esforços destinados a formular o programa [operacional] ou a unidade do conceito de
'literatura'". GUMBRECHT. Patologias do sistema da literatura. In: Corpo e forma, p. 104.
a indefinição quanto ao estatuto social do objeto levou à tentativa desenfreada de teorizá-lo com vistas a
"estabilizá-lo" — ou seja, a dotá-lo de um território delineado
de vigência e de influência na sociedade
objetivo é o de preservar a observação do político, levando-o para fora do quadro normativo. Isso implica
recusar
1) o julgamento a priori do "senso comum";
2) a prática judicativa que pretende decretar a valência política — seja ela "nociva" ou "positiva" — da obra
de arte em sua imanência ("imanência" aqui significa: em seu isolamento quanto à sua própria recepção);
3) e a dotação da arte de qualquer potência ou status político a priori: apenas no seu acontecimento pode a
arte politizar-se dentro de uma relação particular com um receptor individual (e apenas ocasionalmente com
o público em larga escala).
paradigmas X "modelos" Grosso modo, os primeiros referem-se a teorias que pautam a relação das
proposições científicas com os seus objetos de estudo, e os últimos, às metodologias utilizadas para
o seu estudo efetivo.
paradigmas se subdividiriam em três modalidade interconectadas: o paradigma-teoria (estilema
teórico predominante e determinante em cada paradigma), o paradigma-objeto (o objeto de estudo
preferencial de cada paradigma) e o paradigma-disciplina (a disciplina a que cada teoria confere
proeminência ou com a qual estabelece, por assim dizer, uma relação de "afinidade eletiva").
paradigma-teoria é a contingência, o paradigma-objeto é o movimento, a diferença, ou a modificação,
e o paradigma-disciplina é a arte.
O modelo elaborado e empregado por eles seria o rizoma, na verdade o conceito que, a partir de 1976,
orientou as suas análises dos temas abordados.
para Deleuze e Guattari (2008), arte tem o poder de desterritorialização, de colocar em movimento o que
era estático (desterritorializar é impedir o sedentarismo, a segurança do território familiar; ou seja, é desviar
da rotina).
movimento é político por si só, pois para os dois autores o politicum efetivo reside na alteração da relação
com o dado, que é em si uma alteração do próprio dado,
Em Deleuze, a idéia de potência implica a de diferenciação imanente, já que toda potência, realizando-se
em graus, corresponde a aumentos de diminuições ou diferenças no desenvolver-se daquilo que está em
pauta
A arte desterritorializa ao bloquear a continuidade do fluxo; ela
é o paradigma-disciplina em Deleuze e Guattari por emblematizar a dimensão poiética própria à interação
das pessoas e das coisas dentro da realidade.
O empírico é o campo em que os encontros se dão, dominado
pela semantização — pela atribuição de significado às coisas —,
e pela correlata estabilização do sentido
O elemento poiético da metafísica deleuziana é o agenciamento,
um movimento a-subjetivo que, ao permitir um instante de
quebra da continuidade, provoca a irrupção da diferença, e que
tem na arte um "correlato objetivo":
Uma conspiração que conjugue a arte e a ciência supõe uma ruptura de todas as nossas instituições e
uma subversão total dos meios de produção (488).
a arte e a ciência têm uma potencialidade revolucionária e nada mais, e que [455] esta potencialidade
aparece tanto mais quanto menos se pergunta pelo que elas querem dizer do ponto de vista de
significados, ou de um significante, forçosamente reservados aos especialistas; mas elas fazem passar
pelo socius fluxos cada vez mais descodificados e desterritorializados, fluxos sensíveis a todo
mundo, que forçam a axiomática social a complicar-se cada vez mais, a saturar-se ainda mais, a tal
ponto que o artista e o cientista podem ser determinados a se juntarem a uma situação objetiva
revolucionária como reação às planificações autoritárias de um Estado essencialmente incompetente e
sobretudo castrador (DELEUZE & GUATTARI, 2011, p. 502)
toda diferença é imediatamente política, pois escapa à estabilização do significado, antes referindo-se à
potência arracional do desejo [[pathos]]. O desejo é que entra em ação ao se ver colocado diante da pura
facticidade da arte e da ciência (do seu puro colocar-se à
mostra).
“Identidade de natureza da produção social e da produção desejante e a sua diferença de regimes, de modo
que a forma social de produção exerce uma repressão essencial sobre a produção desejante, e a produção
desejante (um "verdadeiro" desejo) pode potencialmente fazer a forma social ir pelos ares”. A contingência,
então, é absoluta
Não existe obra ou indivíduo revolucionário, existe apenas o
acontecimento revolucionário, que só pode ser obra da contingência.
Biopoder e biopolítica
[[VER Fichamento EDS
Nas tecnologias modernas, o alvo não é o corpo social como um todo, mas o corpo múltiplo da população
(2002 216fr aula...). O corpo individual e o da população são os verdadeiros objetos da política moderna. O
corpo existe através de uma sistematização política mais que de um artigo material, biológico. Ele aparece
como problema político.
Biopoder e Nietzsche: capturar o próprio poder da vida. Tal qual uma moral é instituída por, com e sobre
valores afirmativos, mesmo uma moral que vise dominar e escravizar para Nietzsche (2009) na Genealogia
da moral, valendo-nos desta perspectiva, podemos observar que o biopoder é o movimento que visa
apoderar-se da vida mesma. Usar a força para calar e estancar a fonte de força, que é recalcar a força política
da população, tornando-os dóceis e úteis. A expressão maior, a beleza e alegria da vida são recalcadas, a
normatividade vital é colocada de lado em prol da normalização que captura as forças de produção da vida e
as capitaliza para si, para propósitos exteriores à vida, submissão da vida a valores superiores, denuncia o
filósofo alemão em uma série de passagens de sua obra.
Com efeito, observamos um movimento contraditório que coloca a vida contra a vida mesma. A cisão
entre a vida e seu processo produtivo se quer cindida, e triunfa mais à medida em que separa a vida material
e concreta dos seus processos produtivos. A normalização prospera no seio desta dissociação das forças
produtivas, da vontade de potência com a vida concreta.
Deve ser uma necessidade de primeira ordem, a que faz sempre crescer e medrar essa espécie hostil à
vida deve ser interesse da vida mesma, que um tipo tão contraditório não se extinga. Pois uma vida
ascética é uma contradição: aqui domina um ressentimento ímpar, aquele de um insaciado instinto e
vontade de poder que deseja senhorearse, não de algo da vida, mas da vida mesma, de suas
condições maiores, mais profundas e fundamentais; aqui se faz a tentativa de usar a força para
estancar a fonte da força; aqui o olhar se volta, rancoroso e pérfido, contra o florescimento fisiológico
mesmo, em especial contra a sua expressão, a beleza, a alegria; enquanto se experimenta e se busca
satisfação no malogro, na desventura, no fenecimento, no feio, na perda voluntária, na negação de si,
autoflagelação e autosacrifício. Tudo isso é paradoxal no mais alto grau: estamos aqui diante de uma
desarmonia que se quer desarmônica, que frui a si mesma neste sofrimento, e torna-se inclusive mais
triunfante e confiante à medida que diminui o seu pressuposto, a vitalidade fisiológica. "O triunfo na
agonia derradeira": sob este signo superlativo lutou desde sempre o ideal ascético; neste enigma de
sedução, nesta imagem de êxtase e tormento ele reconheceu sua luz mais intensa, sua salvação, sua
vitória final. Crux, nux, lux [cruz, noz, luz] - para ele são uma só coisa (NIETZSCHE, 2009, p. 107-8).
Ou 1999 conferir comentários e conferir citação em ambos.
Campo transcendental
Suscintamente, podemos definir o campo transcendental a partir de Deleuze (2000) como campo de
singularidades díspares entre si, campo de intensidades diferenciais e acontecimentos transcendentais que
opera por sínteses disjuntivas. Proceder heterogenético no qual a dispersão inclui a diferença para a
instauração do pululante campo problemático do campo transcendental.
Campo transcendental e síntese disjuntiva
O que pode parecer uma aberração aos olhos da lógica convencional, a síntese disjuntiva é o próprio
fundamento da lógica deleuzeana na não redução do pensar à recognição conforme assinalado por
Zourabichvili (2004, p. 57 e 2004a).
A síntese disjuntiva (ou disjunção inclusa) é o operador principal da filosofia de Deleuze, o conceito
assinado entre todos. (...) O pensador é antes de tudo clínico, decifrador sensível e paciente dos
regimes de signos produzidos pela existência, e segundo os quais ela se produz. Seu ofício é construir
os objetos lógicos capazes de dar conta dessa produção e levar assim a questão crítica a seu mais alto
ponto de paradoxo: ali onde são focalizadas condições que não são "maiores que o condicionado" (esse
programa conduz diretamente ao conceito de disjunção inclusa).
Contra a redução do pensamento aos dois princípios de não-contradição e ao terceiro excluído, como
sinalizado em Prospectos e conceitos (DELEUZE & GUATTARI, 2008). Deleuze (2009, 2011), clama um
novo paradigma de lógica, uma lógica extrema e plena, mas que não se rebata e reconduza à razão, certa lógica
irracional que se furte, entretanto à confusão do irracionalismo e do ilogismo.
Caos
Há algo importante a ser extraído do caos, porém, “falta-nos um plano que recupere o caos, condições que
nos permitam ligar esses dados e neles encontrar sentido, antes no modo de uma problemática do que no
de uma interpretação (ZOURABICHVILI, 2000, p. 41). Cabe-nos enquanto clínicos, mais que interpretar,
problematizar.
O plano de imanência condiciona o sentido, o caos sendo o não-sentido que é o fundo da vida. “De que
natureza é o plano? Ele apresenta obrigatoriamente duas faces, cada uma sendo o espelho da outra: plano de
pensamento, plano de natureza, pois "o movimento não é imagem do pensamento sem ser também matéria
do ser" (QPh, 41)” (Zoura, 2000, p. 41)
“a matéria é o acaso: modo de existência não somente independente das produções humanas, mas indiferente
a todo princípio e a toda lei” Rosset (1988a, p. 15). [[Sobrer isso ressoa Bergson tb EC, Bergsonismo]]
Cartografia – hódos-meta
“no compromisso com a vida, é também tarefa do cartógrafo social fazer deste esboço um desenho, desvendar
outras linhas, potencializar novas formas” (Mairesse, 2003).
Rolnik (1989) complementa este tipo de atuação investigativa ao caracterizar que
“o perfil do cartógrafo é exclusivamente um tipo de sensibilidade, que ele se propõe fazer prevalecer,
na medida do possível, em seu trabalho. O que ele quer é se colocar, sempre que possível, na
adjacência das mutações das cartografias, posição que lhe permite acolher o caráter finito e ilimitado
do processo de produção da realidade que é o desejo. Para que isso seja possível, ele se utiliza de um
“composto híbrido”, feito do seu olho, é claro, mas também, e simultaneamente, de seu corpo vibrátil,
pois o que quer é aprender o movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e representação:
fluxo de intensidades escapando do plano de organização de territórios, desorientando suas
cartografias, desestabilizando suas representações e, por sua vez, representações estacando o
fluxo, canalizando as intensidades, dando-lhes sentido. É que o cartógrafo sabe que não tem jeito:
esse desafio permanente é o próprio motor de criação de sentido.”
Causalidade e totalização
Uma nova ordem da racionalidade se anuncia no horizonte com a distinção entre lunáticos (ligado a mudanças
da lua, fatores externos), insanos (determinado pelo nascimento, por fatores internos de privação de alimento
ou bebida) e melancólicos (ligado ao vício) (ibid., 1979).
VER:
Ciências da vida
Busca em CX:
Padecem de um padrão de objetividade que existe somente nas ciências naturais.
Regulação através de normas, fundada na negatividade como as ciências humanas, que são o
prolongamento das ciências da vida (FOUCAULT, 2011, p. 39).
De acordo com a leitura que Portocarrero (2009, p. 8) realiza dos estudos canguilhemianos, as ciências da
vida surgem ao final do século XVIII como interrogação acerca da vida, dos seres vivos e do homem,
buscando a racionalidade intrínseca à própria vida.
Com efeito, as próprias ciências da vida são definidas nas linhas de uma ampla variedade de elementos
em Georges Canguilhem (2012a) que desde a época de Galileu vão da consideração e o reconhecimento da
atividade de formulação de conhecimento enquanto uma forma de trabalho, cujo exemplo usado é a
formulação de saberes anatômicos, até a instauração do uso científico de instrumentos e ferramentas – cujo
exemplo é o uso sistemático do telescópio com fins de investigação científica e pretensão a traduzir para o
vocabulário dos homens, algo dado na ordem da natureza.
Estudando Comte e Darwin na segunda parte dos Estudos de História e de Filosofia das Ciências:
concernentes aos vivos e à vida, o epistemólogo destaca o aspecto genealógico implicado nos conceitos de
seleção natural e evolução. Aspecto que abre o campo não somente para inscrever o homem na esteira das
ciências comparadas [[ver aqui, med> normal]], fazendo o paralelismo entre a nossa espécie e as outras,
como desconstrói o posto e a noção de homem como realização de um ideal redefinindo-o como resultado
efetivo de uma descendência.
Apesar de advertir acerca da redução que de fato, não apenas a biologia, como as demais ciências da
vida fazem da especificidade de seu objeto ao operar e fundamentar a explicação da vida em parâmetros
físico-químicos, Canguilhem (2012a, p. 135-6) ressalta o valor que a experimentação adquire para todas elas
e, em especial para medicina desde Claude Bernard. Com a supervalorização do experimental, a medicina
deixa seu posto passivo de contemplação para se tornar ciência conquistadora.
Já na introdução de sua obra O conhecimento da vida, Canguilhem (2012) pondera que o acesso, a
experiência e a relação que estabelecemos com a natureza é com suas qualidades e seus seres; ignorando
suas leis, seus números e a realidade de suas relações intrínsecas. Por conseguinte, à medida que as ciências
da vida se desenham na órbita da resolução de tensões entre o homem e o meio, elas desmontam e desfazem
a experiência da vida – experiência com as qualidades e os seres – para se abstrair da vida no intuito de
ajudar o homem a refazer e elucidar os caminhos que a vida perfaz no que condiz a ele mesmo e que se dão
à despeito dele, em seu cerne ou fora dele.
Neste contexto, o valor do experimental e a conquista das profundidades são caucionados pela
definição de vida. A vida é definida em torno da ideia de função, a qual, sendo invisível, não pode ser definida
pelas formas com as quais é percebida, mas ao nível dos efeitos produzidos pelos órgãos desde onde
relaciona os elementos não-visíveis entre si (FOUCAULT, 2011). Nesta configuração é que a fisiologia
ganha lugar privilegiado, como saber que se dedica à elucidação da realidade profunda que se organiza ao
nível do invisível e não se limita à percepção presentificada na superfície da ordem das coisas no mundo,
como na era clássica. Esta nova maneira de buscar a realidade e a verdade dos fatos condizentes ao homem
vivo na opacidade da profundidade de seu organismo dá as condições para as ciências da vida de onde se
desdobram as ciências humanas (FOUCAULT, 2011).
“Se o conhecimento é filho do medo, é para a dominação e organização da experiência humana, para a
liberdade da vida. (...) A vida é formação de formas, o conhecimento é análise das matérias informadas”
(CANGUILHEM, 2012, p. 3)
O conhecimento vem do medo frente àquilo capaz de dominar e subjugar o homem, ele é instituído em prol
da liberdade da vida, não como aversão aos seres e às crises.
Neste âmbito, as ciências da vida parecem aptas a ver tão somente os elementos que ela procura, elementos
que operam a redução da experiência da vida aos parâmetros físico-químicos, sob o risco de perder a
riqueza e a complexidade do processo de formação em questão.
Cada formação da vida é integralidade inapreensível e sua característica e sentido fundamentais são
a tendência a se constituir enquanto enquanto tal, enquanto vivo, perante, frente, com e à despeito do meio.
[[resistência Foucault]]
Desterritorialização da experiência própria da loucura.
O conhecimento só se aceita como juiz e nunca como parte do jogo da vida e do vivente.
Canguilhem (2012, p. 3) ressalta que etimologicamente dividir é fazer o vazio, assim uma forma que não seja
inteireza e totalidade em si, não pode ser dividida para ser conhecida, analisada, conhecida. Assim, o alcance
deu m conhecimento se dá em referência à totalidade do objeto ao qual ele se dedica, “pois só a representação
da totalidade permite valorizar os fatos estabelecidos distinguindo aqueles que têm verdadeiramente relação
com o organismo e aqueles que são, no que concerne a ele, insignificantes” (CANGUILHEM, 2012, p. 4).
Daí a concepção de um vitalismo trágico que abarque a existência e não os ideais ou os elementos que procura.
A valoração deve advir da totalidade (irredutível, integral), que é o oposto da totalização, que implica em
desterritorializar a totalidade da experiência para inscrevê-la nas insígnias políticas de domínio e poder,
ocasionando o esvaziamento da potência e da virtualidade da experiência integral irredutível.
[[ ver cv empreita trágica Le Blanc]]
O todo complexo da vivência é maior que a soma das partes decompostas pelo saber desde a época em que
Goldstein (apud CANGUILHEM, 2012, p. 4-5) afirma que
Em fisiologia, a análise que nos ensina as propriedades das partes organizadas elementares isoladas
não nos daria senão uma síntese ideal muito incompleta... É preciso, então, proceder sempre
experimentalmente na síntese vital, porque fenômenos absolutamente especiais podem ser o
resultado da união ou da associação cada vez mais complexa dos fenômenos organizados. Tudo isso
prova que esses elementos, embora distintos e autônomos, nem por isso desempenham o papel de
simples associados e que sua união expressa mais do que a adição de suas partes separadas
mesmo que estas partes separadas fossem todas apreendidas e relevadas com justiça.
Canguilhem (2012, p. 5) defende a razão mas também a originalidade transbordante da vida.
Quanto a nós, pensamos que um racionalismo razoável deve saber reconhecer seus limites e integrar
suas condições de exercício. A inteligência só pode aplicar-se à vida reconhecendo a originalidade
da vida. O pensamento do vivente deve manter do vivente a ideia do vivente
Mote ou Tese central NC: a positividade das ciências humanas se deve à sua constituição sobre a norma;
sua negatividade, advém do paradigma da morte com o qual ela objetiva o próprio homem e da sua fundação
no saber médico.
A raça é um ser vivo que degenera; como também as civilizações de que tantas vezes se pôde constatar
a morte. Se as ciências do homem apareceram no prolongamento das ciências da vida, é talvez
porque estavam biologicamente fundadas, mas é também porque o estavam medicamente; sem dúvida
por transferência, importação e, muitas vezes, metáfora, as ciências do homem utilizaram conceitos
formados pelos biólogos; mas o objeto que eles se davam (o homem, suas condutas, suas realizações
individuais e sociais) constituía, portanto, um campo dividido segundo o princípio do normal e do
patológico. Daí o caráter singular das ciências do homem, impossíveis de separar da negatividade em
que apareceram, mas também ligadas à positividade que situam, implicitamente, como norma
(FOUCAULT, 2011, p. 39)
Cinismo e a Coragem da verdade, a parrésia
O cinismo é uma ultrajante perspectiva filosófica que beira a insolência e a selvajaria, na contramão do que
prega a tradicional filosofia ocidental, expressa na repulsa de Kant à canalha do povo selvagem, que vai contra
os códigos da cidade. O cão está na origem etimológica de cínico e canalha. Sardinha explora as relações entre
os cães do povo e da filosofia (e a animalidade em seu interior). [Ver também, PP ou AN, o problema dos
nobres incestuosos e do povo famélico, problema da psicanalise e da antropologia: relações de parentesco e o
que e como se come].
“Foucault se interessa pela tradição cínica a propósito da parrhesia, mas que rapidamente deriva para duas
outras vias simultâneas” – vida reta (sec 1-2) + reações que o comportamento e o estilo de vida dos cínicos,
que vão muito além da parrhesia propriamente dita, desencadeiam. Sintetizar as ideias apuradas em quatro
pontos:
1) por um lado, o cínico é intolerável para os cidadãos, conjuntamente na medida em que a vileza do
seu aspeto sujo e miserável causa repugnância, na medida também em que a grosseria de seus modos
o torna desprezível e, ainda, na medida em que seu discurso agressivo nega as leis, as tradições e as
regras;
2) por outro lado (ou melhor: em contrapartida), ele é não apenas tolerável para a plebe, mas é também
próximo dela, tanto quando ele lhe comunica seus ensinamentos como quando a acompanha na
revolta e talvez mesmo quando a incita à revolta;
3) por outro lado, ainda, ele traz consigo um paradoxo, porquanto ele é um fora da lei e um fora-dos-
laços-sociais-e-políticos, encontrando-se, desse ponto de vista, à margem da sociedade e, ao mesmo
tempo, pertencendo ao espaço da cidade pelo seu estilo escandaloso e barulhento, de tal modo que
a cidade pode mesmo dar-lhe ordem de expulsão;
4) enfim, quando não o expulsa, a cidade (isto é, os cidadãos e suas instituições) desqualifica-o,
chamando-o de cão e tratando-o como tal, e vendo nele a animalidade que ela pretende banir em
proveito da humanidade. (CorVer)
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Parrêsia seria um ancestral da crítica. A crítica é sempre um escândalo quando se trata de acobertar a verdade.
Postura antiética em um contexto moral. O mentiroso com seu otário, o debochado que usa o poder a
seu favor,
Chaves analisará “as modulações do conceito de parrêsia” para mostrar “como e por que o cinismo
antigo é pensado como a expressão maior do “dizer verdadeiro”, a partir da confrontação entre os
cínicos e Sócrates”. Ernani mostrará como Foucault percebeu nos cínicos a filosofia como “prática de
vida “caracterizada pela insolência e pelo escândalo” por uma ética e uma pedagogia orientadas pelo
papel central desempenhado pelo corpo” (p. 16).
Se Foucault entendeu a filosofia (como aos gregos a entendiam) como uma prática da verdade que é
“uma prática de si” (p. 41), ela é – vale dizer mais uma vez: em um mundo sempre em acordo com a
bem comportada falsidade -, necessariamente um escândalo. A arte, assim como a filosofia, é o
“cinismo da cultura”(p. 71). Natural que diante do cinismo menor da Indústria Cultural, o cinismo
maior da arte não tenha um lugar privilegiado
classificação de Foucault sobre os filósofos: o filósofo-legislador, o filósofo-pedagogo e o filósofo–
filósofo que é o cínico. Aquele que é o único que ri do poder…
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“O cinismo é a forma de filosofia que não cessa de colocar a questão: qual pode ser a forma de vida que seja
tal que pratique o dizer-a-verdade?” – Foucault, Coragem da Verdade, p. 206
“O homem de manto curto, barba hirsuta, pés descalços e sujos, com a mochila, o cajado, e que está ali, nas
esquinas, nas praças públicas, na porta dos templos, interpelando as pessoas para lhes dizer algumas verdades”
– Foucault, Coragem da Verdade, p. 171
______________ A coragem da verdade: curso no Collège de France (1983-1984). São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2011c.
“A partir do instante em que a filosofia não é capaz de viver o que ela diz senão de modo hipócrita, é preciso
insolência para dizer o que se vive. Numa cultura em que os idealismos empedernidos fazem da mentira a
forma de vida, o processo da verdade depende da existência de pessoas suficientemente agressivas e livres
(‘descaradas’) para dizer a verdade” – Peter Sloterdijk – Crítica da Razão Cínica, p. 155
“Frequentemente só trazemos a verdade à tona sob o preço da indocilidade” – Peter Sloterdijk – Crítica da
Razão Cínica, p. 203
A fala carrega nossa hipocrisia. Nossos gestos estão afastados do que somos... Acreditamos ter a
verdade… mas e a coragem da verdade?
O parresiasta era aquele que unia mente e corpo, teoria e prática, fala e existência.
A parresía é consequência de um modo de vida, de uma ascese (exercício) que permitia a capacidade
de viver conforme seus preceitos. Uma existência determinada é a condição para a fala reta:
desavergonhada, na pobreza, em militância, conforme a natureza. Uma maneira de se conduzir, uma
maneira de se portar, de viver. O Cinismo é muito mais uma prática...
O Cínico, através de seu modo de vida, faz de sua própria existência o suporte para a verdade, colar
filosofia na existência, tornando-as uma só. Isto lhe permite expressá-la francamente aos outros.
“A vida como presença imediata, brilhante e selvagem da verdade, é isso que é manifestado no
cinismo. […] A verdadeira vida como vida de verdade. Exercer em sua vida e por sua vida o escândalo
da verdade, é isso que foi praticado pelo cinismo” – Foucault, A Coragem da Verdade, p. 152
Sincericídio ou sincerigênese? Ora, a verdade é criadora, alguns dizem até que ela liberta, ela é uma
potência que se afirma (e sabemos que a potência está para além do bem e do mal). Nietzsche já havia
perguntado: quanta verdade um homem suporta? “O silêncio é pior. As verdades que calamos tornam-
se venenosas” (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra).
A forma de vida é a condição do dizer a verdade. Sua verdade toma forma em seus gestos, em seu
corpo, então na maneirbba de se vestir e, por fim, de falar. Sua fala carrega consigo a verdade em sua
forma bruta, material, explícita. “Olhem para mim, eu sou isso, não há distância entre mim e eu
mesmo“. Sua existência prova sua palavra.
“O cínico é portanto como a estátua visível da verdade […] o próprio ser do verdadeiro, tornado
visível através do corpo” – Foucault, Coragem da Verdade, p. 274
O Cinismo, particularmente com Diógenes, se expressa como o mais absoluto comprometimento de
viver conforme o que se diz. Nisto retorna a verdade como prova da mais absoluta verdade no viver.
Clínica
O campo clínico é assentado sobre a individualização, o diagnóstico – a face que atinge alto nível
de formalização das separações rituais entre loucura e não-loucura desenhadas desde o Renascimento – e
técnicas de normalização (cf. YASBEK, 2013, p. 130).
Na medicina das espécies, a natureza da doença e sua descrição não podiam corresponder sem um
momento intermediário que era, com suas duas dimensões, o “quadro”; na clínica, ser visto e ser falado
se comunicam de imediato na verdade manifesta da doença, de que é precisamente todo o ser. Só
existe doença no elemento visível e, consequentemente, enunciável (FOUCAULT, 2011, p. 104).
A medicina das espécies parte da própria natureza da doença para a descrição no quadro ao passo que,
contrariamente, a verdade da doença deve ser vista e falada na clínica.
Frente à definição de sua essência, a manifestação da doença está sujeita a imperfeições e sujeiras. Muito
embora com a convergência (mais ou menos forçada) de uma série de acontecimentos,
a analogia destas relações permitiria identificar uma doença em uma série de doentes. Mas ainda há
mais: no interior de uma mesma doença e em um só doente, o princípio de analogia pode permitir
circunscrever em seu conjunto a singularidade da doença. (...) Por sua multiplicidade, a série se torna
portadora de um índice de convergência (FOUCAULT, 2011, p. 110-1).
O modo de conhecer da medicina consiste na generalidade (gregária) do indivíduo.
Uma acepção da clínica aquém da prática médica datada e histórica e da ideia de doença corresponde à figura
do pensador ou do artista como médico da sociedade e do pensamento. Assim, a atitude clínica consiste em
inclinar-se sobre aquele que sofre, captar seus sinais, reverenciar o sofrimento como verdade é uma
atitude que prepara terreno para os sacolejos inerentes ao exercício do pensamento. Aceitar as afecções
que suscitam pensamento, que são capazes de produzir o pensamento em seu modo legítimo,
proveniente da exterioridade, pode ser considerada uma atitude clínica. Cabe deste modo ressaltar
que a arte, a obra como criação e talvez a literatura como modelo, fornecem argumento e respaldo
para esta idéia de um pensamento que vem de fora, que surge quando quer e que opera como uma
violência (ESTELLITA-LINS, 2007, p. 152)
A atitude clínica consiste em estabelecer regimes de fluxo e contato com o fora, com aquilo que é
insubordinado e disruptivo.
A clínica médica torna-se
pelo menos três posições assumidas em relação à clínica psicanalítica - Foucault negativizando seu
papel e assumindo posição contra a psicanálise, Foucault pró-psicanálise dentro dos limites estreitos
da crítica do humanismo e Foucault tomado pela problemática da subjetivação, seja através de uma
suspeita de que o dispositivo psicanalítico serve à vontade de saber e participa de uma injunção a fàlar
a verdade, produzir discnrso verdadeiro, seja perseguindo a hipótese de uma genealogia que liga a
pastoral cristã e suas técnicas de confissão à prática clínica do divã.
A psicanálise se constitui como as ciências humanas – parte de uma teoria sobre o sujeito, sua finitude e o
psiquismo –, mas opera como um contra-saber, destituindo o sujeito de seu lugar de soberano e autonomia.
Já Deleuze usa o termo clínica fora de seu contexto rigoroso, na bricolagem e na gagueira filosófica. A clínica
não se refere a uma prática mas a um pathos. Exatamente como a as narrativas clínicas engendram e
ressignificam fronteiras, limites, limiares e territórios – assim como ao fechamento e à clausura do
pensamento no movimento de retração em que o pensamento capitula e titubeia perante as forças do fora, uma
retração perante estas forças que constituem o pensar. [[ver AE, CC, LS, MP
A clínica é um momentum, imediatamente aquém ou além da experiência-limite de reinscição dos termos da
realdiade ... daí criação artística.
No prologo de CC, escrever é indissociável de ver e ouvir, de modo a implica nele uma língua estrangeira e
subterrânea dentro da própria língua, que “arrasta a língua para fora de seus sulcos costumeiros, leva-a a
delirar" CC.
Porém o delírio na loucura se deixa reduzir.
Essas visões, essas audições não são um assunto privado, lnas fonnanl as figuras de Ulna história e de
uma geografia incessantemente reinventadas. É o delírio que as inventa, como processo que arrasta as
palavras de Uln extrelno a outro do universo. São acontecimentos na fronteira da l:inguagem. Porém,
quando o delírio recai no estado clínico, as palavras eln nada mais desembocam,já não se ouve nem se
vê coisa alguma através delas, exceto urna noite que perdeu sua história, suas cores e seus cantos. A
literatura é uma saúde. O esvaziamento da obra, seu colapso, é derivado de uma articulação de saberes
e micropoderes, uma conjunção determinada daquilo que pode ser enunciado e do que é visto.
Loucura = ausência de obra o vazio estrutural do racional é constitutivo da obra e da loucura. A AO se dá
mediante os saberes que entendem o louco como inacapaz e improdutivo.
Em AE a deriva do passeio de Artaud e Lenz se opõe à fixidez e À parada no processo da figura psicossocial
triste no hospício.
Com Foucault, poderíamos pensar na disjunção essencial de uma experiência trágica da loucura, seu
afastalnento de uma experiência lírica e sua reconversão arbitrária e parcial através de Ulna experiência
médica da loucura - de onde a psicanálise provém, onde se insere e de que pretende descolar-se.
A clínica para Foucault e Deleuze tratam da criação e do pathos.
Não há uma noção inequívoca de clínica em foucualt: ele recomendava o diário de bordo e a ousadia
experimental de conselhos clínicos.
Deleuze luta contra a representação, contra o sujeito, fragmentando-o incessantemente, enquanto
Foucault elide o sujeito (pelo menos neste lllomento), submetendo-o a processos múltiplos de
estratificação histórica (Serres;Veyne). Ulua diáspora de experiências encontra-se tematizada por
Foucault: experiência lírica, experiência trágica da loucura. experiência médica moderna, e de modo
mais amplo, a partir de Georges Canguilhem (1978 [1945]): experiência de doença. Poder-se-ia dizer
que esta tematização respeita e admite a clínica como seu território mais próprio. A literatura e a arte,
em suma, a experiência de obra ou criação vem a ser aquela que escapa e que responde pelos resíduos
inassimiláveis das outras. Na criação emerge uma outra clínica, que jamais foi nomeada por Foucault
enquanto tal, nem talnpouco por Deleuze.
Desde Heidegger (A origem da obra de arte) até Freud, Winnicott e Lacan, se encontrao horror no cerne da
origem do ato criativo. O fora como exterioridade radical surge dessa démarche heideggeriana, filtrada por
Blanchot e Bataille em Foucault, por Jarry e Beckett em Deleuze.
Clínica e experiência não se sucedem. Há uma experiencia clínica (ESTELLITA-LINS, 2007, p. 155)
A psicanálise consegue esboçar aqui uma relação renovada entre corpo (infra-estrutura) e ideal
(superestrutura) através do sentido, conectando profundidade e altura. (...) Sob o peso das categorias
operatórias de Édipo e castração sucumbiria uma potência clínica significativa da psicanálise. As
relações de objeto precoces situam-se como o modo de produção asiático - verdadeiros simulacros,
construções que ameaçam a integridade totalitária do sistema.
AE é a crítica do primado do Um e da síntese frente à multiplicidade.
A clínica simulada e ampliada (???) dos modos de vida não-facistas.
O cuidar já é ocupação do tempo, na verdade pré-ocupação, pois se abre para a existência como cura,
lide originária do existente com seu existir, do dasein com sua possibilidade mais radical.
emergência, pelo fim do século XVIII, do que se poderia colocar sob a sigla de ciências "clinicas";
problema da entrada do indivíduo (e não mais da espécie) no campo do saber; problema da entrada de
descrição singular, do interrogatório, da anamnese, do "processo" no funcionamento geral do discurso
científico (FOUCAULT, 1977, p. 159).
A progressiva burocratização da vida é resultado da proliferação dos procedimentos de inscrição e registro
dos indivíduos. Eles surgem ao lado dos mecanismos de exame que se multiplicam – não só na psiquiatria,
como no sistema carcerário e no educacional – e viabilizam a construção dos dispositivos de disciplina e de
uma nova modalidade de poder e coerção sobre os corpos, os gestos e os comportamentos individuais que
levam à invenção das ciências do homem.
Foucault (1977, p. 184), pondera que qualquer mecanismo de objetivação serve como instrumento de
sujeição: daí vêm as disciplinas da medicina clínica, da psiquiatria, da psicopedagogia, da medicina da
criança e do trabalho racionalizado.
Já no início do século XIX, Dumas (apud FOUCAULT, 2011, p. 95-6) define o domínio da clínica
como a determinação do princípio e das causas da doença para além da confusão obscura da sua
manifestação sintomática, o que inclui suas ramificações – tais como a natureza, a variedade de formas e as
complicações que uma doença apresenta. Além disso, o clínico deve esclarecer o andamento da doença e
estabelecer medidas e condutas de governo em relação a ela, avaliando as forças da vida, assim como a
atividade dos órgãos em jogo de modo definir quais as estratégias que têm mais chances de sucesso no
tratamento.
Na percepção de Zimmermann ou de Pinel, o signo era tanto mais eloquente e certo quanto mais
ocupava uma superfície nas manifestações da doença: assim, a febre era o sintoma principal e, por
conseguinte, o signo mais certo e mais próximo do essencial, pelo qual se podia reconhecer a serie da
doenças que recebiam justamente o nome de “febre”. (FOUCAULT, 2011, p. 176-7)
O signo ocupa um lugar distinto na anatomopatologia, entre o visível e o enunciável, ao passo que para a
medicina das espécies ele condiz ao lugar na ordem do quadro representativo.
Formado em Montpellier e em Paris na tradição de Sauvages e sob a influência mais recente de Cullen,
o pensamento de Pinel tem uma estrutura classificatória; teve, porém, o infortúnio e a sorte, ao
mesmo tempo, de se desenvolver na época em que o tema clínico e posteriormente o método
anatomoclínico privavam a nosologia de seu conteúdo real, mas não sem efeitos, provisórios; aliás, de
reforço recíproco. (...) Entre os médicos da velha escola, nenhum foi mais sensível do que Pinel e mais
receptivo as formas novas da experiência médica; foi de bom grado professor de clínica e, sem muitas
reticências, fazia autopsias; mas só percebia efeitos de recorrência, seguindo apenas, no nascimento
das estruturas novas, suas linhas de apoio nas antigas; de tal modo que a nosologia se encontrava
confirmada a todo momento e a experiência nova de antemão ajustada. Bichat foi talvez o único a
compreender desde o início a incompatibilidade de seu método com o dos nosógrafos (2011, p. 194-5),
os quais fazem a correlação entre o estabelecimento de classes com a observação neutra dos sintomas além
de tomar o ato clínico de decifrar como uma leitura da essência da doença. Desta maneira, se não solicita e
recorre senão secundária e acessoriamente à clínica e à anatomia das lesões, Pinel ainda se atém à organização
da superfície do real, de acordo com uma coerência real apoiada no âmbito abstrato onde encontra a
profundidade da moral.
Pinel é a figura paradigmática que opera a transição dos pressupostos clínicos da medicina clássica
para a clínica moderna associada à figura fundamental do homem, clínica cuja profundidade não está no
organismo anatomofisiológico, mas na moral muito próxima da normalidade.
Enquanto a primeira atua sobre uma paisagem mítica translucida na qual – desde que não se altere seu
curso natural nos modos fenomênicos de sua manifestação – as doenças aparecem em sua verdade,
absolutamente desveladas em si mesmas, a segunda faz da profundidade sua opacidade e do sujeito
moderno, definido como homem normal, sua meta e sua referência mor.
Para atingir tal profundidade crucial à clínica, o médico atua sobre a dissociação entre aquilo que é
por ele percebido e o relato do paciente sobre as dores, visualidades e dizibilidades, de modo a associar e
remeter um ao outro (FOUCAULT, 2011, p. 122)
Pinel tem uma preocupação (compartilhada com Bichat) de dar fundamento a uma classificação
nosológica. Foucault (2011, p. 145) sinaliza que embora Pinel tenha permanecido surdo à anatomia
patológica, Bichat o toma como referência para postular tanto o princípio de analogia, quanto o de
isomorfismo, essenciais para a clínica anatomopatológica – segundo o qual só existe fato patológico
comparado. [VER Deleuze (2005)]
Colocar essa parte em prof e superfic
A vida com suas margens e finitude aparece como elemento organizador no lugar central que
ocupara a natureza infinita do quadro divino. Mudança paradigmática no fundamento da desordem da
doença, isto é: ora a doença é a desordem do mundo ordenado de Deus, ora ela se impõe como desordem em
relação à vida e suas funções específicas. Mudança imediatamente transposta ao olhar e à percepção do
médico sobre o doente. A mudança neste eixo estruturante da doença tem consequências ainda mais amplas,
pois com a redefinição do patológico em relação à vida, inevitavelmente marcada em sua finitude e
localidade, a doença se individualiza em relação à concepção clássica generalista, na qual aparece
subordinada como manifestação do mal do mundo.
No nominalismo do quadro da medicina das espécies, a única verdade concernente à doença reside em
sua sintomatologia: a busca pela verdade da doença clássica consiste em elencar seus sintomas na ordem
longínqua e abstrata das essências nosológicas, manifestações do mal clássico que pairam sobre a vida,
ameaçando-a. a doença clássica tem uma essência e um curso natural, mas está passível a um
comprometimento contranatural – isto é, está sujeita a idiossincrasias da manifestação – desta essência.
Já com a introdução da noção de função – base da própria ideia moderna de vida – passa-se a referir
a doença aos processos e às funções vitais circunscritos ao caráter finito e localista da vida, que é a imediatez
e o presente além da doença. O que faz do tempo o conteúdo da doença, agora convertida no modo patológico
da vida. Assim, o organismo vivo se torna a forma manifesta da vida, com a qual ela resiste ao não-vivo
que a ela se opõe ao passo que a vida em si mesma, é tomada como conjunto de fatores que resistem à morte.
Com a ideia de vida patológica, Bichat (apud FOUCAULT, 2011, p. 195) propicia a superação dos
sistemas e especulações do vitalismo de forma que a medicina doravante não se estrutura e organiza mais
como uma filosofia ou como “um quadro preciso da marcha da natureza”. Assim, a anatomopatologia se
interpõe na instauração de uma forma de percepção das profundidades onde o organismo e a doença
encontram sua verdade, independentemente dos ziguezagues da superfície das especulações médicas.
Bichat fez mais do que libertar a medicina do medo da morte, ele integrou a morte em um conjunto
técnico e conceitual em que ela adquiriu suas características específicas e seu valor fundamental de
experiência. De tal modo que o grande corte na história da medicina ocidental data precisamente do
momento em que a experiência clínica tornou-se o olhar anatomoclínico. A Médecine clinique de
Pinel data de 1802; Les Révolutions de la Medecine aparecem em 1804; as regras da análise parecem
triunfar na pura decifração dos conjuntos sintomáticos. Mas, um ano antes, Bichat já as relegava à
história: “Durante 20 anos, noite e dia, se tomar-se-ão notas, ao leito dos doentes, sobre as afecções do
coração, dos pulmões e da víscera gástrica e o resultado será apenas confusão nos sintomas, que, a nada
se vinculando, oferecerão uma série de fenômenos incoerentes. Abram alguns cadáveres: logo verão
desaparecer a obscuridade que apenas a observação não pudera dissipar”. A noite viva se dissipa na
claridade da morte. (FOUCAULT, 2011, p. 162)
Clínica e descrição:
Seguindo Castro (2009, p. 75-81)
discurso clínico era não só um conjunto de hipóteses sobre a vida e a morte, de escolhas éticas, de
decisões terapêuticas, de regulamentações institucionais, de modelos de ensino, mas também um
conjunto de descrições; que este não podia, de forma alguma, ser abstraído daqueles, e que a
enunciação descritiva não passava de uma das formulações presentes no discurso médico. Foi preciso,
também, reconhecer que essa descrição não parou de se deslocar (...) Todas essas alterações, que nos
conduzem, talvez hoje, ao limiar de uma nova medicina, depositaram-se lentamente no discurso
médico, no decorrer do século XIX. Se se quisesse definir esse discurso por um sistema codificado e
normativo de enunciação, seria preciso reconhecer que essa medicina se desfez tão logo apareceu e que
só conseguiu se formular com Bichat e Laennec. Se há unidade, o princípio não é, pois, uma forma
determinada de enunciados; não seria, talvez, o conjunto das regras que tornaram possíveis,
simultânea ou sucessivamente, descrições puramente perceptivas, mas, também, observações
tornadas mediatas por instrumentos, protocolos de experiências de laboratórios, cálculos
estatísticos, constatações epidemiológicas ou demográficas, regulamentações institucionais,
prescrições terapêuticas? Seria preciso caracterizar e individualizar a coexistência desses
enunciados dispersos e heterogêneos; o sistema que rege sua repartição, como se apoiam uns nos outros,
a maneira pela qual se supõem ou se excluem, a transformação que sofrem, o jogo de seu revezamento,
de sua posição e de sua substituição (FOUCUALT, 1986, p. 39-40).
Nesse âmbito se modificam as mútuas relações entre o anatomoclínico e os processos fisiopatológicos. VER
(CASTRO, 2009, p. 79)
O olhar não é mais redutor, mas fundador do indivíduo em sua qualidade irredutível. E, assim, torna-
se possível organizar em torno dele uma linguagem racional, O objeto do discurso também pode ser
um sujeito, sem que as figuras da objetividade sejam por isso alteradas. Foi esta reorganização formal
e em profundidade, mais do que o abandono das teorias e dos velhos sistemas, que criou a possibilidade
de uma experiência clínica: ela levantou a ve1ha proibição aristotélica; poder-se-á, finalmente,
pronunciar sobre o indivíduo um discurso de estrutura científica (FOUCAULT, 2011, p. XIII).
O lugar em que se forma o saber não é mais o jardim patológico em que Deus distribui as espécies; é
uma consciência médica generalizada, difusa no espaço e no tempo, aberta e móvel, ligada a cada
existência individual, mas também à vida coletiva da nação, sempre atenta ao domínio indefinido em
que o mal trai, sob seus aspectos diversos, sua grande forma (FOUCAULT, 2011, p. 34).
Neste âmbito, o saber médico não se presta mais à apreender um mal essencial, depurado no e pelo
esclarecimento do curso natural da doença no cerne do jardim das patologias, como na medicina das espécies
da era clássica. Ao contrário, ele se organiza enquanto consciência médica dada e localizada espaço-
temporalmente dedicada à existência individual e à vida coletiva e à relação entre ambas enquanto
experiência sociocultural com as normas. Tal experiência com as regras e normas - implícitas ou
instauradas e aplicadas sob coerção – facilitam a vida social de forma a tecer o solo comum que chamamos
comunidade ao passo que alça definitivamente a medicina ao posto de instância de controle social.
Na esfera da clínica, a percepção depende de certa transparência capaz de ligar o olhar do médico à
opacidade da profundidade corporal.
A necessidade de tal transparência é passa a ser suprida na conversão do hospital em espaço
socialmente controlado dedicado ao exercício da cura.
Para a medicina das espécies clássica o hospital, assim como a civilização é um lugar contranatural que
perturba o homem e o curso natural das doenças.
Assim a primeira oposição se dá entre medicina das espécies, enquanto percepção individual da essencia de
uma enfermidade e a medicina das epidemias enquanto percepção coletiva de um fenômeno global.
Concomitantemente à individualização da loucura, a medicina passa à esfera da coisa pública. O
Estado se preocupa em recuprar o cidadão; o médico recém-formado é enviado a regiões onde ele seja
necessário, sistema hirarquizado tendo em vista a ascenção do problema das epidemias (2011)
Não obstante, Foucault (2011, p. 43) sinaliza que para esses médicos do século XVIII, “o único lugar possível
de reparação da doença é o meio natural da vida social - a família. Se nela, a doença repousa e se desenrola
em seu estado natural, cabe aos meios terapêuticos e instituições de tratamento instaurar um regime de
reciprocidade e compaixão substituto da família.
VER Castro 2009, p. 76
Clínica moderna
Dois fatos modificam de maneira impar a psiquiatria e o método clínico no decorrer do século XIX.
Primeiro, a consolidação da anatomia é o que permite à medicina que se passe ao eixo do normal e
do patológico, a partir da lesão localizada em um órgão, como modelo da fratura. Com a consolidação da
medicina interna, a doença passa à opacidade espessa do espaço do corpo, do organismo vivo (FOUCAULT,
2011, p. 141-3, 33-6).
Entre a medicina nosográfica do século XVIII e o posterior desenvolvimento das ciências médicas nos
séculos XIX e XX, o toque de pedra é precisamente esta transformação na qual a doença deixa de ser um mal
que invade o corpo desde o exterior e passa a ser buscada no cerne do corpo, tendo as irritações e inflamações
como modelo (CANGUILHEM, 2002). Transformação distendida a um privilégio do visível – a visibilidade
enquanto forma de síntese e superior frente ao invisível – no qual lesão anatomopatológica se torna o
fundamento da medicina interna, uma forma de privilegio da norma do cadáver sobre o organismo que serve
de fundamento para a experimentação médica, que ultrapassa finalmente a esfera das transformações
morfológicas e estruturais à qual estivera relegada até então.
A morte lê a vida.
A clínica ganha então seu sentido pleno, de inclinar-se sobre o enfermo para auscultar, tocar, percutir,
cheirar, palpar, pressionar, observar, olhar, mas sobretudo para traduzir estes signos, verdadeira
linguagem da natureza, em recortes visíveis desenhados no corpo que adoece. O exame físico que
cada clínico realiza em sua prática cotidiana consiste em um processo de prospecção que pratica uma
investigação sensorial de fenômenos específicos. Seria pertinente perguntar sobre o estatuto de
escrita ou leitura praticada pela semiologia médica, que parece admitir uma hermenêutica onde o
texto original encontra-se redigido em linguagem anátomo-patológica. Examinar um paciente implica
passar da anamnese ao exame físico e aos exames complementares, mantendo a patologia indutiva e
dedutivamente assentada no horizonte. Embora doença, patologia e anormalidade não possuam
sempre o mesmo sentido, como demonstra Canguilhem, qualquer patologia é capaz de informar
positivamente sobre uma condição anormal enquanto particularidade do vivente doente (BERLINCK,
2008, p. 192).
O visível é colocado como superior em sua oposição ao invisível – isto é, ao que não encontra correspondência
em signo algum em um sistema de correlação – mas sinaliza igualmente, algo que deveres tem um saber
correlato – um substrato corporal de base anatomofisiológica ou uma teoria sobre o psiquismo, de um modo
ou de outro, uma noção mais ou menos geral e fechada sobre o que é o normal e o desvio e sobre como deve
funcionar cada um.
Uma vez que o campo de visibilidade da lesão atua com o princípio de organização, podemos concluir
que há um privilégio da visão enquanto estrutura sintética do conhecimento, que legitima o caráter e a face
experimental da medicina de modo conferir e garantir sua positividade. O espaço de determinação coincide
com o espaço do corpo e sua vocação imagética, pois é no corpo ou a partir (de uma imagem) do corpo onde
se desenlaça todo esquematismo, assim como a imaginação e as derivas do imaginário.
Neste esquema, o espírito, a alma ou o psiquismo passam a ser buscados na materialidade corporal de
uma localização patológica, seja sob a rubrica da doença dos nervos, seja com o privilégio do cérebro. Com
esta dificuldade em transpor o modelo da medicina somática para a do psiquismo é que surgem as teorias do
psiquismo e o discurso psicopatológico que tratam as doenças mentais como doenças sem lesão.
Aos alienistas, e posteriormente aos psiquiatras, restaram três possíveis explicações para as doenças
sem lesão de órgão: 1) a indisciplina, que resultou no tratamento disciplinar e suas variantes (o
tratamento moral, o magnetismo e a hipnose, a contenção); 2) a degenerescência ou degeneração e o
ambiente cultural; 3) restou, também, o recurso da narrativa clínica, que acabou por se constituir numa
rica psicopatologia (FOUCAULT, 2006).
A degenerescência ou degeneração possui uma curiosa trajetória, que tem início com Morel e Magnam,
passa pelo racismo animal, avança no racismo humano que termina no nazismo e renasce, agora, com
a genômica psiquiátrica.
A degenerescência – pareada à barbárie – é o avesso da ideia de progresso e por isso ocupa um lugar de
destaque no imaginário social do século XIX (FOUCAULT, 2006).
Assim, os degenerados eram designados ao trabalho e às condições subumanas de vida nos cortiços, onde
reina a miséria, o vício, a violência, a devassidão e a criminalidade. Assim a degenerescência acaba por
cooptar uma heterogeneidade de figuras desviantes tais quais o criminoso, a prostituta, o beberrão, o
violador, o neurastênico, até chegar ao louco e à figura do gênio desequilibrado ou do artista criador de modo
a se tornar um legítimo herdeiro do desrazão do internamento clássico.
A atividade clínica é a atividade de correspondência entre o olhar e o discurso, entre o que se
percebe como signo, como manifestação de uma realdiade profunda e a superfície na qual designamos e
apreendemos o que se passa para contatenarmos e realizarmos as intervenções clínicas. Função da clínica... é
realizar esta combinação para atuar sobre o real de maneira a...
Na suspensão da natureza e da unidade total e própria ao sujeito, a clínica não deixa de ser uma atividade
construtivista que, em parte presume um desconstrutivismo, uma potencialização da dimensão disruptiva
das forças que conjugam o sujeito. Pois a desintegração do mundo dos objetos e da temporalidade objetal
complica qualquer pretensão à objetividade.
Por um lado, a desconstrução é essencial para fazer sobressair o múltiplo substantivo, uma vez que
toda subjetivação, sob qualquer instância total ou unitária, não é mais que efeito da multiplicidade de forças
que atravessa e constitui a existência (DELEUZE & GUATTARI, 2008). Ela abre as relações a um campo
imiscível (de forças) que por via das sensações impessoais e dos sentimentos, mais e antes que a inadaptação
cognitiva, a ideação ou a torção do plano da “realidade social” - para nos valermos do termo de Ronald Laing
(1977) -, caracteriza o deslocamento existencial que a experiência clínica interpela.
Por outro, o construtivismo acompanha o caos da desconstrução na sustentação de um paradoxo que
só pode existir no plano das multiplicidades, as quais ganham consistência sob o assédio do fogo prometeico
que vaporiza e desfaz as unidades e as totalidades. Pois o construtivismo desenlaça sobretudo um plano em
que a existência segue por uma rota autônoma. Une o relativo ao absoluto, como nas imagens trágicas às quais
nos referimos acima, que trazem o místico junto ao destemperado, o constitutivo inseparável da loucura.
Como aposta para Blanchot (2007), não lutar contra o caos, mas se agenciar a ele como criação estética.
Fazer a clinica construtivista em cima da inf=dividuação, como a vida algo que não se resolve??
Prontamente, não há soluções ou respostas originais ou últimas frente ao excessivo da vida, frente ao
pathos das forças que combatem entre si para impor a decisão das vias e caminhos. Antes, a vida é a
manifestação de potências absurdas e sem objetivo e, em sua liberdade essencial, não se deixa resolver.
Portanto, mais que necessidade e auto-conservação, trata-se de dizer Sim mesmo ao sofrimento, afirmando o
fluir e o destruir da vida e, ao mesmo tempo, o intempestivo, o estranho e o questionável da existência.
Logo, nosso foco consiste na constatação de que, mediante a indecidibilidade, a ausência de
fundamento e a impossibilidade de determinação positiva ou negativa da dimensão factual da vida, o trágico
se afirma pela reiteração de uma aposta nos termos de Blanchot (2007). Aposta que se traduz em termos de
um construtivismo que ao invés de lutar contra o caos, a ele se agencia em torno de algo que podemos
reconhecer como criação estética, mas que é também criação de possíveis para a existência diante da profusão
de forças transbordantes da vida, forças que excedem o especificamente humano, que o limita e o situa.
Ausencia de obra:
Como aquilo que não encontra legitimidade em hipótese alguma e que não pode habitar o solo de nossa
cultura sem estremecê-la em sues pressupostos basais e que, em decorrência disto, deve ser desbaratada para
longe de toda comunidade.
Em Clínica do esquecimento, Rauter (2012) faz um apelo às força plástica, à plasticidade do presente
em digerir e assimilar o passado, transformando-o para ultrapassá-lo enquanto verdade do vivido.
Para Benevides e Passos (2000), a dimensão construtivista da clínica (...) objeto do conhecimento é
histórica e regionalmente constituído. Pois não só o objeto é construído, mas o sujeito e o sistema
teórico ou conceitual com o qual ele se identifica, eles também, são efeito emergente de um plano de
constituição que não se pode dizer ter a unidade e homogeneidade de uma disciplina ou do campo
científico, já que é composto de materiais heteróclitos, de diferentes gêneros. Há componentes
teóricos e tecnológicos, mas também estéticos, éticos, econômicos, políticos e afetivos que se
atravessam neste plano, impulsionando seu mecanismo de produção de realidade, seja ela objetiva ou
subjetiva.
A leitura que fazemos da clínica do sensível, que transita entre a destituição subjetiva e o destino do objeto
(SAFATLE, 2005) nos leva a priorizar as multiplicidades fragmentárias em detrimento do serialização
cotidiana que leva à totalização, unificação e individualização de um sujeito gregário na forma de um eu.
No escopo da teoria clínica lacaniana, se almeja uma relação pós-analítica de objeto que nasce após a
travessia do fantasma, uma relação que não é sustentada por estrutura fantasmática alguma.
Neste âmbito, a categoria de sensível serve para especificar os modos de incidência do Real na experiência
clínica, articulando o Real (desembaraçado de sua associação imprecisa ao gozo) ao empírico (desvinculado
de sua submissão ao Imaginário). O sensível se torna a base não-conceitual do pensamento conceitual, como
resistência a seu esquematismo (que depende do Imaginário). Por isso o sensível deve ser pensada de maneira
negativa, como o Real, que é o impossível que emerge no limite dos processos de conceitulização.
“Contrariamente ao Imaginário (em sua vinculação essencial à imagem) e o Simbólico (em sua vinculação
essencial ao significante), a figura lacaniana do Real carece de um operador definido” (SAFATLE, 2005, p.
124). A negatividade do Real aparece como a ordem do acontecimento, na ausência de inscrição simbólica.
Catarina:
O ato e a clínica oscilam entre desespero e a salvação no processo de reinvenção de si. Os sustos e
contrações do processo são características do próprio processo de ter e habitar um outramento no próprio
corpo indispensável para acompanhar o devir em si e no outro – caso das posições de analisando e analista.
“compartilhar, acolher e manejar processos de subjetivação exigem uma operatória no corpo no regime
de transdução de forças, de permutação de signos, enfim, de re-criação de si mesmo (...) a escuta clínica
é uma experiência sinestésica, como um ato ativo de escutar com toda dimensão sensorial do corpo.
Escutar com o corpo demanda uma atitude do analista, um exercício ético-estético pessoano de co-
habitar o plano da voz-multidão, abrindo-se a uma escuta auditivo-transcendental, como dispositivo
para sentir o que outro sente. (...) sentir com (Ferenczi), experiência compartilhada (Winnicott) e
sintonia afetiva (Stern), associadas à noção de empatia torácica (Godard) (RESENDE, 2013, p. 126-
7)”
Há de se libertar das amarras do cotidiano para incorporar novos ritmos num corpo lúdico e corajoso capaz
e apto à plasticidade dos processos criativos do viver nos modos de pensar-sentir-fazer.
O devir orienta esse processo de invenção de possibilidades corporais e subjetivas, apto à sensibilidade
inventiva e à emergência do desconhecido e não à interiorização do vivido, cerne do processo de instituição
da interioridade psicológica.
A clínica se caracteriza primordialmente por um estado sensível de mutabilidade, que implica um saber
relacional implícito, um saber afetivo que advém da e com a comunicação inconsciente dos corpos aliada a
uma escuta sinestésica, a uma escuta tátil que propicia o acolhimento e o manejo.
Desde Freud (1912/2010, 1913/2010), a clínica se debate com a questão de como manejar (a ativação d)os
afetos a partir da análise.
Freud (1912, 1913) cria a noção de transferência como um dispositivo de manejo dos afetos
circulantes na relação terapêutica, mas essa finda por se tornar uma ferramenta de controle para que
os afetos possam ser vividos sem que se tornem tão intensivos. Assim, o analista poderia alcançar a
ilusória neutralidade afetiva, emoldurando os afetos, dirigidos pelo paciente na representação de uma
mesma matriz afetiva recalcada, que seria transposta a cada função simbólica correlata que o analista
viesse a ocupar no curso da análise. A transferência, neste ponto de vista, ao mesmo tempo em que é
abordada como fenômeno essencial para a cura, é quase reduzida a um mecanismo de repetição de
clichês afetivos fixos (RESENDE, 2013, p. 128)
Contratransferência: “os efeitos da influência do paciente sobre a sensibilidade inconsciente do terapeuta”
Ferenczi: “dinâmicas transferenciais enquanto motor do processo psicoterapêutico, especialmente na sua
face contratransferencial”.
Conceito
Trata-se menos dos limites colocados à iniciativa dos sujeitos que do campo em que ela se articula
(sem constituir seu centro), das regras que emprega (sem que as tenha inventado ou formulado), das
relações que lhe servem de suporte (sem que ela seja seu resultado último, ou seu ponto de
convergência). Trata-se de revelar as práticas discursivas em sua complexidade e em sua densidade;
mostrar que falar é fazer alguma coisa - algo diferente de exprimir o que se pensa, de traduzir o que
se sabe e, também, de colocar em ação as estruturas de uma língua; mostrar que somar um enunciado
a uma série preexistente de enunciados é fazer um gesto complicado e custoso que implica condições
(e não somente uma situação, um contexto, motivos) e que comporta regras (diferentes das regras
lógicas e linguísticas de construção); mostrar que uma mudança, na ordem do discurso, não supõe
"idéias novas", um pouco de invenção e de criatividade, uma mentalidade diferente, mas
transformações em uma prática eventualmente nas que lhe são próximas e em sua articulação
comum (FOUCAULT, 1986, p. 234)
Conceito remete sempre e necessariamente a um problema, a um certo campo problemático, sem o qual, ou
pelo menos distanciado deste campo de problemas no qual ele emerge, o conceito não tem sentido. Quando
um conceito não tem sentido, não se articula com o campo que lhe condiciona – que é condição (não dada,
pois este campo de demandas e questões, também deve ser ele construído, geralmente a partir das
desnaturalizações de ideias prévias) para seu aparecimento – ele não tem utilidade.
Os conceitos são criados para dar cabo a problemas, a fim de dar desenlace a eles.
“Todo e qualquer conceito surge porque de uma maneira ou de outra havia uma pedra no meio do
caminho, no meio do caminho havia uma pedra. A pedra é o acontecimento, e o conceito é a vida que
procura dar conta de si mesma, superando os obstáculos através do pensamento”.
Conceito:
No texto sobre A verdade e a mentira no sentido extra-moral, Nietzsche (2001) ata o pensamento discursivo
ao engano. Pois a instauração de um conceito consiste e se refere não a um regresso a sua experiência
originária de formação – não que isso justificasse sua transposição a outros contextos –, mas à adaptação a
casos mais ou menos similares. Destarte, na superfície objetiva do campo conceitual, o diferente acaba por
ser equiparado ao igual.
A gênese da linguagem não segue em todos os casos uma via lógica, e o conjunto de materiais que é
por conseguinte aquilo sobre o que e com a ajuda de quem o homem da verdade, o pesquisador, o
filósofo, trabalha e constrói, se não provém de Sírius, jamais provém em todo caso da essência das
coisas.
Pensemos ainda uma vez, particularmente, na formação dos conceitos: toda palavra se torna
imediatamente conceito, não na medida em que ela tem necessariamente de dar de algum modo a idéia
da experiência original única e absolutamente singular a que deve o seu surgimento, mas quando lhe é
necessário aplicar-se simultaneamente a um sem-número de casos mais ou menos semelhantes, ou
seja, a casos que jamais são idênticos estritamente falando, portanto a casos totalmente diferentes. Todo
conceito surge da postulação da identidade do não-idêntico. (NIETZSCHE, 2001, p. 11).
Ver esses dois textos e Gentili e Garelli, p. 29. Música como verdade fisiológica e como expressão universal
do sentimento nas Considerações extemporâneas (NIETZSCHE, 1999a).
Consenso
Consenso (que depende da multiplicação do discurso da opinião), como aquilo que funda a opinião pública,
a partir do século XIX, cria-se a mídia, a imprensa, como aquilo que determina a opinião pública.
Se é taxado de paranóico se se é insensível à mobilidade de pensamento no século XIX. Só há dispositivo
hipnótico sugestivo como prática de convencimento porque se está inserido num contexto de consenso, a
partir ou voltado para a lógica de criação de consensos.
O mesmerismo foi o primeiro modelo clínico e foi rechaçado como charlatão, isto foi reinventado, retomado
reinventado a partir da década de 1860 com o Charcot… neste contexto de consenso. O louco não seria
permeável às argumentações dos outros. A ideia de certeza excessiva do louco teria de ser quebrada seja com
o trataemnto moral, seja com a hipnose.
Em 74, em Poder Psiquiátrico retoma a sociedade de consenso, como sociedade disciplinar. Ela é anti-
soberana e anti-hierárquica, não há nem rei nem deus na verticalidade.
Foucault ressalta que Freud sacou que todo aquele dispositivo da pirâmide estava centrado no médico. De
forma que os pacientes, a partir disto, vão se reportar diretamente ao médico. Ele criou a situação psicanalítica
pedindo que os pacientes loucos se dirigissem diretamente a ele, criando a situação psicanalítica centrada na
transferência. Ele hiperbolizou a figura central que é o do médico.
Freud se pergunta muito nos escritos técnicos, após a catarse como procedimento analítico. Onde se tem a
imposição da figura do médico à do doente. A psicanálise é uma elaboração pelas palavras dos conteúdos.
É o palco admirável do Freud afirmar que a transferência é uma forma de sugestão, é uma forma de presença
da sugestão dentro do discurso analítico. Por conta do amor de transferência, tem o viés sugestivo. Em 1910
e 11, e depois em Psicologia das massas, quando aproxima o dirigente das massas com o poder sugestivo.
O analista sai da sugestão desconstruindo o lugar de transferência do analista.
Freud está fazendo aí uma crítica à ideia de consenso, não haveria uma ideia de poder, o que garante isso é a
desconstrução do analista do seu lugar de amor. Mas as instituições analíticas são criadas em torno do poder
nestas instituições, como lutas de famílias, sistemas de filiação nestes sistemas. Esta desconstrução do poder
sugestivo do analista se mostra uma questão complicada, se tomamos os destinos das instituições
psicanalíticas.
Os problemas das múltiplas personalidades, do pai pedófilo e seu poder sobre o filho
O que está presente na experiência da hipnose, da sugestão é uma relação de mímesis, de imitação. Imitação
do analista pelo paciente, do pai pela criança.
O iluminismo é a ideia que a sociedade é fundada no consenso. O consenso como verdade coletiva é a
acomodação de um jogo de forças implícitas. O modelo da guerra como modelo da política, não há como
pensar a política sem pensar a guerra. A política é uma consequência das posições e relações de poder e não
o inverso.
Desde que a filosofia se atribuiu ao papel de fundamento, não parou de bendizer os poderes
estabelecidos, e decalcar sua doutrina das faculdades dos órgãos de poder do Estado. O senso
comum, a unidade de todas as faculdades como centro do Cogito, é o consenso de Estado levado ao
absoluto. Essa foi notadamente a grande operação da "crítica" kantiana, retomada e desenvolvida pelo
hegelianismo. Kant não parou de criticar os maus usos para melhor bendizer a função. Não deve
surpreender que o filósofo tenha se tornado professor público ou funcionário de Estado. Tudo está
acertado a partir do momento em que a forma-Estado inspira uma imagem do pensamento. E vice-versa
(DELEUZE & GUATTARI, 2003, p. 37).
a noologia entra em choque com contra-pensamentos, cujos atos são violentos, cujas aparições são
descontínuas, cuja existência através da história é móvel. São os atos de um "pensador privado", por
oposição ao professor público: Kierkegaard, Nietzsche, ou mesmo Chestov... Onde quer que habitem,
é a estepe ou o deserto. Eles destroem as imagens. Talvez o Schopenhauer educador de Nietzsche seja
a maior crítica que se tenha feito contra a imagem do pensamento, e sua relação com o Estado. Todavia,
"pensador privado" não é uma expressão satisfatória, visto que valoriza uma interioridade, quando se
trata de um pensamento do fora.
Ver: Foucault O pensamento do exterior
Contexto
Derrida contesta em Limited Inc. a noção de Contexto. Ele nunca é completamente determinado, sua
determinação pela linguagem nunca é esgotável, sempre sobre algo a mais.
Os seres humanos podem ou não ser altos, mas o número três não pode deixar de ser ímpar e a neve de
ser fria — estas coisas têm estas propriedades necessariamente e não apenas contingentemente. Ora, tal
como o frio se pode transformar em calor, assim também a neve, que é necessariamente fria, tem ou de
se afastar ou de perecer à aproximação do calor; não pode permanecer onde está e tornar-se neve quente.
Aqui, Sócrates generaliza: não só os opostos não admitem os seus opostos, mas
também nada que traga consigo um oposto admitirá o oposto daquilo
que traz consigo. (KENNY,p. 62)
O que é necessário é, tem que ser, já o contingente escapa a esta necessidade... mas ser alto entra como
contingente?
Para elucidar sua noção de acaso, Rosset (1988) a toma como um anticonceito derivado da somatória de
definições excludentes. Assim, o acaso não está inscrito na ordem das causas e tampouco na das determinações
e de suas respectivas exceções, do mesmo modo como não está subsumido, não podendo ser definido nas
formas com que aparece sob as noções de sorte, encontro e contingência.
A contingência se dá em simultaneidade e no seio da necessidade. Segundo Rosset (1988) a leitura filosófica
leva a uma concepção abstrata da contingência como não-necessidade. O contingencial sinaliza a
imprevisibilidade dos encontros com as forças do mundo, assim, o imprevisível se desdobra em não-
necessário, ideia que se refere e se contrapõe à necessidade, carece da noção de natureza e ordem das coisas
para ser pensado. 94
O acaso precede a ideia de natureza e a engendra, 84
Ainda nessa mesma linha que define a contingência a partir de uma lógica dos encontros Deleuze (1999, p.
101) coloca que o que Bergson
recusa é uma distribuição que põe a razão no gênero ou na categoria e que deixa o indivíduo na
contingência, ou seja, no espaço. É preciso que a razão vá até ao indivíduo, que o verdadeiro conceito
vá até a coisa, que a compreensão chegue até o "isto". Por que isto antes que aquilo, eis a questão da
diferença, que Bergson coloca sempre. Por que uma percepção vai evocar tal lembrança antes que uma
outra?188 Por que a percepção vai "colher" certas freqüências, por que estas antes que outras?189
Por que tal tensão da duração?190 De fato, é preciso que a razão seja razão disso que Bergson
denomina nuança. Na vida psíquica não há acidentes191: a nuança é a essência.
189 PM, p. 61. [1300;61] 190 PM, p. 208. [1417;208] 191 PM, p. 179. [1394;179]
Finalmente, não pensamos tampouco que a indeterminação seja um conceito vago. Indeterminação,
imprevisibilidade, contingência, liberdade significam sempre uma independência em relação às
causas: é neste sentido que Bergson enaltece o impulso vital com muitas contingências (1999, p.
123).
261 EC, p. 255. [710-711; 255]
De outra maneira, portanto, o produto é que não é e o movimento é que já era. Em um passo de Aquiles,
os instantes e os pontos não são segmentados. Bergson nos mostra isso em seu livro mais difícil: não é
o presente que é e o passado que não é mais, mas o presente é útil, o ser é o passado, o ser era (MatM,
III) veremos que essa tese funda o imprevisível e o contingente, ao invés de suprimi-los. Bergson
substituiu a distinção de dois mundos pela distinção de dois movimentos, de dois sentidos de um único
e mesmo movimento, o espírito e a matéria, de dois tempos na mesma duração, o passado e o presente,
que ele soube conceber como coexistentes justamente porque eles estavam na mesma duração, um sob
o outro e não um depois do outro (1999, p. 128).
Bergson traz o contingencial da escolha,
há contingência radical no progresso, incomensurabilidade entre o que precede e o que se segue,
enfim, duração. MM, p. 32 outr ver
Se a ciência deve estender nossa ação sobre as coisas e se só podemos agir tendo a matéria inerte como
instrumento, a ciência pode e deve continuar a tratar o vivo como tratava o inerte. Mas será entendido
que, quanta mais se embrenha nas profundezas da vida, tanto mais o conhecimento que nos fornece se
torna simbólico, relativo às contingencias da ação. MM 217
a ciencia, em seu conjunto, e relativa à ordem contingente na qual os problemas foram postos
sucessivamente. E nesse sentido e nessa medida que se deve tomar a ciência por convencional, mas o
carater convencional e, par assim dizer, de fato e não de direito. Em principia, a ciencia positiva versa
sabre a propria realidade, desde que nao saia de seu dominio proprio que e a materia inerte. 225
nossa ciência seja contingente, relativa as variáveis que escolheu, relativa a ordem na qual pês
sucessivamente os problemas e que, não obstante, seja bem sucedida 239
a escolha das grandezas variaveis, a reparti~ao da natureza em objetos e em fatos ja tern algo de
contingente e de convencional. 249, de convenção
simplesmente, assim que se procura fun dar a ordem, esta e tomada par contingente, senão nas coisas,
pelo menos aos olhos do espirito: de alga que não fosse julgado contingente nao se pediria explicac;ao
algurna 152
O contingente como signo de liberdade de do possível aparece em Bergson – A Evolução Criadora – como
signo do indeterminismo, isto é, de interpretação da natureza em termos espirituais de liberdade e de
finalidade. Igualmente em Sartre, onde contingência significa liberdade na relação do homem com o mundo
assentada no fato de ela, a liberdade, "não poder não existir" {1'être et le néant, p. 567).
Acidental em kant Kenny (2009)
O contingencial, insubordinado e não-necessário da experiência é capturado através da especificação de uma
natureza e de um sistema de sucessão que dá margem à inscrição em outro nível de sistema, o das
causalidades.
Afirmação do contingencial frente à necessidade instaurada desde o interior dos muros da cidade medieval
renascentista.
loucura como contingencial frente à necessidade de sustentação dos muros e das fronteiras medievais e
renascentistas.
Quando o homem desdobra o arbitrário de sua loucura, encontra a sombria necessidade do mundo;
o animal que assombra seus pesadelos e suas noites de privação é sua própria natureza, aquela que
porá a nu a implacável verdade do Inferno. As vãs imagens da parvoíce cega são o grande saber do
mundo; e já, nessa desordem, nesse universo enlouquecido, perfila-se aquilo que será a crueldade do
fim (FOUCAULT, 1979, p.22).
na Renascença, o louco é atado à necessidade do mundo, não À do homem.
Comunidade
Ver:
THEMUDO, T.S. (2002). “Que pode o corpo social: Deleuze e a comunidade”. In: Lins, D. e Gadelha, S.
Nietzsche e Deleuze: que pode o corpo. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
(2003). “Individuação impessoal, singularidade qualquer e a comunidade que vem”.
In: Polêmica – Revista eletrônica. Labore-UERJ, disponível em h t t p : / / w w w 2 . u e r j . b r / l a b o r e /
o f i cina_
bioetica_p10.htm.
medicalização e comunidade
“é em nome da saúde de todos, da vitalidade da espécie, do controle das doenças e da antecipação
dos perigos que a biopolítica pode multiplicar os espaços médicos de intervenção social” (CAPONI, 2012, p.
24)
Ver Rancière (2005, p. 19-26) recorte sensível do comum da comunidade, formas de visibilidade e disposição
é uma questão estético-política
o indivíduo não é mais que o resíduo da experiência de dissolução da comunidade. Por sua natureza
– como seu nome indica, é o átomo, o indivisível – o indivíduo revela ser o resultado abstrato de uma
decomposição. É uma figura simétrica da imanência: o para-si absolutamente solto, tomado como
origem e certeza.
Enquanto resultado abstrato de um processo de decomposição é que o indivíduo pode ser colocado como
origem do socius.
Longe de experimentar a origem ou a certeza, porém, o que o indivíduo passa em nossa cultura é a
derrocada do liame de sua morte – como aparece na ética da modernidade que Foucault (2000) encontra na
figura paradigmática de Hölderlin. A imortalidade do indivíduo, possível e alcançável semente na e pela
execução de sua obra, consiste, entretanto, em sua própria alienação. Somente desvencilhando-se de si é que
ele pode produzir obra.
Como os demais elementos do mundo, a comunidade não é feita apenas de átomos, não se resume
aos indivíduos. É imprescindível um clinamen, de toda maneira, um declive ou uma declinação do indivíduo
na comunidade. Esta inclinação do indivíduo sobre a comunidade, o leva ao fora de si que é seu ser-em-
comum. Esta é a forma que o indivíduo é declinado na comunidade. O filósofo francês conclui que o
individualismo é cego ao fato de que o que está em questão no átomo é um mundo e que, não se observando
isto, é que se exclui o tema da comunidade de toda metafísica do sujeito. O tema da comunidade só vem à
tona mediante uma concretude e materialidade do sujeito. Fica a questão: este ser-em-comum, que é o fora-
de-si é apreensível?
A crítica de Nancy (2001) recai sobre todo ser ab-soluto fechado, sem relação, perfeitamente solto e
distinto no mundo (sujeito, obra, Estado) e sua lógica essencial e intrínseca de rechaço e exclusão.
Em contraposição, a comunidade é aquilo que desfaz desde o princípio a todo fechamento e
individualidade absolutos. Aproximando a ponto de fazê-la equivaler à comunidade, Nancy (2001, p. 18)
sustenta que a relação do absoluto “é aquilo que desfaz em seu princípio – e sobre sua clausura ou sobre seu
limite – a autarquia da imanência absoluta”.
Enquanto figura imanente, o homem como aquilo que se faz a si mesmo e se separa dos demais na
separação que se fecha sobre um território, que coincide com o da comunidade humana. O paradoxal neste
esquema é que “a lógica do absoluto violenta o absoluto. O implica numa relação que exclui e rechaça por
essência” no seio da qual as opções se resumem a uma existência absolutamente só e absoluta no mundo –
princípio da imanência absoluta - ou à relação entre absolutos, que desfaz o caráter absoluto (fechado e sem
relação) do elemento absoluto.
Esta discussão nos diz respeito na medida em que humanismo moderno tem como meta a encarnação
(e a justificação de tal encarnação) do homem como este ser absoluto tal como aparece no projeto hegeliano
ao lado da necessidade, que deve regulada coletivamente na órbita de um comunismo. Neste sentido, Nancy
(2001, p. 19) recorre a Bataille que assevera que
A singularidade é o que está em questão em um corpo, um rosto, uma morte, uma voz e uma escritura.
As singularidades que nos chegam em blocos de experimentação e sensação são a contrapartida de todo
absoluto. Elas se fazem na partição, e fazem a partição, são divisíveis e se estabelecem em relação por vasos
e canais de comunicação.
A singularidade se distingue radicalmente de todo absoluto (da não-relação) assim como da
individualidade das identidades identificáveis ou apreensíveis segundo sua unidade atômica e/ou seu
pertencimento essencial-elementar, pois ela “tem lugar no plano do clinamen, inidentificável. Está associada
ao êxtase: não se poderia dizer com propriedade que o ser singular é o sujeito do êxtase, porque este não tem
‘sujeito’, porém se deve dizer que o êxtase (a comunidade) sucede ao ser singular” (NANCY, 2001, p. 22).
Sobre o extase ver Gentili e Garelli, p. 31
A singularidade aparece na relação elementar, no encontro do sujeito com os elementos do mundo,
consigo e com o outro, no lugar de ser apreendida, ela passa ao êxtase, à relação com o inapreensível. A
relação com o inapreensível extrapola a exigência comunista de regulação coletiva da necessidade para dando
vasão ao excedente de força na esfera da arte e da inventividade, numa nova soberania do sujeito, próxima
à noção de vida artista em Foucault (???).
À despeito da crença sugestivamente inculcada no caráter apolítico da arte, a soberania encontrada na
criação artística faz com que a arte se veja às voltas com a questão da comunidade. Esta soberania
desvencilhada do eu e da identidade coloca em xeque toda pertencimento mútuo entre obra e comunidade,
seja como comunidade que se efetua como obra ou no absoluto da obra, seja como arte que serve a um viés
política ou política que beneficia certo tipo de arte.
A comunidade requer uma nova distribuição do espaço - desembaraçado do homem e da necessidade
– no qual o comunismo já não é o horizonte insuperável da política. Em realidade, a exigência comunista,
enquanto exigência de um ser-em-comum, se articula com o fato de que se deve ir além de todo horizonte,
além de todo limite, seja do homem, seja da necessidade.
O começo do pensamento da comunidade:
Nancy (2001) encontra em Rousseau o primeiro pensador da comunidade, mais especificamente, da
consciência de ruptura em relação a uma comunidade perdida como questão para a sociedade. Em seguida,
identifica basicamente dois modelos de comunidade erigidos na modernidade a partir da degradação de uma
intimidade comunitária e comunicativa frente à qual o indivíduo absoluto se estabelece como cidadão livre de
uma comunidade soberana. Um modelo de fraternidade, assentado na divisão dos direitos e deveres; e o
da soberania, apoiado na distribuição da força e da precariedade.
Ambos tem como fundo uma suposta era de ouro ou uma comunidade perdida que deve ser
reencontrada e reconstituída em seus vínculos estritos, harmoniosos e incorruptíveis. Ambos igualmente
são fundamentados na partição, na difusão e na impregnação de identidades sobre uma pluralidade de
identificações possíveis com o corpo vivo da comunidade. Assim, a comunidade dos filhos de Deus (que
toma lugar em nossa cultura a partir da comunhão da transubstancialização do corpo místico de Cristo)
percebe a loucura sob uma perspectiva trágica na qual paira a incerteza se o desatinado é o mais próximo ou
mais longínquo de Deus para capturá-la em seguida no jardim das espécies de males, no qual a desrazão não
é outra coisa que o erro da razão ou um mal essencial (cf. FOUCAULT, 1979).
A comunidade é o pensamento acerca do homem que entra na imanência pura: produz a si mesma
e a seus elementos de maneira suficiente e não-relacional. Ela é “o limite do humano tanto como do divino.
Com Deus e com os deuses, a comunhão – substância e ato, ato da substância imanente comunicada – é o que
tem sido definitivamente retirado da comunidade” (NANCY, 2001, p. 28). Observamos, desta forma, que a
comunidade se assenta ainda na separação, na hierarquização e na não-comunhão que faz dela uma
recapitulação e uma reutilização do divino. Seu regime de imanência depende de que o homem produza a si
mesmo como indivíduo e como homem comunitário ao mesmo tempo em que produz a figura do homem
da comunidade.
De fato, se a imanência operasse no rigor de próprios termos, suprimiria a comunicação e a própria
comunidade (assentada na capacidade comunicativa de seus membros). A comunidade humana tem a
imanência do homem ao homem como pré-requisito, fundamento e condicionante. Porém, uma tal
imanência tem a morte como modelo assentado na igualdade presente na identidade contínua dos átomos. Se
o homem produz de maneira imanente a si mesmo e à figura comunitária do homem que deve ser distendida
e aplicada aos demais, trata-se de um processo entrópico que leva ao colapso da morte, da ausência de
diferenciação – pois a vida é seu poder de errância.
Toda política orientada para a imanência absoluta atende à verdade da morte. Por isso, Nancy (2001,
p. 32) afirma que “a comunidade da imanência humana, do homem convertido em igual a si mesmo ou a Deus,
à natureza e a suas próprias obras, é a comunidade de morte – ou de mortos. O homem realizado do
humanismo, individualista ou comunista, é o homem morto”. Para o francês, a morte é o cumprimento
infinito da vida imanente, movimento que reabsorve a morte – o silêncio da ausência de diferença –, e não
aquilo que excede a finitude de maneira indomável.
A morte de cada pessoa concreta, membro da comunidade humana é reabsorvida em prol do homem,
de um projeto de governo ou de nação. Nancy ressalta que não há relevo para estas mortes que poderíamos
chamar de mortes comunitárias, nenhuma salvação as reconduzem a outra imanência que a da morte, a uma
comunhão que seria seu porvir, tampouco há dialética que as restitua.
Porém, se não há relevo destas mortes comunitárias, a comunidade se revela através da morte e esta
através da primeira como Nancy (2001) justifica com as obras (notadamente as de Freud e Heidegger) que se
preocupam com o tema entre a Primeira e a Segunda grande guerra.
[[através da linguagem??, ver artigo meu]] A comunidade revela o ser-junto, o ser-com pela morte,
pelo ser em comum que é a declinação do indivíduo na comunidade. Assim, a cristalização da comunidade
em torno da morte de seus membros e da perda, que em realidade é a impossibilidade, da imanência,
impossibilita que se tome as questões em termos de socialidade ou intersubjetividade. Ainda nos termos
heideggerianos, o sujeito se distingue do eu que morre e desaparece em sua própria morte, que é o que lhe é
mais próprio.
O Dasein, o sentido do ser, leve Heidegger a uma ontologia fundamental, de acordo com a qual a
abertura para o mundo é dada não pela consciência, mas é o próprio Ser se abrindo no homem.
[[[[[[[
A sociedade não foi feita sobre a ruína de uma comunidade. Foi feita na desaparição ou na conservação
daquilo que – tribos ou impérios – não tinha talvez mais relações com o que chamamos de
“comunidade” que com o que chamamos “sociedade”. De modo que a comunidade, longe de ser o que
a sociedade havia quebrado ou perdido, é o que nos sucede – pergunta, espera, acontecimento,
imperativo – a partir da sociedade. [...] O que está “perdido” de uma comunidade – a imanência e a
intimidade de uma comunhão – só está perdido no sentido em que uma tal “perda” é constitutiva da
própria “comunidade” (NANCY, 2001, p. 29).
Se não há nada perdido, a questão da comunidade não é nostalgia.
e aponta para outro horizonte, o da comunidade desobrada.
Nancy (2001) toma a inoperância, o desobramento que é o limite da comunidade não como falta,
carência ou problema, antes, encontra-o na fonte das ações políticas mais fecundas que têm tomado corpo
atualmente. O ideário político tradicional da comunidade não pode escapar de certo regime de violência
intrínseco a sua unificação enquanto coletividade, sob a qual são formatadas e convertidas experiências e
subjetividades em torno de um princípio de identidade que subjaz a ele.
A crítica de Nancy (2001) à compreensão essencialista da comunidade tem como alvo a colocação do
elemento identitário como seu fundamento último a partir do qual se estabelece uma diversidade de formas
de captura, exclusão, controle e reutilização da diferença a partir de sua instrumentalização em prol do
fortalecimento do sistema em voga. Bataille (1994) pondera que nossa cultura procede por certa lógica
militar, que aplica o uso do poder e o dispêndio de força unicamente com fins de lucro político – isto é, se
usa da força para agregar mais força.
Relacionando a política à metafísica, Nancy (2001) traça um paralelo entre a unificação em torno da
fixação da identidade fixa e do primado necessário da consciência que caracteriza fundamentalmente o sujeito
em sua busca de um elemento fixo e comum que salvaguarde o campo político, sua produção e atividade.
Neste intuito é que ele propõe uma comunidade desobrada8, uma comunidade inoperante em suas estruturas
basais de identificação, engendramento e formatação de modos de ser e estar no mundo. Esta comunidade
desativada, desmobilizada e desorientada em seus pressupostos básicos aponta para a incompletude na
inviabilidade de fixação de identidades. Sua proposta frente a esta comunidade abandonada à qual se subtrai
toda essência e todo essencialismo dos parâmetros comuns de identificação, é uma comunidade em que a vida
8
O título original da obra, La communauté désouevrée não tem correspondente dicionarizado em português. Optamos por uma
tradução direta para não perder o nexo com a obra e o caráter constitutivo da operatividade sobre a qual está assentada a definição
de comunidade e certa concepção de homem conforme esclarecemos em A voz do silêncio (PRADO, 2013).
se desenrole em comum sem apreensões identificatórias (como aqueles ligados à identificação ao território,
ao gênero, à raça, à religião, aos distintos modos de funcionamento psíquico, etc.).
Paralelamente, Blanchot (2002) retoma o pensamento de Bataille (1994) para apresentar a comunidade
inconfessável, la comunauté inavouable, a qual se realiza apenas na intrínseca relação entre proliferação e
segredo próprios ao discurso [[VER PIGLIA sobre segredo]]. Comunidade assentada, pois, na
incomunicabilidade, a qual não se pode estabelecer códigos de transferência e correspondência. Comunidade
que abre mão das estratégias de captura inteligível e apreensão com fins de inscrição num sistema de previsão
estrita e abre espaço, portanto, para o inacabamento e a insuficiência próprios à experiência.
O espaço aberto para a experiência oblitera qualquer projeto comunitário de realização plena. Frente
à experiência, a comunidade se desenvolve no intimidade inconfessável do silêncio na constatação de que a
comunicação não apenas porta focos de não-comunicação, como é propriamente realizada a partir destes
vacúolos identificados por Blanchot (2002) ao segredo. Em sua proposta, a comunidade parte dos discursos
que nela se proliferam para, partindo de tal diversificação que devém capacidade de outramento, se
constituir em redor de seu segredo inconfessável como inacabamento.
Assentada sobre um ethos político – uma vez que entendemos política como jogo de forças – de
outramento, a comunidade inacabada se constitui fundamentalmente como comunidade irrepresentável.
Isto significa que nela não se fixam identidades porque seus elementos – radicalmente abertos para o outro –
não são apreensíveis em representações e dispositivos identitários com os quais são colocados em
funcionamento as tecnologias de normalização e produção positiva de subjetividades, tendências e
funcionamentos forjando certa coesão e constrangimento sociais.
Já Agamben (1993, p. 11) contribui para esta discussão afirmando na primeira frase do livro que para
A comunidade que vem, “o ser que vem é o ser qualquer”. O qualquer, em sua indeterminação e
inoperatividade, escapa a toda determinação gregária enquanto elemento do corpo populacional capturado
pelos mecanismos do biopoder ou enquanto unidade somática individualizada pelos mecanismos de
disciplinares e de controle que regem nossa cultura (cf. FOUCAULT, 2002).
O índice de indeterminação sinalizado com o qualquer condiz não a uma indiferença ou desinteresse
em relação aos descaminhos e rotas existenciais, mas busca validar a diversidade insubordinada que pode
ocorrer ao ser, em seus modos e singularidades, aquém de toda determinação universal ou individual.
Recorrendo à etimologia do termo qualunque, derivado do latim quolibet, Agamben (1993, p. 11) utiliza o
qualquer para apontar o impensado inapreensível que condiciona os modos de entendimento e não uma
indiferença perante as determinações e apreensões; ele é “o termo que, permanecendo impensado em cada
um, condiciona o significado de todos os outros”9.
9
Desenvolvendo seu raciocínio, Agamben (1993, p. 11) inscreve a distinção em termos de vontade e desejo ao destacar que
“quodlibet ens não é «o ser, qualquer ser», mas «o ser que, seja como for, não é indiferente»; ele contém, desde logo, algo que
remete para vontade (libet), o ser qual-quer estabelece uma relação original com o desejo”.
Escapando ao inexprimível do indivíduo e à captura inteligível do universal, o qualquer corresponde
ao ser, considerado independentemente de suas propriedades, de suas arestas e incongruências frente a um
sistema de inscrição identitária de pertencimento. Cada ser já é uma espécie e institui reiteradamente seus
modos de pertença a si mesmo enquanto forma de ser e estar no mundo única e irredutível, posição síntese
do paradigma ético da alteridade levantado pelos três autores que aqui nos valemos para o estudo da
comunidade desobrada e inconfessável que vem.
As operações de inscrição estabelecem relações pertença através apreensão de cada elemento numa
ordem esquemática de captura referenciada, operada em torno de uma norma hegemonicamente
instituída. Uma vez especificado e individualizado perante esta norma referencial ou a uma rede de
inscrições e apreensões é que se autoriza a engendrar modos de ser e estar atados a modelos e normas
hegemônicos em cada elemento da comunidade. Ali, passa-se a prescindir de qualquer propriedade ou
condição em prol de um suposto comum genérico ou de uma generalização das condições de ingresso e
inscrição em certa comunidade.
A comunidade irrepresentável, por outro lado, se guia pela capacidade de outramento, perante a qual
cada elemento é tomado com todos seus predicados.
Porque o lugar próprio do exemplo é sempre ao lado de si próprio, no espaço vazio em que se
desenrola a sua vida inqualificável e inesquecível. Esta vida é a vida puramente linguística. Só a vida
na palavra é inqualificável e inesquecível. O ser exemplar é o ser puramente linguístico. Exemplar é
aquilo que não é definido por nenhuma propriedade, excepto o ser-dito. Não é o ser-vermelho, mas o
ser-dito-vermelho; não é o ser-Jakob, mas o ser-dito-Jakob que define o exemplo (AGAMBEN, 1993,
p. 16).
Ao demonstrar a especificidade singular daquilo que designa, o exemplo esclarece a possibilidade que funda
todo pertencimento pois o ser-dito é aquilo radical e efetivamente comum que, no entanto, rompe com a
exigência comunitária da equivalência.
O que é efetivamente comum é partilhar miríades de singularidades que se comunicam no lugar
vazio do ser-dito do exemplo, embora não caiba neste o pertencimento a uma identidade comum. No esquema
montado pelo italiano, as singularidades habitam o Limbo, e não têm consciência de estarem privadas do bem
comunitário. Como Bartebly ao final do conto de Melville, elas vivem no puro abandono do ser, alheias ao
destino comunitário dos bem-aventurados e ao destino de condenação dos excluídos. As singularidades
correspondem a esta experiência-limite. E a comunidade que lhes corresponde só pode ser uma comunidade
sem nenhuma identidade comum.
Nancy concibe la comunidad, como estar singular plural, como inoperancia que se resiste a ser obra.
el hombre (es) definido como productor (podría decirse también: el hombre definido, a secas), y
fundamentalmente como productor de su propia esencia bajo las especies de su trabajo o de sus obras».8
Dicho de otra manera, se trata aquí de las formas inmanentes de comunidad, ya que se efectúan como
su propia obra o se realizan como la finalización de la esencia auto producida. Encontramos la misma
inmanencia, por supuesto, en aspiración europea de los siglos XVIII y XIX de producirse
colectivamente como la última y más grande obra de la humanidad. Nancy, La communauté
désoeuvrée, 13. [La comunidad inoperante, 20]
El fracaso del comunismo no resulta del hecho de que el hombre se forme, y se forme en común –
porque no hay otra opción como bien lo vio el comunismo– sino del hecho suplementario que se forma
como obra a fin de determinarse y formarse como proyecto:
Para Nancy, Bataille es «es sin duda el primero en hacer, o quien hizo de la manera más aguda, la
experiencia moderna de la comunidad: ni obra que producir, ni comunión perdida, sino el espacio
mismo, y el espaciamiento de la experiencia del afuera, del fuera-de-sí»10. Esta experiencia
específicamente moderna de la comunidad, descrita por Bataille bajo el título ligeramente engañoso de
La experiencia interior, es la experiencia de estar expuesto a lo otro, de estar fuera de sí (como lo dice
Bataille, en éxtasis). Aquí es donde se constituyen mutuamente la experiencia de la comunidad y del
estar, porque, como dice Bataille, «cada ser es, según creo, incapaz por sí solo de ir hasta el límite del
ser».21
A concepção de que o Dasein pode se apropriar de sua possibilidade mais própria, o ser que é a cada
vez é meu, ao sair da fragmentação e indeterminação do Man.
consolo metafísico, a saber, agarrar-se a ser o que é, contentando-se com o resto de igualdade como
aquilo presumidamente imperdível.
há um tipo de existência fragmentária e outra de posse de seu verdadeiro ser.
o Mitsein é um existencial que remete a uma estrutura prévia do Dasein enquanto ser-no-mundo que
significa uma abertura para o Outro. Enquanto abertura, o Dasein não se relaciona com o Mitdasein
como um acréscimo, mas como aquele que desde sempre vem ao encontro em um mundo previamente
aberto. Na perspectiva da Comunidade que vem, a abertura para o Outro não se dá no horizonte da
existência autêntica. Ao contrário, a comunidade aqui só pode ser inautêntica em sua constituição.
A filosofia deve ser entregue ao mar da impropriedade, ao cotidiano. O “sujeito” ético, aqui, é antes
de mais nada, inessencial, desfeito de sua unidade fixa e entregue verdadeiramente à dimensão da
alteridade, colocando-se em um elemento puramente relacional. Como veremos no tópico seguinte, a
ética aqui ligada à comunidade implica que o homem não sendo uma essência, encontra no simples
fato de sua existência como possibilidade e potência.
Já Blanchot (2011, p. 98-9) considera que “para Heidegger o ser-com é apenas abordado em relação com o
Ser porque, à sua maneira, sustenta a questão do Ser (...) [que quando se preocupa] com o Outro, este não
passa de um outro eu mesmo, sendo, no melhor dos casos, igual ao eu e procurando ser reconhecido por mim
como Eu (assim como por ele), numa luta que é por vezes luta violenta, por vezes violência apaziguada no
discurso”
10
Según Nancy, Bataille, a pesar de sus méritos, no piensa suficientemente la comunidad. La razón de esto sería que Bataille no ve
el éxtasis del sujeto ni de la comunidad misma. En este sentido la comunidad queda
[reste] fuera del sujeto y mantiene la oposición entre interioridad y exterioridad que debe ser
cuestionada si se quiere pensar la primacía de la comunidad. El giro de Nancy consiste, a nivel
ontológico, en una radical renuncia del pensamiento del sujeto en favor de un pensamiento de
la comunidad.
Comunidade, moral e ética: Bartebly, o possível e a potência
Alheio a toda vocação a dimensão ética da comunidade desobrada não se assenta numa moral
decalcada de um suposto trajeto de desenvolvimento que visa cumprir um destino original ou teleológico, mas
como possibilidade.
O discurso perde toda função normativa [[Orwell]] na ausência de referências
A ética aparece então como questão de produção de possíveis para a experiência, desvencilhada deste destino
referencial já determinado e de um projeto dado na realidade.
Ora, entre potência e possibilidade – enquanto dimensões que se distinguem do que se apresenta
como dado na realidade – subjaz uma forma irredutível de qualquer, de quodlibet, o aspecto afirmativo do
ser em sua apresentação, qualquer seja ela. O ser qualquer em seu aspecto possível e potencial independe
de sua efetivação em algo específico (ou já especificado). Tampouco o qualquer se define pela incapacidade
(pela carência de potência) ou por uma potência absoluta de efetivação toda-poderosa que se realiza
indiferentemente de todas as condições.
Agamben (1993) traça o percurso da moralidade inerente à noção de vocação ou destino comunitário
a partir da distinção aristotélica entre ato e potência na qual se visa (pela vontade, princípio de ação e da força
humana por excelência) anular a ambiguidade (e a aparente simetria entre ser e não ser) que faz a potência
oscilar entre potência absoluta e impotência, entre aquilo que é ou que pode não ser. Assim, o pensador italiano
articula a singularidade não como aquilo que é ou deixa de ser, mas com a possibilidade, como uma
tendência explicada a partir da enigmática e desconcertante sentença I would prefer not to de Bartebly, o
escrivão do escritório de advocacia em Wall Street no conto de Melville (2005).
O que está em jogo para Agamben (1993, p. 33) são os modos com os quais a potência passa ao ato
pois “na potência de ser, a potência tem por objecto um certo acto”, de modo que este ser-em-ato condiz
necessariamente a uma determinada atividade enquanto a potência que não se efetiva como passagem ao é
tida (por Schelling) como cega.
Por sua vez, a potência de não-ser nunca passa ao ato, pois é potência que toma a própria potência
como objeto.
A inoperância reside na potência que pode a potência e a impotência, transportando ou
salvaguardando esta última no trânsito para o ato. O exemplo que o filósofo italiano levanta é o de Glenn
Gould que, podendo não não-tocar, toca com a potência de não-tocar – no ato, sua maestria conserva e
exerce a potência de não tocar colocando enfim a superioridade da potência positiva sobre o ato (de tocar).
A passividade rejeita todo paradigma humanista de ascendência da vontade sobre a potência como
força de decisão capaz de estancar a ambiguidade da potência na sua conversão em ato. Nesta perspectiva em
que não existe compromisso histórico algum a ser realizado – e tampouco conflito ou ação de instauração de
regimes e programas –, o horizonte ético da política passa a ser a passividade que a desvencilha de todo
apelo a condicionantes de pertencimento.
Isto quer dizer que a comunidade desobrada prescinde de mediações condicionantes de pertencimento,
porém não que ela se resume a uma simples comunidade negativa, sem condições.
Mediada pela própria pertença – como pensamento do pensamento; dobra sobre si mesma – a
comunidade inoperante se torna bastião da política da singularidade qualquer. Entretanto, as singularidades
quaisquer não dispõem de nenhum vínculo ou fresta do que possa se tornar uma relação de filiação, pertença
ou reconhecimento que fundamente uma sociedade. Não há sociedade das singularidades quaisquer porque
não há rastro de determinação possível que parta delas, consequentemente, elas não são sintetizáveis em uma
posição política concreta. Embora a lógica estatal comporte a concorrência de outras ordens estatais ou
estatuárias interiores ao Estado constituído (a Palestina e as diversas insurreições ordenadas na forma de
terrorismo ou povo sem nação dão o testemunho disso), ela é incompatível com uma comunidade de
singularidades que prescinde de traços identitários apreensíveis.
Desembaraçada do afã identitário de pertencimento e reconhecimento, a política da nova comunidade
se define pela pertença à própria singularidade; sua grande ameaça e força é precisamente a retomada do
qualquer sem nenhuma identidade. Ou seja, ao se apropriar de sua própria pertença enquanto ser-na-
linguagem, a singularidade qualquer abdica de todo vínculo condicionante de pertencimento, identificação
e reconhecimento para se estabelecer como a grande ameaça à ordem estatal e estadística. Neste sentido é que
Agamben (1993, p. 67) pondera que o definidor da “política que vem é que não será já a luta pela conquista
ou o controle do Estado, mas luta entre o Estado e o não-Estado (a humanidade), disjunção irremediável
entre as singularidades quaisquer e a organização estatal”.
A política da comunidade desobrada é a política que emerge das ruas e dos movimentos
multitudinários, política que vem dos que não pertencem à comunidade dos homens: loucos desatinados, que
não se conformam e cuja loucura não se submete ao confinamento no interior do exterior, mendigos e
andarilhos sem documentos e inscrição nos sistemas estadísticos de poder e assistência. Política do fora,
própria à experiência comunitária moderna cujos termos Jean-Luc Nancy (2001, p. 41) encontra no
pensamento de Bataille que não determina “nem obra que produzir, nem comunhão perdida, senão o espaço
mesmo, o espaçamento da experiência do fora, do fora-de-si”.
Agamben (1993, p. 66) encontra o paradigma da política que vem no espaço intervalar indefinido
das manifestações da Praça Celestial em Pequim no começo dos anos 1990, nela nos deparamos com “a
relativa ausência de conteúdos determinados de reivindicação (democracia e liberdade são noções demasiado
genéricas e difusas para constituírem o obcjeto real de um conflito”. A representabilidade (apreensão na ordem
discursiva e inteligível do mundo) de grupos e pautas, a representação de uma condição ordenamento é
indispensável ao jogo macropolítico.
Destarte, o filósofo italiano recupera a noção de Estado para Badiou (2004), que não é a expressão de
um laço social que subjaz em sua fundação, mas a dissolução deste, logo, o que interessa não são as
singularidades que fundam e instituem a comunidade, mas sua apreensão em formas identitárias, em pautas
de reconhecimento e reivindicação que possam ser (re)capitalizadas e colonizadas pela ordem estatal.
Para Badiou (2004), a política deve estar junta à ética enquanto conjunto de valores dados e inteligíveis –
identitários e reconhecíveis – que regem normativamente um corpo social ou individual em termos de
juízo – bom ou ruim, adequado e procedente ou inviável.
Nesta ótica, Agamben (1993, p. 68) retoma o qualquer como caráter ou dimensão sagrada do homem,
sob a figura do homem sacer do direito romano, aquele que “foi excluído do mundo dos homens e que, mesmo
não podendo ser sacrificado, é lícito matar sem cometer homicídio”. Retomando os termos da discussão,
podemos sintetizar que a política do qualquer tensiona com a ordem Estado e sua violência identitária a
partir da apropriação das singularidades de sua própria pertença enquanto singularidades no seio na
linguagem.
Se nos valemos dos escritos de Roberto Esposito (2003), podemos afirmar que a inaptidão das
singularidades quaisquer para a conformação em uma posição política concreta faz da comunidade dos
qualquer, uma comunidade impolítica que não cabe nos termos políticos tradicionais de Estado, nação ou
partido.
Em consonância com tal caráter impolítico podemos inferir juntamente a Agamben (1993) que a perda
dos valores identitários que ocasional ou historicamente caracterizam esta ou aquela identidade, pode escapar
ao niilismo para, na dissolvência das crenças, tradições que articulam e sustentam as identidades colocar as
pessoas concretas enfim em sua dimensão de impropriedade, em contato com sua singularidade qualquer.
Comunidade impolítica
Neste sentido em que comunidade trata menos de afirmar o acordo ou consenso do com, que legitimar
o cum como convocação (MARCIEL, 2014)
Suspender dos traços identitários que sustentam a política do acordo e do consenso (imunitários, que
imunizam os diferentes sujeitos mediante a sociedade, naquilo que tende a suprimir a inegável distância e
diferença entre eles) para enfim retraçar o político. Em suma: a suspenção do político se presta não apenas
ao retrocesso ou à retirada, mas para retraça-lo (LACOUE-LABARTHE, P. & NANCY, J.-L., 1997).
Aludindo a um complexo jogo de palavras e referências na língua francesa, Marciel (2014) articula os
apontamentos de Nancy aos derridianos para concluir que neles a tarefa da política aparece como uma
espécie duplo vínculo: só há approche do político como reproche du politique. Mas esta reprovação do
político não se resume ao negativo da censura ou mesmo à reconvenção, mas a um deslocamento, um desvio
fundamental que permite reaproximamar-se do político (através do impolítico). Paralelamente, o retrait do
político implica o traço (trait) do político para retraçar seu campo. Destarte, a reprovação (reproche) do
político por parte do impolítico pretende forçar e reforçar o retrait do político a um passo mais decisivo rumo
ao sentimento político por excelência: a cólera.
Frente à cólera nos cabe ressituar e retraçar a política. Seguindo esta linha, a raiz latina do francês
reprocher é repropriare, que significa colocar ante os olhos, tornar a mostrar algo, chamar a atenção, fazer
que se note algo e para tanto, há de se mantê-lo à certa distância. Não obstante, retraçar ou ressituar a política
implica inclusive restringir o conceito de política, o que é uma maneira de reproche, uma forma de
afastamento (LACOUE-LABARTHE, P. & NANCY, J.-L., 1997).
Por fim, podemos concluir que retraçar a política requer uma reaproximação que se dá somente
mediante um distanciamento, um reproche impolítico desde o qual se retraça a política nos termos que usa
Esposito (2003).
Em última instância, não se trata de desvalorizar a atividade política.
A política não se resume e não se confunde com os atos e ações dos políticos profissionais. Exercendo-
a de maneira inábil, inócua e corrupta, estes apenas perseguem os fins de meios turvos, fazendo da política a
negação da justiça e da dignidade.
Frente à tendência (democrático-socialista) de que a política passa de uma instância separada à uma
impregnação de todas as esferas da existência é o cerne da crítica e da limitação impolítica que propõe
retirar-se da política para retraça-la.
A cólera é o sentimento político por excelência. Produz raiva, ira, arrebatamento, rechaço e resistência
contra o intolerável, o abusivo e toda sorte de dominação e tudo aquilo que não se consegue de modo razoável.
Ela traz a política como vigilância inegociável, pois a política sem a cólera não é mais que acomodamento e
tráfico de influência (BAILY & NANCY, La Comparution).
Porém, o “con” (cum) da comparution é antes existencial que categorial.
A cólera concerne mais ao sentimento, mais que uma categoria política, ela é uma categoria
ontológica que pode afetar a política, enquanto uma ontologia relacional que concerne ao desejo, ao impulso,
à inclinação ou à pulsão que circula como sentido. Não é um estado – como o estado de indignado – mas um
movimento. A cólera é um movimento que coloca a política em movimento, ela é sua outra parte, o outro
lugar desde o qual ela é mobilizada. Movimento de cólera, estado de indignação. Uma vez que a indignação
parte de uma dupla denegação, denegação da justiça e da dignidade, ela configura o estado em que nos
encontramos despojados de bossa dignidade, de nosso valor absoluto, de nossa inequivalência – nosso
direitos são inegociáveis, não valem as barganhas que nos oferecem.
A cólera é a distância irredutível, a imensurável contrapartida da democracia tornada o âmbito mais
geral das equivalências, no seu seio se faz equivaler os fins, os meios, os valores, os sentidos, as ações, as
obras e as pessoas, todas intercambiáveis (NANCY, LA verité de la democratie, p. 45).
É tarefa da política manter esta abertura à parte sem valor, o imensurável, o incalculável não-
partilhável que excede ao âmbito estrito da política. A política deve se manter aberta ao impolítico, ao
inegociável que não obedece às leis de troca. Ela deve caucionar a abertura e o acesso, mas jamais ou
assumir seus conteúdos. Esse elemento incalculável da política atende pelo nome da arte e do amor, da
amizade e do conhecimento, do saber e da emoção que não se confundem com a política (e menos ainda com
a macropolítica democrática-representativa) (NANCY, La verité de la democratie, p. 33-4 em espanhol, 2008)
A cólera permite lançar um grito pois a política deve ser uma caixa de ressonância para uma voz não-
política, para uma voz impolítica. Esta voz, que é corresponde ao movimento da cólera na política só pode se
articular e expandir no vazio comum que nos habita (posição heideggeriana da arte e da escrita).
No esquema de Nancy (2008), a práxis política é necessariamente convocação em um duplo sentido:
uma vocação que conta sempre com outra, convoca a outra vocação não para reunir-se forçosamente, mas
para se realizar; e uma vocação só pode ter lugar ao surgir no comum das vocações, por isso a política é a
instância da convocação, o cum entre as vocações é o ponto vazio que as permite estarem ao mesmo tempo
juntas e separadas. [[[[
Legitimar o cum da convocação é a tarefa política mais primordial: tornar possível a vocação,
sempre por estabelecer, de todo ser singular, de todo ser em sua diferença fundamental, em seu dom.
Entretanto, a vocação não se confunde com o latim vocatio, que significa a ação de chamar, o chamado
de Deus ouvido no interior ou da consciência – daí a calamitosa associação de vocação com trabalho –, mas
a uma chamada criadora, que não chega de parte alguma, mas que chama a existência ao que todavia não
existe. Ela é uma singular voz polifônica, uma apelação que tem o desacordo como condição fundamental e
não se confunde um conjunto de vozes em harmonia e concordância. Voz singular da multidão que não se
confunde com a voz da maioria eleitoral.
É a morte que nos faz falar entre nós – eu e tu.
(Tal qual a escrita,) Esta voz carregada de cólera é primeiramente metafísica e apenas depois política
e diz sempre o mesmo, resiste e busca uma justiça indesconstrutível, que não tem como salvaguarda e
garantia direito algum, pois não tem horizonte nem referência. A fala plena da voz política, fala que por si
mesma é um ato de justiça.
A paisagem do protesto e da proposta e do testemunho no qual se pratica a coragem da declaração
pública reivindicam uma justiça comum na qual o eu se torna um eu diante do tu numa série sempre infinita
n + 1.
Puede decirse que lo absorbido por esta última (representação da ideia) y, por decir así, achatado en la
pura imagen (de un fundamento ya ausente) es justamente aquella referencia a una alteridad
trascendente que era a la vez virtus formativa y telos último de lo político. La modernidad corta este
hilo vertical con una decisión excluyente de toda relación, si no analógica, por trasposición metafórica,
con lo otro de sí. No es que lo moderno sea una simple proliferación de intereses contrapuestos o que
no anhele de continuo la forma de la unidad, sólo que la entiende como unidad funcional y
autorreferencial. Es decir, como «sistema" capaz de autogobernarse fuera de cualquier finalidad
exterior (el bien) o de cualquier vínculo interior a la lógica de los contenidos (los "sujetos") que
lo habitan. La misma distribución en subsistemas está organizada de modo tal que no exige
convergencias "ideales". Lo político constituye justamente uno de estos subsistemas: de aquí su lograda
autonomía respecto del resto del cuadro (ESPOSITO, 2005, p. 31).
Assim, vemos que a coexistência das contradições é o esquema fundamental que derrota até a versão
clássica de Maquiavel que lhe dá origem (de despolitização), por isso, vemos que o “‘paradigma hobbesiano
del orden’ sea la línea vencedora y todavía hoy ampliamente hegemónica, desde el funcionalismo de Parsons
hasta la "sistémica" de Luhmann” p. 31.
Civitas: cidade dos múltiplos interesses.
Em seguida Esposito (2005) descreve a teologia política como instância de sutura o bem ao poder
(segue um debate sobre a concepção aristotélica – monarquismo do espírito divino como o único poder –
contra o dualismo platônico).
A forma-Estado contemporânea é ao mesmo tempo teologizada (ligada à ideia de bem) e
despolitizada.
Teologia política es esa suerte de cortocircuito lógico-histórico que inserta una terminología política
(el monoteísmo) dentro del léxico religioso, en función de una justificación teológica del orden
existente o, más simplemente, la representación teológica del poder. Es exactamente lo que el
catolicismo político opone a la deriva despolitizadora de lo moderno (ESPOSITO, 2005,p. 31).
Mesmo em Schimitt a teologia política expressa uma lógica de tipo estritamente jurídico. A
modernidade política ainda é religiosa. Ela “não se esgota em um conjunto de procedimentos técnicos, mas
compreende o momento ‘sem palavras’ da decisão” (p. 32) incorporando sua dimensão essencialmente
representativa, que é a ideia.
Por isso ela é na exemplar tentativa de manter juntos os dois polos - imanente e transcendente – que
tecem toda a realidade: história e ideia, vida e autoridade, força e verdade, ou, em uma palavra: poder e bem.
Poder que se expressa na imanência do sujeito que produz as três instâncias de ligação entre bem e poder: a
comunidade, a si próprio enquanto figura possível no seio desta e o bem que a ambos se aplica
transcendentalmente através da ideia política. Concepção afirmativa do poder como potência e como
determinação do ser que deve respeitar, portanto sua bipolar ordem. Ademais, o poder é o meio onde os dois
polos se encontram, daí surge o dever do poder – cerne de toda ordenação jurídico-social da sociedade
moderna e (de todo) imperativo (categórico).
Concepção teológica: uma vez que Deus impõe ao homem o exercício do poder – igualmente para
santificar a este poder – o homem deve exercer a o poder para obedecer a Deus (cf. KANT, 2009; ESPOSITO,
2005, p. 32). Por isso o poder se torna a tradução política do bem.
La política en cuanto tal vive de esta relación, de modo que fuera de ella, fuera del remitirse
trascendente a la voluntad omnipotente de Dios, no hay verdadera política, sino simple técnica. Es
por ello que lo moderno, al romper esta relación, o al superponer sus términos, está condenado a la
despolitización, y debe ceder a la secularización, entregándose al "siglo". Porque, para dominarlo, es
necesario lo político cuyo monopolio pertenece ya a la Iglesia de Roma. Y, para ésta, dicho monopolio
es a la vez tarea y tragedia. Tarea de defensa de lo político contra los ataques destructores de fuerzas
opuestas y complementarias (capitalismo y socialismo). Y tragedia porque tal tarea ya es irrealizable,
constitutivamente utópica. Utópica es, en efecto, la tierra de lo político, última isla en el gran océano
de la despolitización moderna (ESPOSITO, 2005, p. 33)
A política enquanto tal vive desta relação, de modo que fora dela, fora da remissão transcendente à
vontade onipotente de Deus, não existe verdadeira política, senão simples técnica. Por isso que o
moderno, ao romper esta relação, ou ao superpor seus termos, está condenado à despolitização, e
deve ceder à secularização, entregando-se ao "século". Porque, para dominá-lo, é necessário o político
cujo monopólio pertence já à Igreja de Roma. E, para esta, tal monopólio é a uma só vez tarefa e
tragédia. Tarefa de defesa do político contra os ataques destruidores de forças opostas e
complementares (capitalismo e socialismo). E tragédia porque tal tarefa é irrealizável, sendo
constitutivamente utópica. Utópica é, com efeito, a terra do político, a última ilha no grande oceâno
da despolitização moderna (ESPOSITO, 2005, p. 33)
No es el valor que se contrapone a lo político, sino más bien justamente lo contrario. Es la negación de
lo político llevada a valor, de toda valorización "teológica" suya. Lo impolítico es crítica del
encantamiento, aunque esto no significa que se reduzca al simple desencanto, al alegre politeísmo del
«después". No se reconoce en el desarraigo moderno, aun no buscando toda utópica radicación, y hasta
denunciándola (ESPOSITO, 2005, p. 35).
O impolítico é a crítica do encantamento dos fins e da ideia política. É a celebração daquilo que não
tem valor mensurável e de troca. Arendt traz a não coincidência da atitude apolítica com a antipolítica
(radicalidade política). Ademais, “para Arendt el origen siempre es plural. Todo intento lógico-histórico de
representar esa pluralidad constituye en los hechos una evidente negación de ello” (p. 36), ademais, a origem
é irredutível ao conflito de poder. Entre uma analítica prehobbesiana e uma antropología poshobbesiana
reidem nesta tradição da multiplicidade como origem assentada no conflito (que não o de poder, mas o de
multiplicidades) abarca: Para una crítica de la violencia de Benjamin, Tótem y tabú de Freud e toda la obra
de Nietzsche.
A modernidade política, alegre e ingenuamente interpretada como o âmbito genético da política-
pluralidade, é em realidade a mais determinada negação da multiplicidade dada em termos de unificação
forçosa. Seja na divinização da soberania pelo lado da valorização das relações representante-representado
seja na revolução, ambos os desdobramentos estão designados de modo originário e não contingente pelo
moderno.
Assim, no seio dos regimes de representação a multiplicidade enquanto tal segue sendo
irrepresentável, porque a relação representante-representado só pode entendê-la numa unidade de sua própria
forma "imaginária" (não substancial, mas transcendental). Daí sua redução à representação "teatral" que tem
como modelo a revolução estadunidense, que Arendt indica como a mais resistente ao curto-circuito teológico-
político, embora inexoravelmente presa a ele.
Lo impolítico (contradictório) de Broch se encierra en esta diferencia absoluta entre una realidad
puramente negativa [de resistência] y su idea puramente positiva. Impolítico no en el sentido de una
fuga de lo político que, en cuanto real, es declarado «ineluctable" - toda la línea de lo impolítico es
interior, porque la da por descontada, y no exterior, como la "política como destino" en el sentido de
Koselleck -, sino en el sentido de su sustracción a toda perspectiva de valorización ética (p. 38).
De fato, a prática política não é senão a degradação da ideia a ela pressuposta.
“La ética es lo irrepresentable de lo político, lo que él puede escuchar solamente a través de la «pared
de retumbante silencio" que cierra el universo” (p. 39).
Em Canetti, o impolítico é o silêncio que envolve ao poder, a colher de luz que brilha desde as malhas
noturnas da história do poder, do poder como história. Pois esta sanciona a subordinação do possível ao
poder. Com efeito, a tradução do possível em realidade (e em poder) é envolvida pelo impolítico, se opondo
ao Uno considerado coextensivo ao real no cerne de uma caracterização "teológica" do poder. No Uno se dá
a unificação tendencial da vida que se converte em morte. Por isso, na crítica e na esquiva ao Uno que define
a política do possível, o impolítico se une ao impossível que caracteriza a comunidade junto à sua estranheza
(ESPOSITO, 2003, 2005).
Esposito (2005, p. 39) define a essência do impolítico a partir de uma crítica da teologia política na
sua dupla acepção católico-romana (da representação) y hobbesiano-moderna (da relação representante-
representado). Neste segundo aspecto, o impolítico surge mais que como oposição ao político, como oposição
direta a toda forma de despolitização. Por isso, o impolítico coincide com certa dimensão do político. (Uma
vez que é a determinação impolítica do diferir que dá corpo aos sujeitos objetivados pelo poder e aos termos
irrevogáveis e irredutíveis que fundamentam de fato e de direito a política). Portanto, o impolítico é o político
observado desde seu limite exterior, é sua determinação e perfila seus termos, coincidentes com a realidade
íntegra das relações entre os homens.
Este é o cerne do realismo político, isto é, do pensamento não teológico sobre a política que surge
desde Maquiavel e é lido por Croce. “Si el hombre fuera bueno... pero desde el momento en que no lo es, no
quedan más que las categorías de lo político, circundadas por su no poder ser otra cosa que tales: es decir, por
lo otro que ellas no pueden ser”. E antes de Maquiavel, a relação entre direito (o todo do político) e justiça
(o nada político). A teologia política igualmente está no seio do que La Boétie considera o enigma da
escravidão voluntária, que reside na insolubilidade das relações de poder que determinam os sujeitos
individuais e, por distensão, seus interesses, deveres e direitos.
“No existe una real alternativa al poder, no hay sujeto de antipoder, por el básico motivo de que el
sujeto ya es constitutivamente poder. O, en otras palabras, que el poder es naturalmente inherente a la
dimensión del sujeto en el sentido de que es precisamente su verbo” (ESPOSITO, 2005, p. 40). O sujeito é o
verbo do poder, que este usa para atuar sobre e no mundo. Assim, de Kafka a Simene Weil, o único modo
de conter o poder é reduzir o sujeito. Não o sujeito singular, dado na concretude de sua vivência irredutível
e imensurável ou dissolvido pelo domínio da técnica (processo sem sujeito), mas o sujeito enquanto arauto da
subjetividade abstrata – como aparece enquanto condição do conhecimento desde a Crítica da razão pura
de Kant (2011).
Canetti e Broch definem as características do sujeito correlativamente aos da massa. Visto que “la
masa constituye la multiplicación y la intensificación de los impulsos apropiadores de individuos
condenados al consumo ilimitado” (p. 40).
Por outro lado, a autorredução ou auto-dissolução do sujeito não é uma despotencialização ou
debilitação, mas um desenvolvimento distinto e se dá de maneira solidária à esfera da paixão, do
padecimento e da paciência, para não usar passividade – o amor e arte que constituem o elemento
incalculável da política segundo Nancy (2008). Se pensarmos como Weil, que não há no mundo outra força
senão a força, esta outra maneira de pronunciar o impolítico escapa ao rechaço ou negação das categorias
políticas e passa ao cumprimento da política. Definição contraditória do impolítico para Weil.
Já Bataille traz o impolítico em sua autodissolução como identidade diferencial. Ele critica o limite
que identifica e separa em Weil e propõe em cambio o partage, como aquilo que põe em relação diferenciando
(a codivisão). A
“puesta en común" de la diferencia en la figura que restituye más que cualquier otra la ruptura de la
simetría entre político e impolítico, vida y muerte, inmanencia y trascendencia, ruptura característica
del texto íntegro de Bataille: la «comunidad" de lo imposible.
No por casualidad ella nace en directa "comunicación" con esa lectura de Nietzsche que constituye el
hilo alrededor del cual se determina y a la vez se invierte lo impolítico en Bataille, como sustracción
a todo "final". De parte de Bataille, y sobre la guía de Jaspers, ya en Nietzsche lo impolítico queda
desvinculado de la lógica simétrica de la oposición binaria y también es reconocido en su
copertenencia originaria a lo que parece definirlo en negativo. Pero esto no es todo: para que ello
sea posible, esa negación debe ser entendida como pura afirmación. (p. 42)
Rechaço da transcendência e da imanência absoluta do fundamento teológico.
A irrepresentável experiência extrema da comunidade é ausência de obra, mas também é dirigida à
morte, à finitude. Pois a comunidade é
constituida no por lo que une a los distintos sujetos, sino por lo que los diferencia respecto de los
otros, pero ante todo respecto de sí mismos, es decir de la muerte. Para Bataille, la comunidad es
indisociable de la muerte, ya no porque aparezca destinada a la superación de la muerte de sus miembros
singulares en la hipóstasis colectiva de un todo inmortal, como promete la utopía de la Gemeinschaft
orgánica, sino también el "reino de los fines" kantiano, justamente en cuanto dirigida a ella. La
comunidad es la presentación de su verdad mortal, de su finitud, a quienes la integran, aunque ellos
no puedan reconocerse en esta verdad, desde que, en la muerte del otro, pero también en la propia,
como se ve en la mirada "expropiada" de quien muere (justamente en la imposibilidad de vivir
conscientemente su propia muerte), no hay nada en qué reconocerse. Y además, porque la dialéctica
del "reconocimiento" pertenece a la esfera (comunicativa) de la intersubjetividad, y no a la existencia
"compartida", de la cual la comunidad es experiencia imposible. Y que esta experiencia es imposible
queda demostrado por su destino rigurosamente impolítico, sustraído a las ruinas grandiosas de los
antiguos comunismos y a las penosas miserias de los nuevos individualismos. Y la palabra política –
comunidad – prueba que esta impoliticidad es llevada a la pureza de una negación absoluta, y sigue
afirmándola soberanamente (p. 43).
Aquém da escrita, o hiato entre pressuposto e resultado corresponde à distância entre a determinação
impolítica da ausência de comunidade – entendida como falta, dívida impagável em relação com a lei que
a prescreve – e sua realização política efetiva. O pressuposto impolítico da comunidade, por sua vez
assentada sobre laços cálidos de fraternidade e coesão bate de frente com que de fato se realiza como uma
forma derivada de comunidade humana no que denominamos sociedade até o presente momento.
De fato, se a imanência operasse na comunidade segundo o rigor de seus próprios termos, suprimiria
a comunicação e a própria comunidade (assentada na capacidade comunicativa de seus membros). Porém, a
comunidade humana tem a imanência do homem ao homem como pré-requisito e fundamento
condicionante. Logo, uma imanência de tal magnitude absoluta tem como modelo a morte, como figura da
igualdade presente na identidade contínua dos átomos.
Deste modo, colocando a análise do tema da comunidade para além da expropriação da capacidade
produtiva e política dos indivíduos é que pensadores como Nancy (2001) e Agamben (1993, 2010) apontam
a expropriação comunitária da capacidade comunicativa, da liberdade implicada na comunicabilidade e no
próprio ato de fala. Neste âmbito é que o francês toma comunismo não como um conceito, mas como um
emblema desta dominação e servidão, desta captura e apreensão dos indivíduos numa gramática
comunitária.
Com isso, a comunidade humana, construída sobre o privilégio do homem acaba, no entanto,
submetendo-o e sujeitando-o em sua existência e naquilo que o reúne aos demais num extrato comum: sua
força produtiva, sua potência política – o Biós que Agamben (2010) distingue da Zoé, a vida nua, apreendida
pelo biopoder – e em sua capacidade comunicativa.
Ao passo que a comunidade expropria a capacidade comunicativa, a linguagem mais que um meio de
comunicação,
[[[hhh
“fazer com que imagem e corpo se penetrem mutuamente num espaço em que não possam mais ser
separados e obter assim, forjado nele, o corpo qualquer, cuja physis é a semelhança - tal é o bem que
a humanidade deve saber arrancar à mercadoria no declínio. A publicidade e a pornografia, que a
acompanham ao túmulo como carpideiras, são as inconscientes parteiras deste novo corpo da
humanidade”.
Em sua análise do capitalismo sob a ótica da Sociedade do espetáculo, Guy Débord (1997) retoma o
caráter de fetiche da mercadoria para ponderar que – tal qual ilustrado no comercial dos Collants Dim – ela
se constitui como feixe de acumulação de espetáculos, onde o experiencial é subordinado ao primado do que
é representado. O espetáculo para Débord (1997) é o modelo de relação interpessoal intrínseca ao
capitalismo tardio no qual as representações individuais interagem via mediação de imagens (capitalizadas
num sistema de valor e hierarquia). O capital atinge tal grau de acumulação que esta só pode se encarnar
imaterialmente na forma de imagem.
O argumento de Débord (1997) é essencial para elaborar a questão dos Collants dim, o espetáculo
encarna a pura da separação entre o sujeito reduzido a sua representatividade dentro do jogo de imagens
e sua potência política. Num contexto em que o mundo é convertido em imagens e as imagens em realidade,
uma tal conversão da vida política e social – tratado por outros pensadores como Lasch (1983) a nível do
ocaso da esfera pública da sociedade – não tem outro resultado que a cisão dos sujeitos de sua potência prática
e política.
Desvencilhando os sujeitos de sua potência política, a vida social é subordinada a economia mercantil
onde a forma desta e do Estado se interpenetram e se desenvolvem inseparavelmente. A percepção coletiva e
a comunicação social são reduzidas à ordem do espetáculo, uma ordem de relação entre representações de
pessoas no âmbito da imagem na qual o valor do bom é acoplado a seu aparecimento na superfície
espetacularizada dos meios de comunicação em massa.
Em sua releitura, Agamben (1993) desloca a noção de espetáculo para o âmbito da linguagem e da
comunicabilidade que caracterizam o homem. A sociedade do espetáculo expropria hoje não apenas da força
de atividade produtiva mas também o próprio poder de comunicação da linguagem, o comum que atravessa
a humanidade.
Entretanto, a autonomização da linguagem na sociedade tem um viés positivo que gostaríamos de
enaltecer e atua contra a lógica do espetáculo. O comum da linguagem que une os homens os separam na
sociedade do espetáculo, quem pode se usar da linguagem? Todo indivíduo, não só os mediacratas. No
vocabulário marxista de Débord (1997), ao mesmo tempo em que são alienados de sua natureza linguística,
os homens podem experimentar a essência mesma da própria linguagem e do fato de falar. Baseado nisso,
Agamben (1993, p. 65) sentencia que “a política contemporânea é este devastador experimentum linguae,
que em todo o planeta desarticula e esvazia tradições e crenças, ideologias e religiões, identidades e
comunidades”.
Valendo-se, pois, desta análise, Agamben (1993) busca pistas e as bases de uma nova política do
corpo na apropriação das transformações que a natureza humana sofre no decorrer da história e que são
diminuídas pelo capitalismo à ordem do espetáculo, daquilo que se apresenta como espetacularizável. Trata-
se de um elogio do artifício assentado no artifício da imagem do corpo.
Pois o corpo qualquer – cuja phýsis é a semelhança – surge como resíduo do processo de separação
do homem de sua potência política. A materialidade do corpo da nova política provém da imaterialidade
decalcada da lógica mercantilista – corpo que habita territórios de passagem e incerteza, de todo modo
indiferentes aos processos de inclusão e exclusão essenciais à comunidade de pertencimento.
O desenvolvimento dos estudos de Agamben (2010) o levam a considerar que diminuído da Bios, isto
é, de sua potência política, a existência humana é reduzida e objetivada nas grades do biopoder como Zoe –
daí o termo e o argumento do Homo Sacer. O corpo é investido pelo biopoder justamente na medida em
que ele é fonte de resistência e, consequentemente, a própria política por vir habita já o corpo da vida nua
enquanto em A comunidade que vem, a aposta política está na linguagem.
Pois a conversão do universo humano na imagem promove não somente a perda de contato com a
capacidade produtiva e política, mas igualmente de nossa natureza linguística. Somos seres de linguagem
e a operação de uma política que vem deve recuperar esta dimensão que faz dela não um projeto definido
ligado a conteúdos específicos, mas uma pura potência, que pertence a si mesma. Esta política de
engendramento de potência política difusa e variada é mediada [averiguar acima] pela própria linguagem, o
comum que nos atravessa e conduz à singularidade, ao pertencimento enquanto tal. A linguagem porém,
mais que um meio de comunicação, condiciona toda possibilidade de comunicação. Neste sentido, a
singularidade enquanto potência se volta não para um conteúdo linguístico determinado ou outro, mas para
a própria linguagem, para o fato de que se fala. Destarte, o que caracteriza o comum da linguagem não é
aquilo que ela pode ou de fato revela ou esconde, mas a própria possibilidade da revelação. Assim,
pesquisador, o escritor, o artista em seu isolamento, em sua solidão essencial encontra o ser-em-comum não
na assimilação identitária a outros homens mas na própria natureza da linguagem.
Inoperância:
O homem não pôde desenhar-se como uma configuração na epistémê, sem que o pensamento
simultaneamente descobrisse, ao mesmo tempo em si e fora de si, nas suas margens mas igualmente
entrecruzados com sua própria trama, uma parte de noite, uma espessura aparentemente inerte em que
ele está imbricado, um impensado que ele contém de ponta a ponta, mas em que do mesmo modo se
acha preso (FOUCAULT, 2000, p. 450).
Comunidade Cidade como espaço administrativo
O vínculo entre finitude e comunidade se instaura perante a subscrição do contrato social que tem como base
a divisão das tarefas com fins de manutenção e reprodução sociais. Deste vínculo é que derivam as dicotomias
entre civilização e estado natural indomado, razão e desrazão, sanidade e doença, segurança e barbárie. No
bojo deste sistema de binarismos que rege a comunidade, a loucura encarna fundamentalmente o outro
desregrado. Pois nele, “a finitude comparece, quer dizer, está exposta: tal é a essência da comunidade”
(NANCY, 2001, p. 58)
STP, Foucault (2008a, p. 17) coloca que entre os séculos XVIII e XIX a cidade se define
“por uma especificidade juridica e administrativa que a isolava ou a marcava de urna maneira
bastante singular em relação as outras extensões e espaços do território. Em segundo lugar, a cidade se
caracterizava por um encerramento dentro de um espaço murado e denso, no qual a função militar
nem de longe era a única. E, por fim, ela se caracterizava por urna heterogeneidade econômica e social
muito acentuada em relação ao campo”.
Entre o encerramento espacial e em sua forma jurídica e administrativa e as diferenças sociais, uma
série de problemas aos quais era necessário ressituar a cidade numa ordem de circulação.
estatística descobre e mostra pouco a pouco que a população tem suas regularidades próprias: seu
número de mortos, seu número de doentes, suas regularidades de acidentes. A estatística mostra
igualmente que a população comporta efeitos próprios da sua agregação e que esses fenômenos são
irredutíveis aos da família: serão as grandes epidemias, as expansões epidêmicas, a espiral do trabalho
e da riqueza. A estatística mostra [também] que, por seus deslocamentos, por seus modos de agir, por
sua atividade, a população tem efeitos econômicos específicos. A estatística ao possibilitar a
quantificação dos fenômenos próprios da população, faz aparecer em sua especificidade irredutível
[ao] pequeno âmbito da família. Salvo certo número de temas residuais, que podem perfeitamente temas
morais e religiosos, a família como modelo do governo vai desaparecer.
Em compensação, o que vai aparecer nesse momento é a família como elemento no interior da
população e como apoio fundamental para governar esta. Em outras palavras, até o surgimento da
problemática da população, a arte de governar não podia ser pensada senão a partir do modelo família,
a partir da economia entendida como gestão da família. (FOUCAULT, 2008a, p.138)
Assim, a família aparece como elemento de fundo, necessário porém não o mais determinante para a
política e a política econômica. A família não é mais o modelo da arte de governar, mas um elemento
privilegiado à medida em que se busca nela as ordens de degeneração, hereditariedade, e toda uma série
ampla de dados demográficos que vão do número de filhos, ao consumo e ao comportamento sexual dos
indivíduos.
A família é instrumentalizada pela estatística, pela medicina (2006, 2008, 2008a) em relação à
população.
A população é a meta final do governo, que almeja, por sua vez, “mas melhorar a sorte das populações,
aumentar suas riquezas, sua duração de vida, sua saúde” (FOUCAULT, 2008a, p. 140).
VER: necessidade
Comunidade e ser-com: Dimensão intervalar; subjetividade finita e alteritária, Política do impossível; Esposito,
imunidade, indivíduo, violência e direito
O que tem a ver a questão eminentemente sociológica da distinção entre sociedade e comunidade para a
criação literária?
A ideia de amizade que dá lugar à lógica do dom; e da comunidade de autores e leitores que dá a pensar a
noção de desapropriação (é o que toma privilegiadamente CRAGNOLI, 2009).
Tais figuras aparentemente anticomunitárias ressaltam os laços de não-pertença e de não-aproximação para
pautar uma hospitalidade na qual a comunidade se entretece não nas dependências de moldes de relação
com o outro. Assim, a comunidade se desvencilha de toda exigência de ética normativa e de toda política do
possível em prol de um modo ontológico do ser-com, que supõe a justiça como hospitalidade incondicional
e uma política do impossível. Nestes linhas é que se pensa não os modos de estabelecimento do laço social,
mas do desenlace. [[dessubjetivação, exp foucault...
Sociedade: artificialidade e direito
Comunidade: naturalidade e organicidade. Assentada no comum como aquilo que é próprio da identidade
e da mesmidade que fundam uma cultura do mesmo e a possibilidade de permanência e de pertença para além
dos laços legais e sociais do direito. E se instala em formas mais cálidas de proximidade e de relações
voluntárias. Por isso, a comunidade tem sempre em vista o problema da violência, supostamente regulada
pelo direito da sociedade.
Várias formas de comunidade (étnicas, de coabitação, ou de terminologia) aparecem como o retorno
do recalcado no seio das sociedades. Como se o que antecedesse o contrato social fosse a violência ao nível
da comunidade tribal. Como se o social fosse o oposto da violência dada no deslocamento da figura do
soberano. Por isso, a cada vez que o tema da comunidade (re)aparece, traz consigo os emblemáticos e
paradigmáticos problemas do temor à violência, da interrupção do diálogo e da supressão do Estado de
direito.
Comunidade do trabalho organizado, regida pela lei X comunidade ideal, sustentada pelos laços fusionais
da amizade e do amor.
(Vattimo está pensando sobre todo en el modelo identificatorio de comunidad de Schleiermacher) A
comunidade não serve de modelo para a noção de compreensão – a qual depreende a construção de um logos
como tecido conectivo do social frente e que liga as linguagens particularizadas (comunitárias).
A sociologia pensa a comunidade em termos ou signos de identidade e pertença: como um comum que se
partilha em comunidade e que lhe constitui aquilo que lhe é próprio, isto é aquilo sobre o que se defina e se
fundamenta a comunidade.
A pertença de um indivíduo à comunidade se define sobre ou a partir da posse de certos modos ou atributos
de pertença, estes modos ou atributos são a causa da propriedade da comunidade. Além disso, a comunidade
mantém certos aspectos míticos da palavra fundadora como o mando do mestre, em contraposição à
horizontalidade que caracteriza as relações sociais organizadas sobre uma linguagem necessariamente
consensual que – pelo menos em tese – impede ou regula – os excessos autoritários. Por isso a sociedade é a
comunidade da comunicação, assentada neste caráter recíproco e consensual de igualdade e reconhecimento.
[[cf. Cragnoli: “Etica discursiva, democracia y conflictividad”, en Revista de Filosofía, Universidad
Iberoamericana, México, Año XXIX, Número 86, mayo-agosto 1996, pp. 171-196,
A consideração do homem como indivíduo no seio da sociedade implica a compreensão do indivíduo
como interioridade a si mesmo desde a qual ele entra em relação com os outros a partir de certa exterioridade.
O social liga e vincula os indivíduos sobre a lógica do acordo, do consenso que define o espaço público. O
consenso e a comunicação estão na base da política do possível, desde onde se articula fundamentalmente o
indivíduo no âmbito do direito.
Pelo menos em tese, a legalidade do social aplaca a dor da violência e da morte que, entretanto,
ressurgem quando reaparece o tema da comunidade.
que Nancy concibe la comunidad, como estar singlar plural, como inoperancia que se resiste a ser
obra, no radica sólo en un asunto de lenguaje literario sino de la existencia como el murmullo
silencioso de las cosas mismas, mientras que el estatuto poético desde el que Blanchot comprende esta
noción de inoperancia, como aquella suspensión que no es separable de la obra, como el movimiento
inconfesable que se da en y como una obra literaria, a la vez supone, pues, cierto obramiento.
A subjetividade não apenas é finita, ela se torna atravessada pela alteridade antes mesmo de ser
constitutiva de si, de uma identidade, ou de uma subjetividade individual. A morte evidencia o nada, o vazio
que é constitutivo do homem, sinaliza a elementar ausência de fundamento, o abismo sobre o qual repousa
e se funda o homem. [[conferir, La comunidade inconfesable]
O leitor e o amigo manifestam a finitude e a morte à medida em que evidenciam a despossessão de si em dois
aspectos. Primeiro, em torno de um querer saber da obra; segundo, ao querer ter o outro no amor-amizade, da
amância derridiana.
Esposito (Communitas 2003, p. 29) afirma que o que une os elementos de uma comunidade não é um
propriedade comum, mas uma dívida ou um dever. A associação entre cum e munus implica duas coisas: dom
e dívida. Portanto, a comunidade não é definida por um mais mas por um menos, uma falta – como na tese
rousseauniana que encontram a origem e a razão dos vínculos comunitários na precariedade humana. Assim,
communitas se opõe a immunitas para Esposito (2003)
Para entender a ausência da propriedade – isto é, a ausência do que é propriamente comum e une os
elementos da comunidade – há de se ter em vista que o dever que une os membros de uma comunidade lhes
expropria a subjetividade (sua mais elementar propriedade) de modo que eles não são considerados donos
de si. Assim, para Esposito (2003) o comum não é o próprio, mas o improprio, o outro.
[[[[art [[[hoj
Política do possível, rege as possibilidades <> normas
Esposito, la operatoria de la lógica inmunitaria de Hobbes consiste en completar ese vacío del munus
con otro vacío más radical: se vacía el cum peligroso eliminándolo, y estableciendo como única
relación social la del intercambio vertical de la obediencia (que permite la protección del
individuo). Se constituye así una pirámide del sacrificio (Berger) en la que los sacrificados son los
mismos hombres y por su propia supervivencia: “Viven en y de la renuncia a convivir (...) La vida es
sacrificada a su conservación. En esta coincidencia de conservación y sacrificabilidad de la vida, la
inmunización moderna alcanza el ápice de su propia potencia destructiva” (ESPOSITO, 2003, p. 43)
Mesmo solapada deste esquema da sociedade moderna, a comunidade é culpa frente a sua ausência. No vácuo
desta ausência, se formam uma variedade de modalidades de reativação comunitária, muitas delas de
caráter mítico. Estas comunidades acabam assumindo os modos de união pela fusão e confusão das
identidades, pela interiorização da exterioridade que as constitui, por esta duplicação representativa de sua
presença, nos termos de Esposito (2003).
Daí se seguem todas as tentativas de completar a enfrentar o vazio do munus de modo a completa-lo
com alguma substância subjetiva, como a etnia, laços de terra. Estas comunidades se erguem no intuito de
se contrapor ao artifício do social, mas acabam por se tronarem comunidades fechadas e isoladas do
exterior. O cum sinaliza tão somente o lugar vazio de exposição e não uma base para realização ou
reencontro com a essência originária perdida do humano.
A comunidade dos autores e leitores tem como base o conceito de desobra em Blanchot (2002 ??), e a
contrapartida da comunidade desobrada em Nancy (2001). Para Nancy (2001, p. 22), a comunidade gira em
torno da noção de singularidade, não como traço de identidade identificável, mas no plano do clinamen
inidentificável. Obviamente, esta definição bate de frente com a metáfora da comunidade ou do ser-em-
comum como conjunto de átomos conectados entre si.
A comunidade se torna o clinamen que declina o indivíduo fora de si, nas bordas do ser-em-comum.
Para Nancy (2001, p. 29) a comunidade é o que nos sucede, e não o que antecede a sociedade. Neste sentido
é que a comunidade se torna desobrada. A comunidade não é um projeto fusional ou produtor, pois a
metafísica que a pensa não é a do indivíduo, mas a do ser-em-comum, da exposição e do climanen. Por isso
Bataille pensa a comunidade não como o que há de ser realizado, obrado, mas como um espaçamento da
experiência do fora – que nos leva, que é capaz de ultrapassar a experiência do homem.
Entre eu e tu, o entre emerge, a dimensão intervalar aparece e faz emergir cada um deles, eu e tu,
expostos e não justapostos. Por isso a comunidade é desobrada, não se liga a um produto, ou sequer a uma
produção, mas à fragmentação e à interrupção. Por isso, a comunidade de leitores e autores é uma
comunidade de amigos no sentido nietzschiano. Amigos que não necessitam se aproximar, uma vez que o que
os une, também os separa. Este é o ser-em-comum do entre, do intervalar que expressa o fracasso de toda
união reparadora – esta é a inconfessável desobra, a comunidade dos sem comunidade. Este modelo de
amizade subverte o modelo clássico fraternalista e androcentrado da amizade (cf.Derrida – políticas da
amizade). A comunidade desobrada manifesta a questão do outro como estranheza na insuperável distância
entre eles. Diferença como diferença.
Como diz Lazzarato, a vida deixa de ser reduzida, assim, a sua definição biológica para tornar-se cada vez
mais uma virtualidade molecular na multidão, energia a-orgânica , corpo-sem-órgãos. P.25
Talvez o desafio atual seja intensificar esses estalos e rachaduras a partir da biopotência da multidão. Afinal
o poder, como diz Negri, inspirado em Espinosa, é superstição, organização do medo: “Ao lado do poder,
há sempre a potência. Ao lado da dominação, há sempre a insubordinação. E trata-se de cavar, de continuar
a cavar, a partir do ponto mais baixo: este ponto... é simplesmente lá onde as pessoas sofrem, ali onde elas
são as mais pobres e as mais exploradas; ali onde as linguagens e os sentidos estão mais separados de
qualquer poder de ação e onde, no entanto, ele existe; pois tudo isso é a vida e não a morte.” Negri, 2001
Exílio
Ora, a cada corpo assim definido corresponde um poder de afetar e ser afetado, de modo que podemos
definir um indivíduo, seja ele animal ou homem, pelos afectos de que é capaz, não sabemos ainda o que
pode um corpo ou uma alma, é uma questão de experimentação, mas também de prudência. É essa a
interpretação etológica de Deleuze: a Ética seria um estudo das composições, da composição entre relações,
da composição entre poderes. A questão é saber se as relações podem compor-se para formar uma nova
relação mais “estendida”, ou se os poderes podem se compor de modo a constituir um poder mais intenso,
uma potência mais “intensa”.
de que maneira se dá a passagem do comum à comunidade, à luz dessa teoria das composições e da dupla
ótica que ela implica? E em que medida essa comunidade responde a um só tempo ao comum e às
singularidades que o infletem? p. 31
Quem diz sociedade já diz perda ou degradação de uma intimidade comunitária, de tal maneira que a
comunidade é aquilo que a sociedade destruiu. É assim que teria nascido o solitário aquele que no interior
da sociedade desejaria ser cidadão de uma comunidade livre e soberana, precisamente aquela
comunidade que a sociedade arruinou. p. 31
Chegamos assim a uma idéia curiosa. Se a comunidade é o contrário da sociedade, não é porque seria
o espaço de uma intimidade que a sociedade destruiu, mas quase o contrário, porque ela é uma distância que
a sociedade, no seu movimento de totalização, não para de tapar e de esconjurar.
Coletivo
“a visão da totalidade parte do indivíduo real particular, porque a coletividade contra cuja separação de si”
porque parte do ponto de vista do indivíduo real particular, porque a coletividade, contra cuja separação de si
reage o indivíduo, é a verdadeira coletividade do homem, o ser humano (Marx, 1959, Manuscritos, p. 75).
O verdadeiro coloteivo vem do comum da espécie.
Conceito
Os conceitos só podem ser avaliados em função dos problemas aos quais ele responde e ao plano o qual
ocorrem. Ele tem a verdade que advém das suas condições de criação.
Por isso, é preciso fazer os planos e colocar os problemas para criar os conceitos em relação a nossos
problemas, devires e história.
“Se um conceito e ‘melhor’ que o precedente, e porque ele faz ouvir novas variações e ressonâncias
desconhecidas, opera recortes insólitos, suscita um Acontecimento que nos sobrevoa” (DELEZUE &
GUATTARI, 2008, p. 36).
E a crítica a um conceito refere-se sempre ao caráter transitório deste, denuncia seu esvanecimento naquela
forma criticada, a qual se transforma perdendo ou ganhando componentes.
As relações no conceito não são nem de compreensão nem de extensão, mas somente de ordenação, e
os componentes do conceito não são nem constantes nem variáveis, mas puras e simples variações
ordenadas segundo sua vizinhança. Elas são processuais, modulares. (...) algo de indiscernível, que
é menos uma sinestesia que uma sineidesia. Um conceito e uma heterogênese, isto e, uma ordenação
de seus componentes por zonas de vizinhança. É ordinal, é uma intensão presente em todos os traços
que o compõem. Não cessando de percorrê-los segundo uma ordem sem distância, o conceito está em
estado de sobrevoo com relação a seus componentes. Ele é imediatamente copresente sem nenhuma
distância de todos os seus componentes ou variações, passa e repassa por eles: é um ritornelo, um opus
com sua cifra.
O conceito e um incorporal, embora se encarne ou se efetue nos corpos (DELEUZE & GUATTARI,
2008, p. 28-9).
Se nas relações de contiguidade que se estabelecem num mesmo plano de consistência com os demais
conceitos se desenham zonas de vizinhança e limite, no cerne do conceito há apenas ordenamento de modos
intensivos. Em sua constituição interna operam variabilidades colocadas em associação horizontal, vertical
e transversal de maneira processual e jamais demasiadamente discernível.
O que significa afirmar que a definição do conceito não atende uma definição determinística mas
processual e modal? Ora, para averiguar esta distinção basta tomarmos como exemplo a água, definida menos
por sua fórmula, que pela cor, pelo modo como ela se apresenta – como ela corre ou permanece, rio, mar,
lago, cachoeira, torneira ou enxurrada – e se associa – fria, quente, suja ou enlameada –; ou ainda o exemplo
que dão Deleuze e Guattari (2008) do pássaro com seus cantos, cores e posturas que fazem da espécie
científica mero detalhe quase desimportante.
Os autores tomam como estratégia de composição a sineidesia (synéidésie no original), palavra
derivada do grego análoga à sinestesia, forjada com eidos (forma, essência) em vez de aisthesis (percepção,
sensação). Trata-se de um modo de priorização da forma, uma ressonância de formas em detrimento de uma
associação sensorial-perceptiva. Esta ressonância entre diferentes formas é própria à formação constitutiva do
conceito na heterogeneidade de seus componentes.
A constituição do conceito parte de um ordenamento que visa os movimentos internos e externos do
conceito (relações e limites entre seus componentes e com outros conceitos no plano), e não uma
hierarquização congelada e congelante calcada na distância preestabelecida ou no distanciamento premeditado
e preordenado. O conceito constitui esta espécie de sobrevoo sobre seus componentes, no qual ele se encontra
ao mesmo tempo presente e em passagem sobre seus componentes. Tal característica de simultânea
retomada, presença e passagem da multiplicidade de componentes justifica o pareamento que Deleuze e
Guattari (2008) fazem do conceito com o ritornelo.
Por isso também, o conceito é um incorporal que não se confunde com o estado de coisas ou com a
localização espaço-temporal no qual encontra efetuação (individual), mas determina uma efetuação nos
corpos a partir de ordenadas intensivas. Ele faz passar intensidades e não energia, que é a forma e
consumação anulatória da intensidade na extensão. O conceito refere-se ao acontecimento, é um sobrevoo
sobre seus componentes – como um pássaro que se diz em seu canto e em suas cores agudos e contínuos
sopros com mais ou menos volume, um verdejar e um vermelhar – e não um discurso sobre a essência, sobre
o que é. É um acontecimento puro e uma hecceidade, pois
Sob um primeiro aspecto, toda enunciação é enunciação de posição; mas ela permanece exterior à
proposição, porque tem por objeto um estado de coisas como referente, e por condições as referências
que constituem valores de verdade (mesmo se estas condições em si mesmas são interiores ao objeto).
Ao contrário, a enunciação de posição é estritamente imanente ao conceito, já que este não tem outro
objeto senão a inseparabilidade dos componentes pelos quais ele próprio passa e repassa, e que
constitui sua consistência. Quanto ao outro aspecto, enunciação de criação ou de assinatura, e certo
que as proposições científicas e seus correlatos não são menos assinadas ou criadas que os conceitos
filosóficos (DELEUZE & GUATTARI, 2008, p. 32).
Porém, os nomes próprios não são mais que máscaras para outros devires que borbulham já no cerne
de cada conceito, ocultam quase que ludicamente a efervescência de singularidades e outras derivas no próprio
enunciado do conceito ou da proposição. Funcionam como observadores parciais extrínsecos para as
proposições, definidos cientificamente em concordância com as referências escolhidas, ou como personagens
conceituais intrínsecos que impregnam a um plano de consistência. O conceito não se refere ao vivido, ao
estado de coisas e seus condicionantes, mas em erigir um acontecimento que acaba por sobrevoar o vivido.
A vida humana só pode ser tomada por uma razão geométrica (BACHELARD, 2005), como problema
de razão de cálculo quando se toma o campo incontornavelmente problemático da vida e do sentido como
derivado da proposição. Já Deleuze (2000) propõe e provoca um deslocamento do sentido de verdadeiro e
falso da esfera da proposição para o campo do problemático.
Um músico do nosso tempo - chamado Olivier Messiaen - vai fazer uma distinção entre quatro tipos
de canto de pássaros. Diz ele que, na primavera, os pássaros, praticamente todos eles, fazem o canto
do amor - que é um canto de sedução, geralmente feito pelos machos. Esse canto de amor -
evidentemente - tem uma função específica: serve à espécie - porque o amor permite a reprodução; e
serve aos prazeres do indivíduo. Seria esse canto - que eu chamei de canto de amor - que ocorre em
todas as primaveras.
O outro tipo de canto, diz ele, que é entendido por todo e qualquer pássaro - é o grito de alarme. Os
pássaros - através do gorjeio - fazem o canto de amor e o grito do alarme: dois cantos que estão a serviço
do que eu passarei a chamar, nesta aula, de corpo orgânico. Ambos os cantos estão a serviço do
organismo - das funções dos órgãos; no sentido de que um canto - o canto de amor - tem como único
objetivo prestar um enorme serviço à espécie; ou seja - à evolução da espécie; e assim por diante.
Mas, de outro lado, Messiaen vai falar num terceiro canto (por enquanto, eu vou deixar o [quarto] entre
aspas). Esse terceiro canto, de que Messiaen nos fala, é o canto que alguns pássaros fazem para o pôr
do sol - ou [melhor]: para o crepúsculo e para a aurora. Esse canto não tem nenhum objetivo orgânico
e não presta nenhum serviço à espécie ou ao indivíduo: é o canto gratuito - que o pássaro produz, não
importa os perigos que ele corra. Segundo Olivier Messiaen, [o canto gratuito] é de uma extraordinária
beleza! E quanto mais forte for o crepúsculo; quanto mais se espalhar a cor violeta; e quanto mais bonita
for a aurora - mais esplendorosos os temas e motivos que o pássaro canta.
(De uma aula do saudoso Claudio Ulpiano!)
Corpo em Pankow
Criar um corpo, ver Polack
Relacionar com Foucault (2006) Ao corpo ausente do louco não lhe corresponde um processo terapêutico de
restituição do corpo que falta, mas um processo terapêutico moralizador que guarda enormes semelhanças
com os ritos de purificação religiosos
pré-modernos.
Criação
“Nela, o escritor necessita não ter o controle da língua, ser um estrangeiro em sua própria língua, a
fim de puxar a fala para si e “pôr no mundo algo incompreensível” (idem, MP5, p 40).
“Quem sonda o verso escapa ao ser como certeza, reencontra os deuses ausentes, vive na intimidade dessa
ausência, torna-se responsável dela, assume-lhe o risco e sustenta-lhe o favor” (BLANCHOT, 2011b, p. 31)
“A vida mesma, sua eterna fecundidade e retorno, condiciona o tormento, a destruição, a vontade de
aniquilamento” (NIETZSCHE, 1999, p. 446).
“E sabeis sequer o que é para mim o "mundo"? Devo mostrá-lo avós em meu espelho? Este mundo:
uma monstruosidade de força, sem início, sem fim; uma firme, brônzea grandeza de força, que não
se torna maior, nem menor, que não se consome, mas apenas se transmuda, inalteravelmente grande
em seu todo; uma economia sem despesas e perdas, mas também sem acréscimo, ou rendimentos,
cercada de ‘nada’ como de seu limite, nada de evanescente, de desperdiçado; nada de infinitamente
extenso, mas como força determinada posta em um determinado espaço, e não em um espaço que
em alguma parte estivesse ‘vazio’, mas antes como força por toda parte; como jogo de forças e ondas
de força, ao mesmo tempo um e múltiplo, aqui acumulando-se e ao mesmo tempo ali minguando;
um mar de forças tempestuando e ondulando em si próprias, eternamente mudando, eternamente
recorrentes; com descomunais anos de retorno, com uma vazante e enchente de suas configurações,
partindo das mais simples às mais múltiplas, do mais quieto, mais rígido, mais frio, ao mais ardente,
mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo; e depois outra vez voltando da plenitude ao simples,
do jogo de contradições de volta ao prazer da consonância, afirmando ainda a si próprio, nessa
igualdade de suas trilhas e anos; abençoando a si próprio como aquilo que eternamente tem de retornar,
como um vir-a-ser que não conhece nenhuma saciedade, nenhum fastio, nenhum cansaço -: esse
meu mundo dionisíaco do eternamente-criar-a-si-próprio, do eternamente-destruir-a-si-próprio,
esse mundo secreto da dupla volúpia, esse meu "para além de bem e mal", sem alvo, se na felicidade
do círculo não está um alvo, sem vontade, se um anel não tem boa vontade consigo mesmo -, quereis um
nome para esse mundo? Uma solução para todos os seus enigmas? Uma luz também para vós, vós, os
mais escondidos, os mais fortes, os mais intrépidos, os mais da meia-noite? - Esse mundo é a vontade
de potência - e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência - e nada
além disso!
O reino das singularidades é o reino dionisíaco da vontade de potência.
O fora é também um indício e uma pista para se pesquisar a imanência, como forma de ligação e
comunicação que não passa pela unidade. O fora seria um extrato comunicacional mais apto à concepção
imanente
O plano de imanência é ao mesmo tempo o que deve ser pensado e o que não pode ser pensado. Ele
seria o não-pensado no pensamento. É a base de todos os planos, imanente a cada plano pensável
que não chega a pensa-lo. E o mais íntimo no pensamento, e todavia o fora absoluto. Um fora mais
longínquo que todo mundo exterior, porque ele e um dentro mais profundo que todo mundo interior: e
a imanencia, "a intimidade como Fora, o exterior tornado intrusao que sufoca e a inversao de um e de
outro" (DG, 2008, p. 73)
Força:
“A medida da força é determinada, não é nada de ‘infinito’” (NIETZSCHE, 1999, p. 439)
pensamento que só poderia ser ilusionista e ilusório, [em relação à criação, a não razão expressa] a
busca sistemática do irrisório, o gosto pelo preciosismo mascarando o vazio de essências com a
aparência de pseudo-essencialidade, a fascinação pelas tetéias e por tudo que é tido como objeto
frívolo, o refúgio na descrição precisa e minuciosa, indiferente ao eventual sentido do que descreve
(ROSSET, 1988a, p. 105).
Mesmo Freud [onde??] salienta que os artistas expressam aquilo que os cientistas tentam expressar, pois eles
estão sujeitos à afecção pelas forças do mundo, devem estar abertos ao encontro com o pathos
insubordinado das coisas para a criação artística. C3
A arte não tem nada de humano (DELEUZE, ABC; DELEUZE & GUATTARI, QF?). O animal já
recorta um território e faz dele sua casa, seu habitat. Com seu canto ou sua urina, com suas pegadas ou com
o eriçar dos pelos eles não apenas demarcam uma relação com o mundo como transformam funções orgânicas.
O manejo com o inorgânico das forças posto em jogo com a arte tem poderes de reverberação sobre o humano,
de modulação de sentido para a experiência humana em geral, seja de saúde, de enlouquecimento e mesmo e
sobretudo aquela de produção de saúde que nos vem ao caso. Isto porque “o território implica na emergência
de qualidades sensíveis puras, sensibilia que deixam de ser unicamente funcionais e se tornam traços de
expressão, tornando possível uma transformação das funções” (DELEUZE & GUATTARI, QF?, p. 217).
Pois o plano da vitalidade diz menos a idiossincrasia das funções orgânicas ou (adaptativa,
simbolicamente, adequadamente) psíquicas
Perante isto, pretendemos com a aproximação da produção artística com a intervenção clínica, o
entendimento de uma clínica do acontecimento, assentada no real em sua inevitável singularidade. Pois
assentados em Rosset (1989a), compreendemos que o real basta e a ele nada falta, mesmo e sobretudo sob o
princípio de incerteza que o governa desde suas mais recônditas entranhas.
Blanchot (2011b) em EL
“Esse ponto, donde as vemos irredutíveis, coloca-nos no infinito, é o ponto onde o infinito coincide
com lugar nenhum. Escrever é encontrar esse ponto. Ninguém escreve se não produzir a linguagem
apropriada para manter ou suscitar o contato com esse ponto."
"O poeta é aquele que ouve uma linguagem sem entendimento."
"É verdade que muitos criadores parecem mais fracos do que os outros homens, menos capazes de viver
e, por conseguinte, mais suscetíveis de se espantar coa vida."
"Kafka, talvez sem o saber, sentiu que escrever é entregar-se ao incessante (...)"
"As lembranças são necessárias, mas para serem esquecidas, para que nesse esquecimento, no silêncio
de uma profunda metamorfose, nasça finalmente uma palavra, a primeira palavra de um verso.
Experiência significa, neste ponto: contato com o ser, renovação do eu nesse contato - uma prova, mas
que permanece indeterminada."
"(...) A escrita automática tendia a suprimir as limitações, a suspender os intermediários, a rejeitar toda
mediação, punha em contato a mão que escreve com algo de original (...)"
"A música pintura, são mundos em que penetra aquele que possui a chave para eles. Essa chave seria o
'dom', esse dom seria o encantamento e a compreensão de um certo gosto."
"Pois esse movimento é também encorajado pela própria natureza da obra de arte, provém dessa
profunda distância da obra em relação a si mesma, pela qual esta escapa sempre ao que é, parece
definitivamente feita e, no entanto, inacabada, parece, na inquietação que a furta a toda a apreensão,
tornar-se cúmplice das infinitas variações do devir."
"O poema denomina o sagrado, é o sagrado que os homens escutam, não o poema. Mas o poema
denomina o sagrado como o inominável, o que diz em si o indizível, e é, envolto, dissimulado no véu
do canto (...)"
"O errante não tem sua pátria na verdade mas no exílio, mantém-se de fora, aquém, à margem, onde
reina a profundidade da dissimulação, essa obscuridade elementar que não o deixa conviver com
ninguém e, por causa disso, é o assustador."
"O poema é a ausência de resposta. O poeta é aquele que, pelo seu sacrifício, mantém em sua obra a
questão aberta."
"Holderlin tinha formulado assim o dever da palavra poética, essa palavra que não pertence nem ao dia
nem à noite, mas sempre se pronuncia entre a noite e o dia, e de uma só vez diz o verdadeiro e o deixa
inexpresso”
Nordhold: o mundo não desaparece na escritura, mas se torna o outro de todos os mundos, que é o fora, assim
como é o deserto, o espaço do exilio, a errância,
"O importante lugar assumido no final do século XVIII e no século XIX pela formação dos domínios
de saber concernentes à sexualidade do ponto de vista biológico, médico, psicopatológico,
sociológico, etnológico, o papel determinante desempenhado também pelos sistemas normativos
impostos ao comportamento sexual, por intermédio da educação, da medicina, da justiça, tornavam
difícil depreender, naquilo que têm de particular, a forma e os efeitos da relação consigo na constituição
desta experiência (...). Para melhor analisar as formas da relação consigo em si mesmas, fui levado a
retroceder no tempo cada vez mais longe do quadro cronológico que eu me fixara” (1984/2014)
DE, IV, 340: "Préface à l'Histoire de la sexualité" (1984), p. 583;
VER: Prefácio à História da Sexualidade (1984/2014) DE IX
Como trabalhamos em outro momento (PRADO, 2013), a ausência de obra não é a negativização do que
afirma a obra, nem sequer é a negação da obra. Em realidade, a ausência de obra é uma afirmação necessária
à invenção de obra, é uma afirmação que se dá pela abertura, uma vez que apenas abrindo-se aos possíveis da
existência é que podemos falar de obra. Tomando como base Blanchot (2010), vemos ainda que a ausência
de obra mantém relação com a reduplicação inerente à obra, na densidade do vazio que é repleto de
potência e que ressoa a primariedade da fissura, da erosão e do dilaceramento em detrimento do ser. O
primado da fissura traz a realidade de uma infinita proliferação de vazio, contra o qual Artaud escreve. Via
de regra, ele escreve para fugir a esta pressão constante de um vazio ativo que o drena (BLANCHOT, 2005,
p. 53-4). Por isso, a ausência de obra conjuga, por fim, certa incapacidade para o bem-pensar e o trabalho com
a destruição que constrói, quando se escreve para não se dizer nada (BLANCHOT, 1997, p. 32, 301). Deleuze
e Guattari (2003) destacam esta narrativa da insuficiência, esta espécie de inexistência ou de desmoronamento
central que reside na impossibilidade de criar forma, desenvolvendo-se perifericamente como relevo dos
traços de expressão material num meio necessariamente exterior ao sujeito, não universalizável e não
interiorizável.
Pensar não é ter pensamentos, mas é uma atividade que se desenrola com o no arrebatamento da dor, como
uma perturbação do pensamento e da língua. A poesia depende desta impossibilidade. Não é obra, nem
língua, nem fala, nem espírito, mas um pesa-nervos (ARTAUD, 2013, p. 2).
“Eu já lhes disse: nada de obras, nada de língua, nada de palavra, nada de espírito, nada.
Nada, exceto um belo Pesa-nervos.
Uma espécie de estação incompreensível e bem no meio de tudo no espírito” (ARTAUD, 2013, p. 2).
o fato de pensar só pode ser perturbador; que aquilo que existe para ser pensado é, no pensamento, o
que dele se afasta, e nele se exaure inesgotavelmente; que sofrer e pensar estão ligados de uma maneira
secreta, pois se o sofrimento, quando se torna extremo, é tal que destrói o poder de sofrer, destruindo
sempre à frente dele mesmo, no tempo, o tempo em que ele poderia ter retomado e acabado como
sofrimento, o mesmo acontece, talvez, com o pensamento. Estranhas relações. Será que o extremo
pensamento e o extremo sofrimento abrem o mesmo horizonte? Será que sofrer é, finalmente, pensar?
(BLANCHOT, 2005 p.56)
A loucura é objetivada negativamente como ausência de obra apenas quando e porque referenciada ao círculo
antropológico (FOUCAULT, 1979). Frente à desmedida e à incapacidade para o trabalho que definem o
louco.
Pegar a questão da associação do trabalho com a moralidade e a liberdade em Tuke.
“o texto literário não é aquele que é inteligível, ele é, antes escritivel.” Sarracine – Barthes, mais importante
que a forma criada é a força que o prduziu
Ex-pressa: faz uma pressão pra fora, do seu contagio criativo.
A obra é a convocação do povo a participar: Helio Oiticica, os parangolés. Em Clark são os bichos. O bicho
só se faz no movimento, o observador não pode estar passivo, só olhar.
A obra-de-arte se faz na experimentação de seus próprios limites.
Quem dá dizibilidade e visibilidade muito rápido: artistas! Rapidez típica do modo operante típica do Cartum.
A experiencia limite é sempre experiencia fórum. Atitude fórum, identificação de um ethos ético-politico.
As fontes de emanação de poder transcenderam os objetos sob os quais eles incidem.
Assim, são loucuras todos os defeitos de nosso espírito, todas as ilusões do amor-próprio e todas nossas
paixões quando levadas até a cegueira, pois a cegueira é a característica distintiva da loucura.
Cegueira: palavra das que mais se aproximam da essência da loucura clássica. Ela fala dessa noite de
um quase-sono que envolve as imagens da loucura, atribuindo-lhes, em seu isolamento, uma invisível
soberania; mas fala também de crenças mal fundamentadas, juízos que se enganam, de todo esse pano
de fundo de erros
inseparável da loucura. O discurso fundamental do delírio, em seus
poderes constituintes, revela assim aquilo pelo que, apesar das
analogias da forma, apesar do rigor de seu sentido, ele não mais é
discurso da razão. Ele falava, mas na noite da cegueira; era mais que
o texto frouxo e desordenado de um sonho, uma vez que se
enganava; contudo, era mais do que uma proposição errônea, uma
vez que estava mergulhado nessa obscuridade global que é a do
sono. O delírio como princípio da loucura é um sistema de proposições falsas na sintaxe geral do
sonho.
A loucura encontra-se exatamente no ponto de contato entre o onírico e o erro; ela percorre, em suas
variações, a superfície em que ambos se defrontam, a mesma que ao mesmo tempo os separa e une.
Com o erro, ela tem em comum a não-verdade e o arbitrário na afirmação ou na negação; ao sonho
ela toma de empréstimo a ascensão das imagens e a presença colorida dos fantasmas. Mas enquanto
o erro é apenas uma não-verdade, enquanto o sonho não afirma nem julga, a loucura enche de imagens
o vazio do erro e une os fantasmas através da afirmação do falso. (...) Unindo a visão e a cegueira,
a imagem e o juízo, o fantasma e a linguagem, o sono e a vigília, o dia e a noite, a loucura no fundo
não é nada, pois liga neles o que têm de
243 negativo. Mas esse nada tem por paradoxo a manifestação desse aspecto, fazendo-o explodir em
signos, em falas, em gestos. Inextricável unidade da ordem e da desordem, do ser racional das coisas e
desse nada da loucura. Pois a loucura, se nada é, só pode manifestar-se saindo de si mesma,
aparecendo na ordem da razão, tornando-se assim o contrário de si mesma. Assim se esclarecem os
paradoxos da experiência clássica: a loucura está sempre ausente, num eterno retiro onde ela é
inacessível, sem fenômeno nem positividade. E no entanto ela está presente e perfeitamente visível sob
as espécies singulares do homem louco. Ela, que é desordem insensata, quando examinada revela
apenas espécies ordenadas, mecanismos rigorosos na alma e no corpo, linguagem articulada segundo
uma lógica visível. Tudo é razão naquilo que a loucura pode dizer sobre si mesma, ela que é negação
da razão. Em suma, uma apreensão racional da loucura é sempre possível e necessária, na exata
medida em que ela é não razão.
Não mais o homem, definido pela finitude, mas o loucura enquanto regime de infinitização, que não cabe nas
limitações circunscritas pela figura psicossocial do doente mental. Não mais trabalho – (ausência de obra,
inoperância), forma finita de vida (infinitização pelo atravessamento das forças inorgânicas), linguagem
(agramatical, outro muthos e pathos). C3
que a poesia esteja ligada a essa impossibilidade de pensar que é o pensamento, eis a verdade que
não pode ser descoberta, pois ela escapa sempre, e obriga-o a experimentá-la abaixo do ponto em que
a experimentaria verdadeiramente. Não é apenas uma dificuldade metafísica, é o arrebatamento de
uma dor, e a poesia é essa dor perpétua, ela é "a sombra" e “a noite da alma", “a ausência de voz
para gritar".
A poesia não é senão o pathos da dor, pathos do arrebatamento, de modo que ela escapa mesmo ao impensado
e ao impoder. VER JBF
A noite é o espaço improdutivo por excelência, mais monótono que o dia e o sono, ali não se dorme nem se
acorda (BLANCHOT, 2005, p. 164).
“Lá, no espaço da obra, tudo se perde e talvez a própria obra se perca. O diário é a âncora que raspa o fundo
do cotidiano e se agarra às asperezas da vaidade. Da mesma forma, Van Gogh tem suas cartas e um irmão
para quem escrevê-las” (BLANCHOT, 2005, p. 273).
meia-noite. 16 de junho.
Não volto às letras, que doem como uma catástrofe. Não escrevo mais. Não milito mais. Estou no meio
da cena, entre quem adoro e quem me adora. Daqui do meio sinto cara afogueada, mão gelada, ardor
dentro do gogó. A matilha de Londres caça minha maldade pueril, cândida sedução que dá e toma e
então exige respeito, madame javali. Não suporto perfumes. Vasculho com o nariz o terno dele. Ar de
Mia Farrow, translúcida. O horror dos perfumes, dos ciúmes e do sapato que era gêmea perfeita do
ciúme negro brilhando no gogó. As noivas que preparei, amadas, brancas. Filhas do horror da noite,
estalando de novas, tontas de buquês. Tão triste quando extermina, doce, insone, meu amor.
Ana Cristina Cesar, Cenas de Abril. 1979.
Devir
Devir-mulher
Margrit SHILDRICK, M. Maternal imagination: reconceiving first impressions. Rethinking Hystory, vol. 4,
num. 3, p. 243-260. 2000.
Numa mirada feminista, a autora se detém no problema da imaginação feminina entre os séculos XVI e XVIII.
A concepção da imaginação materna como causa da monstruosidade e a percepção da natureza feminina como
essencialmente débil física e moralmente a torna mais propensa a conceber em seu seio o irracional.
Femninismo:
Georges Minois (2003, p. 611), que em obra de fôlego sobre a “História do riso e do escárnio”, recorre a
Eugene Dupréel para dizer que “a feminilidade exclui o cômico”:
Devir e pathos
Foucault (1979, p. 367) fala: “o homem moderno, e a mulher ainda mais que o homem, fez do dia a noite, e
da noite o dia…” elas são seres de natureza e não de ciência, por isso são mais afeitas e candidatas ao
enlouquecimento – o que explode em histeria e doença dos nervos nas mulheres.
Disciplina
Terceira parte de Vigiar e punir (1977) coloca a disciplina em relação com as ciências humanas enquanto
conjunto de técnicas de individualização assentadas na observação do corpo nos detalhes de sua organização
interna visando o aumento de sua força econômica e a diminuição de sua força política. A disciplina não é
outra coisa que esta eficácia da anatomia política do corpo tornado útil na medida de sua docilidade.
A disciplina desarticula e recompõe estrategicamente o corpo; o desvale de suas potências políticas de
afetação e engendramento, submetendo-o ao paradigma da reprodução social através das normas que
adaptam e forjam um corpo apto à ser explorado. (VP 140fr)
Além de anatomia política, a disciplina é mecanismo de poder.
A disciplina tem como objetivo a conversão da singularidade somática do corpo individual em uma relação
de poder pautada na individualização, na fabricação dos corpos sujeitados (PP 47fr)
O objeto da disciplina é o corpo, a vida nua.
É o poder, as relações de poder que qualificam o corpo. Este poder vem do soberano também, mas não
somente dele.
este orden disciplinario está atravesado íntegramente por la instancia médica que opera como una fuente de
poder a partir de la cual se organiza el control disciplinario exhaustivo del cuerpo, el tiempo, y en general,
de todo gesto y comportamiento. El espacio asilar está marcado por este poder médico que es ilimitado pues
nada debe ni puede resistírsele, y además, es disimétrico en cuanto constituye una relación no recíproca de
poder. Ahora bien, el médico, instancia fundamental del sistema de poder, es esencialmente un cuerpo. PP
se a natureza humana tem seu aspecto regulador, e não constitutivo, ou seja, passível apenas de
pensamento, mas não de conhecimento, como pôde a loucura, como parte integrante e conflituosa da
natureza humana, ser reduzida à objetividade por meio de um saber? Esse questionamento norteia a
História da Loucura e aparece já nos escritos da década de 1950 9, momento no qual Foucault voltava
sua atenção à Psicologia, pois, esta, assim como a Psiquiatria, encontrava sua determinação fora do
domínio psicológico, em razão de tal determinação estar em problemáticas e exigências históricas e
sociais.
Desse modo, ao retomar a Antropologia, Foucault refletia a impossibilidade da atitude teórica
generalizada, pois, se, por um lado, a Física prática é a aplicação da Física teórica, por outro lado, a
Psicologia parte, em um primeiro momento, da aplicação, para depois exercer a teorização como
justificativa a Psicologia formalizou o pensamento sobre parte integrante e conflituosa da natureza
humana, a fim de tornar tal natureza mais harmônica. Entretanto, Foucault sugere que a naturalização
científica encontra-se mais a favor do conceito e contra a existência do homem
No que concerne aos saberes sobre a loucura, a exigência prática se impõe como primeira à frente das
concatenações críticas e da sua própria fundamentação teórica.
Com o empirismo transcendental, Deleuze diverge terminantemente de Kant e sua formulação de que a
experiência só é possível por intermédio de sínteses que derivam a priori do entendimento.
A síntese disjuntiva se opõe às sínteses a priori do conhecimento
resquícios do hilemorfismo, o que fica evidente quando vemos sua preocupação em mostrar que existe
a matéria da experiência e a forma do entendimento. A matéria do empírico é a sensação, diz Kant; a
sensação quando relacionada à consciência chama-se percepção.
Kant elucida que dentre as representações que constituem uma experiência, quase todas derivam da
sensibilidade, exceto uma: a do composto
VER:
Disciplina, Estatística e segurança
STP:
Estudando as práticas de inoculação da varíola a partir do século XVIII, Foucault (STP??) ressalta que embora
a disciplina seja convocada como auxílio, não trata não de impô-la, não se trata unicamente de disciplinar.
Antes, é um saber estatístico que se organiza em torno do número de pessoas atingidas, e na especificação
de sua ação sobre o corpo coletivo da população naquilo que caracteriza sua situação na população como
idade com que acomete, quais os efeitos, os índices e a amplitude da moralidade, das lesões e sequelas que
ela pode gerar. Este saber se orienta pelos
efeitos estatísticos sobre a população em geral, em suma, todo um problema que já não é o da exclusão,
como na lepra, que já não é o da quarentena, como na peste, que vai ser o problema das epidemias e
das campanhas médicas por meio das quais se tentam jugular os fenômenos, tanto os epidémicos quanto
os endémicos.
Aqui também, por sinal, basta ver o conjunto legislativo, as obrigações disciplinares que os
mecanismos de segurança modernos incluem, para ver que não há urna sucessão: lei, depois
disciplina, depois segurança, A segurança é uma certa maneira de acrescentar, de fazer funcionar,
além dos mecanismos propriamente de segurança, as velhas estruturas da lei e da disciplina. (STP??,
p. 14).
A economia geral de poder se torna uma gestão de segurança, gerir os riscos e os anormais.
A estatística organiza um vasto campo de intervenções sociais que vão da clara ação de controle social (como
na exclusão, na reclusão e na penalidade) aos mecanismos de controle do destino biológico da população.
São quatro características dos dispositivos de segurança: espaços de segurança, tratamento aleatório, a
normalização própria da segurança que não se confunde com a disciplinar. E por fim, “a correlação entre
a técnica de segurança e a população, ao mesmo tempo como objeto e sujeito desses mecanismos de
segurança, isto é, a emergência não apenas da noção, mas da realidade da população” (STP??, p. 15)
A segurança é uma reorganização moderna em relação ao funcionamento político, ao saber e à teoria
política.
A um primeiro olhar, a soberania se exerce nos limites do território, a disciplina no corpo individual e a
segurança no corpo da população. Entretanto, ao mirarmos o problema da multiplicidade, presente na
soberania e motor da disciplina.
Há multiplicidade na soberania, seja como multiplicidade de sujeitos, seja na de um povo. A disciplina tenta
submeter a multiplicidade da população. Na verdade, toda disciplina não passa de uma
Para Deleuze a “sociedade de controle” é o que faz com que nós busquemos positivamente a saúde, sem
ela ser imposta de fora por uma instituição disciplinar.
Sociedade disciplinar (biopoder) implica instituições disciplinares. Na sociedade de controle, as normas
foram interiorizadas.
No controle, há uma desconstrução das instituições disciplinares, dai a formação continuada, a busca por uma
saúde ampliada,
A segurança particular com seus exércitos e policiamento privados.
O que está em jogo na disciplina e é a emergência da governabilidade no sec XVIII (fazer viver como
imperativo), como aquilo que conduz tanto o poder disciplinar quanto ao biopoder.
Diferente da S controle que pega instituições disciplinares, assentadas na ideia de normalização e se opõe ao
poder disciplinar; o qual se opôs ao poder soberano das sociedades de castas, escravagistas e da feudal, e da
monarquia absoluta e administrativa – todas estas são variações do que Foucault chama de poder soberano (e
seu direito de fazer morrer), marca da pré-modernidade.
Na modernidade, o sujeito é soberano, o poder que individualiza.
VER: Birman, 24-09-14; AN 15 de Janeiro
Modelos da peste e da lepra...
Dispositivo
O dispositivo
O dispositivo é o objeto de descrição da genealogia na obra de Michel Foucault.
Com a noção de dispositivo, Foucault reitera sua crença na historicidade do dizer verdadeiro, que é o que lhe
confere seu caráter singular.
Ele é mais geral que a episteme, que é mais discursiva, por assim dizer.
O dispositivo é uma rede de elementos heterogêneos (discursos, arquitetura, ciência, leis, administração,
filosofia, moral, etc) e ele estabelece o tipo de ligação entre estes elementos. Ele tem uma função estratégica,
por exemplo a meta-normalidade das pessoas sob as camisas de força químicas.
O dispositivo é dado pela sua gênese (isso vc faz qd remonta à origem dos medicamentos e da construção da
noção de depressão, etc), o que está em jogo é: como ele se constitui? A que estratégia ele objetiva?
Ele se mantém, ele persevera porque exerce sobredeterminação funcional, se auto engendra, uma vez
instalado.
Logo no comecinho do Nascimento da biopolítica, curso de 78, Foucault fala que o dispositivo é resultado do
acoplamento de uma série de práticas a um regime de verdade.
O discurso, que aparece (ou se impõe – e se impõe mais como dispersão que como estrutura, pois sua natureza
impositiva sobressai à percepção ou compreesnao que possamos dele ter) como a-priori histórico, apesar de
ser determinado pelo devir da história, é o que define o regime de veridição, engendra o falso e o verdadeiro.
O a priori não escapa à historicidade: não constitui, acima dos acontecimentos, e em um universo
inalterável, uma estrutura intemporal; define-se como o conjunto das regras que caracterizam uma
prática discursiva: ora, essas regras não se impõem do exterior aos elementos que elas correlacionam;
estão inseridas no que ligam; e se não se modificam com o menor dentre eles, os modificam, e com
eles se transformam em certos limiares decisivos. O a priori das positividades não é somente o sistema
de uma dispersão temporal; ele próprio é um conjunto transformável (FOUCAULT, 1986, p. 145).
Assim a questão parece ser: como a medicalização da depressão entra num dispositivo que faz dela a realidade
do tratamento dos transtornos psíquicos.
Em resumo, a medicalização não existe, nem é, por isso, ilusão ou ideologia. Ela não existe mas está inscrita
no real através de práticas específicas e de um regime de verdade, de verdades que são fabricadas institucional
e socialmente.
Cuidado! Não demonize o poder, ele é algo do mais corriqueiro e partilhado. O poder (disciplinar, e mais
ianda o de controle – ver post-scriptum) induz os comportamentos sem tocá-los.
Logo, o dispositivo não é uma não malvada que atua de fora, antes, o dispositivo atua com nós mesmos.
Enquanto o discurso age com persuasão, controle e repressão na organização da experiência, o dispositivo é
ativo, produz efeitos, tem sua eficácia e resultados no socius (palavra q Foucault praticamente nunca dirá).
Importante: O poder é a relação intrincada na qual sujeito e objeto são coermergentes, são constituídos ao
mesmo tempo em que a relação de poder se exerce.
Assim que, contestar um discurso pode ajudar a minar o dispositivo de efetuação de suas verdades no real.
Subjetivação é o processo pelo qual o sujeito livre não é entendido pelo viés da soberania. O sujeito livre é
constituído por isso que Foucault chama de processo de subjetivação.
O sujeito é constituído pelo dispositivo e pelo discurso em interação com as reações da sua liberdade
individual e eventuais estetizações.
O dispositivo faz do eu um sujeito.
medicalização é um dispositivo
VER: medicalização;
Dívida e juízo
Na doutrina do juízo, cada ser sonha a sua própria objetivação. Pedras onham britadeiras e pó na mina na
fragmentação que objetiva o corpo, sempre utópico, exceto quando objetivado na experiência especular, na
morte, ou quando se faz amor no belo texto de Foucault (CorpUt)
O implexo germinativo remete a um agregado casual em torno do qual a noção de posição e de situação não
tem sentido algum (Rosset, LP).
Em suma, o dinheiro, a circulação do dinheiro, é o meio de tornar a dívida infinita. Eis o que os dois
atos do Estado escondem: a residência ou territorialidade do Estado inaugura o grande movimento de
desterritorialização que subordina todas as filiações primitivas à máquina despótica (problema
agrário); a abolição das dívidas ou sua transformação contábil
inaugura um interminável serviço de Estado interminável, que
subordina a si todas as alianças primitivas (problema da dívida). O credor infinito, o crédito infinito
substituiu os blocos de dívida móveis e finitos. Há sempre um monoteísmo no horizonte do despotismo:
a dívida devém dívida de existência, dívida da existência dos próprios sujeitos. Vem o tempo em que o
credor nada emprestou ainda, ao passo que o devedor não para de pagar, porque pagar é um dever, mas
emprestar é uma faculdade: como na canção de
Lewis Carroll, longa canção da dívida infinita: AE, p. 262
O ponto ou o elemento não vale como unidade da matéria (pois a matéria é múltipla em si). Daí, o menor
elemento do labirinto não é o ponto, mas a dobra. Daí pertença (de um elemento) X inclusão (de uma parte)
O múltiplo é o tecido vivo que se dobra como efeito de sua surreição vital contra a extensão pontual e
regulada.
Ver Badiou... texto Deleuze
Dobras e o infinito
Deleuze (1991) aponta que a operação fundamental do barroco é o traço. Traçar que faz dobras. Ele curva e
recurva as dobras vindas do Oriente, assim como as influencias gregas, romanas, etc. levando-as ao infinito.
O traço do barroco é a dobra que vai ao infinito.
Em duas dimensões, dois infinitos, há 1) as redobras da matéria e 2) as dobras da alma.
No andar de baixo, a matéria é dobrada e redobrada sobre as partes que constituem seus órgãos.
O múltiplo é o que tem muitas partes, e mais ainda, o que pode ser dobrado de muitas maneiras distintas.
Um labirinto é cada andar. O de cima e o de baixo. O labirinto do contínuo, da matéria com suas partes e
o da liberdade, na alma e seus predicados.
Uma dobra entre duas dobras – a das redobras da matéria e a das dobras da alma – seriam o sujeito?
Dobra: organismo e forças plásticas
A profundidade do andar de baixo é feito de matéria orgânica, um organismo é definido pelas dobras
endógenas, que formam (órgãos e tecidos, assentados sobre funções e limitações) interioridades, ao passo
que a forma inorgânica é definida por dobras exógenas, determinadas do fora nas circunvizinhanças por seu
contorno no mundo e os modos com os quais ele se articula com este a partir de seu contorno.
No vivente, há uma dobra formadora interna que evolui e se desenvolve, requerendo para tanto uma formação
prévia. Que é?
A matéria orgânica não se opõe à inorgânica, é distinta não pela matéria, mas pela qualidade das forças, pelo
jogo de forças ativas implicado numa e noutra. Neste ponto, trata-se sempre de forças materiais e
mecânicas, não há alma ainda, e o vitalismo e o organicismo são a mesma coisa.
O que distingue a matéria orgânica da matéria comum é a irrupção de forças plásticas, distintas das forças
compreensíveis ou elásticas que se organizam na matéria inorgânica, muito maquínicas que mecânicas. Todo
organismo nasce de um órgão preexistente, organizado pelas forças plásticas. “Se as forças plásticas
distinguem-se, não é porque o vivente transborda o mecanismo, mas é porque os mecanismos não são
suficientemente máquinas” (DELEUZE, 1991, p. 20).
Os mecanismos são compostos por partes que não são máquinas.
A pré-formação seria a profundidade corporal, ou aquilo que possibilita e condiciona esta??
A individuação interna só se explicará no nível das almas: é que a interioridade orgânica é apenas
derivada tendo tão somente um envoltório de coerência e coesão (não de inerência e ‘inesão’). É uma
interioridade de espaço, não ainda de noção. É uma interiorização do exterior, uma invaginação do
fora que não se produziria sozinha se não houvesse verdadeiras interioridades alhures (1991, p. 21).
É o corpo orgânico que fornece à matéria e ao sujeito uma interioridade, que serve de substrato para que
ele se torne indivíduo, uma unidade individual, para sua individualização.
Dobras orgânicas
Dobrar e desdobrar significam mais que contrair e dilatar, tender e distender, significam envolver e
desenvolver, involuir e evoluir.
O organismo é definido por sua capacidade de dobrar suas partes ao infinito e de desdobrá-las até o limite
da espécie. Um organismo está envolvido em sua semente... etc. Quando um organismo morre, ele não é
aniquilado, involui até o germe, pulando etapas.
Sendo simplista, desdobrar é crescer e aumentar e dobrar é reduzir e diminuir. Porém essa métrica não
dá conta da mudança entre orgânico e inorgânico, entre máquina e mola.
A dobra inorgânica é simples e direta, pois o inorgânico se repete, mudando apenas de dimensão uma vez
que algo exterior que penetra (um interior) o corpo.
A dobra orgânica é mediatizada por um interior, que contém outros organismos. Logo, ver Marton,
subordinação...
Os dois tipos de dobra, organismo e massa são coextensivos.
A matéria se dobra a primeira vez sobre forças elásticas, de determinação físico-química e uma segunda, de
forças plásticas. Não há como passar da primeira à segunda.
[Biopoder seria o silenciamento e, mais que isso, a captura desta plasticidade.
O organismo guarda uma individualidade e uma pluralidade irredutível. O meio exterior não é um vivente,
mas um viveiro. Os peixes são as dobras orgânicas que habitam um tanque. “As dobras inorgânicas dos
meios passam entre as duas dobras orgânicas” (1991, p. 23), atravessando-as.
O organismo é a dobra, a dobragem original – a biologia jamais renuncia à determinação do vivente. Esta
verdade é percebida no pré-formismo que está na sua base no século XVIII. Quando se inventa o microscópio,
o pré-formado é a base da determinação do vivente.
Toda dobra vem de uma dobra.
Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.
Em seu próprio vocabulário, Laing (1978, p. 21) ressalta que o normal muitas vezes almejado pela clínica está
radicalmente do que ele considera a “estrutura do ser”: “o que nós chamamos ‘normal’ é um produto de
repressão, negação, cisão, projeção, introjeção e outras formas de ação destrutiva a experiência”.
dissociação
Valendo-se da noção psicanalítica de mecanismos de defesa para descrever os modos mediante,
frequentemente não conscientes e transpessoais, com os quais uma pessoa se aliena de si mesma: repressão,
negação, dissociação, projeção e introjeção.
O normal, descrito de maneira generalizada por uma ampla gama de mecanismos determinísticos que
relegam a clínica ao posto de operador de normalização, é ponto de partida para submissão e sujeição dos
indivíduos a territórios regulatórios que, embora dissociados de sua experiência subjetiva tendem a colonizá-
la reduzindo seu território existencial ao regulatório.
Operando em torno da normalidade, a clínica da loucura perde o foco ....
Em termos concretos, observamos a subtração de todo contingencial crítico e deslocador –
potencialmente criativo e terapêutico – da experiência subjetiva da loucura para restringi-lo à figura
psicossocial do doente mental.
Constatamos, em realidade, que o normal, enquanto sinonomo de normatividade vital e é constante e
insistentemente deslocado das potências positivas que atravessam seu trajeto existencial. Logo, Laing (1978)
enxerga em cada indivíduo um paciente-agente e um agente-paciente. Sujeito de sua própria formação,
autônomo em sua rota existencial.
O processo, convertido em práxis, torna o paciente agente de seu próprio trajeto existencial – termo
igualmente adotado por Guattari (1992) para descrição dos territórios em que se move a clínica.
Parada forçada no processo de subjetivação, na deriva existencial
Empirismo transcendental
Além da alçada factual, do fatídico vivido nos fatos e das coisas em si mesmas, encontramos uma constante
redução do sentido, ora reduzido à consciência, ora à linguagem. Porém, coisas, fatos – os possíveis, os
imagináveis e os reais – não são mais que uma dimensão do problemático, assim como a linguagem é uma
das suas dimensões, apenas uma das semióticas que Guattari (1992) enxerga como produtoras de realidade e
de subjetividades. Afinal, o campo transcendental apresenta problemas de ordem distinta daqueles que
caracterizam as coisas e os fatos.
Por isso, propomos e nos valemos do empirismo transcendental como instrumento teórico para trabalhar
com a experiência intervalar do vazio, do entre no qual toda vida se constitui, empírica ou
transcendentalmente. Pois não há vida que se constitua sem esse hiato, sem esse deserto, sem essa aridez que
nos separa e possibilita, entretanto, todo sentido. A vida não consiste em outra coisa que neste meio que é a
imanência, devido à consciência deste vazio é que a obra foucaultiana e a deleuzeana são repletas de imagens
e evocações a esta espécie de vazio interior, como um “exterior do interior”, como um “dentro do fora”,
como a voz do silêncio.
“Ora é a dobra do infinito, ora a prega da finitude que dá uma curvatura ao lado de fora e constitui o lado de
dentro” (DELEUZE, 2005, p. 104)
Podemos considerar a teoria deleuzeana do sentido como filosofia anarcôntica, uma vez que ela escapa à
busca de fundamentos capazes de explicar o mundo e seus sentidos. O sentido se dá no mundo sem doação de
instância transcendente qualquer. Uma vez que o sentido do mundo não está nem é doado pelo homem, este
pode se inscrever em um processo mais amplo, num acontecimento que é simultaneamente sentido, quando
expresso pela linguagem ou em normatividades vitais, que é a própria vida.
O empirismo transcendental abre para a zona intervalar de novidade e indeterminação entre percepção e
ação no campo das imagens prévias, tal qual Bergson (???) traz em Matéria e memória, onde surge a duração
e as multiplicidades.
Episteme
episteme aquello que posibilita los conocimientos y las teorías, el suelo de positividad en que se
asientan los códigos fundamentales de una cultura, así como las teorías científicas y filosóficas que
pretenden explicar tales códigos. Sobre ese suelo, en lo que Foucault también denominará “experiencia
desnuda del orden” [Foucault (1968), p. 6], luchan ideas e interpretaciones que, aunque opuestas,
comparten una raíz común en cuanto a aquellas condiciones que determinan su discursividad. Antes
de las palabras, de las prácticas y de las ideas, existe una estructura o episteme que explica el hecho
de que las mismas se produzcan, así como su eventual transformación. Se trataría de un a priori,
respecto al cual Foucault pretende hacer su historia desde el Renacimiento a la modernidad.
Kant é chamado aí, pois ele testa, com sua filosofia crítica as condições de validade da representação clássica
dos séculos XVII e XVIII. Para testar e averiguar a legitimidade da representação. (2000) Questionamento
que escancara, elucida, a fratura na ordem taxonômica clássica que acaba por evidenciar a alteridade, o outro
deste sistema, seu fora.
Evidencia que o pensamento clássico é metafísico, à medida que não pergunta por seus limites e anuncia,
assim, uma nova metafisica. Uma metafisica do homem, assentada na pergunta “que é o homem?”
“Esse exercício da dominação implica, em primeiro lugar, uma relação agonística” – Foucault, Uso dos
Prazeres, p. 82. “Essa relação de combate com adversários é também uma relação agonística consigo
mesmo” p. 84. A batalha tem um único fim, a vitória de si sobre si... Quando um sujeito luta contra os
prazeres, o faz também em nome dos próprios prazeres, em nome de prazeres melhores, maiores, mais
qualificados, para não tornar-se escravo de si mesmo... não há vitória maior que sobre si mesmo. Essa
vitória não é uma extirpação dos prazeres, mas um bom uso deles, seu uso no momento certo, no
agenciamento correto, para gerar o máximo de intensidade. Somente desta forma a relação com os
outros se torna possível... Chegamos ao ponto da vida ser um exercício perpétuo, somente exercitando-
se é que se pode vencer. Através dele é que se cria a prática, o hábito, a constância. Os cínicos
realizavam exercícios de provação, para mostrar que eram dignos e donos de si. Os estoicos criaram
exercícios mentais e físicos para colocarem-se à prova. Sendo também o fim em si mesmo, a conduta
correta, dona de si mesma, é a pratica que começa e termina em si, porque torna mais forte e resistente.
O fim da virtude é a própria virtude, diz Espinosa, não o fim para outra coisa (haja a vista o mundo
suprassensível de várias religiões). Nesta luta, nem sempre se ganha, nem sempre se perde, mas se luta
o tempo todo.
Em outras palavras, para se constituir como sujeito virtuoso e temperante no uso de seus prazeres, o
indivíduo deve instaurar uma relação de si para consigo que é do tipo ‘dominação-obediência’,
‘comando-submissão’, ‘domínio-docilidade’ (e não, como será o caso na espiritualidade cristã, uma
relação do tipo ‘elucidação-renúncia’, ‘decifração-purificação’) – Foucault, Uso dos Prazeres, p. 87
Vencida a batalha o prêmio e a glória são a própria vitória. Nasce um sujeito dono de si, aquele capaz
de dominar seus prazeres, de fazer um bom uso deles, capaz de relacionar-se consigo e com os outros
de maneira própria: “O mestre de si e dos outros se forma ao mesmo tempo” – Foucault, Uso dos
Prazeres, p. 95
Enunciado
O enunciado não é uma estrutura que coloca elementos variáveis em relação, mas uma função de existência
que assinala um conjunto de signos que “‘fazem sentido’ ou não” a partir de regras externas de sucessão e
justaposição (FOUCAULT, 1986, p. 98). Destacamos a exterioridade das formas e regras de apreensão
pois elas marcam a especificidade e a radicalidade da análise foucaultiana, que escapa à análise interna aos
objetos assim como da análise hermenêutica e da consciência (via sujeito transcendental) (cf. DREYFUS &
RABINOW, 1995). Sem recurso algum à interioridade do sujeito ou do objeto em sua análise, os enunciados
são colocados em análise numa exterioridade que os torna um domínio autônomo das formas de efetivação
que, entretanto e paradoxalmente, afetam e influem diretamente sobre as práticas desde onde se formam as
funções enunciativas que fundam enunciados e objetos dos saberes.
O enunciado é uma
função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em
seguida, pela análise ou pela intuição, se eles "fazem sentido" ou não, segundo que regra se sucedem
ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação
(oral ou escrita) (FOUCAULT, 1986, p. 98).
“Foucault considera o caráter puramente linguístico do sujeito e afirma a autonomia do campo de
estabilidade e do campo de uso. Exatamente porque os atos discursivos sérios formam um sistema, o
arqueólogo pode simplesmente estudar, do exterior, a função enunciativa. O que confere seriedade aos
atos discursivos tornando-os enunciados é seu lugar na rede de outros atos discursivos” DREYFUS &
RABINOW, 1995, p. 65).
Ele pode, do exterior, sem entrar no sistema de crença e objetividade de tal ou qual episteme, acessar seus
atos discursivos sérios. Quando vistos do interior de uma formação discursiva, no cerne de um discurso de
uma episteme, os enunciados parecem sérios – o exemplo é o da cura de histeria com série de banhos em O
nascimento da clínica -, porém somente na medida em que são eles, os enunciados, advém frente e
confrontados com um fundamento feito de práticas discursivas e não discursivas.
Somente quando têm como horizonte as práticas que lhes conferem a própria realidade de seus
objetos é que os enunciados são levados a sério.
Os atos discursivos só podem ser realmente considerados (em termos de seriedade sentido) mediante a rede
de ato cujas condições de realidade e veridição – o que faz com que se considere que algo exista e seja
verdadeiro – estejam dadas. Cada discurso, cada saber, cada domínio, enfim, isolado e objetivado, tem sua
ordem propriamente autônoma.
“O arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados
como acontecimentos singulares. Mas o arquivo é, também, o que faz com que todas as coisas ditas
não se acumulem indefinidamente em uma massa amorfa.” (FOUCAULT, 1986)
Porém não existe loucura antes do saber, ela é uma combinação do visível ao enunciável em cada estrato. “O
saber é um agenciamento prático, um ‘dispositivo’ de enunciados e visibilidades” (p. 60).
“Há apenas práticas, ou positividades, constitutivas do saber: práticas discursivas de enunciados, práticas não-
discursivas de visibilidades”.
O enunciado se parece mais com uma composição musical que com a dinâmica do significante. O enunciado
é uma função que cruza uma variedade de elementos combinando-os num estrato. Numa imagem
estratificada acerca da loucura.
É preciso pois, rachar as proposições – como fazia Roussel com seus procedimentos – para analisar. O
mesmo deve ser feito com o conteúdo que, assim como o enunciado não é sgt, não é sgd.
O conteúdo não é um referente, um estado de coisas.
As visibilidades são as formas objetivadas, instauradas por processos de objetivação, e não formas naturais
essências previamente existentes na realidade. Tampouco são algo obscuro cuja verdade se revela quando
banhada com a luz do saber.
Os objetos são formas de luminosidade. São modos de resplandecer que se relacionam com outras
luminosidades e respondem (passiva ou resistentemente) aos atravessamentos dos saberes.
Não coisa em si pois a coisa é inseparável das formas com as quais ela acaba sendo apreendida em cada
situação.
Manet – Foucault
A luz é uma forma (de exterioridade), engendra suas próprias formas e movimentos.
Cézanne quebra a fruteira e os cubistas a recolam.
Não há entretanto, um sujeito que antecede o enunciado, os discursos, este é “um conjunto de variáveis do
enunciado” (p. 64).
Não obstante, a análise foucaultiana da linguagem esquiva da ideia de um começo da linguagem em três
tempos, ele se opõe a três tipos de organização da linguagem:
A – como começo pela pessoa, mesmo que seja uma pessoa linguística. A esta ele sempre opõe o on, a terceira
pessoa impessoal.
B – o sgt como direção ou organização interna da linguagem, a este opõe os enunciados como direcionamento
já dado “exteriormente”.
C – experiência originária, uma cumplicidade primeira do mundo que abre a possibilidade de falar dele
tomando o visível, o conteúdo como base do discurso. É a fenomenologia.
Nunca exatamente ocultos, os enunciados muitas vezes não são legíveis ou dizíveis.
Se não há nada para se ver atrás da cortina, Deleuze (F??) sugere que nos atentemos ao pedestal e à própria
cortina em nossas análises.
Ao contrário, os enunciados só se tornam dizíveis ou legíveis em conjugação com aquilo que os condiciona
e determina inscrevendo-o na ordem do mundo. Pois não há uma inscrição oculta e outra aparente.
Só há uma inscrição. E ela abarca o enunciado junto ao pedestal e à cortina, seus condicionantes. A
experiência vem em bloco.
“a linguagem é dada por inteiro ou não é dada” (p. 65) e sua condição é sua produção impessoal, o que
Foucault (2000) chama “ser da linguagem” e que é irredutível à quaisquer formas ou direções tomadas pelo
discurso.
O a priori dos enunciados é histórico.
O ser de luz torna as visibilidades perceptíveis e o ser de linguagem torna os enunciados inteligíveis e
audíveis.
Ambos são a prioris indivisíveis que trazem as formas da visibilidade e do enunciado à percepção e à audição
como o tangível traz outro nível de visão ao visível.
Retomando uma correspondência de Magritte ao pensador da arqueologia, Deleuze (2005) precisa que as
visibilidades não são definidas estritamente pela visão, mas como complexos multissensoriais que
implicam pathos (de paixões) e ação. Pois o que pode ser descrito visualmente já é uma imagem capturada
no pensamento.
Por isso, acima, o enunciado aparece mais próximo a um arranjo a um trecho musical que à ordem do
significante.
A descrição dos enunciados se dirige, segundo uma dimensão de certa forma vertical, às condições de
existência dos diferentes conjuntos significantes. Daí um paradoxo: ela não tenta contornar as
performances verbais para descobrir,
atrás delas, ou sob sua superfície aparente, um elemento oculto, um
sentido secreto que nelas se esconde, ou que através delas aparece
sem dizê-lo; e, entretanto, o enunciado não é imediatamente visível; não se
apresenta de forma tão manifesta quanto uma estrutura gramatical
ou lógica (mesmo se esta não estiver inteiramente clara, mesmo se
for muito difícil de elucidar). O enunciado é, ao mesmo tempo,
não visível e não oculto.
Não oculto, por definição, já que caracteriza as modalidades de
existência próprias de um conjunto de signos efetivamente
produzidos (FOUCAULT, 1986, p. 123-4).
comunicam pela forma de positividade de seus discursos. Ou, mais exatamente, essa forma de
positividade (e as condições de exercício da função enunciativa) define um campo em que,
eventualmente, podem ser desenvolvidos identidades formais, continuidades temáticas, translações de
conceitos, jogos polêmicos. Assim, a positividade desempenha o papel do que se poderia chamar um a
priori histórico (FOUCAULT, 1986, p. 144).
Não há correspondência ou conformidade entre visível e enunciável, mas uma disjunção primordial que faz
com que um não se aloje no outro.
O enunciado tem seu objeto particular, não designa um estado de coisas ou uma visibilidade como nos faz
crer a lógica tradicional. Tampouco o visível é um sentido mudo, exprimível na linguagem como quer a
fenomenologia. “O arquivo, o audiovisual é disjuntivo” (p. 74).
“O texto [de Pierre R] não relata o gesto, mas de um a outro há toda uma trama de relações” 266fr.). não se
trata de aleatoriedade entre visível e dizível.
Não há correlação de encadeamento entre visível e enunciável, mas um reencadeamento sobre a ruptura
irracional ou o interstício entre ambos para formar um estrato cujo cerne não deixa de ser uma fissura
incomunicável entre ambos. Por isso há de abrir o aparente bloco gregário das palavras e das coisas para
lançar a visão e a audição aos a priori, no qual todo o que pode fazer é ser visto e ser falado.
O que faz este reencadeamento, esta não-relação? P. 74
O limite que as separa, as liga por outro lado, como visão muda e fala cega.
O primado do enunciado pode ser resumido em: se diz o que se vê, embora o que é visto não caiba no dito, e
por mais que se faça ver o que é dito por imagens, metáforas e comparações, tais imagens não resplandecem
num descortinar dos olhos mas na organização sintática que as definem (2000, p. 25fr). O que define o que é
visto não é a revelação visual, mas o ordenamento, a maneira como engendramos o olhar sobre aquilo que
vemos. Não há isomorfismo, homologia ou um comum dado de antemão entre ambos.
Entre palavras e coisas, há “duas formas que se insinuam uma na outra, como numa batalha” (p. 75), existem
mútuos atravessamentos como em coisas adversárias, batalhas de solapamento e destruição (INPipe?? 30, 48,
50 em duas espécies de texto).
“falar e dar a ver no mesmo movimento” (RR??, p. 147) é o que constitui cada estrato, muito embora não
se fala do que se vê e não se veja o que se fala.
Se transformam ao mesmo tempo, mesmo que não seguindo as mesmas regras.
A espontaneidade da linguagem, condição do enunciado, o torna determinante enquanto a receptividade
da luz é o determinável.
Embora de naturezas distintas, a determinação vem do enunciado. Daí Foucault (RR??, capítulo 7) assinalar
na obra de Roussel a multiplicação dos enunciados como exercício de determinação infinita sobre o
visível. Como sobredeterminação.
De maneira análoga, nos parece que a multiplicação e inflação dos discursos sobre a doença mental tem
como efeito a sobrecodificação, a sobredeterminação e a redução da loucura.
O enunciados são determinantes porque fazem ver o louco como doente mental muito embora a figura que
ela faz ver não corresponda à figura forjada em seus enunciados.
Em AS, o visível é definido negativamente como não-discursivo nas muitas relações estabelecidas entre ambas
as formas.
Assim ambas são heterogêneas (são formas diferentes), com distintas naturezas que operam em combates,
capturas e pressuposição recíproca, sob o primado do enunciado.
O combate entre as duas formas implica numa “distância” para lançarem suas flechas e suas ameaças. O que
faz do enfrentamento um “não-lugar”, pois obviamente as formas não pertencem ao mesmo espaço (NGH??,
p. 156fr). Não-relação.
Como em Klee (FOUCAULT, INPipe??, p. 40fr) os signos da escritura e as figuras combinam numa dimensão
outra que a de suas respectivas formas.
Tal terceira dimensão informe dá conta de ambas as faces da estratificação e salvaguarda o primado do
enunciável.
Escritura
Esgotado
“O esgotado é muito mais que o cansado. ‘Não é um simples cansaço, não estou simplesmente cansado,
apesar da subida.’ O cansado não dispõe mais do que qualquer possibilidade (subjetiva) – não pode,
portanto, realizar a mínima possibilidade (objetiva). Mas esta permanece, porque nunca se realiza todo
o possível; ele é até mesmo criado à medida que é realizado. O cansado apenas esgotou a realização,
enquanto o esgotado esgota todo o possível. O cansado não pode mais realizar, mas o esgotado não
pode mais possibilitar. ‘Peçam-me o impossível, muito bem, que mais me poderiam pedir”
Bem, nos foi pedido muita coisa nestes dois dias. Rolamentos, paradas de mão, emoções, relações,
ações, texto, o impossível… Hoje teríamos um ensaio do Devir, a proposta era retormar o começo.
Recomeçar. Recomeçar o improviso, buscar novas ações, novos fontes de subpartituras. Hoje encontrei
mais um aliado interessante que com certeza irei investigar no meu caminho. As emoções. As emoções
sim podem gerar ações. Elas podem gerar associações! Salve Jorge, CNPJ! As emoções são chaves.
Elas abrem caminhos, portas e abrem as relações. Me emocionei várias vezes com a sincronia-sintonia
que encontrei com David. Foi lindo e eu tive uma amiga que se emocionou e morreu.
Deus que me livre!
Falando nisso, Deleze continua:
“Deus é o originário ou o conjunto de toda possibilidade. O possivel só se realiza no derivado, no
cansaço, enquanto que se está esgotado antes de nascer, antes de se realizar ou de realizar qualquer
coisa (renunciei antes de nascer).”
Lembro do Grotovski me sussurrando alguma coisa sobre exaustão… Nesta hora me ecoa o David
novamente, falando da energia. Sim. Eu não podia parar. Eu estava com energia suficiente para
caminhar a distância entre B.M. x Marselle. Mas esta energia chegou caminhando até aqui e fui pego
de surpresa! O que deixou tudo muito mais emocionante. Por que foi possível. Mesmo de última hora
conseguimos organizar um trabalho bacana. E nós tornamos isso possível. Segue, o homem:
“Quando se realiza um possível, é em função de certos objetivos, projetos e preferências: calça sapatos
para sair e chinelos para ficar em casa. Quando falo, quando digo, por exemplo, ‘é dia’, o interlocutor
responde: ‘é possível…’, pois ele espera saber o que pretendo fazer do dia: vou sair porque é dia… A
linguagem enuncia o possível, mas o faz preparando-o para uma realização. E, sem dúvida, posso
utilizar o dia para ficar em casa; ou posso ficar em casa graças a um outro possível (é noite) (…) não
diz o que é, diz o que pode ser… Você diz que está trovejando, e alguém lhe responde no campo: é
possível, pode ser… Quando digo que é dia, não é porque seja dia… [mas] porque tenho alguma coisa
para realizar, à qual o dia só serve como ocasião, pretexto ou argumento”
E que pretexto para acordar bem cedo!! Nos dipormos, sem tomar café, arrastado, pegando o caminho
“indireto”, mas chegando e não perdendo tempo.
O trabalho de permitir os encontros foram em bolinhas, bolas e bolões. Encontros bolinhas que se deram
entre os seres e sua própria condição de ser. O encontro bola destes seres artistas desta geração que
aprendeu muito com a geração que roeu o osso para chegarmos mordendo uma carninha. O encontro
entre tempos. O encontro bolão é o tempo que foi e voltou, o tempo que vai se desencontrar, o tempo
de viver o agora entre a descoberta do Eu e o Outro. Essa combinatória de elementos que formam a dor
de ser ator ser incluída no rol das dores mais prezerosas do ser. Então eu sigo citando o Deleuze pois
me faltam melhores termos para dizer o que realmente gostaria:
“A disjunção torna-se inlcusa, tudo se divide – mas em si mesmo -, e Deus, o conjunto do possível,
confunde-se com Nada, do qual cada coisa é uma modificação. ‘Simples brincadeiras do tempo com o
espaço, ora com uns brinquedos, ora com outros. (…) A combinatória é a arte ou a ciência de esgotar
o possível, por disjunções inclusas. [não foi isso que fizemos no exercício prático?] Mas apenas o
esgotado pode esgotar todo o possível, pois renunciou a toda necessidade, preferência, finalidade ou
significação. Apenas o esgotado é bastante desinteressado, bastante escrupuloso. Ele é forçado a
subistituir os projetos por tabelas e programas sem sentido. O que conta para ele é em que ordem fazer
o que deve e segundo quais combinações fazer duas coisas ao mesmo tempo, quando ainda necessário,
só por fazer. (…) A combinatória esgota seu objetivo, mas porque seu sujeito está esgotado. O exaustivo
e o exasuto.”
Meus músculos estão exaustos. Me dizendo, afirmando, que é esse é o meu ofício. Esgotar-me ao
cansaço. Cansar-me do esgotamento. Exaurir as possibilidades e reconhecer-me no percurso do devir
involutivo. Regressar à raiz é reinvertar-se pois somente na raiz que podemos viver o re-nascer, o re-
surgir - resurreição. Da raiz, do velho-novo conhecimento, nós nos renovamos. Buscamos nosso estado
itinerante de nos pertencermos. Mudamos nossos sentidos, nos ressignificamos. Agora eu sinto mais
uma porta aberta para um devir intenso, chorar, virar, arrastar, engatinhar, levantar, cair, falar,
caminhar, segurar e correr. Renascer. Esse é a meta de nosso devir imperceptível. Não nos vemos, não
nos definimos, não somos capazer de dizer o que já somos o que está por vir. O nosso trabalho nos faz
devir animal capaz de planejarmos o caminho e esgotar os cálculos.
Meu sono está por vir. Um real sonho de pertencer á uma companhia teatral de fato. Para todos os
efeitos, hoje, dia do renascimento desses alguns atores, renasce também o nosso registro oficial. Hoje
não só rompemos a plascenta, mas registramos em cartório, batizamos e matriculamos na escola, (salve
dan!).
Nascer sempre é um processo doloroso. Imagina você ter ficado tanto tempo dentro de uma “atmosfera”
líquida, sendo que você cresceu muito mais do que aquela película pode aguentar e de repente, quando
isso se rompe, você é obrigado colocar ar nos pulmões que antes estavam encharcados, selados. Pela
primeira vez ver a luz, ouvir ondas sonoras sem a reverberação líquida. Isso dói. E chora-se pela dor e
delícia de reconhecermos que agora Somos. No momento em que se Nasce, se É.
Mais um verbo.
To be or not to be? Estar ou não Estar? Star or não Star? Ser ou não Ser?
Mais uma questão. Afinal precisamos sempre buscar melhores questões… não é verdade?
Onde que é vai dá?
Esquizo
Há uma experiência esquizofrênica, sem figura nem forma, da intensidade em estado puro. Um pathos que
confere à alucinação a expressão de um objeto e ao delírio seu conteúdo. Ambos são metabolizações
secundárias da dimensão pática dos devires, intensidades e passagens, formadas respectivamente por
projeção e interiorização de tais movimentos páticos. Devires e passagens são gradações de força que
atravessam as formas sujeito. (AE, I.3.3)
O pensamento reflexivo que busca totalidades em unidades e na sua busca forja objetos completos, imagens
globais e um Eu específico. Sem dúvida, todas estas formações existem, são conversões realizadas com a
injeção de um transcendental psicológico e reflexivo do pensamento, não formações imanentes ao
inconsciente e ao campo social enquanto prática e inscrição do produto na produção. Conversão operada
pelo uso transcendente, global e específico das sínteses conectivas. (AE, II.3.3)
IV.5.9 – a esquizofrenia é processo, e se desdobra enquanto patologia perante uma parada forçada
do processo, na qual o limite da produção é deslocada para caber na neurotização, nos limites da
reprodução edipiana. Na continuação do processo no vazio, formação de territórios artificiais sob o
qual os contrainvestimentos sociais que produzem o esquizofrênico são alocados sob o modo
producente da perversão. Ou ainda quando o processo é forçado a tomar-se por meta, fechando-se sobre
si próprio até fazer calar as máquinas da produção desterritorializada do desejo sobre a forma catatônica
desterritorializada.
Pélbart: Poder sobre a vida, potencia da vida:
O esquizo está presente e ausente simultaneamente, ele está na tua frente e ao mesmo tempo te escapa,
sempre está dentro e fora, da conversa, da família, da cidade, da economia, da cultura, da linguagem...
Ele ocupa um território mas ao mesmo tempo o desmancha, dificilmente ele entra em confronto direto
com aquilo que recusa, não aceita a dialética da oposição, que sabe submetida de antemão ao campo
do adversário, por isso ele desliza, escorrega, recusa o jogo ou subverte-lhe o sentido, corrói o
próprio campo e assim resiste às injunções dominantes. O nômade, como o esquizo, é o
desterritorializado por excelência, aquele que foge e faz tudo fugir. Ele faz da própria
desterritorialização um território subjetivo.
[[ fazer da própria deriva seu fundamento, seu território em mutação.
A figura conceitual do esquizo trata do elogio dos processos de descodificação, de liberação dos fluxos, a
esquizofrenia aparece como processo para Deleuze e Guattari (2011, p. 11 e 90). O delírio da língua é condição
de saúde como aponta ainda Deleuze (2011) em A literatura e a vida.
Esquizo e procedimento
O procedimento linguístico de Wolfson permanece um protocolo, improdutivo, como aponta Machado (p.
217).
Há de transformá-lo em procedimento literário, há de se implicar a literatura e a vida na superfície do vivo.
Como?
O que há de impossível na linguagem é seu fora, que repousa no que distinguimos então como
procedimento literário.
Wolfson parece habitar ainda a profundidade da língua materna. Nele, assinala Deleuze (2011, p. 26), “a
equivalência é, pois, profunda: por um lado, entre as palavras maternas insuportáveis e os alimentos venenosos
ou contaminados; por outro, entre as palavras estrangeiras de transformação e as fórmulas ou combinações
atômicas instáveis”. Entre vida e saber, sua vida fica ao lado dos processos de profundidade ainda. A
transformação se dá na superfície.
A lógica militar (BATAILLE, ) está servindo sempre a um princípio unificante, seja o Estado seja o Eu,
enquanto aquilo que destitui o Eu, a experiência transcendental da psicose (LAING, 1978) é um caos que
engendra mundos e outros modos de organização porvir, em desacordo com as que regem a atual ordem das
coisas.
AE
14 prod consumo registro
26 sint disj
33 atraçao repulsão
37 suj é contorno
81 retorno do mito como exprss 102
82 ics orfao 150 ics prod
86 castaçao faz retornar
101 trans e falta mediados pelo faloe lei q isntitui a cadeia da sigcaçao e introduz as exlucsoes
117 esquizo viagm
Esquizo e Fora
Comum ao fora e à norma = esquizo, malucobeleza.
O que interessa sobretudo no esquizo, enquanto personagem conceitual, é como ele faz passar fluxos
e linhas de intensidade que escapam à formalização, aos processos de inscrição sobrecodificante dos
complexos saber/poder, escapando mesmo à separação entre interior e exterior para encontrar uma política
do contrassenso. Deleuze (Conv, p. 35) salienta que trata-se de “liberar os fluxos, ir cada vez mais longe no
artificio: o esquizo é alguém descodificado, desterritorializado”. Atentamos para a sutileza do termo
descodificação, que refere o esquizo não a uma entidade clínica hospitalizada, mas à desestabilização das
estruturas, ao embaralhamento dos códigos donde podemos toma-lo como processo de dissolução do eu.
O esquizo – como uma flor ou uma semente, que ao lançar suas esporas morre para dar vida ao novo
– lança singularidades plenas de potenciais de invenção para em seguida morrer enquanto forma, dando
lugar a outro composto emaranhado de forças no remanejamento dos afetos e energias impessoais. Trabalho
de espalhar o que já está morto ou quase morto para o que é vivo crescer.
Esquizo, vida e Abundância
O esquizo é testemunha de que a vida, enquanto proliferação das forças do fora, escorre por todos os
lados. Tal transbordamento
Entendemos um laço fundamental entre o signo, a escritura e o esquizo. De modo que vemos neste
uma política cognitiva correspondente a um modo de produção não redutível e jamais exclusivo ao
esquizofrênico ou à esquizofrenia. O esquizo, postulado por Deleuze e Guattari (AE), se desenha na
contrapartida à concepção de delírio em Freud (1915/ics) – mesmo quando este a pareia à filosofia, entendida
então como uma visão de mundo – e da psicose em Lacan (Sem3??) – mesmo quando este se mostra sensível
ao surrealismo – para se encontrar com a definição de Guattari (CO) das estases caósmicas: modulações
intensivas pela alteridade, movimento intensivo de parada e dinamismo, comuns ao esquizo e aos
processos de criação. Pelbart (2007) ressalta a profunda distinção entre o esquizo enquanto relação
fundamental com o fora e as apreensões da loucura como clausura do fora.
Tanto a figura do esquizo quanto os processos de criação, dizem respeito à dimensão microfísica de
interação de singularidades, na qual se dão ligações à distância, associações entre de ordens diferentes.
Dimensão em que se organizam as sínteses disjuntivas e os movimentos tendenciais, de arrastamento e fuga
de forças fluidas “que já não obedecem às leis estatísticas; ondas e corpúsculos, fluxos e objetos parciais que
já não são tributários dos grandes números, linhas de fuga infinitesimais em vez de perspectivas de grandes
conjuntos” (DELEUZE & GUATTARI, AE, p. 370). Dimensão na qual se dá a captura, dimensão a ser
capturada nas tramas de um regime de poder, alvo de sobrecodificação no qual reside, entretanto, toda
possibilidade de saída, de fazer fugir na invenção, paulatina ou escandalosa, de novos possíveis.
O silêncio ou o ruído, o grito ou o murmúrio abre uma fresta no momento sobrecodificante que emite
uma impressão gregária sobre o paciente, tomando-o como grupo sujeitado (GUATTARI, RM) inserindo-o
num fenômeno de massa tipo DSM que rebate um investimento paranoico (do tipo “você é assim”). AE 371
Estados de alma
Alma é a entidade simples e indivisível que constitui o princípio autônomo e irredutível da vida, da
sensibilidade e das atividades espirituais. Sua substancialidade garante a estabilidade e a permanência
desses valores. a realidade mais alta
ou última, ou, às vezes, o próprio princípio
ordenador e governador do mundo
da interioridade espiritual como via de acesso privilegiada à realidade própria da alma. Essa via de
acesso é a experiência interior, a reflexão sobre a própria interioridade: consciência experiência interna,
diferente da experiência sensível ou externa
"Não saias de ti, volta-te para ti mesmo, no interior do homem mora a verdade; e, se achares mutável a
tua natureza, transcende-te a ti mesmo" (Santo Agostinho, De vera rei, § 39).
Para Hegel (FE1), a alma corresponde ao primeiro grau do desenvolvimento do Espírito, a autoconsciência, o
espírito em seu aspecto individual, ela é o fundamento de toda individualização do espírito. Verdde da matéria.
A força da noção de alma deve-se ao às garantias que fornece ou parece fornecer a determinados valores.
Hegel retomou- o em Fenomenologia do espírito (VI, C, c): a A. bela é uma consciência que "vive na
ânsia de manchar com a ação e com o existir a honestidade do seu interior"
consciência desperta; a consciência coloca-se como razão que desperta assim que toma ciência de si; e
a razão, por meio de sua atividade,
liberta-se fazendo-se objetividade, consciência do seu objeto"
Toda escrita deve, pois, para ser o que ela é, poder funcionar na ausência radical de todo
destinatário empiricamente determinado em geral. E essa ausência não é uma modificação contínua
da presença, é uma ruptura da presença, a “morte” ou a possibilidade da “morte” do destinatário
inscrita na estrutura da marca” (Derrida, 1990/1991, p.19). Esse mecanismo que estrutura a escrita
impede qualquer determinação do contexto ou fechamento de sistema, toda autoridade ou soberania em
relação ao saber é desmantelada e o que resta é a “deriva essencial” do signo
“O devir é a própria pulsão na medida em que não existe pulsão desatrelada de linguagem e,
conseqüentemente, de representação [cuja essência é portar um enigma, uma inconclusibilidade, uma
im/perfeição]. No ser humano essa força – potência, vontade, libido - segue seu fluxo na e pela linguagem e
através dela vivemos. O signo, na sua iterabilidade, segue reiniciando a vida e seu mistério”. (a escrita
derridiana)
Sócrates não escreve porque a grafia (distanciada da origem) mata o logos. A escritura é acusada de
artificialidade, repetição, acaso, morte da memória. Já o logos presente na fala é como um “ser vivo” e, por
isso, o lugar privilegiado da dialética, do saber e da Verdade.
a fala para garantir a presença do sentido. Isto porque, à diferença da escrita, a fala é mais próxima do logos,
um logos que é vivo porque tem um pai presente
com a fala, o problema da deriva (e da indeterminação do sentido) se apaga, visto que o autor está presente
para responder pelo seu “querer-dizer”, pelo “sentido” que deseja
“expressar”.
Os estados da alma são equiparados à própria coisa, uma vez que a voz é aquilo que está mais próximo do
significado das coisas.
“a escrita sensível, finita, artificiosa, um procedimento humano que traz consigo o risco da corrupção do
sentido, de desvio do verdadeiro querer-dizer; por outro lado, existe
uma escrita inteligível e intemporal, cuja continuidade Derrida ressalta, apesar das
diversas metáforas utilizadas para designá-la. Esta seria a escritura da verdade na
alma de Platão, a escritura divina da Idade Média, a escritura natural da
modernidade (“A natureza está escrita em linguagem matemática”
VER:
Estética
Estética:
Staiger (apud SZONDI, 2004, p. 141): “Só desde o seu surgimento [de Schelling] tornou-se possível um
sistema da estética, uma vez que ele retomou primeiro o ponto de vista da idéia”.
Segundo Rancière (2005a), ele deseja pontuar sobretudo a dimensão estética da experiência política.
Estética nos mesmos termos que tem as formas a priori de sensibilidade kantianas. Assim, embora não se
trate de uma questão de arte ou de gosto, mas de tempo e espaço, estes não são colocados como formas de
apresentação do conhecimento, mas como jogo de posições, o como e o que das formas de configuração de
nosso lugar na comunidade, na cultura ou na sociedade política, formas de distribuição no e do sensível.
Entrelaçando ética, estética e política.
Se refere à distribuição política dos espaços e dos tempos de cada elemento dentro da sociedade.
A estética instaura sensíveis, apresentando formas de efetuação e modos de vida.
O que está em jogo na revolução estética proposta por Rancière (2005a) é a hierarquia entre sujeitos e
gêneros; a superioridade da ação humana sobre a vida e a esquematização da racionalidade em termos de
causas e efeitos, meios e fins.
Estética singularidade
“A estética: a fuga da forma em favor da zona de vizinhança. Nem identificação, nem imitação, nem
Mímesis. Supressão do platonismo e abertura para os simulacros. O devir dá um ponto final à representação”
(ULPIANO , 2013, p. 152).
A interpretação é aforística e a avaliação, poética, seguindo a esteira nietzschiana de Deleuze ().
Interpretação da o sentido que qualifica, a avaliação dá os valores que instauram realidades??
Estoicos
Estoicismo, outrem, incorporal, proposição
Estoicismo nasceu de Zenão como articulação dos três âmbitos da filosofia na época, a ética, a física
e a lógica.
as variáveis de Aristóteles representavam termos (sujeitos e predicados), ao passo que as variáveis dos
estóicos representavam frases inteiras. A silogística aristotélica formaliza aquilo que hoje em dia
poderíamos chamar «lógica de predicados»; a dos estóicos formaliza aquilo a que chamamos «lógica
proposicional»11
Na lógica estóica, a validade do argumento não depende do conteúdo das frases individuais
Se Platão está morto, Atenas é na Grécia.
Platão está morto.
Logo, Atenas é na Grécia.
11
Deleuze (2003, p. 156) assinala que “a figura nova da ilusão, seu caráter técnico, vem desta vez do esforço, visando modelar a
forma dos problemas sobre a forma de possibilidade das proposições. Já é este
o caso em Aristóteles, que assinalava à dialética sua tarefa real, sua única tarefa efetiva: a
arte dos problemas e das questões. Ao passo que a Analítica nos dá o meio de resolver um
problema já dado, ou de responder a uma questão, a Dialética deve mostrar como se
estabelece legitimamente a questão. A Analítica estuda o processo pelo qual o silogismo
conclui necessariamente, mas a Dialética inventa os temas de silogismos (que Aristóteles
chama precisamente "problemas") e engendra os elementos de silogismo concernentes a
um tema ("proposições"). Acontece que, para avaliar um problema, Aristóteles nos
convida a considerar "as opiniões que são recebidas por todos os homens ou pela maior
parte deles, ou pelos sábios", para referi-los a pontos de vista gerais (predicáveis) e
formar, assim, os lugares que permitem estabelecê-los ou refutá-los numa discussão. Os
lugares-comuns são, pois, a prova do próprio senso comum; será considerado falso
problema todo aquele cuja proposição correspondente contenha um vício lógico
concernente ao acidente, ao gênero, ao próprio ou à definição. Se a dialética aparece
desvalorizada em Aristóteles, reduzida às simples verossimilhanças da opinião ou da doxa,
não é porque ele tenha compreendido mal sua tarefa essencial, mas, ao contrário, porque
concebeu mal a realização desta tarefa. Preso à ilusão natural, ele decalca os problemas
sobre as proposições do senso comum; preso à ilusão filosófica, ele faz com que a verdade
dos problemas dependa de lugares-comuns, isto é, da possibilidade lógica de receber uma
solução (as próprias proposições designando casos de soluções possíveis)”.
As coisas
significadas podiam ser corpos ou afirmações (lekta). Por afirmações
entende-se não a frase, mas aquilo que é dito na frase. Se digo «Díon
caminha», a palavra «Díon» significa o corpo que vejo; mas aquilo que
quero dizer com a frase não é um corpo, mas sim uma afirmação sobre
um corpo.
Neste sentido, há um choque entre a lógica e a física estóicas: as
afirmações da lógica estóica são entidades não corpóreas, ao passo que
a física estóica apenas reconhece a existência aos corpos. Os estóicos
pensavam que, em tempos, existia apenas o fogo , do qual emergiram
gradualmente os restantes elementos e os acessórios habituais do
universo. No futuro, o mundo regressará ao fogo numa conflagração
universal, e então o ciclo da sua história repetir-se-á uma e outra vez.
Os estóicos afirmavam que só existem corpos (mesmo a alma era corporal, sendo um sopro sutil e
invisível, o pneuma). Afirmavam também que há certas coisas que não existem propriamente, mas
subsistem por meio de outras, sendo incorporais. Entre os incorporais colocavam o exprimível , isto
é, a linguagem ou o discurso, e consideravam o estudo dos discursos ou dos logoi uma disciplina
filosófica especial: a lógica.
Por afirmarem que somente os corpos existem, os estóicos afirmavam, como conseqüência, que os
juízos e as proposições só poderiam referir-se ao particular ou ao singular, uma vez que os universais
não têm existência, ou seja, não existem corpos universais, mas apenas singulares. As coisas
singulares se imprimem em nós por meio da percepção ou da representação; sobre elas formulamos
os juízos e os exprimimos em proposições verdadeiras ou falsas, cabendo à lógica duas tarefas:
1. determinar os critérios pelos quais uma proposição pode ser considerada verdadeira ou falsa; e
2. estabelecer as condições para o encadeamento verdadeiro de proposições, isto é, o raciocínio como
ligação entre proposições singulares.
Por meio da percepção temos a representação direta de uma realidade. Nossa memória guarda a
recordação dessa representação e de muitas outras, formando a experiência. Da experiência nascem
noções gerais sobre as coisas, noções comuns, que são antecipações sobre as coisas singulares de
que temos ou teremos percepções.
A lógica se refere à relação entre as noções comuns gerais e as representações particulares. As noções
comuns gerais correspondem ao que Aristóteles chamou de categorias, mas reduzidas a apenas quatro:
1. o sujeito ou substância, expresso por um substantivo ou por um pronome;
2. a qualidade, expressa por adjetivos;
3. a ação e a paixão, expressas pelos verbos;
4. a relação, que se estabelece entre as três primeiras categorias.
Uma outra inovação importante trazida pelos estóicos refere-se à proposição. Esta não é, como era
para Aristóteles, a atribuição de um predicado ao sujeito (S é P), mas é um acontecimento expresso
por palavras: o predicado é um verbo que indica algo que acontece ou aconteceu com o sujeito: “Pedro
morre” (e não “Pedro é mortal”); “É dia, está claro” (e não “O dia é claro”); “João adoece” (e não “João
é doente”).
Como conseqüência das inovações (só há corpos, só há coisas singulares, só há quatro categorias,
somente o verbo é predicado), os estóicos concebem a lógica como uma disciplina que se ocupa dos
significados, buscando, por meio deles, aquilo que significa e aquilo que é. Por exemplo, se eu disser
“Sócrates”, temos nessa palavra aquilo que o significado significa – alguém chamado Sócrates -, e nela
temos também o próprio Sócrates, que é aquilo que é, ou seja, a coisa real significada pela palavra
Sócrates.
O significado estabelece a relação entre a palavra Sócrates e o homem real Sócrates. O significado é,
ao mesmo tempo, a representação mental ou o conceito ou a noção que formamos de Sócrates e a
relação entre essa representação e o ser real de Sócrates. Em suma, o significado é o que permite
estabelecer a relação entre uma palavra e um ser, pela mediação da representação mental que
possuímos desse ser. É o sentido. A lógica estóica opera com o sentido ou com o significado.
Uma proposição, para os estóicos, é sempre um enunciado simples sobre um acontecimento referente
a um significado (“Sócrates escreve”, “Sócrates anda”, “Sócrates senta-se”). Existem cinco tipos de
ligações entre as proposições, formando cinco tipos de raciocínios:
1. raciocínio hipotético, o mais importante e do qual derivam as demais, ele exprime uma relação entre
um antecedente e um conseqüente, do tipo Se… então… Por exemplo: “Se há fumaça, então há fogo;
há fumaça, portanto, há fogo”; “Se é noite, então há trevas; é noite, portanto, há trevas”;
2. raciocínio conjuntivo, que simplesmente justapõe os acontecimentos. Por exemplo: “É dia, está
claro”; ou “É dia e está claro”;
3. raciocínio disjuntivo, que separa os enunciados, de modo que somente um deles seja verdadeiro. Por
exemplo: “Ou é dia ou é noite”;
4. raciocínio causal, que exprime a causa do acontecimento. Por exemplo: “Visto que está claro,
portanto, é dia”;
5. raciocínio relativo, que exprime o mais (ou maior) e o menos (ou menor). Por exemplo: “Está menos
escuro quando é mais dia”.
A lógica contemporânea irá buscar nos estóicos a idéia de relação, contrapondo-a à atribuição
aristotélica, que estabelece a inclusão do predicado no sujeito.
Estrutura
Minayo 2011:
O termo estrutura remonta ao século XVI e
XVII, significando o modo como um edifício era construído e conotando a inter-relação das
partes no todo. Herbert Spencer, no final do século
XIX (1885) foi o primeiro a introduzir a
noção nas ciências sociais. Também Durkheim
(1978), Radcliffe Brown (1972), Marx e Engels
(1984) se serviram da idéia de estrutura, como
metáfora, para o desenvolvimento de suas teorias.
Um dos autores modernos mais citados,
Robert Merton (1968) usa o termo estrutura no
título de sua obra clássica e, durante todo o desenrolar
de sua teoria, a aproxima do conceito
de função, de análise funcional, tentando entender
os tipos ideais de papéis sociais desempenhados
pelos sujeitos dentro das intrincadas
redes de relações em que vivem. Herbert Spencer fazia uma associação direta entre estrutura e função, em
analogia com o desempenho anatômico do corpo humano, para indicar aquilo
que se constitui como aspectos estáveis e conformadores da realidade e os elementos de sua
constante atualização. Essa transferência dos termos das ciências biológicas está presente durante
todo o desenvolvimento da sociologia, de
forma problemática, pois, como o mostram vários
críticos sociais, entre a realidade social e o mundo biológico existem profundas diferenças qualitativas.
estrutura traz implícitas algumas idéias subjacentes, tais como: totalidade, interdependência das partes, auto-
regulação e transformação
logica estruturalista: discutem a sociedade como sendo determinada por causas positivas, exteriores aos
indivíduos, sendo o comportamento humano uma resultante de leis dos processos sociais.
Radcliffe Brown (1972), como expoente do funcional estruturalismo: sociedade como metáfora de um
organismo vivo, possuidor de vida própria; cada parte está no todo e funciona interdependentemente; social
holístico: todo é mais que a soma das partes e é dotado de natureza, funções e finalidades próprias que
influenciam e determinam os indivíduos-membros; estrutura social encontra- se no nível dos dados da
experiência e faz parte dela; As modificações na sociedade acontecem
por nascimentos, mortes, conflitos, relações de
amizade, mas são circulares, tendendo à homeostase.
O autor conclui que, assim como o
ser humano nasce, cresce, amadurece e morre,
também as sociedades se modificam e até desaparecem.
É uma ordem natural e, nesse sentido,
determinada, com regularidades auto-organizadoras.
Portanto, a questão do sujeito é
tratada pelo autor, da mesma forma que no positivismo
de Durkheim - sociedades modernas, movidas pela solidariedade
orgânica, o todo cresce ao mesmo tempo que as individualidades das partes. Porém, a
sociedade torna-se mais capaz de mover-se como conjunto, ao mesmo tempo em que seus
componentes têm mais movimentos próprios, existindo uma relação de reciprocidade nos
termos.- (l978), segundo o qual, o indivíduo isolado é uma pura abstração, e o
sujeito é um produto da sociedade. Em palavras
textuais: “Os indivíduos são como marionetes
de uma ilusão de liberdade”.
N. Holoud:
Epistêmico: atitude metodológica da ciência estrutural que considera os sistemas de relações de seus
objetos.
Ontológico: considera a realidade empírica e seu comportamento estrutural.
Uma estrutura (forma vazia, dinâmica e bem definida> f e sgfç) de significação que faz algo tomar um sgd
para alguém numa realidade operante sem nada de objetivo ou cs.
Lévi-Strauss: estrutura condiz aos modelos construídos conforme a realidade empírica, não pertence a esta,
mas a modelo aplicado a ela.
Em Deleuze (ID):
As operações e funções estruturais, como a retórica, a metáfora e a metonímia constituem ações propositivas
sobre o real e o imaginário à medida que abarcam simultaneamente o próprio e o figurado. A elas
contrapomos as noções de deslocamento, retirada do sistema, ausência e indeterminação sob uma lógica
do pior.
“Nada que ver, enfim, com uma essência; porque se trata de uma combinatória referente a elementos
formais que, em si mesmos, não tem nem forma, nem significação, nem representação, nem conteúdo,
nem realidade empírica dada, nem modelo funcional hipotético, nem inteligibilidade por detrás das
aparências” (ID, p. 215)
A estrutura, ou melhor, a estruturação, corresponde à suas teorias, aos sistemas formais ao passo que o
simbólico corresponde à própria produção do objeto teórico e especifico forjado em seu cerne.
“O implícito não pertence à essência do discurso” (DERRIDA, VF, p. 44), o implícito, o sentido oculto é,
antes, um efeito de uma dobra que os mecanismos de saber/poder exercem sobre o material que objetificam
a fim de lhe extrair uma verdade fundamental, essencial, original.
Os seis critérios com os quais se define o estruturalismo para Deleuze (ID, 2006) são o simbólico, o lugar ou
a posição, o diferencial e o singular, o diferenciador ou diferenciação, o serial (a outra metade que coloca a
estrutura para funcionar, por isto, a estrutura funciona com a seriação), a casa vazia.
Os elementos simbólicos de uma estrutura carecem de designação extrínseca (tal como o real conceitual, cuja
significação é imputada do exterior) e de significação intrínseca (de algum conteúdo imaginário).
“eles tem tão-somente um sentido: um sentido que é necessária e unicamente de ‘posição’” “locais e
de lugares num espaço propriamente estrutural, isto e, topológico. Aquilo que é estrutural é o espaço,
mas um espaço inextenso, pré-extensivo, puro spatium constituído cada vez mais como ordem de
vizinhança, em que a noção de vizinhança tem precisamente, antes, um sentido ordinal e não uma
significação na extensão” (DELEUZE, ID, p. 216).
Exclusão
apoiou em Dumézil para descobrir a forma estruturada da experiência da loucura, que é a da exclusão social.
A loucura “só existe em uma sociedade, ela não existe fora das formas de repulsa que a excluem ou a
capturam” (p. 150). Na Idade Média ela está presente no cotidiano como fato estético, a partir do século
XVII, da internação ela sucumbe ao silêncio, ela passa a ser derrisória, mentirosa
Influência de Dumézil numa linguagem geométrica, antes que topológica. Não incorre por aproximações, mas
por fora, dentro, situação, limite, etc.
VER:
Existência concreta e homem concreto, homem e normatividade
referindo-se à experiência humana, Canguilhem (2012, p. 166) pondera que
“o doente é um Sujeito, capaz de expressão, que se reconhece como Sujeito em tudo aquilo que ele só
sabe designar pelos possessivos: sua dor e a representação que ele faz dela, sua angústia, suas
esperanças e seus sonhos. Ao mesmo tempo em que, no que tange à racionalidade, somos capazes de
detectar em todas essas possessões inúmeras ilusões, o poder da ilusão deve permanecer sendo
reconhecido em sua autenticidade. É objetivo reconhecer que o poder de ilusão não é da competência
de um objeto [...] É impossível anular na objetividade do saber médico a subjetividade da experiência
vivida pelo doente. Esse protesto da existência merece ser entendida, considerando que ela opõe à
racionalidade de um julgamento bem fundado o limite de um tipo de teto impossível de rebentar”.
(Badiou, 2015, p. 60-1 modificado na tradução)
Homem concreto é o que Foucault (1954/1999) encontra na obra de Binswangen por exemplo. Seu largo
comentário parece culminar para o elogio da abordagem de Binswagen que vai direto à existência concreta,
seus desdobramentos e atravessamentos históricos.
Direto ao ponto que se articulam as formas e condições de existência.
Abbagnano:
Bergson contrapôs constantemente
o tempo "concreto" da consciência ao tempo
"abstrato" da ciência e, de modo geral, o procedimento da ciência que se vale de conceitos ou símbolos,
isto é, de "idéias abstratas ou gerais", ao procedimento intuitivo ou simpático da filosofia (cf., p. ex.,
Lapenséeet le mouvant, 3- ed., 1934, p. 210).
VER:
Jaspers (1970) entende o homem como objeto e como liberdade que não se deixa objetivar. O
primeiro corresponde ao indivíduo sujeitado como objeto dos saberes (da vida, dos saberes empíricos e das
ciências humanas) e não é capaz de apreender sua totalidade. Mediante a incapacidade de determinar a
totalidade do ser do homem, o filósofo postula a questão de onde encontrar uma direção para ele. De fato, sua
vida não se desenrola como a dos animais, na simples sucessão e encadeamento de repetições idênticas
submetida às leis naturais. Logo, enquanto liberdade que não se deixa objetivar, o ser do homem é incerto e
esta constitui sua mais marcante característica na visão do filósofo alemão.
Jaspers (1970, p. 56) entende que “ao homem lhe é dado manejar com liberdade sua existência, como
se fosse um material”. Esta existência material é a vivência concreta que cada indivíduo tem de si apenas
enquanto parcialidades.
O indivíduo enquanto liberdade se liga ao impensado para Foucault (2000) e mesmo Deleuze (2002) entende
como movimento de individuação.
A existência concreta é vivenciada pelo humano que reside, persiste em nós à despeito do homem-que-
somos, na acepção de Deligny (2015).
Em contato com esta dimensão que dispensa o querer e a vontade, assim como seus correlatos desdobrados e
imediatos da consciência, da responsabilidade, etc.
Assim, a experiência concreta é passível também À loucura, à despeito da sua objetivação como
doença mental, sob a figura psicossocial do louco.
Experiência
Pautamos entre vivência e experiência uma distinção sutil, porém de uma importância para esta tese.
Uma vez desvencilhamos a experiência da questão da fundação do sujeito, que se liga ao vivido na busca de
um suposto referencial originário, isto é, como um grau zero de onde emanam as significações originárias
no ímpeto de para superar o transitório, inscrevemos a experiência no âmbito das estratégias de
dessubjetivação seguindo as pistas de Foucault (1978/2010). Enquanto meio de dessubjetivação, a
experiência é definida como ficção fabricada e implicada num conjunto heteromorfo de práticas e discursos
que, não obstante, a aproxima perigosamente das tensões de intensidade e de impossibilidade que
caracterizam o não-vivível. A partir deste jogo de intensidades e impossibilidades do não-vivível é que se
desenham outros possíveis como manifestação da diferença e da multiplicidade que pulsam na experiência,
mesmo que este pulso leve à aniquilação e dissolução do sujeito no desapego e na abdicação si mesmo,
caracterizando uma experiência-limite (FOUCAULT, 1963/2001)
Na contiguidade desta dimensão de dessubjetivação dada no não-vivível e na dissolução do sujeito, a
experiência é inseparável ainda de uma dimensão histórica que a inscreve no campo de constituição de
objetividades. No conflito entre uma e outra, a experiência é inscrita numa política de cognição e
intervenção desde a qual se desenham éticas de governo e práticas de si. Este jogo faz de cada experiência
uma ficção local, transitória e modulável ou, em para ser sintético, uma forma histórica de subjetivação.
Deste modo, cada forma da experiência é indissociavelmente inscrita na historicidade das condições em que
cada ela se forma, se desenvolve e se transform. À medida em que a experiência não remete a um lugar
originário, indiferenciado e cru e não se limita às suas formas de objetivação é que ela constitui possibilidades
e estratégias de dessubjetivação que apontam, segundo Foucault (1984/2004) para a transitoriedade das
distintas formas de existência, transitoriedade que concerne igualmente às várias configurações que a loucura
assume na história.
No capítulo A morte possível d’O espaço literário, Blanchot (2011b) lembra Rilke dizendo que versos são
experiências e não sentimentos, pois para escrever um verso é condição não suficiente ter muita vivência, uma
vez que
as lembranças são necessárias, mas para serem esquecidas, para que nesse esquecimento, no silêncio
de uma profunda metamorfose, nasça finalmente uma palavra, a primeira palavra de um verso.
Experiência significa, neste ponto: contato com o ser, renovação do eu nesse contato - uma prova,
mas que permanece indeterminada.
A poesia e o escrever torna o poeta “incerto de si mesmo e como que inexistente”.
Eles são como que uma vivência (Ebhrenis...) Nit Viesenteiner...
Experiência: um acúmulo, uma variedade, um conjunto heterogêneos de sentidos que regulam (norma) a
existência em sua possível vivência nas condições da situação presente.
Voc:
De início, Foucault traz um conceito de experiência próximo à fenomenologia existencial (como olhar
reflexivo sobre o vivido ou objeto que tenta superar ou passar ao largo de sua natureza transitória para
buscar significações) como lugar em que se descobre as significações originárias. Esse referencial procura
desdobrar todo o vivível e possível da exp cotidiana. Busca a significação da exp cotidiana para colocar o
sujeito como fundador desta exp e de suas significações.
No texto a Binswanger (1954/1999??) e no prefácio a HL (1961/1999) ao tratar do grau zero da loucura como
exp indiferenciada.
Posteriormente, a exp aparece não como aquilo que funda o sujeito, mas como índice de dessubjetivação.
Apoiado em Nietzsche, Bataille e Blanchot, a noção de experiência alça o mais próximo possível do não-
vivível – e não partilhável da loucura – que requer o máximo de intensidade e de impossibilidade – daí criar
possíveis. A experiência arranca o sujeito de si mesmo levando-o à aniquilação e dissolução. Exp-limite,
Outro da cultura.
(Converzacione com Michel Foucault 1978/2010)
A experiência é uma ficção que se fabrica para si mesmo num momento datado tendo como horizonte um
conjunto de práticas e discursos.
pretendemos afirmar a doença como um modo de vida – um pathos, sobre o qual se produz e se modula
mundos – que deve ser olhada do ponto de vista pático no qual o sofrer aparece próximo ao experimentar.
Esta dimensão pática é acentuada na crise, onde nada mais parece possível e no qual se cruzam as
transformações. A crise, entendida não como resultado, mas como um novo amanhecer, começa um espaço
e um tempo próprios, desvinculados do mundo objetivo, ôntico e cotidiano. Daí ela aparecer como
construção de superfícies propicia às mutações da experiência e nos possíveis – tomados na autenticidade
positiva do ainda-não, no experimentalismo de um procedimento ético - que esta abre mediante uma dinâmica
intensiva de forças no esgotamento e na criação artísticas.
“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção,
um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar,
parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir,
sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a
vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos,
falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar
muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.” Bondía, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de
experiência. Rev. Bras. Educ. [online]. 2002, n.19, p. 24.
Experiência em Agamben
http://revistacult.uol.com.br/home/2013/09/o-lugar-da-poesia/
http://unisinos.br/blogs/ihu/invencao/poesia-e-linguagem-em-giorgio-agamben/
“o que se pode fazer transcorrer e transmitir nos estudos da subjetividade não é a certeza de um experimento,
mas a irrequieta e incômoda passagem política e metodológica de uma experiência” (MIZOGUCHI, 2015,
p. 202).
Inacabamento
VER:
Experiência X vivência
Experimento
Ver FRENCH no pc
Fantasma, fantasia
A partir do filme Frantz de F. Ozon, podemos realizar uma leitura do que se pode depreender da noção
psicanalítica de fantasma. Frantz só aparece como um fantasma, com seus nefastos e perversos efeitos sobre
a vida daqueles que se veem assombrados por ele. A noiva do falecido, Anna, e o suposto amigo, Adrien, que
não verdade foi adversário de trincheira e quem matou afinal o personagem que dá nome ao longa.
Frantz não aparece na cena em momento algum. Ele apenas aparece como projeção dos vivos, que
o veem nas suas mentiras – nas que Adrien se vê envolto para vestir o personagem do amigo que lhe é atribuído
–, no sonho de Anna.
Fenomenologia
A fenomenologia surge atentando para o que o positivismo é insensível, para os fenômenos das adversidades
e variáveis envolvidas na condição de análise: o cognitivo do indivíduo, suas origens, condição social, cultura,
afetividade e tudo que norteia a sua condição humana. Ela surge como ciência das condições apropriadas
para interpretar e elucidar a subjetividade humana, sobre si mesmo e o mundo à sua volta. E almeja:
objetivação do fenômeno; hierarquização das ações de descrever, compreender, explicar, precisão das
relações entre o global e o local em determinado fenômeno; observância das diferenças entre o mundo
social e o mundo natural; respeito ao caráter interativo entre os objetivos buscados pelos
investigadores, suas orientações teóricas e seus dados empíricos; busca de resultados os mais fidedignos
possíveis; oposição ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências
(SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009, p. 32).
Realiza: interpretações científicas das crenças, valores, cultura, vocabulário, escrita, e toda expressão que
caracteriza um indivíduo e o torna único, bem como, sua identidade perante sua comunidade (CERBONE, 2012).
Procedimentos metodológicos: Observação Participante, Entrevistas e História de Vida.
Fenomenologia:
Termo presente em Hegel, Kant (teoria do movimento) no positivismo, em Jung (dos contos de fadas). Estudo
puramente descritivo do fenômeno tal qual este se apresenta à nossa experiência.
Fenômeno: A) modo da aparência sensível (ou fato puro e simples), considerada ou não como manifestação
da realidade ou fato real ou 2) objeto específico do conhecimento que aparece sob condições particulares,
qualificado e delimitado pela relação com o homem e as características de sua estrutura cognoscitiva. Ou
ainda, para Husserl C) o fenômeno corresponde à revelação do objeto em si e não uma manifestação natural
ou espontânea da coisa.
Para a fenomenologia, não existe objeto sem sujeito. Ela apenas descreve os fatos, não explica e nem analisa,
nem coloca a historicidade dos fenômenos. É uma caracterização geral do modo com que habitamos e nos
relacionamos com o mundo e seus conteúdos, que são objetos para as ciências.
Enquanto tentativa de inscrever as coisas no tempo do homem é que se pauta a compreensão, conhecimento
interpretativo intuitivo e sintético que leva o sujeito cognoscente a identificar-se com as significações
intencionais na apreensão imediata e íntima da essência e do sentido de um fato humano, por oposição ao
modo propriamente científico analítico e discursivo, que é o da explicação que procede por decomposições e
reconstrução de conceitos e procura determinar as condições de um fenômeno e das relações que ligam os
fenômenos entre si. "Nós explicamos a natureza. mas nós compreendemos a vida psíquica" (Dilthey apud
JAPIASSU & MARCONDES, p. 42).
Husserl:
Fenomenologia12: investigação sistemática da natureza dos atos mentais (verdade> origem do conhecer), da
consciência e de seus objetos (meros correlatos dos estados mentais) calcada na apreensão do sentido dos
fenômenos, do ser absoluto, do ser da cs. pela intencionalidade da coisa mesma.
Fenômeno: revelação do objeto em si e não uma manifestação natural ou espontânea da coisa: exige
condições, pela investigação filosófica como fenomenologia O sentido fenomenológico como revelação de
essência daquilo que aparece ou se manifesta em si mesmo, como é em si, na sua essência. Aparece como
cebola, em sua origem fenomênica, e depois identificamos cada camada da cebola. Cada presença tem
ausências manifestas como presenças (identificadas como tais, não oculta, ausência se manifesta como
ausente). O fenômeno não se reduz ao aspecto material do fenômeno, que é uma das camadas, precisa e exata
da origem física (H2O que decapita os sentidos da exp fenomênica), por isso, a fenomenologia é do rigor.
Fenomenologia13: é um método de análise filosófica, uma reflexão epistemológica de um observador
desinteressado (impossível à clínica) para analisar aquilo mesmo, distanciadamente. Ciência do fenômeno,
12
Crítica: a fenomenologia consiste numa interrogação sobre o modo do ser, modo de ser do homem e sua relação com o
impensado. Ela parte de uma redução do cogito, da questão do ser, subsumindo-o ao conhecimento, ao que se pode conhecer.
Com Heidegger, porém, retoma a questão ontológica, volta a discutir o ser. “Ela procura articular a objetividade possível de um
conhecimento da natureza com a experiência originária que se esboça através do corpo; e articular a história possível de uma
cultura com a espessura semântica que, a um tempo, se esconde e se mostra na experiência vivida”
A fenomenologia pensa o vivido, deslocando-o na direção do sujeito constituinte, sem referi-lo ao próprio vivente. A determinação
empírica não passa de implícito explicitado e constituído indefinidamente pelo sujeito”, assim a questão do sujeito (constituinte) é
tornada uma questão de segunda ordem, de sedimentação dos saberes já.
A experiência originária, uma cumplicidade primeira do mundo que abre a possibilidade de falar dele tomando o visível, o
conteúdo como base do discurso. O visível é um sentido mudo e o exprimível na linguagem como quer a fenomenologia.
Fenomenologia existencial: olhar reflexivo sobre o vivido ou objeto que tenta superar ou passar ao largo de sua natureza transitória
(para buscar significações) como lugar em que se descobre as significações originárias. Esse referencial procura desdobrar as
formas, estruturas e condições todo o vivível e possível da exp. cotidiana. Busca a significação da exp cotidiana para colocar o
sujeito como fundador desta exp. e de suas significações. No texto a Binswanger (1954/1999??) e no prefácio a HL (1961/1999) ao
tratar do grau zero da loucura como exp indiferenciada.
13
Filosofia moderna sob sua versão fenomenológica, que falha ao se empenhar numa reflexão sobre o vivido e o vivível,
concernentes ao empírico, assentados, contudo, sobre uma subjetividade constituinte, a qual ela se põe a definir e especificar. Em
Foucault (2000, p. ??), a fenomenologia aparece como “contestação radical do positivismo e da escatologia; que tenha tentado
restaurar a dimensão esquecida do transcendental; que tenha pretendido conjurar o discurso ingênuo de uma verdade reduzida ao
empírico, e o discurso profético que ingenuamente promete o advento à experiência de um homem”
Na busca de um modelo que supere o positivismo e o discurso escatológico da estética e da dialética transcendentais, a
fenomenologia ocupa o posto de analítica transcendental como teoria do sujeito. “análisis de lo vivido” de Merleau-Ponty, cuyo
proyecto sería la articulación de una ciencia con carácter trascendental y contenido empírico, capaz de dar cuenta del sujeto como
uma analítica intencional e um método e uma ciência de rigor. Que deve dar seu próprio fundamento
absoluto e capaz de fundamentar outras ciências. É uma Fenomenologia da razão e não do ser: como a
subjetividade transcende a si para conhecer o mundo objetivo, que se apresenta aos sentidos? É preciso colocar
o mundo e os objetos em suspensão, sem juízos para investigar como a cs. funciona e se estrutura14.
Cs.: 1) unidade (total) de vivência (soma dos atos cs., mover, falar, infinitos e simultâneos sintetizados em
um) 2) estar ciente, ter acesso, compreensão; 3) como ato que visa objeto = vivência intencional (noção que
elimina dentro/fora) e media suj-mundo. Diferente da cs. psicológica como Wundt, da cs. como conteúdo,
recipiente; ou estrutura da personalidade. Todo ato de cs reúne, diferencia, compara e sintetiza no tempo.
Reúne atualidade (cs. de...) + potencialidade implícita (conjunto de estados virtuais passados, antecipados,
sugeridos, contrastados, etc.) que são os horizontes ou as franjas da cs. com valor cognitivo e afetivo (M.-
P.) que passam desapercebidos e devem ser elucidados na Fenomenologia dos sgds. ocultos implicados na
vivência.
A consciência apenas adquire intencionalidade com os processos de subjetivação, a individuação dita
psíquica. Este é o ponto de partida da fenomenologia, o estudo do fenômeno da consciência desde uma
purificação, caucionado pela depuração da consciência dos conteúdos psicológicos empíricos, considerados
produtos (secundários) desta intencionalidade consciente. Podemos encontrar em Edmund Husserl (1975)
tal definição da fenomenologia desde o estudo dos fenômenos transcendentalmente reduzidos. A ideia é
clara: pouco importa o que há no transcendental, o ponto de partida é centrado na consciência.
como diz Husserl, “para uma fenomenologia da verdadeira realidade, é absolutamente indispensável a
fenomenologia da fútil aparência” (Ideias); no plano metafísico, a aparência é o caminho que pode
conduzir ao sentido do ser examinado, isto é, à descoberta do lugar especial deste ser dentro da
totalidade.
A redução fenomenológica dos atos à consciência é justificada pela e na própria colocação com que o
problema é abordado. Partindo da pergunta se significação deriva de atos delimitados Husserl (1975, p. 19)
salienta que “todo ato é exprimível, mas sua expressão se encontrará, respectivamente, numa forma da fala
que (supondo-se uma linguagem suficientemente desenvolvida) lhe seja propriamente adaptada (...) o
expressar da fala não está, pois, nas meras palavras, mas nos atos que exprimem”. Uma vez que se disponha
de palavras e de expressões que estejam ao nível do pensamento - a suposição de uma “linguagem
suficientemente desenvolvida” aparece na sequência no texto – os atos criam expressão que estão ao nível do
fuente de las significaciones históricas y culturales [Dreyfus y Rabinow, 1988). Trata-se de uma experiência do homem fundada no
vivido.
Para Foucault (2000), a fenomenologia consiste numa interrogação sobre o modo do ser, modo de ser do homem e sua relação
com o impensado. Ela parte de uma redução do cogito, da questão do ser, subsumindo-o ao conhecimento, ao que se pode conhecer,
porém retoma a questão ontológica, volta a discutir o ser.
14
Não há psicologia fenomenológica desenvolvida Husserl (aluno de Wundt e Brentano – anti-naturalismo voltado para a realidade
dos atos psíquicos, assim, a percepção, a imaginação, o juízo e o desejo são atos orientados para objetos intenconais) – que indica
caminhos para os psicólogos, que ele indica outros sentidos para os mesmos termos, como cs. diferente do Heidegger que criava
novas palavras para novos sentidos.
Relação psicologia (ciência empírica dos dados de fato esp-temp 4000 X em Husserl) com fenomenologia.
Dá margem a uma Psicologia epistemológica e fenomenológica do conhecer adequado, como nós conhecemos (Gestalterapia,
remete já a uma antropologia e não ao conhecer).
Filosofia diferente da corrente filosófica anticientífica do psicologismo, Brentano: todo fenômeno, tudo o que há tem origem
psíquica, como valores. O psiquismo constitui os fenômenos físicos.
pensamento, tido como primeiro e já dado. Husserl ao pensar a gênese de sentido como doação desde uma
faculdade originária de senso comum responsável pelo processo de identificação de todo e qualquer objeto ao
infinito.
Questão: a presença de algo na sua simples presença. Espontaneidade e simplicidade para aquém do senso
comum. Investiga não objetos, mas as os fundamentos, estruturas apriorísticas, possibilidades e condições
de conhecimento. Elucida as estruturas formais gerais e específicas que organizam a exp. de acordo com
os diferentes modos da cs. e do ser (as camadas da cebola dos mundos natural, cultural, psicológico, etc.):
1) Reconhecer caráter intencional da cs. que é transcendência em relação ao objeto (sem cs.).
A busca pelo fundamento da ciência corresponde à busca pela intencionalidade operante nas práticas
científicas.
A partir da cs. é que a fenomenologia se dedica a outras estruturas como percepção, imaginação, memória,
emoção, etc. Uma descrição e reflexão daquilo que se mostra no mundo, cs. de algo, dos fenômenos - atos,
percepções e objetos imanentes (não a percepção em si ou das causas externas, a coisa da percepção é o
fenômeno e tem intencionalidade). Uma analítica intencional que visa conhecer as essências ideais dos
fenômenos, as estruturas e os modos intencionais.
A intencionalidade (que surge como reação ao naturalismo e ao psicologismo) é a direção da cs. ao objeto,
que define a própria cs. visto que não se distingue o que é percebido da percepção. Cada modo intencional =
vivência começa da percepção (que é o pt. 0, a presentificação, que é anterior à representação da psi mod.)
e é diferente - o perceber do imaginar. Não há fenômeno em si, tem de estudar a cs. intencional
transcendental = subjetividade transcendental que é onde se manifesta o fenômeno.
Conhecer o sujeito (transcendental) que é fonte do conhecimento e dos objetos possíveis desta (cs. de...) e
condição de toda exp. humana.
A diferença entre o ser como experiência vivida ou consciência e o ser como coisa é que situada entre o
início de uma ação e sua consumação final, a coisa física comparece como universal na fase da manipulação15.
Cs. intencional e objeto intencionado. Cs. transcendental não é psicológica (fechada nela), nos abre para
o mundo. O sentido é na consciência que a vive, no silêncio tumultuado de sua reflexão. O curso (exp.)
implica num modo de ser e de viver no qual uma pessoa está solicitada a participar, não é um resíduo
depositado na pessoa, mas um caminhar que vai acontecendo e num florescer das novas possibilidades de
ser das pessoas. Não é só psiquismo, mas o que nos liga e nos relaciona com o mundo, tudo é intencional
porque tudo é perpassado pela cs. transcendental. A própria cs. é intencional, voltada para o mundo. A
“volta às coisas mesmas'' se volta para os fenômenos, aquilo que aparece à consciência como seu objeto
intencional.
Análise em 2 passos:
15
“O modo de ser específico da coisa consiste no fato de que ela é dada em um número indefinido de aparições, mas permanece
transcendente como uma unidade que está além dessas aparições, e que, todavia,
se manifesta em um núcleo de elementos bem determinados, circundados por um horizonte de outros elementos mais indeterminados
(HUSSERL apud ABBAGNANO, Ibid., § 44).
a) Redução fenomenológica (redução eidética e transcendental se dá em favor do ego, se desconectando
e transcendendo o objeto) = epoché (suspensão do juízo e da crença na totalidade da auto-evidência
dos objetos em prol da experienciação), generalização essencial: Postura do cientista e do filósofo,
que almeja o sentido e o alcance dos fenômenos e das definições, suas especificidades e limites.
Pretende mostrar o que está implícito no senso comum, o que é dado como sabido pela ciência, mas
que precisa do afastamento, da quietude e da reflexão para chegar a um ponto de definição
irredutível a qualquer outra definição. Reduzir ao último termo possível de redução, que
caracteriza um sentido e que acompanha e sustenta todas as outras definições parciais e pouco ou
não rigorosas.
b) Descrever as estruturas ou formas da cs. que permanecem à tal redução e delimitam a existência
psíquica.
Sujeito cognoscente, por uma consciência (que é apreensão de um sentido): os fatos não vivem um sentido,
eles se dão como fato com sentido para uma cs. que é um polo de apreensão e estruturação de um sentido,
que está nos fatos, mas que é guardado e apreendido pela cs. O saber (como o número) existe na cs. primeiro,
o que estabelece relação (adicionando ou subtraindo) entre dois objetos é a cs. intencional <> cs. de... algo.,
diferente da cs. para Wundt (representação dos dados sensoriais > passo a ver a caneta a partir da representação
da caneta)
Ego transcendental: em Husserl designa o próprio sujeito, na medida em que se distingue de suas operações
e coloca entre parênteses a consciência psicológica e o eu físico em prol da cs. pura. "O eu da meditação
fenomenológica pode tornar-se o espectador imparcial de si mesmo, não só nos casos particulares, mas em
geral; esse 'si mesmo' compreende qualquer objetividade que exista para ele, tal qual existe para ele"
(HUSSERL apud ABBAGNANO, p. 450, Cart. Med., § 15).
2) Intuição devido à presença do objeto.
Considerar algo como natural e óbvio é tipicamente não rigoroso, do senso comum, que deve ser posto em
suspenso, não para negá-la, mas para perceber seu sentido e seu alcance. A referência dos conhecimentos
naturais é uma filosofia do objeto, procede igual para o humano e o não-humanos, desde o modelo das ciências
naturais. Não é o método da pura aceitação natural, consagrado na época e no mundo em que vive > Redução
fenomenológica.
Estrutura da exp.: O mundo é continuamente presente para mim como fatos e valores que embora
distintos estão relacionados em bloco a meu ego.
A realidade se dá como doação ora da consciência ora da linguagem e tem o sujeito como fundamento
transcendente que lhe garante. Para Husserl, uma subjetividade transcendental é entendida como fluxo de
vivido. Este vivido, entretanto não pertence inteiramente ao eu que o representa para si e nas regiões onde ele
não pertence é que ele se manifesta como transcendência.
3) Generalização do objeto aos objetos ideais (ao sentido?).
A fenomenologia submete o significar aos juízos ou às modificações dos moldes representativos. Logo, a
própria significação “é nominal ou é proposicional, ou, para dizer melhor, cada uma delas é a significação
de uma proposição enunciativa inteira ou uma parte possível de tal significação. As proposições
enunciativas são aqui proposições predicativas” (HUSSERL, 1975, p. 20). > Retorno ao sujeito falante,
metafísica da presença. > O juízo, mais que o ato predicativo, deve ser compreendido como ato posicionante
qualquer. Daí a suposição da “linguagem suficientemente desenvolvida”
Vemos assim que Husserl entende a linguagem (camada expressiva – dada pela percepção ou condicionante
da percepção?) como forma original de lançar um olhar, de recobrir os objetos. Ela seria o corpo do
pensamento, sem o qual eles estariam relegados a sua disposição num solipsismo inócuo de fenômeno
privado. Logo, a linguagem aparece como justificativa, redenção e aplicação do pensamento desdobrando-se
como existência ideal ao adquirir valor intersubjetivo. Em outros termos, o pensamento adquire através
da fala, ascensão intersubjetiva constituinte, capacidade de fundar sujeitos (cf. MERLEAU-PONTY, 1975,
p. 320).
Os dados hyléticos, as sensações, que são os componentes reais das vivências, só possuem sentido
através de uma camada expressiva que os animam. Por si mesmos, os dados hyléticos não possuiriam
a possibilidade formal de se tornarem plenos de sentido. Não vemos, diz Husserl, impressões de cores,
mas coisas coloridas; não ouço impressões de sons, mas a canção da cantora. Tais dados materiais
possuem sentido pelo elemento formal que é justamente a intencionalidade
"A cada ciência corresponde um campo objetivo como domínio das suas indagações; a todos os seus
conhecimentos, isto é, aos seus enunciados corretos, correspondem determinadas intuições que
constituem o fundamento de sua legitimidade, porquanto nelas os objetos do campo se dão em pessoa
e, ao menos parcialmente, como originários" (HUSSERL apud ABBAGNANO, p. 180, Idem, I, § 1).
4) percepção imanente da consciência que o ego transcendental tem das suas próprias experiências
onde aparecer = ser coincidem perfeitamente.
Aparecer e ser não coincidem na intuição do objeto externo, que nunca se identifica com suas aparições à
consciência, mas permanece além delas.
A Cs. em sua percepção imanente, em seu ato de auto-reflexão, é tudo, é o absoluto. Cs. tem duas correntes:
a espiritualista [Jaspers e Sartre] continua adotando como tema o cogito cartesiano e acentua a
imanência da consciência. A corrente objetivista [Hartmann e Heidegger, cs. = intencionalidade]
acentua o caráter objetivo da relação intencional e, por isso, considera o objeto como autenticamente
transcendente [e faz a consciência desimportante].
Jaspers: descreve fenomenologicamente o existente em seus diversos modos (e não descreve a existência
como Heidegger e Sartre).
Para Jaspers, análise existencial é a análise da consciência. "Existir", diz Jaspers, "é consciência:
eu existo como consciência e só como objetos de consciência as coisas existem para mim. Tudo o que
existe para mim deve entrar na consciência" (Phil., I, p. 7). Sobre a C, Jaspers tem o conceito peculiar
à fenomenologia: "A consciência não é um ser como o da coisa, mas é um ser cuja essência é estar
voltado para significar o objeto. Esse fenômeno originário, tão miraculoso quanto em si mesmo
compreensível, foi chamado intencionalidade". Mas a consciência não está voltada só para o objeto,
reflete-se sobre si mesma e também é, portanto, Autoconsciência. "O eu penso e o eu penso que penso
andam juntos, de tal modo que um não fica sem o outro”. O que parece contraditório do ponto de vista
lógico aqui é real: um não é um, mas dois, e todavia não se torna dois, mas, graças à sua singularidade,
permanece um. Esse é o conceito do eu formal em gerar (Ibid., p. 8) Jaspers ressaltou assim o caráter
não transcendível e quase místico da consciência que, por isso, constitui todo o seu campo de
especulação. De modo análogo, Sartre declara explicitamente que o estudo da realidade humana deve
começar pelo cogito (L'être et le néant, p. 127). A consciência é, em primeiro lugar, consciência de
alguma coisa e de alguma coisa que não é consciência. Sartre chama esse alguma coisa de em si. O
ser em si só pode ser designado analiticamete, como "o ser que é o que é", expressão que designa sua
opacidade, seu caráter maciço e estático, pelo que não é nem possível nem necessário: é, simplesmente
(Ibid., pp. 33-34). Diante desse ser em si, a consciência é o para si, a presença para si mesma (Ibid., p.
119). A presença para si mesma implica uma fissura, uma separação interna. Uma crença, p. ex., é
como tal sempre C. da crença; mas para captá-la como crença é necessário separá-la da C. para a qual
está presente. Mas nada há ou pode haver que separe o sujeito de si mesmo. (...) Condicionando a
estrutura da C, o nada é condição da totalidade do ser que é tal só para a consciência e na consciência
(ABBAGNANO, p. 192).
Bento Prado Jr. (1988, p. 145-6) afirma que “A redução fenomenológica, ao transformar o mundo em sistemas
de fenômenos ou de noemas, abre o campo da experiência transcendental, como horizonte de uma
subjetividade transcendental”, ponto desde onde parte Jaspers para pautar o englobante. A experiência
transcendental parte da percepção sensorial + todo objeto do pensamento.
Psicopatologia: ciência (complexa) natural destinada a explicação causal dos fenômenos psíquicos desde
sua determinação pelos nexos extraconscientes. Ciência do espírito que descreve as vivências subjetivas e
interpreta suas expressões objetivas para compreender seus nexos internos e significativos. Designa e
desvreve em termos fixos e estruturas universais os estados psíquicos vivenciados. É uma compreensão
limitada pelas relações causais impessoais e não-vivenciadas do extraconsciente (na liberdade da decisão
incondicionada) e pela existência humana inacabada, livre e aberta (> englobante está nos hiatos dinâmicos
inapreensíveis).
Homem é possibilidade aberta, incompleta e incompletável que se realiza em fenômenos, atos, símbolos e
se volta contra suas próprias determinações. A filosofia não deve se tornar uma doutrina ontológica, posto
que se dedica à existência concreta particular do existente.
Heidegger: Método fenomenológico (objetivista) da ontologia que descreve a existência e investiga o ser,
partindo do próprio homem, ser que permanentemente busca aquilo que não é, estudo da existência a partir
da análise do Dasein (o ser-aí), do ser humano aberto à compreensão do ser > Ser-em-si. Seu projeto de ser
é engolido pelo cotidiano, o que faz ele se exilar de si mesmo (no ente). O caminho para encontrar a plenitude
é a angústia, que deve ser superada para dar sentido ao ser e viver em bases amorosas. Porém, o homem é
um projeto inacabado que projeta infinitas possibilidades e nele persiste a inquietação entre o que é e o quer
virá a ser.
Para Heidegger (apud ABBAGNANO, p. 436) “Fenomenológico é tudo aquilo que é inerente ao modo de
demonstrar e de explicitar e tudo aquilo que exprime a conceituação implícita na presente investigação".
Designa a manifestação do objeto em sua "essência" e a busca que possibilita essa manifestação.
Angústia é a intuição do nada ou vazio constitutivo do ser-para-a-morte. Incute viver o nada já que a
existência não é todo seu ser, mas uma aspiração ao vir-a-ser que não se completa (The discovery) porque o
ser-aí do homem consiste em não ser a totalidade do ser. É o reconhecimento do ser-no-mundo, sob
ameaças não-localizáveis do sem sentido da existência, o que traz uma cs. vívida desta.
Dasein: descreve o modo da existência humana na relfexão e cs. de si mesma: ser-aí, ser-com (outros sujeitos).
Temporalidade é tecido nas malhas do ser como realização das possibilidades que se efetivam
temporalizando-se. O tempo amarra a existência pessoal ao todo em interação e recriação perpétua.
Estrutura temporal: condição da autocs., da ação e do entendimento do Ser.
Existência autêntica: senso completo sobre situação no mundo (interdependência com o suj.):
responsabilidade (sorge: preocupação, cuidado) + inacabamento + transcendência. Multiplicidade de modos
do ser: ser-no-mundo (autocs. e tempo pessoais) + dasein (historicidade e destino). Relacionamento ativo
com a vida que habitamos + chave: compreensão da morte que torna tudo sem sgd > confrontar o absurdo do
nada que precede, sucede e constitui a vida. Valores e sentidos só podem ser outorgados pelas pessoas às
coisas que estendem sua nulidade a td maiso que há (entendido como manifestação de um vontade, desejo
ou ser).
A transcendência é a essência de sua subjetividade que visa ultrapassar a situação e a realização visando
um projeto livre e autodeterminado. Trata-se de uma
estrutura relacional que caracteriza a existência humana como transcendência. Transcender para o
mundo significa fazer do mundo o projeto das atitudes possíveis ou das ações possíveis do homem;
mas enquanto projeto, o mundo recompreende em si o homem que se acha "lançado" nele e
submetido às suas limitações. "A transcendência", diz Heidegger, "exprime o projeto do mundo de tal
modo que O-que-projeta é dominado pela realidade que ele transcende e já está conciliado com ela"
(Vom Wesen des Grandes, III). Simultaneamente a transcendência também constitui o si mesmo do
homem, isto é, a identidade do homem singular existente. "Na transcendência e através dela é
possível distinguir no interior do existente e decidir quem é e como se é Si mesmo e o que não o é"
(Ibid., II). A relação do homem consigo mesmo e com o mundo, descrita em termos de transcendência,
deixa de ter os caracteres tradicionais da consciência (trancamento em si mesma, imediação, auto-
reflexão) (ABBAGNANO, p. 193)
Intersubjetividade: O homem só existe se apresentando, por isso o aparecer é ontológico, não somente
fenomenológico. Desde Heidegger, o incoativo da impossibilidade de “ser” na presença – que não se pode
representar. O ato mental se apoia na capacidade do espírito em fazer presente em si mesmo aquilo que está
ausente nos sentidos. Aparecer é existir sob o olhar dos outros.
SeT: Fixa os determinantes universais a priori. O que temos ao suspender o regime de nossas atividades
cotidianas? Para Heidegger, a fenomenologia é a
anulação do problema do conhecimento. O conhecer não pode ser entendido como aquilo pelo que o
ser-aí (isto é, o homem) "vai de dentro para fora de sua esfera interior, esfera na qual estaria,
anteriormente, encapsulado: ao contrário, o ser-aí, em conformidade com seu modo de ser fundamental,
já está sempre fora, junto ao ente que lhe vem ao encontro no mundo já descoberto" (SeT, § 13).
Segundo Heidegger, conhecer é um modo de ser do ser-no-mundo, isto é, do transcender do sujeito
para o mundo. Ele nunca é apenas um ver ou um contemplar. (...) Todas as manifestações ou graus do
conhecer (observar, perceber, determinar, interpretar, discutir, negar e afirmar) pressupõem a relação
do homem com o mundo e só são possíveis com base nessa relação (ABBAGNANO, p. 181).
O conhecer se dá na abstenção das ocupações e atividades cotidianas utilitárias, como manusear e comerciar
e possibilita o simples "observar, que é, de quando em quando, o deter-se junto a um ente, cujo ser é
caracterizado pelo fato de estar presente, percepção de sua simples presença.
Binswanger: psiquiatria fenomenológica, análise ou psicanálise existencial: ciência experimental que busca,
sob o ideal fenomenológico, compreender as neuroses ou psicoses dos indivíduos como formas de "ser-no-
mundo". Os DM vivem em mundos diferentes do nosso. O diagnóstico é dado na comunicação e
compreensão das expressões simbólicas das relações do sujeito com o mundo.
Existencialismo: análise e descrição da existência concreta considerada um ato de liberdade fundamentada
na afirmação de si.
Fora
Nordholt observa que o mundo em que vivemos jamais se perde nessa experiência, mas se desdobra
(dédouble) no outro de todos os mundos. Para Nordholt, o essencial “nos fala dos seres e das coisas,
mas na medida em que eles estão desdobrados (…). Ela nos fala do mundo invertido: o mesmo mundo,
mas com outro signo” (1995, p.113). Neste aspecto, o essencial nos remete a um processo de
desdobramento, movimento de negação e exteriorização no qual, como sugere Nordholt, o mundo só
pode ser encontrado “turned inside out” (virado de dentro pra fora).
A negação é o recurso essencial da literatura para Blanchot, pois ela se traduz na morte, e, a morte é
“a substância mais secreta da ausência, a profundidade do vazio, o fora eterno (dehors éternel).” 237 É
na literatura que o universo imaginário, ao mesmo tempo que se constrói, desboroa-se na constituição
do mundo material, da realidade das personagens, do enredo. Assim o espaço da morte é o espaço da
palavra, 238 porque a palavra nega o real para construir-se paradoxalmente como irrealidade e como
ficção. A literatura nega o mundo para construí-lo nessa exata medida. Ela esfacela o sujeito para fazer-
se aparecer. Ao negar-se, ao reconhecer e se reconciliar com esse não-ser do mundo ela imediatamente
o constitui, desdobrando-se, desplissando-se na superficialidade de seu tecido, de sua escritura. Ela se
nega para poder experimentar o “outro de todos os mundos”, ou outro possível na sua impossibilidade.
A morte, todavia, ao mesmo tempo que ó “quarto vazio”, o “silêncio puro”, a “noite”, a “substância do
nada”, e, portanto, a negação de tudo, é também o lugar da criação, o recurso que procura Mallarmé em
Igitur “criar pela sua própria morte.” 239 É pela morte que o personagem se torna adolescente.
237 BLANCHOT, Maurice. L’espace littéraire. Paris: Gallimard, 1955, p. 113. 238 BLANCHOT,
Maurice. L’espace littéraire …, p. 144. 239 BLANCHOT, Maurice. L’espace littéraire …, p. 112.
estranhamento remete-nos a Blanchot e Deleuze, quando estes escrevem sobre a experiência do Fora
l3 e a literatura. Comecemos por Blanchot (1997), que nos diz: "a literatura tem um privilégio: ela
ultrapassa o lugar e o momento atuais para se colocar na periferia do mundo e como no fim dos tempos,
e é dali que fala das coisas e se ocupa dos homens" (p. 325). Ou então: "o livro, coisa escrita, entra no
mundo, onde cumpre sua obra de transformação e negação" (p. 303). Para ele, a palavra literária se
constitui como fundadora de sua própria realidade, ou seja, ao nomear, realiza a si própria, apresentando
não o mundo, mas o outro de todos os mundos. Dessa forma, a obra é sempre ausência e o leitor se
vê lançado em um mundo de estranhamento, onde não é mais possível o reconhecimento.
“uma experiência que, ilusória ou não, aparece como um meio de descoberta e de um esforço, não para
expressar o que sabemos, mas para sentir o que não sabemos” (PF, 81).
Outro de todos os mundos = imaginário sem narcisismo Guattari.
À ausência real de um objeto ele não dá a substituição de sua presença ideal. “Suave” e musicalmente,
por certo não são caminhos para uma afirmação intelectual. Pelo contrário, como vemos, estamos
novamente em contato com a realidade, porém uma realidade mais evasiva, que se apresenta e evapora,
que é ouvida e desaparece, feita de reminiscências, de alusões, de modo que, se por um lado é abolida,
por outro reaparece em sua forma mais sensível, como uma sucessão de nuanças fugidias e instáveis,
justamente no lugar do sentido abstrato cujo vazio ela pretende preencher.
À primeira vista, o interesse da linguagem é, portanto, destruir com seu poder abstrato a realidade
material das coisas, e destruir com seu poder de evocação sensível das palavras esse valor abstrato”
PF??, p. 53
A linguagem começa como abstrata para alcançar poder real e efetivamente concreto para então, se desfazer
da característica abstrata eliminando e sobrepujando-a.
Reminiscências do não vivido, “a lembrança é a liberdade da memória” EL, p. 21-2
Presença musical, sensitiva, olfativa, colorante, que não está mais colada ao objeto e nem indica a
presença do objeto real, mas funda um outro lugar, o outro de todo lugar, onde as palavras são e não
mais representam.
Em Un coupe de dés, Stéphane Mallarmé, no fim do século XIX, faz aproximações do texto às
constelações, onde um céu estrelado percorre o preto das letras e o branco da página.
ver Levy, 25-6, o estrangeiro, o outro e sua sombra, em Maldonado: “raízes errantes” no ggoglobooks
A falta constitui uma realidade imaginária, um espaço solitário e fascinante onde tudo são imagens. É
o movimento de desdobramento de que fala Blanchot: a literatura apresenta o “outro de todo o
mundo”. E como aí o que aparecem são imagens, a coisa literária é “convertida no inapreensível,
inatual, impassível, não a mesma coisa distanciada mas essa coisa como distanciamento, a coisa
presente em sua ausência” (EL,257.. errado)
N’A falta, a voz narrativa, entregue ao fascínio da busca de uma mãe perdida, perde-se também, e o
que sentimos, ao penetrar na obra, é a força de uma linguagem que se realiza em si mesma, rompendo
com o processo mimético e apresentando o que Blanchot chama de o outro de todos os mundos, sua
própria realidade.
um outro de todos os mundos: “a arte é real na obra. A obra é real no mundo, porque aí se realiza
(de acordo com ele, mesmo no abalo e na ruptura), porque ela ajuda a sua realização e só terá sentido,
só terá repouso, no mundo onde o homem será por excelência” (BLANCHOT, 2011b, p. 231).
obra não remete a alguém que a teria feito, a um sujeito autoral do qual deveríamos conhecer a vida
para entendê-la. O autor não é mais o dono da verdade, nem a literatura é a expressão de um eu interior.
Nela quem escreve já se perdeu, está fora de si e do mundo. A respeito disso diz Blanchot:
“quando ignoramos todas as circunstâncias que a preparam, desde a história de sua criação até o nome
daquele que a tornou possível, é justamente quando ela mais se aproxima de si mesma” (BLANCHOT:
el, 21 errad).
Diego:
A experiência essencial das palavras tem o poder de nos colocar em contato com a irrealidade da obra,
com o mundo imaginário que toda narrativa sugere. E é por isso que o essencial, ao invés de
representar o mundo, apresenta o que Blanchot denomina “o outro de todos os mundos” (1997, p.28).
Dessa maneira, pode-se afirmar que o caráter essencial da linguagem não se refere a um objeto
ausente, pois evoca o objeto em seu esplendor, em sua realidade plena. É justamente em seu uso que
o essencial revela sua força na linguagem, isto é a potência de criar e fundar mundos (diego)
...Nordhold: “se o termo „escrita‟ surge somente na Nota que abre A Conversa Infinita, portanto em
torno de 1969, a busca de Blanchot está desde sempre centrada sobre „esse jogo insensato de escrever‟.
A fórmula de Mallarmé mostra bem que a escrita deve ser entendida como verbo, não como substantivo:
trata-se da escrita como movimento, caminho, pesquisa” (1995 p.11-12).
Para Blanchot, O fora designa essa prática de pesquisa – ou, como dissemos antes, essa estratégia do
pensamento – que escava, em meio à realidade instituída, uma região de refluxo a fim de fundar a sua
própria realidade. O fora é exatamente o procedimento pelo qual somos colocados em relação com o
mundo desobrado. Dito de outro modo, o fora é o outro de todos os mundos ostentado pelo jogo da
experiência essencial na escrita.
No entanto, salientamos que quando estamos em relação com o fora, não falamos de um mundo que
está além do nosso. Como dissemos antes, fala-se precisamente deste mundo, porém desobrado em seu
outro. Neste sentido, a experiência do pensamento afirmada pela noção do fora não é uma via para
acessar um além-mundo evocado pela escrita, mas uma prática, um modo de relação no/com este
mundo, que tem por especificidade nos colocar em contato com o outro de todo e qualquer mundo e,
por conseguinte, com a possibilidade de diferir.
... Se a escrita se afirma dessa forma como uma prática tão radical e soberana, que chega a enfrentar
o mundo, a transformá-lo e até mesmo a destruí-lo para se colocar fora de tudo que se poderia dizer
através dela, como a experiência do essencial pode tornar sensível na linguagem o outro de todos os
mundos que se cria nesse processo? Como a linguagem pode constituir a antimatéria do mundo e, neste
processo, fazer aparecer que “tudo desapareceu”?
Pensar o fora como um exercício de escrita/pensamento que nos coloca em contato com o mundo
desobrado exige atenção à noção blanchotiana de imaginário. Em diversos dos seus textos
(BLANCHOT, 2005; 1997; 2011b), pode-se perceber como a noção de fora está fortemente atrelada à
determinada concepção de imagem. Em O Espaço Literário, Blanchot se preocupa em delimitar como
a escrita pode constituir a experiência de uma realidade imaginária por excelência.
.... “O poema é exílio, e o poeta que lhe pertence, pertence à insatisfação do exílio, está sempre fora de
si mesmo, fora do seu lugar natal, pertence ao estrangeiro, ao que é o exterior sem intimidade e sem
limite. Esse exílio é que faz do poeta o errante” (BLANCHOT, 2011b, p.238).
Estar no exílio é, portanto, ingressar no lado de fora, errar numa região totalmente livre de intimidade.
Errar implica em não permanecer onde estamos, significa não pertencer a lugar nenhum, mas a todos
os lugares. O errante só encontra seu lugar na passagem, espaço vago em que também se afirma o
outro de todos os mundos. O escritor, ao fazer do exílio a sua morada, torna-se um exilado em sua
própria cultura, em sua própria comunidade (BLANCHOT, 2011b, p.259). Ao mesmo tempo em que
está no mundo, está também no seu outro, pois precisa acessar este plano de alteridade para introduzir
em suas palavras a dimensão disruptiva do fora.
O fora cava refluxos no movimento de instituição da superfície objetiva para fundar outras superfícies não
desde uma profundidade, mas desde uma superfície outra, uma superfície transcendental.
O pathos, que Blanchot (2011b, p. 107) encontra na figura de Kleist sob a forma de uma “paixão sem
objetivo, despropositada e vã”, que reflete a passividade da morte, alheia à seara da vontade e da decisão.
Parada do processo é a doença e a morte, como Nerval, que “vagueava pelas ruas antes de enforcar-se, mas
vaguear já é a morte, a desorientação mortal que cumpre, enfim, interromper fixando-se” (BLANCHOT,
2011b, p. 107)
O conceito de "fora" é pensado de formas diferentes em cada um destes autores, embora haja pontos
convergentes. Na presente discussão não nos deteremos nisto, mas sim na possibilidade da arte como
ruptura, transgressão, resistência. Entretanto, cabe colocar aqui que Levy (2003), ao analisar o conceito
do "fora", assinala que a literatura não se constitui como uma explicação do mundo, mas a
possibilidade de vislumbrar o outro do mundo, inaugurando uma experiência de como as coisas
ainda não são. A experiência do "fora", ao colocar o leitor fora de si e do mundo, aponta para o porvir,
para a impossibilidade. E é a impossibilidade, a paixão do "fora", que possibilita que a literatura escape
às relações de poder. Citando Deleuze, Levy pontua que, uma vez que o lado de "fora" é a dimensão
onde as singularidades não têm forma e na qual a pluralidade de forças circula, a resistência, ao
estabelecer uma relação direta – não mediada - com o Fora, tem o primado sobre o poder. Por isto,
Deleuze (1992) considera que Foucault acrescenta uma terceira dimensão às dimensões do poder e do
saber - os modos de subjetivação -, visto que há necessidade de linhas de fuga – dimensão ética das
linhas de fuga, pensar! -, de forma a não ficarmos enclausurados nas relações de poder.
LEVY, Tatiana Salem. A experiência do Fora: Blanchot, Foucault e Deleuze. [Conexões.] Rio de
Janeiro: Delume/Dumará, 2003.
Blanchot
o interpretação da literatura após o realismo (Mallarmé, Kafka e Proust)
o Fora é uma prática, não tanto um conceito
o palavra literária diferente de palavra usual
funda a sua própria realidade
é baseada na própria impossibilidade
palavra e coisa se fundem
o negar o real é o ponto de partida para se construir a ficção ie. fazer as coisas desaparecerem é revelar
a presença deste desaparecimento.
ausência da obra: criando uma realidade própria, a obra desaparece como não-realidade
o desdobrar: não é explicar o mundo, mas indicar o “outro de todos os mundos”
o imaginação: outra possibilidade do ser; sem separação clássica entre real e imaginário
o impossibilidade: literatura é o Fora; sujeito é substituído pelo Fora da linguagem: o neutro, o
deserto, a impossibilidade
o tempo imediato: “não está além do mundo, mas também não é o mundo: é a presença das coisas
antes que o mundo o seja, a perseverança das coisas depois que o mundo desapareceu, a teimosia
que resta quando tudo desaparece e o estupor do que aparece quando não há nada”
o neutro: anonimato, fim de toda idéia de interiorização
não existe dualidade exterior/interior
“Construir o Fora, colocar-se fora do mundo, fora do eu e fora de si é exatamente esse
‘desdobrar-se’, esse ‘deixar-se’ vir à tona, à superfície.”
sujeito autoral é desimportante para a compreensão da obra
trânsito do eu ao ele: o outro
discurso sem eu é discurso de todos
o relação de terceiro tipo: “o ele não forma comigo nem uma dualidade, nem uma unidade”: é
intervalo
“Concordamos igualmente com o que Foucault, a propósito de Blanchot, denominou ‘o pensamento do
fora’. Fórmula que não deve ser entendida nem como genitivo objetivo (o fora não é aqui o tema do
pensamento), nem como genitivo subjetivo (não se poderia pretender que o fora pensa), mas como o
pensamento que efetua a passagem ao fora, que faz que o sujeito passe para fora de si mesmo, torne-se
estrangeiro a si mesmo, sem esperança de redenção dialética. Pensamento que se mantém, então, no
fora, como uma força exterior a toda subjetividade.” (Nordholt, citado por Levy).
O que leva o pensamento a pensar
O pensamento do Fora é uma tentativa de explicar o pensamento não como uma faculdade inata do ser
humano, mas como um processo disparado por fatores externos estranhos e opacos ao reconhecimento
e à ordenação. É uma noção materialista de pensamento, uma crítica ao ideal socrático-platônico, à
relação objeto → modelo → imagem, na qual se agrega a noção do estranhamento, da diferença.
Nessa noção, pensar contradiz qualquer racionalidade; pensar é alcançar o não pensado. “Pensar não é
mais conhecer a verdade, mas produzi-la.”
Uma conseqüência, para a arte, dessa noção deleuziana é que ela deixa de ser representação para ser
real, funcionando como veículo para retomar o vínculo rompido do homem com o mundo. Outra é a
desmistificação do papel da subjetividade na criação. Se a origem está Fora, a criação é impessoal.
Um aspecto interessante tratado pela autora é a definição da montagem descontínua do cinema
contemporâneo como uma espoleta para o pensamento: a descontinuidade produz um Entre que,
substituindo a simples associação das imagens, nos permite vislumbrar o tempo “em pessoa”.
Outras correlações importantes são possíveis. A noção de pensamento do Fora pode subsidiar boas
discussões sobre a sensação de impossibilidade de ruptura na contemporânea, tendo como ponto de
partida uma dissecação do processo criativo segundo a ótica da exterioridade impessoal.
“Caminhar é estar ao lado de fora” (GRÓS, 2010, p. 37) dada a potência de inverter as posições, subverter
a lógica das ordens da cidade e – por que não? – ressignificar a própria condição generalizada e polarizada
do mundo.
Para caminhar, sempre se sai para fora, para fazer alguma coisa fora.
Esse fora, que é só passagem e fronteira se torna complicado para nós. Sempre se passa de um dentro a outro,
da casa ao escritório, “sai-se para fazer alguma coisa, em outro lugar. O lado de fora é uma transição: aquilo
que separa, quase um obstáculo” (37), o fora reside e consiste na dimensão intervalar, entre lá e cá, mas tem
valor fixo, ou fixado desde essa condição. Entre um corpo e outro, ou entre um elemento e sua metamorfose,
o fora.
O fora é um túnel, um corredor de escape que separa e conforma cada elemento a seu lugar existencial.
Desde modo, se acode ao fora para tomar ar, fazer respirar e arejar o peso profundo do imóvel, das paredes,
objetos e fronteiras imóveis na qual o ser se atola.
Se sai para se desatolar do ar condicionado que nos condiciona ao interminável dentro que se estende de um
interior ao outro de modo a reduzir o fora a um corredor de passagem.
Se sai a fim de tomar o choque, de experimentar os extremos e sobre o sol de São Luiz, Cuiabá ou Ituiutaba,
sentir a cerveja gelada que invade o corpo para o levar, por um instante que seja, a um outro lugar. No frio da
Finlândia, se sai para experimentar o choque da sauna, talvez a única palavra que reste desse idioma mal-
amado por seus falantes.
Enfim, se sai para estar fora, e experimentar alguns passos, o frescor da brisa ou o ardor do sol.
Ir lá fora para as crianças significa: correr, brincar, rir. Mais tarde, significa encontrar os amigos, ficar longe
dos pais, fazer algo diferente, talvez algo que nos seja vetado ou proibido.
No entanto, na maior parte dos casos, o fora acaba como uma transição, um pouso entre um dentro e outro,
“um espaço que tira um tempo para si” (38).
Nas trilhas e caminhadas, porém, a coisa se inverte. O fora perdura e persiste. O dentro não se torna um
abrigo passageiro, um recorte entre um refúgio e o seguinte.
E esse dentro se torna a figura do espaço instável, aquele que muda sempre, indefinidamente variável. Não se
dorme na mesma cama, “outros hospedeiros se encarregam da acolhida ao fim de cada dia. Uam surpresa
renovada...” (38). Ante o cansaço da mobilidade, o dentro se torna o merecido e necessário repouso.
Na manha seguinte, você se alimenta, se restaura e se despede. Você para, você se verifica, consulta o mapa
e dá voltas sem sair do lugar até que finalmente se saia.
“Aí a trilha se abre. Entra-se nela, pega-se o ritmo” (38).
“... Abandono um abrigo por outro, porém, a continuidade, aquilo que perdura e insiste, são aqueles relevos
ao meu redor, estes encadeamentos de colinas que ficam sempre aí” (39).
O relevo é o intervalar constante e persistente. A persistência errante da vida, a errância inerente ao próprio
viver.
O dentro se torna uma passagem obrigatória, onde você vai para trocar, para se restaurar mediante a instalação
de um regime de troca comum. Moeda língua ou afetos, a natureza de nada disso é capaz de alterar o fato de
que a parada não é mais que um momento fugaz, e o que pulsa é o intervalo maior, que é o caminhar e não
aquilo que se percorre e que se deixa para trás.
O intervalo é a paisagem sempre presente, não a cama ou a mesa de jantar, os habitantes da noite e seus
fantasmas sedentários ou não. O fora é a continuidade que perdura e insiste, o fora é o relevo que me
acompanha à medida mesmo em que passa mim assim como eu por ele passo, ultrapassando-o para encontra-
lo novamente de frente a mim.
Dou voltas em torno do fora e, ao caminhar avalio o tamanho, o valor, a forma e a doçura do meu lar. Meu
lar é meu eu.
Assim, a
Processo de individuação é um nomadismo do tipo que Deleuze e Guattari (2003??) colocam o nômade:
como processo de um solitário solidário. O processo do caminhar é condição para que se encontre um abrigo,
para que se deite na superfície calma e quente do mínimo eu. Ele condiciona a chegada, a estada e a partida
da morada.
“Assim, a grande separação entre o ‘de fora’ e o ‘de dentro’ sofre um abalo com a caminhada”. Assim, mais
correto seria dizer que habito a paisagem à medida em que dela tomo posse de vagar.
A caminhada é minha casa o dia todo, é no fora que vou morar enquanto caminho.
Forças
Para Deleuze (2005, 2014, 2014a), força é um nome genérico e abstrato para uma multiplicidade.
Quando uma força atravessa um elemento qualquer – seja ele um corpo, uma representação, um sujeito, etc.
– ele toca naquilo que este elemento tem de múltiplo, suscita o múltiplo, faz a multiplicidade e a traz a tona
em sua realidade incontornável
1 [2]
Aquela ideia errônea segundo a qual o drama (trágico) só consegue seu caráter sublime e altamente lírico com
o tempo faz pensar que a farsa é sua raiz. Ao contrário, é o humor excitado e extático do carnaval que é sua
raiz. Quanto mais esse impulso atrofia, o jogo do espetáculo (Schauspiel) fica mais frio e familiar-burguês se
tornando xadrez (Schachpiel).
1 [3]
O valor da fé grega nos deuses era deixá-los de lado para poder filosofar.
1 [6]
O riso era a alma da comédia e o estremecimento, a do drama musical. A tragédia morreu com Édipo em
Colono. p.64
1 [9] p. 66
A maravilhosa saúde da arte poética (e da música) grega: não há gêneros uns ao lado dos outros,
somente estádios preparatórios de e cumprimento, finalmente declive, o que quer dizer, o
desmembramento do que havia crescido até então a partir de um único impulso.
1 [11]
Mostro uma caricatura. Não com a ideia de que todos a reconheçam como caricatura: espero que aofinal
cada um tenha claro que é uma caricatura.
Essência, mais tarde [depois] declive.
Aqui Nit se mostra contra a essencia, o reconhecimento, por uma ética da experimentação, aquilo que é, mais
imponente e importante que o reconhecimento nas nossas grades de inteligibilidade – que levam às de
realização.
1 [15] p. 67
Socrates é o elemento desagregador da tragédia e do drama musical.
A falta de música e, por outro lado, o desenvolvimento monológico exagerado do sentimento, fizeram
necessário que entrasse em cena a dialética:
falta o pathos musical no diálogo
O drama musical antigo sucumbe à consequência das carências de seu princípio.
Falta a orquestra: não havia nenhum meio para fixar a situação do mundo do canto.
O coro predomina musicalmente.
1 [18] p. 68
Para os antigos a autoridade de uma obra de arte dependia muito da magnificência da construção, dos
custos do material que se empregava e da dificuldade de execução.
Preço elevado, dificuldade de execução escassez dos materiais.
O templo de delfos terminado aproximadamente até o 520 a. C.
1 [21]
A destruição da forma mediante o conteúdo: ou melhor: o arabesco artístico é destruído pela linha reta.
O socratismo aniquilou a forma já em Platão e ademais os gêneros estilísticos nos cínicos.
1 [27]
A música absoluta e o drama cotidiano: as duas partes separadas a força do drama musical.
A fase mais feliz foi o ditirambo e ainda a primeira tragedia esquilea.
Com Socrates penetra o princípio da ciência: com ela a luta e aniquilação do inconsciente.
1 [31] p. 70
É impossível que o elemento poético, abstraído da epopeia e da lírica possam conter ao mesmo tempo
as leis para a poesia dramática. No primeiro caso tudo se diz em referência à fantasia criadora do
ouvinte: no outro, tudo é presente e visível: a fantasia é reprimida pelas imagens que mudam.
1 [39] p. 71
O coro grego é, em primeiro lugar, a caixa de ressonância vivente, em segundo lugar o megafone
através do qual o ator grita ao espectador seu sentimento de maneira colossal, em terceiro lugar o
espectador se votla audível cantando apaixonadamente, em um tom lírico.
1 [41] p. 72
Como no que diz respeito ao carnaval:
É importante saber se uma obra é criada para uma única representação ou para representações repetidas:
osdramas dos gregos eram, sem nenhuma dúvida, concebidos e compostos para ouvi-los uma só vez:,
e tambem se os julgava imediatamente.
Terrível luta entre a melodia e a harmonia: esta última penetrou no povo e se expandiu por todas as
partes o canto polifônico, de tal maneira que se perdeu por completo o canto a uma só voz: e com ele,
ao mesmo tempo, a melodia.
A música coral dramática dos gregos também e´mais recente que o canto individual e algo
completamente distinto do canto coral que acabamos de mencionar: ela era unisono: por conseguinte,
a voz individual multiplicada por 50. Os gregos nunca conheceram uma luta entre a melodia e a
harmonia.
1 [43]
Ics: von Hartman, ação da imaginação sobre os elementos individuais da percepção sensível.
Socrates é uam metáfora para o conhecimento racional reflexivo
Que é a arte? A capacidade de produzir o mundo da vontade sem contade? Não. Produzir de novo o
mundo da vontade sem que o produto queira novamente. Se trata, portanto, de uma produção do que
não tem vontade mediante a vontade e de modo institntivo. Quando se faz com cs se chama artesania.
Pelo contrário, parece clara a finidade com a procriação, só que neste caso surge novamente a vontade
em sua plenmitude.
[49]
1 [53] p 75
A exigência de unidade no drama é a exigência da vontade impaciente, que não quer contemplar com
calma, mas lançar-se sem obstáculos pela senda empreendida até o fim.
7 [89] p. 170
“Até agora os gregos têm exercido influência sobre nós somente com uma faceta de seu ser.”
[91]
“Não há superfície bela sem uma profundidade terrível”
usado por Wagner em Opera e drama.
[94]
7 [97] p. 171
“A solidez da forma é uma consequência do apolíneo: moderação da motivação, das razões”
Fronteira
Mia: palavra vem de front de guerra.
Gil Monstros e fronteiras
Práticas de fronteira podem ser marcadas por "relações de boa vizinhança", na feliz expressão de Robert
Darnton em O beijo de Lamourette (1990), mas também, e com freqüência, são palco de litígio. O
espaço para a verificação de limites e para a demarcação de parte a parte nem sempre é objeto de
consenso. Na delimitação da divisão geográfica, assim como na separação de disciplinas e de objetos,
os critérios diferem, as justificativas são sempre múltiplas, assim como é nesse local que se estabelece
o jogo da alteridade. Schwarcz
Os artigos que completam a coletânea cobrem outras áreas de fronteira, falam do casamento com a
lingüística e explicitam domínios. Sobretudo nos ensaios "O feiticeiro e sua magia" e "A eficácia
simbólica", ambos do mesmo ano de 1949, Lévi-Strauss elucida seus novos caminhos. Não era nos
cânticos ou poções do xamã que se devia procurar pela eficácia, mas antes no consenso; na eficácia
simbólica do consenso. Porta de entrada para estruturas mais profundas, o feiticeiro dispunha dos
desejos universais da cura, apesar de suas manifestações e conteúdos particulares. O médico ouve o
mito e o traduz em uma história que é sua; o xamã carrega o mito e o doente o opera.
dois lados distintos da postura de Lévi-Strauss. De um lado, a afirmação de uma relação de
complementaridade, na qual — como diz Ginzburg — a verdadeira partida se realiza na fronteira entre
estrutura e história; evento e acontecimento. De outro, porém, na afirmação disciplinar a História
aparecia bem no meio do caminho. Dentro do projeto humanista de Lévi-Strauss cabia à Etnologia o
inventário das diferenças, e a busca de modelos invariantes e universais. Voltemos ao último capítulo
de O pensamento selvagem: "A história é um método ao qual não corresponde um objeto distinto. Não
é, portanto o último refúgio de um humanismo transcendental" (1976: 307). Para Lévi-Strauss,
reconhecer essa abrangência seria mesmo abrir mão de sua etnologia. Terminemos com suas palavras
que, como sempre, retomam um debate: A "história levaria a tudo com a condição de se sair dela".
Para ser legítima, a pesquisa deve restringir-se a uma pequena região, com fronteiras claramente
definidas, e as comparações não poderão ser estendidas para além da área escolhida como objeto de
estudo (LÉVI-STRAUSS, 1996, p. 19).
Tratando daa Estética social e das estruturas de comunicação, Lévi-Strauss (1996, p. 321) pondera que
uma sociedade é feita de individuos e de grupos que se comunicam entre si. Contudo, a presença ou
ausencia de comunicacao não pode ser definida de maneira absoluta. A comunicacao nao cessa nos
limites da sociedade. Em vez de fronteiras rigidas, trata-se, antes, de limiares, marcados por um
enfraquecimento ou uma deformacao da comunicação, nos quais ela nao desaparece, mas atinge seu
nivel minimo. Essa situação é suficientemente significativa para que a populacao (tanto fora como
dentro) dela tome consciencia.
Função psi
A hipótese de Foucault é de que à medida que a justiça se universaliza — é a nação inteira que julga,
tendo por norma os direitos universais do homem, através do corpo de jurados — o crime se
interioriza, se privatiza, se subjetiviza, isto é, se irrealiza como crime na profundidade do
comportamento criminoso. Em uma palavra: se psicologiza. O que Foucault chama “psicologia” é o
conhecimento do indivíduo e do que nele existe de mais secreto: seu passado, suas motivações, seu
comportamento, sua consciência. E, para ele, a instituição do júri popular foi uma das condições de
possibilidade do nascimento da psicologia como “ciência”, através de uma interrogação não sobre o
fato criminoso, mas sobre suas motivações subjetivas. (...) Um discurso de defesa como o do advogado
Bellart, em 1792, postula claramente que no fundo do crime existe o mundo humano da inocência e
da irresponsabilidade, o mundo da loucura — não mais como desrazão, mas como alienação —, que
passa a ser uma das verdades mais profundas do homem. Introduzida no sujeito psicológico como
verdade do crime, a loucura torna-se finalmente determinismo irresponsável (MACHADO, 2007, p.
70).
À diferença do que se passa com a medicina com Bichat – que adquire uma especificidade muito própria e
singular –, o saber psiquiátrico, independentemente de seu conteúdo, qualifica o médico como agente de
cura. A mera presença de seu corpo em gestos e vontade é capaz de curar (FOUCAULT, 2006, p. 224).
Assim, o asilo deve ser concebido à semelhança do corpo prototípico do psiquaitra.
Pois a instituição psiquiátrica não é mais que o conjunto de regulações exercida pelo corpo do psiquiatra sobre
o corpo do doente mental, aprisionado no espaço asilar.
O corpo do psiquiatra sobrevoa,
“O panóptico quer dizer duas coisas: que tudo se vê todo o tempo, mas também que todo poder que se exerce
nunca é outra coisa que um efeito ótico. O poder carece de materialidade” (2006, p. 101??). Ele é um aparelho
que conhece e individualiza, sinaliza simultaneamente um poder que individualiza e um saber sobre os
indivíduos.
Uma vez que o poder não é localizável, sua consistência é correlativa a seu exercício (À relação entre forças),
que não é outra coisa que operabilidade das visibilidades e a efetividade das normas que engendra e
administra. Suscintamente, podemos aferir que o poder disciplinar corresponde ao olhar contínuo (daí
tamanho investimento no empreendimento dos campos de visibilidade) e às suas sucessivas atividades
mesquinhas de transcrição e codificação do comportamento individual com vistas à fabricação de um saber
permanente de um indivíduo fixado a um espaço existencial. Em outras palavras: acumulação do saber,
constituição de séries e sucessões, inscrição de individualidades numa centralidade ao mesmo tempo
unificadora e totalizadora – o “duplo documental” a que alude Foucault (2006, p. 101).
“A função psi nasceu, certamente, do lado da psiquiatria, vale apontar que se originou no princípio do século
XIX, do outro lado da família, como se se tratasse de sua contraface” (2006, p. 110).
“Com organização dos substitutos disciplinares da família, com referência familiar, que vocês veem
surgir o que chamarei de função-psi, isto é, a função psiquiátrica, psicopatológica ,
psicocriminológica, psicanalítica etc. E quando digo “função” , entendo não apenas o discurso, mas a
instituição, o próprio indivíduo psicológico. E creio que é essa a função desses psicólogos,
psicoterapeutas, criminologistas, psicanalistas etc.; qual é ela, senão ser os agentes da organização de
um dispositivo disciplinar que vai ligar, se precipitar onde se produz um hiato na soberania familiar?”
(FOUCAULT, 2006, p. 110).
Neste âmbito, os profissionais técnicos da função-psi não podem deixar de agir como agentes disciplinadores
cuja atuação se destina a preencher a lacuna da soberania familiar. A falha da família se traduz no caráter
indisciplinável que pode adquirir um ou outro indivíduo.
Se a função-psi atua primeiro e privilegiadamente em torno da família, ela logo se espalha pela rede de
instituições disciplinares (escola, fábrica, presidio, etc.) para se tornar efetivamente o discurso e a forma de
controlar desta rede no início do século XX. A psicologia, nesta perspectiva, dá conta institucionalmente do
discurso e da produção e captura do corpo individual do sujeito. Ela articula a coerção disciplinar à verdade
que só pode vir de uma origem familiar.
Todas as ciências, análises ou práticas com radical “psico” têm seu lugar nessa troca histórica de
processos de individualização. O momento em que passamos de mecanismos histórico-rituais de
formação das individualidades a mecanismos científicos-disciplinares, em que o normal tomou o
lugar do ancestral e a medida o lugar do status, substituindo assim as individualidades do homem
memorável pela do homem calculável, esse momento em que as ciências do homem se tornaram
possíveis é aquele em que foram postas em cena uma nova tecnologia do poder e uma outra anatomia
política do corpo (FOUCAULT, 1977, p. 161) VP
O psicólogo é como uma extensão da família (e isso tem muito de concepções religiosas sobre mãe,
pai, filho, mandamentos) que tenta fazer com que um membro seja bem comportado e obediente, às
vezes submetendo o paciente à submissão obrigatória imposta pela família.
Em psiquiatria, a norma é o que reúne (costurando seus sentidos) as regras de conduta à regularidade
funcional; propiciando que o anormal em condutas (o desordeiro, o excêntrico) seja referido ao
anormal do corpo do indivíduo (que decorre em mau funcionamento ou patologia). De maneira que é
pela norma que a psiquiatria se institui ao lado da medicina orgânica através do modelo da neurologia
(FOUCAULT, 2001).
VER:
Geopoética:
“A vida do nômade é o intermezzo”
“relação sensível e inteligente com a terra”. Esta geografia que se põe a sair para explorar o mundo pelo
pensamento poético. Esta geografia que vê o mundo como uma poética – uma poética do mundo. “Um
mundo é o que surge da relação entre o ser humano e a terra. [...] O trabalho geopoetico visa explorar
caminhos desta relação sensível e inteligente com a terra, levando um tempo, talvez uma cultura, no
sentido pleno da palavra” (WHITE, 1994, p. 25). No texto inaugural da geopoética, White declara que
este é um grande movimento para os fundamentos da existência do homem sobre terra. O pensamento
whitiano é mesmo de unidade fundamental entre o ser e matéria. Esse modo de pensar-e-estar-no-
mundo é o que nos instiga na geografia. O poeta escocês nas suas caminhadas extrai das paisagens e
dos lugares a essência da geopoética. Com ele caminho para extrair das paisagens e dos lugares a
essência da geográfica. Juntos, reafirmando a geopoética com o pensamento nômade. Nomadismo
Geopoetico e intelectual compartilha um propósito tanto existencial e intelectual: “O desenvolvimento
de um pensamento que vem do contato profundo com o mundo à nossa volta” (WHITE, 1997, p. 86.
Com esta revelação (de geopoeta) encerro esta escrita (de geógrafo) em vista de uma aproximação desta
“ciência-arte” chamada geopoética (WHITE, 1994, p. 197).
O espírito nomada.
http://www.kilibro.com/books/9729250251/o-espirito-nomada
Governo; governamentabilidade
“O governo é definido como a forma correta de dispor das coisas de modo a levar não à forma do
bem comum, como pretenderiam os textos dos juristas, mas a um fim que é “conveniente” para cada
uma das coisas que devem ser governadas. Isto implica uma pluralidade de objetivos específicos:
por exemplo, o governo terá que assegurar que a maior quantidade possível de riqueza seja produzida,
que o povo tenha os meios suficientes de subsistência, que a população seja capaz de se multiplicar,
etc. Há toda uma série de finalidades específicas, pois, que se tornam o objetivo do governo como tal.
(FOUCAULT, A “governamentalidade” em inglês, p. 95)”
Governo não é uma instância de poder em geral, mas uma maquinaria historicamente específica de
administração social que emergiu na Europa nos séculos XVII e XVIII. O estado governamental
emergiu não como uma nova face para a incessante luta entre o poder e a autodeterminação, entre “a
autoridade e a agência”, mas como um amálgama circunstancialmente específico de instrumentos
políticos que sustentavam objetivos altamente particulares para o exercício do domínio.
“O ‘direito’ à vida, ao corpo, à saúde, à felicidade, à satisfação das necessidades, o ‘direito’ de resgatar,
além de todas as opressões ou ‘alienações’, aquilo que se é e tudo o que se pode ser, este ‘direito’ tão
incompreensível para o sistema jurídico clássico, foi a réplica política a todos estes novos
procedimentos do poder” (FOUCAULT, 1988 HS1, p. 136??).
A vida investida politicamente é o biopoder, no cerne do qual os ind são governados em benefício do bem
comum da espécie, a disciplinarização e manipulação dos pobres delinquentes e desviantes. O capitalismo
transfere a responsabilidade pela vida a tds e cada um.
A conformação, a boa formação gregária somente é possível àquele que é são e soberano sobre si.
O gregarismo instaura a comunicabilidade na equivalência (codificação despótica) e o jugo da expressão
linguageira em prol da duração do rebanho, em prol da conservação da espécie em torno de um determinado
estado de coisas ao qual é imprescindível a retomada de signos específicos no indivíduo – sua codificação
identitária.
Deus é o que garante a identidade do homem com seu projeto divino e consigo mesmo.
Deus é o infinito por si mesmo, infinitamente perfeito em si memso, é prova ontologicamente sua própria
existência. já o mundo é infinito em sua causa (que é Deus) e constitui a prova cosmológica da existencia de
Deus. a prova físico teleológica corresponde aos homens e Àscoisas do mundo, cuja finitude é dada na
realidade de sua exitencia entre limites DELEUZE F3.
A natureza aparece no lugar de deus, sob a forma do gregário.
O instinto gregário é condição que dá corpo à boa formação.
O que permanece incomunicável (organicamente, pois é impessoal), não-moldável (em sua característica
qualitativa, ele é irreversível) é colocado de lado pela norma.
De um lado, temos os sintomas de morbidez junto aos signos gregarismo, de outro, a saúde como produto do
atravessamento das singularidades.
A inteligibilidade é uma exigência das instituições gregárias. Fazem com que o real da vida concreta seja
desatualizado da sua dimensão singular.
VER:
Grupos e grupalismos
Grupos: terapêuticos, de sensibilização, temáticos (gestantes, cardiopatas, pessoas com doenças ou sequelas),
de orientação, operativos, psicossociais, de convivência, oficinas.
Psicossociologia visava “resolver a complexa articulação entre o social e o psíquico através da generalização
das observações acerca de pequenos grupos humanos experimentais” (p. 139) usando o grupo como existência
em si mesmo – dissociado das intempéries locais, institucionais e históricas que o atravessam – era
equivocado.
Pelo lado do terapeuta, o trabalho em grupos ajuda a diluir a distância e o estranhamento que o psicólogo (com
origem e formação elitista) pode sentir em relação ao público nos serviços públicos.
O grupo transversaliza as relações hierárquicas, dilui as fronteiras da organização horizontal das instituições.
“Estar num grupo de pares sociais atenuava as consequências paralisantes da dissimetria fortemente sentida
no “setting” individual” (p.142), incute estar junto com pessoas que têm concepções parecidas
“estar junto a pessoas que vivem situações consideradas anormais, angústias intensas, ouvem-se vozes
atemorizantes, sentir-se confuso, estar com pessoas sem que se responda a essas expressões de modo
preconceitoso ou defensivo, proporciona um acolhimento incomum” (Lancetti, 1994, p. 157)
Às representações sobre o sofrimento (a elaboração fragmentada do mal-estar, não dedtivo-demonstrativo),
à maneira direta (não argumentativa) de expressar opinião – e questões, namorar, medicamento, família,
relações... Tem menos uso nuançado indireto e mais imperativos (você deve dizer isso assim a ele), afirmações
categóricas (isso é uma vergonha), ou conselho direto. Essa atitude diretiva conflita com o jeito psi de
compreender as motivações, sentimentos implícitos contrários, etc. Ainda, no grupo, o ics aparece com
lapsos, piadinhas, absurdos, repetições de ideias e fantasias, explosões súbitas, riso inesperado, etc.
O fato de não carregar as marcas e insígnias de uma cultura psicológica não impede a escuta psicanalítica.
Não ontologizar o grupo ajuda a reenviar a ele suas produções fantasmáticas.
Grupo Diazempam: novas saídas ou novas demandas, para uso cronificado de décadas > autonomização: criar
suas próprias questões.
Não existe o Homem, mas pessoas vivendo em seus contextos, nos quais são atravessadas por forças que
modulam sua vida material e objetiva (alimentação, moradia) e sua experiência de si, os modos se perceber,
de sofrer e de se narrar a si mesmo – as representações com as quais ela se organiza nos encontros com o
mundo, os afetos que as atravessam e as linguagens com as quais ela se expressa.
Somos ao mesmo tempo mais e menos que o Homem autônomo e livre, autodeterminado e responsável na
sua interioridade de sujeito psicológico. Tal concepção de indivíduo é tributária de uma série de instituições,
saberes, representações e práticas coletivas... disciplinares, privatização, intimização das relações, romântica
infância
Grupos – Benevides AI
A Psicoterapia Institucional (Lapassade?) francesa coloca o grupo por excelência como dispositivo de
intervenção (de produção de transformação e de conhecimento). > Do grupo-assujeitado ao grupo-sujeito
trata-se da passagem entre duas atitudes, duas posições distintas. A submissão do heterônoma do ethos,
sujeitado a regras externas contrasta com a operacionalização da fala irruptiva (vocabulário e modos de
relacionamento interno e com o exterior, sigilo, crítica, etc., mais que padrões de comportamento grupal) que
funciona de maneira autônoma, fazendo suas próprias regras e transgredindo os significantes sociais
dominantes.
A perspectiva psicossocial aposta no coletivo (que é a multiplicidade impessoal, intensidades e forças pré-
ind e pré-verbais na lógica dos afetos e não dos conjuntos bem circunscritos), que implica uma clínica
atravessada intimamente pela política. Toda clínica é política e toda análise é institucional, ela se libera do
especialismo e dos fatores psi (fantasmas individuais, complexos familiares, sintomas psicopatológicos) para
alcançar a dimensão política e histórica, questionando os lugares instituídos, as dicotomias e as naturalizações.
Questionamentos: quais práticas a clínica tem posto em funcionamento? Quais efeitos políticos ela gera
(autonomização, emancipação, ou dependência)? Que tipo de vida ela implementa (digna)?
Ação clínico-política: arguição da propriedades e da ação micropolítica, menor, marginal, que escapa aos
códigos hegemônicos atuando nas fissuras para a construção de si e do mundo, por uma política de
subjetivação e de organização do socius. Por isso, fomentamos grupos que sirvam de suporte para a expressão
de virtualidades existenciais, para o que é gérmen potencial. Afinal, o desejo produz realidade e
transversaliza o micro e o macro, que se distinguem m as não se separam em sue funcionamento.
Grupo opera como intermediário na fronteira entre clínica e política, que é o terreno das fronteiras,
passagens e da seletividade. Ali saímos do caso da clínica para a clínica como caso: quais seus efeitos
políticos?
O grupo é um simulacro (sem apoio na semelhança, se constitui na dissimilitude e no desvio em relação a si
e em ao indivíduo-modelo) pois é um processo inestabilizável. Só o grupo representação tem identidade
estável, conjunto de pessoas reunidas a partir das representações internas de cada uma sobre o outro.
Experimentar os fluxos informes que atravessam as virtualidades associando-se às forças constituintes num
processo heterogenético onde não há ser-do-grupo, só devir-grupo. Ele não tem natureza, é efeito de modos
de operação de fluxos. ele é assediado pelo perigo de reproduzir-se num modo congelado, serializando-se e
assujeitando-se. No grupo acessamos a dimensão produtiva social e subjetiva e seu próprio plano de
produção, na inseparabilidade entre processos coletivos e individuais. O capitalismo se interessa pelos grupos
porque neles se pode apreender a vida em seu movimento (comunicação formação de padrões).
Várias entradas:
A genealogia nietzschiana alerta que é a discórdia e o disparate que se encontra no começo histórico das
coisas, e não a identidade ainda preservada da origem (FOUCAULT, microf). Não origem a buscar, mas
recortes para fazer, vias a intensificar, linhas de fuga a percorrer. Ao não tomar a historicidade das práticas e
a proveniência dos objetos, fraturando-os em partes na sua suposta unidade, tomamo-lo como natural, como
o que existe por si mesmo.
Negri pergunta a Deleuze qual política pode prolongar o esplendor do acontecimento: inventando processos
de subjetivação que escapem aos saberes constituídos, o que pode ser operacionalizado com grupos.
O grupo não deve ser o elo de ligação que une indivíduos hierarquizados, mas um incitador de
desindividualização. Ele serve de opção ética para a afirmação das diferenças e dos devires que buscam
expressão, opção estética de criacionismos de suj-obj, opção política de entrar em contato om coletivo-
múltiplo.
Lasch: cultura do narcisismo, do eu tiranizado pela intimização, pela insatisfação crônica e pelo vazio interior.
A intimidade se alimenta da degradação das condições de trabalho, da gerencia por especialistas do cotidiano
e atua contra autonomia da definição de metas e lutas. Uma entropia do eu em si mesmo para Sennet.
Já Castel (Gestão dos riscos) entende que a privatização se volta para um superinvestimento das práticas
relacionais e de trocas (a um sujeito privatizado só resta relacionar-se e interagir), terreno farto para a psi:
terapias alternativas, redes de convivência, encontros de grupo, experimentação das técnicas psicológicas
sobre a sociabilidade. O grupo aparece como solução para as distâncias entre pessoas, ele é ativado como
chave para cultura relacional, para reforçar regras de privatização e individualização dos sofrimentos e
problemas sociais. [Mas formar grupos pode servir de suporte para intervir politicamente nos processos
decisórios, na construção de direitos e na superação das vulnerabilidades].
Meu objetivo será mostrar-lhes como as práticas sociais podem chegar a engendrar domínios de
saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também
fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de conhecimento. O próprio sujeito
de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com o objeto (Foucault AVFJ)
O perspectivismo aponta para o conhecimento como relação e apropriação – é o corpo que conhece.
Grupo e psicanálise
R. Käes entende o grupo como uma entidade psíquica com formações e processos específicos e distintos e
nele, o trabalho psicanalítico atua não mais no dispositivo da cura, mas no do grupo, isso requer um modelo
de explicação e inteligibilidade para a realidade psíquica do grupo. Assim, vemos que há o sujeito do ics no
grupo + psique ou alma de grupo (como dizia Freud).
Esta dupla perspectiva leva em conta: o grupo como forma autônoma para a qual o sujeito contribui + o
sujeito sobre o plano de fundo do grupo – onde o apreendemos “para si mesmo seu próprio fim, e elo de uma
cadeia” (Freud, 1914 – Intro ao narcisimo). O sujeito é sujeitado como servidor, beneficiário e herdeiro do
grupo. Pensar no estatuto do sujeito do ics em relação à realidade psíquica do ics tem no grupo um
determinante.
Do ponto de vista técnico, o APG é resultado desta tensão dialética entre uma tendência isomorfa (de
reduzir o psiquismo grupal ao ind, que ocorre na família de um psicótico, teoria sistêmica) + outra homomorfa
(na qual o grupo é derivado do ind). O psiquismo ind se apoia no corpo biológico e o grupal no tecido social,
mas reage mal a não ter corpo e multiplica as metáforas, substitutos, aparências, etc.
Há vários lugares do ics que devem ser explorados. D Anzieu (La psicanasile encore 1975b) sustenta que o
trabalho psicanalítico é caracterizado pela sua realização no lugar onde surge o ics: “deitado, sentado”, ind ou
coletivamente, grupo ou família, “em todo lugar onde um sujeito pode deixar falar suas angústias e fantasias
a quem quer que se considere capaz de ouvi-las e dar conta delas” (p. 12). A psicanálise deve estar aberta aos
efeitos do ics em outras práticas que a da cura, respeitando o espírito do método e certa representabilidade da
realidade psíquica. O grupo é elaboratório.
A escuta grupal é uma outra escuta, na qual são colocadas em jogo e em cena a compreensão e o tratamento
de formas de sofrimento psíquico contemporâneas inacessíveis a não ser em grupo – Birman (2000, mal-estar)
fala nas doenças relacionais.
A fim de representar o espaço psíquico do sujeito em sua singularidade, mas também na interação e na
estruturação de seu espaço interno por outros espaço Käes pauta o aparelho psíquico grupal na conjunção
de três dimensões constantes do grupo: o espaço intrapsíquico e subjetivo; o interpsíquico e intersubjetivo;
e o transpsíquico e transobjetivo – respectivamente, do sujeito singular; do grupo e do vínculo Assim, a
descontinuidade, a heterogeneidade juntos às continuidades, passagens e transferências – a diversidade de
figuras e meios de mediação entre estes espaços, enfim – entre estes espaços fazem com que a escuta, o
trabalho terapêutico e a interpretação psicanalítica possam se dar a nível do grupo e dos indivíduos.
a) Espaço do grupo: o grupo é uma entidade específica com processos e formações próprias, irredutíveis
ao espaço interno individual. APG = liga, transforma e atribui os espaços psíquicos (grupo, ind e
vínculo) dos membros para que eles criem para si processos e formações específicos (atravessados
pela grupalidade). São criados organizações e funcionamentos que competem e se articulam entre si
com conteúdos, tópica, dinâmica e economia distintas.
Inspirações: Bion: base, mentalidade e cultura de grupo. Pichon-Rivière dividido entre a psicanálise e a
psiSocial traz duas ideias: totalidade e campo. D. Anzieu: entidade autônoma com fantasia grupal e envelope
grupal.
b) Espaço do vínculo: os vínculos interpessoais instalam subconjuntos com expressões transferenciais
no contraste com o fundo da realidade psíquica do grupo. O vínculo não é a soma de ind, mas o espaço
psíquico construído através das suas relações entre eles, a partir daquilo que é mobilizado em suas
relações através das alianças ics. Ele é uma formação intermediária entre os sujeitos e as
configurações de vinculação (família, instituição, etc.)
“Não há um sem o outro, sem vínculo que os une e sem o grupo que os contém e estrutura”. Basicamente, os
modos com os quais se organizam as panelinhas dizem sobre as dinâmicas transferenciais colocadas em jogo.
c) Espaço do sujeito singular: questionar as mediações (pautadas por relações sintomáticas e
transferenciais confortáveis) que arituclam os espaços do sujeito e do grupo. O suj não um suj
intercambiável qualquer, mas um espaço psíquico que se manifesta duplamente como sujeito do ics e
do grupo. Situação que põe em cena modos de existir decalcados das relações com os obj ics, seus,
ods outros e com os objetos comuns e partilhados.
“O sujeito do grupo, no grupo, contém em seu espaço interno formações grupais” (p. 16). São manifestações
de materiais psíquicos, pois é propriedade deles – assim como da grupalidade psíquica – se ligar e se
dissociarem. Esta associatividade (que liga e associa o psiquismo ind ao grupal) fundamental é responsável
pelos processos, formações e funções intermediárias - do sonho, as associações, da estrutura e função biface
do ego, dos envelopes psíquicos, dos sintomas e das estruturas que adquirem valor e função a partir da
formação de compromisso.
“O próprio sujeito do grupo é um sujeito intermediário, ein Mittelsmann (um mediador) ou ein Grenzwesen
(um ser-fronteira) como escreveu Freud” (p. 16), ele é dotado de interfaces com outros espaços de realidade,
int-ext. Já o sujeito no grupo é movido por seus grupos internos, mobilizados para se aparelhar, criar acordo
e vínculos com os equivalentes nos outros. Os grupos internos são organizadores no processo do APG. O
sujeito é do e no grupo, não é o grupo, mas se representa como o grupo e esta oscilação no-do apoia a dimensão
transicional de todas as mediações – seja no sentido (sintomáticos ou criativos) de lidar com situações (do)
ou de criação de vínculos e respostas (no).
Tem uma parte do espaço interno do sujeito que se estrutura nas formações da realidade grupais, o que
requer novos modelos teóricos e clínicos para explicar distintas expressões ics envolvidas no sofrimento
psíquico. O suj do ics é também da intersubjetividade, suj de vínculos e grupos que nos constituem, e desde
onde se fazem alianças. Alianças ics: todos os sujeitos se ligam entre si e em conjuntos segundo diversas
formas de identificação, ressonâncias fantasmáticas, investimentos pulsionais con-divergentes, complexos
que determinam matrizes de vínculos entre objetos internos, rep e sgts comuns e mais determinante ainda para
estas ligações são as alianças cs e ics que ligam as pessoas em torno de um compromisso mútuo. Assim, há
alianças ics estruturantes, ofensivas, defensivas e outras que descambam para patológicas.
O APG serve para trabalhar com as formações metapsíquicas (as alianças ics, geradoras de processos e
formações psíquicas e de vínculos intersubj e dependentes de contextos sócio-culturais) ou metassociais que
se sobrepõem ou das quais dependem as intrapsíquicas, seus efeitos e as estruturações dos espaços psíquicos
que nele se baseiam
APG: acesso a formações metapsíquicas (geram processos e formações psíquicas + vínculos intersubj) +
metassociais (contextos sócio-culturais) >determinam> intrapsíquicas
Os sofrimentos que experimentamos hoje são perturbações na constituição de limites int e ext do APsíquico,
estaods limítrofes ou falta de envelopes psíquicos ou de sgt de demarcação, nos sistemas de (des)vinculação,
nos processos geracionais e de transformação e se combinam com as patologias do narcisismo, do recalque
originário e da simbolização primária. Por isso, visamos “compreender itinerários no interior de estruturas
(...) que tentam articular origem e história, continuidade e des, estrutura e processo” (p.27).
Freud ainda era muito ligado à concepção de centro em Galileu e Copérnico, mas com Kepler o mundo fica
elíptico, pluricêntrico e descentrado de princípios organizadores. Daí sua analogia com o Barroco das
espirais, volutas e ovais, rico em elipses e anamorfoses – reformação, retorno, reiteração, reversão da forma
que quando observada frontalmente, parece distorcida, tornando-se legível quando vista de um determinado
ângulo, a certa distância, ou com espelho. O barroco louva os anjos, figuras ambíguas, intermediarias,
mensageiras, que são metáforas dos processos de mediação e da instabilidade dos processos psíquicos16.
Daí a riqueza do grupo, como sistema de tensão entre vários centros ao mesmo tempo objeto de investimentos
e representações de e em seus membros: objeto-grupo, porta de entrada dos fenômenos de grupo.
Além disso, desde o final da 2 WW, o tratamento, o espaço e as práticas institucionais e em grupo é visto
com boas possibilidades para mobilizar os processos ind de doentes psicóticos crônicos – como aparece em
Oury, Dacamier e Tosquelles. Onde aparecem conceituações divergentes: duas elogiosa e uma crítica. Por um
lado, o grupo é organizado para restaurar e consolidar as funções psi e o controle das pulsões, assegurar a
catarse de conflitos e as capacidades de adaptação e sublimação, permitindo e fornecendo ao eu apoio para
um funcionamento apropriado. Por outro, o grupo gera e acentua efeitos de alienação, tanto do lado de que
protege o ind da cruel realidade ext, favorecendo a dessocialização e a fraqueza do eu – com usas
transferências diluídas e inacessíveis, o que demobilzia a pesquisa com grupos –, quanto da lógica louca (de
Bleger, Pichon e Racamier) segundo a qual a instituição desencadeia a loucura para trata-la.
O grupo traz as formações metapsíquicas nas quais os vínculos, grupos e instituições são o refúgio dos objetos
psíquicos recalcados ou rejeitados por alianças ics. Por isso, as alianças ics são a matéria-prima da vida dos
16
O termo subjetividade diz respeito ao pensamento moderno e, segundo Marilena Chauí, ele refere-se a consciência, diz ela:
“subjetividade ativa, sede da razão e do pensamento, capaz de identidade consigo mesma, de conhecimento verdadeiro, de decisões
livres, de direitos e obrigações” ou melhor “ a subjetividade se manifesta plenamente como uma atividade que sabe de si mesma,
isso não significa que a consciência esteja sempre inteiramente alerta” (Cf: CHAUÍ. M. Convite a Filosofia, 2006, p. 131/132).
Deleuze e Guattari sem dúvida fazem a crítica a essa noção moderna, já que a mesma se põe como sendo uma atividade ou a sede
capaz de ir ao encontro da verdade, do saber, do conhecer. Portanto, o centro do sujeito.
grupos, com elas (e com os vínculos de grupo, o suj no e o suj do ics que se manifesta nele) pensamos o que
não é acessível à prática, ao método e à teoria da cura. No grupo, estamos desafiados a ser um entre outros,
ele não é um centro, mas nele se engaja partes de nós.
Há de se atentar à psique de grupo, mas também à realidade psíquica ics – cujo lugar é o grupo – quanto à
realidade psíquica do sujeito no (ou do, formulação mais tardia) grupo, isto é dos efeitos do grupo, enquanto
conjunto intersubjetivo na formação do suj do ics. A realidade específica do grupo como APG se dá no
trabalho de vínculo, desvínculo e transformação com distintas modalidades de relação (isso ou
homomórficas) com os sujeitos que o constituem.
Hecceidades
hecceidade:
há uma outra que é a função de individuação não pessoal dos acontecimentos. Pode-se chamar esta
individuação de hecceidade ou individuações não pessoais pois revestidas de um caráter neutro,
impessoal e impreciso que foge do jogo entre o eu e o tu. Estas individuações configuram domínios do
indeterminado, isso que nas línguas saxônicas se expressaria com a quarta pessoa do singular, o it. O
que se individua, aqui, não é um Eu ou uma pessoa, mas um acontecimento em sua singularidade, e em
sua indefinição: um vento, um grito, um cachorro magro na rua, uma vida, uma estação, etc.
Deleuze conclui que “a noção de sujeito perdeu muito de seu interesse em nome das singularidades pré-
individuais e das individuações não pessoais”. PASSOS E BENE??
A hecceidade, considerada por Duns Scot como a realidade última, compreende o indivíduo como detentor
de uma essência singular irredutível à essência universal e específica
VER:
Hermenêutica do sujeito – curso sobre Cuidado de si
o manuscrito traz que este vínculo foi rompido “quando Descartes disse que a filosofia sozinha se basta
para o conhecimento, e quando Kant completou dizendo que se o conhecimento tem limites, eles estão
todos na própria estrutura do sujeito cognoscente, isto é, naquilo mesmo que permite o conhecimento".
Exclusão dada quanto foi “tomado desenvolvimento autônomo do conhecimento, e a exigência de uma
transformação do sujeito e do ser do sujeito por ele mesmo” (p. 35). Há muito se acabava com “a necessidade
espiritual de um trabalho do sujeito sobre si mesmo, transformando-se e esperando da verdade sua iluminação
e sua transfiguração” (p. 36). Separação operada pela teologia escolástica aristotélica, ela toma Deus (aqueel
q tudo comnhece) como seu Criador e seu modelo para um sujeito universal cognoscente, capaz de conhecer,
amparado na fé. A fé desampara o cuidado de si (epamileia heautu...). conflito era: espiritualidade (saber >
leva a profunda modificação do sujeito) X teologia. Não religião X ciência. Exp: A reforma do entendimento
de Spinoza implica modificação no ser do conhecimento, condições que ele se aplica a si.
- é porque posso conhecer amparado na fé, sem mudar nada, é que dispenso a autotransformação.
Toda a fil do sec XIX, desembocando no marxismo e psicanálise, retomam este problema da
espiritualidade. O que acontece ao sujeito quando ele tem acesso À verdade. alienação, ics...Tema da
transformação e si pelo, através, mediante o conhecimento é o tema do cuidado de si [livro Birman]. Neles
reencontramos os problemas da epimiléia heatounu (que é a forma mais geral da espiritualidade) como
problemas condicionantes do acesso À verdade. Lacan depois de Freud tenta retomar estas relações entre
sujeito e verdade em textos como: "Fonction et champ de la parole el du langage en psyehanalyse" (1953);
"Subversion du sujeI el dialeetique du désir dans l'ineonseienl freudien" (1960), "La Seienee el la vérilé"
(1965), ibid., pp. 855-77; "Du sujeI enfin la queslion", Sem 1, 11 e 20.
Três momentos:
1) emergência do cuidado de si socrates – Platão
2) era de outro. Sec I e II, cuidado de si pagão
3) sec III-IV > transição para ascese cristã
condição para passar do privilégio estatutário que era o de Alcibíades (grande família rica, tradicional,
etc.) a uma ação política definida, ao governo efetivo da cidade (...) “ocupar-se consigo" está porém
implicado na vontade do indivíduo de exercer o poder político sobre os outros e dela decorre. Não se
pode governar os outros, não se pode bem governar os outros, não se pode transformar os próprios
privilégios em ação política sobre os outros, em ação racional, se não se está ocupado consigo mesmo.
Entre privilégio e ação política, este é, portanto, o ponto de emergência da noção de cuidado de si
(2004, p. 48).
b) “A necessidade do cuidado de si inscreve-se pois, não somente no interior do projeto político, como no
interior do déficit pedagógico” (p. 48). Alcibíades teve educação insuficiente em dois pontos: foi educado por
um escravo ignorante doméstico e porque fora demasiadamente assediado por homens que só queriam sua
beleza e não se ocupavam dele nem o incitavam a ocupar-se de si mesmo.
c) para Alcibíades, aos “cinquenta anos, seria tarde demais para reparar as coisas. Esta não é a idade para
ocupar-se consigo. É preciso aprender a ocupar-se consigo quando se está naquela idade crítica, quando se
sai das mãos dos pedagogos e se está para entrar no período da atividade política” (p. 49)
A colocação do cuidado de si como etapa da formação do jovem – enquanto “uma atividade, uma necessidade
de jovens numa relação entre eles e seu mestre, ou entre eles e seu amante, ou entre eles e seu mestre e amante”
– conflita com A apologia de Sócrates que coloca-o como “função geral de toda existência”.
d) o cuidado de si aparece como urgência quando Alcibíades se depara com sua ignorância – sobre a questão
sobre a concórdia – ele
ignora o próprio objeto, a natureza do objeto com que tem que ocupar-se. Ele sabe que quer ocupar-se
com a cidade. Tem segurança para fazê-lo por causa de seu status. Porém não sabe como ocupar-se,
em que consistirá o objetivo e o fim do que há de ser sua atividade política, a saber: o bem-estar, a
concórdia dos cidadãos entre si. Não... sabe qual é o objeto do bom governo e é por isto que deve
ocupar-se consigo mesmo. (p. 49-50).
Assim,
a necessidade de ocupar-se consigo coloca a seguinte questão: qual é pois o eu de que é preciso cuidar
quando se diz que é preciso cuidar de si? (...) vemos que a questão que Sócrates coloca e tenta resolver
não é: deves ocupar-te contigo; ora, tu és um homem; portanto, pergunto, o que é um homem? A questão
colocada por Sócrates, muito mais precisa, muito mais difícil, muito mais interessante, é a seguinte:
deves ocupar-te contigo; mas o que é este si mesmo (autò tò autó), pois que é contigo mesmo que
deves ocupar-te? Questão que, conseqüentemente, não incide sobre a natureza do homem, mas sobre o
que nós hoje - pois a palavra não está no texto grego - chamaríamos de questão do sujeito. O que é
este sujeito, que ponto é este em cuja direção deve orientar-se a atividade reflexiva, a atividade
refletida, esta atividade que retoma do indivíduo para ele mesmo? O que é este eu? Esta, a primeira
questão.
Segunda questão a ser também resolvida: de que modo o cuidado de si, quando o desenvolvemos como
convém, quando o levamos a sério, pode nos conduzir, e conduzir Alcibíades ao que ele quer, isto é,
a conhecer a tékhne de que precisa para governar os outros, a arte que lhe permitirá bem
governar? Em suma, o que está em jogo em toda a segunda parte, neste final do diálogo, é a necessidade
de fornecer a este “si mesmo” - na expressão “cuidar de si mesmo” - uma definição capaz de
implicar, abrir ou dar acesso ao saber necessário para um bom governo. O que está em... jogo no
diálogo é, pois: qual o eu de que devo ocupar-me a fim de poder, como convém, ocupar-me com
os outros a quem devo governar? É este círculo [que vai] do eu como objeto de cuidado ao saber do
governo como governo dos outros que, creio, está no cerne deste final de diálogo (p. 50-1)
Anotações limiar:
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O diálogo com Alcibíades tem questões comuns aos demais diálogos socráticos, como: exercício do poder
político, pedagogia, ignorância que se ignora.
O imperativo do “ocupar-se de si mesmo” surge numa paisagem política e social dos jovens aristocratas
atenienses que por seu status, são destinados a exercer certo poder sobre a cidade e os cidadãos. Poder de
governar. Eles têm a ambição de prevalecer sobre os rivais de dentro e de fora da polis numa política ativa,
autoritária e triunfante. Primeiro problema daí: Capacidade de governar necessariamente ligada à
necessidade de ocupar-se de si.
Segundo problema: pedagogia. Sócrates critica a educação ateniense frente à persa oriental e à “educação
espartana que implica o rigor contínuo, a forte inserção nas regras coletivas” (p. 56). O “amor pelos rapazes”
não realiza efetivamente a formação, em que se assedia os jovens e quando eles estariam no amago da
atividade política são abandonados, eles acabam sendo governados.
Terceiro elemento: a ignorância. “Ignorância, ao mesmo tempo, das coisas que se deveria saber e ignorância
de si mesmo enquanto sequer se sabe que se as ignora” (p. 57). Alcibíades acredita saber o que é o bom
governo da cidade: a concórdia entre os cidadãos. Mas ignora o que seja a concórdia, e mais que isso, não
sabe que não sabe.
Cultura de si entre filosofia e espiritualidade no mundo antigo:
Sócrates afirma: tu ignoras; mas és jovem; portanto, tens tempo, não para aprender, mas para ocupar-
te contigo. É aí creio, neste desnível entre o "aprender" que seria a consequência esperada, a
conseqüência habitual de semelhante raciocínio, e o imperativo "ocupar-te contigo", entre a
pedagogia compreendida como aprendizagem e uma outra forma de cultura, de paideía (de que
voltaremos a tratar mais longamente) que gira em tomo do que se poderia chamar de cultura de si,
formação de si, Selbstbildung, como diriam os alemães', é neste desnível, neste jogo, nesta
proximidade, que vão precipitar-se certos problemas que tangenciam, parece- me, todo o jogo entre a
filosofia e a espiritualidade no mundo antigo (p. 58).
Bildung é a educação, a aprendizagem, a formação (Selbstbildung: formação de si). Esta noção foi
particularmente difundida através da categoria de Bildungsroman (romance de aprendizagem, cujo
modelo permanece sendo Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister, de Goethe)... tecnologia de
si" (ou "técnica de si") como domínio histórico específico a explorar, cf. Dits et Écrits, IV, n. 344, p.
624; como processo de subjetivação irredutível ao jogo simbólico, id., p. 628; para uma definição, id.,
n. 338, p. 545: "práticas refletidas e voluntárias através das quais os homens não somente se fixam
regras de conduta, como também procuram se transformar, modificar-se em seu ser singular e fazer
de sua vida uma obra". O uso dos prazeres, da História da sexualidade. Este trecho foi extraído da
tradução brasileira: O uso dos prazeres, p.15. Nota p 77
O que é “si mesmo”, e o que é “ocupar-se”? – primeira grande emergência teórica – a única em Platão – do
cuidado de si. Porém,
o conjunto de práticas nas quais vai manifestar-se o cuidado de si - enraíza-se, de fato, em práticas
muito antigas, maneiras de fazer, tipos e modalidades de experiência que constituíram o seu suporte
histórico, e isto bem antes de Platão, bem antes de Sócrates. Que a verdade não possa ser atingida sem
certa prática ou certo conjunto de práticas totalmente especificadas que transformam o modo de ser
do sujeito, modificam-no tal como está posto, qualificam-no transfigurando-o, é um tema pré-
filosófico que deu lugar a numerosos procedimentos mais ou menos ritualizados (p. 59).
Acesso aos elementos particulares, água, ar, terra, fogo, etc. ou do acesso à verdade.
Tecnologia de si > acesso à verdade na Grécia arcaica. Temos que nos purificar, recorrer aos
os ritos de purificação: não podemos ter acesso aos deuses, praticar sacrifícios, ouvir o oráculo e
compreender o que ele disse, não podemos nos beneficiar de um sonho capaz de esclarecer porque
fornece sinais ambíguos mas decifráveis, nada disto podemos fazer se antes não nos tivermos
purificado. A prática da purificação, enquanto rito necessário e prévio ao contato não apenas com os
deuses mas [com] aquilo que os deuses podem nos dizer como verdadeiro (p. 59)
outra tecnologia é a concentração da alma móvel, este
sopro, é algo que pode ser agitado, atingível pelo exterior. E é preciso evitar que a alma, este sopro,
este pneuma se disperse. É preciso evitar que se exponha ao perigo exterior, que alguma coisa ou
alguém do exterior o atinja. É preciso evitar que no momento da morte ele seja assim dispersado. É
preciso, pois, concentrar este pneúma, a alma, recolhê-lo, reuni-lo, fazê-lo refluir sobre si mesmo a
fim de conferir-lhe um modo de existência, uma solidez que lhe permitirá permanecer, durar,
resistir ao longo de toda a vida e não dissipar-se quando o momento da morte chegar. Uma outra
técnica, outro procedimento pertinente às tecnologias de si é a técnica do retiro para a qual existe uma
palavra que terá, como sabemos, um considerável destino em toda a espiritualidade ocidental:
anakhóresis (anacorese). O retiro, compreendido nestas técnicas de si arcaicas, é uma certa maneira
de desligar-se, de ausentar-se - ausentar-se mas sem sair do lugar - do mundo no qual se está situado:
cortar, de certo modo, o contato com o mundo exterior, não mais sentir as sensações, não mais agitar-
se com tudo o que se passa em tomo de si, fazer como se não mais se visse e efetivamente não ver mais
o que está presente, sob os olhos. Trata-se da técnica, se quisermos, de uma ausência visível.
Permanece-se ali, é-se visível aos olhos dos outros. Mas se está ausente, alheado. Quarto exemplo e,
repito, são apenas exemplos: a prática da resistência que, de resto, está vinculada a esta concentração
da alma e a este retiro (anakhóresis) em si mesmo, e faz com que se consiga suportar as provações
dolorosas e difíceis, ou ainda, resistir às tentações que possam advir (59-60).
Elementos presentes já no pitagorismo da ascese.
Por exemplo, a preparação purificadora para o sonho. Uma vez que, para os pitagóricos, sonhar
enquanto se dorme é estar em contato com um mundo divino, o da imortalidade, o do além da morte,
que é também o da verdade, devemos nos preparar para o sonho. Assim, antes do sono, devemos nos
entregar a algumas práticas rituais que vão purificar a alma e tomá-la capaz, conseqüentemente, de
entrar em contato com o mundo divino, compreender suas significações, mensagens e verdades,
reveladas sob uma forma mais ou menos ambígua. Eis então algumas dentre as técnicas de
purificação: escutar música, respirar perfumes e, certamente, também praticar o exame de
consciência. Reconstituir o nosso dia todo, lembrarmo-nos das faltas cometidas e, por conseguinte,
neste mesmo ato de memória, expurgá-las e delas nos purificarmos (p. 61)
Técnicas de provação da tentação.
Todo o cuidado de si sofre uma transformação profunda, é reduzido ao conhecimento (de si) em Platão,
mas tem um arcabouço muito mais amplo de técnicas. O retiro é a imobilidade do corpo que resiste e da
alma, que não se mexe.
P 64
O que é ocupar-se de si (cuidado de si?)? O texto do Alcibíades se divide em 2 questões:
1) No imperativo “é preciso ocupar-se consigo" que coisa é esta, que objeto é este do qual é preciso
ocupar-se, o que é este eu?
2) No “cuidado de si" há cuidado, o que é o cuidado?
se devo ocupar-me comigo é para tomar-me capaz de governar os outros e de reger a cidade (...) é
necessário que o cuidado comigo seja tal que forneça, ao mesmo tempo, a arte (a tékhne, a habilidade)
que me permitirá bem governar os outros. Em suma, na sucessão das duas questões (o que é o eu e o
que é o cuidado?) trata-se de responder a uma única e mesma interrogação: é preciso fornecer de si
mesmo e do cuidado de si uma definição tal que dela se possa derivar o saber necessário para
governar os outros (p. 65).
Esta é a 2da parte do diálogo, (127e)... o que é o EU e o OCUPAR-SE, este CUIDADO?
O que é o Eu?
Segunda Referência ao oráculo de Delfos.
Aparecera uma primeira vez quando Sócrates dialogava com Alcibíades e lhe dizia: bem, se queres
reger Atenas, vais ter que prevalecer sobre teus rivais na própria cidade, vais ter também que combater
ou rivalizar com os lacedemônios e os persas. Crês que és forte o bastante, que tens as capacidades
para isto, as riquezas e que, sobretudo, recebeste a educação necessária? E como Alcibíades não estava
muito seguro para dar uma resposta positiva. p. 65
Daqui a recomendação de prudência de ocupar e conhecer um pouco a si mesmo. É preciso saber o que é o
eu – não suas capacidades, se é mortal, composição, natureza, etc. porém, a segunda referência ao cuidado
de si é mais metodológica e formal:
"[qual é] esta relação designada pelo pronome reflexivo heautón, o que é este elemento que é o mesmo
do lado do sujeito e do lado do objeto?". Tens que ocupar-te contigo mesmo: és tu que te ocupas; e,
não obstante, tu te ocupas com algo que é a mesma coisa que tu mesmo, [a mesma coisa] que o
sujeito que "se ocupa com", ou seja, tu mesmo como objeto. O texto, aliás, o diz muito claramente:
é preciso saber o que é autá tá autó23. O que é este elemento idêntico, de certa forma presente de parte
a parte no cuidado: sujeito do cuidado, objeto do cuidado? P. 66
“Quando o Alcibíades chega à fórmula "o que é o eu com que se deve ocupar? - ora, é a alma", ele recobre
pois muitos aspectos, muitos temas que serão reencontrados, que efetivamente se encontram em tantos outros
textos platônicos”: Este método está presente na Apologia – ocupem de sua alma (psykhé) para serem
melhores -, “no Crátilo, quando, a propósito das teorias de Heráclito e do fluxo universal, está dito que não
se deve confiar simplesmente na palavra ... (os cuidados em se ocupar, em estar atento consigo mesmo e [à]
alma)... , no Fédon, a famosa passagem segundo a qual, se a alma é imortal, então, "epimeleías deitai"" (ela
precisa que com ela nos ocupemos, ela precisa de zelo, de cuidado, etc.).
Porém que a própria maneira como se chega a esta definição da heautón como alma, não é a alma universal
dos gregos, platônica que Nietzsche critica, mas a sua própria alma. É a fórmula inversa de A República – da
investigação do homem justo desde a justiça na cidade. No Alcibíades, as funções e hierarquias da alma
individual (desde o ocupar-se de si) esclarecem e dão o modelo do governo da cidade.
O eu, o si mesmo = alma individual. Em “Sócrates fala a Alcibíades” é preciso delimitar, isolar o sujeito da
ação dos instrumentos e meios que ele põe em ação. O músico é aquele que se serve dos instrumentos. O
mesmo que vale para esta mediação instrumental vale para o corpo. O eu, o si mesmo é o elemento que se
vale do próprio corpo – daí alma, ela se serve do corpo e dos instrumentos. É a alma sujeito da ação e que
se serve do corpo e dos instrumentos.
Não a alma prisioneira do corpo do Fédon, nem os cavalos alados aos quais é preciso bem dirigir do Fedro.
Nem a alma que está na arquitetura do universo a ser harmonizada de A república.
Se servir = khrêsis > próximo de uma atitude de usar com violência.
Khrêsthai = relação com o outro no sentido de honrar, prestar culto, fazer com o outro o que se deve fazer
[como se o corpo existisse para ser sujeitado pela alma, daí Alcibíades ter como cuidado de si, certa
enkrateia]. Como controlar um cavalo como se convém, nos servir dele segundo as regras da cavalaria.
Khráomai, khrêsthai designam também uma certa atitude para consigo mesmo. Na expressão
epithymíais khrêsthai, o sentido não é "servirse das próprias paixões para alguma coisa qualquer", mas,
muito simplesmente, “abandonar-se às próprias paixões". Orgê khrêsthai não é "servir-se da cólera",
mas "abandonar-se à cólera", "comportar-se com cólera". (...) "ocupar-se consigo mesmo", quer
designar, na realidade, não certa relação instrumental da alma com todo o resto ou com o corpo, mas,
principalmente, a posição, de certo modo singular, transcendente, do sujeito em relação ao que o
rodeia, aos objetos de que dispõe, como também aos outros com os quais se relaciona, ao seu próprio
corpo e, enfim, a ele mesmo. P. 71
Não é a alma-substância, mas a alma-sujeito. e a noção de khrêsis aparece em todas as formas de cuidado de
si – nos estoicos. Ela aparece quando se é “sujeito de”, sujeito da khrêsis, que se serve, sujeito de atitudes,
comportamentos, relações com o outro e consigo. Daí 3 reflexões historicamente importantes:
O cuidado de si incide sobre a alma como sujeito e se distingue de três atividades que só se parecem com
cuidado de si: o médico, o dono da casa e o enamorado.
a) O médico quando adoece e trata de si mesmo, não está cuidando de sua alma. É com seu corpo, aquilo
de que ele se serve, que ele se ocupa então, não de si mesmo enquanto alma-sujeito. Há diferença de
finalidade, objeto e natureza entras tecknés. Embora haja sobreposição entre cuidado de si e dietética
(regime geral da existência do corpo e da alma), elas têm natureza distintas. A segunda é uma das
formas capitais dos primeiro.
b) Tampouco na economia (atividade social e deveres privados, obrigações) do dono de casa, tratando de
seus bens e coisas, o cuidado é do que é dele, e não com ele mesmo. Embora haja nos estoicos
(diferentemente dos epicuristas) uma imbricação sólida entre economia e o cuidado de si.
c) Os enamorados e pretendentes de Alcibíades não faziam cuidado dele por ele. Tratam de seu corpo e
da beleza do corpo e o abandonam quando chega a idade. Não ocupam-se de sua alma, como sujeito
de ação. Embora seja imprescindível uma relação com o Outro para o cuidado de si, este se separa
progressivamente na cultura helênica e na romana da erótica (relação amorosa), que vai ao contrário
se tornando singular, inquietante, duvidosa e até condenável.
Só Sócrates cuida da alma, da maneira como Alcibíades vai cuidar de si mesmo. É mestre no cuidado de si,
que deve passar necessariamente pela relação com o outro, que é mestre. Não há cuidado de si sem relação
com o Outro, com o mestre – que quem cuida do cuidado que aquele que guia vai ter consigo. Não é o
professor que ensina aptidões e capacidades. “no amor pelo seu discípulo, encontra a possibilidade de cuidar
do cuidado que o discípulo tem de si próprio. Amando o rapaz de forma desinteressada, ele é assim o
princípio e o modelo do cuidado que o rapaz deve ter de si enquanto sujeito” p. 74. Amar de forma
desinteressada é o modelo
Heterotopia
Michel Foucault, no texto Outros Espaços, Heterotopia, elabora o conceito de heterotopia para mostrar
que o espaço do outro foi esquecido pela cultura ocidental. A palavra heterotopia é composta do
prefixo heteros que tem origem do grego e significa o diferente e está ligada a palavra alter (o outro).
Já a palavra topia significa lugar, espaço. Então, heterotopia significa o espaço do outro. Em busca
do uno, do universal e do mesmo, a razão ocidental afastou o outro, a diferença, a multiplicidade.
Deste modo, o empreendimento filosófico de Foucault foi resgatar os espaços do outro, onde o
exercício do poder pela racionalidade ocidental buscou suprimir pela busca do espaço do mesmo. Por
isso, estudou espaços onde se exerciam relações de poder com vistas a objetivação do mesmo, como:
as prisões, a escola, o corpo, a loucura, a sexualidade, etc.
“A época atual seria talvez de preferência a época do espaço. […] Estamos em um momento em que
o mundo se experimenta, acredito, menos como uma grande via que se desenvolveria através dos
tempos do que como uma rede que religa pontos e que entrecruza sua trama”.
No texto, Foucault pensa o espaço como uma forma de relação de posições, onde a vida é comandada
por espaços sacralizados. Também, diferencia utopia de heterotopia. A primeira, diz respeito a
lugares que não são reais, sem lugar fixo. Já a segunda, se refere a lugares reais, mas que estão fora
dos lugares aceitos (o mesmo). Para o autor, a sociedade produz heterotopias. Ainda, chama estes
outros lugares com a denominação de heterotopia de desvio, ou seja, aqueles comportamentos que
estão fora do que a sociedade aceita e impõe as condutas. São nestes espaços que para Foucault estão
contidos os conflitos e tensões que se exercem pelas relações de poder de uma sociedade determinada.
“essas heterotopias de crise hoje desaparecem e são substituídas, acredito, por heterotopias que se
poderia chamar de desvio: aquela na qual se localiza os indivíduos cujo comportamento desvia em
relação à média ou à norma exigida. São as casas de repouso, as clínicas psiquiátricas” (1984/2001, p.
416)
"Acredito que entre as utopias e estes posicionamentos absolutamente outros, as heterotopias, haveria,
sem dúvida, uma espécie de experiência mista, mediana, que seria o espelho. O espelho, afinal, é uma
utopia, pois é um lugar sem lugar. No espelho, eu me vejo lá onde não estou, em um espaço irreal que
se abre virtualmente atrás da superfície, eu estou lá longe, lá onde não estou, uma espécie de sombra
que me dá a mim mesmo minha própria visibilidade, que me permite me olhar lá onde estou ausente:
utopia do espelho. Mas é igualmente uma heterotopia, na medida em que o espelho existe realmente, e
que tem, no lugar que ocupo, uma espécie de efeito retroativo; é a partir do espelho que me descubro
ausente no lugar em que estou porque eu me vejo lá longe. A partir desse olhar que de qualquer forma
se dirige para mim, do fundo desse espaço virtual que está do outro lado do espelho, eu retorno a mim
mesmo e a me constituir ali onde estou; o espelho funciona como uma heterotopia no sentido que ele
torna esse lugar que ocupo, no momento em que me olho no espelho, ao mesmo tempo
absolutamente real, em relação com todo o espaço que o envolve, e absolutamente irreal, já que ela
é obrigada, para ser percebida, a passar por aquele ponto virtual que está lá longe."
FOUCAULT, Michel. "Outros espaços", in: Ditos e escritos III - Estética: Literatura e pintura, música
e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 415.
No livro As Palavras e as Coisas, Michel Foucault apresenta a noção de heterotopia como um
fenômeno da linguagem cujo efeito se contrapõe tanto à ideia de utopia, quanto à de distopia. Sua
especificidade consiste em provocar a inquietação a partir do deslizamento intencional dos nomes
em relação às coisas nomeadas, deslize que possibilita a organização ou reorganização inusitada e,
algumas vezes, insólita, das noções. As heterotopias, segundo Foucault, emaranham a superfície
objetiva da linguagem e desorganizam as relações entre as palavras e as coisas. Partindo dessa noção
apresentada por Foucault – e posteriormente trabalhada por Jacques Rancière em A Partilha do Sensível
– propõe-se a abordagem dos textos literários de dois autores do Rio da Prata, o argentino Macedonio
Fernández (1874-1952) e o uruguaio Felisberto Hernández (1902- 1964). A análise dos textos literários
pretende mostrar como esses dois escritores do início do século XX lançaram mão de artifícios
heterotópicos para reclamar pela autonomia da linguagem poética e, ao mesmo tempo, para trazer
à tona a discussão sobre elementos caros à modernidade que experimentavam.
As heterotopias inquietam, sem dúvida porque solapam secretamente a linguagem, porque impedem
de nomear isto e aquilo, porque fracionam os nomes comuns ou os emaranham, porque arruínam de
antemão a “sintaxe”, e não somente aquela que constrói as frases — aquela, menos manifesta, que
autoriza “manter juntos” (ao lado e em frente umas das outras) as palavras e as coisas. (...) as
heterotopias (encontradas tão freqüentemente em Borges) dessecam o propósito, estancam as palavras
nelas próprias, contestam, desde a raiz, toda possibilidade de gramática; desfazem os mitos e
imprimem esterilidade ao lirismo das frases. (FOUCAULT, 2000, p. XIII)
É como a terceira margem, não a morte – não-lugar, ou o limbo, o lugar nenhum da experiência do vivo –,
mas um espaço outro, criado para habitar um mundo. O pai enlouqueceu?
Ver: PC sobre a desordem que abre para outras ordens mil RESUMO OUTROS ESPAÇOS; Albuquerque
(2013 M.O??)
Hölderlin
Longe de experimentar a origem ou a certeza, porém, o que o indivíduo passa em nossa cultura é a derrocada
do liame de sua morte – como aparece na ética da modernidade que Foucault (2000) encontra na figura
paradigmática de Hölderlin.
lá onde os deuses se evadiram, onde cresce o deserto, onde a tékhnê instalou a denominação de sua
vontade; de maneira que não se trata aí de um fechamento nem de uma curva, mas antes dessa brecha
incessante que libera a origem na medida mesma de seu recuo; o extremo é então o mais próximo
(FOUCAULT, 2000, p. 461).
Uma outra experiência que não a do homem moderno se aproxima com Hölderlin.
Entre o orgânico e o inorgânico, há a questão da oposição entre o amor e o ódio como instâncias de
constituição e dissolução das mesclas, das misturas em Rosset (1974, p. 146)
“«por efecto del Odio, todo es destruido y dividido, mientras que por efecto de la Amistad,
todo se reúne bajo la acción de un deseo recíproco»” (HÖLDERLIN apud ROSSET, 1974, p. 147).
acolhimento em si de partes antagônicas, ao mesmo tempo liberadas num gesto que,
para um Hölderlin, é por excelência o religioso (Courtine, J.-F. (2000
Rosset (1989a, p. 300), “o trágico da existência é o prescindir de qualquer referencial ontológico – ‘não nos
comunicamos com o ser’, diz Montaigne – mas paradoxalmente seu privilégio é ‘ser’”.
o homem aparece como signo sem interpretação, como signo sem sentido em sua busca acompanhar a
gênese do sentido, sobre o tema, é lapidar o nome de Hölderlin em As palavras e as coisas de Foucault (2000).
[[Schmid ver]]
Ética trágica:
mas somente em Hölderlin, que descobre o vazio do tempo puro e, nesse vazio, o afastamento contínuo
do divino, a rachadura prolongada do Eu e a paixão constitutiva do Eu. Hölderlin via nesta forma
do tempo a essência do trágico ou a aventura de Édipo como um instinto de morte com figuras
complementares (DELEUZE, 2002, p. 92)
Artigo Gali sobe Hölderlin (Édipo em mim: uma discussão sobre a
subjetivação nos limites do trágico): excesso, conflito, relação com tragicômico. Acolher o paradoxo e o
fragmentário.
Homem Superior
“O homem superior pretende levar a humanidade à perfeição, ao acabamento. Pretende recuperar todas as
propriedades do homem, superar as alienações, realizar o homem total, pôr o homem no lugar de Deus, fazer
do homem uma potência que afirma e que se afirma” (DELEUZE, CC??, p. 115) em O mistério de Ariadne.
Este homem não afirma nada.
Trata-se do espírito de pesadume contra o qual brada Zaratustra (NIETZSCHE, s/d) ao propor fazer a terra
leve e alçar a pesadume do homem superior ao voo da ave que ama a si mesma (e não busca ou leva o amor
para fora de si) e a seu destino e à mão leve do louco que borra e rabisca.
O homem superior é pleno em ressentimento (o peso que carrega pesadamente como um fardo), “Dioniso
ensina a leveza que torna evidente que as supostas afirmações do homem superior são resultados do
ressentimento, da necessidade de vigilância (por isso o fio), da má consciência”
O homem superior, cujo modelo é Teseu, o homem do conhecimento, não é grego
““Prólogo” de A gaia ciência: amantes das dobras, da pele, das superfície”
Teseu conhece mapas e fios, que asseguram a viagem e a conquista da saída do labirinto. Vontade de domínio
e de conquista que se opõe a Dioniso, o artista, considera a vida como ligeireza, transformação, risco,
desapego.
“Para que a musica se libere sera preciso passar para 0 outro lad0, ali onde os territorios tremem au as
arquiteturas desmoronam, onde as estas se misturam, onde se desprende urn poderoso can to da Ter~a, 0
grande ritornelo que transmuta todas as toadas que leva consigo e faz retornarl5. Dioniso já não conhece
outra arquitetura senão a dos percursos e trajetos”
homens superiores aparecem na quarta parte de Assim falou Zaratustra, e são aqueles que “sabem” da
morte de Deus e o que ela significa. Por isso, Zaratustra põe suas esperanças neles, como discípulos;
mas, ao final da obra, esses homens superiores fugirão frente ao signo do leão (Nietzsche, s./d., p. 325-
328) e revelar-se-ão incapazes de rir.
Os homens superiores são decadentes, embora tenham sabido experimentar “a grande náusea”: o
adivinho, pregador da doutrina que diz
“Tudo é igual, nada vale a pena, o mundo não tem sentido” (Idem, ibid., p. 244); os dois reis,
depreciadores das democracias; “o consciencioso do
espírito”, modo de ser do cientista superespecializado; o feiticeiro, tão parecido com Wagner; o Papa,
aposentado depois da morte de Deus, a qual
é atribuída ao “mais feio dos homens”; o mendigo voluntário, um arremedo
do Jesus histórico
Combate contra:
Sloterdijk (CRC, p. 506) “Si a priori el sujetó es lo que no puede morir, entonces transforma el mundo
rigurosamente en un campo para sus luchas de supervivencia. Lo que me estorba es mi enemigo: el que es
mi enemigo debe ser estorbado para que no estorbe. En última consecuencia, esta voluntad de protección
significa la disposición a aniquilar a los otros o a «lo otro».
Ideologia e utopia
K Mannheim em Ideologia e Utopia afirma a ideiologia como o conjunto de concepções, ideias, rep e teorias
que orientam p a estabilização, a legitimação e reprodução da ordem vigente,
Doutrinas de caráter conservador que visam a manutenção... ao passo que
As Utopias apontar para o inexistente e o impossível, na ordem das oisas dadas, numa indimensionavel postura
crítica, de negação e ruptura que aponta para superação dos possiveis já dados.
"[...] Marx pensava -- e ele o escreveu -- que o trabalho constitui a essência concreta do homem. Penso que
esta é uma ideia tipicamente hegeliana. O trabalho não é a essência do homem. Se o homem trabalha, se o
corpo humano é uma força produtiva, é porque o homem é obrigado a trabalhar. E ele é obrigado porque ele
é investido por forças políticas, porque ele é capturado nos mecanismos de poder".
FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos IV: estratégia, poder-saber. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2006, p. 259.
Tanto Ricouer quanto Arendt acreditavam que qualquer postura do sujeito no mundo e diante de si é
comprometimento, é ação ética, é identidade. E o outro é condição sine qua non da identidade do
sujeito... a identidade narrativa apresenta solução às principais aporias do problema filosófico
tradicional da identidade pessoal, na qual se questiona sobre o critério essencial no reconhecimento
de nós próprios ao longo do tempo.
Identidade de uma comunidade ou de um indivíduo une as narrativas histórica e ficcional.
As histórias de vida são mais inteligíveis quando entram na narrativa de intrigas e conflitos.
Parece, pois, plausível ter como válida a cadeia seguinte de asserções: o conhecimento de si próprio
é uma interpretação - a interpretação de si próprio, por sua vez, encontra na narrativa, entre outros
signos e símbolos, uma mediação privilegiada, - esta última serve-se tanto da história como da ficção,
fazendo da história de uma vida uma história fictícia ou, se se preferir, uma ficção histórica,
comparáveis às biografias dos grandes homens em que se mistura a história e a ficção (RICOUER,
2000, p. 2).
a identidade como mesmidade (latim idem); alcançada a partir da permanência substancial no tempo X a
identidade como si próprio, ipseidade (latim ipse); se constrói a partir da temporalização de si próprio
na diferença ontológica eles não são coincidentes, ambos se entrecruzam
De outro modo, a ação é a possessão daquele que a faz. Por conseguinte, para Ricoeur, dizer “quem é
o autor da ação” é contar a história de uma vida. Ao fim disto, a identidade-ipse ou a identidade
de si mesmo – a ipseidade – é sua identidade narrativa. Mas não se trata de impor uma historia de
“fora”, mas se trata de compor uma história de uma vida pela atividade de configuração narrativa.
Idem:
neutralização impessoal de uma existência (o indivíduo não como pessoa, mas como entidade neutra). Esta é
uma identidade estática, atemporal, abstrata. Tem quatro sentidos fundamentais:
a) a forma numérica, isto é, a identidade como unicidade, como reidentificação do mesmo.
b) a partir da ideia de semelhança extrema. Quando não somos capazes de discernir a diferença entre dois
objetos numericamente diferentes, dizemos que eles são idênticos por semelhança. Mas, o fato de não
sermos capazes de discernir a diferença não significa que ela não exista; significa que a identidade por
semelhança nunca pode ferir a identidade específica subjacente à identidade numérica, extensiva.
c) a ideia de identidade como continuidade, isto é, o fator tempo como princípio intrínseco de identidade.
É a continuidade ininterrupta no desenvolvimento de um ser entre o primeiro e o estado da evolução.
Assim, dizemos de um carvalho que ele é o mesmo da semente à árvore na força da idade, da mesma
forma, de um animal, do nascimento à morte, e mesmo do homem enquanto amostra da espécie, do feto
ao velho, a demonstração desta continuidade funcional como critério anexo do da similitude ao
serviço da identidade numérica. O contrário da identidade tomada neste terceiro sentido é a
descontinuidade. Ora, com este terceiro sentido, entrou em linha de conta a mudança no tempo (p. 3).
d) a permanência no tempo, isto é, permanecer apesar do tempo. Não é meramente o reconhecimento
de um ser ao longo do tempo, mas, antes de sua projeção numa existência substancial que se esquiva
e subtrai ao tempo.
Ipse: presença a si próprio de uma pessoa. Esta é uma identidade dinâmica, temporal, que inclui as
mudanças que as atitudes da pessoa têm sobre si mesma.
O ponto de partida para o entendimento da noção de ipseidade, de si-próprio, dá-se na questão “quem”,
distinta da questão “o quê”. Responder à questão “quem” é contar a história de uma vida. A história
que é narrada apresenta o agente da ação. Chama-se de “adscrição” (ascription) o assinalar de uma
agente a uma ação. Aqui acontece o corte, não meramente gramatical, epistemológico ou lógico, mas
ontológico, que separa idem de ipse. “Dasein” que se caracteriza pela capacidade de se interrogar sobre
seu próprio modo de, assim, relacionar-se ao ser enquanto ser, noções como “ser no mundo”, “ser-
com”. O si próprio encontra-se em interseção com o mesmo num ponto preciso: a permanência no
tempo. O mundo pode vir a mudar, mas permanece a ipseidade. A identidade do sujeito não depende
de qualquer fator externo. Para Ricoeur, portanto, a narrativa constrói o caráter durável de um
personagem, que se pode chamar de identidade narrativa, construindo o tipo de identidade dinâmica,
próprio à intriga que faz a identidade do personagem.
“É, pois, em primeiro lugar, na intriga que é necessário procurar a mediação entre permanência e
mudança, antes de poder aplicá-la à personagem, A vantagem deste desvio pela intriga é que ela fornece
o modelo de concordância discordante sobre a qual é possível construir a identidade narrativa do
personagem. A identidade narrativa da personagem só poderá ser correlativa da concordância
discordante da própria história (Ibidem, p. 6).
A mediação narrativa sublinha o caráter notável do conhecimento de si próprio: ser uma
interpretação de si próprio. Se não é possível um conhecimento direto de nós próprios, nada nos
impede uma mediação interpretativa de nós mesmos, através do uso de uma linguagem narrativa
A identidade narrativa em Ricoeur não é meramente descritiva; tem uma dimensão moral, de
engajamento, de compromisso... A identidade narrativa é categoria da ação e não da imaginação ou
vontade. A decisão do sujeito dizer “este aqui sou eu” é responsabilidade ética da ipseidade. É,
portanto, provida de dimensão normativa, valorativa e descritiva. A visão de si e do mundo, que o
sujeito da narrativa impõe, é persuasiva, não é eticamente neutra, mas, possibilita uma nova visão do
mundo e de si mesmo. Há, nesse momento, a pretensão à correção ética... Não se pode deixar de levar
em conta, também, as aporias na maneira de definir essa identidade. A intenção de defini-la pode
fracassar. O elemento do caráter, da permanência da personalidade, o modo de determinar o que fica
na maneira de ser, tem uma dualidade e uma objetividade; é reflexiva. A ficção narrativa lembra que
a ipseidade e a alteridade são dois existenciais correlativos. O si próprio constitui-se na relação com
a alteridade. “Não somos o mundo, mas somos com o mundo”.
A ipseidade traz as marcas que configuram o espaço constitutivo da subjetividade em que sujeitos históricos
e linguísticos pretendem comunicar uma experiência social e pessoal. O sujeito social é narrador e narrado.
E a ação é concebida em “padrões de excelência”, cujas estruturas avaliativas e normativas (implicadas nos
padrões de excelência) são as instituições, que neste contexto, não se entendem as instituições num sentido
político, jurídico ou moral, mas no sentido de uma teleologia reguladora da ação.
As estruturas avaliativas e normativas dos padrões da ação são as tecnologias reguladoras da ação. Assim,
qual instituição queremos fundar?
Enfim, é a imagem do saber – como lugar de verdade e a verdade como sancionando respostas ou
soluções para questões e problemas supostamente "dados". O inverso é também interessante: como o
pensamento pode abalar seu modelo, fazer brotar sua grama, até mesmo localmente, até mesmo nas
margens, imperceptivelmente:
1º) Pensamentos que não procedessem de uma boa natureza e de uma boa vontade, mas que viessem
de uma violência sofrida pelo pensamento;
2º) que não se exercessem em uma concórdia das faculdades, mas levassem, ao contrário, cada
faculdade ao limite de sua discordância com as outras;
3º) que não se fechassem sobre a recognição, mas se abrissem a encontros e se definissem sempre em
função de um De fora;
4º) que não tivessem que lutar contra o erro, mas tivessem que se livrar de um inimigo mais interior e
mais poderoso, a tolice;
5º) que se definissem no movimento de aprender e não no resultado de saber, e que não deixassem a
ninguém, a poder algum, o cuidado de "colocar" questões ou de "criar" problemas
Desde a tenra idade a criança estabelece uma relação lúdica entre sua atividade motora e sua imagem
refletida no espelho buscando fixa-la num aspecto instantâneo. Tal relação, primeiramente especular e
posteriormente reduplicada tendo como cerne seu próprio corpo e a relação com o Outro, parte do mecanismo
de identificação enquanto transformação induzida no sujeito a partir da assunção imagética. Identificação a si
mesmo que antecede a dialética da identificação com o Outro e a apreensão no universal da linguagem como
sujeito de consciência.
Destarte, o estádio do espelho condiciona o engendramento de um eu-ideal e de um super-eu,
identificações secundárias agentes da normalização libidinal que introjeta determinações sociais
metabolizando-as dialeticamente sob a forma congelada de uma imagem humanizada não obstante
constituinte do sujeito. Esta Gestalt humana, para usar os termos do próprio Lacan, simboliza a persistência
do sujeito do inconsciente sem deixar de prefigurar sua inevitável alienação no funcionamento psíquico
posterior. Pois o sujeito do inconsciente, parcialmente formado nesta etapa do desenvolvimento, permanece
o fundo atado e calado nas malhas das identificações secundárias por ele próprio propiciadas.
Tendo em vista a definição que nos fornece Lévi-Strauss (AntEst) da eficácia simbólica como
capacidade de indução em estruturas formalmente homólogas a partir de uma diversidade de métodos e
materiais em vários níveis do vivo, vemos que a experiência da imagem especular condiciona em sua eficácia
simbólica a unificação de realidades psíquicas heterogêneas no limiar do mundo visível. Com efeito, a
formação através da imagem especular institui e constitui o limitado número regras simbólicas para o
desenvolvimento e a transformação do sujeito e sua experiência em vários âmbitos, de sua realidade orgânico-
somática aos processos superiores da consciência e do psiquismo inconsciente. Isto porque o estádio do
espelho trata da formação da estrutura do sujeito, estrutura que daí por diante “permanece a mesma, e é por
ela que a função simbólica se realiza” (LÉVI-STRAUSS, AntEst, p. 219)
Para tanto, não importa o conteúdo da imagem, se ela é distorcida ou não pois para Lacan (1949/1998,
p. 100) a função desta etapa consiste em “estabelecer uma relação do organismo com sua realidade”. O auto-
reconhecimento do sujeito como idêntico a si mesmo já se faz suficiente para cumprir a função formativa da
Gestalt, função demonstrada pelo psicanalista francês com a exemplificação da maturação da gônada da
pomba que necessita tão somente da visão de um congênere, não importando o sexo. A discordância entre o
organismo do homem e sua realidade se deve ao longo período de maturação e ao inacabamento anatômico
da nossa espécie, eixo problemático que nos singulariza perante a natureza dos demais animais e fundamenta
a constituição subjetiva de cada um.
Este último ponto se desenrola como desdobramento da dialética temporal na qual podemos ter uma
antecipação da entidade unificadora do Eu, a qual busca ultrapassar a imagem despedaçada do corpo – imagem
múltipla e perturbadora –, estrutura rígida e fixa na qual inelutavelmente nos alienamos de nós mesmos. Esta
imagem despedaçada é amedrontadora à medida em que admite em sua seara um agressividade
desintegradora do indivíduo, um combate de forças entre o próprio sujeito no qual o dispêndio de forças
atua contra ele mesmo caracterizando um uso sacrificial do poder. Lacan contesta os pressupostos de uma
filosofia assentada no cogito e num sujeito absoluto postulando a submissão subjetiva às regras e leis estritas
do jogo intersubjetivo decalcado da redução simbólica do estruturalismo de Claude Lévi-Strauss.
Assim, a dialética da passagem do sujeito especular para o sujeito do laço social tem como condição
os processos de identificação com a imagem de seus semelhantes e a mediação do desejo do Outro para sua
formação enquanto sujeito de desejo. A condição para isto é o estabelecimento da equivalência abstrata na
concorrência com o outro decalcada, por sua vez, da dialética do senhor e do escravo que vem a fundar o
sujeito como sujeito da falta. Fundação que se dá através da falta que o sujeito neurótico toma para si, mas
que é percebida no Outro, pois um Outro sem falta corresponde a um Outro gozador na psicose.
A equivalência é assegurada pelo significante falo, que sempre falta. Avançando no raciocínio,
entendemos que a equivalência é dada pela lei, lei da castração que visa pautar a falta – seja na forma de
ausência, seja na de ameaça – do falo, enquanto “significante que distribui no conjunto da cadeia os efeitos
de significação e que nela introduz as exclusões” (DELEUZE e GUATTARI, AE, p. 101). Daí a familiaridade
da lei ao desejo recalcado: se o desejo deve se submeter à moral da lei – que determina o que senão o que se
deve desejar, pelo menos o que se pode desejar –, é por causa e à despeito do ímpeto humano a desejar, para
além de qualquer objeto ou relação objetal.
Pois Lacan (Sem7) situa duas dimensões do desejo, uma referente aos objetos da experiência e outra,
que enquanto cerne desejante do sujeito condiciona esta, dimensão do desejo puro que se refere à Lei. Este
desejo puro se vincula à Lei estrutural em torno da Coisa para se constituir enquanto negatividade radical (cf.
ZIZEK, 1992). Tal como Hegel imputa a negatividade à coisa-em-si, existente tão somente enquanto
fenômeno de representação da ideia, a insatisfação intrínseca ao desejo coincide com a própria Coisa, que não
existe para além da expressão como falta: negatividade radical do desejo que nasce de algo que não existe
senão na falta que lhe serve de motor.
Paralelamente à formação do desejo, a apreensão de objetos parciais e a própria intuição do eu
precocemente galgada na antecipação de uma totalidade, de uma unidade formal, total e determinada. Esta
antecipação só pode ser percebida e sentida como carência pelo indivíduo, ela inculca a falta nas relações
objetais e no eu. Não é o falo ou a lei que o institui como ausente ou ameaçado que é universal e comum a
todos, é a antecipação imposta ao sujeito e ao desejo que introduz neles a falta. Portanto, a falta não é
fundamento, ela é antes o efeito do desejo e da constituição do eu. Na verdade, a falta é menos efeito da busca
da completude do eu através do desejo, que da busca pela totalidade na unidade do eu e da busca pela mesma
totalidade dos objetos. Ou seja, se introduzir o significante falo como falta na cadeia significante para através
da falta instaurar a operações disjuntivas exclusivas (do tipo ou...ou..., ou homem, ou mulher...) e limitar o
contingencial do desejo (AE).
Relativamente à formação subjetiva, o falo funciona como agente que condiciona e reproduz a
triangulação, ele é o mais um, uno e transcendental da fórmula edípica 3+1. Deleuze e Guattari (AE, p. 102)
ainda ressaltam que o que se toma por cadeia significante na verdade, é uma “cadeia feita de elementos que
em si mesmos não são significantes, de uma escrita plurívoca e de elementos destacáveis”. Dela se destaca
um objeto alçando-o ao posto de significante despótico que coíbe o destacamento dos demais elementos
atando-os à cadeia com elos indelevelmente triangulados através da Lei que ele instaura. Nisto consiste o uso
ilegítimo das sínteses do inconsciente que submete os objetos parciais destacáveis a um objeto destacado
tornado completo, que forma paradoxalmente o sujeito em unidade e totalidade através da falta.
Já a respeito das relações sexuais objetais, submete-se a libido como energia de extração, ligação e
desligamento ao falo, objeto transcendental destacado. Toda operação de corte e conexão é então prenotada
ao significante despótico mítico que coloniza os signos não significantes múltiplos e fragmentários e a sua
operação sobrecodificante que confere sentido à castração como experiência de privação, frustração, falta
inerente à relação com os objetos parciais.
Impessoal/on
O on, para além da generalização pronominal alça a um sentido implicado que extrapola o pronominal para
alcançar a dimensão humana impessoal – Homo, om, on.
Sentido implicado com o quê? Fundamentalmente com um “ser-com” [dimensão pática, de afetação pelas
singularidades, afetar, ser afetado, resistir, dobrar – agregar, coordenar e impor direção]
Para além da aliança remota e abstrata de indivíduos numa sociedade, numa comunidade, tal como se desenha
em nossa cultura (cf. NANCY, La comunidade desobrada). O on impessoal (como caracteriza Deleuze e que
coincide com nós de Deligny) se distingue racialmente da conjugação de indivíduos em uma consciência
coletiva ou em uma cultura – instâncias que escorraçam a loucura para fora de seus limites.
O louco reflete um caos inarticulado somente perante a imutabilidade, e inflexibilidade, a não-plasticidade
(seria mais preciso) das normas sociais e linguísticas e do capital substancial do homem, tal como tomado
como paradigma de existência desde a modernidade.
No entanto, o humano é dinamis e potência articulada necessariamente com as forças inorgânicas, não-
humanas que o constituem – constituem inclusive ao sujeito da modernidade (DELEUZE, 2014), na
associação com estas forças que não são outra cosia que as forças do fora.
O homem se faz na colateralidade (ser-com) as forças do fora, como uma vida em devir. “Nesse sentido, há
de fato uma natureza humana, um homo natural, tantum, quando a linguagem falta ou quando um vazio se
abre nele e a gente – On – se mantém no limite, à beira da fenda, do abismo” (SCHERÉR, 2000, p. 35).
A experimentação de tal natureza humana em constante devir funciona como as experiências limite que
Deleuze encontra na literatura norte-americana, [como uma dobra que se efetua no real e em sua
materialidade] exemplificada pelo desconcertante I´d prefer not to que repete o escrivão Bartebly, do conto
de Melville (DELEUZE, 2011). Na abertura desta fenda é que se revela natureza humana patível e compatível
à ordem desterradora do acontecimento. [o sujeito só pode ser-com o acontecimento, visto que este não tem
sujeito ou agente; isto é, o acontecimento não se encontra nas malhas da causalidade, ]
O desconcerto se deve ao fato desta simples sentença desativar os atos de fala, descentrando a linguagem de
seu papel de regulador das relações humanas. Ali a comunicação que precede a coesão e a conjugação em
torno de uma cultura e uma linguagem partilhada se encontra descentrada. O desconcerto se deve ao caráter
inumano da singularidade de Bartebly que descentra nossas instituições demasiadamente humanas.
Entre o vivível e as passagens de vida que configuram a experiência com as parcialidades, nas bordas
do não-vivível,
A vida do indivíduo é substituída por uma vida impessoal e, sem embargo, singular, que exala um
puro acontecimento liberado dos acidentes da vida interior e exterior, isto é, da objetividade e da
subjetividade do que ocorre. Homo tantum (...) Uma vida está em toda parte, em todos os movimentos
vividos por tal ou qual sujeito vivente e que dão a medida de tais ou quais objetos experimentados: a
vida imanente que implica os acontecimentos ou singularidades que não fazem mais que atualizar-se
nos sujeitos e nos objetos (...) entre-etempos, entre-momentos (DELEUZE, 1995/2007, p. 349).
(DELEUZE, 1995/2007, p. 349).
Os acontecimentos e singularidades coexistem com os acidentes da vida que lhes corresponde em comum,
do viver, porém não se agrupam, não se distribuem da mesma maneira. Mas se comunicam de maneira
totalmente distinta comparativamente aos indivíduos. A vida individual é inseparável das determinações
empíricas (que transcendem o indivíduo pessoa), que torna cada uma delas capturável na ordem da objetivação
e pelas ciências da vida e da sujeição nos mecanismos de normalização.
Assim o artigo indefinido de uma vida significa menos a indeterminação da pessoa, mas também, que a
determinação do singular de cada viver. Na falta realdiade ao que não toma corpo ao que não se individualiza
e se particulariza em um estado de coisas. O fora é inseparável do processo de realização no qual ele está
implicado
Logo, o campo do acaso, tal como definido por Deleuze (1995/2007) como imanência não depende
de nenhum ser e nem sequer está submetida a acontecimento algum, posto que a imanência não é imanente à
vida, mas a ela mesma. Se a imanência é imanente à própria imanência, nós, por nosso lado, afirmamos que
o plano de composição do acaso tampouco depende do sujeito, na verdade, ele é o fora do sujeito que, não
obstante, determina todo sujeito desde o fora (DELEUZE, 2014a).
VER Deleuze 1976
E Blanchot (Parte do fogo) artigo sobre kafka
a clave da substância artística como da subjetividade sedentária, é a partir deste problema que Didi-
Hubermann articula a legibilidade da imagem como algo que se impõe um diante e um dentro da
relação corpo-espaço. Discordando da verdade tautológica dos minimalistas, o historiador francês
afirma o espaço menos como uma categoria ideal de entendimento e mais como algo que portamos
diretamente na carne, que não só constitui o mundo, mas que também aparece como um encontro,
quando as distâncias objetivas sucumbem, posto que proximidade é também distância. 479 Talvez
seja esse o sentido da palavra anteojo, usada por Borges em diversos de seus textos. Em todo o caso,
os latinos chamavam adynata a figura de retórica cujo sentido remetia também ao de impossibilia.
Persistindo no recurso de examinar as páginas de um atlas, reconhecendo na literatura um espaço de
afecções e impossibilias, neste item comparece a coletânea de contos publicada por Virgílio Várzea no
mesmo ano da morte materna,1904, reconhecendo a temática da perda e da ausência como uma
questão de lugar
Ocorre que a impossibilidade de Hemingway é também uma questão de impossibilia ou adynata, figura
de linguagem que remete ao desejo e à impossibilidade de dizer, anteojo diria Borges
problematizando o visível, questão do que atravessa o olhar e que se coloca entre diante e dentro da
relação corpo-espaço, como diria Didi-Huberman (1998, p. 246) em A inelutável cisão do ver. In: O
que vemos, o que nos olha.
Inconsciente
Entre a ideia de constituição da tradição moralista francesa e a de contaminação, da DM como algo que vem
de fora da tradição alemã, Lacan propõe a ciência da personalidade.
A Introdução ao narcisismo não explica como se constitui o eu, ela descreve que antes se tem o autoamor –
desde onde se explica as formações patológicas, a psicose, etc. – e o amor de objeto, entre eles surge o
narcisismo como instância de fundação do eu. mas isso é só uma descrição.
Psiquiatria:
A ideia de Constituição deriva do direito, e da moral ()pp teoria da degenerscencia, suo moralista, moralizante
da hereditariedade, nas concepções positivistas de que o meio desenvolve o q estava germen no sujeito, moral
de teoria de sujeito. Cura pela palavra, influencia, religião e magia. Prática sem preocupação diagnóstica, com
organização metapsicológica.
Para os alemães a DM vem de fora, e se desenvolve como uma reação, a algo que infecta o indivíduo. Sem
moral, uma doença sem teoria da personalidade. Psiquiatria: Ramo da medicina que não se dedica a um órgão,
mas por doenças da alma. Ligada aos manicômios. X Psicologia: discurso e método de entender a alma.
Psicanálise:
Surge perante um problema médico da histeria, uma doença repleta de sinais e sintomas somáticos (vômitos,
cegueira, etc.) que a medicina não dá conta. Então Freud, que é médico faz uma obra psicológica para tratar
destes problemas. Um teoria do psiquismo, que dita as regras de funcionamento metapsicológicas.
Freud parte de Locke (Schop, Niet, Lautremont, Bataille – H:doente) (homem = lobo), precisamos de uma
instância para mediar e regular a relação entre homens. A essência do sujeito é o vazio, o desejo causado
pela falta (ausência de ponto de retorno, essência sem qualidades, desamparo?). A maldade – em certa medida
reconhecida como decorrência do trabalho do ics e do id – é a dobra da vontade de fazer o bem (furor senandi).
Metapsicologia: (neuroses, Fliess 1896) Tal qual a meta-física (a unidade ou pluralidade do ser no tempo,
substância, o é ou não, vdd, etc.), a bruxa, a metapsicologia abarca o conjunto de sua concepção teórica que
se distingue da psicologia clássica e pretende dar conta do conjunto dos fatos psíquicos em seu, principalmente
inconscientes. É um saber que considera (em pontos isolados) simultaneamente os pontos de vista dinâmico,
tópico e econômico, não necessariamente ligado mas aberto à experiência clínica e à reformulação e
reaferência permanente entre os conceitos. Não é teoria fechada, compatível com a ciência não com a filosofia,
se justifica publicamente numa linguagem acessível, é capaz de crítica e de transmissão pública (escolas).
Estrutura e funcionamento do psiquismo
Pouco a pouco o psiquismo se estrutura como um todo complexo, com traços originais que raramente
variam depois. Bergeret (2006) fala que essa organização e estruturação do psiquismo individual
começará desde a tenra infância; antes do nascimento em função da hereditariedade para certos fatores,
mas sobretudo do modo de relação com os pais, desde os primeiros momentos da vida, das frustrações,
dos traumas e dos conflitos encontrados, em função também das defesas organizadas pelo ego para
resistir às pressões internas e externas, das pulsões do id e da realidade.
Ponto de vista dinâmico
O ponto de vista dinâmico explica os fenômenos mentais como sendo o resultado da interação e de
contra-ação de forças mais ou menos antagônicas que os produzem. As pulsões são um tipo especial
de fenômeno mental que força no sentido de descarga, experimentada como uma “energia urgente”.
Zimerman (1999) define pulsão como necessidades biológicas, com representações psicológicas que
urgem em ser descarregadas. Segundo Freud (1915) as pulsões são o representante psíquico dos
estímulos somáticos. As pulsões tendem a baixar o nível de tensão através da descarga de forma
imediata, mas existem contra-forças que se oporão a essa descarga (satisfação da pulsão). E a luta que
se cria constitui a base dos fenômenos mentais, exemplos: lapsos de língua, erros, atos sintomáticos,
sonhos (PsicopatViCot 1914). Estes fenômenos lacunares – sonhos, atos falhos, parapraxias, sintomas
constituem um meio êxito e um meio fracasso para cada uma das duas intenções. Quando as tendências
à descarga e as forças repressoras que inibem essa descarga são igualmente fortes a energia consome-
se em luta interna e oculta; o que se manifesta clinicamente com sinais de exaustão sem produção de
trabalho perceptível. (Fenichel, 2005).
O ponto de vista econômico considera a energia psíquica sob um ângulo quantitativo. Esse ponto de
vista econômico se esforça em estudar como circula essa energia, como ela é investida e se reparte
entre as diferentes instâncias, os diferentes objetos ou as diferentes representações (Boulanger, 2006).
A energia é deslocável, tanto a das forças pulsionais quanto a das forças repressoras.
Algumas pulsões são mais fortes e mais difíceis de reprimir, mas podem sê-lo se as contra-forças forem
igualmente poderosas. Que quantidade de excitação pode ser suportada sem descarga é problema
econômico. A pulsão é um elemento quantitativo da economia psíquica, constituída pelas
representações e pelos afetos ligados cada ela. Afeto designa o aspecto qualitativo de uma carga
emocional, mas também, o aspecto quantitativo do investimento da representação dessa carga.
Investimento é o nome dado à ação de que uma certa quantidade de energia psíquica esteja ligada a
uma representação mental; o investimento pode ser aumentado, diminuído, deslocado, descarregado
e que se estende sobre as representações, um pouco como uma carga elétrica na superfície dos corpos.
não são as pulsões como tais, pois estas nunca podem tornar-se conscientes, mas o que Freud denomina
de “representantes-representações”, uma espécie de representantes das pulsões, baseados em traços
mnêmicos. Esses conteúdos, fantasias e roteiros em que as pulsões estão fixadas buscam
permanentemente descarregar-se de seus investimentos pulsionais, sob a forma de “moções de
desejo”. Entre esses conteúdos inconscientes, as diferenças concernem apenas à natureza e à força
do investimento pulsional.
É a parte do psiquismo mais próxima da fonte pulsional. É constituído por representantes ideativos
das pulsões. Contém as representações das coisas, as quais consistem em uma sucessão de inscrições
de primitivas experiências e sensações provindas dos órgãos dos sentidos o que ficaram impressas na
mente antes do acesso à linguagem para designá-las. O inconsciente opera segundo as leis do processo
primário e além das pulsões do id, esse sistema também opera muitas funções do ego, bem como do
superego.
Processo 1ro: condensação, o deslocamento e a figuração (os conteúdos ics tendem a ser atraídos por
imagens).
Há diferença de funcionamento e incompatibilidade entre Processo 2ro: pré-consciente, mais estável e
organizado. Exp: riso provocado por lapsos ou chistes, índices da irrupção de elementos do processo primário
no secundário.
Segunda tópica 1920-1923
Na 2 tópica – que aparece em Além do Princípio do Prazer (1920) e será desenvolvida em o Ego e o Id (1923)
- o ics. deixa de ser uma instância, perde então a qualidade de substantivo, passando a servir para qualificar
as três instâncias do isso e, em grande parte, do eu e o supereu, elas têm funções especificas, mas que são
indissociadas ente si, interagem permanentemente e influenciam-se reciprocamente. O Id é o cavalo que leva
o eu. Em O eu e o isso, o sistema Pc-Cs é objeto de um novo exame, ligado à destruição da assimilação
entre o eu e a consciência. Essa identidade levava a que se concebesse a neurose como o produto de um
conflito entre o consciente e o inconsciente.
Ênfase no aspecto dinâmico do processo, uma vez que a especificidade do sistema Pc-Cs é postulada como
inerente a seu movimento: há uma simultaneidade entre o processo de conscientização e o processo de
apagamento da modificação provocada por essa tomada de consciência. O que leva a > entender o eu como
uma parte modificada do isso, sendo essa modificação por conta da influência externa efetuada por
intermédio do sistema Pc-Cs.
Id
“o eu não é senhor em sua casa”: “Agora vemos o eu com sua força e suas fraquezas. Ele é encarregado
de funções importantes e, em virtude de sua relação com o sistema perceptivo, estabelece a ordenação
temporal dos processos psíquicos e os submete à prova de realidade. Intercalando os processos de
pensamento, consegue adiar as descargas motoras e domina os acessos à motilidade. Esta última
dominação, entretanto, é mais formal do que efetiva, tendo o eu em sua relação com a ação, por assim
dizer, a postura de uma monarca constitucional sem cuja sanção nada pode transformar-se em lei, mas
que reflete longamente antes de opor seu veto a uma proposta do parlamento. (...) vemos esse mesmo
eu como uma pobre criatura que tem que servir a três senhores e, por conseguinte, sofre a ameaça de
três perigos, por parte do mundo externo, da libido, do isso e da severidade do supereu.”
Superego
SNarc 1914: “ideal” substitui o narcisismo infantil: instrumento de medida utilizado pelo eu para observar a
si mesmo. Clivagem do eu > estrutural (sp-eu)
É o herdeiro do Complexo de Édipo e estruturado por processos de identificação com o superego dos
pais. 3 funções: auto-conservação; consciência moral; ideal de ego. O superego é constituído pelo
precipitado de introjeções e identificações que a criança faz com aspectos parciais dos pais, com as
proibições, exigências, ameaças, mandamentos, padrões de conduta e o tipo de relacionamento desses
pais entre si. Zimerman, 1999).
Tem suas raízes no isso e exerce as funções de juiz implacável e censor em relação ao
eu. > dá cabo ao imperativo categórico. Mal-estar: censor. 31confIntro (1933): descrição do supereu no ocaso
do CÉdipo: a) representado pela autoridade parental>evolução infantil com provas de amor + punições
(geradoras de angústia); b) renúncia à satisfação edipiana, proibições externas internalizadas> supereu vem
substitui a instância parental > identificação. Porém, a severidade e o caráter repressivo do supereu não são
17
Aqui surgem três leituras divergentes da doutrina freudiana: a primeira destaca um eu concebido como um pólo de defesa ou de
adaptação à realidade (Ego Psychology, annafreudismo); a segunda mergulha o eu no isso, divide-o num eu [moi] e num Eu [je]
(sujeito), este determinado por um significante (lacanismo); e a terceira inclui o eu numa fenomenologia do si mesmo ou da
relação de objeto (Self Psychology, kleinismo).
repetição do modelo das características parentais, mas segundo o que é constituído pelo supereu deles.
Tradição e valores transmitidos de supereu a supereu.
18
Mais ainda: A abertura e o texto sobre sublimação que se perdeu, cuja a metapsicologia é esparsa. Sobre as neuroses de
transferências (discussão com Ferenczi) dedicada aos seis fatores ontogenéticos – recalque, contrainvestimento, formação
substitutiva, formação de sintoma, relação com a função sexual e predisposição à neurose — que interferem nas três neuroses de
transferência: histeria de angústia (fobia*), histeria de conversão e neurose obsessiva), discussão das eras do homem e papel das
predisposições hereditárias na etiologia das neuroses na aventura da reconstituição filogenética que o faz retornar às neuroses narcísicas.
19
“A dupla problemática da introversão e da libido, a oposição libido do eu/libido do objeto veio substituir o antigo dualismo
pulsional, e a pulsão do eu foi prontamente assimilada ao amor-próprio e, portanto, a uma libido do eu, logo reconvertida em libido
narcísica, termo que abriu caminho para todas as teorias da Self Psychology*, para uma concepção da neurose narcísica,
intermediária entre a neurose e a psicose, e para a abordagem teórica dos borderlines*” (ROUDINESCO & PLON, ??, p. 474).
devo eu advir” (Roud Plon) “fazer emergir, na trilha do isso, o advento
de um “eu” ([je] ou sujeito do inconsciente)
distinto do eu [moi].”
para retomar o ics À centralidade e não sobrepujar o eu.
“A direção do tratamento
e os princípios de seu poder”, Lacan enfatizou
que o inconsciente tinha “a estrutura radical da
linguagem”. Essa idéia seria retomada em
1972-1973, no seminário Mais, ainda, no ensejo
de um enunciado famoso: “O inconsciente é
estruturado como uma linguagem”, seguido de uma outra formulação: “A linguagem é a condição do
inconsciente.” (...) o indivíduo não aprende a falar, mas é instituído (ou construído) como sujeito
pela linguagem. A criança, portanto, é sujeitada logo de saída a uma ordem terceira, a ordem
simbólica,
cujo esteio original é a metáfora do Nome-do-Pai. Por ser captada num universo significante,
a criança começa a falar muito antes de saber conscientemente o que sua fala diz: “A linguagem,
portanto”, escreve Joël Dor, “aparece como
a atividade subjetiva pela qual dizemos algo totalmente diferente do que acreditamos dizer
naquilo que dizemos. Esse ‘algo totalmente diferente’ institui-se, fundamentalmente, como o
inconsciente que escapa ao sujeito falante, por estar constitutivamente separado dele.” Em Bonneval
Leclaire demonstrou, através de um caso clínico (o “Homem do Licorne”), a validade da proposição da
primazia do significante, Laplanche, ao contrário, inverteu-a, sustentando a idéia de que “o inconsciente
é a condição da linguagem”.
Mais tarde, Lacan postula um Inconsciente topológico, uma representação topológica do inconsciente,
expressa por meio de nós borromeanos.
Lacan* volta-se
desde logo para a análise das condições de
emergência de um sujeito do inconsciente, apanhado,
em sua origem, na armadilha do eu, que
é constitutivo do registro do imaginário
Individualização
Ver voc
Foucault (1990) trata a individualização: a partir da racionalidade politica moderna se assenta num
eixoindividualizante (poder pastoral – norma ideal, como deve ser) e noutro totalizante (razão de estado –
estatística)
Longe de se opor ao poder, a individualização consiste (FOUCAULT, 1974/2012)
-----//
Referindo-se à legislação penal e à penalidade em geral, o pensador francês de Vigiar e punir enaltece o
investimento individualizante do sistema ortopédico centralizado de correção. Em seu seio, o poder se exerce
sobre a alma do sujeito, endereçando-o com uma instituição em particular e com um tipo específico de
tecnologia normalizadora. Ambas as instâncias, institucional e tecnológica além da ressocialização do
indivíduo – sua reinscrição no sistema econômico-produtivo –, atendem efetivamente aos desígnios de
vigilância e controle relativamente permanente do indivíduo.
individualização sob os auspícios da sujeição às normas sociais
Associando a vigilância piramidal dos olhares ao controle individualizante naquilo que a atividade
psiquiátrica se resume basicamente em administrar os indivíduos e centralizar a individulização sob a
autoridade sistemática do médico (FOUCAULT, 1977, 2006).
No interior familiar – instância especializada de individualização através não tanto da vigilância, que é
secundária, mas mediante a inscrição mesma do sujeito em seus laços
lá no final: mecanizada
Infinitização
Rosset (p. 165) o reino da infinitude e do acaso da subnatureza que produz eventualmente seus
monstros, Monstro-acaso p. 166
era clássica reverbrando cultria antiga:
Platão diz que se é sofista se deve negar tudo o que tem nome.
Nomear é definir, definir é determinar uma natureza; ora, nenhuma natureza é. Nem o homem, nem a
planta, nem a pedra, nem o branco, nem o odor são. Mas o que resta, além disso, para ornar o ser, uma
vez excluídos da existência todos os seres designados pelas palavras? Existe "alguma coisa", mas essa
alguma coisa não é nada, sem nenhuma exceção, do que figura em todos os dicionários presentes,
passados e por vir. “O que existe" é, pois, muito precisamente, nada.
A substituição da ideia de natureza pela de costume, convenção e instituição – a sobreposição da
filosofia da physis pela do nomos – marca indelevelmente nossa cultura desde os século XVII, pelo menos.
Produz monstros que não estão inscritos na natureza, a locuura como distanciamento da natureza.
Ulisses é ninguém, entidade negada, eu sou ninguém, eu é nada, não se prende ao nome, Ulisses vencido é
nada e ninguém vencido. O estranho de freud.
- HL hsit diferente
MC hist. Do igual (???)
O que tem de ser capturado e colocado sob reclusão corresponde aos regimes de infinitização na modernidade
[[ver Deleuze, 2000, LS, p. 8 devir louco o ilimitado sobe À superfície]]. Território correspondente ao
personagem conceitual de Hölderlin em As palavras e as coisas. Foucault (2000) utiliza o poeta alemão para
designar o abismo, a vida abismal que se abre com a experimentação da loucura.
[[[hh
Foucault (1979, p. 21) assinala que “mas o que existe no riso do louco é que ele ri antes do riso da morte; e
pressagiando o macabro, o insano o desarma” infinitização
Infinit Loucura crítica e vazio
A obra de Artaud “uma obra abre um vazio, um tempo de silêncio, uma questão sem resposta, provoca um
dilaceramento sem reconciliação onde o mundo é obrigado a interrogar-se” (FOUCAULT, 1979, p. 5...).
de Artaud, com suas viagens em busca do sol, com as imagens terríveis que lhe saltam aos olhos em
Sierra Tarahumara, com suas análises acerca da obra de Van Gogh (suicidado pela sociedade), com sua
carta aos médicos-chefes dos asilos de loucos, com seu questionamento ao uso do eletrochoque, com
seus gritos lancinantes para acabar de vez com o julgamento de Deus, coloca-nos como responsáveis.
Responsáveis, porque sem conhecimentos necessários. Responsáveis, porque sem razão que delimite
tal obra: “Saibamos portanto que somos responsáveis diante dela, muito mais que autorizados a
questioná-la, a objetivá-la ou a pedir-lhe as contas” (DERRIDA, 1994, p. 67).
“O horror do vazio traduz-se aqui pela necessidade de o preencher com o juízo de valor” (BLANCHOT,
2011b, p. 219).
“A bela retidão que conduz o pensamento racional à análise da loucura como doença mental deve ser
reinterpretada numa dimensão vertical; e neste caso verifica-se que sob cada uma de suas formas
ela oculta de uma maneira mais completa e também mais perigosa essa experiência trágica que
tal retidão não conseguiu reduzir” (FOUCAULT, 1979, p.
Vida e obra de Artaud se intercomunicam.
“Tomei a mim mesmo em mãos, curei a mim mesmo: a condição para isso — qualquer fisiólogo
admitirá — é ser no fundo sadio. Um ser tipicamente mórbido não pode ficar são, menos ainda curar-
se a si mesmo; para alguém tipicamente são, ao contrário, o estar enfermo pode ser até um
enérgico estimulante ao viver, ao mais-viver. De fato, assim me aparece agora aquele longo tempo
de doença: descobri a vida e a mim mesmo como que de novo, saboreei todas as boas e mesmo pequenas
coisas, como outros não as teriam sabido saborear — fiz da minha vontade de saúde, de vida, a minha
filosofia” (NIETZSCHE, 2008, p. 15)
limite no desvairar da linguagem, ela, segundo Foucault, “não nos restitui a um mundo limitado e positivo,
mas a um mundo que se desencadeia na experiência do limite, se faz e se desfaz no excesso que a transgride”
(PrefTR p. 31).
[[[ hoje 5 do 12
A transgressão não vem do exterior, ela reside no fora que se desenrola no próprio fluir da experiência, da
linguagem filosófica. Esta linguagem circular que a produz remete a ela mesma lançando-a até seus limites.
[[PrefTr)
No capítulo “A morte”, Roberto lê em Foucault a relação entre esse limite e a transgressão, ressaltando
o limite da morte e o da linguagem sem mediação divina, depois da morte de Deus (Nietzsche). Neste
2º capítulo, Bataille invade a cena erótica associada ao sagrado, e o mal é interpretado como
possibilidade de fundamentação. Sade surge como o primeiro literato a criar uma linguagem
transgressora. Ele e Bataile aparecem, pois, como autores representativos da experiência entre
transgressão e linguagem. O capítulo “A morte” trata ainda das conseqüências da morte de Deus para
a experiência da linguagem. Segundo o autor, essa morte “significou o desaparecimento de critérios ou
princípios universais externos a que a linguagem deveria se adequar...”
história dos limites da cultura, sob o que ela define e relega como exterior a ela, mais do que da sua
identidade. “Interrogar um cultura sobre suas experiências-limites é questioná-la, nos confins da história,
sobre um dilaceramento que é como o nascimento mesmo de sua história” (p. 142).
Inscrição
Em AE é como um assentamento que se faz inscrever, incidir sobre uma superfície na qual se registra
algo, superfície que deve ser engendrada para que nela se inscrevam os sujeitos, legitimamente como
monstruosidades (cf. POLACK & SIVADON, ??) ou ilegitimamente sob a égide identitária. Ação da síntese
disjuntiva de registro que age sobre as forças conectivas de produção (a libido) sob a forma de Numen, uma
vontade espiritual, uma injunção. A alçada disjuntiva do registro inscreve a realidade, independentemente de
seu uso legítimo, isto é, pode ser que haja inscrições limitativas por exclusão. Como nada garante o uso
legítimo da síntese, não há salvaguarda para a natureza da inscrição que pode inscrever no tecido do real uma
máquina paranoica edipianizada ou uma figura psiquiatrizada real do louco incapaz e doente.
A síntese disjuntiva de registro vem, portanto, recobrir as sínteses conectivas de produção. Como
processo de produção, o processo se prolonga em procedimento como procedimento de inscrição. Ou
melhor, se denominarmos libido o “trabalho” conectivo da produção desejante, devemos dizer que uma
parte dessa energia se transforma em energia de inscrição disjuntiva (Numen) (AE, p. 26).
Em última instância, a inscrição como sinônimo de território, de codificação, de registro.
Inscrição em Derrida
A inscrição é o elemento gráfico de um sistema real.
marcada por traços diferenciais e portanto, a constituição e produção de sentido são definidas pela rede
de marcas escriturais (FCE)
Derrida (este coloca a dimensão escriturária do ics em primeiro plano) se opõe ao Lacan de “Função
e campo da fala...”, pois a psicanálise seria para este o campo da fala e da linguagem (se inscrevendo pela fala
na tradição metafísica da voz),
Inconsciente como um texto, rede aberta e complexa de traços diferenciais. O fonologismo não pode elucidá-
lo
Assim o diferir é alçado a operador fundamental da cena do psiquismo como cena de escritura responsável
pela distribuição e produção de signos no campo da diferança.
São os traços produzidos que constituem o psiquismo, os trilhamentos e grades de contato constituem sistemas
de diferança a partir da articulação entre a excitação que dissemina e as resistências que essas encontram para
a descarga
Toda inscrição é coletiva e contextual.
O tecido da memória é que inscreve, através das redes neuronais. De maneira que os estados de coisas não
estão presentes num neurônio ou numa rede deles, mas são espalhados e disseminados no psiquismo segundo
uma rede complexa, constituindo um sistema de diferenças na totalidade dos traços neuronais (FCE).
Os traços são forjados pelas forças que se disseminam e pelas resistências que encontram para circularem e
se instaurarem e inscreverem na rede neuronal.
Logo, o sentido é constituído pelas diferenças e pelo diferir forjados entre as forças que se disseminam
articuladas com as resistências que encontram na rede neuronal.
A oposição sentido-força, assim como int-ext é oriunda do logocentrismo (FCE e GRA pt. 1 cap 2 e 3).
Os traços do psiquismo são construídos a partir do jogo das forças disseminadas e das resistências entre os
âmbitos da força e do sentido (FCE).
VER: signo
Instituição
colocam o positivo fora do social (direitos naturais) e o social no negativo (limitação contratual), a
teoria da instituição põe o negativo fora do social (necessidades) para apresentar a sociedade como
essencialmente positiva, inventiva (meios originais de satisfação) (DELEUZE, 1955/2006, p. 20).
Isto significa que há nos sistemas de leis uma tendência natural positiva identificada como força
perigosa e disruptiva e, não raro como potência indiferenciada, frente à qual se compreende e se justifica a
existência e a atuação das leis enquanto ação civilizatória inaugurada e assentada sobre a força de limitação
do contrato social. A instituição, em contraponto, localiza o negativo na necessidade como algo
originariamente exterior ao social embora seja por ele transformada em potência positiva na invenção de
meios de satisfação para estas formas então institucionalmente convertidas de necessidade. Se recorrermos
a Foucault (1977) podemos conjeturar que enquanto a lei atua diretamente sobre o corpo do homem (na forma
de punição e no suplício), a instituição atua de forma a modular este corpo de acordo com suas normas e
regulações.
“Mas, se é verdade que a tendência se satisfaz na instituição, a instituição não se explica pela
tendência. [...] Nem o negativo explica o positivo, nem o geral explica o particular [...] Eis o paradoxo
da sociedade: nos falamos de instituições quando nos encontramos diante de processos de satisfação
que não são desencadeados e nem determinados pela tendência que neles está em vias de se satisfazer
– assim como não são eles explicados pelas características da espécie. A tendência é satisfeita por meios
que não dependem dela. Da mesma forma, ela nunca é satisfeita sem ser, ao mesmo tempo, coagida ou
maltratada, e transformada, sublimada.” (DELEUZE, 1955/2006, p. 21).
Esta produção de subjetividades através da modulação do corpo do sujeito (em suas tendências e pulsões)
condiciona os processos nos quais a instituição satisfaz as tendência, necessariamente transformadas,
coagidas, dobradas, sublimadas pela modulação que fazem a apreensão institucional objetiva do sujeito.
Em outros termos, a atividade social da instituição engendra positivamente modos de circulação,
existência e satisfação a partir de normas, regulações e, igualmente, da (trans)formação de tendências e
pulsões partir da inscrição dos sujeitos em sua ordem. Seu funcionamento não pode ser explicado pela
tendência, uma vez que esta é transformada no curso da inscrição institucional e tampouco por uma
justificativa de utilidade, visto que a utilidade humana é derivada do próprio esquema de institucionalização.
A tendência deve ser transformada para ser indiretamente satisfeita no seio da instituição, onde ela convive
com interdições e coerções.
No cruzamento entre fatores fisiológicos que atuam a nível individual e a procriação da espécie, entre
hormônios e especificidade, o instinto parece satisfazer de forma mais direta a tendência. Assim, Deleuze
(1955/2006, p. 22) se pergunta acerca dos modos de relacionamento e satisfação entre uma tendência e seu
objeto para assegurar que
quanto mais o instinto é perfeito em seu domínio, quanto mais ele pertence a espécie, mais ele parece
constituir uma potência de síntese original, irredutível. Quanto mais e ele perfectível, e, portanto,
imperfeito, mais está ele submetido à variação, à indecisão, mais ele se deixa reduzir unicamente ao
jogo de fatores individuais internos e de circunstâncias exteriores, a – mais ele dá lugar à inteligência
e demais fatores de especificação individuais como hábito e reflexo.
Já a síntese própria às instituições inscreve as tendências num regime social a fim de antecipá-las.
No caso, elas passam a integrar os fatores internos ao indivíduo de forma a modular e regrar as tendências.
Uma vez regrados os fatores individuais, este sistema sobrepõe suas instituições sobre os ditames da espécie.
As tendências são transformadas pelas instituições para que estas possam satisfazê-las segundo sua própria
gramática e regulação. [[loucura como produto social, figura psicossocial do louco; Problema da tradução-
transformação em MP]]
O regime de normas, que regem a inteligibilidade e a realizabilidade das tendências, são internalizadas pelo
sujeito, que passa a toma-las para si.
É neste sentido que Deleuze (1955/2006, p. 22-3) arremata ponderando que
As instituições instituem meios sociais originais de satisfação das tendências moldando estruturas de
resposta, formação e funcionamento das quais não temos governo ou sequer consciência. Entretanto, tais
estruturas institucionais conferem um regime de inteligibilidade e previsão, de captura e apreensão dos
sujeitos e sua ação no mundo.
Enquanto o instinto urge, a comunidade humana exige na forma de suas instituições.
Em última instância,
Não há tendências sociais, mas somente meios sociais de satisfazer as tendências, meios que são
originais porque eles são sociais. Toda instituição impõe ao nosso corpo, mesmo em suas estruturas
involuntárias, uma série de modelos, e dão a nossa inteligência um saber, uma possibilidade de prever
e de projetar. Reencontramos a seguinte conclusão: o homem não tem instintos, ele faz instituições
homem e um animal em vias de despojar-se da espécie. Do mesmo modo, o instinto traduziria as
urgências do animal, e a instituição as exigências do homem: no homem, a urgência da fome devém
reivindicação de ter pão.
VER: necessidade;
Institucionalização
Institucionalização: totalização por redução da loucura, instalando o indeterminado como inengendrado
(ROUSSET, 1989). Em última instância, subsunção da formação mais tenra da subjetividade à imagem
seguido por um movimento que atraca o imaginário ao narcisismo, como se um fosse a contrapartida
necessária do outro.
programa “De Volta para Casa” tem por finalidade contribuir efetivamente com o processo de inserção
social e superação do estigma, através da dispensa direta de um auxílio-reabilitação aos egressos de
internações psiquiátricas de longa permanência (Brasil, 2005). Este programa ajuda a incluir as pessoas
com doença mental dentro do sistema de trocas sociais, reabilitando-as psicossocialmente e
ajudando-as a superar o rótulo de incapaz, perpetrado pelo estigma da doença mental (Hirdes, 2009).
Devemos romper com o paradigma da loucura como sinônimo de incapacidade e de periculosidade e com as
práticas que advogam medidas de tutela e de exclusão.
desconstrução das representações que naturalizam a patologia e a exclusão e da construção de um novo olhar
ancorado na história, na cultura e na singularidade do sujeito.
que produções discursivas emergiram como justificativa para formulação de critérios clínicos do doente
mental, baseando-se em critérios de responsabilidade social.
Intensidade
Klossowski (2004) considera faz uso da palavra intentio para designar ao mesmo tempo uma intensidade
corporal (da qual o corpo é sujeito e objeto, se ousamos colocar o problema inadequadamente nestes termos)
e da intencionalidade falada. 2000, p. 306
A intensidade, sendo já diferença em si, abre-se sobre séries disjuntas, divergentes. Mas,
precisamente, porque as séries não estão submetidas à condição da identidade de um conceito em geral
e muito menos à instância que as percorre está submetida à identidade de um eu como indivíduo, as
disjunções permanecem disjunções, mas sua síntese deixa de ser exclusiva ou negativa para assumir,
ao contrário, um sentido afirmativo pelo qual a instância móvel passa por todas as séries disjuntas; em
suma, a divergência e a disjunção tornam-se objeto de afirmação como tais. O verdadeiro sujeito do
eterno retorno é a intensidade, a singularidade; daí a relação entre o eterno retorno como
intencionalidade efetuada e a vontade de potência como intensidade aberta. Ora, desde que a
singularidade se apreende como pré-individual, fora da identidade de um eu, isto é, como fortuita,
ela se comunica com todas as outras singularidades, sem cessar de formar com elas disjunções, mas
passando por todos os termos disjuntos que afirma simultaneamente, ao invés de reparti-los em
exclusões (DELEUZE, 2000, p. 307-8).
“O que não retorna é o que nega o eterno retorno, que não suporta a prova. O que não retorna é a
qualidade, é o extenso – porque a diferença, como condição do eterno retorno, aí se anula. É o
negativo – porque a diferença aí se reverte para anular-se. É o idêntico, o semelhante e o igual – porque
eles constituem as formas da indiferença.”
Um método crítico-clínico que Deleuze (2000, p. 132) propõe a partir de ressonâncias nietzschianas. Visando
o ponto nodular entre as anedotas do viver e os aforismas do pensar, entre biografia e bibliografia,
tal qual as duas faces, efetuação e contra-efetuação, do sentido, que articulam
articulando as forças erráticas da vida para arregimentar um corpo e uma linguagem desbaratada capaz de lhe
conferir um sentido, e mais, que este sentido tenha como horizonte seu caráter singular tanto quanto suas
limitações e sua provisoriedade para que não estanque numa parada do processo subjetivo.
[[Dioniso impenetrável cindido em duas partes, seu corpo aberto e lacerado e sua cabeça desossada (D-
GBacon) e impassível]]
passagens do viver a invenções no campo do acaso, uma nova saúde, provisória [[pegar def grande saúde
Entre a profundidade anômala e a linguagem intensiva da loucura
Intensidade e profundidade
Deleuze (2002, p. 219)
A intensidade é o insensível e, ao mesmo tempo, aquilo que só pode ser sentido. Como seria ela
sentida por si mesma, independentemente das qualidades que a recobrem e do extenso em que ela se
reparte? Mas como seria ela outra coisa que não "sentida", visto ser ela aquilo que faz sentir e que
define o limite próprio da sensibilidade? A profundidade é o imperceptível e, ao mesmo tempo,
aquilo que só pode ser percebido (é neste sentido que Paliard disse ser ela, ao mesmo tempo,
condicionante e condicionada, mostrando também a existência de uma relação complementar
inversa entre a distância como existência ideal e a distância como existência visual). Da
intensidade à profundidade já se trava a mais estranha aliança, a do Ser consigo próprio na
diferença, aliança que coloca cada faculdade diante de seu próprio limite e só deixa que as faculdades
se comuniquem no extremo de suas respectivas solidões. No ser, a profundidade e a intensidade são
o Mesmo.
Independentemente do sentido que é extensivo, a intensidade, o limite dos encontros, dos agenciamentos com
o corpo sensível. Ela é a anomalia intrínseca ao ser, o ser diferido essencial de si na profundidade de sua
constituição própria
Deleuze (2000, p. 191) denomina de gêneses dinâmicas a tais processos que conduzem dos estados de coisas
às potências do falso que, no entanto, os habitam na intimidade intransitiva do viver.
Interioridade: alma e infantilização
Não se deveria dizer que a alma e uma ilusão, ou um efeito ideológico, mas afirmar que ela existe, que
tem uma realidade, que é produzida permanentemente, em torno, na superfície, no interior do
corpo pelo funcionamento de um poder que se exerce sobre os que são punidos - de uma maneira
mais geral sobre os que são vigiados, treinados e corrigidos, sobre os loucos, as crianças, os escolares,
os colonizados, sobre os que são fixados a um aparelho de produção e controlados durante toda a
existência. Realidade histórica dessa alma, que, diferentemente da alma representada pela teologia
crista, não nasce faltosa e merecedora de castigo, mas nasce antes de procedimentos de punição, de
vigilância, de castigo e de coacao. Esta alma real e incorpórea não é absolutamente substância; é o
elemento onde se articulam os efeitos de um certo tipo de poder e a referência de um saber, a
engrenagem pela qual as relações de poder dão lugar a um saber possível, e o saber reconduz e
reforça os efeitos de poder. Sobre essa realidade-referência, vários conceitos foram construidos e
campos de analise foram demarcados: psique, subjetividade, personalidade, consciência, etc.; sobre
ela tecnicas e discursos cientificos foram edificados; a partir dela, valorizaram-se as reivindicacoes
morais do humanismo. Mas não devemos nos enganar: a alma, ilusão dos teólogos, não foi substituída
por um homem real, objeto de saber, de reflexao filosofica ou de intervencao tecnica. O homem de
que nos falam e que nos convidam a liberar já e em si mesmo o efeito de uma sujeição bem mais
profunda que ele. Uma "alma" o habita e o leva à existência, que é ela mesma uma peça no domínio
exercido pelo poder sobre o corpo. A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma,
prisão do corpo (FOUCAULT, 1977, p. 28-9).
Já que não é a alma que produz o homem, qual é essa sujeição que produz o homem e a alma, qual essa
profundidade? É um poder que se exerce sobre o corpo – individualização.
Questão das origens PC,
o essencial é que o asilo fundado na época de Pinel para o internamento não representa a
"medicalização" de um espaço social de exclusão; mas a confusão no interior de um regime moral
único cujas técnicas tinham algumas um caráter de precaução social e outras um caráter de estratégia
médica.
Ora, é a partir deste momento que a loucura deixou de ser considerada um fenômeno global relativo,
ao mesmo tempo, por intermédio da imaginação e do delírio, ao corpo e a alma. No novo mundo asilar,
neste mundo da moral que castiga, a loucura tornou-se um fato que concerne essencialmente a alma
humana, sua culpa e liberdade; ela inscreve-se doravante na dimensão da interioridade; e por isso,
pela primeira vez, no mundo ocidental, a loucura vai receber status, estrutura e significação
psicológicos. Mas esta psicologização é apenas a conseqüência superficial de uma operação mais surda
e situada num nível mais profundo — uma operação através da qual a loucura encontra-se inserida no
sistema dos valores e das repressões morais. Ela está encerrada num sistema punitivo onde o louco,
minorizado, encontra-se incontestavelmente aparentado com a criança, e onde a loucura,
culpabilizada, acha-se originariamente ligada ao erro. Não nos surpreendamos, conseqüentemente, se
toda a psicopatologia — a que começa com Esquirol, mas a nossa também, for comandada por estes
três temas que definem sua problemática: relações da liberdade com o automatismo; fenômenos de
regressão e estrutura infantil das condutas; agressão e culpa.
Desde Castro (2009, p. 286), temos, de um lado a paralisia geral e de outro, a insanidade moral
(moral insanity) cumprindo papel preponderante na psiquiatria da primeira metade do século XIX. Ao passo
que a primeira condiz à realidade profunda da loucura localizada no corpo, numa lesão de um órgão (no
caso, o cérebro), a segunda corresponde a uma loucura que se desenrola ao nível dos comportamentos
irresponsáveis e violentos e não como comprometimento da razão e do entendimento. Ambas desaguam na
inculcam, enclaustram, pautam, pontuam uma interioridade subjetiva desde uma forma de exterioridade.
A loucura é a forma mais pura, a forma principal e primeira do movimento com o qual a verdade do
homem passa para o lado do objeto e se torna acessível a uma percepção científica. O homem só se
torna natureza para si mesmo na medida em que é capaz de loucura. Esta, como passagem espontânea
para a objetividade, é momento constitutivo no devir-objeto do homem (FOUCAULT, 1979, p. 570).
Assim a loucura se torna condição de objetivação do homem. A constituição do homem moderno como
duplo empírico-transcendental passa pela postulação da loucura, como meio e instrumento de
conhecimento da realidade e da verdade do homem.
O paradoxo da psicologia ‘positiva’ do século XIX é o de só ter sido possível a partir do momento da
negatividade: psicologia da personalidade por uma análise do desdobramento; psicologia da memória
pelas amnésias, da linguagem pelas afasias, da inteligência pela debilidade mental. A verdade do
homem só é dita no momento de seu desaparecimento; ela só se manifesta quando já se tornou outra
coisa que não ela mesma (FOUCAULT, 1979, p. 518).
Considerar-se indivíduo prescinde do trabalho de uma consciência sobre si mesma, é o resultado desta dobra
que tem como produto uma interioridade. Exercício de personalização e individualização de singularidades
nômades.
Daí a constatação de Foucault (2006, p. 78) de que
Se forja uma interioridade, ao qual se está preso por uma condição de compreensão da própria formação, o
louco se vê mais densamente acorrentado a sua interioridade, à sua subjetividade que Às correntes que
trancavam o desarrazoado.
Involuntário, recognição e a submissão o inscreve, o subscreve sob a linguagem antropológica.
O saber são formas de exterioridade, assentadas na finitude.
Posto isso, é hora de ressaltarmos que todo este capítulo trata tão somente das formas de apreensão e captura
e dos saberes sobre a loucura. Os saberes não são, pois, mais que formas de exterioridade
20
Os incuráveis são aqueles que persistem no erro. Desta concepção advém uma série de distinções que podem ser genericamente
entendas como boa loucura, a que se deixa desalienar, e má loucura, a incurável (cf. FOUCAULT, 2006).
21
Caracteristicamente, o poder moderno se move entre o direito público da soberania e a mecânica polimorfa da disciplina. A
norma no entra no lugar da regra que simbolizara a vontade do soberano. A regra jurídica decalcada do sistema de soberania dá
lugar à regra natural, à norma. A passagem do código de leis para a normalização caracteriza modernidade se assenta sobre as
disciplinas. Estas “definirão um código que será aquele, não da lei, mas da normalização, e elas se referirão necessariamente a um
horizonte teórico que não será o edifício do direito, mas o campo das ciências humanas. E sua jurisprudência, para essas disciplinas,
será a de um saber clínico” (2002, p. 45). A alçada do que fora espaço do direito do soberano, da lei de governo decalcada da regra
que traz sua vontade soberana é ocupada pelas ciências humanas na jurisprudência da clínica, que se ocupa da boa formação dos
corpos individuais. Destarte, a normalização invade e coloniza o âmbito a lei, do direito. Processo cuja face mais visível é a
medicalização geral da sociedade, dos comportamentos e dos discursos.
moderna é definida segundo uma série de determinismos – o pathos insubmisso, a imaginação desenfreada,
o delírio, etc – que a caracterizam a partir da perda da liberdade ou, correlativamente, à impossibildiade de
tomar o louco como responsável por seus atos (FOUCAULT, 2006, 2008).
Consequentemente, não há mais embate na alçada da razão com a desrazão, do erro e da verdade, pois
a problemática está centrada na questão da liberdade como liberdade do sujeito jurídico ou da natureza
humana. Uma vez que a natureza humana do louco se encontra comprometida, sua liberdade jurídica é
confiscada. Alienado perante si mesmo, perante sua verdade de sujeito e alienado de seus direitos e
responsabilidades frente à comunidade, resta ao doente mental submeter-se (a si mesmo e à sua liberdade) ao
corpo do médico. Instância fundamental do sistema de poder disciplinar, o médico é capaz de lhe devolver a
autonomia desde que o doente mental se sujeite às normas de disciplina, regulação e controle (FOUCAULT,
2006). Desta forma é que a medicina acaba por colonizar todo o discurso sobre a loucura como relação
dissimétrica que reverbera a lógica asilar de enclausuramento.
Foucault señala que lo que se denomina hombre, en los siglos XIX y XX es la imagen de la oscilación
entre el individuo jurídico, que sirvió como instrumento de reivindicación del poder de la burguesía,
y el individuo disciplinario, que fue moldeado por esa misma burguesía para utilizarlo como fuerza
política y económica, “de esa oscilación entre el poder que se reivindica y el poder que se ejerce,
nacieron la ilusión y la realidad que llamamos Hombre”51.
[[asilo moderno e liberdade Em suma, a face apavorante de não-ser que outrora vestira a loucura clássica
desarrazoada passa a ser regulada, medida e colocada em comparação. A regulação e a terapêutica da
loucura passam a constituir, portanto, a função positiva do asilo moderno que se organiza em torno da
liberdade. Marcado pelo poder médico – ilimitado à medida em que nada pode resistir a ele – o espaço asilar
é reorganizado em torno da dissimetria que caracteriza as relações não recíprocas de poder no seu interior. O
que outrora era simplesmente excluído, passa a ser regulado, acompanhado de perto pelas disciplinas
(FOUCUALT, 2006).
Como é possível, entretanto, transformar a liberdade em instrumento terapêutico? De máquina
social de supressão da liberdade, o asilo passa a organizar um inquérito sobre a loucura, e como ela pode
servir à sociedade. Seguindo tal trilha, a fins do século XVIII, Cabannis propõe um diário para o controle
das ações dos loucos, a partir do qual se decide sobre os graus de liberação e retenção do alienado
(FOUCAULT, 1979). A análise de Goffman (A??), aponta como traços característicos das instituições de
internamento a manutenção da tensão entre o mundo doméstico – mundo das ações, dos pensares e sentires
do interno – e o mundo institucional e o uso dessa tensão persistente como força estratégica no controle de
homens.
Interpretação e avaliação
A descoberta do verdadeiro é a empreitada nietzschiana que leva a cabo a interpretação e a avaliação como
aponta Deleuze (1994, p. 17)
A interpretação fixa o sentido, sempre parcial e fragmentário relativo a um fenômeno, sempre é um recorte
de uma faixa do real. Atividade do fisiólogo, médico.
Ao passo que a avaliação determina o valor na hierarquia dos sentidos de modo a produzir e dar o efeito de
totalização dos fragmentos. [(Marton)]. Atividade do artista
REVIRAVOLTA CLÍNICA: proceder tal qual Foucault (2005) elogia Freud, Nietzsche e Marx, ao invés de
multiplicar os signos da clínica, modificar a natureza destes signos, a fim de inventar novos modos de
interpretá-los. (cf. MARTON, 1985, p. 37)
Assim o delírio, a crise, a paralização, etc continuam os mesmos termos fazendo deles subversão
Liberalismo e sexo
A paisagem é cada vez mais usave, agradável, alegre. Sinto dor no corpo. Estou no meio do abismo.
Sinto meu corpo como uma fronteira, e o mundo exterior como um esmagamento. A impressão de
separação é total. Passo a ser prisioneiro de mim mesmo. A sublime fusão não acontecera. A vida
perdeu a finalidade. São duas horas da tarde (HOUELBEC, 2011, p. 142)
Linguagem
“Poderíamos ver a história da narração como uma história da subjetividade, como a história da
construção de um sujeito que se pensa a si mesmo a partir de um relato [...] A história da narração é também
a história de como se construiu certa ideia de identidade” (PIGLIA, 2015, p. 248).
A narração é um modo de partilha de experiências. Se consideramos a subjetividade um modo
narrativo, podemos afirmar que a subjetivação tende à partilha da experiência singular do sujeito com
alguma instância a ele exterior – uma instituição, outro indivíduo, ou uma variedade de coletividades
quaisquer; geralmente se partilha a subjetividade com um feixe de instâncias. Mediada pela linguagem, esta
partilha já é irremediável e inegavelmente institucionalizada: não comunica uma experiência indiferenciada
ou puramente individual.[[Agamben, mediada pela própria propriedade de falar, pela possibilidade de
comunicar e de comunicação]]
Não se trata de uma tradução ou uma transmissão de códigos, transpostos a outra linguagem: não se
trata de converter a experiência em língua individual à língua coletiva. Apoiando-nos em Piglia (2015, p. 243),
podemos inferir que enquanto modo ligado à subjetivação, “a narração é o contrário da simples informação.
Está sempre ameaçada pelo excesso de informação, porque a narração nos ajuda a incorporar a história em
nossa própria vida e a vivê-la como algo pessoal”. Viver a subjetividade do outro como algo pessoal consiste
no que chamamos de implicação: estar implicado no relato e na subjetividade do outro na partilha da narração.
Não deixa de ser sugestivo que o escritor argentino coloque a viagem como uma das estruturas centrais
da narração. Contar o que se vive em outro canto da existência, corresponde à partilha das singularidades,
vividas de modo único e transmitidas através da narração. A rota existencial do homem, ser de sentido,
corresponde, pois, a uma viagem trágica, sem restituição ou fidelidade ao vivido, a um projeto ou destino
histórico, biológico ou comunitário da existência. Não há fundamento ou justificativa na viagem existencial,
ela é contada como narrativa a cada vez que somos interpelados a apresentar-nos como sujeitos, como
subjetividade constituída. Viagem intensiva ao outro mundo na qual se lê signos (produzidos no encontro)
para reconstruir (o re- dá um efeito de já dado, não mais que efeito) uma realidade ausente.
Ricardo Piglia (2015, p. 244) aproxima o uso poético da linguagem ao uso das ruas – no fora, onde se
comunicam “modos de narrar que são comuns e estão simultaneamente presentes na alta literatura e na
tradição popular” – onde a linguagem encontra o espaço e a paixão para criar uma língua a partir da
experiência e da experimentação de singularidades vivenciais. Porém, a narratividade, ou a linguagem
poética não é somente ter experienciado algo, mas poder transmitir em forma de narratividade o
experienciado e o experienciável que reside nas lacunas engendradoras de empatia e entrada e, mais que isso,
de implicação na narração [[canto das sereias, o artista como aquele que viu algo demasiado grande]].
Como se vive as singularidades existenciais numa subjetividade enquanto narração? Ora, não se trata
de conteúdos ou do que está sendo contado, não é o vivido, o destino individual ou o projeto biográfico que
expressa as singularidades, mas os modos de narrar. A maneira como se narra uma existência como dão
as chaves dos modos de ser e coabitar o mundo, os modos de trânsito e relacionamento instituídos e
instituíveis. “Quem conta dá forma ao que narra. A narração alude e desloca, nunca diz de maneira direta
qual é o sentido e aí se define sua forma” (PIGLIA, 2015, p. 244). A narração é um modo de demonstração
não de decifração, é um olhar, não uma apreensão esquadrinha a realidade. Um olhar que cria realidade
deixando lacunas com as quais os homens se implicam.
Destarte, Piglia (2015, p. 245) ressalta que “em todo caso, é o modo que tem a narração de responder
À realidade, porque está aberto, não julga, não fecha a significação. Mostra e não diz”. A lógica da
demonstração é distinta da informação, que é a aplicação de um código, do excesso de informação que
sobrecodificação sobre a massa informe da experiência nos termos de Deleuze e Guattari (2011). A
sobrecodificação pode incorrer sobre a loucura na variedade de discursos a visam capturar e apreender.
O que é demonstrado? A dimensão monstruosa da confecção de nossa subjetividade a que fazem
referência Jean-Claude Polack e Danielle Sivadon (2013). Dimensão de construção da subjetividade como
aquilo que se mostra, o demonstrado.
Piglia (2015) coloca a questão em termos literários: a narração como colisão das histórias visíveis e
das histórias que circulam com sentido múltiplo. Um sujeito é apreendido diferentemente nas inúmeras
instâncias e instituições nas quais transita.
A narração articula e encadeia algo que não está dado, por isso a subjetividade é sempre provisória e
inapreensível, ela não constitui a fotografia de um mapa, mas uma cartografia que se anti-define numa
dinâmica processual cartográfica. A subjetividade narrativa encadeia os acontecimentos estabelecendo ordens
e relações de causalidades.
[[intro]]Não obstante, a linguagem é o eixo comum que atravessa todos os discursos de captura e
apreensão da loucura. O que não significa que a loucura não passe de uma mera construção discursiva, embora
seja inegável o fato de que seja atravessada de maneira determinante por eles em nossa cultura. Pois a
subjetividade é uma instância narrativa: condiz aos modos com que o sujeito, os outros e as instituições o
narram, pontuando sua existência e suas experiências nestes relatos, que são “registros vitais de nossa
experiência” (PIGLIA, 2015, p. 241) aos quais somos convidados a narrar.
“(...) não faz nenhum sentido supor que um determinado dialeto seja linguisticamente inferior ou
superior aos demais. Há, por exemplo, certas crenças populares de que o português do Maranhão é o
mais correto ou de que a pronúncia de uma determinada região é errada.
Tudo isto é completamente absurdo: em termos científicos nada há que possa fundamentar a
superioridade ou inferioridade de uma forma de falar em relação a outras. Se o falar do campo é visto
como errado ou inferior face à norma dita culta ou língua-padrão, isto é apenas um julgamento social,
motivado por preconceitos. Por conseguinte, conforme explica Trudgil (1979), linguisticamente
falando, uma variedade não pode ser considerada melhor que a outra. Todos os dialetos são
estruturados, complexos, governados por um sistema de regras e adequados às necessidades do falante.
O que ocorre é que os julgamentos relativos à correção e pureza são mais sociais do que linguísticos.
Na realidade, são completamente arbitrários, pois não passam de preconceitos baseados em conotações
que um traço particular possa ter.
De modo análogo, não se pode afirmar, em termos científicos, que uma língua seja superior ou inferior
a outras. Costuma-se dizer, a esse propósito, que o francês se distingue pela clareza ou que os textos de
natureza filosófica são mais facilmente produzidos em alemão. Na realidade, tais impressões parecem
não ter fundamento. Conforme diz Malmberg:
‘Uma língua não é em si mesma nem mais clara, nem mais lógica, nem mais abstrata que outra. Toda
língua permite – desde que seu vocabulário seja suficientemente grande – a expressão dos pensamentos
mais claros e mais confusos, mais lógico e mais estúpidos, mais abstratos e mais concretos'".
In: MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov.
Loucura
Sobre o aprisionamento da loucura na ordem do corpo, ver Guattari acerca do funcionamento maquínico
da produção inconsciente que se diferencia de uma ordem corporal que é mais arraigada ou seria mais
arraigada ao eu. Em Dosse (Biografia cruzada), quando trata da parte dos seminários dele na década de 80.
Loucura:
A irracionalidade remete para o inconsciente, para o sonho, para o animal e para a loucura. A
filosofia, desde há muito íntima amiga do Diabo, tem as suas posições sobre o tema. Faz-se aqui o
recenseamento de algumas sugestivas: por exemplo, “A loucura é rara nos indivíduos – mas é a regra
nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas” [individualismo, elogio da individualização]; ou “E,
por vezes, a própria loucura é uma máscara que esconde um saber fatal e demasiado seguro” [a
loucura sabe muito ou se apega Às suas ideias desarrazoadas (FEREZ, 1999, p. 15): A loucura não
passa de uma máscara que esconde alguma coisa, esconde um saber fatal e "demasiado certo".]; ou “A
loucura indica o momento em que as máscaras, cessando de comunicar e de deslocar-se, se confundem
numa rigidez de morte” [tomar algo que é passageiro e fugaz como absoluto]; ou ainda “Em quase
toda a parte, é a loucura que aplana o caminho da ideia nova, que rompe a proclamação de um
costume, de uma superstição venerada. (...). Compreendem porque foi precisa a assistência da
loucura? De qualquer coisa que fosse tão terrível e tão incalculável, na voz e na atitude, como os
caprichos demoníacos da tempestade e do mar e, por consequência, de qualquer coisa que fosse, ao
mesmo título, digna de receio e respeito?” [ambiguidade em relação ao que a louc pode ou faz] e “(...)
não havia outra coisa a fazer, quando eles não eram verdadeiramente loucos, senão vir a sê-lo ou a
simular loucura” [trágico Brandt = todos estão na deriva, pascal também]. Pensamentos como estes
desarmam a norma e instilam a dúvida no formatado mentol: há um grão de razão na loucura – ora é
dela, da loucura, que se fez o elogio; não da estultícia – como Erasmo, do marasmo.
in Heurética, Dezembro, 2006
Nietzsche:
nem a saúde, nem a doença são entidades; a fisiologia e a patologia são uma única coisa; as oposições
entre bem e mal, verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas jogos de superfície. Há uma
continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a diferença entre as duas é apenas de grau,
sendo a doença um desvio interior à própria vida; assim, não há fato patológico.
A loucura não passa de uma máscara que esconde alguma coisa, esconde um saber fatal e
“demasiado certo”. A técnica utilizada pelas classes sacerdotais para a cura da loucura é a “meditação
ascética”, que consiste em enfraquecer os instintos e expulsar as paixões; com isso, a vontade de
potência, a sensualidade e o livre florescimento do eu são considerados “manifestações diabólicas”.
Mas, para Nietzsche, aniquilar as paixões é uma “triste loucura”, cuja decifração cabe à filosofia, pois
é a loucura que torna mais plano o caminho para as ideias novas, rompendo os costumes e as
superstições veneradas e constituindo uma verdadeira subversão dos valores. Para Nietzsche, os
homens do passado estiveram mais próximos da ideia de que onde existe loucura há um grão de gênio
e de sabedoria, alguma coisa de divino: “Pela loucura os maiores feitos foram espalhados pela Grécia”.
Em suma, aos “filósofos além de bem e mal”, aos emissários dos novos valores e da nova moral não
resta outro recurso, diz Nietzsche, a não ser o de proclamar as novas leis e quebrar o jugo da moralidade,
sob o travestimento da loucura. É dentro dessa perspectiva, portanto, que se deve compreender a
presença da loucura na obra de Nietzsche. Sua crise final apenas marcou o momento em que a “doença”
saiu de sua obra e interrompeu seu prosseguimento. As últimas cartas de Nietzsche são o testemunho
desse momento extremo e, como tal, pertencem ao conjunto de sua obra e de seu pensamento. A
filosofia foi, para ele, a arte de deslocar as perspectivas, da saúde à doença, e a loucura deveria cumprir
a tarefa de fazer a crítica escondida da decadência dos valores e aniquilamento: “Na verdade, a doença
pode ser útil a um homem ou a uma tarefa, ainda que para outros signifique doença... Não fui um doente
nem mesmo por ocasião da maior enfermidade” (FEREZ, 1999, p. 15).
“a transgressão se abre sobre um mundo cintilante e sempre afirmado, não opõe nada a nada, ela não
comporta nada de negativo. Ela toma no coração do limite, a medida desmesurada da distância que
se abre nela mesma e desenha o traço fulgurante que a faz ser. Ela afirma o ser limitado que nós somos
e o ilimitado no qual ela salta ao abri-lo pela primeira vez à existência”
BATTAILLE com Nietzsche e Blanchot que possibilitou a liberação em relação à dialética e à fenomenologia,
ora através da noção de experiência-limite: loucura, a morte, o crime.
Com originalidade, Foucault (1979) destaca o princípio de descontinuidade histórica dentro da História da
loucura, criticando a história continuísta da psiquiatria descrita como itinerário evolutivo que passa
linearmente da percepção social ao conhecimento científico, neutro e objetivo da loucura.
E aos poucos esta primeira percepção se teria organizado, e finalmente aperfeiçoado, numa consciência
médica que teria formulado como doença da natureza aquilo que até então era reconhecido apenas como
mal-estar da sociedade. Seria necessário, assim, supor uma espécie de ortogênese que fosse da
experiência social ao conhecimento científico, progredindo surdamente da consciência de grupo à
ciência positiva, sendo aquela apenas a forma oculta desta, e como que seu vocabulário balbuciante. A
experiência social, conhecimento aproximado, seria da mesma natureza que o próprio conhecimento, e
já a caminho de sua perfeição. Por essa mesma razão, o objeto do saber lhe preexiste, dado que já era
ele que era apreendido, antes de ser rigorosamente delimitado por uma ciência positiva: em sua solidez
intemporal, ele permanece abrigado da história, retirado numa verdade que continua em estado de
vigília até o despertar total da positividade.
Mas não é de todo certo que a loucura tenha esperado, recolhida em sua imóvel identidade, o
aperfeiçoamento da psiquiatria a fim de passar de uma existência obscura para a luz da verdade
(FOUCAULT, 1979, p. 80)
Logo depois, vem aquela parte “suscitava o estrangeiro”, a criação dos anormais desde os leprosos que são
criados enquanto figuras psicossociais a partir de seu internamento, que produz e não é a resposta a este
problema da lepra tal qual nos o objetivamos.
Em síntese, percebemos que “a interioridade psicológica foi construída a partir da exterioridade da
consciência escandalizada. Tudo o que havia constituído o conteúdo velho desatino clássico vai poder ser
retomado nas formas do conhecimento psicológico” (FOUCUALT, 1979, p. 445). C1.6
A relação com as forças do fora, apreendida na experiência trágica no âmbito de um relação cósmica com as
forças do mundo passa à esfera da interioridade psicológica e, consequentemente, a loucura é redefinida na
negatividade da natureza livre e do funcionamento racional do homem.
A loucura continua até hoje irredutível como mal-estar, enquanto desrazão e loucura trágica, ela
pulsam no coração do mundo e por isso deve ser calada. Como experiência do Outro de nós mesmos, ela
deve ser medicalizada, apreendida e capturada nas nuanças de cada variação – como no movimento de
diagnóstico ostensivo que presenciamos sob a lógica DSM– para ser vigiada em seus mínimos detalhes.
A apreensão da loucura dentro do quadro da natureza do homem como uma doença – de substrato
biológico ou moral – tem via de regra como parâmetro uma espécie de discrepância social criada pela própria
forma de se a percebe que determina, por sua vez, os modos com os quais se intervém sobre ela.
Aula Birman 24 do 06 2013 ufrj
A construção do objeto da ciência passa
Senso comum – Ideologia (obj construído) -» discurso da ciência – Epistemologia (obj natural). Este é o corte
epistemológico -
As categorias organizadoras são 1) semelhança (similaridade entre palavras e coisas, mundo das coisas tem
valor de palavras e vice-versa), 2) representação (há uma ruptura entre palavras e coisas, enquanto as palavras
representam as coisas, a referência à coisa dá acesso a uma origem) 3) história (há disjunção entre palavras e
coisas, agente fala mais do que deve, porque perdemos a referência à ideia de origem). A modernidade é
caracterizada pela perda da origem, há autonomia da linguagem, a linguagem remete a ela própria, isto vai
ser retomado ao tratar da psicanálise.
...
VER: moral de consideração: CX “psiq e alienação”
O louco não seria permeável às argumentações dos outros. A ideia de certeza excessiva do louco teria de ser
quebrada seja com o trataemnto moral, seja com a hipnose.
...
em Poder Psiquiátrico retoma a sociedade de consenso, como sociedade disciplinar. Ela é anti-soberana e
anti-hierárquica, não há nem rei nem deus na verticalidade. Assim , o louco, com seu excesso de certeza quer
ser soberano, ele acredita que pode viver acima dos outros, melhor que os outros, há a identificação do louco
com a soberania, ele é o soberano. Assim, o tratamento moral é apenas cortar a cabeça do rei, fazer derrubar
o louco da posição da certeza e da soberania. A paranóia é o máximo da posição soberana e da certeza.
A pirâmide tem o médico no topo seguidos pelos guardas e depois os enfermeiros mais próximos enfim aos
internados.
O rei que ficou gago, o George VI faz parte da mesma dinastia…
Até o final do século XVIII o Hospital geral não é um espaço médico, aí cria-se o espaço segregado do asilo
psiquiátrico é um espaço medicalizado.
De fato, a terapêutica é o elemento chave na análise foucaultiana para a instituição do asilo de alienados à
medida em que interpõe o próprio confinamento como a função terapêutica mais imediata e rudimentar deste.
A nosografia e a teoria médica surgem apenas secundariamente, como justificação e legitimação da presença
médica neste espaço
O riso adquire status filosófico sob as funções de dissolvência dos valores anteriores [primeiro como
tragedia, depois como comédia, rousset, zizek, deleuze – nos nit e a repetição do trágico], o riso como
desconstrução e como subsequente vontade de construção.
O riso quebra com o monoteísmo da filosofia e da clínica.
Ela habita a ligeireza das superfícies.
Transformação, riso e desapego são as características do dionisíaco.
"A 'esquizofrenia' não existe como 'condição', mas apenas como rótulo de um fato social e, como fato
social, é um evento político. Esse evento político, ocorrendo na ordem cívica da sociedade, impõe
definições e consequências à pessoa rotulada. É uma prescrição social que racionaliza um conjunto de
ações sociais por cujo intermédio a pessoa rotulada é anexada por outras, as legalmente sancionadas,
investidas de poderes médicos e moralmente obrigadas a responsabilizar-se pela pessoa rotulada. A
pessoa rotulada é iniciada não só no papel, mas também numa carreira de paciente, pela ação combinada
de uma coalizão (uma 'conspiração') de família, médico assistente, inspetor de saúde mental,
psiquiatras, enfermeiras, assistentes sociais psiquiátricos e, com frequência, outros pacientes. A pessoa
'internada' rotulada como paciente e, especificamente, como 'esquizofrênica', é rebaixada de seu pleno
status existencial e legal como agente humano e pessoa responsável, despojada de sua própria definição
de eu, impossibilitada de reter seus próprios bens, impedida de exercer seu discernimento para decidir
com quem se relaciona e o que quer fazer. Seu tempo já não lhe pertence e o espaço que ocupa não é o
de sua própria escolha...Mais completa e radicalmente que em qualquer outro setor da nossa sociedade,
ela é invadida como ser humano."
Dr.RD Laing, A Politica da Experiencia
Segundo Calomeni (2010), Histoire de la folie é uma crítica da razão, mais especialmente, dos limites
e interditos por ela instituídos para sua própria conservação e para preservação de sua ordem; um
olhar oblíquo para uma cultura essencialmente racionalista que, em face do perigo da palavra, outra e
maldita, terrível e ameaçadora, interdita e exclui uma parte de si mesma, supostamente estranha e
“exterior”. Expedientes de recusa, gestos de partilha, estratégias de segregação indicam as “escolhas”
de uma sociedade, impõem os “regimes de verdade”, desenham o perfil de uma cultura e a identidade
dos indivíduos. “A loucura só existe em uma sociedade, ela não existe fora das normas da sensibilidade
que a isolam e das formas de repulsa que a excluem ou a capturam” (FOUCAULT, 1999a, p. 150).
Ainda que a loucura nunca seja percebida ou alcançada em seu “estado selvagem”, “uma coisa
permanecerá: a relação dos homens com seus fantasmas, com seu impossível, com sua dor sem corpo,
com sua carcaça da noite [...]” (FOUCAULT, 1999b, p. 196). Como sugere Dostoiévski (apud
FOUCAULT, 1999c[1961], p. 140), “não é confinando o vizinho que nos convencemos de nosso
próprio bom senso.”
Derrida com a Roudinesco - "De que amanhã": Onde a liberdade está associada a loucura, Cap.4 da
Imprevisível Liberdade... p.64-65, lá no rodapé da pag: trás que Lacan associa o termo liberdade ao termo
loucura... para a significação de que o ser do homem só pode ser compreendido... "pq carrega consigo a
loucura como limite de sua liberdade". Defendendo que a liberdade é uma ilusão, um fantasma...
IlhDes 170
a vdd critica é critica das formas de vdd e das formas vddeiras. A loucura é critica a sociedade pq
aponta criticamente seus pontos em q ela dá certo,em q ela funciona, nao apenas seus erros. Criticar onde a
ociedade erra nao e criticar a ela.
ID louc critica
Não há logos, só há hieróglifos”? Por outro lado, você falou do artista, a propósito de Sacher-
Masoch, como “sintomatologista”, ao indicar que “a etiologia, que é a parte científica ou experimental
da medicina, deve estar subordinada à sintomatologia, que é sua parte literária, artística”.
O modo de produção subjetiva normalizada é do tipo identitário, homogêneo, pouco aberto às possibilidades
de produções existenciais singularizadas, entretanto, este modo identitário arregimenta aos seus integrantes
um sentimento de vínculo social, de relações de fraternidade e pertencimento à comunidade e seus
valores. A loucura como crítica social deve investir na potencialidade de auto-organização e engendramento
de sentido existencial.
Marco no âmbito dos saberes, o pensamento de Kant, o bom o uso das faculdades psicológicas e o bom uso
da liberdade.
Tem como marco externo a Revo Francesa > Pinel (dep constituinte) > liberação dos loucos das correntes,
mas o ata a interioridade psicológica
Já aqui:
Dm: ordem moral e social, dominada pelo médico,
Ora a ordem social não é em nada moral,
A interiorização psicológica da separação razão-desrazão que institui a culpabilização e o controle da
autoridade. A psicologização – em termos de estatuto, esturutra e significação da loucura se faz
mediante um paradigma de homem, um modelo de decalcado , determinismo do institinto e do desejo,
sujeito a automatismos, alienado da sua verdade enquanto pessoa, a verdade do doente mental é a
verdade do que é sem razão..
Mas tudo me Hamlet encontra-se justificado.
a doença mental se faz imprescindível um campo de apreensão do homem e de sua vida. Foucault
(1975) imprescindibilidade de uma antropologia para a conversão
da loucura em doença mental.
A doença mental é a forma e a expressão que a loucura adquire enquanto variabilidade da forma
homem.
se liga À própria noção de homem, que por sua vez remete À finitude e À limitação da experiência
de maneira que este sistema se refere a um significante superior. Das emíricidades, e faculdades psi
alterações que, afinal, concorrem para a instituição da “doença mental” e da Psiquiatria no século
XIX: no nível teórico, a loucura é transformada em “alienação” e, no nível da “percepção” e das
práticas, criam-se os asilos, instituições destinadas ao abrigo exclusivo dos loucos.
sociedade afasta homem e natureza; afastado da natureza, o homem se perde de si; louco, o homem
se afasta da “sua” verdade. Perda da natureza, distanciamento de si, loucura é “alienação”.
ID 291
1972
deleuze g partem do estudo concreto da “prática psiquiátrica, da psicanálise e, mais particularmente, do
estudo da psicose.”
figura psicossocial do donte mental
ao mesmo tempo fazendo uma crítica e sinalizando que a psicanalise só pode se exercer mediante certo regime
de liberdade, Deleuze aponta que
abordar os psicóticos por mero acidente e do exterior. É preciso acrescentar que, no quadro
dos sistemas repressivos de hospitalização, não se tem acesso à esquizofrenia. Tem-se acesso a
loucos que se encontram no interior de um sistema tal que os impede de exprimir a própria
essência da loucura. Eles só exprimem uma reação à repressão da qual são objeto e que
são obrigados a sofrer. O resultado é que a psicanálise é praticamente [326] impossível no
caso das psicoses. E isso prosseguirá assim enquanto os psicóticos continuarem encerrados no
sistema repressivo de um hospital (DELEUZE, 1972/2006, p. 291)
E Deleuze segue dizendo que usa a psicose para avaliar os conceitos e os modos que descrevem a constituição
da neurose.
É normal, numa pratica de psicoterapia institucional, que o esquizofrênico o mais perdido nele mesmo
libere inesperadamente as histórias mais inacreditáveis sobre a vida privada de alguém, coisas que
se poderia acreditar que ninguém as soubesse, e que ele diz para você do modo o mais cru verdades
que você acreditava serem secretas. Não e um mistério. O esquizofrênico tem acesso a isso de uma
única vez, ele está por assim dizer ligado diretamente aos enganches que constituem o grupo em sua
unidade subjetiva. Ele se encontra em situação de “vidência”, lá onde os indivíduos cristalizados na sua
lógica, na sua sintaxe, nos seus interesses estão absolutamente cegos (DELEUZE, 1972/2006, p. 300).
“Durante muito tempo a psiquiatria foi uma disciplina normativa, falando em nome da razão,
da autoridade e do direito, numa dupla relação com os asilos e os tribunais. Depois veio a
psicanálise como disciplina interpretativa: loucura, perversão, neurose; procurava-se descobrir
o que isso “queria dizer”, por dentro. Hoje, reclamamos os direitos de um novo funcionalismo:
não mais o que quer dizer, mas como isso marcha, como isso funciona. É como se o desejo
não quisesse dizer mais nada e fosse um agenciamento de pequenas máquinas, máquinas
desejantes, sempre numa relação particular com as grandes máquinas sociais e as máquinas
técnicas (DELEUZE, 1972/2006a, p. 302).
E pq não maquinações artísticas.
o plano de consistência é dado por outrem, não pelo mesmo ou numa dialética que envolve o outro para
fazer (re)tornar o sujeito ao que ele é. Se um Outro sem falta remete a um Outro gozador, típico da psicose,
para Deleuze (LS), nada falta a outrem, de modo que a alteridade não necessariamente remete a uma figura
externa, na fundamentação do próprio campo de consistência, isto é, o campo de imanência.
Outro já é a apreensão da percepção da loucura como outro modo da existência, já é sua margilnalização.
Enquanto outrem é o rosto da efetividade da efetuação de sua potência de diferenciação.
Traços atuais de uma política patologização e internamento irrestrito, que patologiza a pobreza e a miséria
sob o signo dos maus costumes, subsumindo questões sociais que gritam na vida de uma pessoa a uma
inadequação. Assim, o desemprego e a escassez são associados pejorativamente ao talento que ambos
mostram com o pandeiro ou o repique nas mãos.
A memória de resgatar sambas e marchinhas seja do domínio popular, seja da história da cidade, da escola de
samba da V.O. (Vila Operária, um bairro de baixa renda da cidade)
Cap 2
metrificação, sobrecodificação, neutralização nesta espécie de tradução, nesta transição de códigos entre a
loucura tal como se dá enquanto processo psicossocial de apreensão e captura e a produção da loucura
enquanto estratégia de cuidado, o cuidado proporciona um meio de propagação e extensão para a loucura
Loucura: Antropologia da diferença: para além da psicopatologia das doenças mentais e da vida
biologicamente tomada no biopoder
Foucault pondera que é interessante estrategicamente à razão que a loucura – seu outro – seja mantido
sob a alcunha de doença mental, pois “esta, não há por que duvidar, vai entrar em um espaço técnico de
controle cada vez melhor: nos hospitais, a farmacologia já transformou a sala dos agitados em grandes
aquários mornos” (1964/1999, p. 198)
A vida deve ser considerada em seus limiares e seus potenciais
Os estranhos ensinamentos a que se refere Cragnolini (EE??, p. 1200) consiste em amar a diferença
na estranheza de seu encontro com o ser, uma vez que “Dioniso está mais próximo da figura do ultra-homem,
em que ‘chegar a ser o que se é’ não supõe nenhuma idéia de ‘formação’ (Bildung), como ‘resultado’ de um
processo de ‘construção de si mesmo’”. Tal apelo ao dionisíaco fundamenta a ontologia que faz fugir o tema
do Bildung, da boa formação, visto que se desembaraça de qualquer antropologia, de qualquer ideia de
homem, e de como deve ser seu funcionamento e sua forma normal.
Em Das antigas e das novas tábuas, Zaratustra (NIETZSCHE, s/d, p. 197??) ressalta o caráter
fragmentário, fugaz e a potência de autoconstrução dos indivíduos “que se não querem conservar. Amo
de todo o meu coração os que desaparecem, porque passam para o outro lado”22.
A não-conservação de si é patente em todo o ensinamento de Zaratustra. Não se trata, porém de um
mero impulso à autodestruição. O posicionamento ético de minar a (auto)conservação reverbera o fato de que
não há essência humana a qual se possa restituir. Ética que propicia a entrada de uma outra política para a
clínica, ao mesmo tempo desbaratada e crítica às estratégias de normalização. Não havendo um télos, uma
identidade ou um objetivo final a que se deva tomar como parâmetro normativo para a formação ou o
progresso do homem, como indivíduo ou como espécie, vemos se abrir então o campo para uma clínica da
deriva.
A fim de desbaratar-se de toda antropologia que rege e fundamenta as estratégias clínicas
normalizadoras de conservação, restituição e retorno à identidade, é que a clínica deve ser capaz de suportar
a desfiguração ou melhor, de se agenciar com a catástrofe, com a tragédia, com a imagem de fim de mundo.
Ali, se desata o estranho ensinamento do “perigoso talvez” nietzschiano que não se prende a nada, nem às
próprias virtudes que são ainda caraterísticas da identidade (cf. NIETZSCHE, ABB??).
Fazendo escapar a antropologia como sustentação que deve fixar forma e funcionamento é que a clínica
comporta a dissolvência e a desarticulação como momentos fundamentais de transformação, nos quais
formação e funcionamento não estão dissociados. O talvez nietzschiano é perigoso porque nos faz deparar
com o insondável encontro do eu com os muitos eus que nos habitam concomitante e desordenadamente.
O desaparecer ou a catástrofe é o cerne em que pululam os devires-imperceptíveis (Pelbart?? MP??)
22
Igualmente, já no prólogo, anunciara Zaratustra: “eu só amo aqueles que sabem viver como que se extinguindo, porque são esses
os que atravessam de um para outro lado” (NIETZSCHE, s/d, p. 10??)
À figura do grande romance de formação – que tem como figura primordial o Wilhem Meister de
Goethe – Zaratustra não narra grandes feitos. Sua epopeia não coroa a restituição (prometida ou esperada) no
retorno, mas o eterno caminhar dos acasos, encontros e sonhos que narra. Como em O viajante e sua sombra
(NIETZSCHE, VS??HH2??)...
O ensinamento de Zaratustra consiste em bailar com a pena, fazendo livros que são máquinas de
guerra, trajetos nômades entre um ponto e outro, intermezzos não lineares para enfim, abrir-se à outridade que
nos habita e que produzimos, no encontro com a diferença.
A Narrenschift, símbolo da preocupação renascentista com a loucura, deixa o louco circular pelo
mundo, “prisioneiro de sua própria partida”, destinado a uma espécie de purificação pela água: “a
navegação entrega o homem à incerteza da sorte: [...] todo embarque é, potencialmente, o último. É
para o outro mundo que parte o louco, em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando
desembarca. [...] Fechado no navio, de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao
mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre,
da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o Passageiro por
excelência, isto é, o prisioneiro da passagem” (FOUCAULT, 1979, p. 12).
A relação ambígua e conflituosa entre razão e loucura tecida até o Renascimento implica mais que
proximidade, uma dinâmica de reciprocidade e semelhança entre ambas que é intangível ao sistema exposto
nas Meditações Metafísicas de Descartes (1987). A loucura é integrada negativamente ao sistema da dúvida,
a ponto de comprometer a ela, base e sustento do pensamento e de sua ligação com a verdade. “Nesse
momento, a dominação da loucura é a abolição de sua especificidade e sua integração em uma ordem da razão
que ainda a acolhe e aceita suas razões” (MACHADO, 2007, p. 55). Ainda há uma experiência qualitativa
da loucura enquanto não-ser.
Foi ela que as últimas palavras de Nietzsche e as últimas visões de Van Gogh despertaram. É sem
dúvida ela que Freud, no ponto mais extremo de sua trajetória, começou a pressentir: são seus grandes
dilaceramentos que ele quis simbolizar através da luta mitológica entre a libido e o instinto de morte.
É ela, enfim, essa consciência, que veio a exprimir-se na obra de Artaud, nesta obra que deveria
propor, ao pensamento do século XX, se ele prestasse atenção, a mais urgente das questões, e a menos
suscetível de deixar o questionador escapar à vertigem, nesta obra que não deixou de proclamar que
nossa cultura havia perdido seu berço trágico desde o dia em que expulsou para fora de si a
grande loucura solar do mundo, os dilaceramentos em que se realiza incessantemente a "vida e morte
de Satã, o Fogo" (FOUCAULT, 1979, p. 34-5).
No quadro que retrata Santo Antônio sobre uma árvore, a natureza secreta do homem é expressa em figuras
de animais impossíveis e igualmente nos demônios que o assolam, que parecem fazer parte de seus trajes.
Analisando As tentações do Santo Antônio de Bosch, Foucault (1979, p. 19-20) salienta que
o que assalta a tranqüilidade do ermitão não são os objetos do desejo; são essas formas dementes,
encerradas num segredo, que subiram de um sonho e ali permanecem, à superfície de um mundo,
silenciosas e furtivas. (...) esta silhueta de pesadelo que é simultaneamente o sujeito e o objeto da
tentação; é ela que fascina o olhar do asceta — permanecendo uma e outro prisioneiros de uma espécie
de interrogação no espelho, a permanecer indefinidamente sem resposta, num silêncio habitado apenas
pelo bulício imundo que os cerca. O grylle não mais lembra ao homem, sob uma forma satírica, sua
vocação espiritual esquecida na loucura de seu desejo. É a loucura transformada em Tentação: tudo
que nele existe de impossível, de fantástico, de inumano, tudo que nele indica a contranatureza e o
formigamento de uma presença insana ao rés-do-chão, tudo isso, justamente, é que lhe atribui seu
estranho poder. A liberdade, ainda que apavorante, de seus sonhos e os fantasmas de sua loucura têm,
para o homem do século XV, mais poderes de atração que a realidade desejável da carne.
São as parcialidades e o fragmentário que o tomam de assalto na solidão de sua fé e de sua penitencia. O
pensador francês ainda destaca que provavelmente a cabeça com pernas é um autorretrato do pintor flamengo.
Nesta adesão imaginária a si mesmo, o homem faz surgir sua loucura como uma miragem. O símbolo
da loucura será doravante este espelho que, nada refletindo de real, refletiria secretamente, para aquele
que nele se contempla, o sonho de sua presunção (FOUCAULT, 1979, P. 25).
A analogia do espelho do humano e do não-humano com a tragédia é clara:
Na tragédia clássica, dia e noite dispõem-se como num espelho, refletindo-se indefinidamente e
dando a esse par simples uma repentina profundidade que envolve, num único gesto, toda a vida do
homem e sua morte (FOUCAULT, 1979, P. 245).
O tema da loucura como noite e como espelho mantém uma proximidade nada gratuita em HL. Refletindo
sobre O sobrinho de Rameau de Denis Diderot (1979), Foucault (1979, p. 345-6), salienta que
de um lado, o desatino é que existe de mais imediatamente perto do ser, de mais enraizado nele: tudo
o que ele pode sacrificar ou abolir de sabedoria, de verdade e de razão, torna puro e mais veemente o
ser por ele manifestado. Todo atraso, todo recuo desse ser, e mesmo toda mediação, lhe são
insuportáveis: "Gosto mais de ser, e mesmo de ser um impertinente raciocinador, do que não ser". (...)
o desatino é entregue ao não-ser da ilusão e esgota-se na noite. Se se reduz, pelo interesse, ao que há
de mais imediato no ser, ele mima igualmente o que há de mais distante, mais frágil, menos consistente
na aparência. É ao mesmo tempo a urgência do ser e a pantomima do não-ser, a imediata necessidade
e a indefinida reflexão do espelho.
“O pior é a postura obrigatória em que a necessidade nos mantém. O homem necessitado não caminha
como qualquer outro; ele pula, rasteja, se contorce, se arrasta, passa a vida a assumir e executar
posições”764.
Rigor da necessidade e imitação do inútil, o desatino é, num único movimento, esse egoísmo sem
recurso nem divisão e esse fascínio por aquilo que há de mais exterior no não-essencial. O Neveu de
Rameau é essa própria simultaneidade, essa extravagância levada, numa vontade sistemática de delírio,
a ponto de efetuar-se em plena consciência, e como experiência total do mundo: "Pelos céus, o que
você chama [[346]] de pantomima dos patifes é o grande abalo da terra!"765 Ser, ele mesmo, esse
barulho, essa música, esse espetáculo, essa comédia, realizar-se como coisa e como coisa ilusória, ser
assim não apenas coisa, mas vazio e nada, ser o vazio absoluto dessa absoluta plenitude pela qual se é
fascinado do
exterior, ser enfim a vertigem desse nada e desse ser em seu círculo volúvel, e sê-lo ao mesmo tempo
até o aniquilamento total de uma consciência escrava e até a suprema glorificação de uma consciência
soberana — tal é, sem dúvida, o sentido do Neveu de Rameau, que profere no meio do século XVIII, e
bem antes de ser plenamente ouvida a palavra de Descartes, uma lição bem mais anticartesiana do que
todo Locke, todo Voltaire ou todo Hume.
A princípios do século XVII, após a época de Bosch (XV) e Erasmo (XVI), observamos que
apesar de tantas interferências ainda visíveis, a divisão já está feita; entre as duas formas de
experiência da loucura, a distância não mais deixará de aumentar. As figuras da visão cósmica e os
movimentos da reflexão moral, o elemento trágico e o elemento crítico irão doravante separar-se cada
vez mais, abrindo, na unidade profunda da loucura, um vazio que não mais será preenchido. De um
lado, haverá uma Nau dos Loucos cheia de rostos furiosos que aos poucos mergulha na noite do
mundo, entre paisagens que falam da estranha alquimia dos saberes, das surdas ameaças da
bestialidade e do fim dos tempos. Do outro lado, haverá uma Nau dos Loucos que constitui, para os
prudentes, a Odisséia exemplar e didática dos defeitos humanos. (...) a loucura tem, nesses
elementos, uma força primitiva de revelação: revelação de que o onírico é real, de que a delgada
superfície da ilusão se abre sobre uma profundeza irrecusável, e que o brilho instantâneo da imagem
deixa o mundo às voltas com figuras inquietantes que se eternizam em suas noites; e revelação
inversa, mas igualmente dolorosa, de que toda a realidade do mundo será reabsorvida um dia na
Imagem fantástica, nesse momento mediano do ser e do nada que é o delírio da destruição pura; o
mundo não existe mais, porém sobre ele o silêncio e a noite ainda não se abateram inteiramente; ele
vacila num último clarão, no ponto extremo da desordem que precede imediatamente a ordem
monótona da realização. É nesta imagem logo abolida que se vem perder a verdade do mundo. Toda
esta trama do visível e do secreto, da imagem imediata e do enigma reservado desenvolve-se, [28]
na pintura do século XV, como sendo a trágica loucura do mundo. (FOUCAULT, 1979, p. 27-8).
A noite é aquilo que faz desaparecer. Entre a profundidade da loucura que se abre, entrevemos o esboço de
uma experiência ambígua: a Nau fora lugar da bestialidade e dos estranhos saberes da noite, ao mesmo tempo
em que servira didaticamente como espelho dos defeitos e da prudência humanos.
Seguindo esta linha é que Foucault (1979) coloca o saber trágico da loucura na ordem da revelação
do mundo, da felicidade e do castigo que anunciam que o triunfo do fim dos tempos não de Deus nem do
Diabo, mas da loucura, uma vez que esta é fundamentada na verdade da realidade sem fundamento da
existência. Frente ao vazio, a sabedoria positiva do desatino chama a revelação das verdades do mundo –
inaudíveis àqueles que não ouvem seu grito profundo e não vivem seu destino desatinado. Sabedoria que
confere a realidade dos sonhos e da profundidade da ilusão na eternidade do efêmero e no congelamento do
instante (cf. MACHADO, 2007, p. 54).
“Todas as coisas têm duas faces, [diz Sébastien Franck], porque Deus resolveu opor-se ao mundo,
deixar a aparência a este e tomar para si mesmo a verdade e a essência das coisas... É por isso que todas
as coisas são o contrário do que parecem ser no mundo: um Sileno invertido”
O abismo da loucura em que estão mergulhados os homens é tal que a aparência de verdade que nele
se encontra é simultaneamente sua rigorosa contradição. Mas há mais ainda: esta contradição entre
aparência e verdade já está presente no próprio interior da aparência, pois se a aparência fosse coerente
consigo mesma, ela seria pelo menos uma alusão à verdade e como que sua forma vazia. É nas próprias
coisas que se deve descobrir essa inversão — inversão que, a partir desse momento, não terá direção
única nem termo preestabelecido; não da aparência em direção à verdade, mas da aparência em
direção dessa outra que a nega, depois novamente na direção daquilo que contesta e renega essa
negação, de modo que o movimento não se detém nunca (...) Nada há que não esteja mergulhado na
imediata contradição, nada que não incite o homem a aderir, por vontade própria, a sua própria loucura;
comparada com a verdade das essências e de Deus, toda a ordem humana é apenas uma loucura.
(FOUCAULT, 1979, p. 31).
A loucura é alocada como antinatureza, contranatureza das aparências contra a essência divina das coisas
inscritas na ordem do mundo.
fascínio da loucura e o valor do saber próprio do louco, um saber esotérico e profundo, vinculado à
“natureza trágica” da existência: o louco é aquele que promete desvelar o mundo, desnudá-lo, pô-lo
à prova e à luz, é quem conhece os perigos do universo, os segredos de Satã, o tempo do Apocalipse, a
sombria e dolorosa verdade da condição humana, e a loucura, uma “experiência fundamental”. Como
experiência trágica”, a “loucura tem [...] uma força primitiva de revelação [...]” (FOUCAULT, 1979,
p. 27).
pintura trágica: Bosch, Thierry Bouts, Stephan Lochner, Grünewald, Brueghel, Dürer . literatura de
Shakespeare e Cervantes.
experiência originária, encoberta, escondida, silenciada, é porque Foucault ainda opera com a ideia
de repressão, de poder repressivo. Se a loucura é interditada pela razão, se é sobretudo por ela
silenciada, é por que é algo originário reprimido pelo poder. O próprio Foucault (1984e, p. 7) reconhece:
“Quando escrevi História da loucura usei, pelo menos implicitamente, [a] noção de repressão. Acredito
que então supunha uma espécie de loucura viva, volúvel e ansiosa que a mecânica do poder tinha
conseguido reprimir e reduzir ao silêncio”.
pesquisa nietzschiana”. A confissão é clara: para tentar falar da loucura sem silenciá-la, sem dela
arrancar o poder de sua linguagem, sem considerá-la “ausência de obra” [[coisa do olhar crítico]],
sem admitir sua palavra
como murmúrio “balbuciante”, é necessário compreendê-la como uma “experiência trágica” que,
mesmo abafada, encoberta, escondida pela “consciência crítica”, permanece no interior da cultura
ocidental.
circulação e trânsito
sem instituição
circulação livre
coabita com exclusão,
indefinido, ambíguo
De um lado, haverá uma Nau dos Loucos cheia de rostos furiosos que aos poucos mergulha na noite
do mundo, entre paisagens que falam da estranha alquimia dos saberes, das surdas ameaças da
bestialidade e do fim dos tempos. Do outro lado, haverá uma Nau dos Loucos que constitui, para os
prudentes, a Odisséia exemplar e didática dos defeitos humanos (...)força primitiva de revelação:
revelação de que o onírico é real, de que a delgada superfície da ilusão se abre sobre uma profundeza
irrecusável, (FOUCAULT, 1979, p.22).
Noite, real e profundidade da loucura trágica se coabitam.
a razão ensinou-me que condenar assim, resolutamente, uma coisa por ser falsa e impossível é pretender
ter na cabeça as fronteiras e os limites da vontade de Deus e do poder de nossa mãe natureza; e que
não há no mundo loucura mais notável do que reduzi-los à medida de nossa capacidade e
competência. Se chamamos de monstros ou milagres coisas a que nossa razão não consegue chegar,
quantos deles se apresentam continuamente aos nossos olhos? Consideremos como é em meio de
brumas e às apalpadelas que somos levados ao conhecimento da maioria das coisas que temos em mãos:
sem dúvida, descobriremos que é mais o hábito do que a ciência que nos retira a estranheza delas, e que
essas coisas, se nos fossem apresentadas pela primeira vez, as acharíamos tão ou mais inacreditáveis
que quaisquer outras, (...) Seria loucura fiar-vos em vós mesmos se não sabeis vos governar.
Como paradigma do espaço ambíguo entre loucura e razão no Renascimento, um dos Ensaios de Montaigne
(2010), pondera precisamente que É loucura atribuir o verdadeiro e o falso à nossa competência. Foucault
(1979, p. 35) destaca no ensaísta essa dinâmica de trânsito e bifurcação entre loucura e razão no ponto em
que o exercício e a apreensão da razão fazem perder a razão. Esta é a clareza que cega e o labor do saber leva
à estupidez
A unidade trágica da própria ao Renascimento e ao desatino, aquela que une o destino à providência,
e à predileção divina, é desfeita pela separação decisiva entre razão e desrazão como extensão da luta
ética do bem contra o mal que na cultura renascentista estavam subordinados às formas transcendentais
aludidas acima. Consequentemente, loucura e razão clássicas nascem do espaço ético da decisão e
da vontade.
“Pode-se dizer, de modo aproximado, que até à Renascença o mundo ético, além da divisão entre o
Bem e o Mal, assegurava seu equilíbrio numa unidade trágica que era a do destino ou da previdência e
predileção divina. Esta unidade vai agora desaparecer, dissociada pela divisão decisiva entre a razão e
o destino. Começa uma crise do mundo ético, que duplica a grande luta entre o Bem e o Mal com o
conflito irreconciliável entre a razão e o desatino, multiplicando assim as figuras do dilaceramento:
Sade e Nietzsche, pelo menos, são testemunhos disso (1979, p. 106)”
Por um lado rompe a unidade trágica na qual razão e desrazão se encontram na intimidade indissociável de
trânsito constante. Por outro, reúne sob uma unidade forjada um conjunto indeterminável de figuras que dá
corpo à desrazão clássica, objeto do Grande internamento.
massa um tanto indistinta que visa o édito de 1656: população sem recursos, sem ligações sociais,
classe que se viu abandonada ou em disponibilidade durante um certo tempo pelo novo
desenvolvimento econômico. Menos de quinze dias após ter sido assinado, o édito é lido e proclamado
nas ruas. Parágrafo 9:
Fazemos expressa proibição a todas as pessoas de todos os sexos, lugares e idades, de toda qualidade
de nascimento e seja qual for sua condição, válidos ou inválidos, doentes ou convalescentes, curáveis
ou incuráveis, de mendigar na cidade e nos subúrbios de Paris, ou em suas igrejas e em suas portas, à
portas das casas ou nas ruas, nem em nenhum lugar público, nem em segredo, de dia ou de noite... sob
pena de chicoteamento para os transgressores na primeira vez, e pela segunda vez as galeras para
homens e meninos e banimento para as mulheres e meninas.
“Suas práticas e suas regras constituíram um domínio de experiência que teve sua unidade, sua
coerência e sua função. Ele aproximou, num campo unitário, personagens e valores entre os quais as
culturas anteriores não tinham percebido nenhuma semelhança” p. 94
é o saber proibido, prediz ao mesmo tempo o reino de Satã e o fim do mundo; a última felicidade e
o castigo supremo, o todo-poder sobre a terra e a queda infernal. A Nau dos Loucos atravessa uma
paisagem de delícias onde tudo se oferece ao desejo, uma espécie de Paraíso renovado, uma vez que
nela o homem não mais conhece nem o sofrimento nem a necessidade.
O escritor francês toma a crítica que Artaud (apud FOUCAULT, 1979, p. 30) faz do Renascimento quando
pondera que “a Renascença do século XVI rompeu com uma realidade que tinha suas leis, sobre-humanas
talvez, mas naturais; e o Humanismo da Renascença não foi um engrandecimento, mas uma diminuição do
homem?”.
Mas o que se passa com o pensamento e sua relação com a loucura durante o século XVI?
Foucault (1979) aponta duas mudanças fundamentais. Primeiro, a loucura paulatinamente se torna uma
forma relativa à razão. Consequentemente, observamos o estabelecimento de uma dialética de
reversibilidade entre ambas que, entretanto, passa a privilegiar de uma forma ou de outra a razão, que julga
e domina toda loucura, revelando sua verdade irrisória ao passo em que as duas servem de referência e
fundamento recíproco uma à outra. O exemplo paradigmático desta virada pode ser encontrado n‘O Elogio
da loucura de Erasmo de Roterdã (1988). Publicado originalmente em 1511, este texto destaca as duas faces
de cada coisa simultânea e inversamente determinada como a beleza que recobre a feiura, como riqueza
da indigência, como infâmia da glória, como saber na ignorância ou ainda como a morte que e mostra na face
exterior e a vida no interior, sempre patente de inversão.
Ambiguidade sentida na reflexão de Calvino (apud FOUCAULT, 1979, p. 30) que pondera que “se
começarmos a elevar nossos pensamentos a Deus... aquilo que nos
causava prazer sob o título de sabedoria se revelará apenas loucura, e aquilo que tinha um belo rosto de
virtude revelará ser apenas debilidade”.
Se tudo está mergulhado na mais imediata contradição, o homem adere a sua própria loucura que é
tão somente uma loucura comparada à verdade das essências e de Deus, por isso, ele é culpado de ser louco.
[como em Deleuze (1976), anthropoi ethos, daimen, a razão é loucura]],
Frente à ambiguidade e à reversibilidade, se fecha o grande círculo indefinido que liga a razão à loucura
Agora o grande círculo fechou-se. Em relação à Sabedoria, a razão do homem não passava de
loucura; em relação à estreita sabedoria dos homens, a Razão de Deus é considerada no movimento
essencial da Loucura. Em grande escala, tudo não passa de Loucura; em pequena escala, o próprio
Todo é Loucura. (...) Num certo sentido, a loucura não é nada: a loucura dos homens não é nada diante
da razão suprema que é a única a deter o ser; e o abismo da loucura fundamental nada é, pois esta só é
o que é em virtude da frágil razão dos homens. (...) Ela é considerada no ciclo indefinido que a liga
à razão; elas se afirmam e se negam uma à outra. A loucura não tem mais uma existência absoluta na
noite do mundo: existe apenas relativamente à razão, que as perde uma pela a outra enquanto as
salva uma com a outra (FOUCAULT, 1979, p. 32-3).
Em decorrência disso, vemos a loucura ser engolfada pelo campo da razão e se tornar uma de suas
formas sendo a ela integrada como uma espécie de força secreta, de momento ou de movimento necessário
em direção à consciência de si mesma, em direção à razão. De todo modo, a loucura apenas alcança um
sentido e um valor próprios contida no campo da razão, como uma paradoxal necessidade, como uma
manifestação parcial dessa ou como uma de suas figuras.
Ao passo em que a razão se desenlaça como círculo contínuo que tudo abarca, a loucura não é mais
que uma fase difícil e contudo, essencial a seu desenrolar. Pois é através da loucura – mesmo mediante seus
aparentes trunfos, à despeito dos quais ela se vê desarmada e deslocada – que se manifesta e triunfa a razão.
Caso contrário, na não aceitação do círculo contínuo da sabedoria e da loucura, em sua simultânea
reciprocidade e impossibilidade de partilha, o desarrazoado se vê eternamente privado do uso razoável da
razão.
Deste modo, “sub-repticiamente, pela própria acolhida que ela lhe faz, a razão assume a loucura,
delimita-a, toma consciência dela e pode situá-la” (FOUCAULT, 1979, p. 34). Uma vez investida pela
razão, a desrazão é nela acolhida e assentada como uma vivacidade mortífera, uma clareza que cega, como
ciência que faz perder a razão e leva à estupidez na contradição intrínseca à própria racionalidade conforme
os exemplos que Foucault (1979, p. 35) colhe dos Ensaios de Montaigne (2010). Esta cegueira é a própria
desrazão manifestada na incapacidade de reconhecer a miséria e a fraqueza que a mantém aprisionada longe
da verdade e do bem.
Na época que vai de Erasmo até Montaigne, Shakespeare e Cervantes e o final do século XVI, a
loucura começa a ser cerceada por uma consciência crítica que avança sobre ela sob essas duas formas:
tornando-a uma forma relativa à razão, sem consistência própria no silenciamento de sua linguagem
disruptiva ao passo em que faz da desrazão uma parte, uma figura, uma força, uma necessidade, um
momento ou um movimento da razão de todo modo por esta contida. Cerceada pela razão desde a última
fase do Renascimento, a loucura clássica assume a forma da presunção e da entrega às complacências do
imaginário em Cervantes. Como uma espécie de ensimesmamento, surge então uma ideia forte e duradoura
– que perdura até o século XVIII – segundo a qual se enlouquece pela identificação romanesca com a
literatura, instrumento de transmissão das quimeras, que encarnam valores de outras épocas, outra arte e
outra moral que não as aceitas e cultivadas no seio da cultura clássica ocidental.
Concomitantemente, a desrazão assume a forma da paixão desesperada nas peças de Shakespeare (p.
38), onde ela aparece próxima à morte. Em ambos os literatos, a loucura não tem recurso nem volta, ela é
uma via única, de uma mão só, rumo ao dilaceramento e à morte. Como caminho sem volta, irreversível e
incontornável, a loucura desenha ainda uma experiência qualitativa, que contudo começa a ser borrada em
prol de uma figura unificada da ordem racionalizada.
VER: PASCAL [[A imagem deste leviatã da razão deve necessariamente englobar a desrazão, mesmo sob
o preço de disseminar e semear um pouco de loucura sobre a terreno da razão e tornar cada um de nós, pelo
menos em parte loucos]].
Talvez seja esse o segredo de sua múltipla presença na literatura do fim do século XVI e no começo do
XVII, uma arte que, em seu esforço por dominar esta razão que se procura, reconhece a presença da
loucura, de sua loucura, cerca-a e avança sobre ela para, finalmente, triunfar. Jogos de uma era barroca
(p. 36).
ela autoriza a manifestação da verdade e o retorno apaziguado da razão. É que ela não mais é
considerada em sua realidade trágica, no dilaceramento absoluto que a abre para um outro mundo, mas
sim, apenas, na ironia de suas ilusões. Ela não é um castigo real, mas a imagem do castigo: portanto,
uma aparência falsa. Só pode ser relacionada com a aparência de um crime ou com a ilusão de uma
morte. (...) A loucura é despojada de sua seriedade dramática: ela só é castigo ou desespero na dimensão
do erro. Sua função dramática só subsiste na medida em que se trata de um falso drama: é uma forma
quimérica, onde só se lida com faltas supostas, assassinatos ilusórios, desaparecimentos destinados
aos reencontros. (p. 40).
Se apaga a sombra do dilaceramento e da contranatureza trágica
A loucura se torna o quiproquó, o começo e o fim das tramas que se resolvem quando se elucida o erro e a
ilusão das loucuras e se faz revolver o destino trágico destinando-o à felicidade reencontrada na ordem da
natureza divina das coisas.
O elogio da loucura não é mais que uma etapa de passagem para essa nova ordem: o elogio da razão. No
lugar em que já não há mais a Nau dos Insensatos, surge o Hospital Geral e neste não há experiência de
deriva, uma vez que o internamento é a (con)sequência lógica e necessária do embarque.
Na distância segura da consciência crítica, as figuras de Bosch não inquietam mais os homens, que vêem nelas
somente o erro e a ilusão de um mundo profano e errático. Não há mais o mal absoluto e sem termo que
ameaça das múltiplas figuras desatinadas, mas a preocupação em garantir e assegurar o bem na unidade da
razão.
Esse mundo do começo do século XVII é estranhamente hospitaleiro para com a loucura. Ela ali está
presente, no coração das coisas e dos homens, signo irônico que embaralha as referências do
verdadeiro e do quimérico, mal guardando a lembrança das grandes ameaças trágicas — vida mais
perturbada que inquietante, agitação irrisória na sociedade, mobilidade da razão (1979, p. 44).
Como movimento da razão, a loucura desarrazoada é hospedada de com tranquilidade e bom grado no
seio da razão. Conforme apontamos em A voz do silêncio (PRADO, 2013), o Hospital Geral surge
concomitantemente ao elogio racionalista clássico que rege, por um lado, a lógica do grande internamento
e as regras do bem pensar apontados pela filosofia de Descartes (1979) por outro. De fato, como sinaliza
Yazbek (2013, p. 127), há em História da loucura uma oposição entre o racionalismo cartesiano que toma
a razão como exercício de um sujeito soberano que almeja à verdade das ideias claras e distintas, depuradas
de toda obscuridade, contradição e confusão entretanto cabíveis ao juízo na perspectiva de Montaigne (2010).
Não nos lembramos de como sentimos a presença da contradição em nosso próprio juízo? (...) Se o
homem pode sempre ser louco, o pensamento, como exercício de soberania de um sujeito que se
atribui o dever de perceber o verdadeiro, não pode ser insensato (p. 47) Entre Montaigne e Descartes
algo se passou: algo que diz respeito ao advento de uma ratio (...)movimento com o qual o Desatino
mergulhou em nosso solo a fim de nele se perder, sem dúvida, mas também de nele lançar raízes (p.
48).
o grande internamento é um gesto não isolava estranhos desconhecidos, durante muito tempo evitados pelo
hábito”
Os desatinados e sua loucura são frequentados na íntima proximidade
O gesto de internamento foi, em si, um gesto criador de alienação. Segundo Foucault, “ele não isolava
estranhos desconhecidos, durante muito tempo evitados pelo hábito” (1979, p.81), de modo a aplicar
uma série de ações repressivas sobre aqueles indivíduos já interditados, já marcados previamente pela
percepção social e cultural do desvio. Pelo contrário, o gesto do internamento “criava-os, alterando
rostos familiares da paisagem social a fim de fazer deles figuras bizarras que ninguém reconhecia
mais” (idem, 1979, p.82).
gesto concreto e simbólico do internamento não era só um gesto de negação – ainda que essa o definisse
fundamentalmente na medida em que era interdição, banimento e clausura -, era um gesto que
produzia. Segundo Foucault: “Suscitava o Estrangeiro ali mesmo onde ninguém o pressentira.
Rompia a trama, desfazia familiaridades (...). Resumindo, pode-se dizer que esse gesto foi criador de
alienação” (idem, p.81). Ora, “Nesse sentido, refazer a história desse processo de banimento é fazer a
arqueologia de uma alienação” (1979, p. ??).
ainda assim era um espaço indeterminado À medida em que suscitava o estrangeiro
tal como coloca Macherey (??), a norma produz vida e comportamentos, ela se interpenetra no bojo dos
processos de criação e instauração de realidade, engendra formas de visibilidade e discursividade também.
Tem em comum uma parte que diz sobre o engendramento de realidade na superfície objetiva. Tanto é que
posteriormente, o internamento gera a alienação com o período dos proto-psiquiatras alienistas, um regime de
passagem muito importante, uma revolução c(l)ínica.
A razão crítica silencia a loucura que, como “experiência trágica”, teima em se enraizar em discursos
resistentes à domesticação e ao interdito, insiste em ressurgir na linguagem
transgressora [palavra q não tem em HL influência do pensamento de Blanchot, como complemento
necessário à noção de limite do pensamento trágico:
Como e onde a desrazão subsiste subterraneamente
obscuramente, essa experiência trágica subsiste nas noites do pensamento e dos sonhos, e aquilo que
se teve no século XVI foi não uma destruição radical mas apenas uma ocultação. A experiência trágica
e cósmica da loucura viu-se mascarada pelos privilégios exclusivos de uma consciência crítica. É por
isso que a experiência clássica, e através dela a experiência moderna da loucura, não pode ser
considerada como uma figura total, que finalmente chegaria, por esse caminho, à sua verdade positiva;
é uma figura fragmentária que, de modo abusivo, se apresenta como exaustiva; é um conjunto
desequilibrado por tudo aquilo de que carece, isto é, por tudo aquilo que o oculta. Sob a consciência
crítica da loucura e suas formas filosóficas ou científicas, morais ou médicas, uma abafada consciência
trágica não deixou de ficar em vigília (1979, p. 28-9).
Realidade originária, essência primitiva, a desrazão, não como uma forma de negação clássica da
loucura, mas como resistência ameaçadora, foi portanto calada, sufocada, embora ainda subsista.
Foucault faz uma história da “percepção” e do “conhecimento” e não uma história da “experiência”
da loucura, ou da desrazão, limitando-se a afirmar que ela continuou se expressando em personagens
como Goya, Nietzsche, Van Gogh, Nerval, Hölderlin, Artaud etc. O que lhe interessa é realizar uma
história negativa da loucura, isto é, uma história crítica, normativa, judicativa a partir de um valor
considerado positivo (MACHADO, 2007, p. 85)
que é o ponto de vista da experiência trágica da loucura, sem dúvida atravessada pela razão contra a qual ela
luta, mas não se deixa calar nem dominar por ela.
Desrazão X loucura
Ver Pelbart (1989, p. 62-3) e Gros
Segundo explica Gros (2000, p.46), a partir da divisão entre desrazão social e loucura médica, seria
possível estabelecer três níveis de sentido no uso, por Foucault, do termo desrazão [sinrazón], a saber:
1) “Desrazão trágica”: em oposição à loucura, remete a uma experiência primária e imemorial
(situada na raiz mesma da divisão entre razão e loucura) e que encontra quase sempre sua superfície
de aparição na imaginação;
2) “Desrazão clássica”: como termo da alternativa razão/desrazão, designa a experiência
propriamente clássica da loucura, ou seja, a desrazão como manifestação positiva de uma
negatividade da razão, privação ou ausência de razão. Trata-se, nesse nível, dessa “experiência
central e fundamental da Idade Clássica”, segundo a qual a loucura aparece como “paradoxal
manifestação de não ser, ‘negatividade vazia da razão’” (Gros, 2000, p.45);
3) “Desrazão moral”: este termo designa a vertente prática da experiência clássica. Trata-se de algo
próximo àquilo que Machado (2007, p.62) identificou como sendo “percepção”, isto é, a experiência
da desrazão a nível da sensibilidade social, espaço de exclusão traçado pela divisão ética que reúne
todos os desregramentos do espírito e dos costumes. Trata-se da categoria que orientará o
internamento classicista, o desatino. Essa percepção ou sensibilidade (loucura do insensato
internado), se opõem, por sua vez, à loucura como objeto de enunciados (loucura médica e filosófica
dos enunciados teóricos)
a partir dessa última distinção – ou seja, da partição, a partir da Idade Clássica, entre a desrazão (como
objeto de uma percepção social ou ainda uma experiência mais originária) e a loucura (como objeto
de uma analítica médica) – que Foucault poderá mostrar como o período classicista é marcado por
essas duas experiências paralelas: moral (desrazão, desatino) e médica (loucura); e como, por fim, é
o seu encontro no espaço do asilo que determina as condições de possibilidade de uma experiência
moderna da loucura como doença mental. A grande questão é que somente a partir do registro
moral repressivo do internamento (não médico) – que encadeou práticas vinculadas à sensibilidade
social e à percepção dos loucos – que a loucura pode se tornar objeto de conhecimento (médico). É
sobre o silêncio e o aprisionamento moral do desatinado que se assenta o conhecimento sobre o louco.
É desse silêncio e dessa alienação que Foucault propõe fazer a arqueologia.
Esta linguagem da loucura é a voz do silêncio, cujo silenciamento é efeito da emergência e do domínio da
linguagem representativa – propriamente clássica (FOUCAULT, 2000) – que acaba solapando a linguagem
própria da loucura, ou a própria loucura entendida como uma experiência de linguagem. Não há mais o espaço
cinza da troca e da partilha, apenas um discurso preto no branco, o monólogo da razão sobre a loucura.
Espaço inexistente também com a internação dos asilos, nos muros do internamento, que são práticas de
exclusão que operam ao nível mais baixo da história, e formam uma “arqueologia da alienação” (1979), levada
a cabo pelo banimento e redução ao silêncio. E que tem como ponto de partida o decreto do internamento.
O silenciamento da linguagem própria à loucura tem como ponto de partida o decreto do internamento.
“Se esse decreto tem um sentido, através do qual o homem moderno designou no louco sua própria
verdade alienada, é na medida em que se constituiu, bem antes de o homem apoderar-se dele e
simbolizá-lo, esse campo da alienação onde o louco se vê banido, entre tantas outras figuras que para
nós [olhando hoje] não mais têm parentesco com ele. Esse campo foi realmente circunscrito pelo
espaço do internamento; e a maneira como foi formado deve indicar-nos como se constituiu a
experiência da loucura” (1979, p.82??).
Roberto Machado (2005, p. 91??) nos tira da confusão e nos devolve à trilha inicial. Ele lembra que na
História da Loucura o termo desrazão é utilizado em pelo menos duas acepções diferentes: uma coisa
é a desrazão clássica, diz ele, "que é um produto do Grande Enclausuramento, e portanto um objeto
construído", outra coisa é a "desrazão positiva que vai servir de princípio de julgamento da
psiquiatria e da racionalidade clássica que lhe preexiste e é por ela reprimida".
Essa profundidade que preexiste à loucura-objeto é que serve de crivo para as práticas
A desrazão, antes inumana e onipresente, agora não passa de uma galeria de tipos desviantes,
identificáveis e condenados. Se também antes a desrazão se encarnava em figuras, por exemplo os
expatriados na Nau dos Insensatos, não era enquanto tipos sociais concretos, mas símbolos do mal sob
sua forma universal. O que antes perambulava por todos os cantos do mundo numa estranha e
ameaçadora familiaridade inumana — a désrazão — agora é confinado a um universo social restrito
— os desarrazoados, de onde emergirá aos poucos a nova face da loucura (PELBART, 1989, p. 59).
Loucura como animalidade contranatural
De fato, para aquele que o observar bem, torna-se claro que o animal pertence antes à contranatureza,
a uma negatividade que ameaça a ordem e põe em perigo, por seu furor, a sabedoria positiva da
natureza. A obra de Lautréamont é um testemunho disso. O fato de o homem ocidental ter vivido
durante dois mil anos sobre sua definição de animal racional — por que razão esse fato deveria
significar necessariamente que ele reconheceu a possibilidade de uma ordem comum à razão e à
animalidade? Por que teria ele de ter designado nessa definição a maneira pela qual se insere na
positividade natural? (...) Na era clássica, se é verdade que a análise científica e médica da loucura,
como veremos mais adiante, procura inscrever-se nesse mecanismo natural, as práticas reais que
dizem respeito aos insanos são testemunhos suficientes de que a loucura era ainda considerada na
violência contranatural da animalidade (FOUCAULT, 1979, p. 154-5).
Há uma tensão que se estabelece, entre a prática do internamento – que só pode ser inscrita sob o signo de
uma animalidade contranatural que assola, invade e viola a natureza individual do homem, definida de acordo
com a ordem divina infalível – e o discurso que define a loucura como uma fato natural, inscrito na ordem
desta mesma ordem natural divina.
Esta partilha sem recursos faz da era clássica uma era de entendimento para a existência da loucura.
Não há possibilidade alguma de qualquer diálogo, de qualquer confronto entre uma prática que
domina a contranatureza e a reduz ao silêncio e um conhecimento que tenta decifrar as verdades da
natureza (...) Inteiramente excluída, de um lado, inteiramente objetivada, de outro, a loucura nunca se
manifesta em si mesma e numa linguagem que lhe seria própria. Não é a contradição que permanece
viva nela, mas é ela que vive dividida entre os termos da contradição. Enquanto o mundo ocidental
esteve voltado para a idade da razão, a loucura permaneceu submissa à divisão do entendimento
(FOUCAULT, 1979, p. 173).
A loucura reside enfraquecida pelos termos da oposição, dividida ela é enfraquecida para ser enfim dominada.
Foucault (1979, p.22), o louco da Renascença se vê atado à essa necessidade que vem dos elementos
e das forças do mundo, não à necessidade do homem, uma vez que
quando o homem desdobra o arbitrário de sua loucura, encontra a sombria necessidade do mundo;
o animal que assombra seus pesadelos e suas noites de privação é sua própria natureza, aquela que
porá a nu a implacável verdade do Inferno. As vãs imagens da parvoíce cega são o grande saber do
mundo; e já, nessa desordem, nesse universo enlouquecido, perfila-se aquilo que será a crueldade do
fim.
Em um fragmento póstumo do outono de 1987, Nietzsche (2006, p. 345) critica a assunção da moral como
avaliação suprema, ponderando que
ou bem nosso mundo é a obra e a expressão (o modus) de Deus: então tem que ser sumamente perfeito
(...) então o mal, a desgraça só pode ser aparente (os conceitos bem e mal mais radicais em Spinoza)
ou o tem que derivar-se do fim supremo de Deus (...) Ou bem nosso mundo é imperfeito, o mal e a
culpa são reais, são determinados, são absolutamente inerentes a sua essência; então o mundo não pode
ser verdadeiro: então o conhecimento é precisamente o caminho para negá-lo, então é um extravio que
tem que ser reconhecido como extravio. (...) Pascal, ainda mais desesperado: compreendeu que também
o conhecimento tinha que ser corrupto, falsificado – que é necessária a revelação para poder sequer
compreender o mundo como digno de negação...
Por um lado, vemos a resolução do enigma e da questão relativa ao mal, enquanto dimensão estruturante que
abarca a desrazão, no escopo do ordenamento da era clássica. Ao nível da percepção e da distribuição social
da desrazão, ela é pareada ao mal enquanto instância que remete ao reino, tão derrisório quanto perigoso e
profano, das aparências, das paixões e do engano que advém através do que se sente. Ao passo que no âmbito
condizente ao conhecimento dado na captura discursiva da desrazão pela racionalidade que se estabelece
pelo menos deste Erasmo (1987), a loucura desarrazoada não deixa de ser um desdobramento da ordem divina.
Em síntese, enquanto elemento existente no mundo ordenado de Deus, ela não escapa a tal
determinação. Entre um e outro, podemos apreciar o ressoar longínquo, o rumor e o ruído confuso e profundo
da experiência trágica da desrazão que pulsa sob a espessa camada de silêncio entreposta entre ela e a
superfície da experiência cotidiana clássica ordinária na manifestação da loucura trágica nas personagens de
Shakespeare.
Por outro lado, porém, o alemão não deixa de esboçar a crítica da concepção moderna de mundo,
provinda da comparação que o submete ao parâmetros ideais de inteligibilidade realização do conhecimento.
Designado pela imperfeição que vem da insuperável defasagem entre o que há e as formas possíveis de
apreensão, sinalizadas nos postulados kantianos, o conhecimento é fonte do desespero de algum modo precoce
de Pascal, que já no século XVII o pressente como uma falsificação que corrompe a realidade.
Uma vez que Pascal (1973, p. 138) não encontra nas instâncias religiosa, metafísica ou material um
fundamento seguro capaz de assegurar a realidade e a validade do conhecimento, é que ele ressalta a loucura
dos homens “tão necessariamente loucos que seria ser louco (outro tipo de loucura) não ser louco”. Neste
caso, a outra forma da loucura corresponde à vontade de ordenar e curar o mundo de todo mal e da doença
tendo como base, buscando ou forjando uma referência central para tanto. No caso da modernidade, tal
referência é o homem. A outra forma da loucura é uma consequência que decorre, portanto, da constatação
de que não há fundamento, é uma insistência no furor de adequar o mundo às prerrogativas racionalizadas
de inteligibilidade e realização, para operar sobre ele, o monólogo da razão, assim como este se exerce
sobre a loucura (cf. FOUCAULT, 1961/1999).
O acesso e o modo de referência ao mal enquanto aparência e engano é o pathos, aquilo que se sente.
Foi absolutamente necessário e imprescindível que a loucura, com seus encantos e perigos fosse
primeiramente apreendida como desrazão pela consciência crítica; apenas isolada e distanciada da razão é
que esta pode torná-la enfim, objeto de estudo e domínio.
Antes mesmo de se instituir como categorização contextual em tal ou qual formação discursiva, a loucura é
uma instância desviante e errática de subversão do pensamento e das emoções do pathos – imaginação
desregrada, pathos degenerado –, contrarregra e transgressão das experiências limites, além de ausência de
obra. Assim, é a captura da contrarregra da loucura a raiz do diálogo interrompido entre ela e o terreno da
racionalidade, entre o louco e o homem são.
Todo esse mundo de desordem, numa ordem perfeita, pronuncia, por sua vez, o Elogio da Razão.
Nesse "Hospital", o internamento é uma seqüência do embarque.
Sob controle, a loucura mantém todas as aparências de seu império. Doravante, ela faz parte das
medidas da razão e do trabalho da verdade. Ela representa, superfície das coisas e à luz do dia, todos
os jogos da aparência, o equívoco do real e da ilusão, toda essa trama indefinida, sempre retomada,
sempre rompida, que une e separa ao mesmo tempo a verdade e o parecer. Ela oculta e manifesta, diz
a verdade e a mentira, é luz e sombra. Ela cintila: figura central e indulgente, figura já precária dessa
época barroca (1979, p. 43).
Ela se torna presença constante na literatura e no teatro da época. Shakespeare, etc.
Clássica PC: Predomínio do visível – representável – sobre o invisível. > grande superfície = quadro geral
> verdade na epiderme do mundo.
Olho contempla a diversidade das formas MO p. 98
Modernidade: Verdade se esconde abaixo da superfície dos seres e das coisas que ganham verticalidade e
profundidade.
Olho nas sombras e desvãos a verdade que lhe escapa e se esconde até descobrir que o próprio olho não é
senão negror e vazio.
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história do modo como a loucura é “percebida” em determinadas fases da cultura ocidental; ERIBON,
1990, p. 103); uma história destinada a fazer emergir a “cena primitiva” da interdição da
“vivacidade” da loucura
o silenciamento da loucura é a superfície de contato entre o louco e o poder psiquiátrico que se exerce
sobre ele.
a existência de uma “superfície de contato entre o louco e o poder que se exerce sobre ele”
(FOUCAULT, 2006, p. 71): a linguagem da Psiquiatria, um “monólogo da razão”, só pode se
configurar, pensa Foucault, às custas do silêncio da loucura. “Eu não quis fazer a história dessa
linguagem; antes, a arqueologia desse silêncio” (FOUCAULT apud ERIBON, 1990, p. 103).
Exp crítica: loucura à ignorância, ilusão, erro, conduta irregular, e qualifica o louco como “outro da
razão”. Brant, Erasmo e Montaigne, espécie de “crítica” que admite a loucura como cisão entre o
homem e o mundo, exacerbação do individual, ausência de saber. “A loucura só existe em cada
homem, porque é o homem que a constitui no apego que ele demonstra por si mesmo e através das
ilusões com que se alimenta” (FOUCAULT, 1978, p. 24).
crítica” anunciada por parte da literatura e da filosofia renascentistas, embora incipiente, dá início ao
processo de subordinação da loucura pela razão, processo que se radicaliza na era clássica e culmina
com a instituição da Psiquiatria no século XIX: não mais pura expressão de um conhecimento “trágico”,
o saber da loucura é forçado a ceder espaço às exigências do saber racional, porque a razão, aos poucos,
vai-se constituindo como a mais legítima morada da verdade e da moralidade. O poder antes atribuído
à loucura é, pouco a pouco, confiscado e encoberto pela tirania da razão. Como saber trágico que
profere a verdade, a loucura não é propriamente excluída da sociedade renascentista, mas, em face do
ideal racionalista de conquista da verdade, a “experiência trágica” é diminuída pela “experiência
crítica”. Enquanto a Renascença exibe uma certa familiaridade com a “experiência trágica” da loucura,
a Idade Clássica transforma a loucura em desrazão negativa. Interessa a Foucault observar que a
loucura, desqualificada e inabilitada, aos poucos, perde o poder de exprimir-se pela linguagem: um
limite, uma fronteira, um gesto de partilha, um interdito silenciam a loucura. “Mesmo que seja mais
sábia que toda ciência, terá de inclinar-se diante da sabedoria para quem ela é loucura” (FOUCAULT,
1978, p. 28).
Prat X disc (MACHADO, 2007): A internação condiz À percepção social (polícia, a justiça, a família e a
Igreja), e o conhecimento à medicina e à filosofia da época. razão e a moralidade como critério comum a
partir do qual instituem a loucura como desrazão.
DISC medicina classificatória, que não procede à observação dos loucos nem possui qualquer
ingerência sobre o internamento, e o direito, que se pronuncia sobre a irresponsabilidade jurídica; no
segundo PRÁT “extradiscursivo”, espaços institucionais, práticas de clausura, fatores sociais,
econômicos e políticos.
percepção social: iniciativa de Luís XIV, do “Hospital Geral”, não uma instituição médica, mas uma
instituição assistencial, “semi-jurídica” (FOUCAULT, 1978, p. 50) que, localizada no espaço defi nido
entre a polícia e a justiça, isola certos “tipos sociais” perigosos à ordem da sociedade. “Soberania quase
absoluta, jurisdição sem apelações, direito de execução contra o qual nada pode prevalecer – o Hospital
Geral é um estranho poder que o rei estabelece entre a polícia e a justiça, nos limites da lei: é a terceira
ordem da repressão” (FOUCAULT, 1978, p. 50). reclusão dos ociosos e de assistência aos pobres –
“Trata-se de recolher, alojar, alimentar aqueles que se apresentam de espontânea vontade, ou aqueles
que para lá são encaminhados pela autoridade real ou judiciária” (FOUCAULT, 2006, p. 49)
doenças venéreas, das prostitutas e dos sodomitas – , a urgência de domínio do sacrilégio dos magos,
blasfemos, feiticeiros e alquimistas, a importância da contenção da ação transgressora dos libertinos e,
finalmente, o interesse de controle dos loucos.
Significado internamento: “significado social, econômico, político e moral, deve ser entendida no
contexto das questões referentes à pobreza, à miséria e à mendicância (...) História da loucura foi
retomar um problema que era o dos marxistas: a formação de uma ciência no interior de uma sociedade
dada”. (FOUCAULT, 2006a, p. 72).
XVIII mão de obra barata e, fi nalmente, recurso ao desenvolvimento de um projeto político de correção
do comportamento, indispensável à administração do Estado. Ao contrário do que ocorre no fi nal da
Idade Média e início do Renascimento, na Idade Clássica, a loucura é um problema social que exige
medidas eficazes à garantia da ordem social. Contudo, adverte Foucault, a interdição do louco não se
justifi ca por razões exclusivamente econômicas. Sua função primeira é moral, inclusive porque o
“trabalho”, nessa época, é uma categoria fundamentalmente moral. Para a “percepção social”,
loucura é desrazão, desordem moral, delírio, linguagem sem nexo.
Apesar da nomeação de um profi ssional da medicina, a função médica, propriamente dita, não se
sobressai no “Hospital Geral”, misto de exclusão e assistência, sem “vocação médica”.11 “O século
XVIII percebe o louco, mas deduz a loucura” (FOUCAULT, 1978, p. 187).
“O nascimento do hospital”, diz Foucault (2005 MicPod conferir??, p. 99-103): “O hospital como
instrumento terapêutico é uma invenção relativamente nova, que data do final do século XVIII. A
consciência de que o hospital pode e deve ser um instrumento destinado a curar aparece claramente em
torno de 1780 [...]. O hospital que funcionava na Europa desde a Idade Média não
era, de modo algum, um meio de cura, não era concebido para curar. Houve, de fato, na história dos
cuidados no Ocidente, duas séries não superpostas; encontravam-se às vezes, mas eram
fundamentalmente distintas: as séries médica e hospitalar. O hospital como instituição importante e
mesmo essencial para a vida urbana do Ocidente, desde a Idade Média não é uma instituição médica, e
a medicina é, nesta época, uma prática não hospitalar. [...] Antes do século XVIII, o hospital era
essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de
separação e exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de
doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar presente tanto para
recolhê-lo, quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna. O personagem ideal do hospital,
até o século XVIII, não é o doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. [...] O hospital
permaneceu com estas características até o começo do século XVIII e o Hospital Geral, lugar de
internamento, onde se justapõem e se misturam doentes, loucos, devassos, prostitutas etc., é ainda, em
meados do século XVIII, uma espécie de instrumento misto de exclusão, assistência e transformação
espiritual, em que a função médica não aparece”.
nem especifica a loucura como “doença mental”. Ao contrário, o louco permanece indistinto no meio
da massa heterogênea de indivíduos perigosos e a loucura – é, no máximo, uma doença a ser classificada
e incluída no quadro das doenças mais gerais verificadas pela medicina classificatória e taxonômica,
inspirada no modelo da história natural.
Assim, Foucault (2011, p. 2) salienta que “da Nosologie de Sauvages (1761) a Nosographie de Pinel (1798),
a regra classificatória domina a teoria médica e mesmo sua prática; aparece como a lógica imanente das
formas mórbidas, o princípio de sua decifração e a regra semântica de sua definição”. Do mesmo modo,
Pinel (apud FOUCAULT, 2011, p. 103) pondera que “a doença deve ser considerada como um todo
indivisível, desde seu início até seu término, um conjunto regular de sintomas característicos e uma sucessão
de períodos”.
A partir da segunda metade do século XVIII, ocorrem duas significativas alterações que, afinal,
concorrem para a instituição da “doença mental” e da Psiquiatria no século XIX: no nível teórico, a
loucura é transformada em “alienação” e, no nível da “percepção” e das práticas, criam-se os asilos,
instituições destinadas ao abrigo exclusivo dos loucos.
XVIII DISC: sociedade afasta homem e natureza; afastado da natureza, o homem se perde de si; louco,
o homem se afasta da “sua” verdade. Perda da natureza, distanciamento de si, loucura é “alienação”.
Própria do interior, a loucura vai-se transformando em via de acesso à verdade do homem: “o homo
psychologicus é um descendente do homo mente captus”,
XVIII Novo espaço asilar X Grande Enclausuramento: se, por um lado, não convém permitir o
convívio – instituído por uma decisão arbitrária – entre os indivíduos reclusos e os loucos, por outro,
não se pode deixar de absorver a população – entendida agora como fonte de riqueza e força de
trabalho
“o internamento em casas reservadas estritamente aos loucos começa a ser praticado de modo regular.
[...] Esse é um dado quase inteiramente novo em relação ao século XVII. [...] Dir-se-ia uma nova
exclusão no interior da antiga, como se tivesse sido necessário esse novo exílio para que a loucura
enfim encontrasse sua morada e pudesse ficar em pé sozinha. A loucura encontrou uma pátria que lhe
é própria: deslocação pouco perceptível, tanto o novo internamento permanece fi el ao estilo do antigo,
mas que indica que alguma coisa de essencial está acontecendo, algo que isola a loucura e começa a
torná-la autônoma em relação ao destino com o qual ela estava confusamente misturada (FOUCAULT,
1978, p. 382-384).
espaço de reclusão é particularizado, a loucura é objetivada, individualiza-se o louco: comportamento,
hábitos, alucinações, desvarios e linguagem passam a ser observados, com maior eficácia e mais rigor.
A segregação dos loucos em espaços exclusivos não é, portanto, um gesto propriamente médico-
científico, mas providência correlata de fatores extracientíficos, expediente tributário de fatores sociais,
econômicos e políticos.
O asilo, o novo lugar destinado à reclusão, diferente do enclausuramento destinado à exclusão e à
correção, assume uma dupla função: desvelar a verdade da loucura e, ao mesmo tempo, “eliminá-la”
pela cura.
INTERNALIZAÇÃO DA LOUcURA: loucura agora não implica perda absoluta da razão; antes,
representa um conflito interno, subjetivo – colocada na continuidade do pensamento e da razão e da
nat humana. restitui, desalienar com o pouco de razão ainda presente no alienado. ... possibilidade da
cura exige ainda o descrédito da onipotência da loucura, a desqualificação do poder e do saber da
loucura e a alteração da imagem que o louco faz de si próprio.
A figura do médico é inflacionada e crucial ao Asilo. A rel med-paciente cauciona a cura. Resultado do
ANTAGONISMO racionalidade do médico X irracional alienado
Asilo = culpabilização e infantilização do louco.
O médico, “agente das sínteses morais”, subordina a cura à assunção dos “sentimentos de dependência,
humildade, culpa”: curar-se é, reconhecer o erro, a alienação. “a personagem do médico pode delimitar
a loucura, não é porque a conhece, é porque a domina […]” (FOUCAULT, 1979, p. 498). perspicácia
do olhar atento e da constante vigilância, emerge um conhecimento especial sobre a loucura, loucura é
individualizada como objeto de um saber específico a partir de práticas institucionais; a Psiquiatria do
século XIX é resultado do “Grande Enclausuramento”, sobretudo do asilo, e não a causa da interdição
do louco..... “A casa dos loucos”, diz Foucault (1984d, p. 113-128): “[...] Antes do século XVIII, a
loucura não era sistematicamente internada, e era essencialmente considerada como uma forma de erro
ou de ilusão. Ainda no começo da idade clássica, a loucura era vista como pertencendo às quimeras do
mundo; podia viver no meio delas e só seria separada no caso de tomar formas extremas ou perigosas”.
estratégias de controle e dominação que se pode verificar o nascimento do saber psiquiátrico.
“Alienado”, o louco torna-se “doente mental”.
Discurso filantropo (Deleuze, 2014) : psiquiatria origens baixas> vem da reorganização (asilo para loucos)
q de transformações teóricas.
As lendas de Pinel e Tuke transmitem valores míticos que a psiquiatria do século XIX aceitará como
evidências naturais. Mas sob os próprios mitos havia uma operação, ou antes, uma série de operações
que silenciosamente organizaram ao mesmo tempo o mundo asilar, os métodos de cura e a experiência
concreta da loucura (FOUCAULT, 1978, p. 476).
Psiquiatria dá acabamento ao processo de dominação da loucura – iniciado no Renascimento e
radicalizado na Idade Clássica – já que nega à loucura sua linguagem e sua capacidade produtiva de
criação e enunciação.
“A ciência das doenças mentais, tal como se desenvolve nos asilos, pertencerá sempre à esfera da
observação e da classificação. Não será diálogo” (FOUCAULT, 1978, p. 482).
Monólogo da razão:
Não existe linguagem comum; ou melhor, não existe mais; a
constituição da loucura em doença mental, no final do século
XVIII, atesta um diálogo interrompido, formaliza a separação
e lança ao esquecimento todas essas palavras imperfeitas,
sem sintaxe fi xa, um pouco balbuciantes, nas quais se fazia
a comunicação entre loucura e razão (FOUCAULT apud ERIBON, 1990, p. 103).
A psiquiatria e a psicanálise tentam encontrar a essência da loucura na profundidade do corpo, mas no máximo
conseguem atingir a profundidade trágica da loucura enquanto linguagem. Machado 2007, 61-2
Até a era clássica, a loucura é Outro em relação à cultura e ao bem decalcado do mundo ordenado por Deus,
ela é espetáculo de horror da antinatureza, signo da desvirtuação em relação à razão e à natureza divina, o que
acarreta duas observações. Primeiro, é preciso observar que ao tratar das vesânias, histerias, manias, ou mesmo
quando remete diretamente a doenças do espírito e da mente, ou outros correlatos da loucura, a medicina
clássica não se refere ao domínio da interioridade que constitui as perturbações psicológicas ou espirituais
que incidem sobre a natureza livre do homem e caracterizam o que para nós aparece como loucura ou doença
mental. Tal ou qual nome não corresponde necessariamente à mesma doença para a era clássica e a moderna
e a desrazão condiz a um mal que afeta conjuntamente corpo e alma na sua relação com o mundo, não
configura, portanto, uma doença mental. Consequentemente, a consolidação, a purificação, a imersão, a
regulação dos movimentos, as exortações, a atuação no “despertar” e o retorno ao imediato, procedimentos
que poderíamos entender como as formas terapêuticas da época clássica, visam restituir o desarrazoado à
verdade do mundo.
formas terapéuticas de la época clásica: consolidación, purificación, inmersión, regulación de los
movimientos, exhortaciones, el “despertar”, el retorno a lo inmediato, la actuación, que visa restiuir o
desarrazoado à verdade do mundo.
Falemos antes, com Buffon, de "forças penetrantes", que não apenas permitem a formação do
indivíduo como também o aparecimento das variedades da espécie humana: influência do clima,
diferença da alimentação e da maneira de viver. Noção negativa, noção "diferencial" que aparece no
século XVIII a fim de explicar as variações e as doenças, mais do que as adaptações e as convergências.
Como se essas "forças penetrantes" formassem o outro lado, o negativo, daquilo que se tornará, a
seguir, a noção positiva de meio (1979, p. 362).
No decorrer do século XVIII, a loucura condiz não ao ordenamento da natureza ou à invasão de uma
animalidade contranatural, como para o século anterior. Ela é uma doença da sociedade – que se relaciona
com os elementos que a cultura propõe, as artes, a leitura de romances, etc. – e concerne a um afastamento
da natureza. Neste contexto, em que Rousseau descreve o homem como bom selvagem,
a liberdade tornou-se uma natureza para o homem; aquilo que impedir legitimamente seu uso deve
necessariamente ter alterado as formas naturais que ela assume no homem. O internamento do louco,
então, não será nada além de um estado de fato, a tradução, em termos jurídicos, de uma abolição
da liberdade já conquistada em nível psicológico. (...) se a irresponsabilidade se identifica com a
ausência de liberdade, não há determinismo psicológico que não possa inocentar, isto é, não há
verdade para a psicologia que não seja ao mesmo tempo alienação para o homem. O
desaparecimento da liberdade, de consequência que era, torna-se fundamento, segredo, essência da
loucura. (FOUCAULT, 1979, p. 479).
Em 1805, Diderot (1979) publica O Sobrinho de Rameau, obra na qual Foucault (1979) encontra uma
sátira da duplicação e da separação paradigmática entre loucura e desrazão. Neste personagem, a loucura e
o desrazão aparecem ainda juntos no diálogo entre o eu e o outro, construindo os duplos entre algo humano
e o que está fora dele. Trata-se dos últimos suspiros de uma experiência qualitativa da loucura que habita o
grande medo.
Pega a categoria do delírio para fazer a diferenciação, e depois esse duplo passa pelo nervoso pictórico,
imaginativo, diferente do nervoso que temos hoje.
Final e meados sec XVIII O Sobrinho de Rameau: Diálogo entre ele e eu, construindo os duplos entre algo
humano e o que está fora dela. Uma sátira dessa duplicação.
Pega esta obra para tomar o fora no contato com a loucura desde Diderot a nietzsche a Freud.
P342: por que o desatino faz um retorno á profundidade do século XVI. Um perfil de bufonaria, do bufão em
seu poder de irrisão, de zombaria do rei para alçar ás formas modernas do desatino. Nerval, Nietzsche e
Artaud. Num relâmpago perfaz a grande linha interrompida entre a nau dos loucos até as ultimas palavras de
nietzsche e ás vociferações de artaud.
Isso leva ao grande medo no séc XVIII.
O Sobrinho de Rameau separa a loucura do desatino definitivamente.
Como se equilibra o desatino dentro da razão, o desatino vai ficar guardada. “ele não é um louco, é o MEU
louco”.
A questão é como a loucura se separa do desatino, como ela ganha vida própria.
O sobrinho do Rameau marca esta separação. A emergência deste personagem é uma representação do
imaginário social que dura um relâmpago mas é algo importante, marca algo importante (que é o
acontecimento para Foucault). Nele, a loucura e o desatino ainda estão juntos.
Depois a loucura vai ser algo à parte ao desatino.
A loucura passa ser algo produzido pelo meio, através das forças penetrantes que mudam o sujeito. Forças
negativas que têm sua positividade no meio.
Loucura como um problema da liberdade do homem. Enlouquece-se porque se afasta da sua natureza, a
ciência e a sensibilidade (artes) o afastam do sensível.
O delírio é a necessidade de um eterno vazio, o desatino se torna loucura na ilusão.
O desatino fica latente para aparecer a loucura, que ele vai contar a história.
Por que não é possível ficar no desatino?
Qual é o poder que petrifica os que encararam de frente e que condena á loucura àqueles que enfrentaram de
frente o desatino?
A literatura é aquilo que resgata o desatino clássico, em contraposição à tradição psiquiátrica, que é o
mundo propositivo, formado na propositividade. (fundado na proposição, lembrar Bartleby, que não é um
homem de suposições, mas de preferências, de vontade de poder.)
A figura do bufão do desatinado é a representação da exp da loucura como crítica da crítica, da mesma
forma que o bobo da corte na experiência renascentista. O bobo é associado a nietzsche a artaud ressalta a
positividade do desatino, enquanto crítica da crítica. (pensar na Célia falando da Suzane Richtophem – um
sopro da poesia do real) – louc crítica]].
Uma vez desatinado, desatinado para sempre, não havia projeto restaurador para nenhum dos personagens
da desrazão… aquilo era um imperativo da soberania, sou eu, bem ou mal, é o único, não há transformação
(diferentemente do q está em prefacio à transgressão q a questão é como diferir)…. Diferente também da
possibilidade de conversão do louco aos bons usos da liberdade…
O que está em jogo é um uso da liberdade, que não corresponde ao poder soberano.
O discurso médico é uma forma nova de governo da autoridade. Existia uma autoridade interior na idade
clássica, que queria simplesmente excluir, que não tinha projeto de restauração ou conversão que se identifica
com o projeto terapêutico que visa desalienar o alienado que é o objetivo da psiquiatria, dar a medida do bom
uso da liberdade.
Em relação à primeira "naturalização", da qual a medicina do século XVI é testemunha, esta segunda
naturalização apresenta novas exigências. Não se trata mais de uma quase-natureza, ainda toda
penetrada pelo irreal, por fantasmas, pelo imaginário, uma natureza de ilusão e engano, mas de uma
natureza que é a plenitude total estancada da razão. Uma natureza que é a totalidade da razão
presente em cada um de seus elementos. Tal é o novo espaço onde a loucura, como doença, deve agora
inserir-se (FOUCAULT, 1979, p. 191-2).
Três eixos que organizam o tratamento moral: Silêncio, reconhecimento especular e o julgamento perpetuo.
Desbobrados nas p. 490-3
A ordem de pura clausura física do internamento clássico dura e se arrasta até o médico assumir o asilo, desde
então é que se dão as condições para a instauração da doença mental, que são....?
“Ao silêncio, ao reconhecimento pelo espelho, a esse eterno julgamento, seria preciso acrescentar uma quarta
estrutura própria do mundo asilar, tal como ele se constitui ao final do século XVIII: é a apoteose da
personagem do médico” (p. 496).
Desalistas: outros psiquiatras, além de freud
Freud X lógica asilar alienista clássica
Freud desmistificou todas as outras estruturas do asilo: aboliu o silêncio e o olhar, apagou o
reconhecimento da loucura por ela mesma no espelho de seu próprio espetáculo, fez com que se
calassem as instâncias da condenação. Mas em compensação explorou a estrutura que envolve a
personagem do médico; ampliou suas virtudes de taumaturgo, preparando para sua onipotência um
estatuto quase divino. Trouxe para ele, sobre essa presença única, oculta atrás do doente e acima
dele, numa ausência que é também presença total, todos os poderes que estavam divididos na existência
coletiva do asilo. Fez dele o Olhar absoluto, o Silêncio puro e sempre contido, o Juiz que pune e
recompensa no juízo que não condescende nem mesmo com a linguagem; fez dele o espelho no qual a
loucura, num movimento quase imóvel, se enamora e se afasta de si mesma (p. 502).
Foucault usa o termo “neutralidade” apontando para o dispositivo psicanalítico, enqt herdeiro deste sistema.
O sujeito ser consciente pela sua doença é ser responsável por ela, condição sem a qual o tratamento não é
possível… por isso a psiquiatria toda converge para Freud, quando o médico (sem guardas nem algemas)
assume de vez toda a autoridade do tratamento (no dispositivo alienista isto já estava lá sob a figura do
taumaturgo, de deus, do juiz, do pai).
A tese inicial é a interiorização da loucura em seu rebatimento de base com a questão d liberdade.
A camisa-de-força bioquímica é um processo que possibilita ao louco viver na sociedade.
Com esta camisa de força você apaga a existência da obra da loucura, acaba com a relação entre obra e loucura
Não se ve mais nenhuma virtualidade de obra…
O não-reconhecimento de obra se dava antes, mas agora se abole a possibilidade de obra, visa calar a
loucura, “recalcar” não somente os sintomas, mas as potencias criativas…. Toda vez que a psicanálise tenta
fazer uam teoria sobre o psiquismo (tipo 3 ensaios), foucualt critica Freud porque ele está reduzindo, dando
essência (quando ele faz uam teoria sobre a loucura) À loiucura, agora quando Freud localiza a loucura na
linguagem, ele é trágico. Freud oscila entre estas duas colocações de Freud. Ora ele é um, ora outro.
Ambiguidade em relação a Freud:
O asilo e a Psiquiatria – e também a Psicanálise – se afastam da “experiência trágica”, mas não eliminam a
loucura: nas margens, quando o “trágico”
é entendido como forma de pensar e dizer – e não no campo da Psiquiatria ou
da Psicanálise16 – a loucura quebra o silêncio, recupera a palavra e deixa de ser
“ausência da obra”: só como “experiência trágica” a loucura volta a ser “obra” e
pode-se pronunciar sobre o mundo.
No final do século XVIII para o XIX: há a criação de um espaço para os crimonosos e delinquentes, a prisão
e outro para os loucos o asilo psiquiátrico.
Aí entra a ideia de alienação (tematizada por Hegel), não é que o sujeito não tenha razão, mas ele tem sua
razão alienada. Tem um aspecto de reversibilidade.
Este aspecto, no entanto é deixado de lado, quando o manicómio deixa de ser terapêutico, aí ele retoma seu
sentido de um deposito de loucos, tal qual no classicismo.
O modelo clássico é o da demência, uma vez perdida a razão não se recupera mais, está em Kant.
Enquanto para Hegel, a razão está no cerne da formação do espírito subjetivo em oposição ao espírito
objetivo. Hegel23 enxerga nas práticas do asilo psiquiátrico, no tratamento moral, como uma forma de serem
desalienados.
O primeiro pressuposto do tratamento moral é a internação, tirar o doente do âmbito da família e inscrevê-lo
no espaço médico.
Não por coincidência, o hospital psiquiátrico ficava na periferia, longe do coração da cidade, nesta cartografia
simbólica traz a proximidade da loucura (alienação neste tempo) à natureza, barbárie, não-civilização. Na
oposição homem-animal, o louco pode então respirar melhor o ar das florestas… o louco seria marcado pela
adesão aferrada excessivamente à seu sistema de crenças, numa teimosia atávica, e assim não dialogaria com
o outro. O louco tem certeza demais dele mesmo, ele teria que passar para a dúvida. [ aquilo que niezetsche
no crep dos idolos (2006) coloca ocmo moral de consideração e constituição fraca, o tipico sujeito moderno.
O louco tem certeza demais dele mesmo e a terapêutica indicada implica passa-lo para o terreno da
dúvida. Submetido à dúvida e ao crivo do outro e da norma social coletiva, o sujeito civilizado se constitui
em torno de uma moral de consideração. Pelo menos é assim que enxerga Nietzsche (2006, p. 54) n’O
crepúsculo dos ídolos, ao começar um aforismo planteando “se nos tornamos morais” para concluir que o
sujeito moderno do século XIX é fraco e suscetível. Neste contexto podemos observar que a importância da
atuação do médico no asilo não se deve tanto à sua intervenção como cientista como à sua posição de sábio,
que atua, intervém e dirige o asilo e seus membros sob os princípios jurídicos e morais, mais do que
científicos e terapêuticos. O médico é caracterizado como um homem de grandes virtudes e saberes (cf.
FOUCAULT, 1979, p. 548) a serem traspassados ao alienado na internação asilar.
Comparando com a experiência subjetiva do Renascimento, o filósofo alemão assevera que todo
esforço e cautela inerentes aa campo das “virtudes”, minam inevitavelmente a vitalidade do sujeito à medida
em que submete os processos de subjetivação à norma social e coletiva, privando o sujeito de trabalhar sobre
as forças que lhe constituem. Este é o efeito funesto, tal como apontado ainda por Nietzsche24 (2014) n’A gaia
ciência, de relegar a construção de si aos mestres do desinteresse – no caso, médicos e clínicos tecnocratas da
23
A interpenetração entre a filosofia da época – chamada idealista – e os trabalhos dos alienistas é alvo, em maior ou menor
profundidade, de inúmeros trabalhos, dentre os quais destacamos os de Ouyama (2005) que nos serviu de base para a reflexão
acima.
24
De fato, a moral se torna tema autônomo e um dos objetos principais da filosofia de Nietzsche (2000) desde Humano, demasiado
humano. A partir do qual se põe a explorar a psicologia dos motivos egoístas por trás de toda moral de desinteresse; a utilidade do
sentimento e da ação moral, sob aspectos tanto históricos quanto darwinistas, que leva-o a salientar as origens amorais de toda moral
além de colocar sob esta perspectiva questionando seus pressupostos e seus conceitos.
subjetividade – partidários da laboriosidade e das virtudes superiores levadas a cabo pelos mecanismos de
normalização.
No aforismo sobre os mestres do desinteresse, Nietzsche (2014) salienta que se valora positivamente
as virtudes que exercem efeitos que esperamos no meio e com relação aos outros, e não efeitos positivos ou
de interesse do sujeito em consideração. Esta é maneira que opera a moral, esperando e manipulando efeitos
voltados para interesses exteriores ao sujeito e cita as virtudes próprias ao século XIX, época em que se
estabelece o tratamento moral: cuidado, obediência, castidade, piedade, justiça às quais acrescenta a
laboriosidade – que conduzem a riqueza e honra. A ação moral advém de uma solidariedade torpe animada
por um desinteresse fundamental.
Porém, “o ‘desinteresse’ não tem valor algum nem no céu nem na terra” brada Nietzsche (1998, p.
137) mais a frente. Associando a falta de personalidade e a fraqueza à diminuição da vitalidade do sujeito é
que se torna a pessoa suscetível à submissão à norma social e à vontade alheia. Operação essencial ao campo
psiquiátrico à medida em que empreende uma cura que não é outra coisa que uma submissão de forças
constitutivas do sujeito, colocando-o sob a dependência do médico que exerce sobre ele a força de sua
autoridade encarnada em suas qualidades físicas e morais. Definitivamente, não há aí preocupação alguma
com as causas da doença ou técnica terapêutica. Pelo contrário, o paroxismo do enfrentamento de forças é
levado ainda a um segundo nível em que se desdobra no enfrentamento no campo das ideias e representações,
no embate entre o delírio do louco e o castigo que lhe impõe o sistema psiquiátrico reduzido ao campo da
intervenção moral.
“o castigo endurece e torna frio, concentra e aguça os sentimentos de aversão, aviva a força de
resistência. (...) É fora de dúvida que deve se procurar o verdadeiro efeito do castigo antes de tudo num
aumento da prudência, numa ampliação da memória, numa vontade de agir no futuro com mais
precaução, com mais desconfiança, com mais segredo para a compreensão(...), numa espécie de
melhoria do juízo que fazemos de nós mesmos. O que podemos conseguir, de modo geral, por meio
do castigo, no homem e no animal, é o aumento do medo, a agudez da prudência, o domínio dos
apetites: fazendo isso, o castigo doma o homem, mas não o torna ‘melhor’” (NIETZSCHE, 2009,
p. ??)
Melorria do juizo é reflexiva
Bem mais longe, a assimilação entre o conceito médico e o crítico de loucura… “afinal, a loucura não passa
de loucura” – prod de loucura…
Apropriação da loucura de um ponto de vista integral, capturada.
Dominação e dependência que incute instaurar um regime moral definido a um só tempo como saber e
poder, como código moral e conjunto de regras coercitivas, obrigatórias, transcendentes, alçadas a
parâmetro de julgamento da existência de loucos e sãos.
Mediante a uma tarefa de instaurar uma instância de julgamento tão ampla quão penetrante, a
terapêutica do tratamento moral é organizada em torno de elementos tão díspares como a religião, o medo,
o trabalho, o olhar dos outros; a infantilização; o julgamento perpétuo e a figura do médico. Segundo
Roberto Machado (2007, p. 72)
Quais são os procedimentos utilizados, no interior do hospício, para produzir a cura? A análise das
operações reais que, com Tuke na Inglaterra e Pinel na França, organizaram o mundo asilar, os métodos
terapêuticos e, assim, uma nova percepção da loucura aponta as seguintes estratégias: a religião,
purificada de suas formas imaginárias e reduzida a seu conteúdo essencial; o medo, que deve incutir
culpa e responsabilidade; o trabalho, que cria o hábito da regularidade, da atenção e da obrigação;
o olhar dos outros, que deve produzir autocontenção e é desmistificador; a infantilização; o
julgamento perpétuo, que faz do hospício um microcosmo judiciário e do louco um personagem em
processo; e last but not least o médico, responsável pela internação e a autoridade mais importante
no interior do asilo.
É na passividade do homem em relação a si mesmo, no silêncio, que ele impõe a sua arte e a seus
artifícios que a natureza desdobra uma atividade que é exatamente recíproca da renúncia. Pois,
observando-a de mais perto, essa passividade do homem é atividade real; quando o homem se entrega
ao medicamento, ele escapa à lei do trabalho que a própria natureza lhe impõe; mergulha no mundo do
artifício e da contranatureza, da qual sua loucura é apenas uma das manifestações (FOUCAULT, 1979,
p. ??).
Aqui ver a inoperância, segundo Agamben. Ausência de obra, desobramento.
A loucura na era clássica resulta como vimos, das ameaças da bestialidade — uma bestialidade
dominada inteiramente pela predação e pelo instinto de assassinato. Entregar a loucura à natureza
seria, por uma inversão não dominada, abandoná-la a essa raiva da contranatureza. A cura da loucura
pressupõe portanto uma volta àquilo que é imediato não em relação ao desejo, mas em relação à
imaginação — volta que afasta da vida do homem e de seus prazeres tudo o que é artificial, irreal,
imaginário. As terapêuticas pelo mergulho refletido no imediato pressupõem secretamente a mediação
de uma sabedoria que divide, na natureza, aquilo que procede da violência e o que procede da verdade.
É toda a diferença entre o Selvagem e o Trabalhador. "Os Selvagens... levam uma vida de animal
carnívoro, e não a do ser racional." A vida do Trabalhador, em troca, "é mais feliz, de fato, do que a do
homem mundano". Do lado do selvagem, o desejo imediato, sem disciplina, sem coação, sem
moralidade real; do lado do trabalhador, o prazer sem mediação, isto é, sem solicitação vã, sem
excitação nem realização imaginária FOUCAULT, 1979, p.334).
Aquilo que, na natureza e em suas virtudes imediatas, cura a loucura é o prazer — mas um prazer
que de um lado torna inútil o desejo sem mesmo ter de reprimi-lo, pois lhe oferece antecipadamente
uma plenitude de satisfação, e do outro lado torna irrisória a imaginação, pois traz espontaneamente
a presença feliz da realidade.
Os prazeres entram na ordem eterna das coisas, eles existem invariavelmente, e para formá-los são
necessárias certas condições...; estas condições não são arbitrárias, a natureza as estabeleceu; a
imaginação não pode criar, e o homem mais apaixonado pelos prazeres não poderia aumentar seus
prazeres a não ser renunciando a todos os que não trazem a marca da natureza” [TISSOT].
335
O mundo imediato do trabalhador é portanto um mundo investido de sabedoria e de comedimento,
que cura a loucura na medida em que torna inútil o desejo e os movimentos da paixão por ele
suscitados, e na medida também em que reduz, com o imaginário, todas as possibilidades do delírio. O
que Tissot entende por "prazer" é esse curador imediato, libertado ao mesmo tempo da paixão e da
linguagem, isto é, das duas grandes formas da experiência humana das quais nasce o desatino
(FOUCAULT, 1979, p.334-5).
Não mais desejo, nem recalcamento do desejo, mas uma plenitude maior que ele dada como realização de
uma necessidade. Ligado à realidade necessária e à necessidade das coisas, não há mais porque se preocupar
com a imaginação ou com as problemáticas e assombrações imaginárias da loucura trágica.
O trabalho é tido como aquilo capaz de trazer o prazer e a sabedoria, a tranquilidade e o solo firme do
comedimento, do bom governo e da justa medida na relação imediata com as coisas e com o mundo.
Consequentemente, ele serve para contrabalancear o peso que exercem as mediações, os vícios, as paixões
e a linguagem sobre o homem.
A loucura como antinatureza, contranatureza, animalidade e bestialidade é aquilo que deve ser demonstrado,
como um monstro.
“determinismo objetivo incapacidade de responder pelo bom uso da liberdade vontade, visto que um gesto
que não é determinado por nada” concepção negativa de ausência de obra
reconhecimento pelo espelho. No Retiro, o louco era olhado, e se sabia visto, mas à exceção desse olhar
direto, que em compensação não lhe permitia apreender a si mesmo a não ser obliquamente, a loucura
não exercia um domínio imediato sobre si. Com Pinel, pelo contrário, o olhar só será exercido no
interior do espaço definido pela loucura, sem superfície ou limites externos. Ela se verá a si mesma,
será vista por si mesma — simultaneamente como objeto de espetáculo e sujeito absoluto
(FOUCAULT, 1979, p. 491).
A loucura, como simples delírio, é projetada sobre os outros; como perfeita inconsciência, ela é
inteiramente assumida.
É nesse momento que o espelho, como cúmplice, torna-se desmistificador. Um outro doente de Bicêtre
também se acredita rei, expressando-se sempre "com o tom do comando e da autoridade suprema". Um
dia em que estava mais calmo, o vigilante se aproxima e lhe pergunta como, se ele era mesmo soberano,
não punha ele um fim à sua detenção e por que era confundido com os alienados de todo tipo.
Retomando seu discurso nos dias seguintes,
“aos poucos ele lhe faz ver o ridículo de suas pretensões exageradas, aponta-lhe um outro alienado
também convencido há muito tempo de que estava revestido do poder supremo e que se tornara objeto
de troça. O maníaco se sente, de início, abalado, e a seguir põe em dúvida seu título de soberano, e
finalmente reconhece a natureza de suas quimeras. Essa revolução moral tão inesperada ocorreu em
quinze dias, e, após alguns meses de provação, esse pai respeitoso foi devolvido a sua família”60
Portanto, é chegada a fase da humilhação: identificado presunçosamente com o objeto de seu delírio,
o louco se reconhece como num espelho nessa loucura cuja ridícula pretensão ele mesmo
denunciou. Sua sólida soberania de sujeito se esboroa nesse objeto que ele desmistificou ao assumi-la.
Ele é agora impiedosamente encarado por si mesmo. E no silêncio daqueles que representam a razão,
e que apenas seguraram o espelho perigoso, ele se reconhece como objetivamente louco.
(FOUCAULT, 1979, p. 492). [[[1.6
A loucura é a perfeita inconsciência de si mesma, pois sinaliza a entrada na ordem das forças do mundo,
onde não há consciência. Assim o objetivo de Pinel é sempre moral, humilhar para que o louco se reconheça
louco. Porém podemos por que este autorreconhecimento do louco enquanto louco é tão importante. O
manicômio dispõe de espelhos e de uma lógica especular tem como fim o autorreconhecimento do louco
enquanto tal, mesmo na surpresa e contra sua vontade. Deste modo,
libertada das correntes que dela faziam um puro objeto olhado, a loucura perde, de maneira paradoxal,
o essencial de sua liberdade, que é a liberdade da exaltação solitária; ela se torna responsável por aquilo
que ela sabe sobre sua verdade, aprisiona-se em seu olhar indefinidamente remetido a si mesma. É
finalmente acorrentada à humilhação de ser objeto para si própria (FOUCAULT, 1979, p. 493).
Loucura, Arrebatamento e moral
Suscintamente, aludimos ao capítulo sobre as figuras da loucura, no qual Foucault (1979) especifica
três grandes grupos da loucura na era clássica: a demência, que vive a ignorância das sensações ou um regime
insensibilidade; a melancolia e a mania, que representam a confusão das dialéticas internas às próprias
qualidades (frio-calor, secura-humidade, etc.) e histeria e hipocondria. Este terceiro grande grupo é
especialmente importante para a constituição da psiquiatria científica posto que vinculam a moralidade à
experiência da loucura. Isto significa que é através da moralidade que histeria e hipocondria se tornam
loucura – o indivíduo é responsabilizado pela sensibilidade que causa ambas – e subsequentemente, até a
doença mental é um passo. Por outro lado, entretanto, antes da transformação do século XIX, a doença mental
passa a ser culpabilizada também.
Birman 2013-07-03
O moral vem desde a vinculação da convulsão (e sua proximidade com o sexual), como algo involuntário,
imoral. A ideia é a do nervoso. A ideia de uma doença dos nervos – que pode ser do cérebro ou dos arranjos
e distribuição dos espíritos animais no corpo.
Aquele que se excede é aquele que sente demais, onde se cruza as categorias de nervoso, como excesso.
Por outro lado, irritabilidade é uma característica da vida, típica à matéria orgânica. A matéria viva tem
irritabildiade distinta da matéria inorgânica
O nervo é por onde se liga a experiência das representações à da função.
Que no século XIX vai ser pensado em torno da categoria de reflexo (o involuntário é o pano de fundo de
tudo). A impossibilidade a razão de dominar a vontade que a irritabilidade aparece. O irritado se dá pelo
não-domínio da vontade.
A demência é pareada à insensatez porque compromete a razão também, neste sentido a demência é o mais
puro contrário da razão.
A histeria e a hipocondria chega como doença dos nervos, que é uma categoria nova então.
A experiência da convulsão que os religiosos não conseguiram se apropriar passa para a tradição médica
como algo involuntário, como um efeito dos nervos.
Que no século XIX vai ser pensado em torno da categoria de reflexo (o involuntário é o pano de fundo de
tudo). A impossibilidade a razão de dominar a vontade que a irritabilidade aparece. O irritado se dá pelo não-
domínio da vontade.
1979, p. 251: a positivação da experiência da loucura, mas a loucura é negatividade. Isso se dá numa relação
do desatino com a racionalidade, relação que é discursiva.
A partir da experiência prática da loucura, que se deu pelo internamento, consciência crítica e analítica.
O “conhecimento discursivo” se dá no campo da representação, Foucault discute os procedimentos que se
dão no campo da representação, que não é ainda psiquiatria… o útero que se desloca, os nervos, como tensão,
isto tudo é dado perante a categoria de representação. Quando ele fala de qualidades, de órgãos, de nervos, de
espíritos animais.
A vontade é o limite da cognição e da moral (mundo da razão prática por excelência), que se dá pelo
perceptivo.
O inconsciente é uma derivação da ideia de involuntário.
O delírio como falsa percepção e a imaginação como ilusão é decorrente da epsiteme das rep
Foucault sugere que o discurso do alienismo, da loucura como alienação mental, conjuga a cs prática com a
analítica. Inventa um discurso analítico que pretende dar conta da cs prática, da distinção.
E o ponto de virada desta aproximação entre prática e analítica, vem de uam tradição anterior á era clássica,
mas que é bastante investida nesta era é a ideia de terapêutica, a curabilidade ou não da doença.
A cs prática opera num nível social, ela é normativa… e não se desdobra como a analítica, a conjunção é
dada pela terapêutica.
É neste sentido que em NC, tinha-se doenças (localizáveis no quadro) mas não se tinha doentes (um mero
portador da doença). Razão pela qual o médico do sec XVIII se preocupava
O problema da terapêutica é que vai revirar o sistema. É o encontro do médico com o paciente. Que vai ser a
chave para a med moderna no sex XIX também. É todo um istema da terapêutica que ganha no sec XIX um
esquema moral e que revira as relações entre prática e analítica.
Loucura e monstruosidade
Renascimento
AN 22 01 75
Foucault (2008) explora como o monstro aparece na história do ocidente: na idade Média, o homem bestial
na fronteira com o animal; no renascimento os siameses; assim como a analogia do sujeito com uma cabeça
e dois corpos ou dois corpos e uma cabeça com a cristandade dividida em duas comunidades religiosas
(episteme da semelhança – método da analogia), e que representa, através de um caso paradigmático de um
batismo de duas crianças siamesas, uma batizada e a outra morta antes, a divisão da França, do povo francês,
entre aqueles salvos pelo batismo (e a tradição católica) e os condenados à danação.
Na idade clássica, o hermafrodita ganha terreno, ele vem a servir de base para o monstro do século XVIII e
do XIX.
Segue uma analise de alguns casos de hermafroditismo.
Como o caso de 1599 da página 84.
A partir do XVII, não se é condenado por ser hermafordita, apenas se se faz uso (ilegal) do sexo anexo. A
homosexualidade é rastreada e passível de ser punida sob pena de vida.
O hermafrodita de Rouen em 1601, Marie ou Marin Lemarcis é condenado à morte não sem ser antes torturado
em frente á esposa 85
"fascínio do trágico", subsiste mesmo na obscuridade, como que "nas noites dos pensamentos e dos sonhos"
( 4, p . 3 9 1 ) , e será sempre não só pressentido como ainda, de tempos em tempos, testemunhado ( evoquemos
Goya, Sade, Nietzsche, Van Gogh
uma variedade de monstros que vão dos cefalópodes (grylles) de múltiplas cabeças
"se é verdade que a Antiguidade grega manteve com o louco uma proximidade de fato e uma distância
absoluta de direito, contrariamente à época moderna, em que a identidade é de direito e a distância é
de fato, através da reclusão asilar, o mínimo que podemos dizer, a respeito dessa inversão, é que com
ela alterou-se a geografia da loucura" (PELBART, 1989, p.41).
Clássica
Modernidade
A separação, a distinção e a especificação das quatro consciências da loucura passam a dar a verdade do olhar
sobre a loucura enclausurada.
“Depois que, com a Renascença, desapareceu a experiência trágica do insano, cada figura histórica da
loucura implica a simultaneidade dessas quatro formas de consciência — ao mesmo tempo o
conflito obscuro entre elas e sua unidade incessantemente desfeita” (1979, p. 170)
A desrazão clássica não é uma razão desarrazoada, não se inscreve na continuidade, esta última corresponde
na realidade à alienação.
Modernidade agrupa a "consciência crítica" e a "consciência prática" ( l a. e 2a. forrnas) numa forma
institucionalizada que é o internamento
a oposição entre razão e loucura, oposição reversível e por isto perigosa (1 a. forrna) e, por o outro, o gesto
prático que exige o afas tamento, a reclusão de tudo o que pode
significar a quele perigo (2a. forma) ; é a redução da loucura à SUa forma "negtiva",
ao silêncio da exclusão. as formas dramáticas da cisão", no outro, a "consciência enunciativa" e a consciência
analítica" ( 3 a. e 4a. forrnas) .
reconhecimento e conhecedora de consciência da loucura) é a busca da verdade da loucura
que se rnanifesta fenornenalment e tentando "dizer sua verdade" ( 4 , p. 188 ) ,
corno "rnodo de presença positiva no mundo" (4, p. 1 8 8 ) . "o ciclo do conhecirnento"
Consciência analítica:
Cada uma das quatro formas de consciência da loucura indica uma ou várias outras que lhe servem de
constante referência, justificativa ou pressuposto. Mas nenhuma delas pode ser absorvida
inteiramente por uma outra. Por mais íntimo que seja, o relacionamento entre elas nunca pode reduzi-
las a uma unidade que as aboliria a todas numa forma tirânica, definitiva e monótona de consciência. É
que por sua natureza, sua significação e seu fundamento, cada uma tem sua autonomia: a primeira
[consciência crítica] delimita de imediato toda uma região da linguagem onde se encontram e se
defrontam ao mesmo tempo o sentido e o não-sentido, a verdade e o erro, a sabedoria e a embriaguez,
a luz do dia e o sonho cintilante, os limites do juízo e as presunções infinitas do desejo. A segunda
[consciência prática], herdeira dos grandes horrores ancestrais, retoma, sem saber, sem querer e sem
dizer, os velhos ritos mudos que purificam e revigoram as consciências obscuras da comunidade;
envolve em si toda uma história que não diz seu nome, e apesar das justificativas que ela mesma pode
apresentar, permanece mais próxima do rigor imóvel das cerimônias que do labor incessante da
linguagem. A terceira [consciência enunciativa] não pertence à ordem do conhecimento, mas do
reconhecimento; é um espelho (como no Neveu de Rameau) ou lembrança (como em Nerval ou
Artaud) — é sempre, no fundo, uma reflexão sobre si mesma no momento em que acredita designar
ou o estranho ou aquilo que nela existe de mais estranho; o que ela põe à distância, em sua enunciação
imediata, nessa descoberta inteiramente perceptiva, era seu segredo mais profundo; e nessa existência
simples e não na da loucura, que está presente como coisa oferecida e desarmada, ela reconhece sem
o saber a familiaridade de sua dor. Na consciência analítica da loucura efetua-se o apaziguamento do
drama e encerra-se o silêncio do diálogo; não há mais nem ritual nem lirismo; os fantasmas assumem
sua verdade; os perigos da contranatureza tornam-se signos e manifestações de uma natureza; aquilo
que evocava o horror convoca agora apenas as técnicas da supressão. (FOUCAULT, 1979, p. 170)
Os monstros questionam de maneira imediata com sua existência a capacidade de ordenamento intrínseca
à vida.
Basta um pequeno desvio morfológico para que se abale a confiança e a compreensão que temos da vida com
seus movimentos de ordenação.
Apenas inscrito numa série orgânica, na vida biologicamente considerada e funcionalmente definida, é
que reconhecemos monstros. “Não há monstro mineral. Não há monstro mecânico” (CANGUILHEM, 2012,
p. 187). Qual a diferença fundamental à respeito do vivente? A vida se define por estruturas e regras de
coesão interna traduzidas como medida, forma e modelo, frente às quais o desvio se caracteriza como
monstruoso.
Assim, um desvio morfológico se figura como aquilo que poderia ter nos atingido ou à loucura que pode advir
por meio de nós.
num único e mesmo movimento, o louco se oferece como objeto de conhecimento dado em suas
determinações mais exteriores e como tema de reconhecimento, em troca investindo aquele que o
apreende com todas as familiaridades insidiosas de sua verdade comum.
Mas a reflexão não quer acolher esse reconhecimento, ao contrário da experiência lírica. Ela se protege
dele, afirmando, com uma insistência sempre maior com o tempo, que o louco não passa de uma coisa,
e coisa médica. E, assim 'refratado à superfície da objetividade, o conteúdo imediato desse
reconhecimento se dispersa numa multidão de antinomias. Mas não nos enganemos; sob essa
especulação séria, aquilo de que se trata é bem do relacionamento entre o homem e o louco e desse
estranho rosto — durante tanto tempo estranho — que agora assume as virtudes de espelho.
A loucura coisificada é decorrente de sua gênese, do aprontamento social.
no mito do Retiro, ao mesmo tempo o procedimento imaginário da cura, tal como obscuramente se
supõe que seja, e a essência da loucura tal como
ela vai ser implicitamente transmitida ao século XIX:
1. O papel do internamento é o de reduzir a loucura à sua verdade.
2. A verdade da loucura é aquilo que ela é, menos o mundo, menos a sociedade, menos a
contranatureza.
3. Essa verdade da loucura é o próprio homem naquilo que ele pode ter de mais primitivamente
inalienável.
4. O que existe de inalienável no homem é, ao mesmo tempo, a Natureza, a Verdade e a Moral, isto é,
a própria Razão.
5. É por conduzir a loucura a uma verdade que é ao mesmo tempo verdade da loucura e verdade do
homem, a uma natureza que é natureza da doença e natureza serena do mundo, que o Retiro recebe seu
poder de curar. HL
(1979, p. 554) Freud abre uma fenda de linguagem entre o louco e o não-louco, e só pdoe fazer isto porque A
alienação se torna desalienante, porque o médico continua sendo a chave da desalienação.
O desatino não pode ser contudo expressado na psicanálise, apenas com Hölderlin, etc...
Não há essência nenhuma da loucura, ela é a do desatino prisionada pelo discurso médico.
Linguagem dura: rica em suas promessas e irônica em sua redução. Linguagem da loucura pela
primeira vez reencontrada depois da Renascença.
Ouçamos suas primeiras palavras.
A loucura clássica pertencia às regiões do silêncio. Há muito tempo se havia calado essa linguagem de
si mesma sobre si mesma que entoava seu elogio. São sem dúvida inúmeros os textos dos séculos XVII
e XVIII onde se aborda a loucura: mas neles ela é citada como exemplo, a título de espécie médica ou
porque ela ilustra a verdade abafada do erro; é considerada obliquamente, em sua dimensão negativa,
porque é uma prova a contrario daquilo que é, em sua natureza positiva, a razão. Seu sentido só pode
aparecer diante do médico e do filósofo, isto é, daqueles que são capazes de conhecer sua natureza
profunda, dominá-la em seu não-ser e de ultrapassá-la na direção da verdade. Em si mesma, é coisa
muda: não existe, na era clássica da literatura da loucura, no sentido em que não há para a loucura uma
linguagem autônoma, uma possibilidade de que ela pudesse manter uma linguagem que fosse
verdadeira. Reconhecia-se a linguagem secreta do delírio; faziam-se, sobre ela, discursos verdadeiros.
Mas ela não tinha o poder de operar por si mesma, por um direito primitivo e por sua própria virtude,
a síntese de sua linguagem e da verdade. Sua verdade só podia ser envolvida num discurso que lhe
permanecia exterior. Mas, fazer o quê, "são loucos ... " Descartes, no movimento pelo qual chega à
verdade, torna impossível o lirismo do desatino.
Ora, aquilo que Le Neveu de Rameau já indicava, e depois dele todo um modo literário, é o
reaparecimento da loucura no domínio da linguagem, de uma linguagem onde lhe era permitido
falar na primeira pessoa e enunciar, entre tantos propósitos inúteis e na gramática insensata de
seus paradoxos, alguma coisa que tivesse uma relação essencial com a verdade (FOUCAULT, 1979, p.
560-1).
Dimensão improdutiva da loucura, inútil gramática insensata.
A desrazão resta no subsolo da arte e nos gritos dos enclausurados do Hospital geral cf. 1.5. mas por que o
a arte e o grito vêm do subsolo?
Em relação à primeira "naturalização", da qual a medicina do século XVI é testemunha, esta segunda
naturalização apresenta novas exigências. Não se trata mais de uma quase-natureza, ainda toda
penetrada pelo irreal, por fantasmas, pelo imaginário, uma natureza de ilusão e engano, mas de uma
natureza que é a plenitude total estancada da razão. Uma natureza que é a totalidade da razão
presente em cada um de seus elementos. Tal é o novo espaço onde a loucura, como doença, deve agora
inserir-se (FOUCAULT, 1979, p. 191-2).
Tem a alienação do médico e do filósofo que ainda apareciam como duas coisas separadas. O meio não deixa
o homem ouvir seus desejos, ele não é a positividade da natureza como ela se apresenta ao mundo, mas aquilo
que afasta o homem de sua natureza.
Foucault desenha uma modificação entre a alienação para a psiquiatria entre a lei de 1938 até 1875.
Até 183825, a alienação médica se conflui com a alienação filosófica esboçada na filosofia hegeliana enquanto
erro subjacente primeiro ao pensamento e conseguintemente ao comportamento.
Nesta âmbito, precede-se pelo mergulho nos interesses subjacentes a fim de se compreender o crime e,
eventualmente, estabelecer punição cabível ou não.
Com a mudança de paradigma do alienismo para a psiquiatria a questão colocada em jogo não é mais se
perante os sinais positivos de demência, alienação ou delírio o sujeito é incapaz como sujeito jurídico de
direito, mas interroga-se sobre a desordem e o nível de periculosidade do indivíduo. “Não se trata mais,
portanto, dos estigmas da incapacidade no nível da consciência, mas dos focos de perigo no nível do
comportamento” (FOUCAULT, AN, p. 178). A questão não passa mais pelo que o indivíduo pensa, pelo que
ele pode compreender ou ainda pelo que ele pode conscientemente querer, mas pelo que ele faz, comete ou
pelo que pode decorrer involuntariamente em seu comportamento.
O anormal é um monstro pálido, mudo e discreto que aparece cujo fundamento é a noção de instinto,
coemergente à psiquiatria e ordem penal e que funciona em ambos e a partir de ambas as esferas médica e
jurídica.
o verdadeiro tratamento psíquico apega-se à concepção de que a loucura não é uma perda abstrata da
razão, nem do lado da inteligência, nem do lado da vontade e de sua responsabilidade, mas um simples
desarranjo do espírito, uma contradição na razão que ainda existe, assim como a doença física não é
uma perda abstrata, isto é, completa, da saúde (de fato, isso seria a morte), mas uma contradição dentro
25
O marco de referência para a transformação da psiquiatria para Foucault (AN) é a lei de 1838 que define a internação ex officio,
a internação psiquiátrica por solicitação da administração pública (ela que estabelece o vínculo loucura-perigo) e que abre caminho
para a internação voluntária, a internação por solicitação da família. Estes tipos de intermento, embora acompanhados por atestados
médicos, não são condicionados por eles (isto significa que mesmo que os médicos não atestem alienação, a internação é mantida),
são uma decisão extramédica que amarra duas instâncias de saber-poder, a médica e a judiciária em torno da correção dos indivíduos.
desta. Esse tratamento humano, isto é, tão benevolente quanto razoável da loucura... pressupõe que o
doente é razoável e encontra aí um sólido ponto para abordá-lo desse lado.
Obediência:
O louco que não tem consciência da sua prorpia doença é incurável… isto é o corolário de todos os livros de
psiquiatria. Por isso pinel não acaba com todo o acorrentamento, os acorrentados vão permanecer submetidos,
como metáforas, ao velho regime, pois enquanto ele não reconhecer sua doença, ele deve permanecer atado.
O internamento, como separação entre a razão e o desatino, não é suprimido, mas, no próprio interior
de seus propósitos, o espaço por ele ocupado deixa transparecer poderes naturais, mais
constrangedores para a loucura, mais adequados para submetê-la em sua essência que todo o velho
sistema limitativo e repressivo. Desse sistema é preciso libertar a loucura para que, no espaço do
internamento, agora carregado de eficácia positiva, ela seja livre para despojar-se de sua selvagem
liberdade e acolher as exigências da natureza que são para ela ao mesmo tempo verdade e lei.
Enquanto lei, a natureza coage a violência do desejo. Enquanto verdade, reduz a contranatureza e todos
os fantasmas do imaginário (FOUCAULT, 1979, 336).
Seguindo a linha descrevemos acima que associa a cura psiquiátrica à ordem asilar, à submissão do
louco à autoridade médica via reconhecimento da própria loucura – nem que seja fazendo um esforço
para encenar lógica delirante a fim de arrebentar a convicção do interno em suas quimeras – temos o
elucidativo filme Shutter Island (Ilha do medo) dirigido por Martin Scorsese. No filme, que conta a
história de uma encenação de delírio de um dos internos, observamos o estabelecimento de antemão de
um antagonismo estrito entre ordem asilar e loucura. Nesta ordem a liberdade do louco é objetivada
e as técnicas mais ou menos explícitas de dominação são pouco a pouco elucidadas, uma vez que se
direcionam ao corpo do interno – confinado entre muros, cercas e vigias, mas também constante e
inevitavelmente drogado – a fim de dominar e anular a onipotência e insubordinação de sua loucura
para por fim, restituí-lo a seu lugar subalterno. Restituição apenas realizada mediante o confronto de
forças dentro da orbita asilar de sujeição onde técnicas e rituais desequilíbrio de poder visam provocar
a dúvida e constranger a convicção do interno visando a instauração da obediência e da dependência
na submissão de forças e na docilidade que caucionam e possibilitam, enfim, o tratamento.
Por outro lado, logo no início do filme, aparece a loucura contagiante
“Ilha do Medo” de Martin Scorsese e uma cena logo no início me chamou a atenção. O detetive Teddy,
interpretado por Leonardo DiCaprio, ao chegar na ilha que funciona como um hospital psiquiátrico para
os “loucos criminosos”, é alertado a tomar cuidado para não se contagiar e diz em um tom sarcástico
que a loucura não é contagiosa, mas seu parceiro, Chuck, interpretado por Mark Ruffalo, responde
rapidamente e de forma irônica “Mas é contagiante.”
Pensei se seria este o “contágio” tão temido socialmente, que faz com que escorracemos os loucos em
Naus? Seria uma forma de preservar "nossa sanidade" ameaçada pela presença "deles"?
Provavelmente...
Em A ordem do discurso,
1-Tabu do objeto.
2-Ritual da circunstância.
3-Direito privilegiado o exclusivo do sujeito que fala
Tentarei exemplificar essas interdições no discurso. (1) Não se pode falar e discutir religião; (2) Não
se deve discutir sexo em um convento; (3) só Einstein deve falar sobre a teoria d relatividade. “O
discurso não é simplesmente aquilo que manifesta o desejo, é também o objeto do desejo; o discurso é
o poder do qual nos queremos nos apoderar”. A quarta interdição, a que nesse texto se torna a mais
importante, é a oposição entre razão e loucura: “o louco é aquele cujo discurso não pode circular como
o dos outros”. Assim, o louco não fala “coisa com coisa”, seu discurso expõe sua loucura.
A trama desenvolvida no último filme de Scorsese ocorre em uma prisão/hospital para loucos. O
desaparecimento de uma assassina hospitalizada nessa ilha leva dois agentes federais a investigar o
caso onde enfrentam uma rebelião e um furacão. A rede de intrigas põe em xeque o próprio discurso
do personagem principal, pois ele pode ser um louco também. O clímax do filme gera no expectador
uma confusão visual e verbal: quem tem a posse do discurso está no comando; a posse do poder varia
durante o filme. Não quero comentar muito sobre o filme que retrata também o clima psicológico dos
EUA na guerra fria, mas recomendo insistentemente os dois – livro de Foucault e filme de Scosese –
para um deleite intelectual.
uma outra natureza, outra ordem natural e um outro imediatismo são colocada em jogo com a alienação e a
psiquiatria
sob a convenção das imagens, encontra-se facilmente o rigor de um sentido. O retorno ao imediato só
tem eficácia contra o desatino na medida em que se trata de um imediato disposto e dividido em si
mesmo. Um imediato onde a violência é isolada da verdade, a selvageria posta ao lado da liberdade,
onde a natureza deixa de poder reconhecer-se nas figuras fantásticas da contranatureza. Em suma, um
imediato onde a natureza é mediatizada pela moral. Num espaço assim disposto, nunca mais a
loucura poderá falar a linguagem do desatino, com tudo o que nela transcende os fenômenos naturais
da doença. Ela estará inteiramente inserida numa patologia. (FOUCAULT, 1979, p. 336)
transformações que possibilitam e condicionam o próprio conhecimento da verdade.
o imediato recorre a uma natureza selecionada, inscrita numa moral que rege a escolha de seus preceitos.
Além das terapêuticas clássicas da desoxidação do corpo e da alma, da transformação das qualidades – o que
presume uma experiência qualitativa capaz de distinguir a loucura em sua independência e descontinuidade
em relação ao campo da razão – a fim de restituir a verdade do mundo.
Na era clássica, inútil procurar distinguir entre as terapêuticas físicas e as medicações psicológicas.
Pela simples razão de que a psicologia não existe. (...) [Logo,] o que era doença procederá do orgânico,
e o que pertencia ao desatino, à transcendência de seu discurso, será nivelado no psicológico. E é
exatamente aí que nasce a psicologia. Não como verdade da loucura, mas como indício de que a loucura
é agora isolada de sua verdade que era o desatino e de que doravante ela não será mais que um
fenômeno à deriva, insignificante, na superfície indefinida da natureza. Enigma sem outra verdade
senão aquilo que a pode reduzir (1979, p. 337).
C2, clinica construtiv
Século XVIII:
O fim do século XVIII põe-se a identificar a possibilidade da loucura com a constituição de um meio:
a loucura é a natureza perdida, é o sensível desnorteado, o extravio do desejo, o tempo despojado de
suas medidas; é a imediatez perdida no infinito das mediações. Diante disso, a natureza, pelo contrário,
é a loucura abolida, o feliz retorno da existência à sua mais próxima verdade (...) o meio representa
um papel mais ou menos simétrico e inverso àquele que outrora representava a animalidade. Antes
havia, na abafada presença do animal, o ponto pelo qual a loucura, em sua ira, podia irromper no
homem; o ponto mais profundo, o ponto último da existência natural era ao mesmo tempo o ponto de
exaltação da contranatureza — sendo a natureza humana, ela mesma e imediatamente, sua própria
contranatureza. Ao final do século XVIII, em compensação, a tranqüilidade animal pertence
inteiramente à felicidade da natureza; e é escapando à vida imediata do animal, no momento em que
ele constitui para si um meio, que o homem se abre à possibilidade da contranatureza e se expõe ao
perigo da loucura. O animal não pode ser louco, ou pelo menos nele não é a animalidade que veicula a
loucura (FOUCAULT, 1979, p. 370). [[XVIII A loucura dos animais é concebida quer como um efeito
da domesticação e da vida em sociedade (melancolia dos cães privados de seus donos), quer como a
lesão de uma faculdade superior quase humana]]
No lugar da loucura enquanto saber trágico, se sobrepõe um saber racional humanístico apoiado na verdade
e na moral. No que ainda somos caridosos, discurso filantropo (DELEZUE, 2014).
Vemos com essa explanação toda a superposição e o mútuo recobrimento de duas formas de distintas de
alienação. Uma condizente à relação entre loucura e o sujeito de direito, na qual o louco é tido como incapaz
de acordo com a compreensão que se tem e pela própria natureza da loucura – enquanto alienação e doença
mental –, que ocasiona o decreto de interdição e o subsequente sequestro dos direitos civis. Outra que se
desenha frente a sua constituição enquanto figura social, dada na exteriorização do escândalo da discrepância
moral, da vontade desregrada, da imaginação desmedida e do determinismo pelo involuntário.
Uma é considerada como limitação da subjetividade — linha traçada nos confins dos poderes do
indivíduo e que isola as regiões de sua irresponsabilidade; essa alienação designa um processo pelo
qual o sujeito se vê despojado de sua liberdade através de um duplo movimento: aquele, natural, de
sua loucura, e um outro, jurídico, da interdição, que o faz cair sob os poderes de um Outro: o outro
em geral, no caso representado pelo curador. A outra forma de alienação designa, pelo contrário, uma
tomada de consciência através da qual o louco é reconhecido, pela sociedade, como estranho a sua
própria pátria: ele não é libertado de sua responsabilidade; atribui-se-lhe, ao menos sob as formas do
parentesco e de vizinhanças cúmplices, uma culpabilidade moral; é designado como sendo o Outro, o
Estrangeiro, o Excluído. O conceito tão estranho de "alienação psicológica", que se considerará
baseado na psicopatologia, não sem ser beneficiado por equívocos com os quais poderia ter-se
enriquecido num outro setor da reflexão, tal conceito é, no fundo, apenas a confusão antropológica
dessas duas experiências de alienação, uma que concerne ao ser caído sob o poder do Outro e
acorrentado à sua liberdade; a segunda, que diz respeito ao indivíduo que se tornou um Outro,
estranho à semelhança fraterna dos homens entre si. Uma aproxima-se do determinismo da doença, a
outra assume antes o aspecto de uma condenação ética (FOUCAULT, 1979, p. 134).
Se não pode ser culpado por padecer do determinismo da doença, caindo na loucura, o louco é condenado
eticamente por se querer soberano, por querer ter suas vontades acima da regra que rege a comunidade
fraterna dos homens, por impor os valores e medidas de sua imaginação aos iguais.
A dimensão qualitativa da loucura consiste em realidade em sua antinatureza contranatural, que passa a ser
naturalizada com a era clássica.
“o próprio da experiência do Desatino é o fato de nele a loucura ser sujeito de si mesma, mas que na
experiência que se forma, nesse fim de século XVIII, a loucura é alienada de si mesma no estatuto de objeto
que ela recebe” (FOUCAULT, 1979, p. 440).
Como sinaliza Blanchot (2012), HL trata apenas indiretamente da loucura, se ocupa das formas de exclusão,
advinda de um decreto administrativo que separa ritualmente os bons dos maus.
Mesmo que a loucura deixasse de constituir doença mental – por um super-desenvolvimento dos tratamentos,
da farmacologia e das técnicas de incidência sobre a loucura –, algo persistiria, e seria esta separação ritual
do mal, o insubordinado que pulsa sob o ser profundo daquilo que se constitui como outro da cultura, no
caso, a loucura (1964/1999): “Talvez, um dia, não saibamos mais muito bem o que pode ter sido a loucura.
Sua figura terá se fechado sobre ela própria, não permitindo mais decifrar os rastros que ela terá deixado.
Esses rastros mesmos, seriam eles outra coisa...” (FOUCAULT, 1964/1999, p. 190) Mesmo se a medicina
erradicasse a loucura, como o fez com a lepra e a tuberculose ainda restaria ao homem os fantasmas do seu
outro. A relação da sociedade com aquilo que ela exclui.
Foucault se vale da figura de Artaud para ilustrar que a loucura se dá como limite das formas constitutivas de
nossa sociedade. Um limite que é construído
A experiência qualitativa irredutível da loucura trágica aparece na arte, no contato com o fora, contato que
se dá nos limites da cultura, onde ela se desenvolve e se expande, na arte de Goya, Van Gogh e Artaud, por
exemplo. Por isso, estas obras devem servir de parâmetro para medir as práticas e as teorias que tangem a
loucura. Foucault (1979, p. 554-5) sinaliza que
desde o fim do século XVIII, a vida do desatino só se manifesta na fulguração de obras como as de
Hölderlin, Nerval, Nietzsche ou Artaud — indefinidamente irredutíveis a essas alienações que curam,
resistindo com sua força própria a esse gigantesco aprisionamento moral que se está acostumado a
chamar, sem dúvida por antífrase, de a libertação dos alienados por Pinel e Tuke.
O contato com o fora que se dá na arte propicia uma linha de escape da loucura tal qual ela é dada como
experiência psicossocial e nas determinações históricas de seu tempo. Ela sai dos aprioris históricos [[Voc]]
que caracterizam e determinam pensamento e experiência de uma época segundo Foucault. Ao nível artístico,
o valor está no que escapa ao clichê, ao esperado, ao já dado. Ela sinaliza o tempo desregrado, fora dos gonzos.
Nietzsche (2008a) brada que escreve para o futuro e o fato de hoje discutimos suas ideias, torna seu legado e
sua vitória evidentes.
A relação com o fora fora caracterizado por Nietzsche (?? VP?) como transbordamento. Como força
que tende ao além das bordas do pensável e do permitido que acaba por colocar em xeque os limites da cultura,
da própria loucura e, mais que isso, da experiência humana. Subterraneamente, a experiência trágica persiste
nas manifestações transgressoras dos artistas desarrazoados que resistem à (captura sob a forma de) alienação
e doença mental a partir do século XVIII. Sade, Nietzsche, Goya transgredem as fronteiras do pensamento ao
persistirem com uma verdade qualitativa que insiste no fundo da desrazão fazendo frente à apropriação médica
e psiquiátrica.
Ver citação Foucault (1979, p. 34-5) sobre a exp trágica despertada nas últimas palavras de Nietzsche e Van
Gogh e Artaud falando sobre o berço trágico da cultura perdido desde a expulsão do sol da loucura. a loucra
é um sol para Artaud (onde??)
Freud fez deslizar na direção do médico todas as estruturas que Pinel e Tuke haviam organizado no
internamento. Ele de fato libertou o doente dessa existência asilar na qual o tinham alienado seus
"libertadores". Mas não o libertou daquilo que havia de essencial nessa existência; agrupou os poderes
dela, ampliou-os ao máximo, ligando-os nas mãos do médico. Criou a situação psicanalítica, onde,
por um curto-circuito genial, a alienação torna-se desalienante porque, no médico, ela se torna
sujeito.
A alienação é o fio que atravessa e transpassa do louco ao médico e possibilita a cura, que consiste em sujeitar
o louco, torna-lo sujeito a partir de sua objetivação. Como se dá esta sujeição a partir da objetivação do olhar
e da prática médica?
Mais que o internamento, o papel do médico é inflacionado. O médico continua a ser a chave e a possibilidade
mesma da desalienação com Freud, através do dispositivo da transferência.
O que está em jogo politicamente com a transformação da questão da figura múltipla da loucura em um corpo
doente, a psiquiatria tornou o louco um doente.
Estou em frente da minha mais alta montanha e da minha mais longa viagem! Por isso preciso descer
como nunca desci!
Devo ir ao fundo da dor mais do que nunca, até as suas mais negras profundidades! Assim o quer o
meu destino.
Eia! Estou pronto!
De onde vem as mais elevadas montanhas? Isso perguntava eu noutro tempo.
Soube então que vêm do mar.
Este testemunho está escrito nas suas pedras e nas paredes das suas cristas. Desde o mais baixo há de
o mais alto erguer o seu cume". (...)
"Ainda dorme tudo", disse. "também o mar está adormecido. Dirige−me um olhar estranho e
sonolento.
A sua respiração, porém, é quente, sinto−o. E ao mesmo tempo vejo que sonha.
Agita−se sonhando sobre duros almofadões.
Escuta! Escuta! Quantos gemidos as más recordações lhe arrancam! Ou serão maus presságios?
Ai! Estou triste contigo, monstro sombrio, e aborrecido comigo mesmo por tua causa.
Ver: derrida, A esceritura a diferença: a palavra soprada, em que trata de Hölderlin e Artaud usando Blanchot
e Foucault.
Artaud liga, na profundidade de sua obra e de seu delírio, a noite obscura da desrazão (negativa ainda
como a doença) à claridade luminosa do que se chama loucura – propositiva e afirmativa como um modo de
vida que ressoa após a negação da negação como o brilho do fio de Ariadne (DELEUZE, 2011).
Profundidade que faz saltar aos olhos o impossível da criação, e talvez de toda criação. Ele escreve sobre
sua incapacidade de escrever... Ao mergulhar na profundidade, não penetramos senão na sua fundura
superficial, num paroxismo de plurivocidade de sua falsa claridade.
A profundidade de um escrito como o de Artaud – podemos tomar mesmo Para dar fim ao juízo de
Deus – que transpassa e coabita simultaneamente vários extratos, faz ao mesmo tempo crítica literária,
ontologia num poema, numa performance radiofônica, atravessando a especificidade de cada um desses
extratos misturando-os bastardamente fazendo aflorar um outro substrato. Assim como os livros de Blanchot,
nem ficção, nem propriamente teoria ou crítica literária, algo próximo da filosofia, mas não ainda...
De certa maneira, Artaud procede pelo aprofundamento que Deleuze (2011, p. 66) enxerga em Lawrence
como desdobramento de um devir em uma consciência sensível que manifestadamente se opõe “ao
fechamento da consciência moral na ideia fixa alegórica”. De fato, nas cartas e denúncias que Artaud esbraveja
contra a alegoria moral psiquiátrica, podemos sentir a gravidade de seu grito profundo. O símbolo desta revolta
reúne os sentidos contra a visão distanciada da alegoria psiquiátrica.
Loucura e transcendental
Se é fato que nas técnicas da imersão se ocultam sempre as lembranças éticas, quase religiosas, da
ablução e do segundo nascimento, nessas curas pelo movimento é possível reconhecer um tema moral
simétrico, mas invertido em relação ao primeiro: voltar ao mundo, entregar-se à sua sabedoria,
retomando um lugar na ordem geral e com isso esquecer a loucura que é o momento da subjetividade
pura. (...) Erro e falta, a loucura é ao mesmo tempo impureza e solidez; ela é um afastamento do
mundo e da verdade, mas é também, justamente por isso, prisioneira do mal. Seu duplo nada é o de ser
a forma visível desse não-ser que é o mal e de proferir, no vazio e na aparência colorida de seu
delírio, o não-ser do erro. Ela é totalmente pura, pois nada é a não ser o ponto evanescente de uma
subjetividade à qual foi subtraída toda presença da verdade; e totalmente impura, uma vez que esse
nada que ela é, é o não-ser do mal. A técnica de cura, até em seus símbolos físicos mais carregados de
intensidade imaginária — consolidação e recolocação em movimento de um lado, purificação e imersão
do outro — ordena-se secretamente em relação a esses dois temas fundamentais. Trata-se ao mesmo
tempo de devolver o indivíduo à sua pureza inicial e de subtraí-lo à sua pura subjetividade para iniciá-
lo no mundo; aniquilar o não-ser que o aliena de si mesmo e reabri-lo para a plenitude do mundo
exterior, para a sólida verdade do ser. (FOUCAULT, 1979, p. 355-6)
A cura da loucura passa por se lembrar do mundo e se esquivar da subjetividade pura.
Medicalização da sociedade
“começa a intervir em tudo, sem fronteiras; que leis e ações espalhadas não têm mais controle sobre o perigo
urbano sozinhas, mas que se deve produzir mecanismos de controle dos cidadãos, tornando-os produtivos
e inofensivos; mostra que a medicina, no seu objetivo de criar uma sociedade sadia, quer transformar
indivíduos desviantes em seres normais; para isso, o médico deverá ser institucionalizado e o alternativo
chamado de charlatão e repreendido pelo Estado.” MACHADO Danação da norma.
Fazendo um inventário do termo, Camargo Jr. (2012) define a medicalização como processo de
distensão e aplicação generalizada de procedimentos médicos a uma variedade heterogênea de problemas
não necessariamente da ordem da saúde e da doença. Esta aplicação genérica a problemas que não demandam
soluções relativas ao campo das ciências médica e da saúde – pois a medicalização, seus métodos e procederes
não são restritos ao campo da medicina, abarcando todo o campo dos saberes da saúde – é ordenada e fixada
nos parâmetros de normalidade, portanto. À medida que é organizada e referenciada em torno dos parâmetros
de inteligibilidade e realização do normal é que a medicalização perde vista a especificidade do campo da
saúde e da doença.
Deste modo, a medicalização não se resume ao imperialismo da ordem e da profusão médica no que
diz respeito ao campo da saúde. Apesar da irrefutável importância deste fator, ele é apenas um desdobramento,
uma consequência deste processo mais amplo cuja complexidade, não obstante, engloba múltiplos agentes
a fim de cobrir e atuar em distintas frentes. Por isso, a utilização de práticas terapêuticas consideradas
paramédicas numa perspectiva médico-centrica como a enfermagem, a psicologia e a fisioterapia, ou de
práticas alternativas de cuidado não acarretam num processo de desmedicalização. Pelo contrário, apenas
corroboram com o processo global ao mesmo tempo individualizante e totalizante de medicalização.
VER:
Meio e vivente
Entre meados do século XVIII e início do XIX, o problema da atividade da vida tomado sob o ponto
de vista da individualidade leva à postulação da noção essencialmente relativa de meio. Transposto da
mecânica de Newton para a biologia, a noção paulatinamente ganha autonomia até a biologia de Lamarck.
Em O vivente e seu meio, Canguilhem (2012) traça o histórico da transmutação desta noção sob uma variedade
de termos e acepções que vão se cambiando conforme a especificidade dos problemas colocados. Assim,
aquilo que aparece como meio para o mecanicismo é derivado da noção de fluido, cujo arquétipo é o éter na
física newtoniana, que se vale dele para resolver o problema da ação a distância exercida entre corpos
individuais distintos.
Destarte, o fluido aparece como intermediário entre dois corpos. Uma vez que se supõe a existência
de um ambiente entre dois centros de força, o éter se torna o veículo da ação da luz. Servindo de explicação
para o fenômeno fisiológico da visão, o meio surge em relação ao fenômeno da iluminação e à sensação
luminosa. Conclusão: na física newtoniana, a origem comanda o sentido que por sua vez comanda o uso. Já
Comte entende o meio como a noção universal e abstrata que serve de explicação em biologia. Logo, a
relação entre organismo e meio é definida como conflito de potências, de onde advém a função, elemento
matematizável e apreensível, uma vez que é determinável em relação a um conjunto de variáveis passiveis
de serem estudadas e quantificadas num sistema de medidas.
Desta maneira a apreensão positivista que serve de base para as ciências da vida e influencia
determinantemente o campo da clínica se pauta pela ascendência do mundo sobre o homem, do mecânico
sobre o vital. Portanto, uma vez ligada à noção sem suportes de meio, a função se sedimenta como elemento
chave que não apenas liga, como submete o agora ao anterior, ao que se pressupõe hegemonicamente como
uma norma original,
Já Lamarck, denominando as ações do clima, do lugar e do meio que se exercem do exterior sobre o
vivente de circunstâncias influentes, usa sempre o termo meios no plural para designar os fluidos, a água, a
luz e o ar.
Mínimo eu
Ver anotações Ligya Clark e piglia (2015, p. 87)
A função estruturante eu é a última que perde o afásico, assim como é a última que adquire a criança. Entre o
afásico e a criança, está o artista. O mínimo eu condiciona a língua menor do artista.
Modulação/molde
Entre o molde e a modulação, Rimbaud (2006, p. 155-7) acrescenta:
“Azar da maneira que se descobre violino (...) se o cobre desperta clarim, não é por culpa”. Operação
contraposta por Deleuze (2011, p. 44) que considera que não mais
o conceito é uma forma em ato, mas o objeto uma matéria somente em potência. É um molde, uma
moldagem. Para Kant, ao contrário, o Eu não é um conceito, mas a representação que acompanha todo
conceito; e o Eu não é um objeto, mas aquilo a que todos os objetos se reportam como à variação
contínua de seus próprios estados sucessivos e à modulação infinita de seus graus no instante.
Em Kant, a relação conceito-objeto subsiste não como moldagem, uma vez duplicada pela relação Eu-
Eu que se dá no tempo como afetação do espírito sobre si mesmo, ela se reconfigura como modulação.
Destarte, o conceito não se restringe à forma, e à formalização, assim como o objeto não é mero material.
Entre ambos, passa-se a buscar novas relações formais (outras temporalidades, que constituam outros tipos
de relação entre o eu impessoal transcendental e o Eu subjetivado na superfície física) visando alterar a
produção subjetiva e objetiva na resultante de novos materiais, dados a partir da modulação dos fenômenos
no espaço clínico.
Não se trata, pois, de significação transcendental ou conversão de um essência das alturas, mas de
modulação no transito entre profundidade e as superfícies.
O metal é condutor de toda matéria, ele nos força a pensar a matéria como variação contínua, como
desenvolvimento contínuo da forma e variação contínua da matéria mesma.
Outros elementos materiais podem ser pensados em termos de sucessão de formas diferentes e emprego
de matérias variadas, mas a metalurgia procede por variação contínua da matéria e desenvolvimento
contínuo da forma. Por isso ela nos faz pensar necessariamente o estado de toda matéria, por isso o
metal conduz toda matéria.
Por mais que a metalurgia se sirva de moldes, ela não deixa de ser modular. Aliás, nem sempre se serve
de um molde. A espada se faz sem moldes. Entretanto, mesmo quando se vale de moldes, a operação
metalúrgica não deixa de ser modulatória. A metalurgia traz à tona a intuição sensível daquilo que está
ordinariamente oculto nas demais matérias, mas que vale para toda matéria.
Pois não podemos distinguir estritamente a transformação da forma da transformação quantitativa.
Aquilo que forjamos em metal não deixa de ser um preparado moderado do um anterior e do outro
posterior àquilo que poderíamos chamar de forma. Suas moléculas se comunicam como em variação
contínua da matéria mesma, sem nenhuma ordem fixa em suas escolhas. A matéria-prima metalúrgica,
excepcionalmente em estado natural puro, não se deixa pensar a partir do esquema hilemórfico –
transformação em termos de forma e matéria -, pois pressupõe uma série de estados intermediários
antes de receber a forma propriamente dita. [Perante as quais não há um tempo determinado.] Depois
de receber um contorno definido, ela é submetida a uma série de transformações que lhe incutem suas
qualidades. [Caracterizando a operação de singularidade, relacionada à qualidade do corpo metálico].
Logo, o metal não toma forma de maneira instantaneamente visível, senão segundo várias operações
sucessivas.
Molecular/molar
a distinção entre o Charlus molar e o Charlus molecular aparece mais clara, entre a paranoia e a
esquizofrenia, entre a homossexualidade-identidade e a homossexualidade-transversal:
“Trata-se, sobretudo, da diferença entre dois tipos de coleções ou de populações: os grandes conjuntos
e as micromultiplicidades. (…)Todo investimento é coletivo, todo fantasma é de grupo e, neste
sentido, posição de realidade. Mas os dois tipos de investimento distinguem-se radicalmente (…) Um
é investimento de grupo sujeitado, tanto na forma de soberania quanto nas formações coloniais do
conjunto gregário, que reprime e recalca o desejo das pessoas; o outro é investimento de grupo sujeito
nas multiplicidades transversais portadoras do desejo como fenômeno molecular, isto é, objetos
parciais e fluxos, por oposição aos conjuntos e às pessoas.”[29]
O Charlus molecular está feito de incessantes devires: devir-mulher, devir-animal, devir-flor, devir por
um instante fluxo que entra e sai do ânus, mas não se identifica nem com a mulher nem com o inseto, nem
com a flor nem com a merda. Charlus é molecular porque quando dá o cu, fecunda.
A molecularidade restringe a homossexualidade à fecundação, à geração e à criatividade.[30] Nesse
sentido, um ato de criação supõe certa “fecundação estéril” entre “autores”
adotam a fórmula de Hjelmslev de acordo com a qual o signo se desdobra em formas de conteúdo e em
formas de expressão
29 Gilles Deleuze e Félix Guattari, O Anti-Édipo, op. cit., p. 370.
Monstruosidades
Ao promover a capacidade pática do paciente, visamos o acesso ao âmbito das sensações, reiteradamente
recalcado, silenciado, sufocado por um movimento conjunto de enrijecimento medicamentoso, institucional,
infantilizante e existencial de toda ordem a que o doente mental é frequentemente submetido, à despeito de
todas as boas intenções. Tal procedimento se refere, como apontam Deleuze e Guattari (2011), não à
satisfação, indireta, simbólica de um desejo, mas ao reconhecimento de uma maquinação intensiva a ser
relançada sobre uma superfície não dada de antemão. Tal reconhecer, tal signo remonta à dimensão produtiva
do psiquismo no real.
Da idade média ao séc XVII, a monstruosidade consiste numa infração da lei natural que fere o direito
fazendo-o questionar seus fundamentos, desafiando a lei civil ou religiosa. Enquanto a enfermidade abala só
a lei natural estando prevista pelo direito.
VER: Birman 01-10-14 Anormais: 22-01
Moral
dicNit: tragi viagem suj
Moral: desembaraçar-se do engano dos sentidos, do vir-a-ser, da história, da mentira — história não é
senão crença nos sentidos, crença na mentira. Moral: dizer não a tudo o que crê nos sentidos, a todo o
resto da humanidade: tudo isso é ‘povo’ (...) Moral: tudo o que é de primeira ordem tem de ser causa
sui [causa de si mesmo]. A procedência de algo mais é tida como objeção, como questionamento do
valor. Todos os valores mais altos são de primeira ordem, todos os conceitos mais elevados, o ser, o
incondicionado, o bem, o verdadeiro, o perfeito — nenhum deles pode ter se tornado, tem de ser causa
sui. (NIETZSCHE, 2006, p. 17-8).
Toda a relação com as forças – sejam forças do mundo ou forças do fora involuntário – são, portanto imorais,
à medida que não tem a causa no próprio homem, mas se fundam numa relação de forças.
“A moral, na medida em que condena em si, não por atenções, considerações, intenções da vida, é um erro
específico do qual não se deve ter compaixão, uma idiossincrasia de
degenerados que causou dano incomensurável!” (NIETZSCHE, 2006, p. 25).
Os efeitos de tal medicina moral são totalmente indiferentes aos sujeitos por ela sujeitados. Com
efeito, Nietzsche (2014, p. 138) parece até estar se referindo ao tratamento moral psiquiátrico quando tata da
moral de seu tempo:
Una moral puede haber nacido muy bien de un error; esta constatación ni siquiera ha abordado el
problema de su valor. Nadie hasta ahora ha examinado, entonces, el valor de la más famosa de las
medicinas, llamada moral. Esto exigiría ante todo decidirse a poner en cuestión este valor. ¡Pues
bien! ¡En esto precisamente consiste nuestra empresa!
Dic Nit:
A moral é objeto da ética.
Nit inverte o ponto de partida convencional com que tradicionalmente se pensa a moral. Não se reflexiona
sobre a moral como na filosofia ética clássica, mas partindo de um pensamento moralmente fundamentado
e concebido. O pensamento que se fundamenta em uma moral (já dada) não pode fundar uma moral, restando
a submissão a valores estabelecidos, ele não há como criar valores para sua própria existência.
Como funciona este pensamento moralmente orientado e fundamentado? Em (MBB??, 187al) Nietzsche
ressalta que ele nasce da organização de uma linguagem dos signos dos afetos. A crítica nietzschiana se
dedica à descodificação destas semióticas de signos sobre os afetos. [ interioridade e ext da norma, a vida
bio considerada em função do Estado (BATAILLE e SCHMID 230...)
Em lugar da adesão normativa a um fundamento, a estratégia nietzschiana é instaurar várias genealogias da
moral, interpor e evidenciar a variedade de fundamentos.
Visa deslegitimar os conceitos “convertida em dominante” distanciando-se dela para fundar, enfim outros
regimes de moral.
No Nascimento da tragédia, Nietzsche (1992) acede a crítica da moral como decorrência da “ciência
estética” que toma lugar da ontologia e de uma teoria do conhecimento.
Sua desconfiança com relação à moral se articula com o fato dela ser um produto de um processo e não um
fator determinante nos processos. A moral é um fenômeno em O nascimento da tragédia. Aproximando
ética de estética, o filósofo alemão sugere que o sustento primeiro da moral são percepções criadas de modo
artístico. Não obstante, ao colocar em jogo a valoração vital e a percepção artística fenomênica não deixa
de ser um movimento afirmativo desde o ponto de vista de sua gênese, embora exerça uma colonização cujos
efeitos são a diligência e a submissão aos valores normativos exteriores à vitalidade positiva ou negativa para
a existência concreta do indivíduo.
Neste âmbito, tomando-a autonomamente como objeto filosófico desde Humano demasiado humano,
Nietzsche (HH??) questiona a vontade e a intencionalidade do sujeito epistêmico (FOUCAULT, ???).
De fato, a moral se torna tema autônomo e um dos objetos principais da filosofia de Nietzsche (2000) desde Humano, demasiado
humano. A partir do qual se põe a explorar a psicologia dos motivos egoístas por trás de toda moral de desinteresse; a utilidade do
sentimento e da ação moral, sob aspectos tanto históricos quanto darwinistas, que leva-o a salientar as origens amorais de toda moral
além de colocar sob esta perspectiva questionando seus pressupostos e seus conceitos.
Se a quinta parte de Além do bem e do mal (idem, ABB??) é dedicada a uma história natural da moral,
na Genealogia da moral, Nietzsche (GM??) a complementa com uma história cultural. Tomando como ponto
de partida o diagnóstico de que a objetivação das pessoas concretas em termos calculáveis (quantitativos –
tal qual a vida biologicamente considerada) e de responsabilidade condiciona toda operação civilizatória
ocidental, a Genealogia nietzschiana aprofunda e radicaliza a crítica ao sistema ascético que instaura
percepções e pensamento moral fundamentado num ideal europeu-cristão. Somente submetidas a uma
matematizável razão de cálculo26 que os indivíduos são objetivados pelas dinâmicas de poder sob um viés
ascético.
Ali, ele propõe uma teoria dos tipos da moral a partir das maneiras de se valorar a fim de criticar a
“ciência filosófica da moral”, que a fundamenta e legitima formas morais dominantes.
(GM??) A distinção bom e mau se origina com a ascensão de uma nobreza. Trata-se de uma classe que a
fins de delimitação – inocente e irrefletida –, se afirmam como bons e, assumindo a responsabilidade por isso
alcunha os excluídos e maus [A norma afirmada como boa]. A impotência frente ao domínio faz dos fracos,
uma moral de escravo ressentida. Esta reação passiva e reflexiva é tida pelo filósofo da Genealogia como a
verdadeira origem da moral. [Como aqueles que não podem conter o mal radical dos canibais e dos
incestuosos, ver curso Foucault (AN ou PP...)].
26
Ainda em Genealogia da moral, Nietzsche (GM??) entende que a calculabilidade do homem como decalque dos procedimentos
autoimpostos de castigo, que funciona como domínio do pathos e dos afetos para que advenha a razão.
A moral de escravos nega a valoração irrefletida dos nobres por processos reativos se autoafirmando
na negação se apropriando secundariamente da moral – tornada moral superior – para instaurar, em
decorrência de tal superioridade, as religiões.
“Enquanto toda moral nobre nasce de um triunfante Sim a si mesma, já de início a moral escrava diz Não a
um "fora", um "outro", um "não-eu" - e este Não é seu ato criador” (GM??, p. 10)
Enquanto a moral de escravo se assenta na oposição que funda sua negatividade sob um movimento reativo,
a valoração nobre é vitalista, nasce de uma ação afirmadora da vida. Seu ato, age e cresce espontaneamente
e “busca seu oposto apenas para dizer Sim a si mesmo com ainda maior júbilo e gratidão - seu conceito
negativo, o "baixo", "comum", "ruim", é apenas uma imagem de contraste, pálida e posterior, em relação ao
conceito básico, positivo, inteiramente perpassado de vida e paixão” (??gm??)
Valendo-se de exemplos históricos como Napoleão e César, Nietzsche (GM??, p. 19) propõe uma ética
da capacidade de dobrar os movimentos de normalização para propor o “indivíduo soberano igual somente
a si mesmo” no “autêntico trabalho do homem em si próprio”. Para além de toda constância, fiabilidade e
responsabilidade (no sentido de soberania civil) a autenticidade exclui a moral de rebanho, a normalização.
Assim como em Além do bem e do mal (210, 211, 227,-8, 203, 258) propõe o espírito livre como figura
do filosofo do futuro, criador de valores.
Quando se luta, se luta pelo poder (CI??, Incur, 14) pois a vida é caracterizada pela exuberância e abundância.
É preciso uma cultura da incondicionaldiade moral para fazer surgir a “vontade de verdade*”.
O ideal ascético toma a forma sutil do conhecimento objetivo e incondicionado, desinteressado.
A nobreza, por fim, individualiza, distancia e distingue, dando cabo ao “pathos da distância*”, ela renuncia
enfim à moral alheia e a sua própria para viver sem ressentimento.
Quando Nietzsche se interroga pressupostos mais gerais da Filosofia, diz serem eles essencialmente
morais, pois só a Moral é capaz de nos persuadir de que o pensamento tem uma boa natureza, o
pensador, uma boa vontade, e só o Bem pode fundar a suposta afinidade do pensamento com o
Verdadeiro.
Quando a clínica tem como pressuposto os conflitos. Menos aqueles de ordem gregária, individual e
(inter)pessoal, mas os conflitos entre singularidades que atravessam os corpos na sua impessoalidade.
Sem o "pathos" da distância que nasce de decisiva diferença de classe, do constante olhar ao redor
de si e sob si das classes dominantes sobre pessoas e instrumentos, e de seu constante exercício no
obedecer e no comandar, em manter os outros opressos e distantes, não seria nem mesmo possível o
outro misterioso "pathos", o desejo de sempre novas expansões das distâncias entre a própria
alma, o desenvolvimento de estados sempre mais elevados, mais variados, distantes, maiores,
tendentes a alturas ignotas, logo à elevação do tipo "homem", o incessante triunfo do homem sobre si
mesmo para adotar em sentido supermoral uma fórmula moral.
O olhar ao redor de si evidencia uma situação ética de relação com o mundo, com os outros e consigo próprio
necessária para fundar uma nova ética a partir de um novo pathos. Uma vez que o “pathos da distância”
condiciona o próprio pathos da transformação.
- (GM??, 2009, p. 6)
Foram os "bons" mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento, que
sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a
tudo que era baixo, de pensamento baixo, e vulgar e plebeu. Desse pathos da distância é que eles
tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os valores: que lhes importava a
utilidade! Esse ponto de vista da utilidade é o mais estranho e inadequado
(GM??, p. 50)
o superior não deve rebaixar-se a instrumento do inferior, o pathos da distância deve manter também
as tarefas eternamente afastadas! Seu direito de ser o privilégio do sino de plena ressonância diante
daquele falho, dissonante, é afinal mil vezes maior: eles somente são os fiadores do futuro, eles
somente estão comprometidos com o futuro do homem.
- (AC??, p. LXIII)
Atualmente ninguém mais possui coragem para os privilégios, para o direito de dominar, para os
sentimentos de veneração por si e seus iguais – para o pathos da distância... Nossa política está
debilitada por essa falta de coragem! – Os sentimentos aristocráticos foram subterraneamente
carcomidos pela mentira da igualdade das almas;
(AC??, p. LVII)
“O mundo é perfeito” – assim fala o instinto dos mais intelectuais, o instinto do homem que diz sim
à vida. “A imperfeição, tudo que é inferior a nós, a distância, o pathos da distância, os próprios
chandala, são parte dessa perfeição”. Os homens mais inteligentes, sendo os mais fortes, encontram sua
felicidade onde outros encontrariam apenas desastre: no labirinto, na dureza para consigo e para
com os outros, no esforço; seu prazer está na auto-superação; neles o ascetismo torna-se uma segunda
natureza, uma necessidade, um instinto. Consideram tarefas difíceis como um privilégio; para eles é
um entretenimento lidar com fardos que esmagariam todos os outros... Conhecimento – uma forma
de ascetismo.
Face trágica da afirmação do mundo como é e da proposição da auto-superação como otimismo do desastre.
Pois o dizer sim a si mesmo é a raiz da moral nobre afirmativa.
Ascetismo no sentido foucaultiano de exercício de sobre si mesmo (cf. SCHMID??).
A “igualdade”, um certo assemelhamento real que acha expressão apenas na teoria de “direitos iguais”,
é essencialmente própria do declínio: o fosso entre um ser humano e outro, entre uma classe e outra,
a multiplicidade de tipos, a vontade de ser si próprio, de destacar-se, isso que denomino páthos da
distância é característico de toda época forte. A tensão, a distância entre os extremos torna-se hoje
cada vez menor — por fim, os próprios extremos se apagam até atingir a semelhança... Todas as nossas
teorias e constituições de Estado, sem excluir absolutamente o “Reich” alemão, são decorrências,
conseqüências necessárias do declínio; o inconsciente efeito da décadence assenhorou-se até dos ideais
de ciências particulares.
Com efeito, o pathos da distância condiz não a um tipo sociológico, mas a certa constituição psíquica que
se refere a um modo de ser e a uma postura aristocrática, assim como à adequação da vida à formação da
própria existência, isto é, fazer de seu trajeto de vida a construção, a formação permanente de seu viver.
Ele pontua a separação entre o indivíduo (singular) e a generalidade (massificação).
generalidade presenta dos grandes ordenes: el cualítativo de las semejanzas y el cuantítativo de las
equivalencias. Los términos os resultan intercambiable entre sí y mutuamente sustituibles y determinam uma
conduta. A repetição do mesmo, ou a variação, por exemplo.
La repetición como conducta y como punto de vista afecta a una singularidad inintercambiable, insustituible.
Los reflejos, los ecos, los dobles, las almas no pertenecen al dominio de la similitud ni al de la equivalencia;
Pathos é a paixão dionisíaca desbordante enquanto a distância é um elemento propriamente apolíneo, num
ethos (conduta para a vida) reflexivo de plasticidade.
Qual a ética colocada em jogo na distância, neste distanciamento?
Trata de poder conter-se, reunir energias e manter-se à parte da apoderação do mundo e de um juízo rápido –
o que só é alcançável quando o distanciamento atinge ou se torna um pathos.
[pathos da distancia] apreenao é antes valorativa q racional. o primado é da distancia. é da relaçao. Ideia q
se repete na fil dif, o primado é da relaçao, havendo a relaçao, tenho tão somente a distância, tenho q jogar.
Posso então dizer: sou homem, sqn. A potencia do falso. sqn é a possibildiade de criar um intervalo ultimo q
me permite ser outra coisa, para nao ficar presa na posição q o jogo A ou B me coloca. Se fico preso no jogo,
embora a delicia, isso vira um horror!
mas tb nao posso me furtar a fazer o jogo, a delicia é a indicação de q posso me aprisionar no jogo, o amor é
sempre a indicação de q posso me aprisionar no jogo, pq ele dá vontade de repetir o mesmo.
VER: medicalização;
Multiplicidade
Multiplicidades que forçam à delicadeza no trato com os encontros e com as efetivações espaço-temporais
nos quais se dão os agenciamentos que efetivam novas situações e outros regimes de distribuição do sensível,
alçando à dimensão aquém do atual estados de coisas.
Ativação de ovos e germens de subjetividades larvares que sustentam na suma precariedade de seu arranjo
existencial o dinamismo próprio da criação, as multiplicidades onde os acontecimentos são gestados.
As imagens de catástrofe, fim do mundo e as ideações de morte são um sinal da força vital que pulsa na
profundidade elementar de nosso corpo.
As multiplicidades, são o substrato condicionante básico a partir do qual tomam corpo as diferenciações
intensivas dos processos de individuação.
Tese Helio Cardozo Jr. – 1.3 p. 25
A multiplicidade permite entender o real – seja atual, virtual, transcendental, ou empírico – como
produção de diferença. Ao observar o mundo e o pensamento, há de se ver neles a multiplicidade e, ao passo
que o elemento interno da multiplicidade é a diferença, nos cabe ver a diferença na multiplicidade.
Os elementos diferenciais se perfazem e convivem em certa indeterminação. São insubordinados,
pois não se atêm nem sequer a uma forma concreta atualizada, mas são determinadas virtualmente como
multiplicidade interna ou global, por ligações ideais, não-localizáveis.
1.°, é preciso que os elementos da multiplicidade não tenham forma sensível, nem significação
conceitual, nem, desde então, função assinalável. Eles nem mesmo têm existência atual e são
inseparáveis de um potencial ou de uma virtualidade. É neste sentido que eles não implicam qualquer
identidade prévia, nenhuma posição de algo que se poderia dizer uno ou o mesmo; mas, ao contrário,
sua indeterminação torna possível a manifestação da diferença enquanto liberada de toda
subordinação. 2.°, é preciso, com efeito, que estes elementos sejam determinados, mas
reciprocamente, por relações recíprocas que não deixem subsistir qualquer independência. Tais
relações são precisamente ligações ideais, não localizáveis, seja porque caracterizam a multiplicidade
globalmente, seja porque procedem por justaposição de vizinhanças. Mas - a multiplicidade é sempre
definida de maneira intrínseca, sem que dela se saia e sem que se recorra a um espaço uniforme em
que ela estaria mergulhada (DELEUZE, 2002, p. 176-7)
A diferença entre o virtual e o atual instaura o processo de atualização necessariamente como criação, ele tem
de ser uma evolução criadora, uma produção original da multiplicidade do ser por meio da diferenciação
(HARDT, p. 18)
27
Neste mesmo sentido, considerando as distâncias e as diferenças entre a fala e o pensamento, Michaux (1966, p. 10) escreve que
“ele vê realizar-se de novo sob seus olhos a antiga junção do pensamento e da palavra. A palavra obriga o pensamento a segui-la
calmamente. O pensamento deve seguir a procissão das palavras, deve entrar na vestimenta das palavras, fixar-se, pensar-se,
moderar-se na inscrição das palavras. Queda na verbalização. Uma vez dentro, isso tem sua atração. Também é uma reconquista, e
muito flexível.
Ele sente-se bem nas palavras, nas frases. Nos seus passos”.
A multiplicidade é um sistema de diferenças, esta é o motor da realidade. Uma multiplicidade se
atualiza em realidade espaço-temporal por diferenciação, ao passo que sua virtualidade – isto é, as ligações
ideais, as relações diferenciais e as singularidades – permanecem indiferenciadas (DELEUZE, 2000).
Machado (2009) pondera que o virtual e o atual são dois aspectos da realidade que se relacionam de
maneira discordante mediante um processo intensivo de atualização que os individualiza. Atualização =
singularização; individuação = cristalização (cf. CARDOZO JR. III, 1.2.1; 1.4.4).
O virtual é pré-individual, porém singular e permanece indiferenciado enquanto não determina
solução.
Convém portanto dispor de um conceito de multiplicidade, de modo que a "coisa" não tenha mais
unidade a não ser através de suas variações, e não em função de um gênero comum que subsumiria
suas divisões (sob os termos univocidade e síntese disjuntiva, o conceito de "diferença interna"
realiza esse programa de um fora colocado dentro, no nível da própria estrutura do conceito: LS, 24a e
25a séries) (ZOUABICHVILI, 2000, p. 12)
Em CX:
Fragmentação,
sobressair o múltiplo substantivo, uma vez que toda subjetivação, sob qualquer instância total ou unitária,
não é mais que efeito da multiplicidade de forças que atravessa e constitui a existência (DELEUZE &
GUATTARI, 2008). Ela abre as relações a um campo imiscível (de forças) que por via das sensações
impessoais e dos sentimentos, mais e antes que a inadaptação cognitiva, a ideação ou a torção do plano da
“realidade social” - para nos valermos do termo de Ronald Laing (1977) -, caracteriza o deslocamento
existencial que a experiência clínica interpela.
Por outro, o construtivismo acompanha o caos da desconstrução na sustentação de um paradoxo que só
pode existir no plano das multiplicidades
destituição subjetiva e o destino do objeto (SAFATLE, 2005) nos leva a priorizar as multiplicidades
fragmentárias em detrimento do serialização cotidiana que leva à totalização, unificação e individualização
de um sujeito gregário na forma de um eu.
“multiplicidade que se desenvolve para além do indivíduo, junto ao socius, assim como aquém da pessoa,
junto a intensidades pré-verbais, derivando de uma lógica dos afetos mais do que de uma lógica de conjuntos
bem circunscritos” (1992, p. 20).
disciplina não passa de uma “maneira de administrar a multiplicidade, de organizá-la, de estabelecer seus
pontos de implantação, as coordenações, as trajetórias laterais ou horizontais, as trajetórias verticais e
piramidais, a hierarquia, etc. E, para uma disciplina, o indivíduo é muito mais uma determinada maneira
de recortar a multiplicidade do que a matéria-prima a partir da qual ela é construída. A disciplina é um
modo de individualização das multiplicidades”
Para Deleuze (2005, 2014, 2014a), força é um nome genérico e abstrato para uma multiplicidade.
Aludindo a Bachelard, Canguilhem (2002, p. 109) reflete que “‘A vontade de limpar exige um adversário à
altura.’ Quando se sabe que norma é a palavra latina que quer dizer esquadro e que normalis significa
perpendicular, sabe-se praticamente tudo o que é preciso saber sobre o terreno de origem do sentido dos termos
norma e normal, trazidos para uma grande variedade de outros campos. Uma norma, uma regra, é aquilo que
serve para retificar, pôr de pé, endireitar. ‘Normar’, normalizar é impor uma exigência a uma existência, a um
dado, cuja variedade e disparidade se apresentam, em relação à exigência, como um indeterminado hostil,
mais ainda que estranho. Conceito polêmico, realmente, esse conceito que qualifica negativamente o setor do
dado que não cabe na sua extensão, embora dependa de sua compreensão”.
Canguilhem (2002, p. 63) ressalta que o
“valor atribuído à vida em determinada sociedade, é, afinal, um julgamento de valor que se exprime
nesse número abstrato que é a duração média da vida humana. A duração média da vida não é a
duração de vida biologicamente normal, mas é, em certo sentido, a duração de vida socialmente
normativa. Nesse caso, ainda, a norma não se deduz da média, mas se traduz pela média”.
Em contrapartida, se no pensamento canguilhemiano a frequência e o valor (vital positivo) dão corpo às
constantes normativas, o sentido destas é, entretanto, autoinstituído situacionalmente na vivência dos
sujeitos.
Não-relação
Comentando Magritte, Foucault (DE3?? INC?? cachimbo, 47 fr onde Foucault retoma o termo blanchotiano
da não-relação) ressalta “a pequena faixa incolor e neutra” que separa texto e figura, tal como quando
mostra que o Hospital geral, forma do conteúdo, lugar de visibilidade da loucura tem origem na polícia e não
na medicina, esta, como forma de expressão dos enunciados sobre a desrazão (exterior, portanto, à ordem
asilar) contrabandeia ou transloca seu discurso, diagnósticos e tratamentos para fora do hospital. Segundo
Blanchot (FTCI?? VVO??), reside neste ponto a diferença e o enfrentamento entre desrazão e loucura. uma...
“Falar não é ver” é o traço de Blanchot (CI1??, p. 42fr; EL??, p. 266-277fr) seguido por Foucault. Enquanto
para Blanchot a (não-)relação (mais cartesiana) é entre o determinável e o indeterminado puro. Para o
segundo, mais kantianamente, a (não-)relação é entre as formas do determinável e da determinação.
O irredutível do visível é o determinável. comassim???
Em Magritte vem a ideia de não oculto, porém não imediatamente visível, talvez:
A exterioridade, tão visível em Magritte, do grafismo e da plástica, é simbolizada pela não-relação -
ou, de qualquer maneira, pela relação bastante complexa e problemática entre o quadro e seu título.
Essa tão longa distância - que impede que se possa ser, simultânea e imediatamente, leitor e espectador
- assegura a emergência abrupta da imagem acima da horizontalidade das palavras. “Os títulos são
escolhidos de tal maneira que eles impedem situar meus quadros em uma região familiar que o
automatismo do pensamento não deixaria de suscitar a fim de se subtrair à inquietude.” Magritte
nomeia seus quadros (um pouco como a mão anônima que designou o cachimbo pelo enunciado “Isto
não é um cachimbo") a fim de chamar a atenção para a denominação (FOUCUALT, 1968/2001, p.
257).
Deleuze se pergunta como a Não-relação pode ser mais profunda que uma relação? (quallivro?? p. 72)
“A relação (ou a não-relação) com um autor e as diferentes formas dessa relação constituem - e de uma
maneira bastante visível – uma dessas propriedades discursivas” (QéAutor? 1969/2001, p. 286).
A outra forma da loucura seria a presença infinitamente outra que não obstante acede, vem, toma corpo e
sentido na sensação (e na certeza) de Felina de que se não escrever ela, vai surtar?
Talvez.
A outra forma da loucura seria a não-relação caracterizada por Blanchot (2011, p. 109) como relação
terrível, onde mediante a impossibilidade de toda e qualquer mediação, o real fragmentário, isto é, a
experienciação múltipla das singularidades fragmentárias se impõe nas bordas do não-ser. Ali, nesta
experiência-limite, a própria ideia de ser e de totalidade ou de unidade soam mais que impróprias: são
ineficazes. Ao nível da subjetividade, o ser e o ter não são capazes de traduzir ou abarcar esta experiência de
presença imediata. Elas nada têm a fazer perante o arroubo das singularidades esparsas que atravessa (como
presença imediata o corpo e o ser de) Felina.
Entre a outra forma da loucura e Felina se abre uma distância infinita que ao mesmo tempo a mais
íntima presentificação no atravessamento, aquilo que Blanchot (2011, p. 109-10) entende como “a presença
mesma, a presença do infinito. Presença desviada de todo presente, aquilo que existe então de mais
desamparado e de menos protegido”. Presença materializada nas palavras as quais vêm à mente, à mão que
escreve e ao corpo que sente e cuja materialização passa por uma dessubstancialização da figura global da
pessoa.
Por fugaz, perene e passageira que seja esta materialização, ela se manifesta como susto e contração
do processo de subjetivação (e de autorreferenciação subjetiva). Ao fim e ao cabo, à medida em que pode ser
e é tornada, por uma estratégia que não podemos chamar de outra coisa senão de clínica, tal materialização
é simultaneamente para Felina, desespero e salvação (cf. RESENDE, 2013).
O acontecimento do enlouquecer dá lugar ao louco, que acontece (avoir lieu) toma lugar (lieu) na superfície
dos corpos. Deleuze (1991) postula o acontecimento como uma ampla e pura emissão de singularidades.
Assim o acontecer é sempre o ponto de emergência, a proveniência – para usar termos de inspiração
nietzschiana – onde surge a verdade subordinada ao singular. Assim, o acontecimento instala um ponto de
vista. Correlativamente, o enlouquecer instala a loucura como ponto de vista sobre o homem, a Saúde e a
priorização exclusivista da racionalidade hegemônica. O acontecimento funda o ponto de vista, por isso, está
no cerne do próprio perspectivismo. Por isso, o acontecimento é determinado em termos paradoxais como o
oximoro da estrutura inaudita, como emergência onipresente. Ele está no cerne de tudo, pois tudo provém do
acontecer.
A relação é a não-relação entre o todo e as partes no fora, no plano de composição do acaso.
Deleuze (1991): O desacordo introduz o e no acordo tornando todo acordo entre partes que se dá na superfície,
um acorde, um acorde não resolvido.
A dobra é uma representação não extensional do múltiplo como uma complexidade labiríntica, necessária
e irredutivelmente qualitativa, sonora. Pois o múltiplo é não somente aquilo que tem uma quantidade de
partes – pois ele não é constituído de partes, mas de elementos, de partículas elementares, em si suficientes
–, mas igualmente, o que pode ser dobrado de inúmeras maneiras.
Em decorrência disto, não há caso do múltiplo, apenas descrição de suas figuras.
Entre clínica e o pathos da loucura se estabelecem sucessivas retroalimentações: o claro não cessa de imergir
no escuro em sua natureza de claro-escuro, ele se nuança, que é o termo chave da antidialética da clínica
das intensidades. Ela dissolve as oposições que instauram a loucura como outro, do outro lado da clínica e
da saúde. A loucura se nuança uma grande saúde.
Modos do viver, normar... infinitização [[ver resumo]], não só a finitude que instala o sujeito na ordem do
homem sob os signos da produtividade docilmente submissa à reprodução dos moldes sociais, não apenas a
finitude que repousa sobre a responsabilidade, como limite da ação e da subjetivação.
O elemento essencial do labirinto é a dobra, o agenciamento, não a unidade substantiva da matéria. Modos
de composição se desdobram e se tornam modos do viver.
Natureza
1) clássico e que conquistou uma certa hegemonia na história do pensamento ocidental – o conceito de
natureza foi forjado a partir dos interesses de uma ciência prescritiva e normativa que contribuiu para
a criação da ilusão de que as formas de artifício, dentre elas a linguagem, seriam capazes de decifrar
o mundo sensível. Que a cópia era expressão da coisa, que a representação era expressão do
representado. De que, portanto, o conceito de natureza seria capaz de traduzir fielmente o mundo.
2) marginal e que só circunstancialmente conquistou ares hegemônicos – a natureza foi tomada como
potência inapreensível pelo homem. Nesta tradição do pensamento, por mais que a natureza seja o
objeto da ciência, a representação construída é tão somente uma pálida e desfigurada lembrança
daquilo que insiste em nos escapar. Nascia, assim, a idéia de que todo o conhecimento nada mais é
que artifício, de que, portanto, a própria ciência deveria Ter consciência de seu grau de ilusão.
Neste âmbito, Rosset (1989a, p. 212) considera Rousseau (1993) como a figura que instala
definitivamente a ideia filosófica do naturalismo substituindo a alienação exterior da obediência cega ao
soberano e ao Estado pela interiorização da alienação enquanto obediência a uma vontade geral que não é
mais que o fantasma do indivíduo contratante que subscreve o pacto social da sociedade civil.
De fato, há em Rousseau (1993) uma concepção política claramente orientada à restauração de uma
natureza original do bom selvagem, cuja própria concepção se deve à inexistência de uma forma única ou
regular de sociabilidade. Destarte, o homem primitivo é definido pela vida em estado de harmonia e
equilíbrio consigo mesmo e com a natureza. Na suma simplicidade deste estado de natureza ou nesta natureza
primeira, os homens são felizes e bons e seu contraponto é a decadente sociedade civil.
A vida nas cidades e o meio social é fonte de vícios e maus costumes frente aos quais cabe se prevenir
das transformações a fim de, pelo menos, retardar o inevitável movimento de corrupção. Sob a ótica desta
espécie de naturalismo conservador, se faz coincidir a ideia de transformação com a de falsificação pelo
meio, abrindo uma dicotomia insuperável entre uma suposta natureza autêntica das paixões e o universo
das mediações desmedidas que desviam e pervertem. A loucura se define neste caso pelo gosto e a busca pelo
luxo e pelo lucro, na ignorância, na perdição ou na derrocada do caminho de restauração e obediência da
natureza original.
Seguindo esta linha de pensamento, é que Rousseau (1999) acaba por postular a educação como
renaturação quando o preceptor do Emílio pretende se anular enquanto meio de educação. Ele busca obter a
natureza forjando-a com astúcia e para tanto, usa de uma série de artifícios astuciosos, tais quais se esconder
na floresta, forjando trunfos e humilhações artificiais a fim de educa-lo com uma natureza preparada. Neste
relato, vemos a busca da inocência e da espontaneidade na representação da natureza, que é precisamente
onde se camuflam os sentimentos e ideias humanos, que tal qual as ações e os gestos, são antinaturais,
regidos pelo acaso.
Posto isso, se por um lado Rosset (1989a) aponta que não há uma definição rousseuniana específica
para a ideia de natureza, ela adquire uma função religiosa metafísica e mística enquanto aquilo que resta do
ser quando se elimina as mediações, as interferências e poluições do meio. Deste modo, trata-se não de
instaurar uma natureza própria ao homem, mas de se encontrar maneiras de restaurar uma obediência à
natureza na recusa do artifício que ratifica a condenação deste que se dá desde Descartes, pelo menos, de
acordo com o autor.
O naturalismo moderno de Rousseau - que culpa e acusa o artifício e a cultura, clamando num tom
imperioso e alarmista a um retorno à natureza - significa e procede, segundo Rosset (1989a), uma
usurpação do artificio. Ele ainda nega e censura a Hobbes pela ligação entre força e poder.
Nesse sentido, a ideia de natureza poderia mostrar-se como a expressão mais geral da afetividade
paranóica, isto é, como a expressão de um dos componentes fundamentais de toda afetividade humana,
exprimindo com precisão seus dois principais temas: a insatisfação e a racionalização. E, nessa
hipótese, não seria por “acaso” que o mais abertamente paranoico dos filósofos tenha sido precisamente
Rousseau, obsessivo cantor dos temas naturalistas (ROSSET, 1989a, p. 29).
A condição originária de “estar só” tem duas dimensões: uma geográfica ou física e outra psicológica
ou subjetiva. No primeiro aspecto, a sua solidão no mundo dá-se num momento de grande abundância
de recursos naturais – aqui significando basicamente que a quantidade de alimentos excedia em muito
a capacidade humana de servir-se deles. Já no segundo aspecto, Baczko, ao tratar desse momento de
solidão, assim o configura: encontrarmos esse homem e suas autênticas virtudes perscrutando a nós
mesmos, essa seria a “vida interior”.
“No modelo de solidão proposto por Rousseau, o indivíduo encontra a afirmação de sua separação do
mundo, de seu isolamento. Ele busca na sua vida interior reencontrar o seu próprio “eu”. Posto que
ele [o homem solitário] é plenamente independente e suficiente a si mesmo” (BACZKO, 1974, p.
166).
Naturalizar
Naturalizar é condição da atuação daqueles que Foucault (1977, p. 244) alcunha em Vigiar e punir
de “técnicos do comportamento: engenheiros da conduta, ortopedistas da individualidade”. Ao sujeitar
as existências coletivas e individuais às leis de funcionamento próprias de um fato social é que se torna
possível submete-las ao controle e à adaptação tornando viável, à tiracolo, a ressocialização do indivíduo
insubordinado.
Não fortuitamente, na mesma obra o pensador francês localiza o surgimento das ciências da natureza
no final da Idade Média como desdobramento das práticas de inquérito e dos conhecimentos empíricos. Isto
significa que as raízes da naturalização da experiência humana, de seu método de descrição e
estabelecimento factual, estão situadas no modelo operatório da Inquisição28. O que leva entender as ciências
naturais – base de uma série de objetivações dos saberes disciplinares – vêm, pelo menos em parte, a ocupar
e espaço da fogueira inquisitória enquanto mecanismo de extração e produção da verdade. Correlato das
operações de extração dos enunciados e das visibilidades de acordo com Deleuze (2014).
Ao deixarmos para trás era clássica com a fogueira inquisitória como tentativa irrevogável e radical
de controle e submissão do pensamento e da experiência, filiamo-nos à normalização como submissão,
codificação e aplicação de normas para a intervenção na experiência humana moderna. Ambas, entretanto,
voltadas para a questão da administração da diferença e da produção humanas.
28
“Ora, o que esse inquérito político-jurídico, administrativo e criminal, religioso e leigo foi para as ciências da natureza, a análise
disciplinar foi para as ciências do homem. Essas ciências com que nossa ‘humanidade’ se encanta há mais de um século têm sua
matriz técnica na minúcia tateante e maldosa das disciplinas e de suas investigações. Estas são talvez para a psicologia, a pedagogia,
a psiquiatria, a criminologia, e para tantos outros estranhos conhecimentos, o que foi o terrível poder de inquérito para o saber calmo
dos animais, das plantas ou da terra. Outro poder, outro saber” (FOUCUALT, 1977, p. 186).
Submeter algo que existe à existência de outra coisa qualquer que não a si mesmo é o cerne de toda visão
teológica e de todo pensamento religioso (decalcado etimologicamente de religare), que visa religar uma
origem a um fim, que estabelece uma teleologia entre uma arché a um télos. Neste sentido, pouco importa se
essa outra coisa ganha o nome de Deus ou de natureza (cf. ROSSET, 1989a, p. 42). Assim, submeter a
loucura à natureza do homem tal qual definido enquanto sujeito moderno nos parece altamente improcedente
e contraproducente para uma clínica da loucura. Tal procedimento serve tão somente ao que se designa:
invalida o ethos, a linguagem e a experiência própria da loucura.
Uma vez que
Natureza nunca foi um conceito, nem mesmo em Platão e Aristóteles; apenas uma palavra que serve
de ponto de apoio para evacuação de tudo aquilo que não é tolerado. O importante é negar o que é
sentido como intolerável, não importa em função de quê: o que é próprio do pensamento naturalista
não é o dar um sentido qualquer à ideia de natureza, mas o fundamentar-se na palavra natureza para
recusar tudo o que existe artificialmente, isto é, para contestar tudo o que existe (ROSSET, 1989a, p.
267).
A ideia de natureza serve para eliminar, para colocar fora do baralho aquilo que se apresenta como irresistível,
[amar aquilo que a existência tem de… Nit] problemático, através dos sentimentos.
A natureza surge para compensar a racionalidade com seu necessário aspecto ilógico: “mesmo o homem
mais racional precisa, de tempo em tempo, novamente da natureza, isto é, de sua ilógica relação fundamental
com todas as coisas” (HH??, p. 23).
“508. Em plena natureza. — Gostamos muito de estar em plena natureza, porque ela não tem opinião alguma
sobre nós” (HH??, p. 152).
Desbaratadas de agente e vontade as forças da natureza são livres como a tormenta e o relâmpago (ver
simbologia nietzschiana). A natureza das forças inorgânicas não tem juízo algum sobre o vivido e a vida.
Se identificamos uma natureza má, ela não passa de projeção histórico-cultural de nosso sentimentos
humanos, a natureza qualificada é já uma segunda natureza como aponta Nietzsche em Aurora (AU??, p.
176):
Tal como agora nos educam, adquirimos primeiro uma segunda natureza: e a temos quando o mundo
nos considera maduros, maiores de idade, utilizáveis. Alguns poucos são cobras o bastante para um dia
desfazer-se dessa pele: quando, sob seu invólucro, sua primeira natureza tornou-se madura. Na maioria,
o gérmen dela ressecou.
No mesmo sentido, num fragmento póstumo, Nietzsche (2006FP??) critica o cristianismo como
desnaturalização, desmobilização das forças constitutivas inorgânicas da natureza.
Os juízos transformam os instintos de maneira que o que deles apreendemos não é senão uma segunda
natureza. Nela tomam corpo bom e mau, todo caráter instintual só é atribuído no encontro com uma valoração
pré-estabelecida. [[produção de signos NC]]
Além disso,
Primeiro os homens projetaram-se na natureza: em toda parte viram a si mesmos e seus iguais, isto é,
suas características más e caprichosas, como se estivessem escondidas entre nuvens, temporais, animais
de rapina, árvores e plantas: naquele tempo inventaram a “natureza má”. Depois veio a época em que
novamente se imaginaram fora da natureza, a época de Rousseau: estavam tão fartos uns dos outros,
que quiseram possuir um canto a que não chegasse o homem e seu tormento: inventaram a “natureza
boa” (AU??, p. 17)
Longe do ideal harmônico rousseaniano, a natureza é guerra e conflito, sua base não é uma filosofia
humanística ou romantizada, mas o darwinismo e os conhecimentos concretos que dispunha o filósofo alemão
a seu tempo.
Natureza e Moral contranatural
A moral contranatural29 destacada por Nietzsche (CI??, p. 24) desvaloriza as forças vitais e o movimento
insubmisso da vida, “quase toda moral até hoje ensinada, venerada e pregada, volta-se, pelo contrário,
justamente contra os instintos da vida — é uma condenação, ora secreta, ora ruidosa e insolente, desses
instintos”.
Híbris é hoje nossa atitude para com a natureza, nossa violentação da natureza com ajuda das
máquinas e da tão irrefletida inventividade dos engenheiros e técnicos; híbris é nossa atitude para
com Deus, quero dizer, para com uma presumível aranha de propósito e mora lida de por trás da grande
tela e teia da causalidade podemos dizer, como Carlos, o Temerário, em luta com Luís XI:13 "je
combats l'universelle araignée" [eu combato a aranha universal] -; híbris é nossa atitude para com nós
mesmos, pois fazemos conosco experimentos que não nos permitiríamos fazer com nenhum animal, e
alegres e curiosos vivisseccionamos nossa alma: que nos importa ainda a "salvação" da alma! Depois
curamos a nós mesmos: estar doente é instrutivo, não temos dúvida, ainda mais instrutivo que estar são
- os que tornam doente nos parecem mesmo mais necessários do que homens de medicina e
"salvadores" (GM??, p. 44)
29
Embora a tradução brasileira de O crepúsculo dos ídolos opte por A moral antinatural, entendemos que a moral criticada por
Nietzsche (CI??) é a moral que bate de frente com a natureza enquanto domínio de forças constitutivas e indomáveis, logo optamos
por moral contra-natureza. Mesmo até porque levantamos neste escrito uma discussão acerca da antinatureza da existência humana
sob o ponto de vista trágico. Trata-se de uma visão desnaturalizada da existência humana concreta, alheia à noção de natureza.
Espaço, tempo, causalidade e matéria não são fenômenos de nossa intuição, ou formas subjetivas desta.
Aliás, toda matéria porta – pelo menos em gérmen – forma subjetiva, como num fragmento póstumo de
1882.
Perspectivismo.
A realidade só aparece nas sensações. Nelas, com elas e partindo delas é que se cria mundos, numa atividade
que constitui a existência como labor artístico, mesmo quando as sensações e as forças insubmissas acabam
por dissolver o sujeito [[e o próprio mundo instituído deste]] (cf. NIETZSCHE, 2006). Ou 2006b??
A natureza do inorgânico, das forças inorgânicas é condicionante da viagem. Com suas forças
desterritorializantes e territorializantes, devemos reterritorializar a rota existencial, criando os meios para
seguir a viagem.
VER:
Na verdade, “a natureza se define por impossibilidades tanto quanto por possibilidades” (CANGUILHEM,
2012, p. 191).
Necessidade
conversão moral, aponta Canguilhem, é o movimento pelo qual, "renunciando a fazer da necessidade
virtude, Descartes se propõe e nos propõe converter em poder o conhecimento da necessidade" (1996, p.
94). Como se a desvinculação entre necessidade e realidade fosse condição de possibilidade para o
aparecimento de uma reflexão sobre a técnica. É por isso que para uma filosofia que identifica natureza e
Deus, Cosmos e Logos, a técnica só pode ser uma atividade supérflua, pois, conclui Canguilhem:
“Toda filosofia que identifica realidade e finalidade deve estabilizar os atributos humanos num
sistema hierárquico de qualidades e de essências, donde toda possibilidade de correção ou de
rearranjo está excluída como devendo levar à queda de todo o edifício” (1996, p. 94).
Se Descartes pôde constituir uma reflexão sobre a técnica é porque ele rejeitou a finalidade natural do mundo
e a presença de uma qualidade determinante da matéria. Como observa Canguilhem:
Na doutrina de Descartes, como naquela dos atomistas, uma matéria sem qualidades reais, um universo
sem hierarquia teleológica são as razões metafísicas da fé na eficácia criadora da técnica. A enérgica
negação da finalidade natural é, na filosofia de Descartes, a condição de uma teoria mecânica da
natureza e de uma teoria mecanicista da arte (1996, p. 94).
É a negação cartesiana de uma concepção teleológica da realidade que Canguilhem
entende se manifestar de maneira privilegiada na tese metafísica da livre criação por Deus das verdades
eternas.
CANGUILHEM, G. Descartes et la technique. Cahiers philosophiques, n° 69, déc. 1996, pp. 93-100.
É usado por sua irmã e pelos signatários do nazismo para fortalecer uma concepção de direita
nacionalista que não poderia estar mais longe de suas ideias anti-nacionalismos e de questionamento acerca
do que se afirma como alemão.
A recepção de Nietzsche pela esquerda começa com as vanguardas, com o expressionismo e com o
surrealismo, atentos ao valor subversivo de sua estética, a qual recupera o vínculo platônico da aparência
estética com a negação da identidade. Estes temas são colocados criticamente como alienação e desintegração
do sujeito, que vive sob os papeis impostos pelos poderes dominantes incorporados ao processo de
socialização. Em oposição ao positivismo e ao pragmatismo, Munch, Gauguin e Strindberg (com quem houve
intensa correspondência em 1888) buscam nele algo que se furta a Bismarck e a oposição aos ataques que
Eugen Dühring faz desde Berlin aos judeus.
Tal aproximação ao movimento revolucionário marxista é contestada por Lukács, que vê nele o
desespero pequeno burguês que busca compensação na afirmação trágica da vida. O super-homem é nascido
da cs pequeno burguesa como decorrência do fracasso dos ideias humanistas.
Os menos ortodoxos E. Bloch e depois Adorno e Horkheimer entendem o super-homem como crítica e cs de
seu não-ser-ainda revolucionário. Bataille, no segundo volume da Suma Ateológica, (cf. J.-P. Faye, Le vrai
Nietzsche: guerre à la guerre) o considera símbolo da insubordinação revolucionária e contra a conciliação
burguesa (hegeliana?). De todo modo, o alemão aparece como inimigo das forças de permanência e do
estabelecido, assim como dos valores negativos e violentos que forjam a cultura europeia.
Diego Sanchéz Meca (2009, ) aponta como destaque a recolocação do problema do conceito de
cultura, e do processo de assimilação e incorporação dos indivíduos a ela, na transvaloração da moral
europeia que faz a saúde vencer a doença niilista. Na linha desta doença niilista, a cultura europeia significa
a vitória do ressentimento e do desejo de vingança, materializada na igualação na mediocridade que colabora
para a repressão das forças afirmativas e a criação dos tipos fortes em prol da má consciência. Assim o homem
se torna genérico e abstrato, atado às condições comuns que o igualam e subordinam aos demais. Seu discurso
é contra as ilusões da técnica e da razão que atuam como remédios universais, o que só faz sobressaltar a
debilidade do homem que não suporta os aspectos duros e desagradáveis da vida, buscando na ideologia do
acumulo e do progresso um conforto para sua preguiça e doença do pensamento, assinalada acima.
A grandeza dos gregos estaria em sua capacidade de produzir uma cultura mais sã, afirmativa e cheia
de vitalidade a partir de um pessimismo das forças (que nos subordinam) expresso em suas criações artísticas
e sobretudo na tragédia.
O humano é um devir no qual nada dura invariavelmente e por isso suas realizações não têm limite
(cf. aforisma 62 de ABM). Sua capacidade de auto-superação é antagonizada pela ação niveladora e
estandarizadora da sociedade. Um homem ao qual sua cultura despossui de suas fontes vitais criativas que
favorecem a ampliação de seu viver e da vida, enquanto VdeP.
Como realizar uma cultura da diversidade e da coexistência de valores e formas de vida diferentes,
de pluralidade de ideias e de modos de pensar? Uma cultura capaz de abarcar a transformação – incluídas ai
a destruição e a criação de novas normas e formas – como condução de seu próprio auto-crescimento e
desenvolvimento.
Niilismo e trágico
VER: trágico;
Norma
Quais são os objetivos sociais da medicina, vista do interior? Para isso há de caracterizar seu objeto
(necessariamente anômalo?), que não tem um limite claro e definido entre objeto e produto,
consubstanciados no corpo. O momento da produção o e do consumo médico coincidem no corpo do doente.
Mas a prática médica e de saúde não se resume à ciência do corpo, ao desvendamento das regularidades
biológicas, antes, visa a manipulação a fim obter efeitos em termos de corpo normal ou patológico. A norma,
mesmo em fisiologia, não se deixa reduzir À determinação científica. Não há ciência do normal, mas das
situações e condições chamadas de normal.
A normalidade (normativa) se desenvolve na vida, que é em si normativa, capaz de instituir e modificar as
normas que institui. A vida forja o que é normal e sua restauração, aquém dos ciência que eventualmente o
subordina. A saúde é uma margem de tolerância às infidelidades do meio, que não é um sistema de
constantes mecânicas, físicas e químicas, mas de variações.
As leis que regulam o meio são abstrações teóricas, e o vivente vive não entre elas, mas entre outros
viventes, seres e acontecimentos que diversificam, se distinguem e não cabem nestas leis. Saúde e enfermidade
se dão como prova no plano da experiência não no da ciência, que a explica mas não a anula
(CANGUILHEM, 2002). A dimensão extracientífica do corpo normal é que a medicina enfrenta em sua
prática concreta, reconhecível ou não no plano das formalizações dos saberes. A normatividade vai além da
anatomofisiologia do organismo e diz respeito aos modos do caminhar e de levar a vida.
O corpo – e seu prolongamento pelos instrumentos - é o meio para as ações e o viver, por isso, para
determinar normal ou patológico há de olhar além do corpo reduzido ao organismo. A vitalidade orgânica
se define como plasticidade técnica e avidez por dominar o entorno.
É na complexidade das relações com o exterior, nas qualificações da existência material e social (e as formas
históricas aí implicadas – Síndrome de down - Tezza), que o corpo (re)elabora as normas e se institui como
estrutura anatômica e fisiológica. O corpo não é um objeto permanente e homogêneo, idêntico a si mesmo.
Norma e regra
Foucault (2000) entende a noção de norma junto à de função como forjadoras do conceito moderno de
homem.
PP 73-4
AN 74-5
EDS 75-6
STP 77-8
NBP 78-9
como bem salientado por Macherey (FN??), a norma tem um caráter produtivo imanente. Elucidamos,
pois, que a norma constitui positivamente categorias negativas – como a loucura e a delinquência (cf.
FOUCAULT, 1979; 1977) – e positivas – como a sexualidade (idem, HS1??). A produção positiva das normas
é dada então na conjunção da aplicação sistemática dos saberes com a determinação um campo de
verdades específico.
certo lucro econômico, certa utilidade política e, por essa razão, se viram naturalmente colonizados e
sustentados por mecanismos globais e, finalmente, pelo sistema do Estado inteiro [...] A burguesia não
se interessa pelos loucos, mas pelo poder que incide sobre os loucos.
Isto significa que a partir do momento em que a exclusão dos loucos passa a gerar um lucro político e certa
utilidade econômica eles são aderidos e investidos pelo sistema burguês global. Este visa a instauração de um
novo indivíduo que desemboca no que vem a se tornar o sujeito moderno no século XIX. O homem moderno
não é mais que a imagem da oscilação entre o indivíduo jurídico, instrumento de reivindicação de poder
por parte da burguesia, e o indivíduo disciplinar, moldado pela mesma burguesia como força política e
económica útil (FOUCAULT, 2006).
Todo um instrumental de saber é colocado em marcha para que o poder opere seus mecanismos finos.
Ao contrário dos teóricos da ideologia, a análise foucaultiana do poder se volta não para a soberania, mas para
os operadores materiais de dominação, de sujeição, das conexões e utilizações dos dispositivos de poder. Em
tese, os métodos de observação e registro, os procedimentos de investigação, pesquisa e demais técnicas e
aparelhos de veridição criados no âmbito disciplinar dão corpo a um poder global que age na sociedade
investindo e se apropriando de técnicas de sujeição e observação. Daí a norma estatística e o tipo ideal
aparecerem como instrumentos privilegiados de governo, de gestão e avaliação do corpo individual e do
coletivo humano.
E o poder moderno se move entre ao direito público da soberania e a mecânica polimorfa da disciplina. A
norma no lugar da regra enquanto da vontade do soberano. A regra jurídica decalcada do sistema de soberania
dá lugar à regra natural, à norma. A passagem do código de leis para a normalização caracteriza
modernidade. Não mais direito, mas ciências humanas na jurisprudência da clínica. As disciplinas “definirão
um código que será aquele, não da lei, mas da normalização, e elas se referirão necessariamente a um
horizonte teórico que não será o edifício do direito, mas o campo das ciências humanas. E sua jurisprudência,
para essas disciplinas, será a de um saber clinico” (EDS??, p. 4...).
A normalização invade e coloniza o âmbito a lei, do direito. A face mais visível deste processo é a
medicalização geral da sociedade, dos comportamentos e dos discursos.
O poder não é uma estrutura, uma instituição ou uma potência que privilegia determinado corpo e outro não.
O poder é mais que tudo um nome, “um nome que se dá a uma complexa situação estratégica em uma
sociedade” (FOUCAULT, 1988, p. ??). Ao nível prático, ele organiza - forma e distribui - os indivíduos de
acordo com as normas socialmente dominantes, dando cabo existências normalizadas em corpos úteis e
dóceis (FOUCAULT, 1977).
O que se passa é que a normalização confunde ou pareia indevidamente os desvios ou o estar fora de
formação com estar fora da rota, com um problema para o sujeito enquanto questão existencial. Se por um
lado, estar “fora da formação” não garante estar mais ligado à rota (ao caminho existencial que seguir),
tampouco deve ser colocado como solução ao fato de estar fora de formação o retorno a uma unidade
autônoma do sujeito, ao sujeito desalienado. Ou cuja liberdade deve ser alienada à vontade do médico.
Laing (1977, p. 105) dá uma resolução relativamente simples para o imbróglio: “se a formação está
realmente fora da rota, então o homem que está a ponto de entrar na rota deve abandonar a formação”.
Deve seguir na desterritorialização para reterritorializar em outros porvires.
A questão existencial da rota é notadamente uma questão ética, de formação de si mesmo. Ao passo
que o problema clínico da formação (da própria ideia de boa formação ou formação adequada) está na alçada
da subordinação. Da normalização dos corpos.
Uma função não funciona indiferentemente em vários sentidos. Uma necessidade situa em relação a
uma propulsão e a uma repulsão os objetos de satisfação propostos. Há uma polaridade dinâmica da
vida. Enquanto as variações morfológicas ou funcionais sobre o tipo específico contrariam ou não
invertem essa polaridade, a anomalia é um fato tolerado; em caso contrário, a anomalia é
experimentada como tendo valor vital negativo e se traduz externamente como tal. É porque existem
anomalias experimentadas ou manifestadas como um mal orgânico que existe um interesse —
afetivo em primeiro lugar, e teórico, em seguida — pelas anomalias. É por ter se tornado patológica
que a anomalia suscita o estudo científico das diversas anomalias. De seu ponto de vista objetivo, o
cientista só quer ver, na anomalia, o desvio estatístico, não compreendendo que o interesse científico
do biólogo foi suscitado pelo desvio normativo. Em resumo, nem toda anomalia é patológica, mas só a
existência de anomalias patológicas é que criou uma ciência especial das anomalias que tende
normalmente — pelo fato de ser ciência — a banir, da definição da anomalia, qualquer implicação
normativa (2002, p. 52).
Se é verdade que o corpo humano é, em certo sentido, produto da atividade social, não é absurdo
supor que a constância de certos traços, revelados por uma média, dependa da fidelidade consciente
ou inconsciente a certas normas da vida. Por conseguinte, na espécie humana, a frequência estatística
não traduz apenas uma normatividade vital, mas também uma normatividade social. Um traço
humano não seria normal por ser freqüente; mas seria freqüente por ser normal, isto é, normativo
em um determinado gênero de vida (Cang?? 2002, p. 62).
Normalização estatística é o que Foucault (STP??) distingue da normalização, que é de tipo ideal,
que parte de uma norma ideal erigida ao qual deve se submeter. Aqui, o pensador francês recorre ao exemplo
epidêmico-epidemiológico da varíola, com a variolização e a subsequente vacinação
Coloca a norma em jogo no cerne de um sistema de normalidades diferenciais. Procedimento no qual
o normal é primeiro e dá forma à norma, dele deduzida. Primeiro tem-se o normal e a partir dele se deduz
uma norma, cuja aplicação é estendida e distendida numa disciplina dos corpos e na regulamentação de uma
população.
VER: variola
Epistemologicamente, estatística refere-se ao conhecimento do Estado moderno, não mais assentado
nas leis que o regem e na sua aplicação como para o soberano da era clássica trata-se de um conhecimento
técnico daquilo que o Estado dispõe, das forças e recursos que caracterizam sua própria realidade. Saber
necessário e útil, pois, àquele que governa enquanto forma de manutenção da força (ou pelo menos da força
relativa) do Estado. Serve, portanto, à manutenção de um certo estado de coisas.
Em meio à profusa proliferação das disciplinas (ou do que podemos localizar como instituições
disciplinares: escola, exército, etc.) que se dá entre o século XVI e o XVIII, Foucault (STP??) destaca, na aula
de 5 de Abril de 1978 um fundo de disciplinarização geral na regulamentação dos indivíduos e dos
territórios do Estado ironizando o grande desejo disciplinar da polícia de transformar a cidade num convento
e o reino numa cidade. Ressalta uma lógica policial, na forma jurídica “da lei em seu funcionamento móvel,
permanente e detalhado, que é o regulamento” (FOUCAULT, STP??, p. 458)
Regulamentação da população e disciplina dos indivíduos. Entre um e outro, o elemento comum é a norma,
O “elemento que circula entre um e outro é a ‘norma’. A norma é o que pode tanto se aplicar a um
corpo que se quer disciplinar quanta a uma população que se quer regulamentar” (EDS??, p. 302).
Normalização e governamentalidade:
Na Microfísica do poder, Foucault (1979, p. 171) faz uma rápida definição daquilo que chama
governamentalidade como
conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que
permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população,
por forma principal de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos
de segurança.
Visa objetivar biopoliticamente os corpos individuais e coletivo, adaptar com um viés produtivista,
para servir ao modelo econômico por meio do controle, solicitado e requerido sob a prerrogativa da segurança
e do controle dos riscos.
A tipologia de poder chamada governo, hegemônica sobre os outros modelos, como a soberania e a
disciplina, desenvolve uma variedade de aparelhos específicos e de conjunto de saberes que lhe servem.
VER: instituição
Outrem
Outrem é um outro sujeito – ou melhor, talvez, um regime de alterização subjetiva – que implica a
criação de possíveis para a existência à medida em que decorre de um mundo possível, um rostidade
almejada ou pelo menos entrevista e uma linguagem real e efetiva (cf. DELEUZE & GUATTARI, 2008, p.
25).
Mas outrem não é sujeito nem objeto. Antes, há vários sujeitos porque há outrem. Outrem aparece
como a possibilidade de um assustador mundo possível, ainda não real mas que não deixa, por isso, de existir.
O mundo possível não existe atualizado na realidade comum partilhada, fato que não tira nada da realidade
de outrem, entretanto. A história do conceito de outrem remete à ideia de Leibniz da (centro de visão ou ponto
de vista) a como expressão de um mundo possível, com a diferença que para Deleuze e Guattari (2008, p. 25),
os possíveis existem no mundo real.
Pois outrem é a expressão de um campo perceptivo que aparece como rostidade e como linguagem
na realidade comum redistribuindo e redimensionando as relações espaço-temporais ordenadas básicas de
fundo e figura, centro e margem, extensão e intensidade, etc.
Outrem é sempre percebido como um outro, mas, em seu conceito, ele e a condição de toda
percepção, para os outros como para nós. É a condição sob a qual passamos de um mundo a outro.
Outrem faz o mundo passar, e o "eu" nada designa senão um mundo passado ("eu estava tranquilo...").
Por exemplo, Outrem basta para fazer, de todo comprimento, uma profundidade possível no espaço,
e inversamente, a tal ponto que, se este conceito não funcionasse no campo perceptivo, as transições e
as inversões se tornariam incompreensíveis, e não cessaríamos de nos chocar contra as coisas, o
possível tendo desaparecido. Ou ao menos, filosoficamente, seria necessário encontrar uma outra razão
pela qual nós não nos chocamos... E assim que, a partir de um plano determinável, se passa de um
conceito a um outro, por uma espécie de ponte: a criação de um conceito de Outrem, com tais
componentes vai levar a criação de um novo conceito de espaço perceptivo, com outros componentes,
a determinar (não se chocar, ou não se chocar demais, fará parte de seus componentes) (DELEUZE &
GUATTARI, 2008, p. 26).
Neste sentido é que a produção da loucura condiciona uma nova percepção da loucura, um outro
trato que, ao invés de um fechamento do louco num espaço de simultânea exclusão integrante, apreensão e
tutela, propicia uma grande abertura. Faz a passagem do sofrimento psíquico propriamente vivenciado como
determinação da apreensão tutelada do indivíduo forjado sob a imagem da figura psicossocial do doente
mental a outro mundo possível, não mais que apensas sugerido, prefigurado talvez, entre a criação artística
e a produção de subjetividade e dessubjetivação.
A passagem de um mundo a outro pode ser uma saturação, uma modulação dos termos de um quadro
pintado por um usuário do hospital Nise da Silveira que, de um ponto a outro, entre uma linha e outra do
quadro, preenche todos os espaços, fazendo de cada pintura, pelo menos quase acabada, de cada plano
determinado e especificado, a passagem a um outro mundo. Entre cada linha, ele preenche os espaços, colore
os brancos e inunda de linhas horizontais os espaços verticais, transversalizando-os como uma nova dobra em
cada pintura: um testemunho vivo do caráter produtivo do psiquismo (ver livros de Nise da Silveira e Lula
Wanderley).
Outrem tem no rosto – na rostidade estruturante da percepção (DELEUZE, 2009) de uma alteridade
encarnada independentemente da efetivação de um processo de individuação – um de seus componentes,
assim como a produção da loucura convoca uma multiplicidade de figuras de louco, desembaraçadas de suas
apreensões.
A paz
Mal secreto
Efêmera
Pascal
Natureza livre: X incapacidade (preso a si, ver C2 “incap”) e periculosidade (determinismo forças
insubordinadas, às quais se deve subordinar)
= colocar:
Em um fragmento póstumo do outono de 1987, Nietzsche (2006, p. 345) critica a assunção da moral como
avaliação suprema, ponderando que
ou bem nosso mundo é a obra e a expressão (o modus) de Deus: então tem que ser sumamente perfeito
(...) então o mal, a desgraça só pode ser aparente (os conceitos bem e mal mais radicais em Spinoza)
ou o tem que derivar-se do fim supremo de Deus (...) Ou bem nosso mundo é imperfeito, o mal e a
culpa são reais, são determinados, são absolutamente inerentes a sua essência; então o mundo não pode
ser verdadeiro: então o conhecimento é precisamente o caminho para negá-lo, então é um extravio que
tem que ser reconhecido como extravio. (...) Pascal, ainda mais desesperado: compreendeu que também
o conhecimento tinha que ser corrupto, falsificado – que é necessária a revelação para poder sequer
compreender o mundo como digno de negação...
Por um lado, vemos a resolução do enigma e da questão relativa ao mal, enquanto dimensão estruturante que
abarca a desrazão, no escopo do ordenamento da era clássica. Ao nível da percepção e da distribuição social
da desrazão, ela é pareada ao mal enquanto instância que remete ao reino, tão derrisório quanto perigoso e
profano, das aparências, das paixões e do engano que advém através do que se sente. Ao passo que no âmbito
condizente ao conhecimento dado na captura discursiva da desrazão pela racionalidade que se estabelece
pelo menos deste Erasmo (1987), a loucura desarrazoada não deixa de ser um desdobramento da ordem divina.
Em síntese, enquanto elemento existente no mundo ordenado de Deus, ela não escapa a tal
determinação. Entre um e outro, podemos apreciar o ressoar longínquo, o rumor e o ruído confuso e profundo
da experiência trágica da desrazão que pulsa sob a espessa camada de silêncio entreposta entre ela e a
superfície da experiência cotidiana clássica ordinária na manifestação da loucura trágica nas personagens de
Shakespeare.
Por outro lado, porém, o alemão não deixa de esboçar a crítica da concepção moderna de mundo,
provinda da comparação que o submete ao parâmetros ideais de inteligibilidade realização do conhecimento.
Designado pela imperfeição que vem da insuperável defasagem entre o que há e as formas possíveis de
apreensão, sinalizadas nos postulados kantianos, o conhecimento é fonte do desespero de algum modo precoce
de Pascal, que já no século XVII o pressente como uma falsificação que corrompe a realidade.
Uma vez que Pascal (1973, p. 138) não encontra nas instâncias religiosa, metafísica ou material um
fundamento seguro capaz de assegurar a realidade e a validade do conhecimento, é que ele ressalta a loucura
dos homens “tão necessariamente loucos que seria ser louco (outro tipo de loucura) não ser louco”. Neste
caso, a outra forma da loucura corresponde à vontade de ordenar e curar o mundo de todo mal e da doença
tendo como base, buscando ou forjando uma referência central para tanto. No caso da modernidade, tal
referência é o homem. A outra forma da loucura é uma consequência que decorre, portanto, da constatação
de que não há fundamento, é uma insistência no furor de adequar o mundo às prerrogativas racionalizadas
de inteligibilidade e realização, para operar sobre ele, o monólogo da razão, assim como este se exerce
sobre a loucura (cf. FOUCAULT, 1961/1999).
Canguilhem (2012, p. 163) cita A desproporção do homem, texto dos Pensamentos onde ele se pergunta do
homem no infinito. Frente à inegável evidência que não há mais mundo ordenado, Pascal admite o assustador
silêncio dos espaços infinitos – a outra forma da loucura. Pois o homem não está no meio, não é o centro do
mundo, ele é um meio entre dois infinitos, entre tudo e nada. Na verdade, o meio é o estado em que somos
alocados na natureza. Nele entramos em proporção com algumas partes para as conhecermos.
É no meio, contudo, que entramos em relação com o lugar que nos contém, com o tempo no qual
dura nossa existência, com o movimento em que vivemos, com os elementos e o calor que nos compõe, nos
alimenta e nos satisfazem.
A imagem deste leviatã da razão deve necessariamente englobar a desrazão, mesmo sob o preço de
disseminar e semear um pouco de loucura sobre a terreno da razão e tornar cada um de nós, pelo menos em
parte loucos.
Neste sentido, a citação de Pascal (1973, p. 138) que nos serve epigrafe – “os homens são tão
necessariamente loucos que seria ser louco (outro tipo de loucura) não ser louco” – sintetiza o movimento
reflexivo que insere a loucura na própria natureza da razão. [[ao passo que enxerga o homem na
inseparabilidade do pensamento]]. Com sagacidade, Foucault (1979, p. 36) percebe-se no decorrer do século
XVI a sintonia entre esta reflexão e o Elogio da loucura de Erasmo (1988) enquanto movimento de descoberta
de uma loucura imanente à razão; depois, a partir desse ponto, [vemos um] desdobramento: de um
lado, uma "loucura louca" que recusa essa loucura própria da razão e que, rejeitando-a, duplica-a, e
nesse desdobramento cai na mais simples, na mais fechada, na mais imediata das loucuras; por outro
lado, uma "loucura sábia" que acolhe a loucura da razão, ouve-a, reconhece seus direitos de
cidadania e se deixa penetrar por suas forças vivas, com isso protegendo-se da loucura, de modo mais
verdadeiro do que através de uma obstinada recusa sempre vencida de antemão. É que agora a verdade
da loucura faz uma só e mesma coisa com a vitória da razão e seu definitivo domínio, pois a verdade
da loucura é ser interior à razão, ser uma de suas figuras, uma força e como que uma necessidade
momentânea a fim de melhor certificar-se de si mesma (FOUCAULT, 1979, p.36)
Associação com a animalidade, a bestialidade e monstruosidade se dá através, graças e pela necessariedade
do pensamento no homem. Homem sempre tem pensamentos para Pascal, citado por Foucault (1979, p. 148):
A loucura tornou-se algo para ser visto: não mais um monstro no fundo de si mesmo, mas animal de
estranhos mecanismos, bestialidade da qual o homem, há muito tempo, está abolido.
“Posso muito bem conceber um homem sem mãos, pés, cabeça (pois é apenas a experiência que nos
ensina que a cabeça é mais necessária que os pés). Mas não posso conceber o homem sem pensamentos:
seria uma pedra ou uma besta”
A partir do século XVII, o desatino em seu sentido mais amplo não traz mais nenhum ensinamento.
Esta perigosa reversibilidade da razão, que a Renascença sentia de modo ainda bem próximo, deve
ser olvidada, e seus escândalos devem desaparecer. O grande tema da loucura da Cruz que pertencera
de modo tão estreito à experiência cristã da Renascença, começa a desaparecer no século XVII, apesar
do jansenismo e de Pascal. Ou melhor, ele subsiste, mas alterado em seu sentido e como que invertido.
Não se trata mais de exigir da razão humana o abandono de seu orgulho e de suas certezas a fim que
ela se perca no grande desatino do sacrifício. Quando o cristianismo clássico fala da loucura da Cruz,
é apenas para humilhar uma falsa razão e fazer jorrar a luz eterna da verdadeira razão; a loucura de
Deus constitui o homem, é apenas uma sabedoria que os homens desatinados não reconhecem, eles que
vivem neste mundo:
Jesus crucificado... foi o escândalo do mundo e surgiu como ignorância e loucura aos olhos do século
(1979, p. 173dig).
Pascal: Descartes X Montaigne (pascal tb? Porque vê a contradição no seio na razão) Yazbek (2013, p. 127)
MO HL pascal está na mesma linha de Erasmo.
“nesse movimento de inserção da loucura na própria natureza da razão, vê-se desenhar a curva da
reflexão de Pascal”
Os homens são tão necessariamente loucos que não ser louco significaria ser louco de um outro tipo de
loucura99.
Pathos
estar ainda presente na vida quando algo acontece, porém, nunca estamos conscientes da vivência
quando ainda a atravessamos. Neste caso, a vivência e um contra-conceito da razão e, como tal, e
compreendida como pathos
só podemos estar presentes ali enquanto forma pativa de sentir e experimentar, de viver e agir.
diz Delouya (2010, p. 16), “patologia contém em sua raiz etimológica, páthos, um feixe de significados
que une, segundo os dicionários, paixão, sofrimento e doença. À medida que as paixões representam
os acordes mais altos das séries dos afetos, refletem, em sua forma aguçada – trazida pela rede
associativa contida no grego antigo -, aquilo que determina e constitui o cerne do afeto”.
A retirada do sintoma, muitas vezes, torna o sujeito apático, no sentido de sem páthos, tanto sem sinais
da suposta patologia psiquiátrica quanto sem paixão, sem acesso a sua via desejante.
Frente à evidencia que não há unilateralidade do ser, não há sujeito transcendente e logo, o sistema sujeito-
percepção-objeto se vê desestruturado. Onde ficam os objetos exteriores a tal sistema?
Deleuze (2002, p. 15) considera a “repetição não só uma potência própria da linguagem e do pensamento,
um pathos e uma patologia superior”. É a capacidade de sofrer uma força. O paradoxo é o pathos da
filosofia. Ou ainda (p. 275) “a repetição é o pathos, e a filosofia da repetição é a patologia”.
Diz respeito aos fenômenos discordantes de toda lógica e todo conceito, ou natureza, o pathos complexifica
a natureza e complica a explicação natural.
Deleuze (2002) faz um longe recorrido desde o kantismo, até o existencialismo e a psicanálise para mostrar
que pensar incute em pensar um pressuposto, pensar a partir de um fundamento, neste sentido o pathos é uma
patologia superior, o pathos corresponde à atividade radical de pensar sem fundamento.
A intempestividade do pensar (contra um pensamento que se resume na recognição, o pensamento moderno
surge do fracasso da representação e da identidade que a fundamentam) é, pois mais profunda que o tempo
e a eternidade. Contra este tempo, a favor de um tempo que virá.
Assunção do sem lugar deslocado, disfarçado, modificado, sempre recriado
Rompe com o que todo mundo sabe, racha, abre uma fenda no territorialidade constituída e estável.
O pathos circula tangencialmente pelo territórios constituídos, por isso, é capaz de provocar fissuras.
Lo que nos fuerza a pensar es precisamente aquello que es inaplicable a un objeto. Lo que sólo puede ser
sentido, o recordado, o imaginado, o concebido-el ejercicio extremo de una facultad, su exceso específico,
que nos enfrenta no con tal cualidad sensible de un objeto, sino con un signo de la sensibilidad; no con un
ser sensible, sino con el ser de lo sensible.]
O trágico consiste, para Nietzsche (2014, p. 162), em fazer o que há de terrível e inquietante,
desagregar como no desmoronamento central posto em marcha de modo deturpar ao mesmo tempo “a
lógica e a inteligibilidade conceitual da existência”
Sua superabundância é capaz de fazer do deserto um terreno fértil. Além da racionalidade estéril ou
das categorias de consolo para a vida. Citação Nise: “não sou filantropa, e sim cientista, investigo o abismo,
mas só posso chegar até sua borda”. A vida precisa ser criada, mais que interpretada ou se ater à superfície
objetiva seus sistemas de codificação.
No segundo capitulo interpretamos diretamente a nocao de vivencia, agora compreendida como pathos.
Etimologicamente, vivencia (Erlebnis) e a condicao de possibilidade da experiencia (Erfahrung) (cf.
analise da diferenca na nota 17 do 2º capitulo). O experimento é a instrumentalização teorica de uma
vivencia ... Vivência significa “estar ainda presente na vida quando algo acontece”, porém, seu
conteúdo nos está obstruído, na medida em que nunca somos conscientes do pathos próprio da vida.
Ao instrumentalizar de forma racional e posteriormente uma vivência, então comunicamos algo através
de signos de linguagem – signos estes já sempre abreviados e empobrecidos –, de modo que, no fundo,
narramos uma experiência e não uma vivência. Neste aspecto, Erlebnis é um conceito que, como
pathos, não pode ser sistematicamente conceitualizado, pois tão logo a racionalizamos, deixa de ser
uma vivência. Por isso se trata de um contraconceito da razão [desde a extemporânea sobre Wagner]]
No contexto que se refere à noção de vivência, Viesenteiner (p. 111) ressalta três aspectos que a
definem. Antes de tudo, o autor pondera que a vivência expressa a relação imediata homem-mundo. Ela
implica, portanto, uma ligação imediata com a vida à qual não se remete nem se acessa pela tradição ou pelo
relato (pela razão ou pela comunicação), pois seu conteúdo não se deve a nenhuma construção e, por isso, diz
respeito ao que é sentido num contato de caráter global e imediato com a vida. Além disso, embora seja
impossível esgotar ou mesmo determinar racionalmente o conteúdo da vivência, ela tem intensidade capaz
de transformar a existência. Consequentemente, a vivência só pode ser pensada do ponto de vista estético,
pois constitui o substrato da arte enquanto tentativa de materialização do informe.
A estes dois aspectos, Viesenteiner (2009) ainda adiciona a constatação que a palavra Erlebnis surge
na literatura alemã do século XIX em contraste intransigente à noção racionalista da Aufklärung. Assim,
simultaneamente em contraposição à frieza da abstração dada na especulação metafísica e à particularização
da sensação e da representação, a noção de vivência implica uma ligação com a Totalidade, uma relação com
a Infinitude sentida na pele – como aquilo que Jaspers (1970, 1982) denomina o englobante inapreensível
e que exploramos no terceiro capítulo. Primeiro, isto significa que ela engloba tudo o que propriamente se
vivencia: o que se sente, se presencia, se pensa, se quer, se faz ou se permite. Por conseguinte, as vivências
são as condições – porém não as estruturas – da experiência. Esta corresponde a uma dimensão prático-
moral interpõe meios e mediações para avaliar o que se vivencia, visto que a vivência tem sentido apenas
estético-individual. Assim, a vivência é contemplativa e não judicativa, apreciativa. Logo, a pergunta que lhe
concerne é esta vivência te agradou?, diferentemente daquilo que se expressa judicativamente na experiência
como agora que você experimentou, você sabe.
A loucura é algo que se vivencia.
Uma vez que condiz à relação com a infinitude e à integralidade do que se passa no mundo, a
vivência condiz a um modo de afetação significativa e marcante pela imediatez. Assim a ideia de marca e de
imediatez incondicionalmente sentidas ligam a vivência à experiência de criação. Atravessamento.
Vivência (Erlebnis) significa estar ainda presente na vida quando algo acontece, porém, nunca
estamos conscientes da vivência quando ainda a atravessamos. Neste caso, a vivência e um contra-
conceito da razão e, como tal, e compreendida como pathos. (...) patheticamente, não pode ser
conceitualmente sistematizada e nem sequer comunicada através de signos linguisticos, pois tao logo a
racionalizamos ou comunicamos, deixa de ser uma vivencia. ‘Tornar-se o que se e’, porem, acontece
unicamente na vida e precisamente atraves das Erlebnisse, de modo que ‘tornar-se’ se converte em um
imenso processo de experimentacao essencialmente fluido.
Vivenciar é atravessar patheticamente uma trajetoria, cujo movimento e realizado para alem da
intencionalidade, mas que constroi no homem uma abundancia de vida.
O excesso e a abundância não estão dados, são conquistados. Como traz Viesenteniner (2009, p. 18)
O ‘grande desprendimento’, bem como cada um dos flagelos de doença e saude atravessados pelos
espiritos livres sao as condições sumariamente importantes a conquista de um excesso perdulario de
vida. Trata-se da abundância que capacita o homem a amar a superficie, porque ja esteve por muito
tempo nas profundezas, ou o sofrimento da abundancia de vida que dá ao espirito livre a prerrogativa
da pobreza dos que são os mais ricos, pois so se e pobre, ao preço de ser suficientemente rico. Esta
travessia pathetica por uma vivencia fornece ao homem liberdade suficiente para nao ter que dar
satisfacoes nem sequer a si proprio, bem como imprimir em si mesmo as mais variadas formas, isto é,
liberdade suficiente para dar estilo ao carater, podendo tambem, inclusive, extingui-lo quando bem
quiser. Como pathos, porem, nos e impossivel vivenciar algo como um ‘querer vivenciar’. Não
vivenciamos uma crise, por exemplo, de modo intencional ou racionalmente sistematizada. Toda
travessia simplesmente se impõe patheticamente e sem que tenhamos escolha, de modo que não é
possivel tambem especificar que tipo de vivencia precisamos atravessar, para nos tornarmos o que
somos.
O efeito da tragédia antiga nunca repousou na tensão, na estimulante incerteza sobre o que acontecerá
no próximo momento, mas, ao contrário, naquelas grandes cenas carregadas de patos e amplamente
estruturadas, nas quais o caráter musical fundamental do ditirambo dionisíaco ressoava
(NIETZSCHE, 2006a, p. 31)
As tragédias têm muitos momentos líricos, em que o pathos da Vontade se manifesta em sua força
arrebatadora. Mas o que caracteriza a tragédia, segundo Nietzsche, é a unidade de uma obra toda
voltada para o momento trágico, em que a Vontade se apresenta no ápice de sua força arrebatadora,
no ápice, portanto, de sua sublimidade. A obra de arte trágica, em que tem ensejo a música trágica, é,
assim a representação mais acabada da Vontade, e o prazer extático que ela veicula é superior a toda
outra qualquer possibilidade artística. Mas o que assegurou à obra de arte trágica o poder catártico
que ela teve para a humanidade helênica foi em grande parte a sua capacidade sintética de todo o sentido
da civilização grega em função do devir na Vontade. Esta capacidade sintética da obra de arte trágica
foi assegurada pelo mito trágico, que foi sempre uma apropriação de todo mito grego para descobrir
nele o vislumbre do núcleo originário de dor na Vontade, que sempre rondou a humanidade grega desde
o titanismo [[final cap 9 Nascimento Tragédia]]. Com o voltar-se para o Uno-originário da Vontade
enquanto pura dor, a individuação humana chega à sua possibilidade mais elevada, com o gênio trágico:
a de criar a imagem lenitiva mais apropriada da Vontade: o que se dá sobretudo pela música trágica.
[Em contraposição à ópera, na qual aparece] o pathos diluído em paixões ligadas a objetos de paixão
determinados: a paixão pela amada, a paixão pela liberdade, pela natureza, pela justiça etc., sem chegar
jamais à in-tensidade de todo pathos na representação da pura Vontade. Assim, na ópera a música
ainda estava escravizada pela palavra e pelo sentido representativo do discurso
Sofrer, certa receptividade, mais que passividade perante o que nos atravessa que sinaliza uma ação
de ser afetado; em outras palavras: ser prisioneiro da própria viagem. condição inarticulável pelas palavra, o
que torna a viagem de que se é prisioneiro, sem partilha.
Pathos criativo: o real múltiplo, a unidade virtual e atualização
Refletindo sobre organização criativa das condições de atualização, no movimento que vai da
multiplicidade ao engendramento de unidade parte do real, que é múltiplo. Tal como se pode complementar
a partir de Bergson, “o real não é somente o que se divide segundo articulações naturais ou diferenças de
natureza, mas é também o que se reúne segundo vias que convergem para um mesmo ponto ideal ou virtual”
(DELEUZE, 1999, p. 20).
Porém, esse recorte, não é um
processo criativo que organiza um novo ponto de unidade virtual, mas simplesmente como um processo
que trata as linhas das articulações naturais de volta ao ponto de partida original [a unidade].
Recoupement é uma maneira bergsoniana de expressar o principio escolástico de que o ser é unívoco;
podemos verificar que o ser é sempre e em todo lugar dito da mesma maneira, quer dizer, porque o todo
da realidade pode ser novamente tratado ao longo de caminhos convergentes para um ponto virtual
único. Essa teoria da univocidade opõe-se a uma teoria da analogia do ser. O que nos importa aqui é
que, embora a univocidade implique em uma igualdade geral e em uma comunalidade do ser, assim o
é apenas no plano virtual (HARDT, 1996, p. 52).
Na obra bergsoniana, a unidade aparece apenas no campo virtual. Já Deleuze parece preocupado com
a organização da multiplicidade do atual. Problema de complexo de percepção como uma espécie de
recordação futura, uma espécie de futuro anterior, que descreve a própria dinâmica da atualização. Por isso,
se articula à intuição como dinâmica positiva do ser originada da emoção criativa. Destarte, tal como elucida
Hardt (1996, p. 54)
essa produção original de sociabilidade pela emoção criativa nos traz de volta ao plano da unidade
na memória, de Bergson, mas dessa vez é uma nova memória. “É o que e essa emoção criativa, senão
precisamente uma Memória cósmica, que atualiza todos os níveis ao mesmo tempo, que libera o
homem do plano, ou do nível a que pertence, a fim de fazê-lo um criador, adequado a todo movimento
da criação?” (...) [Trata-se, enfim, de um] pathos criativo, emoção produtiva, uma comunidade de
criadores ativos que ultrapassa o plano da natureza e dos seres humanos.
O pathos criativo libera, portanto, o homem do plano, da superfície de objetivação.
O pathos não corresponde a uma pura passividade do sentir, mas passa a ter um papel ativo e
produtivo. O poder de existir corresponde a um poder de ser afetado. A sensibilidade que corresponde,
segundo Hardt (1996, p. 122) a
uma afecção, na terminologia espinosista, pode ser uma ação ou uma paixão, dependendo de a afecção
resultar de uma causa externa ou interna. Assim, a potência de existir de um modo sempre
corresponde a um poder de ser afetado, e esse poder de ser afetado "é sempre preenchido, seja por
afecções produzidas por coisas externas (chamadas de afecções passivas), ou por afecções explicadas
pela própria essência do modo (chamadas afecções ativas)".
Logo, a plenitude do ser é encontrada no poder de ser afetado, correspondente à potência do próprio
existir na plenitude das afecções ativas e passivas.
No Tratado de nomadologia, Deleuze e Guattari (2003, p. 39-40) se põem a explicar o que entendem
por pathos, trazendo [[]cit diluída abaixo]
dois textos patéticos, no sentido em que o pensamento é verdadeiramente um pathos (um antilogos e
um antimuthos). Trata-se do texto de Artaud em suas cartas a Jacques Rivière, explicando que o
pensamento se exerce a partir de um desmoronamento central, que só pode viver de sua própria
impossibilidade de criar forma, apenas pondo em relevo os traços de expressão num material,
desenvolvendo-se perifericamente, num puro meio de exterioridade, em função de singularidades
não universalizáveis, de circunstâncias não interiorizáveis. E também o texto de Kleist, "A propósito
da elaboração progressiva dos pensamentos ao falar-se": Kleist aí denuncia a interioridade central do
conceito como meio de controle, controle da fala, da língua, mas também controle dos afectos, das
circunstâncias e até do acaso. Ele opõe a isso um pensamento como litígio e processo, um bizarro
diálogo anti-platônico, um anti-diálogo entre o irmão e a irmã, onde um fala antes de saber, e o
outro já revezou, antes de ter compreendido: é o pensamento do Gemüt, diz Kleist, que procede
como um general deveria fazê-lo numa máquina de guerra, ou como um corpo que se carrega de
eletricidade, de intensidade pura. "Eu misturo sons inarticulados, alongo os termos de transição,
utilizo igualmente aposições justo onde não seriam necessárias." Ganhar tempo, e depois talvez
renunciar, ou esperar. Necessidade de não ter o controle da língua, de ser um estrangeiro em sua
própria língua, a fim de puxar a fala para si e "pôr no mundo algo incompreensível". Seria essa forma
de exterioridade, a relação entre o irmão e a irmã, o devir-mulher do pensador, o devir-pensamento da
mulher: o Gemüt, que já não se deixa controlar, que forma uma máquina de guerra? Um pensamento
às voltas com forças exteriores em vez de ser recolhido numa forma interior, operando por
revezamento em vez de formar uma imagem, um pensamento-acontecimento, hecceidade, em vez
de um pensamento-sujeito, um pensamento-problema no lugar de um pensamento-essência ou
teorema, um pensamento que faz apelo a um povo em vez de se tomar por um ministério.
o fato de pensar só pode ser perturbador; que aquilo que existe para ser pensado é, no pensamento, o
que dele se afasta, e nele se exaure inesgotavelmente; que sofrer e pensar estão ligados de uma
maneira secreta, pois se o sofrimento, quando se torna extremo, é tal que destrói o poder de sofrer,
destruindo sempre à frente dele mesmo, no tempo, o tempo em que ele poderia ser retomado e acabado
como sofrimento, o mesmo acontece, talvez, com o pensamento. Estranhas relações. Será que o extremo
pensamento e o extremo sofrimento abrem o mesmo horizonte? Será que sofrer é, finalmente, pensar?
(BLANCHOT, 2005, p. 56)
O pathos é antimuthos, antilogos. O muthos é o que cauciona a mimese, não deixa de ser, em certo
sentido, poiesis em sua concordância discordante, pois nunca se repete, se reproduz à fidelidade estrita.
Muthos traz um pouco o sentido da fábula, como um mero reproduzir histórias que estrutura a ficção a partir
de Platão (2004). Entre ambos, muthos e o logos – os modos de investigação sobre o ser – não há, contudo,
reconciliação.
O pathos se desenvolve na contraposição de uma reprodução do que está dado na ordem das coisas e
do logos, como modo de investigação e de representação do ser. Por isso, podemos afirmar que ele cresce
perifericamente, na contraface da constituição da razão do mundo, como um “desmoronamento central”
que, incapaz de sustentar forma alguma, se regozija em dar relevo de expressão a um material. Assim, o
pathos da loucura trágica renascentista desdobra esse desmoronamento contra o bem dizer e bem pensar a
que Jaques Rivière recomenda a Artaud (1972) através do trabalho.
Contra o bem dizer e o bem pensar, o pathos – definido nesta linha como antilogos e antimuthos
segundo Deleuze e Guattari (2003) – resiste aos modos de controle dos conceitos com os quais operam os
diversos saberes sob o âmbito de interioridades. Nega ao mesmo tempo o que garante o Sujeito e o Ser de
acordo com os autores franceses. Associado ao pensamento em Kleist (2008), ele aparece como uma espécie
de contestação da demanda, contestação da própria ordem da necessidade sob a forma de conflito de
interesses, contenda, pendência ou desconhecido. Afirmação do contingencial frente à necessidade instaurada
desde o interior dos muros da cidade medieval e renascentista.
Consequentemente, na desarticulação das necessidades, desfaz as oposições binárias – ou pelo menos,
mina sua lógica –, daí o trânsito entre razão e loucura.
A relação entre fala e os sons inarticulados.
Espaços híbridos, e Transições demasiadamente delongadas, que trazem uma arbitrariedade de
oposições. Lugar e circulação confusas, espaço e língua não-qualificados, intrusão do estrangeiro na língua
vernacular para nela lançar o desconhecido e o incompreensível. Mediante aquilo que não pode ser
compreendido, dar cabo àquilo que só se manifesta como menor e escorraçado em nossa cultura, como a
loucura. pensamento do fora. A relação entre pathos e pensamento alterna o trânsito, ao invés de formar uma
imagem fixa.
Kleist (2008):
Abrir a boca ocasiona as condições para que venha o fluxo da linguagem a um bom orador. Basta ter a
audácia de começar. De onde vem ela?
Essa capacidade esvazia e se torna neutra como um capacitor que armazena energia, a gasta e depois fica
neutro outra vez – o que é esse neutro que precede, resta ao final e serve de intermediário à fala?
Pois não somos nós que sabemos, é, antes de tudo, certo estado nosso que sabe. Somente espíritos bem
infames, pessoas que memorizaram ontem o que é o Estado e amanhã já o esquecerão, terão a resposta
à mão. Talvez não haja mesmo oportunidade pior para se mostrar um lado vantajoso do que num exame
público (KLEIST, 2008, p. 79-80).
Em relação a Hegel e sua Fenomenologia do espírito, o puro sentir e o puro desejo são limites não
sustentáveis pelo homem. São limites que têm de falar, entrando num domínio outro que o do puro pathos
(cf. HARDT p. 97 “a vontade de potência se manifesta como poder de ser afetado”).
Pois o o pathos (chamêmo-lo assim, devido a sua propriedade de afecção) fala, deve ser depurado nos
segundos discursos, discursos da moral (Sittlichkeit), das obras artísticas, religiosas ou metafísicas para nestes
encontrar transposição calcada na reflexividade conceitual capaz de assegurar-lhe uma inteligibilidade
tranquilizadora. Ou seja, mesmo quando parte do puro sentir ou do desejo puro, eles estão desde o início
subsumidos à ordem operacionalizante metafísica do espírito. Neste âmbito, é a reflexão que determina o ser,
cuja totalidade é encontrada somente à luz do espírito Absoluto.
O afã integrador totalizante do hegelianismo se desdobra em uma asserção de tradutibilidade entre
linguagens num nível que aplana e neutraliza o poder do pathos, a capacidade de afecção das diferenças
reiteradas na própria tradutibilidade ao partir sempre da linguagem racional.
Pathos criativo e desassossego: sentir tudo de todas as formas: Nietzsche e Fernando Pessoa
Zaratustra (NIETZSCHE, s/d, p. 140) almeja sentir tudo de todas as formas:
Para ver muitas coisas precisamos aprender a olhar para longe de nós: esta dureza é necessária para
todos os que escalam os montes.
O que porém investiga, com olhos indiscretos, como poderia ver mais que o primeiro terno das coisas?
Mas tu, Zaratustra, que querias ver todas as razões e o fundo das coisas, precisas passar por cima de
ti mesmo, e ascender, ascender até as tuas próprias estrelas ficarem abaixo de ti!"
"Sim! Ver−me a mim próprio, e até as minhas estrelas, olhando para baixo! Só isso chamo o meti cume;
é esse o último cume que me falta escalar!"
“O amor, o amor a qualquer coisa, basta−lhe viver − é o perigo do mais solitário. Na verdade, prestam−se
ao riso a minha loucura e a minha modéstia no amor" (s/d, p. 142).
Linguagem e sentir tudo de todas as maneiras. Aproximações Nietzsche (Blanchot, 1997, p. ) – Fernando
pessoa (livro do desassossego, ver GIL, 1988)
Ecce Homo, esta «enorme multiplicidade» é, contudo, «a contrapartida do caos» (EH, Porque Sou Tão
Perspicaz, 9). O desejo de Nietzsche e de Pessoa é criar formas que possam captar um sujeito múltiplo, e um
sujeito enquanto processo, não enquanto produto.
«o sujeito não é um sujeito, mas um envelope» (Deleuze, CONVERSAÇÕES: 212fr)
“Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. [...] Minha tia velha fazia paciências durante o
infinito do serão. Estas confissões de sentir são paciências minhas. Não as interpreto, como quem usasse cartas
para saber o destino. Não as ausculto, porque nas paciências as cartas não têm propriamente valia” (FP, 1997,
p. 27).
Fazer perceptos com paisagens, e afectos com personagens. Com o que sente, faz paisagens, cria
mundos com a sensibilidade.
“Um hálito de música ou de sonho, qualquer coisa que faça quase sentir, qualquer coisa que faça não pensar”
(p. 32).
“Nem sei pensar, do sono que tenho; nem sei sentir, do sono que não consigo ter.
Tudo em meu torno é o universo nu, abstracto, feito de negações nocturnas. Divido-me em cansado e
inquieto, e chego a tocar com a sensação do corpo um conhecimento metafisico do mistério das coisas.”
(p. 34).
GIL, p. 22
Blanchot: morte de deus é o poder de negação infinito do homem.
Respiro, suspirando, e a minha respiração acontece - não é minha. Sofro sem sentir nem pensar. O
relógio da casa, lugar certo lá ao fundo das coisas, soa a meia hora seca e nula. Tudo é tanto, tudo é tão
fundo, tudo é tão negro e tão frio!
Passo tempos, passo silêncios, mundos sem forma passam por mim (p. 35).
“Procuro em mim que sensações são as que tenho perante este cair esfiado de água sombriamente
luminosa que [se] destaca das fachadas sujas e, ainda mais, das janelas abertas. E não sei o que sinto, não sei
o que quero sentir, não sei o que penso nem o que sou” (p. 39).
“uma vontade de não querer ter pensamento, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente
de todas as células do corpo e da alma. É o sentimento súbito de se estar enclausurado na cela infinita.
Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo? (...)Não seria capaz de pensar, de sentir, de querer. E
ando, sigo, vagueio. Nada nos meus movimentos (reparo por o que os outros não reparam) transfere
para o observável o estado de estagnação em que vou. (p. 41)
A análise sobrecuriosa das sensações - por vezes das sensações que supomos ter -, a identificação do
coração com a paisagem, a revelação anatómica dos nervos todos, o uso do desejo como vontade e
da aspiração como pensamento - todas estas coisas me são demasiado familiares para que em outrem
me tragam novidade, ou me dêem sossego. Sempre que as sinto, desejaria, exactamente porque as sinto,
estar sentindo outra coisa. (p. 47)
Não consigo sentir-me bem senão - de repente - uma grande frescura de daqueles varais brancos e
nastros de com que se tecem os cestos e onde estrebucho, bicho, entre duas paragens que sinto. Entre
elas repouso no que parece ser um banco e falam lá fora do meu cesto. Durmo porque sossego, até que
me ergam de novo na paragem 48.
Choro sobre as minhas páginas imperfeitas, mas os vindouros, se as lerem, sentirão mais com o meu
choro do que sentiriam com a perfeição, se eu a conseguisse, que me privaria de chorar e portanto até
de escrever. O perfeito não se manifesta. O santo chora, e é humano. Deus está calado. Por isso podemos
amar o santo mas não podemos amar a Deus (...) Não sei onde ia conduzir os pensamentos, ou onde
preferiria conduzi-los. O dia é de um leve nevoeiro húmido e quente, triste sem ameaças, monótono
sem razão. Dói-me qualquer sentimento que desconheço; falta-me qualquer argumento não sei sobre
quê; não tenho vontade nos nervos. Estou triste abaixo da consciência. (p. 53).
Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os
outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento.
Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais
que o alimento de pensar. P. 56
Para sentir a delícia e o terror da velocidade não preciso de automóveis velozes nem de comboios
expressos. Basta-me um carro eléctrico e a espantosa faculdade de abstracção que tenho e cultivo. Num
carro eléctrico em marcha eu sei, por uma atitude constante e instantânea de análise, separar a ideia
de carro da ideia de velocidade, separá-las de todo, até serem coisas-reais diversas. Depois, posso
sentir-me seguindo não dentro do carro mas dentro da Mera-Velocidade dele. E, cansado, se acaso
quero o delírio da velocidade enorme, posso transportar a ideia para o Puro Imitar da Velocidade e
a meu bom prazer aumentá-la ou diminuí-la, alargá-la para além de todas as velocidades possíveis de
veículos comboios. p. 58.
As velocidades compoem o plano de composição das singularidades disparatadas.
Há sensações que são sonos, que ocupam como uma névoa toda a extensão do espírito, que não
deixam pensar, que não deixam agir, que não deixam claramente ser. Como se não tivéssemos
dormido, sobrevive em nós qualquer coisa de sonho, e há um torpor do sol do dia a aquecer a superfície
estagnada dos sentidos. É uma bebedeira de não ser nada, e a vontade é um balde despejado para o
quintal por um movimento indolente do pé à passagem.
Olha-se, mas não se vê. A longa rua movimentada de bichos humanos é uma espécie de tabuleta deitada
onde as letras fossem móveis e não formassem sentidos. As casas são somente casas. Perde-se a
possibilidade de dar um sentido ao que se vê, mas vê-se bem o que é, sim p. 59.
Senti a vida no estômago, e o olfacto tornou-se-me uma coisa por detrás dos olhos p. 60.
Reparando, às vezes, no trabalho literário abundante ou, pelo menos, feito de coisas extensas e
completas de tantas criaturas que ou conheço ou de quem sei, sinto em mim uma inveja incerta, uma
admiração desprezante, um misto incoerente de sentimentos mistos.
Fazer qualquer coisa completa, inteira, seja boa ou seja má - e, se nunca é inteiramente boa, muitas
vezes não é inteiramente má -, sim, fazer uma coisa completa causa-me, talvez, mais inveja do que
outro qualquer sentimento. P. 63 BLANCHOT, 1997 = lit e direito a morte
Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo
que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem
foi a vida perdida. P. 69
De algum modo, parece que as sensações invadem e tomam o corpo de Bernardo Soares arrastando-o a outras
searas a outros lugares, fazendo-o ser outro daquele que é
Somos quem não somos, e a vida é pronta e triste, O som das ondas à noite é um som da noite; e
quantos o ouviram na própria alma, como a esperança constante que se desfaz no escuro com um som
surdo de espuma funda! Que lágrimas choraram os que obtiveram, que lágrimas perderam os que
conseguiram! E tudo isto, no passeio à beira-mar, se me tornou o segredo da noite e da confidência
do abismo. Quantos somos! Quantos nos enganamos! Que mares soam em nós, na noite de sermos,
pelas praias que nos sentimos nos alagamentos da emoção! Aquilo que se perdeu, aquilo que se deveria
ter querido, aquilo que se obteve e satisfez por erro, o que amámos e perdemos e, depois de perder,
vimos, amando por tê-lo perdido, que o não havíamos amado; o que julgávamos que pensávamos
quando sentíamos; o que era uma memória e críamos que era uma emoção; e o mar todo, vindo lá,
rumoroso e fresco, do grande fundo de toda a noite, a estuar fino na praia, no decurso nocturno do
meu passeio à beira-mar...
Quem sabe sequer o que pensa ou o que deseja? Quem sabe o que é para si-mesmo? Quantas coisas a
música sugere e nos sabe bem que não possam ser! Quantas a noite recorda e choramos e não foram
nunca! P. 70
Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Pesa-me um como a
possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades.
Conhecendo o que tem sido a minha vida até hoje - tantas vezes e em tanto o contrário do que eu a
desejara -, que posso presumir da minha vida de amanhã senão que será o que não presumo, o que
não quero, o que me acontece de fora, até através da minha vontade? Nem tenho nada no meu passado
que relembre com o desejo inútil de o repetir. Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de mim.
O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas:
o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o
texto.
Breve sombra escura de uma árvore citadina, leve som de água caindo no tanque triste, verde da relva
regular - jardim público ao quase crepúsculo -, sois, neste momento, o universo inteiro para mim,
porque sois o conteúdo pleno da minha sensação consciente. Não quero mais da vida do que senti-
la perder-se nestas tardes imprevistas, ao som de crianças alheias que brincam nestes jardins
engradados pela melancolia das ruas que os cercam, e copados, para além dos ramos altos das árvores,
pelo céu velho onde as estrelas recomeçam p. 72
O acontecimento arrebenta com a lógica mesma da identidade. Não é possível estabelecer qualquer vínculo
de identidade fora dos laços temporais que ligam o estado de coisas ao estado passado, ao imediataemnte
pretérito e à suposta consistência provinda do vivido.
Sou daquelas almas que as mulheres dizem que amam, e nunca reconhecem quando encontram;
daquelas que, se elas as reconhecessem, mesmo assim não as reconheceriam. Sofro a delicadeza dos
meus sentimentos com uma atenção desdenhosa. Tenho todas as qualidades, pelas quais são
admirados os poetas românticos, mesmo aquela falta dessas qualidades, pela qual se é realmente poeta
romântico. P. 74
A vida pode ser sentida como uma náusea no estômago, a existência da própria alma como um
incómodo dos músculos. A desolação do espírito, quando agudamente sentida, faz marés, de longe, no
corpo, e dói por delegação.
Estou consciente de mim em um dia, em que a dor de ser consciente é, como diz o poeta,
languidez, mareo
y angustioso afán. p. 75
processo beatnik: embriaguez dionisíaca:
Cada qual tem o seu álcool. Tenho álcool bastante em existir. Bêbado de me sentir, vagueio e ando
certo. Se são horas, recolho ao escritório como qualquer outro. Se não são horas, vou até ao rio fitar o
rio, como qualquer outro. Sou igual. E por detrás de isso, céu meu, constelo-me às escondidas e tenho
o meu infinito. p. 76
Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as
artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e o representar) entretêm. A primeira, porém,
afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque
usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana.
Não é esse o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e
um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em
linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso. p. 78
Compreendo que viaje quem é incapaz de sentir. Por isso são tão pobres sempre como livros de
experiência os livros de viagens, valendo somente pela imaginação de quem os escreve. 80
Diziam os argonautas que navegar é preciso, mas que viver não é preciso.
Argonautas, nós, da sensibilidade doentia, digamos que sentir é preciso, mas que não é preciso viver.
P. 82
ocorre-me que pensar, sentir, querer também podem ser estagnações, perante um mais íntimo pensar,
um sentir mais meu, uma vontade perdida algures no labirinto do que realmente sou.
Seja como for deixo que seja p. 83
Sentir tudo de todas as maneiras; saber pensar com as emoções e sentir com o pensamento; não
desejar muito senão com a imaginação; sofrer com coquetterie; ver claro para escrever justo;
conhecer-se com fingimento e táctica, naturalizar-se diferente e com todos os documentos; em suma,
usar por dentro todas as sensações, descascando-as até Deus; mas embrulhar de novo e repor na
montra como aquele caixeiro que daqui estou vendo com as latas pequenas da graxa da nova marca. p.
85
Fazer das sensações o reino do dentro e não a película que recobre por fora
Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ânsia de
coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do
que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo.
Todos estes meios tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-
pôr do que somos. O sentirmo-nos é então um campo deserto a escurecer, triste de juncos ao pé de
um rio sem barcos, negrejando claramente entre margens afastadas.
Não sei se estes sentimentos são uma loucura lenta do desconsolo, se são reminiscências de qualquer
outro mundo em que houvéssemos estado - reminiscências cruzadas e misturadas, como coisas vistas
em sonhos, absurdas na figura que vemos mas não na origem se a soubéssemos. Não sei se houve outros
seres que fomos, cuja maior completidão sentimos hoje, na sombra que deles somos, de uma maneira
incompleta - perdida a solidez e nós figurando-no-la mal nas só duas dimensões da sombra que
vivemos.
Sei que estes pensamentos da emoção doem com raiva na alma. A impossibilidade de nos figurar uma
coisa a que correspondam, a impossibilidade de encontrar qualquer coisa que substitua aquela a que se
abraçam em visão - tudo isto pesa como uma condenação dada não se sabe onde, ou por quem, ou
porquê.
Mas o que fica de sentir tudo isto é com certeza um desgosto da vida e de todos os seus gestos, um
cansaço antecipado dos desejos e de todos os seus modos, um desgosto anónimo de todos os
sentimentos. Nestas horas de mágoa subtil, torna-se-nos impossível, até em sonho, ser amante, ser herói,
ser feliz. Tudo isso está vazio, até na ideia do que é. Tudo isso está dito em outra linguagem, para nós
incompreensível, meros sons de sílabas sem forma no entendimento. A vida é oca, a alma é oca, o
mundo é oco. Todos os deuses morrem de uma morte maior que a morte. Tudo está mais vazio que
o vácuo. E tudo um caos de coisas nenhumas. P. 116
Mesmo os movimentos são paragens, e nada dizem além da insondável perdição, da insondável perdição
do mundo.
Sentir tudo subtilmente torna-nos indiferentes, salvo para o que se não pode obter - sensações por
chegar a uma alma ainda em embrião para elas, actividades humanas congruentes com sentir
profundamente, paixões e emoções perdidas entre conseguimentos de outras espécies. P. 188
A inércia de tudo o que existe alheio ao ser, os objetos exteriores sobrevivem independentes à sensibilia,
suspensos entre a névoa e a manhã, só encontram refúgio neste espaço intervalar [ver intervalo acima]
Vivemos todos longínquos e anónimos; disfarçados, sofremos desconhecidos. A uns, porém, esta
distância entre um ser e ele mesmo nunca se revela; para outros é de vez em quando iluminada, de
horror ou de mágoa, por um relâmpago sem limites; mas para outros ainda é essa a dolorosa
constância e quotidianidade da vida.
Saber bem quem somos não é connosco, que o que pensamos ou sentimos é sempre uma tradução,
que o que queremos o não quisemos, nem porventura alguém o quis - saber tudo isto a cada minuto,
sentir tudo isto em cada sentimento, não será isto ser estrangeiro na própria alma, exilado nas
próprias sensações? p. 224
Este sentir tudo, porém se revela inoquo e cheio de nada como a vida, como prossegue o ajudante de guarda-
livros.
Pathos e desregramento
Desregramento: associar louc trágica, prisioneiro da viagem, amante do desconhecido, desregramento
como Deleuze (2011, p. 47-8) traz com Kant e Rimbaud.
"Chegar ao desconhecido pelo desregramento de todos os sentidos [···] um longo, imenso e raciocinado
desregramento de todos as sentidos" – carta Rimbaud (p. 2006, p. 155-6).
Já não é a estetica da Critica da razao pura, que considerava o sensível como qualidade reporravel a
urn objeto no espayo e no tempo; nao e uma l6gica do sensivel, nem sequer urn novo logos que seria o
tempo. É uma estética do Belo e do Sublime, onde o sensível vale por si mesmo e se desdobra num
pathos para além de toda lógica, que apreendera o tempo no seu jorro, indo até a origem de seu fio
e de sua vertigem. Já não é o Afecto da Critica da razao pura, que reportava o Eu ao Eu numa relayao
ainda regulada segundo a ordem do tempo, e sim urn Pathos que os deixa evoluir livremente para
formar estranhas combinac;oes enquanto fontes do tempo, "formas arbitrarias de intuições
possíveis". Já não é a determinayao do Eu que deve juntar-se a determinabilidade do Eu para constituir
0 conhecimento, agora é a unidade indeterminada de todas as faculdades (Alma) que nos faz entrar
no desconhecido.
Pativo
Rancière Rancière - Malaise dans l’esthétique p. 37: Em la estética de lo sublime [Lyotard], el espacio-
tiempo de un encuentro pasivo con lo heterogéneo pone en
conflicto dos regímenes de sensibilidad
Patologia pathos
“diversidade não é doença. O anormal não é o patológico. Patológico implica pathos, sentimento direto e
concreto de sofrimento e de impotência, sentimento de vida contrariada.” (CANGUILHEM, 2002, p. 53)
o valor experimental e diádico do mórbido põe em relevo processos e estruturas que no estado normal
repousam imperceptiveis. A utilidade do patologico tá na sua espetacularidade, na sua sobrevisibilidade
que facilita a apreensão, o seccionamento em partes, qu dá lugar à ilusão de desnudez e objetividade asceptica.
[[ polack – monstruosidade]]
“a saúde é o silencio dos órgãos” revela o escândalo do patológico.
NC, a partir do XVIII um regime de visibildiade total é constituido para dar uma finitude ilusória que faz
do homem e do vivo e de sua exp entidades abarcáveis e cognoscíveis na sua totalidade.
prod. singular >> escandalo >> visibilidade total.
como desvio ou dertençao, a anormalidade é vista na perspectiva medica como o que não alcança a
complexidade e completude do normal, em virtude da falta a monstruosidade pode servir para apreender o
(normal??) mpr,aç como versao abreviada deste.
“monstruosidade... liberado o segredo de causas e leis a anomalia parece obrigada a dar explição sobreo
normal... o patológico é o normal desviado” CV 180fr
a med mod tem suas condiçoes de possibildiade de dedobramento numa vontade de finitude que aspira um
conhecimento ttoal e integral da vida a partir de usa descomplexização a partir das 3 lentes da moonstro,
anomalia e enfermeida da filtrados.
Patologia e sofrimento
“Yo estoy enfermo en un cuerpo que no me pertenece: mi sufrimiento no es sino interpretación de la lucha
de las funciones, impulsos dominados por el organismo, convertidos en rivales: los que dependen de mí
contra los que se me escapan” (KLOSSOWSKI, 2004, p. 52)
O sentido do viver e da existência é dado na não restituição, daí a eternidade do sentido, como aquilo que
resiste, como na arte.
Continuidade da doença com a vida, como ordem inferior da vida, desde o final do século XVIII
A ordem da doença é, por outro lado, apenas um decalque do mundo da vida: nos dois casos, reinam
as mesmas estruturas, as mesmas formas de repartição, a mesma ordenacão. A racionalidade da
vida é idêntica à racionalidade daquilo que a ameaça. Elas não estão, uma com relação à outra,
como a natureza está para a contranatureza; mas se ajustam e se superpõem em uma ordem natural
que lhes é comum. Reconhece-se a vida na doença, visto que é a lei da vida que, além disso, funda o
conhecimento da doença (FOUCAULT, 2011, p. 6).
O lugar natural da doença é o lugar natural da vida — a família: doçura dos cuidados espontâneos,
testemunho do afeto, desejo comum da cura, tudo entra em cumplicidade para ajudar a natureza que
luta contra o mal e deixar o próprio mal se desdobrar em sua verdade (FOUCAULT, 2011, p. 18). VER
tb p. 42
A doença é um desvio interior da vida. (...) É preciso, portanto, substituir a idéia de uma doença que
atacaria a vida pela noção muito mais densa de vida patológica. Os fenômenos mórbidos devem ser
compreeodidos a partir do próprio texto da vida e não de uma essência nosológica: ‘As doenças foram
consideradas como uma desordem; não se viu nelas uma série de fenômenos dependentes uns dos
outros e tendendo muito frequentemente a um determinado fim: negligenciou-se completamente a vida
patológica».
(FOUCAULT, 2011, p. 168).
Mais acima, a morte apareceu como a condição deste olhar que recolhe, em uma leitura das
superfícies, o tempo dos acontecimentos patológicos; permitia à doença articular-se finalmente em um
discurso verdadeiro. Ela aparece agora como a fonte do próprio ser da doença, a possibilidade
interna à vida, porém mais forte do que ela, que a faz gastar-se, desviar e, enfim, desaparecer. A
morte é a doença tornada possível na vida. E se é verdade que para Bichat o fenômeno patológico se
articula com o processo fisiológico e dele deriva, esta derivação, na separação que ela constitui e que
denuncia o fato mórbido, se fundamenta na morte. O desvio na vida é da ordem da vida, mas de uma
vida que conduz à morte (FOUCAULT, 2011, p. 171).
O mórbido é a forma rarefeita da vida, no sentido em que a existência se esgota, se extenua no vazio
da morte; mas igualmente no sentido em que ela ganha nele seu estranho volume, irredutível às
conformidades e aos hábitos, às necessidades recebidas; um volume singular que define sua absoluta
raridade (FOUCAULT, 2011, p. 190).
Dissertação: examinar, a partir dos artigos, textos e correspondências de Mário Pedrosa, os conceitos
de arte, história e crítica... discutir o interesse de Pedrosa pelas experiências do Centro Psiquiátrico
do Engenho de Dentro, pela Arte Indígena e a relação dialética existente entre Arte e Política em sua
trajetória crítica como estratégia para definir seu interesse interdisciplinar e contemporaneidade.
Interesse pela interface arte e política desde a década de 1930, apelando pela primeira vez no Brasil a uma
interpretação marxista da arte ao analisar a chamada fase social de Tarsila do Amaral e Di Cavalcante
(PEDROSA, Mário. Entre a semana e as bienais, in Mundo, homem, arte, em crise. org Amaral, Aracy. São
Paulo: Perspectiva,1986.p. 278.).
Igualmente, a “linguagem de Portinari só se libertaria nos afrescos murais, onde caberiam suas figuras
monumentais”, onde ele não fica mais preso “inadequação estética do trabalho do artista: a pintura de cavalete
e o uso da tinta a óleo”
Agência dos objetos:
Necessário abordar “o problema em seu conjunto". Ele entendia que o elemento nacional ou regional
na arte brasileira poderia participar no sentido de fundir, unificar, diversificando e diferenciando o
processo de internacionalização da arte moderna (Pedrosa, Mário. O Brasil nos temas do congresso
de Varsóvia. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro,20 de jan 1960.)
Como Guimarães Rosa, trazer o universal no mais regional e específico.
a carta de Mário de Andrade enviada a Sergio Milliet:
“Problema atual. Problema de ser alguma coisa. E só se pode ser, sendo nacional. Nós temos o
problema atual, nacional, moralizante, humano de brasileirar o Brasil. Problema atual modernismo,
repara bem porque hoje só valem artes nacionais... E nós só seremos universais o dia em que o
coeficiente brasileiro nosso concorrer para a riqueza universal.” Jardim de Moraes, Eduardo. A
brasilidade modernista, sua dimensão filosófica.Rio de janeiro: Graal 1978.
> só encontrando nossa identidade poderíamos estabelecer uma linguagem universal... coincide com o
interesse das vanguardas européias pelo primitivismo (Dubuffet)
Por isso, no modernismo, “convivia harmoniosamente com propostas estéticas incompatíveis, na lógica das
vanguardas europeias... (Mas) A estética modernista se consolidou no Brasil muito ligada à figuração. É
somente no final dos anos 1940 para os 1950 que se reacende o debate com a nova ruptura moderna
representada pelo abstracionismo dos concretistas”
Antes de 1922 – que “não tinha em seu horizonte a defesa de uma pintura nacional, mas o desejo de
modernidade, de atualização estética, ou seja, de incorporar, na arte brasileira, as conquistas estéticas das
vanguardas” –, “uma consciência nova em relação à representação da paisagem brasileira deve-se à
influência de artistas... Franz Post, Debret, Georg Grimm, e que se mostraram mais sensíveis à luz e aos temas
nacionais” (Zílio, Carlos. A Querela do Brasil. Rio de janeiro: edição Funarte, 1982. p.47). Este autor sugere
a ligação da arte não como a vontade de um grupo ou escola, mas arte do povo como aspiração nacional
(romântica).
força expressiva da forma nos móbiles soltos no espaço... Era a própria forma e, dessa maneira, a
arte se tornava um objeto da vida, podendo, na visão do crítico, operar uma transformação do mundo
pela arte abstrata ao obrigar o espectador a uma “verdadeira reeducação da sensibilidade”... vai
exercendo uma silenciosa ação de catálise sobre a vulgaridade agressiva de nossa época... seus objetos
ganham em latitude plástica, criando relações mais pesadas de universalidade, libertos de quaisquer
limitações contingentes ou unilaterais” (Pedrosa, Mario, Calder escultor de cata-ventos. New
York,1944 republicado in Arte, necessidade vital. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil,1949)
Ao tentar dissolver a contradição “subjetividade versus objetividade” e as relações entre forma e
expressão, Pedrosa busca uma resposta materialista para a questão da percepção estética. Nesse sentido,
procura uma resposta para o entendimento do fenômeno artístico numa dimensão universal, mais
precisamente busca um fundamento objetivo para estabelecer a universalidade da experiência
O concretismo X figurativismo, representação, estéticas cubista e expressionista e, principalmente, a uma
temática nacionalista. Urgência da forma, experimentação na arte abstrata – Palatnik, Ivan Serpa e
Mavignier, que deram origem ao Grupo Frente e proclama Volpi “o mestre brasileiro de sua época” X
Portinari, Segall, Di Cavalcanti e Tarsila.
último período de Segall, que segundo Mário era de um “maneirismo sentimentalista”. Combateu as
“incoerências plásticas” e o “comercialismo” de Portinari, a “acomodação e repetição” de Di Cavalcanti
e não poupou Tarsila em sua retomada inútil da fase pau Brasil. (ARANTES)
Defesa da abstração: o argumento de Pedrosa “salientar a revolução plástica que a abstração promovia,
proporcionando uma reeducação da sensibilidade”
Na buca da potência sintética e universalizadora, “Repelindo as formas seriadas do concretismo e
reabsorvendo o velho apelo expressional, banido da arte concreta, o neoconcretismo buscava uma obra
total.” (Pedrosa, Mário. Épocas das bienais, In Mundo, Homem, arte em crise, org. Amaral, Aracy. Ed.
Perpectiva, 1986.) > Lygia Clark e Oiticica Neoconcretistas (síntese entre forma e intuição e entre universal
e local > comunicação global) X contramão dos movimentos artísticos internacionais, onde o informalismo e
o tachismo eram as propostas estéticas predominantes no circuito internacional de arte... subjetivismo
individualista”, que reduzia a arte a uma catarse do artista ou numa mera construção de formas.
nossa linguagem universal opera uma dinâmica local:
movimento concretista foi o primeiro movimento brasileiro a apresentar resistência aos ventos
internacionais então predominantes... Todos aqueles não atinavam que se essa resistência local era
capaz de enfrentar a moda internacional, era porque não podia deixar de ter raízes na própria dialética
cultural do país (PEDROSA, 1986, p. 291)
se a “tendência à abstração fazia parte de nossas origens culturais e já estava presente na arte dos índios
brasileiros” o Neoconcretismo dá uma “nova compreensão da questão do tempo, promovendo uma
conciliação entre o rigor matemático (concretistas) e a força expressiva, tendo como exemplo máximo dessa
experiência Os bichos:
“Os bichos de Lygia Clark só se punham em movimento graças à manipulação desenvolta do público,
conjugando máquina e corpo numa forma de criação coletiva, que em 1960 ainda lhe parecia trazer,
por isso mesmo, um aceno de universalidade: a nova obra de Lygia Clark convida o sujeito-espectador
a entrar numa relação nova com a obra, quer dizer, com o objeto, de modo que o sujeito participe da
criação do objeto e este, transcendendo-se, o reporte a plenitude do ser.” Pedrosa, Mário.
Significação de Lygia Clark, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 de out de 1960.
Criação coletiva: agenciamento + impessoal
Perspectivismo
Na antropologia tradicional, pensa-se desde as estruturas elementares do parentesco, colocadas e pautadas por
nós, brancos, através do determinismo que tenha exercido o relevo.
Pensar a partir das questões que a loucura coloca a si mesma, questões de multiplicidade – quantos sou? –,
questões de trânsito – sou homem ou mulher?
Não a partir de um referencial outro.
Assim, não pensar a loucura a partir do homem ou das teorias sobre o psiquismo, ou então alçar ou se valer
delas tão somente para fazer subversões, se apropriando do discurso racional.
Perversão
Estruturas clínicas: modos de relação... resenha fanon
Neurótico > sintomas Psicótico > delírios Perverso > fetiches
Masoquismo: suj se coloca como fetiche Sadismo: outro do lado do fetiche
Perverso parte de uma renegação, denegação, recusa perceptiva, recusa de saber e de reconhecer a falta no
outro (representado no corpo da mãe, onde falta o falo), o perverso não consegue subjetivar, coocando ali um
elemento imaginário, que é o fetiche.
Perversidade:
Prazer de ser usado, usar a lei como instrumento, pessoa que adora fazer-se executor da lei.
A parte obscura.
Roberto Fu: A cidade perversa, A arte de reduzir cabeças... pornográfico, empreendedorismo da regra para
oprimir segregar
Próxima ao kant, do imperativo da lei, etc.v
Logo, o plano de consistência é dado por outrem, não pelo mesmo ou numa dialética que envolve o
outro para fazer (re)tornar o sujeito ao que ele é. Se um Outro sem falta remete a um Outro gozador, típico da
psicose, para Deleuze (LS), nada falta a outrem, de modo que a alteridade não necessariamente remete a
uma figura externa, na fundamentação do próprio campo de consistência, isto é, o campo de imanência.
Tendo este sistema como horizonte, visamos fundamentar a qlínica, partindo de um contraste com as
estratégias de restauração do sentido enquanto presença dos estados da alma. como determinação, como
boa cópia, com a ausência, ou melhor, com aquilo que só pode ser compreendido nas grades do conhecimento
como ausência devido a seu caráter indeterminado e contingencial. Este contingencial instaura uma política
nômade de cortes e conexões de deriva que contraria uma política disjuntiva divina, a significação pelo
lugar, pela atribuição de um lote. A perspectiva do lote instaura uma dívida, tornada perpétua à medida que
impõe um regime de cálculo às forças que formam toda produção, inclusive ela mesma.
Longe de reduzir a dois o número de dimensões das multiplicidades, o plano de consistência as recorta
todas, opera sua intersecção para fazer coexistir outras tantas multiplicidades planas com
dimensões quaisquer. O plano de consistência é a intersecção de todas as formas concretas. Assim,
todos os devires, como desenhos de feiticeiras, escrevem-se nesse plano de consistência (...) Este [fato
de habitarem uma multiplicidade de formas concretas] é o único critério que os impede de atolar, ou de
cair no nada. A única questão é: um devir vai até aí? Pode uma multiplicidade achatar assim todas as
suas dimensões conservadas, como uma flor que guardaria toda sua vida até em sua secura? Lawrence,
em seu devir-tartaruga, passa do dinamismo animal o mais obstinado à pura geometria abstrata das
escamas e das "secções", sem, no entanto, nada perder do dinamismo: ele leva o devir-tartaruga até
o plano de consistência18. Tudo se torna imperceptível, tudo é devir-imperceptível no plano de
consistência, mas é justamente nele que o imperceptível é visto, ouvido. É o Planômeno ou a
Rizosfera, o Criterium (e outros nomes ainda, segundo o crescimento das dimensões). Segundo n
dimensões, o chamamos de Hiperesfera, Mecanosfera. É a Figura abstrata, ou melhor, pois ela própria
não tem forma, a Máquina abstrata, da qual cada agenciamento concreto é uma multiplicidade, um
devir, um segmento, uma vibração. E ela, a secção de todos. As ondas são as vibrações, as bordas
movediças que se inscrevem a cada vez como abstrações no plano de consistência (DELEUZE &
GUATTARI, 1997, p. 30).
As singularidades do plano de consistência se definem tão somente pelas qualidades, velozes ou fugazes,
de trânsito ou passagem, tal qual Deleuze e Guattari (1997, p. 33) observam a partir de Spinoza, as
singularidades
distinguem-se apenas pelo movimento e o repouso, a lentidão e a velocidade. Não são átomos, isto é,
elementos finitos ainda dotados de forma. Tampouco são indefinidamente divisíveis. São as últimas
partes infinitamente pequenas de um infinito atual, estendido num mesmo plano, de consistência
ou de composição. Elas não se definem pelo número, porque andam sempre por infinidades. Mas,
segundo o grau de velocidade ou a relação de movimento e de repouso no qual entram, elas
pertencem a este ou àquele Indivíduo, que pode ele mesmo ser parte de um outro Indivíduo numa outra
relação mais complexa, ao infinito. Há, portanto, infinitos mais ou menos grandes, não de acordo com
o número, mas de acordo com a composição da relação onde entram suas partes. Tanto que cada
indivíduo é uma multiplicidade infinita, e a Natureza inteira uma multiplicidade de multiplicidades
perfeitamente individuada.
Cada forma é um pacote de singuluradidaes , que não definem ele, mas se manifestam
Campo de movimentos e de velocidade infinitos, que propicia um corte no caos das intensidades da
profundidade, uma curvatura variável que traz em suas concavidades e convexidades a natureza fractal,
múltipla e parcial de tudo o que há. No plano de composição,
Cada movimento percorre todo o plano, fazendo um retorno imediato sobre si mesmo, cada um se
dobrando, mas também dobrando outros ou deixando-se dobrar, engendrando retroações,
conexões, proliferações, na fractalização desta infinidade infinitamente redobrada (curvatura variável
do plano). Mas, se é verdade que o plano de imanência e sempre único, sendo ele mesmo variação
pura, tanto mais necessário será explicar por que há planos de imanência variados, distintos, que se
sucedem
ou rivalizam na história, precisamente segundo os movimentos infinitos retidos, selecionados
(DELEUZE & GUATTARI, 2008, p. 49).
Embora o plano de composição seja infinitamente seccionado, é preciso salientar que que ele não se confunde
com seus elementos, com o resultado de sua operação sobre o real. Mesmo que suas expressões, seus verbos
e modos coincidam, o plano de composição não condiz, não é redutível a seus elementos ou aos que o
expressam.
Não se confunde com a obra....
As singularidades são movimentos do infinito, ao passo que as intensidades são traços do caos. As
intensidades são as ordenadas finitas, são o corte que define a posição dos movimentos do infinito, que é
constituído tão somente de velocidades que por sua vez perfazem uma superfície de composicionabilidade.
As singularidades são direções fractais que dão rumo aos sentidos que possam advir, enquanto as
intensidades são dimensões fragmentárias, elas conferem a realidade de um estado de coisas efetuado como
tal.
Ele seleciona, é um corte no caos. Ele não remete a
Precisamente porque o plano de imanência é pré-filosófico, e já não opera com conceitos, ele implica
uma espécie de experimentação tateante, e seu traçado recorre a meios pouco confessáveis, pouco
racionais e razoáveis. São meios da ordem do sonho, dos processos patologicos, das experiencias
esotéricas, da embriaguez ou do excesso. Corremos em direção ao horizonte, sobre o plano de
imanência; retornamos dele com olhos vermelhos, mesmo se são os olhos do espírito. Mesmo Descartes
tem seu sonho. Pensar é sempre seguir a linha de fuga do vôo da bruxa. Por exemplo, o plano de
imanência de Michaux, com seus movimentos e suas velocidades infinitas, furiosas. (...) O plano de
imanência e como um corte do caos e age como um crivo. O que caracteriza o caos, com efeito, e
menos a ausência de determinações que a velocidade infinita com a qual elas se esboçam e se apagam.
(...) O caos não e um estado inerte ou estacionário, não é uma mistura ao acaso. O caos caotiza, e desfaz
no infinito toda consistência (DELEUZE & GUATTARI, 2008, p. 52-3).
Ciência X filosofia:
Dar consistência sem nada perder do infinito é muito diferente do problema da ciência, que procura
dar referências ao caos, sob a condição de renunciar aos movimentos e velocidades infinitos, e de
operar, desde início, uma limitação de velocidade: o que e primeiro na ciência e a luz ou o horizonte
relativo. A filosofia, ao contrário, procede supondo ou instaurando o plano de imanência: e ele, cujas
curvaturas variáveis conservam os movimentos infinitos que retornam sobre si na troca incessante, mas
também não cessam de liberar outras que se conservam. Então, resta aos conceitos tracar as ordenadas
intensivas destes movimentos infinitos, como movimentos eles mesmos finitos que formam, em
velocidade infinita, contornos variaveis inscritos sobre o plano. Operando um corte do caos, o plano
de imanência faz apelo a uma criação de conceitos.
A arte e a experiência psicodélica modulam nosso espectro presencial à medida em que o emaranhado
entrelaçamento das forças movimentadas com a arte se entrelaçam com as forças que nosso corpo põe em
jogo.
Ao se experienciar a arte, entramos num regime intensivo que altera a configuração e o nosso regime intensivo.
Reconfigurando as forças que nos constituem, que dão a forma do que tomamos, do que somos enquanto
presença determinada no presente.
A arte conserva as intensidades, ela se conserva em si embora não dure mais que seu suporte e seu substrato
materiais, a sua atualização num estado de coisas. Ela conserva o mapa, o diagrama intensivo das forças
colocadas em jogo. Ela não conserva como a indústria que acrescenta alguma substancia para fazer durar a
forma. A arte independe, ou melhor, se independentiza de seu modelo inicial. Diferentemente do objeto
perdido exposto por Lacan no Sem7. O que se conserva é um bloco de sensações, composto constituído de
perceptos e afectos. Ele é tudo o que há de mais real, instaura necessidades que conferem sentidos e normas
que dão os valores e os modos de valoração.
Perceptos não dependem do estado de corpo e de coisas daquele indivíduo que o experimenta; já os
afectos não são “sentimentos ou afecções, transbordam a força daqueles que são atravessados por eles. As
sensações, perceptos e afectos, são seres que valem por si mesmos e excedem qualquer vivido” (DG, 2008,
p. 194). A arte é o inorgânico e o impensado, não dependem da busca humana por referenciações para o vazio
ou para o objeto perdido.
Toda obra é um ser de sensação que existe em si. Os acordes consoantes e dissonantes são afectos. O artista
cria blocos de perceptos e afectos, e a única lei da criação é que o composto deve ficar de pé sozinho, muitas
vezes, devido À impossibilidade de escrever (BLANCHOT, 1997; DG, 1997), à sua inverossimilhança, sua
imperfeição e sua anomalia. É a anomalia e o desvio que fazem a obra ficar em pé – a torre de Pisa é o
modelo, só é mais interessante, só desperta mais interesse artístico, só é mais artística, digamos, que as demais
torres à medida em que é caracterizada pelo desvio, pela inclinação.
Manter-se de pé sozinho não é ter um alto e um baixo, não é ser reto (pois mesmo as casas são bêbadas
e tortas), e somente o ato pelo qual o composto de sensações criado se conserva em si mesmo. Um
monumento, mas o monumento pode sustentar-se em alguns traços ou em algumas linhas, como um
poema de Emily Dickinson (DG, 2008, p. 194)
Muita loucura é a Sensatez mais divina – Emily Dickinson (1830 - 1886)
Muita loucura é a Sensatez mais divina
Para o Olho que discrimina –
Muito Senso – pura Loucura –
E nisso a Maioria
Como eu Tudo, predomina –
Tu és são – se consentes –
Contesta – e és um perigo –
E és preso nas Correntes
Entretanto, o que é composto sob efeito de drogas tende a se desfazer ao mesmo tempo em que se faz ou que
o olhamos, não se conserva por si mesmo, assim como os desenhos das crianças raramente param em pé. Já
as pinturas dos loucos
As pinturas dos loucos, ao contrário, sustentam-se quase sempre, mas sob a condição de serem
saturadas e de não deixarem subsistir vazio. Todavia, os blocos precisam de bolsões de ar e de vazio,
pois mesmo o vazio é uma sensação, toda sensação se compõe com o vazio, compondo-se consigo,
tudo se mantem sobre a terra e no ar, e conserva o vazio, se conserva no vazio conservando-se a si
mesmo. Uma tela pode ser inteiramente preenchida, a ponto de que mesmo o ar não passe mais por ela;
mas algo só é uma obra de arte se, como diz o pintor chinês, guarda vazios suficientes para permitir
que neles saltem cavalos (quando mais não seja, pela variedade de planos).
Pintamos, esculpimos, compomos, escrevemos com sensações. Pintamos, esculpimos, compomos,
escrevemos sensações. As sensações, como perceptos, não são percepções que remeteriam a um objeto
(referência): se se assemelham a algo, e uma semelhança produzida por seus próprios meios (...) Como
a sensação poderia conservar-se, sem um material capaz de durar, e, por mais curto que seja o tempo,
este tempo e considerado como uma duração; veremos como o plano do material sobe
irresistivelmente e invade o plano de composição das sensações mesmas, até fazer parte dele ou ser
dele indiscernível (DG, 2008, p. 195-6)
O que se conserva não é o material, mas o percepto e o afceto que se conservam em si, como bloco de
sensações. Infinitização?
Pensar em Pollack ou atentar ao paciente do Engenho de Dentro que pinta a tela até preenche-la por completo,
até a saturação.
A sensação não se realiza no material, sem que o material entre inteiramente na sensação, no
percepto ou no afecto. Toda a matéria se torna expressiva. E o afecto que é metálico, cristalino,
pétreo, etc, e a sensação não é colorida, ela e colorante, como diz Cézanne (...) Só passamos de um
material a outro, como do violão ao piano, do pincel a brocha, do óleo ao pastel, se o composto de
sensações o exigir (...) O objetivo da arte, com os meios do material, e arrancar o percepto das
percepções do objeto e dos estados de um sujeito percipiente, arrancar o afecto das afecções, como
passagem de um estado a um outro. Extrair um bloco de sensações, um puro ser de sensações (DG,
2008, p. 197).
A sensação colore, há um colorir na pintura que não é tanto a execução da obra, mas antes o contato com
a não-produção, anti-produção, que reinjeta o produto na produção revirando os campos da existência
À medida que alastra e propaga o aspecto produtivista pro todos os lados. Paroxismo do artifício.
Gil (1988) consagra um capitulo aos procedimentos pelos quais Pessoa extrai o percepto a partir de percepcoes
vividas, notadamente em "Ode maritima"
O material particular dos escritores são as palavras, e a sintaxe, a sintaxe criada que se ergue
irresistivelmente em sua obra e entra na sensação. (...) É verdade que toda a obra de arte é um
monumento, mas o monumento não é aqui o que comemora um passado, é um bloco de sensações
presentes que só devem a si mesmas sua própria conservação, e dão ao acontecimento o composto
que o celebra. O ato do monumento não é a memória, mas a fabulação. Não se escreve com lembranças
de infância, mas por blocos de infância, que sao devires-crianca do presente. A música esta cheia disso.
Para tanto e preciso não memória, mas um material complexo que não se encontra na memoria, mas
nas palavras, nos sons: "Memoria, eu te odeio." Só se atinge o percepto ou o afecto como seres
autônomos e suficientes, que não devem mais nada aqueles que os experimentam ou os experimentaram
(2008, p. 198)
Os blocos estão nas palavras e nos sons. Neles se manifestam as singularidades – ver Sauvagnargues
(2006), refletindo e ressaltando que o que há são antes forças e materiais, não forma e matéria –, que
independem daqueles que as experimentam.
Como elas se convertem em estados de coisas, como elas podem se converter? TESE. Não estão na memória,
na consciência ou no reino da vontade, mas na vivência, desde onde o sujeito realiza suas experiências.
Assim como há uma variedade enorme de métodos, há uma variedade grande de compostos de sensação.
Vibração que caracteriza a sensação simples (mas ela ja e duravel ou composta, porque ela sobe ou
desce, implica uma diferenca de nivel constitutiva, segue uma corda invisivel mais nervosa que
cerebral); o enlace ou o corpo-a-corpo (quando duas sensações ressoam uma na outra esposando-se
tão estreitamente, num corpo-a-corpo que e puramente "energético"); o recuo, a divisão, a distensão
(quando duas sensações se separam, ao contrário, se distanciam, mas para só serem reunidas pela
luz, o ar ou o vazio que se inscrevem entre elas, ou nelas, como uma cunha, ao mesmo tempo tão
densa e tão leve, que se estende em todos os sentidos, à medida que a distância cresce, e forma um
bloco que não tem mais necessidade de qualquer base). Vibrar a sensação — acoplar a sensação —
abrir ou fender, esvaziar a sensação (2008, p. 1999).
O percepto é a paisagem anterior que independe do homem e se faz em sua ausência.
Cézanne: "o homem ausente, mas inteiro na paisagem". Os personagens não podem existir, e o autor
só pode cria-los porque eles não percebem, mas entraram na paisagem e fazem eles mesmos parte do
composto de sensações (...) Os afectos são precisamente estes devires não humanos do homem, como
os perceptos (entre eles a cidade) são as paisagens não humanas da natureza. "Ha um minuto do
mundo que passa", não o conservaremos sem "nos transformarmos nele", diz Cézanne. Não estamos
no mundo, tornamo-nos com o mundo, nós nos tornamos, contemplando-o. Tudo é visão, devir.
Tornamo-nos universo. Devires animal, vegetal, molecular, devir zero. Kleist e sem dúvida quem mais
escreveu por afectos, servindo-se deles como pedras ou armas, apreendendo-os em devires de
petrificação brusca ou de aceleração infinita, no devir-cadela de Pentesiléia e seus perceptos
alucinados. Isto é verdadeiro para todas as artes: que estranhos devires desencadeiam a musica atraves
de suas "paisagens melodicas" e seus "personagens ritmicos", como diz Messiaen, compondo, num
mesmo ser de sensação, o molecular e o cósmico, as estrelas, os átomos e os passaros? Que terror
invade a cabeça de Van Gogh, tomada num devir girassol? Sempre é preciso o estilo — a sintaxe de
um escritor, os modos e ritmos de um musico, os traços e as cores de um pintor — para se elevar das
percepcões vividas ao percepto, de afecções vividas ao afecto (DG, 2008, p. 200-1)
Rodapé sobre Cézanne:
"as grandes paisagens tem, todas elas, um carater visionário. A visão é o que do invisível se torna
visível... a paisagem é invisível porque quanto mais a conquistamos, mais nela nos perdemos. Para
chegar a paisagem, devemos sacrificar tanto quanto possivel toda determinacao temporal, espacial,
objetiva; mas este abandono não atinge somente o objetivo, ele afeta a nós mesmos na mesma medida.
Na paisagem, deixamos de ser seres históricos, isto é, seres eles mesmos objetiváveis. Não temos
memória para a paisagem, não temos memoria, nem mesmo para nos na paisagem. Sonhamos em pleno
dia e com os olhos abertos. Somos furtados ao mundo objetivo mas também a nós mesmos. É o sentir."
Para chegar ao plano de composição, há de se sacrificar o estado de coisas do eu doente, do louco, para poder
abrir o campo de novos possíveis. Porém, há de se fazer isso com método, para outra questão, outro espaço.
Conferir os métodos, acompanhar passagens, potencializar e angariar estratégias de positivação dos desvios
constitutivos e transformadores.
Como fazer isso com a loucura? como lhe conferir o estilo e a sintaxe, os modos e os ritmos, os traços e a s
cores? Este é o trabalho, a arte e a tarefa da clínica? Conferir estes materiais, construir estes espaços de
composicionabilidade? (TESE) facilitador do acaso, fazer passar fluxos.
A fabulação - como em Foucault, na conferência do livro de Machado (2006), onde fala da literatura como
fabulação e não como inefável – não é feita com lembranças ou fantasmas. A criação e o artista
excede os estados perceptivos e as passagens afetivas do vivido. É um vidente, alguém que se torna.
(...) Ele viu na vida algo muito grande, demasiado intolerável também, e a luta da vida com o que a
ameaça, de modo que o pedaço de natureza que ele percebe, ou os bairros da cidade, e seus personagens,
acedem a uma visão que compõe, através deles, perceptos desta vida, deste momento, fazendo estourar
as percepções vividas numa espécie de cubismo, de simultanismo, de luz crua ou de crepúsculo, de
purpura ou de azul, que não tem mais outro objeto nem sujeito senão eles mesmos. "Chama-se de
estilos, dizia Giacometti, essas visões paradas no tempo e no espaço. Trata-se sempre de liberar a
vida lá onde ela e prisioneira, ou de tentar fazê-lo num combate incerto (DG, 2008, p. 202).
Dobra a dor e o sofrimento sobre ela mesma, construindo passagens na fissura da experiência psicossocial
do doente mental, para além do vivido.
Saturar cada átomo, a resposta de V. Woolf, equivale à perspectiva nietzschiana que encontramos em Pessoa
de sentir tudo de todas as formas. Atletismo do devir, de tornar-se outro, de fazer correr os fluxos. Por isso,
experimentam discreta, pacata e suavemente a morte em si, não sem expor as marcas da morte em sua obra,
em sua trajetória – fazer da morte uma marca daquilo que conserva. Infinitizar a finitude de todas as formas,
especialmente daquela que escreve.
Como tornar um momento do mundo durável ou faze-lo existir por si? Virginia Woolf dá uma resposta
que vale para a pintura ou a música tanto quanto para a escrita: "Saturar cada átomo", "Eliminar tudo
o que é resto, morte e superfluidade", tudo o que gruda em nossas percepções correntes e vividas, tudo
o que alimenta o romancista medíocre, sé guardar a saturação que nos dá um percepto, "Incluir no
momento o absurdo, os fatos, o sórdido, mas tratados em transparência", "Colocar aí tudo e contudo
saturar"(9). Por ter atingido o percepto como "a fonte sagrada, por ter visto a Vida no vivente ou o
Vivente no vivido, o romancista ou o pintor voltam com olhos vermelhos e o fôlego curto. São atletas:
não atletas que teriam formado bem seus corpos e cultivado o vivido, embora muitos escritores não
tenham resistido a ver nos esportes um meio de aumentar a arte e a vida, mas antes atletas bizarros do
tipo "campeão de jejum" ou "grande Nadador" que não sabia nadar. Um Atletismo que não é orgânico
ou muscular, mas "um atletismo afetivo", que seria o duplo inorgânico do outro, um atletismo do
devir que revela somente forças que não são as suas, "espectro plástico"(10). Desse ponto de vista, os
artistas são como os filósofos, tem frequentemente uma saudezinha frágil, mas não por causa de suas
doenças nem de suas neuroses, é porque eles viram na vida algo de grande demais para qualquer um,
de grande demais para eles, e que pôs neles a marca discreta da morte. Mas esse algo é também a
fonte ou o folego que os fazem viver através das doenças do vivido (o que Nietzsche chama de saúde).
"Um dia saberemos talvez que não havia arte, mas somente medicina..." (DELEUZE & GUATTARI,
2008, p. 203-4)
Igualmente em outro lugar, Deleuze e Guattari (2008) olhos vermelhos do plano de imanência e do de
composição. “Corremos em direção ao horizonte, sobre o plano de imanência; retornamos dele com olhos
vermelhos, mesmo se são os olhos do espírito” (DELEUZE & GUATTARI, 2008, p. 52-3).
O afecto é o devir, não uma imitação, uma simpatia vivida ou uma identificação imaginária, não é se
transformar no outro, mas algo que passa entre um e outro.
O afecto não é a passagem de um estado vivido a um outro, mas o devir não humano do homem. (...)
Não é a semelhança, embora haja semelhança. Mas, justamente, e apenas uma semelhança produzida.
E antes uma extrema contiguidade, num enlaçamento entre duas sensações sem semelhança ou, ao
contrário, no distanciamento de uma luz que capta as duas num mesmo reflexo. (...) mas algo passa
de um ao outro. Este algo sé pode ser precisado como sensação. É uma zona de indeterminação, de
indiscernibilidade, como se coisas, animais e pessoas (Ahab e Moby Dick, Pentesileia e a cadela)
tivessem atingido, em cada caso, este ponto (todavia no infinito) que precede imediatamente sua
diferenciação natural. E o que se chama um afecto. (...) Só a vida cria tais zonas, em que turbilhonam
os vivos, e só a arte pode atingi-la e penetra-la, em sua empresa de cocriação. É que a própria arte
vive dessas zonas de indeterminação, quando o material entra na sensação como numa escultura de
Rodin. São blocos. (...) a potência de um fundo capaz de dissolver as formas, e de impor a existência
de uma tal zona, em que não se sabe mais quem é animal e quem é humano, porque algo se levanta
como o triunfo ou o monumento de sua indistinção (2008, p. 204-5)
O afecto precede a diferenciação, está antes dela, que é intrincada, emaranhada na individuação.
A vida cria as zonas de indiscernibilidade, em sua dimensão anômala. A arte pode penetrar esta zona à medida
em que acessa ao plano de composição, à medida em que ela acessa e porta tal capacidade de composição
em colateralidade com o próprio viver.
Fazer passar os fluxos para confundir as barreiras, tornando o louco são e o artista um marginal aproximando
e fazendo correr em velocidades ou lentidões absurdas as intensidades e provocando as singularidades de
modo a levar uma coisa ou um ser em seu estado, sentido e valores aos limites e às vizinhanças com aquilo
que não é, onde ele mais se afirma como aquilo que deveras, é. Daí, “o máximo de determinação emerge
como um clarão deste bloco de vizinhança” (2008, p. 206).
A indeterminação não se resolve na dialética nem no contraste, nem sequer é sintetizável sob o desígnio de
um sistema de ambivalências ou de ambiguidades. Neste âmbito, a loucura não é mais o outro, como na
superfície de estados de coisas, mas é o outro do outro, o outro de todos os mundos.
A arte – ou pelo menos o plano de composição – é menos o conjunto ou o significado das palavras que a
natureza ou o processo de arrancar o balbucio e o rumor, de fazer regurgitar o grito e o gemido das
palavras fazendo a linguagem gaguejar e o pensamento pensar o impensável – e quiçá, delirar, isto é, produzir
outros modos e formas de pensar.
Assim como a música revolve o som até o pulso mínimo e arrítmico do canto da terra e do grito dos homens,
o que constitui o tom, a saúde, o devir, um bloco visual e sonoro. Um monumento não comemora, não
celebra algo que se passou, mas transmite para o futuro as sensações persistentes que encarnam o
acontecimento: o sofrimento sempre renovado dos homens, seu protesto recriado, sua luta sempre
retomada. Tudo seria vão porque o sofrimento e eterno, e as revolucoes nao sobrevivem a sua vitoria?
Mas o sucesso de uma revolucao so reside nela mesma, precisamente nas vibrações, nos enlaces, nas
aberturas que deu aos homens no momento em que se fazia, e que compõem em si um monumento
sempre em devir, como esses túmulos aos quais cada novo viajante acrescenta uma pedra. A vitória
de uma revolução é imanente, e consiste nos novos liames que instaura entre os homens, mesmo se
estes não duram mais que sua matéria em fusão e dão lugar rapidamente à divisão, à traição.
As figuras estéticas (e o estilo que as cria) não tem nada a ver com a retórica. São sensações: perceptos
e afectos, paisagens e rostos, visoes e devires (p. 209).
Figuras estéticas X personagens conceituais
O devir sensivel é o ato pelo qual algo ou alguém não para de devir-outro (continuando a ser o que
é), girassol ou Ahab, enquanto que o devir conceitual é o ato pelo qual o acontecimento comum, ele
mesmo esquiva o que é. Este é heterogeneidade compreendida numa forma absoluta, aquele a
alteridade empenhada numa matéria de expressão. O monumento não atualiza o acontecimento
virtual, mas o incorpora ou o encarna: dá-lhe um corpo, uma vida, um universo. É assim que Proust
definia a arte-monumento, por esta via superior ao "vivido", suas "diferenças qualitativas", seus
"universos" que constroem seus próprios limites, seus distanciamentos e suas aproximações, suas
constelações, os blocos de sensações que eles fazem rolar, o universo-Rembrandt ou universo-
Debussy. Estes universos não são nem virtuais, nem atuais, são possíveis, o possível como categoria
estética ("possível, por favor, senão eu sufoco"), a existência do possível, enquanto que os
acontecimentos são a realidade do virtual, formas de um pensamento-Natureza que sobrevoam todos
os universos possíveis. (...) mesmo um conceito de sensação deve ser criado com seus meios
próprios, e uma sensação existe em seu universo possível, sem que o conceito exista necessariamente
em sua forma absoluta (p. 210).
Dá um corpo, uma vida e um universo como meios de propagação (MP5, DG, 2003), ressoam na
fenomenologia da arte, que decompõe a sensação em carne, casa e cosmos.
Em seguida, os autores exprimem uma fenomenologia da arte que trás a sensação em três aspectos: carne;
casa, a armadura, a junção finita; e o cosmos, o universo.
Em nota: Dufrenne fazia uma espécie de analítica dos a priori perceptivos e afetivos, que fundavam
a sensacao como relacao do corpo e do mundo. Permanecia proximo de Erwin Straus. Mas ha um ser
de sensacao que se manifestaria na carne? Era a via de Merleau-Ponty
fenomenologia encontra a sensação em "a priori materiais", perceptivos e afectivos, que
transcendem as percepções e afecções vividas (...) a imanência do vivido a um sujeito
transcendental precisa exprimir-se em funções transcendentes que não determinam somente a
experiência em geral, mas que atravessam aqui e agora o próprio vivido e se encarnam nele
constituindo sensações vivas. O ser da sensação, o bloco do percepto e do afecto, aparecerá como a
unidade ou a reversibilidade daquele que sente e do sentido, seu íntimo entrelaçamento, como mãos
que se apertam: é a carne que vai se libertar ao mesmo tempo do corpo vivido, do mundo percebido,
e da intencionalidade de um ao outro, ainda muito ligada a experiência — enquanto a carne nos dá o
ser da sensação, e carrega a opinião originária, distinta do juízo de experiência. (210)
Este carnismo é o último repouso e morada da fenomenologia. A carne aparece necessariamente piedosa e
sensual.
A efetuação do acontecimento em um estado de coisas, em um estado de corpo que poderíamos cotejar com
as reflexões contidas em O que é a filosofia? como a liberdade do vivido e do vivível encarnada na carne
– livre dos arroubos da consciência, do percebido e da intencionalidade. Com a crueldade da inscrição nos
corpos.
A questão de saber se a carne é adequada à arte pode se enunciar assim: é ela capaz de carregar o
percepto e o afecto, de constituir o ser de sensação, ou então é ela mesma que deve ser carregada, e
ingressar em outras potências de vida? A carne não e a sensação, mesmo se ela participa de sua
revelação. (...) Mas o que constitui a sensação é o devir-animal, vegetal, etc, que monta sob as praias
de encarnado, no nu mais gracioso, mais delicado, como a presença de um animal descarnado, de um
fruto descascado (p. 211)
Talvez fosse um embaralhamento ou um caos, se não houvesse um segundo elemento para dar
consistência a carne. A carne é apenas o termômetro de um devir. A carne é tenra demais. O segundo
elemento e menos o osso ou a ossatura que a casa, a armadura. O corpo desabrocha na casa (ou num
equivalente, numa fonte, num bosque)
(...) o que define a casa são as extensões, isto e, os pedaços de planos diversamente orientados que
dão à carne sua armadura: primeiro plano e plano-de-fundo, paredes horizontais, verticais, esquerda,
direita, retos e oblíquos, retilíneos ou curvos.... Essas extensões são muros, mas também solos, portas,
janelas, portas-janelas, espelhos, que dão precisamente à sensação o poder de manter-se sozinha em
molduras autônomas. São as faces do bloco de sensação. E há certamente dois signos do gênio dos
grandes pintores, bem como de sua humildade: o respeito, quase um terror, com o qual eles se
aproximam da cor e entram nela; o cuidado com o qual operam a junção dos planos, da qual
depende o tipo de profundidade. Sem este respeito e este cuidado, a pintura e nula, sem trabalho, sem
pensamento. O difícil é juntar, não as mãos, mas os planos. Fazer relevos com planos que se juntam,
ou ao contrário escarificá-los, corta-los. Os dois problemas, a arquitetura dos planos e o regime da
cor, se confundem frequentemente (p. 212).
A casa são as molduras, a junção dos planos que fazem a armadura, a armação, que dão prumo e estabilidade
à carne, que fazem a carne se manter só, como moldura autônoma. A casa é a face de cada bloco de sensação
A estrutura, por assim dizer, a extensão é dada na junção dos planos (virtualidades? Pontos de encontro no
infinito?) e nos regimes de cor (intensidades?).
A casa participa de todo um devir. Ela é vida, "vida não orgânica das coisas". De todos os modos
possíveis, e a junção dos planos de mil orientações que define a casa-sensação. A casa mesma (ou
seu equivalente) e a junção finita dos planos coloridos. (...) Mas o universo se apresenta, no limite,
como o fundo da tela, o único grande plano, o vazio colorido, o infinito monocromático. (...) É como
uma passagem do finito ao infinito, mas também do território a desterritorialização. É bem o
momento do infinito: infinitos infinitamente variados. (...) Em Van Gogh, em Gauguin, em Bacon
hoje, vemos surgir a imediata tensão da carne e do fundo, dos derrames, de tons justapostos e da praia
infinita de uma pura cor homogênea, viva e saturada ("em lugar de pintar a parede banal do mesquinho
apartamento, eu pinto o infinito, faço um fundo simples do azul mais rico, mais intenso...") – Van Gogh,
carta a Theo, t. III, p. 165fr
Ha plena complementariedade, enlace de forcas como perceptos e de devires como afectos. A linha de
força abstrata, segundo Worringer, e rica em motivos animalescos. As forças cósmicas ou
cosmogenéticas correspondem devires-animais, vegetais, moleculares: até que o corpo desapareça no
fundo ou entre no muro, ou inversamente que o fundo se contorça e turbilhone na zona de
indiscernibilidade do corpo. Numa palavra, o ser de sensação não é a carne, mas o composto das
forças não-humanas do cosmos, dos devires não humanos do homem, e da casa ambígua que os
troca e os ajusta, os faz turbilhonar como os ventos. A carne é somente o revelador que desaparece
no que revela: o composto de sensações. Como toda pintura, a pintura abstrata é sensação, nada
mais que sensação. Em Mondrian é o quarto que acede ao ser de sensação dividindo por extensões
coloridas o plano vazio infinito, que lhe dá de volta um infinito de abertura. Em Kandinsky, as casas
são uma das fontes da abstração, que consiste menos em figuras geométricas, que em trajetos
dinâmicos e linhas de errância, "caminhos que caminham" nos arredores (DG, 2008, p. 216).
O estado de coisas é o revelador, revela a dor que, no entanto, pode ser superada pelo acontecimento do
enlouquecer, por conta da própria lógica do acontecimento.
A arte começa talvez com o animal, ao menos com o animal que recorta um território e faz uma
casa (os dois são correlativos ou até mesmo se confundem por vezes no que se chama de habitat). Com
o sistema território-casa, muitas funções orgânicas se transformam, sexualidade, procriação,
agressividade, alimentação, mas não é esta transformação que explica a aparição do território e da casa;
seria antes o inverso: o território implica na emergência de qualidades sensíveis puras, sensibilia
que deixam de ser unicamente funcionais e se tornam traços de expressão, tornando possível uma
transformação das funções. Sem dúvida esta expressividade já está difundida na vida, e pode-se
dizer que o simples lírio dos campos celebra a gloria dos céus. Mas é com o território e a casa que ela
se torna construtiva, e ergue os monumentos rituais de uma missa animal que celebra as qualidades
antes de tirar delas novas causalidades e finalidades. Esta emergência já é arte, não somente no
tratamento dos materiais exteriores, mas nas posturas e cores do corpo, nos cantos e nos gritos que
marcam o território. E um jorro de traços, de cores e de sons, inseparáveis na medida em que se
tornam expressivos (conceito filosófico de território) (p. 217).
Os blocos de sensação são ritornelos, “O ritornelo inteiro e o ser de sensação. Os monumentos são ritornelos.
Desse ponto de vista, a arte não deixará de ser habitada pelo animal. A arte de Kafka será a mais profunda
meditacao sobre o territorio e a casa, o terreiro, as posturas-retrato” (p. 218)
E cada território engloba ou recorta territórios de outras espécies, ou intercepta trajetos de animais
sem território, formando junções interespecíficas. E neste sentido que Uexküll, num primeiro aspecto,
desenvolve uma concepção da Natureza melódica, polifônica, contrapontual. Não apenas o canto de
um passaro tem suas relacoes de contraponto, mas pode fazer contraponto com o canto de outras
especies, e pode, ele mesmo, imitar estes outros cantos, como se se tratasse de ocupar um máximo de
frequências. A teia de aranha contem "um retrato muito sutil da mosca" que lhe serve de contraponto.
(...) Essas relações de contraponto juntam planos, formam compostos de sensações, blocos, e
determinam devires. Mas não são somente estes compostos melódicos determinados que constituem
a natureza, mesmo generalizados; e preciso também, sob um outro aspecto, um plano de composição
sinfônica infinito: da Casa ao universo. Da endossensação a exossensação. É que o território não se
limita a isolar e juntar, ele abre para forças cósmicas que sobem de dentro ou que vem de fora, e
torna sensíveis seu efeito sobre o habitante (p. 219).
Da carne à casa e da casa ao universo.
E ora as forças se fundem umas nas outras em transições sutis, decompõem-se tão logo vislumbradas,
ora se alternam ou se enfrentam. Ora deixam-se selecionar pelo território, e são as mais benevolentes
que entram na casa. Ora lançam um apelo misterioso que arranca o habitante do território, e o
precipita numa viagem irresistível, como os pintassilgos que se reúnem frequentemente aos milhões ou
as lagostas que empreendem uma imensa peregrinacao no fundo da água. Ora se abatem sobre o
território e o invertem, malevolentes, restaurando o caos de onde ele mal saia. Mas sempre, se a
natureza e como a arte, é porque ela conjuga de todas as maneiras esses dois elementos vivos: a
Casa e o Universo, o Heimlich e o Unheimlich, o território e a desterritorialização, os compostos
melódicos finitos e o grande plano de composição infinito, o pequeno e o grande ritornelo. A arte
começa, não com a carne, mas com a casa; é por isso que a arquitetura e a primeira das artes. Quando
Dubuffet procura delimitar um certo estado bruto de arte, é a princípio na direção da casa que ele se
volta, e toda sua obra se ergue entre a arquitetura, a escultura e a pintura (p. 220).
A natureza e a arte conjugam no artifício os dois absolutos (como em canguilhem é o vivente e o meio) da
casa e do universo.
Encaixar essas molduras ou juntar todos estes planos, extensão de muro, extensão de janela, extensão
de solo, extensao de declive, e todo um sistema composto rico em pontos e contrapontos. As molduras
e suas junções sustentam os compostos de sensações, dão consistência às figuras, confundem-se com
seu dar consistência, seu próprio tônus. Ai estão as faces de um cubo de sensação. As molduras ou as
extensoes nao sao coordenadas, pertencem aos compostos de sensações dos quais constituem as faces,
as interfaces. Mas, por mais extensível que seja este sistema, é preciso ainda um vasto plano de
composição que opere uma espécie de desenquadramento segundo linhas de fuga, que só passe pelo
território para abri-lo sobre o universo, que vá da casa-território a cidade-cosmos30, e que dissolva
agora a identidade do lugar na variação da Terra, uma cidade que tem menos um lugar do que vetores
pregueando a linha abstrata do relevo. E sobre este plano de composição, como sobre "um espaço
vetorial abstrato", que se traçam figuras geométricas, cone, prisma, diedro, plano estrito, que nada mais
são do que forças cósmicas capazes de se fundir, se transformar, se enfrentar, alternar, mundo de
antes do homem, mesmo se e produto do
homem. É preciso agora desarticular os planos, para remete-los a seus intervalos, em vez de remete-
los uns aos outros, para criar novos afectos. Ora, vimos que a pintura seguia o mesmo movimento. A
moldura ou a borda do quadro, é em primeiro lugar, o involucro externo de uma série de molduras ou
de extensões que se juntam, operando contrapontos de linhas e de cores, determinando compostos
de sensações. Mas o quadro é atravessado também por uma potência de desenquadramento que o
abre para um plano de composição ou um campo de forças infinito. Estes procedimentos podem ser
muito diversos, mesmo no nível da moldura exterior: formas irregulares, lados que não se juntam,
molduras pintadas ou pontilhados de Seurat, quadrados sobre ponta de Mondrian, tudo o que dá ao
quadro o poder de sair da tela. Jamais o gesto do pintor fica na moldura, ele sai da moldura e não
começa com ela. (p. 221-2)
[Igualmente na literatura,] o que conta não são as opiniões dos personagens segundo seus tipos sociais
e seu caráter, como nos maus romances, mas as relações de contraponto nos quais entram, e os
compostos de sensações que esses personagens experimentam eles mesmos ou fazem experimentar,
em seus devires e suas visões. O contraponto não serve para relatar conversas, reais ou fictícias, mas
para fazer mostrar
a loucura de qualquer conversa, de qualquer dialogo, mesmo interior. É tudo isso que o romancista
deve extrair das percepcoes, afeccoes e opiniões de seus "modelos" psicossociais, que se integram
inteiramente nos perceptos e os afectos aos quais o personagem deve ser elevado sem conservar outra
vida. E isso implica num vasto plano de composição, não preconcebido abstratamente, mas que se
constroi a medida que a obra avança, abrindo, misturando, desfazendo e refazendo compostos
cada vez mais ilimitados segundo a penetração de forças cósmicas. A teoria do romance de Bakhtin
vai nesse sentido mostrando, de Rabelais a Dostoievski, a coexistência dos componentes
contrapontuais, polifônicos, e plurivocais com um plano de composição arquitetônico ou sinfônico.
(...) um Cosmos planetário já está lá, visível ao telescópio, arruinando-as ou transformando-as, e
absorvendo-as no infinito do fundo. Tudo começa por ritornelos (p. 223)
30
Ver Marc Augé (2010): proposta de artigo: da casa-território à cidade-mundo e ao mundo-cidade.
e se compõe com outras sensações variáveis e não isolado em si mesmo. Assim, tudo termina no infinito, no
grande Ritornelo, antes ou pós homem. De cada coisa finita, Proust faz um ser de sensação, que se conserva
especialmente fugindo sobre um plano de composição.
Ou seja: o ser da sensação, feito das coisas finitas, se conserva, para além dos matérias que determinam seu
estado de coisas, ao abrir e correr sobre um plano de composição, de onde atua, afeta, compõe realidades
com afectos e perceptos escapando a toda relação determinística, com o tempo e as forças sociais do entorno
e do espaço.
Ser de sensação é composto de três aspectos: vibração (ária melódica: ritornelo monofônico); enlace ou
acoplamento (motivo polifônico, intervém de uma melodia sobre outra, fazendo contraponto); fechamento e
abertura, de onde vêm as fissuras e de onde se fende (tema, que é objeto de modificação harmônica).
O EXEMPLO usado pelos autores é a música para servir de paralelo ao ser de sensação.
Diz-se, todavia, que o som não tem moldura. Mas os compostos de sensações, os blocos sonoros
tampouco têm extensões ou formas enquadrantes que devem, em cada caso, se ajuntar assegurando um
certo fechamento. (...) Com efeito, o fenômeno musical mais importante, que aparece a medida que os
compostos de sensações sonoras se tornam mais complexos, e que sua clausura ou fechamento (por
junção de suas molduras, de suas extensões) se acompanha de uma possibilidade de abertura sobre
um plano de composição cada vez mais ilimitado. Os seres de música são como os seres vivos segundo
Bergson, que compensam sua clausura individuante por uma abertura feita de modulação,
repetição, transposição, justaposição (p. 224-5).
O procedimento é via de regra: tema e variação. Mantendo a moldura harmônica do tema, há um
desenquadramento, que remete ao próprio plano de composição. É o procedimento da casa ao cosmos
o velho procedimento tema e variação, que mantem a moldura harmônica do tema, dá lugar a uma
espécie de desenquadramento quando o piano engendra os estudos de composição (Chopin,
Schumann, Liszt): e um novo momento essencial, porque o trabalho criador não mais versa sobre os
componentes sonoros, motivos e temas, abrindo um plano, mas ao contrário versa diretamente sobre
o proprio plano de composicao, para fazer nascer dele compostos bem mais livres e
desenquadrados, quase agregados incompletos ou sobrecarregados, em desequilíbrio permanente.
(...) 225
O trabalho do plano de composição se desenvolve em duas direções que engendrarão uma
desagregação da moldura tonal: os imensos fundos da variação contínua que fazem enlaçar e se
unir às forças tornadas sonoras, em Wagner, ou os tons justapostos que separam e dispersam as forças
agenciando suas passagens reversíveis, em Debussy. Universo-Wagner, universo-Debussy (...)
Mas, sempre, o gesto do músico consiste em desenquadrar, encontrar a abertura, retomar o plano
de composição, segundo a fórmula que obceca Boulez: traçar uma transversal irredutível à vertical
harmônica como a horizontal melódica que conduz blocos sonoros à individualização variável, mas
também abri-las ou fende-las num espaço-tempo que determina sua densidade e seu percurso sobre o
plano. O grande ritornelo se eleva a medida que nos afastamos da casa, mesmo se e para retornar
a ela, já que ninguém mais nos reconhecera quando retornarmos (p. 226).
Composição, composição, eis a única definição da arte. A composição é estética, e o que não é
composto não é uma obra de arte.
Não confundiremos todavia a composição técnica, trabalho do material que faz frequentemente intervir
a ciencia (matematica, fisica, quimica, anatomia) e a composicao estetica, que é o trabalho da
sensacao. Sé este último merece plenamente o nome de composição, e nunca uma obra de arte é feita
por técnica ou pela técnica. Certamente, a técnica compreende muitas coisas que se individualizam
segundo cada artista e cada obra: as palavras e a sintaxe em literatura; não apenas a tela em pintura,
mas sua preparação, os pigmentos, suas misturas, os métodos de perspectiva; ou então os doze sons
da música ocidental, os instrumentos, as escalas, as alturas... E a relação entre os dois planos, o plano
de composição técnica e o plano de composicao estética, não cessa de variar historicamente. Sejam
dois estados oponíveis na pintura a óleo: num primeiro caso [pintura técnica], o quadro é preparado por
um fundo branco, sobre o qual se desenha e se dilui o desenho (esboço), enfim se põe a cor, as sombras
e as luzes. No outro caso [pintura estética], o fundo se torna cada vez mais espesso, opaco e
absorvente, de modo que ele se colore na divisão, e o trabalho se faz em plena massa sobre uma gama
escura, as correções substituindo o esboço: o pintor pintara sobre cor, depois cor ao lado de cor, as
cores se tornando cada vez mais relevos, a arquitetura sendo assegurada pelo "contraste dos
complementares e a concordância dos análogos" (Van Gogh); é por e na cor que se encontrara a
arquitetura, mesmo se é preciso renunciar aos relevos para reconstituir grandes unidades colorantes
(p. 227).
A sensação é de ordem estética, não técnica; ela existe em si e se conserva enquanto o material dura.
Porém, “se há progressão em arte, e porque a arte só pode viver criando novos perceptos e novos afectos como
desvios, retornos, linhas de partilha, mudanças de níveis e de escalas”.
Assim, os dois modos da pintura a óleo são dois modos estéticos:
No primeiro caso, a sensacao se realiza no material, e não existe fora desta realizacao. Diriamos que
a sensação (o composto de sensações) se projeta sobre o plano de composição técnica bem
preparado, de sorte que o plano de composicao estetica venha recobri-lo. É preciso pois que o
material compreenda ele mesmo mecanismos de perspectiva graças aos quais a sensação projetada não
se realiza somente cobrindo o quadro, mas segundo uma profundidade. A arte desfruta então de uma
aparência de transcendência, que se exprime não numa coisa por representar, mas no carater
paradigmático da projeção e no caráter "simbólico" da perspectiva. A Figura é como a fabulação
segundo Bergson: tem uma origem religiosa. Mas, quando ela se torna estética, sua transcendência
sensitiva entra numa oposição surda ou aberta com a transcendencia suprasensivel das religiões.
No segundo caso, não é mais a sensação que se realiza no material, e antes o material que entra na
sensação. Certamente, a sensação não existe mais fora dessa entrada, e o plano de composição técnica
não mais tem autonomia a não ser no primeiro caso: não vale jamais por si mesmo. Mas diríamos agora
que ele sobe no plano de composição estética, e lhe dá uma espessura própria, como diz Damisch,
independente de qualquer perspectiva e profundidade. É o momento em que as figuras da arte se
liberam de uma transcendência aparente ou de um modelo paradigmático, e confessam seu ateísmo
inocente, seu paganismo (228-9).
Estes dois polos, da composição técnica autonomizada e da estética, são em realidade polos abstratos, muito
mais que movimentos distintos.
a pintura moderna, mesmo quando se contenta com oleo e solvente, se volta cada vez mais na direção
do segundo polo, e faz subir e introduzir o material "na espessura" do plano de composição
estética. É por isso que e tão falso definir a sensacao na pintura moderna pela admissão de uma
"plenitude" visual pura: o erro vem talvez de que a espessura não precisa ser larga ou profunda. Pode-
se dizer, de Mondrian, que ele era um pintor da espessura; e quando Seurat define a pintura como "a
arte de cavar uma superficie", basta-lhe apoiar-se sobre os vazios e os plenos do papel Canson. É uma
pintura que não mais tem fundo, porque o "baixo" emerge: a superfície é esburacável ou o plano de
composição ganha espessura, enquanto o material sobe, independentemente de uma profundidade
ou perspectiva, independentemente das sombras e mesmo da ordem cromática da cor (o colorista
arbitrario). Não mais se recobre, faz-se subir, acumular, empilhar, atravessar, sublevar, dobrar.
(DG 2008, p. 229)
É uma promoção do solo, e a escultura pode tornar-se plana, já que o plano se estratifica. Não mais
se pinta "sobre", mas "sob". A arte informal levou muito longe estas novas potências da textura, essa
elevação do solo com Dubuffet; e também o expressionismo abstrato, a arte minimalista, procedendo
por impregnações, fibras, folheados, ou usando a tarlatana ou o tule, de modo que o pintor possa
pintar atrás de seu quadro, num estado de cegueira (...) De qualquer maneira e em todos estes
estados, a pintura é pensamento: a visão existe pelo pensamento, e o olho pensa, mais ainda do que
escuta (...)
E da literatura à música uma espessura material se afirma, que não se deixa reduzir a nenhuma
profundidade formal. É um traço característico da literatura moderna, quando as palavras e a sintaxe
sobem no plano de composição, e o cavam, em lugar de (p. 230)
coloca-lo em perspectiva. E a música, quando renuncia a projeção como as perspectivas que impõem a
altura, o temperamento e o cromatismo, para dar ao plano sonoro uma espessura singular, da qual
testemunham elementos muito diferentes: a evolução dos estudos para piano, que deixam de ser
somente técnicas para tornar-se "estudos de composição" (com a extensão que lhes da Debussy); a
importância decisiva que toma a orquestração em Berlioz; a subida dos timbres em Stravinski e em
Boulez; a proliferacao dos afectos de percussão com os metais, as peles e as madeiras, e sua ligação
com os instrumentos de sopro, para constituir blocos inseparaveis do material (Varese); a redefinição
do percepto em função do ruído, do som bruto e complexo (Cage); não apenas o alargamento do
cromatismo a outros componentes diferentes da altura, mas a tendência a uma aparição não-cromática
do som num continuum infinito (música eletronica ou eletroacustica).
Só ha um plano único, no sentido em que a arte não comporta outro plano diferente do da composição
estética: o plano técnico, com efeito, é necessariamente recoberto ou absorvido pelo plano de
composição estética. E sob esta condição que a matéria se torna expressiva: o composto de sensações
se realiza no material, ou o material entra no composto, mas sempre de modo a se situar sobre um
plano de composição propriamente estético. (...) Toda sensação é uma questão, mesmo se só o silêncio
responde a ela. O problema na arte consiste sempre em encontrar que monumento erguer sobre tal
plano, ou que plano estender sob tal monumento, e os dois ao mesmo tempo (DG 2008, p. 231)
da literatura à música uma espessura material se afirma, a espessura anômala das intensidades se afirma na
vivência e na experiência, no viver e nos modos de normar do louco.
sensação composta >>> pl de comp
É sobre suas linhas de fuga que os universos se encadeiam ou se separam, de modo que o plano pode
ser único, ao mesmo tempo que os universos são múltiplos irredutíveis. Tudo se passa (inclusive a
técnica) entre os compostos de sensações e o plano de composição estética. (...) A cidade não vem
depois da casa, nem o cosmos depois do território. O universo não vem depois da figura, e a figura é
aptidão de universo. Chegamos, da sensação composta, ao plano de composição, mas para
reconhecer sua estrita coexistencia ou sua complementariedade, um só progredindo atraves do outro.
A sensacao composta, feita de perceptos e de afectos, desterritorializa o sistema da opinião que
reunia as percepções e afecções dominantes num meio natural, historico e social. Mas a sensacao
composta se reterritorializa sobre o plano de composição, porque ela ergue suas casas sobre ele,
porque ela se apresenta nele em molduras encaixadas ou extensões articuladas que limitam seus
componentes, paisagens tornadas puros perceptos, personagens tornados puros afectos. E, ao mesmo
tempo, o plano de composicao arrasta sensação numa desterritorialização superior, fazendo-a passar
por uma espécie de desenquadramento que a abre e a fende sobre um cosmos infinito. Como em
Pessoa, uma sensação, sobre o plano, não ocupa um lugar sem estende-lo, distende-lo pela Terra
inteira, e liberar todas as sensações que ela contém: abrir ou (p. 232)
fender, igualar o infinito. Talvez seja próprio da arte passar pelo finito para reencontrar, restituir o
infinito.
O que define o pensamento, as tres grandes formas do pensamento, a arte, a ciencia e a filosofia, e
sempre enfrentar o caos, traçar um plano, esboçar um plano sobre o caos. Mas a filosofia quer
salvar o infinito, dando-lhe consistência: ela traça um plano de imanencia, que leva até o infinito
acontecimentos ou conceitos consistentes, sob a acao de personagens conceituais. A ciência, ao
contrário, renuncia ao infinito para ganhar a referência: ela traça um plano de coordenadas
somente indefinidas, que define sempre estados de coisas, funções ou proposições referenciais, sob
a ação de observadores parciais. A arte quer criar um finito que restitua o infinito: traça um plano
de composição que carrega por sua vez monumentos ou sensações compostas, sob a ação de figuras
estéticas. (p. 233)
Sentir tudo de todas as formas faz parte do procedimento de tornar paisagens perceptos e personagens >
afectos.
“As três vias são especificas, tão diretas umas como as outras, e se distinguem pela natureza do plano
e daquilo que o ocupa. Pensar e pensar por conceitos, ou então por funções, ou ainda por sensações
(...) Os três pensamentos se cruzam, se entrelacam, mas sem síntese nem identificação. A filosofia faz
surgir acontecimentos com seus conceitos, a arte ergue monumentos com suas sensações, a ciência
constrói estados de coisas com suas funções. Um rico tecido de correspondências pode estabelecer-se
entre os planos. Mas a rede tem seus pontos culminantes, onde a sensação se torna ela propria sensacao
de conceito, ou de função; o conceito, conceito de função ou de sensação; a funcao, funcao de sensacao
ou de conceito. E um dos elementos nao aparece, sem que o outro possa estar ainda por vir, ainda
indeterminado ou desconhecido. Cada elemento criado sobre um plano apela a outros elementos
heterogêneos, que restam por criar sobre outros planos: o pensamento como heterogenese. E verdade
que estes pontos culminantes comportam dois perigos extremos: ou reconduzir-nos a opiniao da qual
queriamos sair, ou nos precipitar no caos que queriamos enfrentar (DG, 208, p. 233-5):
FILOSOFIA: enfrentar o caos: salvar o infinito > dar consistência ao infinito << ao traçar um plano de
imanência >> leva até o infinito acontecimentos ou conceitos < ação de personagens conceituais
ARTE: esboçar um plano sobre o caos: criar um finito > restitua o infinito << traçando um plano de
composição >> carrega monumentos ou sensações compostas < ação de figuras estéticas
CIÊNCIA: traçar um plano: renuncia ao infinito > ganhar a referência << traça um plano de coordenadas
indefinidas >> define estados de coisas, funções ou proposições referenciais < ação de observadores
parciais
Igual infinito de Klee: “manchas castanhas que dançam na margem e a travessam a tela são a passagem infinita
do caos; o formigar de pontos sobre a tela, dividida por bastonetes, e a sensacao composta finita, mas se abre
sobre o plano de composicao que nos devolve o infinito” (233)
A arte abstrata e a conceitual tentam aproximar a arte da filosofia, mas não substituem os conceitos por
sensações, criam sensações.
O plano de imanência é caracterizado pela potência genética do campo transcendental. Esta passagem
configura a nova imagem do pensamento realizada desde seus primeiros textos até Imanência: uma vida...
Em oposição à transcendência do sujeito transcendental ou do objeto (em si, transcendental, inacessível).
Ambos passam do status transcendente para a produção imanente coloca-os na relação entre pensamento e
vida: o pensar é criação e configura, portanto, um modo de vida.
Neste âmbito, os elogios deleuzeanos são para primeiro para Spinoza, e como pensadoras da imanência
sem a colocarem como imanente a algo mais, Bergson e Sartre.
Deleuze dedica os artigos “Bergson” e “A concepção da diferença em Bergson”, produzidos em 1956. No
ano seguinte, publica o Bergsonismo, livro em que não se pode encontrar ainda qualquer referência à ideia de
plano de imanência, nem tampouco à de campo transcendental.
primeiro capítulo de Matéria e memória (Seleção das Imagens), que em 1983 se tornará tema em seu
primeiro livro sobre filosofia e cinema: “A imagem movimento”. Este livro toma como referência o
campo prévio das imagens de Matéria e Memória — primeiro sistema de imagens em que elas
agem e reagem entre si sem se reportarem a um centro fixo ou sem que apareça ali qualquer intervalo.
Nesse primeiro livro sobre filosofia e cinema, Deleuze já aplica o termo plano de imanência para tratar
desse sistema de percepção pura ou da matéria em movimento. Nesse trabalho, Deleuze observa
que no capítulo IV da Evolução criadora, publicado em 1907, Bergson acusava o cinema de produzir
uma ilusão de movimento através de cortes fixos no tempo; seu segundo livro sobre cinema “A
imagem tempo”, escrito em 1985, Deleuze estuda o cinema a partir do terceiro capítulo de Matéria e
memória “Sobrevivência das imagens”.
Em Conversações (??, p. 63-4) Deleuze aponta que
Matéria e memória que é um livro único, extraordinário na obra de Bergson. Ele não coloca mais o
movimento do lado da duração, mas por um lado estabelece uma identidade absoluta entre
movimento-matéria-imagem, e, por outro, descobre um tempo que é a coexistência de todos os
níveis de duração (a matéria sendo o nível mais inferior). Fellini, dizia recentemente que somos ao
mesmo tempo a infância, a velhice, a maturidade: é totalmente bergsoniano. Em Matéria e memória há,
portanto as núpcias de um puro espiritualismo com um materialismo radical.
QF?: Matéria e memória traça um plano que corta o caos, ao mesmo tempo movimento infinito de uma
matéria que não pára de se propagar e a imagem de um pensamento, que não pára de fazer proliferar
por toda a parte uma pura consciência de direito
A partir de Sartre é que Deleuze (2000, p. 101) propõe
um campo transcendental que responderia as questões que Sartre punha em seu artigo de 1937: um
campo transcendental impessoal não tendo a forma de uma consciência pessoal sintética, a de
uma identidade subjetiva – o sujeito, ao contrário sendo sempre constituído (...) O que impede esta
tese de desenvolver todas as suas conseqüências em Sartre é que o campo transcendental impessoal é
ainda determinado como o de uma consciência que deve então unificar-se por si mesma e sem eu através
de um jogo de intencionalidades ou retenções puras
Segundo Deleuze e Guattari (2008), o acontecimento é colocado e pensado como sobrevôo sobre os estados
de coisas e os corpos que ele envolve e paira, uma vez que possui uma relação diferente com o tempo. O
acontecimento paira e envolve as cosias em porque percorre todos os estados de coisas, sentir tudo de todas
as formas – como em Nietzsche e Pessoa (BLANCHOT, 1997; GIL 1988). De todo modo, é uma relação
aionica de velocidade infinita, tempo do imediatamente passado e do quase futuro.
Um tal plano é talvez um empirismo radical; ele não apresenta um fluxo de vivido imanente a um
sujeito, e que se individualiza no que pertence a um eu. Ele não apresenta senão acontecimentos, isto
é mundo possíveis enquanto conceitos, e outrem, como expressões de mundos possíveis e
personagens conceituais. O acontecimento não remete ao vivido a um sujeito transcendente = Eu, mas
remete ao sobrevôo imanente de um campo sem sujeito (DELEUZE & GUATTARI, 2008, p. 65-6??)
(DELEUZE & GUATTARI, 2008, p. 203-204??) “Um sistema atual, um estado de coisas ou um
domínio de função, se definem, de qualquer maneira, como um tempo entre dois instantes, ou entre
muitos instantes. É por isso que, quando Bergson diz que entre dois instantes, por mais próximos que
sejam, há sempre tempo, ele ainda não sai do domínio das funções e somente introduz nele um pouco
de vivido. Mas, quando subimos para o virtual, quando nos voltamos para a virtualidade, que se
atualiza no estado de coisas, descobrimos uma realidade inteiramente diferente, onde não temos mais
de cuidar do que ocorre de um ponto a outro, de um instante a outro, porque ela transborda toda função
possível. De acordo com os termos familiares, que se pôde emprestar de um cientista, o acontecimento
“não se preocupa com o lugar em que está, e pouco se importa em saber desde quando ele existe”, de
modo que a arte, e mesmo a filosofia, podem apreendê-lo melhor que a ciência”. Não é mais o tempo
que está entre dois instantes, é o acontecimento que é um entre-tempo: o entre-tempo não é eterno,
mas também não é tempo, é devir. O entre-tempo, o acontecimento, é sempre um tempo morto, lá
onde nada se passa, uma espera infinita que já passou infinitamente, espera e reserva”.
O acontecimento é um entretempo que condiz ao aspecto transbordante, exuberante, excessivo que repousa
entre um instante e outro, entre um estado de coisas e outro, entre a não-loucura e o surto psicótico, e entre a
doença mental cronificada e a criação. O que que transborda na vivência? De fato, são as funções
organizadoras e determinantes (cf. FOUCAULT, 2000) da figura psicossocial do doente mental e do são que
são potencialmente passíveis de serem desestabilizadas mais que com a vivência e efetuação do
acontecimento, com sua contra-efetuação num devir. Ora, este processo de criação, ligado ao entretempo
do acontecimento em seu caráter ínfimo e desregrado não passa pela vontade, mas como uma espera, um
“estar à espreita” [ver ref Deleuze e Blanchot].
Sob a perspectiva do empirismo transcendental, o campo transcendental é definido a partir de dados
imediatos
O ser imanente surge de suas próprias forças e produz seu próprio campo. Que permanece no agente,
atividade que tem fim em si mesma em seu próprio campo.
“de imanente como tudo que, fazendo parte da-substância de uma coisa, não subsiste fora dessa coisa.”
Schelling, atribui ao adjetivo "imanente" a característica do idealismo absoluto, para o qual nada existe
fora do Eu. Contudo, é evidente a analogia desse significado com o de Spinoza, para quem a ação de
Deus é imanente porque não vai além de Deus. Nesse sentido, ai. é a inclusão de toda a realidade no
Eu (ou Absoluto ou Consciência)
“Ora, mundo e linguagem são constituídos por singularidades e se distinguem na e pela superfície
que é imanência, produção imanente que surge em suas próprias forças e produz seu próprio campo,
permanecendo como agente numa atividade que envolve a si mesma e a seu próprio campo.”
O sentido se dá de maneira imanente ao plano transcendental, ali produção e o próprio sentido acontecem
independente e anteriormente a qualquer consciência. Deleuze (1985) em define o plano de imanência em A
imagem-movimento como o plano do movimento. O movimento seria inconsciente? Mais que no modo
substantivo empregado com originalidade nos escritos freudianos além da negação da consciência, podemos
dizer que sim, o campo transcendental é a superfície inconsciente de produção imanente de sentido.
“Deleuze pode então voltar a Bergson e ler o início do primeiro capítulo de Materia e memória como
a instauração de tal plano de imanência (IM, 83-90; QPh, 50) (...) simplesmente a imanência é oriunda
das fronteiras do sujeito, enquanto o em-si não é senão aquele da diferença, de que o sujeito,
derivado e nômade, percorre os graus (lógica da disjunção inclusa - sobre essa conversão, cf. IT,
110; e sobre a intuição, ver PLANO DE IMANÊNCIA). Tornou-se indiferente falar em um ou outro
estilo: a ontologia do virtual ou das singularidade não é nada mais que a ferramenta de descrição da
experiência "real".” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 28)
Jorge Vasconcelos:
“Ser ingênuo, filosoficamente falando, e ser urn inventor de conceitos selvagens. Ser inocente e propor
novas formas de potencializar a vida, desprovendo-a de toda e qualquer culpa”.
“a dissolução inequívoca de quaisquer resquícios de uma consciência intencional -a consciência não cria,
inventa, produz ou mesmo intui a coisa - ela é coisa. Dai o campo, por isso "um" campo: um campo
transcendental (...)”
Campo é aquilo que delimita algo, porém no seio do campo, in campo, se tem acesso e se torna possível
vicejar ao aberto – mesmo à mais radical das aberturas, como no englobante de Jaspers (1982) – e ao fora. É
aberto à medida em que se lança em direção a um plano que pode dobrar, desdobrar e redobrar o campo e
seu horizonte de possíveis (cf. DELEUZE, 1991), aberto, portanto, a um plano em suas inúmeras
estratificações e que se torna pré-condição de toda e da própria criação.
Em Deleuze, o plano de imanência
é a pré-condição de existência de todo conceito filosófico, ele é solo onde os conceitos devem vir a luz.
0 plano de imanência é a terra do conceito. Os conceitos sao construções para Deleuze, a própria
filosofia e uma espécie de construtivismo, daí a importancia por tracar planos, erguer platôs, semear
campos. A imanência é a argamassa destes campos, platôs e planos; e os conceitos sao a sua ferramenta
(...) plano de imanência faz aparecer um rosto em meio a bruma da paisagem filosófica
(VASCONCELOS, PLIM??, p. 119).
, ele é inseparável dos conceitos. Porém, estes não compõe o plano de imanência como um quebra-cabeças;
antes, eles nascem de lances de dados. Isto porque os conceitos são realidades fragmentárias que não são
acopláveis, pareáveis, comparáveis ou ajustáveis uma à outra visto que seus limites e suas bordas não
coincidem e não há contato em medida comum entre um e outro.
Afirmar a vida em sua inocência, naquilo que a compõe: multiplicidades (sejam as quantitativas da matéria
ou as qualitativas do espirito – como diz Bergson – pensáveis a partir da instauração de um campo de
imanência), acontecimentos, intensidades e singularidades.
Só uma teoria das multiplicidades e capaz de compreender cada acontecimento a partir de sua
singularidade, de sua contingência e de seu devir. Esta, desta maneira, garantido o estatuto ético:
afirmar a vida, afirmar uma vida não depende do conhecimento, a rigor, das coisas do mundo. Afirmar
a vida, afirmar uma vida e inventar uma nova subjetividade, uma subjetividade que abandone
dualismos como sujeito/objeto e leve apenas em conta o jogo de forças do acaso, mesmo que este jogo
nos seja extremamente doloroso: e preciso rir da dor! (...) Uma vida em seus múltiplos acontecimentos
singulares e uma vida a afirmar irrestritamente todo o acaso.
Todo o passado é coalescente, contemporâneo de seu presente (...) seu Aleph:
o tempo absolutamente concentrado - a virtualidade, o tempo
absolutamente expandido -as atualizações. (...) Uma vida é toda ela feita de
virtuais, ela – a vida – é um feixe de virtualidades, de acontecimentos e de
singularidades que sendo virtual, nem por isso se dá por falta de realidade: o
virtual é atual, mas também real. (...) Os acontecimentos de uma vida se
singularizam em estado de coisas, mas a vida não é um estado de coisas, pois
ela está atualizada, expandida. O próprio plano de imanência ao produzir um
corte no caos instaura a virtualidade. O plano de imanência é tambem virtual,
por sua vez, os conceitos sao atuais.
Poder
Ver C. A. Peixoto, Poder e sujeição psíquica e Sobre o corpo social como espaço de
resistência.
Em: https://books.google.com.br/books?id=OcJ36N-
5imkC&pg=PA210&lpg=PA210&dq=PEIXOTO+JUNIOR,+C.+A.+Singularidade+e+s
ubjetiva%C3%A7%C3%A3o:+ensaios+sobre+cl%C3%ADnica+e+cultura&source=bl&
ots=2zzIf3E9om&sig=fp80linX1ARp-39SgKwFDc07uns&hl=pt-
BR&sa=X&ved=0ahUKEwiz__7R3__LAhVJj5AKHfstCqAQ6AEIHTAA#v=onepage
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C3%A7%C3%A3o%3A%20ensaios%20sobre%20cl%C3%ADnica%20e%20cultura&f
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A metáfora energética quer dizer que o poder não é substantivo (no pdoer soberano era
assim), ele é em rede, é um poder posicional. A metáfora econômica serve à descrição
da rede do poder, não a sua substancialização.
Ele usa a metáfora do eletromagnetismo do século XIX, que estava na mente dos
cientistas, médicos e psiquiatras da época, para esvaziar a força substantiva do poder, ele
não está mais no jogo do soberano e do príncipe, mas está delegado ao psiquiatra, aos
guardas e aos serventes, ele é uma derivação, uma ramificação. O poder é emprestado.
O indivíduo entendido como valor, é o fundamento da noção de cidadão. A sociedade
civil é constituída da sociedade (que é uma noção moderna) de poder disciplinar.
Poder é o nome dado a um arranjo estratégico de forças que arregimentam certa
configuração posicional (HS1).
No doc Foucault contre lui même (Foucault contra si mesmo), Did-Huberman faz uam
interessante analogia de foucualt com Baudelaire. Diz que Foucault trabalha com o
imaginário baudelairiano, associando coisas sem nexo aparente para fazer uma montagem
que mostra algo novo, que não era evidente, novas informações e relações que sustentam
e justificam a montagem, que é uma imagem (metafórica, talvez), e como toda imagem
atravessa fronteiras. Como um selo de carta, que é uma imagem que serve para
atravessar fronteiras, ou a imagem do garoto refugiado sendo chutado pela jornalista.
Tal como Foucault em Vincennes discordava do dogmatismo dos Mao, mas sustentava e
apoiava institucional e publicamente o movimento – chegando a ir preso m algumas
ocasiões que a polícia invadiu o campus – reajo aos movimentos afirmativos (negro e
feminista) com solidariedade praticamente incondicional, buscando afirmar a
radicalidade.
Foucault se interessava pela politização de um caso policial, mas fugiu dali qd gritaram
para instituir um tribunal popular (um burguês que tinha estuprado uma adolescente
proletária). Todo tribunal já era uma tentativa de imposição em nome de suposta justiça
universal ou consensual. O que ele não acreditava.
Poder resistência e liberdade
Poder e liberdade são indissociáveis. Quando tratamos de poder, tratamos de algo
indubitavelmente relacional, tratamos de uma relação de poder a qual, precisamente por
seu caráter relacional, não se desenha sem o pressuposto da liberdade.
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Ao seu modo, Foucault (1979) pensa a relação marxista entre liberdade e necessidade.
Pelo âmbito dos agenciamentos de poder, qual é a escala de exercício da liberdade?
Não existe liberdade absoluta, ela pressupõe uma regulação ativa das relações de poder.
A única pessoa que se destaca na episteme clássica é o soberano, seus súditos não têm
face. O rei e seu exército, este sendo um prolongamento de seu corpo.
A instituição carcerária e a psiquiátrica interessam porque mostram a mecânica do
funcionamento disciplinar.
A contradição da concepção foucaltiana com a marxista está porque foucualt entende que
o poder está nos laços sociais, na sociedade civil, não na sociedade política.
Negri está mais próximo à concepção foucaultiana.
Gramsci e Althusser entendem que há o Estado e os aparelhos ideológicos do Estado, a
escola, etc. ensinam ao indivíduo a ser submisso, aqui o poder emana do Estado.
A contraposição de Foucault (ele critica de certa forma a análise institucional, a
instituição já é uam cristalização destas relações de poder disciplinar)
As instituições têm esta mobilidade na medida em que são efeitos, desdobramentos
precipitações destas relações de força dadas pelo poder disciplinar, elas não têm este
valor absoluto, ele não faz análise institucional.
Bourdieu também mantêm o Estado como poder, através da noção do sistema de
hábitos. Ele mostra a violência da unificação pela língua.
O marco para Foucault está no poder disciplinar. A sociedade civil que determina a
sociedade política.
Ele termina HL com Nietzsche e continua PP com a vontade.
O dispositivo de poder é que funda qualquer representação. O poder como instância
produtora da prática discursiva.
Questões chave: Como esta organização de poder pode dar lugar a todo um discurso de
verdade? Ele apela em HL à noção de violência, Pinel não poderia ser humanista porque
era violento, isto é uma falsa questão, pois poderia dar margem a pensar que existe um
bom uso do poder (que não dispõe desta violência “aberta”) e um mau.
Todo poder é físico e o ponto de aplicação dele é o corpo (e não o indivíduo, os direitos
humanos pressupõe o sujeito de direito, a discussão de direitos humanos se torna
secundária ao poder).
Exercício de um poder claramente calculado e não por isso menos violento. O poder
obedece não a macro, ou à supra política, mas à microfísica do poder.
Não assumir a instituição ou o indivíduo como dados, para não cair no discurso
sociológico ou psicológico.
Não é a figura do pai que o psiquiatra quer encarnar ao doente. O momento psiquiátrico
é a ruptura do louco com a ordem familiar para ele ser reconstruído pelo poder
disciplinar.
Política
1ª aula 7 de janeiro 1976 de Em defesa da sociedade: O curso versará sobre a guerra como
princípio histórico de funcionamento do poder.
a política é que é uma continuação da guerra, pela sanção e pela recondução do
desequilíbrio da guerra. A política seria então apenas um simulacro, um disfarce da
desigualdade e do descompasso descontinuo de forças inerente à vida entre os homens,
isto é, à vida em sociedade.
Assim, o poder, enquanto entidade exercida, seria o arbítrio final e resolutivo das relações
humanas e dos humanos com suas instituições.
Estatística - EDS
Política: polis (cidade) e pólemos (guerra)
A política nasce nas cidades da Grécia fruto de sua organização como sociedade
de iguais que entretanto, rivalizam. Onde se faz aliados e concorrentes na disputa por
sentido e preponderância sobre o existir. A política nasce deste processo agonístico de
disputa de sentido entre o amigo, o aliado, o pretendente e o rival num atletismo
generalizado do agôn que Deleuze e Guattari (2008, p. 10) encontram nos modelos
estudados por Detienne e Vernant.
Relações de força, portanto.
Esposito (1999) em A origem da política, coloca esta entre a cidade e a guerra, entre polis
e pólemos.
A guerra – seguindo as indicações de Arendt, enquanto conflito originário, Ur-teiling –
de Troia divide a realidade da ordem do mundo em duas partes radicalmente diferentes
ao mesmo tempo interna e externa à cidade onde ela se gera. Enquanto pólemos, não
coincide com a pólis, por sua vez nascida na distância desta sua origem embora essencial
à política.
Em todos as acepções, polis e pólemos se opõem: cidade X guerra; poder X violência.
Com efeito, Arendt (apud ESPOSITO, p. 46) entende que “o poder e a violência são
opostos; onde um domina absolutamente, falta o outro”. Embora a violência e a coação
são meios de proteger, fundar ou ampliar o poder, eles não são em si políticos para a
filósofa, não mais que marginalmente, pelo menos. A contraposição não exclui a
proximidade e as consequências da separação: a violência em si não é política, mas ela
funda, tutela e amplia sua extensão. Por outro lado, essa exclusão funda a política na
exterioridade da guerra – após esta, Homero e os demais combatentes merecem tornar à
cidade, à polis.
Apesar disto, a polis assume o combate como modalidade não só legítima, mas
necessária a sua constituição interna. Isso demonstra seu ethos agonístico – o impulso
de mostra o eu medindo-o frente ao outro. Esta é a máxima continuidade entre guerra
e política.
“Arendt insiste tanto na aparência da realidade como na realidade da aparência”
(ESPOSITO, p. 49), pois a própria realidade só existe e opera enquanto tal porque é
fenomênica e diz respeito aos fenômenos, às formas com as quais as coisas nela aparecem
e se dão, de modo a incluir aí, o aparecer, o qual, nada tendo a ver com uma simulação
ou impostura, aparece como com-parecer. Não trata de representação, no sentido de
deixar algo para trás quando a essência ou a origem está em outro lado, mas ao âmbito da
pura apresentação: parúsia, no sentido de revelação ou epifania. O homem só existe
se apresentando, por isso o aparecer é ontológico, não somente fenomenológico.
Desde Heidegger, o incoativo da impossibilidade de “ser” na presença – que não se pode
representar. O ato mental se apoia na capacidade do espírito em fazer presente em si
mesmo aquilo que está ausente nos sentidos.
Aparecer é existir sob o olhar dos outros. Por isso, o teatro é a arte política no qual o
sujeito faz sua aparição. A política ressalta a dimensão teatral da existência humana, que
se efetiva, se atualiza nos modos de apresentação. Na cena política, o agente é sempre a
voz do ator, por isso a loucura, enquanto outro de nossa cultura, deve ser nela e por ela
silenciada.
Os heróis são seres atuantes pela autonomásia, são especialmente visíveis.
Da guerra – pólemos – à cidade (polis), as armas dão lugar Às palavras, por onde os seres
se apresentam e comparecem na cena política.
Distribuição do sensível
Es político por la distancia misma que toma en relación con esas funciones,
por el tipo de tiempo y de espacio que instituye, por la manera mediante la cual
corta este tiempo y puebla ese espacio
Rancière - Malaise dans l’esthétique p. 37-8
Política pública
Política pública é o assunta que trata de reformar as instituições – escola, saúde,
justiça – e de planejar políticas para a população – habitação, antitabagismo, etc. Trata
das condições em que o Estado atua ações públicas e os atores envolvidos sob distintos
níveis de atuação.
VER: Dortier
Possível
A natureza se define tanto pelas suas impossibilidades como pelas possibilidades”
(CANGUILHEM, 2008, CV 2012 ??onde?
Nietzsche (1992, p. 65) denomina como “sabedoria dionisíaca”, “um horror
antinatural, que aquele que por seu saber precipita a natureza no abismo da destruição
há de experimentar também em si próprio a desintegração da natureza”, no recurso à
experiência trágica da loucura a fim de fundamentar nossa perspectiva trágica da clínica.
O possível se dá na superfície?
Ver Blanchot EL, p. 230 sobre o artista, criador de possíveis.
O impossível não existe, porém, possui sentido, assim como o invisível tem seus
cheiros, seus gestos, afetos e efeitos [[pensar Blanchot e a relação com o que se vê]]. Ao
lado do campo transcendental, em Deleuze (2000) o impossível se relaciona ao estatuto
problemático do sentido. Ideia que o filósofo francês exemplifica ao apontar que tanto
o verdejar da árvore quanto o brilhar da faca são efeitos na superfície dos corpos
físicos, precisamente como acontece com o viver e a vivência sobre a superfície da vida.
Na
Inalienavelmente atado à proposição que o exprime, o atributo noemático tem
sua consistência e sua existência restritos à superfície da “proposição perceptiva,
imaginativa, de lembrança ou de representação” (DELEUZE, 2000, p. 22) que o exprime.
Assim como pensamento e a linguagem, os atributos, a adjetivação substancializante
sucedem na fina película acontecimental que envolve os corpos, não como processo
dirigido. Deste modo, parece que a categoria de impossível é obnubilada ou preterida por
Deleuze (2000) em prol de uma superfície na qual pululam os possíveis com e a partir
da separação e da filtragem entre o indivíduo e o meio, entre o homem e o mundo.
Considerados a partir da lógica do acontecimento, as superfícies dos corpos são
diferenças que expressam efeitos: aí o sujeito não passa de um acontecimento na
superfície da vida.
Freud pensa, como o Nietzsche de a Genealogia da Moral, que a crueldade não tem
contrário, que ela está ligada à essência da vida e da vontade de poder” (Estados da
alma da psicanálise, p. 74).
Possível
Nada, porém, garante a realização dos possíveis engendrados. Com a abertura, sua
realização corresponde a aventura ou falha da normatização.
fa
Fundo de névoa intensivo na tela, fendida pelo que a atravessa: a esquiza. Tudo
se vê fendido em profundidade, de onde se produz a abertura, não o desabamento.
O que é louvado é o processo, o efeito, a experiência em bloco, não o produto, o resultado
final: obra ou louco, ou na confluência de ambos, Artaud, Nietzsche, Turner, a lista é
infindável... Mas não queremos fabricar obras ou gênios loucos artistas. Antes atentar a
esta dimensão fundamental em que a loucura pode se converter em saúde.
Recorrendo aos chamados autores beatniks, Deleuze e Guattari (2011) destacam
em sua literatura a liberação e a passagem dos fluxos esquizofrênicos. É o fluxo que
atravessa entre aquilo que os franceses designam por impasses de perversão e
triangululações neuróticas. Deste modo, o fluxo é a potencial saúde que está nos fluxos
esquizofrênicos que traspassam os exotismos, a necessidade da droga e o deliberado
facismo – que acomete em especial Kerouac. Ainda, o fluxo é o que fura o muro da
edipianização, e da dinâmica entre o sonho da América, o regresso ao país natal e os
países inexplorados (principalmente, mas não apenas, Ginsberg e Burroughs se
aventuram na Ásia e na África e, além disso, nas embarcações que atravessam
continente).
Mais que as viagens, os deslocamentos de extensão na América e no globo, o que
está em jogo na experiência beatnik é o fluxo com as perceptividades e as aberturas de
mundos outros. São os deslocamentos intensivos proporcionados pelas meditações
transcendentais e pelo uso das drogas. Por isso, para além da capacidade de
potencialização das intensidades profundas do corpo, de onde se conclui que a
experimentação das drogas constitui o arauto de um novo pensar (cf. DELEUZE, 2002),
o mais importante da experiência com as drogas está em outro lugar.
Na série sobre Porcelana e vulcão, Deleuze (2000) reitera na proximidade entre a
experiência com a drogas e a loucura, o que está em jogo é habitar, durar e trabalhar
a superfície das singularidades do acaso, mediante o acesso ou a queda condicionada
ou ligada a uma efetuação num estado de corpo. Por isso, no que concerne à primeira
experiência, mais importante que a droga em si, é produzir sem a droga o efeito a ela
atribuído visto que, em última instância, a experiência beatnik (e a “doidera da droga”)
não se trata de farmácia ou de fisiologia, mas sim da experiência transcendental, nos
termos de Laing (1978). Definitivamente, uma experiência de fissura.
Para Fitzgerald (apud DELEUZE, 2000, p. 157), “toda vida é, obviamente, um
processo de demolição”, e a fissura – crack up – se dá na fronteira, nem interior nem
exterior. No jogo da fissura, portanto, ela encarna no corpo a profundidade (efetuação
do acontecimento do enlouquecer) dando forma a um estado de coisas (louco) cujo
trabalho com as fronteiras interior e exterior que lhe constituem – trabalho entre o eu
e o não-eu –, ampliam as bordas de seu viver.
Assim sendo, a fissura comporta dois processos distintos. A partir de golpes
exteriores ou de ruídos e impulsos internos, ela faz desviar, aprofunda ou inscreve um
estado de corpo delimitado e especificado na superfície corpórea. Além disso, contudo,
ela lança sua linha de intensidades sobre um campo impessoal de singularidades com
as quais se ordena a própria construção de mundos de sentido. No escopo deste dupla
dimensão da fissura é que ela se aproxima do suicídio tal qual trabalhado por Blanchot
(2011b) como o gesto de tentar contornar, através da efetuação da morte pessoal no
presente definitivo, o impessoal e o acaso da morte.
Para Deleuze (2000), a articulação destas duas séries, de manipulação do campo
do acaso mediante a efetuação radical de um estado de corpo no presente é o que
habita em comum o suicídio, o uso das drogas e a loucura. A diferença fundamental destas
duas últimas em relação ao suicídio, contudo, é que o suicídio confunde e faz coincidir as
duas linhas num ponto final, num resultado definitivo. O problema é que o suicídio funde
o efeito do processo a um estado intransponível.
Porém, o risco de fundir o efeito ao estado está presente igualmente na loucura e
na experiência com as drogas e faz Deleuze (2000, p. 161) se perguntar “como ficar na
superfície sem permanecer à margem?”. Ora, há que se reconquistar a superfície com a
contra-efetuação, pois a grande saúde é entrega mas também conquista. Por isso, é sua
relação com o processo na sua dupla face que faz a literatura beatnik se aproximar de
uma grande saúde.
Grande saúde expressa no viver nos extremos da vida a distensão e a
exacerbação da elasticidade das normas. É poder ceder, entregar os estados, a lucidez e
a casa dos pais ou do matrimônio, para alcançar outro nível de perceptibilidade
(certamente crítico da cultura e dos moldes que de fato vivem), para conquistar outras
moradas e, mais importante ainda, para conquistar outros modos de fazer moradas – On
the Road (KEROUAC, 2007) é exemplar nesse sentido: na viagem, viver a potência – ao
mesmo tempo crítica e intensificante – de habitar os celeiros e os fundos dos bares, as
casas ocupadas e os estacionamentos sujos.
Saber partir implica a aprendizagem em fazer correr os fluxos. Aprendizagem e
sabedora das travessias. Como atravessar o deserto povoado de intensidades, um
deserto de microtonalidades de gelo, que fazem toda a diferença para trajeto do esquimó
não acabar submerso na profundidade das águas gélidas mortíferas, um deserto de faixas
de areia inapreensíveis senão nos limites da faculdades mentais – tal como Kleist (2008)
experiencia o pathos –, mas de suma importância para o trajeto e a vida do nômade
berbere.
Somente mediante a travessia é que instância podemos buscar ou construir nossa
casa aquém ou além do eu. Essa travessia não se dá e não tem nada que ver com a
interioridade psicológica. Antes, mediante a travessia, retrabalhamos as interioridades e
exterioridades com as quais fazemos as trocas cotidianas. Porém, para recuperar, para
construir, para encontrar, para modular as normas e as trocas com o meio há de sair ao
fora.
GRÒS.
Em relação à literatura,
Mas as palavras que não se deixam codificar.
Uma vez que não se fica doente da esquizofrenia como processo, Deleuze e
Guattari (2011) apontam três modos com os quais a loucura se efetua em doença.
Especificamente, não é a abertura que se transforma em desmoronamento, portanto se
adoece A) de uma parada forçada no processo, B) da continuação do processo no vazio
ou C) tomando-se forçosamente o processo como meta.
À nossa maneira,
Objeto: incluído numa totalidade relativa ao que vivemos que constitui um horizonte (de
segurança).
Embora todo objeto e toda totalidade (eu e mundo) sejam necessariamente limitados
pelo horizonte, o ser (que reside para além do eu) continua aberto, nos atrai para o
ilimitado.
Esta abertura é caracterizada pelo plano de composição, e a partir dela se determina o
novo como ser.
Assim surgem três dimensões categoriais:
- totalidade indeterminada (de nosso mundo), onde se desenrola nossa vida em sua
integralidade.
- objeto determinado (que se encontra no mundo e vem até nós)
- totalidade fechada do mundo conscientemente tal qual apreendida nos horizontes que a
limitam em um ou em outro sistema do ser. O ser está presente a cada um destes esforços
mas nenhum pode mostrar definitivamente o ser.
Esta é a possibilidade de passar do ser manifestado para o ser em sua realidade
englobante, conjugada à totalidade indeterminada.
O que Jaspers (1970, 1982) denomina o englobante, não corresponde nem ao objeto
restrito e restringente (um eu, um universo existencial), nem a uma totalidade (a um
universo referencial) organizada no seio de um horizonte limitativo. Pois
Cada relação terapêutica e cada experiência de criação de normas se torna um novo foco
polifônico de subjetivação, assim cada uma delas corresponde a um processo de produção
de subjetividades.
Por isso, perguntado acerca do sentido da clínica, Guattari (2012, p. 11) imediatamente
assevera que “o seu sentido residiria em sua direção processual, na abertura processual”.
Como abertura de um processo que se faz frente à significação, à repetição e à fixação,
como afirmação existencial do caráter errático inerente ao próprio viver.
Assim, conclui Felix, cada produção se estabelece como foco de temporalização e de
mutação e, acrescentamos nós, de produção de políticas normativas.
Psicologia nietzschiana
Nit como psicólogo:
concepção ampliada da psico: “médico e sintomatologista” da cultura.
A psico vai de um fenômeno considerado às condições originárias de seu surgimento e
modificação.
hay dos tipos de sufrientes, por una parte, los que sufren por una
sobreabundancia de vida, los que quieren un arte dionisíaco y una visión y
una perspectiva trágica de la vida — y, por otra parte, los que sufren por un
empobrecimiento de la vida y anhelan del arte y la filosofía el sosiego, el
silencio, el mar en calma, o bien la embriaguez, la convulsión, el aturdimiento.
La venganza en la misma vida — la especie más voluptuosa de embriaguez
para tales indigentes.
Psicose
Psiquiatria
Foucault (2006) PP ressalta que Freud sacou que todo aquele dispositivo da pirâmide
estava centrado no médico. De forma que os pacientes, a partir disto, vão se reportar
diretamente ao médico. Ele criou a situação psicanalítica pedindo que os pacientes loucos
se dirigissem diretamente a ele, criando a situação psicanalítica centrada na
transferência. Ele hiperbolizou a figura central que é o do médico.
Começo da psiquiatria
Profundidade médica na moral: O exame não está vinculado nem ao saber jurídico nem
ao médico especificamente, seriam pelos peritos, pessoas desqualificadas
academicamente, os peritos seriam os ubuescos, mas parecem superpostos aos
renomados psiquiatras. Parecem que se confluem os peritos e os renomados psiquiatras.
A legitimação do alienismo (e como instância decisiva no plano jurídico penitenciário)
como discurso médico se faz sobre a questão da periculosidade, a perícia dá início ao
alienista, é o que garante um olhar médico sobre o campo específico da loucura. Os
Anormais. É sobre a periculosidade que se distingue os pobres dignos dos indignos, da
produtividade. Aquele que pode produzir com segurança.
Uma nova leitura da pobreza no XVIII, diferente do século XVII.
O louco passa a ser o resto improdutivo do trabalho. O trabalho é a definição do homem
na modernidade. A loucura resiste a isto, ao trabalho. O louco humanizado –
ressocializado ou curado – é trabalhador.
Não obstante, vemos que com a prática do exame, as instituições especificam o exercício
do poder articulando-o à constituição dos saberes correspondentes, o que significa que
o hospício para alienados culmina na psiquiatria moderna – nem que para tanto passe
pela prática e pelo discurso alienista –, do mesmo modo como a laicização do hospital
propicia o aparecimento e desenvolvimento da medicina moderna (FOUCAULT, 1977).
= captura, controle disciplina-mecanismo: Machado (2009, p. 188)
Segundo a descrição de Fodéré para o asilo ideal, este deve se impor ao primeiro mesmo
por seu aspecto físico nobre e varonil, demonstrativos de força e saúde, pelos olhos
vivazes e pelo cabelo grisalho que mostre a altivez de sua pela idade, pela voz forte e
expressiva. Assim, a ideia de que o médico deve ser um homem experimentado e de
sabias virtudes, um homem de “qualidades físicas e morais” (FOUCAULT, 2006, 2011)
acaba corroborando a primeira tese de Foucault (1979, p. 497), que preza que
não é como cientista que o homo medicus tem autoridade no asilo, mas como
sábio. Se a profissão médica é requisitada, é como garantia jurídica e moral,
e não sob o título da ciência. Um homem de grandes conhecimentos, de
virtude íntegra e com longa experiência do asilo poderia bem substituir o
médico. Pois o trabalho médico é apenas parte de uma imensa tarefa moral
que deve ser realizada no asilo e que é a única que pode assegurar a cura do
insensato.
qual é o status dos indivíduos que têm - e apenas eles - o direito regulamentar
ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente aceito, de
proferir semelhante discurso? O status do médico compreende critérios de
competência e de saber; instituições, sistemas, normas pedagógicas;
condições legais que dão direito - não sem antes lhe fixar limites - à prática
e à experimentação do saber. Compreende, também, um sistema de
diferenciação e de relações (divisão das atribuições, subordinação
hierárquica, complementaridade funcional, demanda, transmissão e troca de
informações) com outros indivíduos ou outros grupos que têm eles próprios
seu status.
Logo, cada posição de enunciação supõe e exige – pelo menos formalmente – um
emaranhado de critérios específicos, de instituições de apoio e sustentação que
regulem a prática e a experimentação dos saberes assim como sua relação com outros
campos de saber-poder.
Creo que debemos partir del asilo sin familia, el asilo que rompe -y que rompe
a la vez de manera violenta y explícita- con la familia. Tal es la situación
inicial, la situación que encontramos en esa protopsiquiatría cuyos
representames y fundadores fueron Pinel y, sobre todo, Fodéré y más aún
Esquirol (FOUCAULT, 2006, p. 114).
Esquirol ainda pauta o isolamento e a individualização aos moldes de Bentham (p. 126).
Deveria ter um chefe, centralizado – a inflação da figura do médico (cf. 1979) – (p.
173) “Esquirol consideraba que este sistema de orden, orden dada y orden obedecida,
orden como mandato y orden como regularidad, era el gran operador de h curación
asilar:” (p. 180)
Faz confundir a maquinaria do asilo com o organismo e o corpo do psiquiatra (p. 213)
ao passo que associa a loucura ao sonho (p. 327)
p. 387
“la persona que no sólo definió la cura clásica de la manera más precisa, más
meticulosa, y dejó la mayor cantidad de documentos sobre sus curas, sino
también […]quien elaboró esas prácticas, esas estrategias de cura, y las
llevó a un punto de perfección que permite a la vez comprender los
mecanismos generales puestos en acción por todos sus colegas, sus
contemporáneos, y verlos, por así decirlo, en cámara lenta, según sus
mecanismos más sutiles” (2006, p. 170)
Relato do caso:
Él es el único hombre del hospicio; todos los demás son mujeres o, mejor,
combinaciones de varias mujeres, con los rostros cubiertos por máscaras bien
compuestas, provistas de barba y patillas. Reconoce sin lugar a dudas al
médico que lo atiende como una cocinera que ha tenido a su servicio. La casa
donde pasó la noche en su viaje de Saint - Yon a Bicêtre se echó a volar una
vez que él se marchó. Nunca lee y no tocaría un diario por nada del mundo; los
diarios que se le muestran son falsos, no hablan de él, Napoleón, y quienes los
leen son cómplices confabulados con quienes los hacen. El dinero no tienen
valor alguno; sólo hay moneda falsa. A menudo escuchó hablar a los osos y
monos del Jardín Botánico. Recuerda la temporada que pasó en su castillo de
Saint – Maur, e incluso a algunas de las personas que conoció allí […] la
multiplicidad de sus ideas falsas no es menos notable que la seguridad con la
cual las declama171 - 172
Frente a tal relato, Leuret aperta e sacode o interno, perguntando-lhe se os braços que o
sujeitam são braços de mulher e prossegue, a fim de lhe constranger a convicção,
colocando laxantes em seu jantar para desfazer a onipotência viril do delírio do interno e
marcar sua supremacia viril, física e moral sobre esse signo artificial de medo que ele
mesmo incita a Dupré. Por fim, Leuret submete Dupré a uma ducha, este acusa o médico
de ser uma das mulheres que insultá-lo, e então Leuret aponta violentamente a ducha até
a garganta de Dupré e o interpela se uma mulher seria capaz de fazer isso até o interno
ceder em seu delírio e admitir que Leuret é homem.
Este relato de cura
Trata-se de uma cena militar de confronto.
O que seja política ligada ao modelo da guerra.
Para a estrategia psiquiátrica de meados do século XIX, no modelo que descreve Leuret:
“no hay coparticipación, reciprocidad, intercambio, el lenguaje no circula con libertad y
de manera indistinta de uno a otro; no hay entre los diferentes personajes que viven en el
asilo ni reciprocidad ni transparencia […] en su cima el médico; en el fondo, el enfermo”
(FOUCUALT, 2006, 172–3)
Sobre la base de esta disposición es posible la construcción del proceso mismo de la cura,
todos los psiquiatras de la época, en sus consejos terapéuticos, coinciden en que el
tratamiento debe iniciarse con esta marcación del poder. conexión con el principio de
voluntad ajena
Nlz linguagem
toda la realidad del asilo se centra en la voluntad omnipotente del médico
A terapêutica é o que
Psiquiatría a partir de 1860 a classificação das doenças não tem fins terapêuticos,
visam, tão somente à distribuição do trabalho entre os doentes como sinaliza Foucault
(2006, p. 150):
O trabalho regular deve ser preferido, tanto do ponto de vista físico quanto
moral... ; é aquilo que existe de mais agradável para o doente, e o que há de
mais oposto às ilusões da doença. (...)
No asilo, o trabalho será despojado de todo valor de produção; só será imposto
a título de regra moral pura; limitação da liberdade, submissão à ordem,
engajamento da responsabilidade com o fim único de desalienar o espírito
perdido nos excessos de uma liberdade que a coação física só limita
aparentemente. CITADO ABAIXO
Mais eficaz ainda que o trabalho, o olhar dos outros, aquilo que Tuke chama
de "a necessidade de estima”.
Esse princípio do espírito humano influencia sem dúvida nenhuma nossa
conduta geral, numa proporção inquietante, ainda que freqüentemente de
modo secreto, e atua com uma força especial quando somos introduzidos num
novo círculo de relações.
O inglês ainda associa às formas terapêuticas de lidar e reduzir a liberdade desmedida do
insensato, não somente o trabalho, mas a matemática e as ciências naturais, como formas
de adestrar, adequar, disciplinar a liberdade desmedida, dando uma medida À liberdade,
objetivando-a. [[ continuar vendo a necessidade de estima...]]
O trabalho regular deve ser preferido, tanto do ponto de vista físico quanto
moral... ; é aquilo que existe de mais agradável para o doente, e o que há de
mais oposto às ilusões da doença. (...) No asilo, o trabalho será despojado de
todo valor de produção; só será imposto a título de regra moral pura;
limitação da liberdade, submissão à ordem, engajamento da
responsabilidade com o fim único de desalienar o espírito perdido nos
excessos de uma liberdade que a coação física só limita aparentemente.
A preocupação não é fazer dos asilos, fábricas para competir em produtividade com as
indústrias que estão além muros. Trata-se, na realidade, de inscrever o indivíduo num
sistema de responsabilidade que visa recolocá-lo frente aos modos e costumes morais
e sociais da época31.
Além disso, o inglês ainda associa não somente o trabalho às formas terapêuticas
que pretendem lidar e reduzir a liberdade desmedida do insensato, como igualmente a
matemática e as ciências naturais, como formas de adestrar, adequar, disciplinar a
31
Embora no século XIX o homem seja caracterizado pelo seu trabalho e pelo que produz, na
contemporaneidade, a produção social se coaduna com o consumo de forma que a produtividade à qual a
loucura é submetida passa a ser atravessada necessária e regularmente pela consumo de formas de bens,
produtos e formas identitárias de ser (cf. LYPOVETSKY, 2005, 2007). Assim, a loucura é inserida sob a
axiomática (DELEUZE, 1992) das novas formas de consumo. Nos vemos diante de uma abundância e a
expansão dos modos de satisfação e consumo constituem a nova norma de produtividade do socius. A
loucura entra neste circuito como mais uma frente dentro da infinidade de apetites criados em torno da
otimização de saúde sob a ordem da autovigilância e das práticas tecnocientíficas que incidem
transversalmente sobre a população. Deste modo, a doença mental é inscrita numa política econômica de
regulação e de gestão de riscos onde mesmo o consumo massivo de drogas (das farmacêuticas às ilícitas),
de terapias (das mais tradicionais e violentas às chamadas alternativas) e consultas (que vão do médico ao
feiticeiro) não é suficiente à exigência permanente de bem-estar que configura, a partir dos estudos de
Lypovetsky (2005, 2007), Santos (2014), entre outros, a nova ordem produtiva de nossa cultura.
liberdade desmedida, dando uma medida à liberdade do louco objetivando-a.
Correlativamente, uma mudança da mesma ordem acontece nos presídios, o preso
não é mais o que deve ser supliciado, mas o que deve ser formado,
reformado, corrigido, o que deve adquirir aptidões, receber um certo
número de qualidades, qualificar-se como corpo capaz de trabalhar.
Vemos aparecer assim claramente a segunda função. A primeira função do
sequestro era de extrair o tempo, fazendo com que o tempo dos homens,
o tempo de sua vida, se transformasse em tempo de trabalho. Sua
segunda função consiste em fazer com que o corpo dos homens se torne
força de trabalho. A função de transformação do corpo em força de
trabalho responde à função de transformação do tempo em tempo de
trabalho (FOUCAULT, 2001, p. 118).
Ao que diz respeito à loucura, o que é colocado em jogo com a dupla conversão
do tempo de vida em tempo de trabalho e do corpo em força de trabalho? A experiência
qualitativa do homem, ligada à obra e a suas ações sociais.
A loucura deixa de ser abordada dentro da dinâmica do ordenamento racional do
mundo e passa a se configurar como um problema do indivíduo livre. Se as faculdades
psicológicas racionais que ligam sua individualidade à responsabilidade por seus atos
e por sua obra no e frente ao mundo social em que vive, sua liberdade é sequestrada,
alienada e submetida à outrem.
Logo, a loucura deixa de ser abordada como outro em relação à cultura e ao bem
dentro do ordenamento divino do mundo racional e passa a se configurar como um
problema do indivíduo autônomo, livre e responsável. Mediante a falha no sistema das
faculdades racionais que ligam sua individualidade à responsabilidade por seus atos e
por sua obra no e frente ao mundo social em que vive, sua liberdade é sequestrada,
alienada e submetida à outrem.
Dentro do asilo, a liberdade se torna mais que valor moral, uma mercadoria. Com o
trabalho se contribui economicamente com a administração que obtém um lucro
econômico com isto. Assim, os internos mais produtivos são premiados até ganharem a
liberdade, desde que não cometam atos que comprometem e atentem contra a instituição.
Caso isto aconteça, perdem os prêmios e a subida aos degraus que permitiriam sua
libertação.
A própria verdade da loucura é decalcada desta conjugação entre controle,
moral e economia que tem por referência o paradigma do sujeito responsável por seus
comportamentos e por sua obra frente à sociedade. Por isso, o manicômio tem seus limites
fixados de maneira bem clara, para proteger a sociedade dos perigos da loucura, a
locando-a num solo fixo e estável, de modo que suas pretensões médico-terapêuticas não
são mais que secundárias.
Até o final do século XVIII o Hospital geral não é um espaço médico, aí cria-se o espaço
segregado do asilo psiquiátrico é um espaço medicalizado.
Dos anos 1840 a 1880, até a proclamação da república, quem geria eram as religiosas, as
enfermeiras da Santa Casa de Misericórdia, tinha médicos já, mas só passou a ser uma
instituição médica com a proclamação da república e fica como Hospital Nacional dos
Alienados até a formação da Universidade do Brasil.
A revolução c(l)ínica de Pinel pode ser elucidada por três pontos que destacamos
do círculo antropológico descrito por Foucault (1979) em História da loucura. Primeiro,
desvencilhado das correntes colocadas na era clássica, o louco encontra-se, contudo, num
espaço mais rigidamente fechado do manicômio. Clausura que reflete e responde ao
próprio fechamento determinístico do louco na dimensão involuntária de seus instintos
e desejos, a loucura deixa de ser compreendida ao lado do crime e do mal para se alocar
sobre um determinismo que a distingue e específica. Por fim, podemos perguntar de que
adianta despojar o louco das cadeias que impedem do livre exercício de sua vontade,
sendo que dentro da lógica pineliana, sua vontade e liberdade devem ser circunscritas
e alienadas à vontade do médico.
Destes três pontos, concluímos que a revolução c(l)ínica tem como resultado a
própria objetivação da liberdade do louco. Consequentemente, uma vez desvencilhada
da questão do erro e do delírio, a loucura se torna problema de liberdade, referido ao
involuntário. Pois
na reflexão sobre a loucura, e até na análise médica que dela se faz, tratar-se-
á não do erro e do não-ser, mas da liberdade em suas determinações reais: o
desejo e o querer, o determinismo e a responsabilidade, o automático e o
espontâneo. De Esquirol a Janet, como de Reil a Freud ou de Tuke a Jackson,
a loucura do século XIX, incansavelmente, relatará as peripécias da liberdade.
A noite do louco moderno não é mais a noite onírica em que se levanta e
chameja a falsa verdade das imagens; é a noite que traz consigo desejos
impossíveis e a selvageria de um querer, o menos livre da natureza
(FOUCAULT, 1979, p. 559).
Como consequência ainda da revolução pineliana, a psiquiatria realoca a
culpabilidade frente ao determinismo da doença mental, engendrando um novo lugar para
ela sob o âmbito da responsabilidade. Ao passo em que não se responsabiliza o louco
pela sua doença, ele é responsabilizado pelos desdobramentos de sua loucura naquilo
que ela ameaça aos demais e ao próprio louco, que se torna, entretanto, potencialmente
responsável pelo sofrimento de sua família ou por ferir a ordem e a moral social na qual
ele está incluído. Da mesma forma que Pinel faz com que os loucos assumam sua doença
ao liberá-los de suas correntes, Charcot enfim, patologiza a histeria, arrancando-a da
ordem da simulação e do mau comportamento ao instaurar o diagnóstico diferencial para
coloca-la sob égide da medicina (cf. FOUCAULT, 2006, p. 356). Assumir-se doente
passa a ser a chave e o paradigma do bom doente mental, uma vez que condiciona o
tratamento e a cura da loucura.
A terceira consequência, trata da inscrição do louco num regime de verdade que
não é a de sua loucura, já que é pautada sob e em prol de uma verdade do homem.
Aula Joel 10 12 14 AN 12 02 e 19 02
A psiquiatria interroga não pelo conteúdo formal do pensamento, mas pelos modos
espontâneos do comportamento no eixo do voluntário e do involuntário.
Desenvolvimento acompanhado em dois artigos de Baillarger analisados por Foucault
aque o considera o primeiro psiquiatra da França. Um artigo de 1845 e outro de 1847, no
primeiro a loucura é comparada ao sonho não como erro da verdade, mas nele despossui-
se de sua vontade entregando-se a processos involuntários. Noutro, a perturbação entre
o voluntário e o involuntário é que engendra toda loucura.
Neste ínterim, os psiquiatras tomam o lugar dos alienistas, que têm em Esquirol o último
representante de peso na formação da questão da loucura na busca pela verdade do sujeito.
Os psiquiatras se debruçam sobre outra ordem de problemas, do involuntário e do
voluntário, do instintivo e do automatismo (como o SemCR). A psiquiatria se torna a
ciência de todas as condutas, ela prescinde da demência, do delírio e da alienação para
funcionar, podendo psiquiatrizar qualquer comportamento independentemente da
alienação, sem necessidade de referência à verdade e a um núcleo delirante da loucura.
Por isso, Deleuze (2014, p. 48) aponta que para Pinel o louco deve ser constantemtne
visto, vigiado e julgado em termos de visibilidade e enunciado.
Responsabilidade
Pinel inocenta o louco, porém não a loucura, a qual pode levar o sujeito alienado a
perturbar a ordem moral e social. Deste modo,
afinal de contas, não era tanto o castigo propriamente dito do culpado que se
pretendia, nao era tanto a expiação do crime, quanta a manifestação ritual do
poder infinito de punir: era essa cerimônia do poder de punir, que se
desenrolava a partir desse poder mesmo e no momenta em que seu objeto havia
desaparecido, deflagrando-se portanto contra um cadáver (FOUCAULT, 2008,
p. 105).
Foucault (1979, p. 361) salienta que
Na reflexão sobre a loucura, e até na análise médica que dela se faz, tratar-se-
á não do erro e do não-ser, mas da liberdade em suas determinações reais: o
desejo e o querer, o determinismo e a responsabilidade, o automático e o
espontâneo. De Esquirol a Janet, como de Reil a Freud ou de Tuke a Jackson,
a loucura do século XIX, incansavelmente, relatará as peripécias da liberdade.
A noite do louco moderno não é mais a noite onírica em que se levanta e
chameja a falsa verdade das imagens; é a noite que traz consigo desejos
impossíveis e a selvageria de um querer, o menos livre da natureza.
Sólo hacia 1845 los psiquiatras tomarán el relevo de los alienistas. Esquirol fue
el último de los alienistas –al plantear de nuevo el problema de la locura en
relación con la verdad, la verdad de la razón–, Baillarger en Francia y
Griesinger en Alemania serían los primeros psiquiatras: de antemano por ser
"desalienistas"; y además, porque ponen en el primer plano los problemas de lo
voluntario o lo involuntario, de lo instintivo y lo automático: éstos son sus
indicadores privilegiados de la enfermedad mental. Son los grandes médicos
del asilo, así Leuret, Charcot o Kraepelin, los que pueden decir la verdad del
enfermo (cuya anormalidad, antes una ignota alienación, se diluiría
específicamente ante la norma), dado el conocimiento que poseen de la
enfermedad, pero también pueden manifestarla como tal verdad definida
socialmente y someterla a su criterio, dado el poder que se arrogan ante el
paciente.
A monomania é especialmente considerada perigosa, por isso ganha tanto destaque para
a psiquiatria, porque elucida o laço entre loucura e periculosidade.
Mesmo a imemorial associação da loucura com o sonho ganha outros contornos, o sonho
não é mais tido como ilusão e falsidade da representação, mas como o terreno onde nos
falta o domínio da vontade. Loucura e sonho pertencem, portanto, à alçada do
involuntário.
“As alucinações, os delírios agudos, a mania, a ideia fixa, o desejo maníaco, tudo isso é
resultado do exercício involuntário das faculdades” (FOUCAULT, 2008, p. 199)
Mesmo quando ela se desembaraçou desse racismo ou quando ela não ativou
efetivamente essas formas de racismo, mesmo nesses casos, a psiquiatria
sempre funcionou, a partir do fim do século XIX, essencialmente como
mecanismo e instância da defesa social. As três celebres perguntas
atualmente feitas aos psiquiatras que vem depor nos tribunais: "o indivíduo é
perigoso? O réu e acessível à pena? O réu e curável?" (...) Essas três
perguntas, sem significado do ponto de vista médico, sem significado do ponto
de vista patológico, sem significado do ponto de vista jurídico, tem ao contrário
um significado bem preciso numa medicina do anormal, que não é uma
medicina do patológico e da doença; numa medicina, por conseguinte, que
continua a ser, no fundo, a psiquiatria dos degenerados (FOUCAULT, 2008,
P. 404)
Estas três perguntas não fazem o menor sentido dentro do edifício e do maquinário
jurídico e tampouco no seio de uma psiquiatria de fato centrada na doença mental, apenas
como defesa social. neste intuito, a psiquiatria serve àquilo que no século XIX fora
denominado de “caça aos degenerados”, enquanto portadores do perigo e agentes de risco
para a sociedade, uma vez que são incuráveis e a pena não os alcança à medida em que
são próximos à todo suplício e toda dor.
Psiquiatria, responsabilidade e direitos: individualização jurídica
Tal ordem se vale de um indivíduo forjado pela tecnologia jurídico-disciplinar
de poder. Abstratamente definido por direitos individuais, tal individualismo só pode
ser limitado dentro ou na interlocução com um espaço jurídico que o coloque como
inválido. A lei de francesa de 1838, a que aludimos na seção anterior, ilustra este aspecto
ao exigir para a interdição jurídica do sujeito de direito a internação não como
intervenção prioritariamente terapêutica ou de ressocialização mas como mecanismo
técnico-administrativo, por isso, médico-estatal que visa ordenar e limitar aquele que
aparece como inimigo da ordem32.
Como desdobramento e complementação deste sujeito jurídico que reclama
ideologicamente direitos e poderes33 advém com a emergência das ciências humanas
uma individuação mais aguda, que acopla a função sujeito à singularidade somática
através de um sistema panóptico de vigilância, distribuição, descrição, definição e
codificação através da prescrição universal da normalização. Primeiramente, nos
dispomos nesta seção a apresentar como tal ordenamento é próprio ao campo da clínica
aquém do asilo psiquiátrico para na sequência explorarmos a antropologia e a filiação da
clínica e dos saberes psi às ciências humanas.
A produção de um objeto de estudo apreensível, constante em si mesmo e
passível, portanto, da plena adequação à manipulação pela razão humana tem como pré-
requisito a negatividade mais que à respeito de suas arestas que das forma de captura. O
negativo aparece, pois, como chave para a formação da noção e do saber modernos
sobre a vida e sobre a loucura. Estes se constituem sob um solo de negatividade que
possibilita a regulação através não de leis, mas de normas que incidem sobre a vida e a
loucura que porventura habita o corpo e a alma dos homens. Neste âmbito, a negatividade,
32
Na resposta à discussão com Jaques Derrida acerca da loucura na obra de Descartes, Foucault
(1971/DE??) reitera sua opinião em Mon corps, ce papier, ce feu de que não há nos escritos do filósofo do
cogito uma descrição de loucura. Tão somente Descartes recomenda não seguir o exemplo dos loucos, aos
quais alude com amens e demens, termos latinos que antes de serem apropriados pela medicina, designam
uma incapacidade jurídica para os atos sociais religiosos, civis e judiciais. Enquanto Insanus, caracteriza a
loucura estabelecendo e qualificando seus signos e propriedades, amens e demens, são termos
desqualificantes, que trazem à tona a incapacidade do indivíduo para privá-lo da totalidade de direitos.
33
Avaliando as duas dimensões de individuação, Foucault (2006, p. 80) assinala que o conceito de Homem
nos séculos XIX e XX “não é outra coisa que uma espécie de imagem remanescente dessa oscilação entre
o indivíduo jurídico, que foi sem dúvida o instrumento mediante o qual a burguesia reivindicou o poder em
seu discurso, e o indivíduo disciplinar, resultado da tecnologia utilizada por essa mesma burguesia para
constituir ao indivíduo no campo das forças produtivas e políticas. Dessa oscilação entre o indivíduo
jurídico, instrumento ideológico de reivindicação de poder, e o indivíduo disciplinar, instrumento real de
seu exercício material, dessa oscilação entre o poder que se reivindica e o poder que se exerce, nasceram a
ilusão e a realidade que chamamos Homem”.
fundante das ciências da vida e das ciências humanas34 – nos termos de Canguilhem
(2002) e Foucault (2011) –, é condição para que a razão opere como sujeito de
conhecimento e norma da loucura.
Profundidade e superfície
A superfície não é definida em oposição à altura ou à profundidade, mas arrasta a
profundidade e introduz aquilo que Villani (p. 42) chama de “anomalia metafísica”, a
saber, um incorporal que se manifesta nos corpos, que ganha voz e terreno neles porque
os constitui, sendo ideia ou transcendental em relação a eles.
[[[ficha Villani in c3
34
Não obstante ambos os pensadores reflexionem sobre o que é viver em sociedade e sob as normas
apoiados num vasto material oriundo das ciências humanas e das biológicas, na base da formação das
ciências humanas repousa a justaposição e o enfrentamento dos dois tipos de discursos inconciliáveis a
que aludimos acima: um relativo ao direito de soberania dos indivíduos e outro que condiz às mecânicas
de coerção das disciplinas. Portanto, a medicina, a psiquiatria, e as ciências psi – enquanto mecanismo
normalizador –, enfrenta e atrita com o direito de soberania do indivíduo. Em consonância a isto que
Foucault (2002, p. 46) contemporiza: “é precisamente do lado da extensão da medicina que se vê de certo
modo, não quero dizer combinar-se, mas reduzir-se, ou intercambiar-se, ou enfrentar-se perpetuamente a
mecânica da disciplina e o princípio do direito. O desenvolvimento da medicina, a medicalização geral do
comportamento, das condutas, dos discursos, dos desejos, etc., se dão na frente onde vêm encontrar-se os
dois lençóis heterogêneos da disciplina e da soberania”.
dispõe de uma energia potencial vital propriamente superficial. E, da mesma
forma com os acontecimentos da ocupam a superfície, mas a frequentam, a
energia superficial não está localizada na superfície, mas ligada a sua
formação e reformação. Gilbert Simondon diz muito bem: “o vivo vive no
limite de si mesmo, sobre seu limite... A polaridade característica da vida
está ao níve1 da membrana; e neste terreno que a vida existe de maneira
essencial, como um aspecto de uma tipologia dinâmica que mantém ela própria
a metaestabilidade pela qual ela existe (DELEUZE, 2000,p. 106).
O campo transcendental organiza superfícies, o vivo aparece nas dobras que envolvem
o organismo, que entretanto aprisiona a vida e seu poder de errância em suas dobras
determinantes.
Perdição: contra-efetuação
Os estados de coisas, as ações e as paixões são determinados pelas misturas entre corpos.
Nestas misturas, não há limites nem designações, os contornos são fluidos e toda
definição é instável.
Superfície do acontecimento:
“A superfície não é nem ativa nem passiva, ela é o produto das ações e das paixões dos
corpos misturados. Pertence à superfície o sobrevoar seu próprio campo, impassível,
indivisível” (DELEUZE, 2000, p.129)
o presente sempre limitado, que mede a ação dos corpos como causas e o
estado de suas misturas em profundidade (Cronos); de outro, o passado e o
futuro essencialmente ilimitados, que recolhem à superfície os acontecimentos
incorporais enquanto efeitos (Aion).
Embora o sentido não exista independetemente da proposição que o exprime, ele não é o
atributo da proposição, mas de um estado de coisas. Logo, a fronteira entre corpo e
linguagem
não os mistura, não os reúne (não há monismo tanto quanto não há dualismo),
ela é, antes, a articulação de sua diferença: corpo-linguagem. Se
compararmos o acontecimento a um vapor nos prados, este vapor se eleva
precisamente na fronteira, na dobradiça das coisas e das proposições (D. 2000,
p. 26)
Superfície clínica
superfície de duas maneiras. Por um lado, como efeito incorporal dos corpos,
ela apresenta uma física própria às superfícies, resultado do poder de
organização (ou desorganização) da profundidade dos corpos. Por outro lado,
também é tida como fronteira incorporal entre os corpos (ou as coisas) e a
linguagem (ou as proposições) que, paradoxalmente, foi tornada possível
pelo próprio sentido que a extraiu dos ruídos corporais. A superfície entre as
coisas e as proposições é chamada de superfície metafísica ou campo
transcendental. É por isso que Deleuze afirmará que o campo transcendental
não possui nenhum elemento de individuação ou de pessoa, nenhum ego ou
consciência: entendido dessa maneira, ele só pode abrigar singularidades
impessoais e pré-individuais que preside a gênese do indivíduo e da pessoa,
constituídos no campo empírico. Diz ele: “de todas estas maneiras, a superfície
é o campo transcendental, ele próprio, e o lugar do sentido ou da expressão. O
sentido é o que se forma e se desdobra na superfície” (D 2000, p. 129-130)
o indivíduo deriva daí para fora do campo transcendental. Habitado por
singularidades nômades, impessoais e pré-individuais, ele é formado de uma
topologia de superfície, que constitui a primeira etapa da gênese estática
ontológica com a exteriorização ou efetuação do indivíduo a partir dessas
singularidades pré-individuais
campo empírico é o mundo individuado, portanto, o cosmos, o inconsciente
pode ser considerado o caos transcendental, contudo, “o caos não é um estado
inerte ou estacionário, não é uma mistura ao acaso. O caos caotiza” (DG, 2008,
p. 59)
A ciência atua por sua vez estancando os fluxos de forças e de velocidades do infinito,
em prol de uma referenciação capaz de atualizar o virtual deste campo de velocidades
infinitas (DG, 2008, p. 140). Instaura uma plano de referência capaz de dar forma aos
problemas e questões. Parada na imagem, fotografia, uma desaceleração na qual a matéria
se atualiza e a ciência penetra por proposições. Uma função é uma desaceleração que
institui um lugar com contornos, limites e fronteiras: uma forma de exterioridade.
Desacelerar é colocar limite no caos.
há, em um agenciamento, como que duas faces ou, ao menos, duas cabeças.
Estados de coisas, estados de corpos (os corpos se penetram, se misturam, se
transmitem afetos); mas também enunciados, regimes de enunciados: os
signos se organizam de uma nova maneira, novas formulações aparecem
(DELEUZE; PARNET, 1998, p. 84).
Todo agenciamento é composto de agenciamentos de efetuação (corporal) e por
agenciamentos coletivos de enunciação, que descontextualizam a necessidade de um
ego transcendental abrindo o campo da linguagem às potências impessoais e às forças
insubordinadas (não subordinadas a ego ou a forma alguma) que constituem as
intensidades.
Não há primazia dos enunciados (de ordem psiquiátrica, ou de qualquer outro saber)
posto que eles designam estados de coisas e são menos peças constituintes dos
agenciamentos. Assim, a linguagem, os enunciados, tudo aquilo que se diz sobre e que
define cada forma datada da loucura, enfim, ou mesmo ainda os estados de coisas que
fazem do louco um doente mental estão subordinados ao plano dos corpos.
Pelo menos é o que Deleuze (2000) sinaliza em seu livro Lógica do sentido onde,
à despeito de começar por um elogio das superfícies de linguagem de Lewis Carroll,
elas não sustentam o primeiro embate com o plano corporal artaudiano na décima terceira
série. Pois o plano da linguagem conecta, é a peça conectora no agenciamento e não
aparece senão como “quase causa” dos acontecimentos. Com o sentido, liga séries que
não tem ligação uma com a outra mediante uma instância paradoxal.
[[isso daqui, os acots ~são td o que se passa na subjetividade, ou só as criações,
os encontros entre forças?? Mas os embates de forças estão por toda parte, em toda
formação, porém a estagnação é a loucura, parada forçada no processo, por isso Jaspers
e laing...]].
Para tornar o sujeito poroso às intensidades, há de se diminuir suas funções [ ver def,
boa f e funcionamento em C2]]
[[como construir nossa superfície sem esse desejo?? Superfície de sentido que conjuga
um multiplicidade de dimensões (vital, social, existencial, mas tambem sexual, musical,
arquitetônica, intuitiva, etc...)
-resgatar insubordinado ininteligível da prof do corpo para criar [[ou criar a partir da
superfície dos encontros e embates de força, aho que é mais por aí]] a partir dela novas
superfícies de campo transcendental e sentido?
Subjetividade Deleuze: a partir de um fora que faz dentro, um dentro que é sempre fora.
Análise dos enunciados em dois tempos como elucidado por Foucault (2000). Dois
tempos, nem sempre iguais. Por vezes, as coisas recebem historicidade própria e o
homem se apropria desta historicidade a posteriori (2000, p. 380fr); noutras, são as
configurações que mudam primeiro, seguidas de seu “modo de ser” (2000, p. 233fr).
1) Primeiro rompe o continuum das séries, impedindo de se desenvolver e se
desdobrar na superfície. Nesta ruptura, nesta fratura aparece o assédio de uma
profundeza irredutível à quaisquer jogos de superfície, que assedia e ameaça o
jogo da representação infinita.
A coordenação e a subordinação dos caracteres em um animal (Jussieu, Lamarck)
resultam numa força de organização que acaba impondo a divisão, uma repartição na
série dos animais que não podem mais ser alinhados. Elas desempenham o papel de
limitações ao desdobramento infinito.
Analisando a transição da análise das riquezas para a economia, Foucault (2000, p. 352-
4) se põe a mostrar que a renda fundiária nasce não da natureza prolifica, mas da avareza
da terra
No plano das relações de força, na era clássica as forças regionais do homem enfrentam
forças de elevação ao infinito (forças de desdobramento) e constituem a forma-Deus,
enquanto na modernidade elas entram em confronto com as forças de finitude (dobra)
ocasionando a forma-homem.
Toda forma é precária, uma vez que depende do jogo das relações de força que a
compõe.
Nietzsche multiplica as versões humorísticas da morte de Deus, visando a morte do
homem, à qual tem três versões:
A) Deus é fiador da identidade do homem, como insiste Klossowski (2004).
B) A forma-homem se constitui nas dobras da finitude, e assim, contém e
presume a morte – menos Heidegger e mais Bichat, que coloca a morte como
coextensiva à vida, como resultado global de várias mortes parciais e como
morte violenta, ruptura com a morte natural clássica, como instante decisivo
indivisível.
C) Porque devém das formas de finitude, o homem só existe mediante e através da
disseminação dos planos de organização da vida, da dispersão das línguas, e da
disparidade dos modos de produção.
35
A redução fenomenológica dos atos à consciência é justificada pela e na própria colocação com que o
problema é abordado. Partindo da pergunta se significação deriva de atos delimitados Husserl (1975, p. 19)
salienta que “todo ato é exprimível, mas sua expressão se encontrará, respectivamente, numa forma da fala
que (supondo-se uma linguagem suficientemente desenvolvida) lhe seja propriamente adaptada (...) o
expressar da fala não está, pois, nas meras palavras, mas nos atos que exprimem”. Uma vez que se disponha
de palavras e de expressões que estejam ao nível do pensamento - a suposição de uma “linguagem
suficientemente desenvolvida” aparece na sequência no texto – os atos criam expressão que estão ao nível
do pensamento, tido como primeiro e já dado.
Em contrapartida, em Deleuze (2000), a consciência intencional se volta para a
resolução no campo problemático em sua potência genética; assim, diferentemente de
Husserl, a pesquisa deleuzeana do sentido busca precisamente o campo do transcendental
em seu desdobramento. Conclusão: antes de ser constituinte, o fenômeno psíquico (a
consciência) é constituído desde uma vida inespecífica, ele é condicionado por um campo
transcendental sem sujeito – nisto consiste a crítica deleuzeana à fenomenologia, em
específico à de Edmund Husserl.
uma teoria radical do inconsciente enquanto pensamento puro, que faz dele
um elemento subversivo, absolutamente desvinculado de qualquer formação
consciente, e que possibilita pensar em formas de subjetivação também
radicalmente estranhas à normalidade (Peixoto Junior, 2003, p. 2).
em AE a autounificação tem sua sede no CsO, ao passo que a energia potencial, energia
do acontecimento puro que distribui as singularidades nômades em AE torna-se
Toda consciência depende de uma síntese de unificação que se dá a partir de uma forma
de Eu (transcendental) ou ponto de vista da individualidade (mônada). No plano da
superfície objetiva há comunicação entre as pessoas sob a condição e mediante a
recognição, onde reina a identidade, a semelhança e os limites bem definidos. Ao passo
que no campo transcendental das singularidades impessoais e pré-individuais que lhe
serve de base, tudo se comunica com tudo, assim como na vida não-orgânica que
envolve todos os indivíduos e pessoas, que por sua vez somente se comunicam por
recognição constituindo campos de exclusão; no limite bolsões de miséria e holocaustos
diários.
Profundidade e Acontecimento
O acontecimento não existe apenas por si mesmo, mas como resultados puros
dos movimentos do corpo e da matéria. Ou seja, o acontecimento é um puro efeito da
profundidade, isto é, das ações e das paixões dos corpos de acordo com nota de Deleuze
(2000, p. 7) na série dos efeitos de superfície.
Racismo
Racismo de Estado
"A construção do outro como não-ser como fundamento do ser" (Tese de doutoramento
de A. Sueli Carneiro); "O mundo se despedaça" (C. Achebe); "Necropolítica" (A.
Mbembe); "Segurança, Território e população"; "Vigiar e Punir"; "A sociedade punitiva";
"Em defesa da sociedade" ; "História da sexualidade I" (M Foucault).
Razão
Porém ele não atira a razão por água abaixo em prol de um irracionalismo. Na
revisão que faz de sua própria obra, Nietzsche (1992, p. 43) reencontra n’O nascimento
da tragédia uma das chaves de sua filosofia: assumir o dionisíaco como pathos filosófico
na “afirmação do fluir e do destruir”. Esta crítica do logocentrismo metafísico abre o
campo para a proposição de outra forma de atuar e entender o mundo.
Uma vez que o conhecimento vem sobretudo do corpo, no contato deste com os
sentidos e as sensações, podemos entrever um tripé que motiva o paradigma nietzschiano
no conceito empático de espírito, na interpretação genealógica que abre as portas para
o perspectivismo.
A noção empática secularizada de espírito o conecta com suas raízes semânticas
– comuns às tradições judia, grega e latina – como respirar que coloca a vida em marcha.
Ela aparece em Dos que desprezam o corpo, como um elo de ligação entre a grande razão
do corpo e a pequena razão de superfície a ela subordinada.
Ressalta Nietzsche (Z??, s/d, p. ???) da boca de Zaratustra
"Tudo é corpo e nada mais; a alma é apenas nome de qualquer coisa do corpo".
O corpo é uma razão em ponto grande, uma multiplicidade com um só sentido,
uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor. Instrumento do teu corpo é
também a tua razão pequena, a que chamas espírito: um instrumentozinho e
um pequeno brinquedo da tua razão grande. Tu dizes "Eu" e orgulhas−te dessa
palavra. No entanto, maior − coisa que tu não queres crer − é o teu corpo e a
tua razão grande. Ele não diz Eu, mas: procede como Eu. (...)Por detrás dos
teus pensamentos e sentimentos, meu irmão, há um senhor mais poderoso, um
guia desconhecido. Chama−se "eu sou". Havia no teu corpo; é o teu corpo. Há
mais razão no teu corpo do que na tua melhor sabedoria.
O espírito não como aquilo que conduz a uma unificação superior ou que se encaminha
paulatinamente para sua realização – como em Hegel (FE??) – mas como contínua
superação de si mesmo que Os sábios celebres não compreendem pois “o espírito é a
vida que clarifica a própria vida; como o seu mesmo sofrimento aumenta o seu saber”
(NIETZSCHE, Z?? s/d, p. 99??)
Este principio de exoreferencia, que mide las conexiones geométricas y geográficas del
ente es el principio de lectura del ser.
deve haver uma ciência geral que explique tudo o que se pode investigar
acerca da ordem e da medida, sem as aplicar a uma matéria especial: esta
ciência designa-se, não pelo vocábulo suposto, mas pelo vocábulo já antigo e
aceite pelo uso de Matemática universal, porque esta contém tudo o que
contribui para que as outras ciências se chamem partes da Matemática. Quanto
a Matemática universal sobrepuja em utilidade e facilidade as outras ciências
que lhe estão subordinadas, vê-se perfeitamente no fato de abarcar os mesmos
objetos que estas últimas e, além disso, muitos outros.
Trata-se de uma ciência geral, capaz de explicar tudo o que diz respeito à
quantidade e à ordem. na direção da formação ou da aquisição pelo espírito de uma atitude
que sustente "juízos sólidos e verdadeiros sobre tudo aquilo que a ele se apresente" (Regra
1)
Uma solução tem sempre a verdade que merece de acordo com o problema a
que ela corresponde; e o problema tem sempre a solução que merece de acordo
com sua própria verdade ou falsidade, isto é, de acordo com seu sentido
(DELEUZE, 2003, p. 155).
Razão e pensar prático e especulativo
“Lo que está en estado de dispersión remite a una forma de exterioridad, lo que está en
estado disyunción remite a una relación de exterioridad” (DELEUZE, 2015, p. 6).
As interioridades não passam de ilusões aparentes. Só há exterior, e dobras do
fora que formam interioridades provisórias.
Dispersão são as formas do saber,
O pensamento reflexivo denunciado por Foucault desde Blanchot (?? Refe ver
Microfisica fouc) propicia e coage a fixação ontológica como uma espécie de paralisia do
fluxo incessante, engendrando uma temporalidade restrita no fechamento do espaço. Esta
temporalidade cronificada condiz ao movimento do Mesmo que propicia um fechamento
do sujeito num movimento de reflexão no interior de seus limites. Fechado, o sujeito se
obnubila daquilo que se passa nas superfícies. [[mas o fechamento é sobre a sueprficie
física, sobre o eu ou sobre o corpo? Eu acho q é sobre o eu.]]
Saber é externo porque no máximo ele é saber sobre um sujeito, a não ser que
seja saber de um sujeito, aí passa a esfera do cuidado de si.
Ação reflexiva: “resposta mecânica (involuntária), uniforme e adaptada, do organismo
a um estímulo externo ou interno”
Arco reflexo: como esquema explicativo causal da vida psíquica “é o dispositivo
anatomofisiológico destinado a pôr o reflexo em ação. Tal dispositivo é formado pelo
nervo aferente ou centrípeto que sofre o estímulo, pelo nervo eferente ou centrífugo que
produz o movimento e por uma conexão entre esses dois nervos”.
Reflexão: “ato ou o processo por meio do qual o homem considera suas próprias ações.”
1) conhecimento que o intelecto tem de si mesmo; 2) como consciência; 3) como
abstração.
Quer seja fonte autônoma de conhecimento ou não, o “intelecto, cujo objeto é o universal,
só pode entender o particular refletindo sobre si mesmo e considerando aquilo de que
abstrai o universal” (ABBAGNANO). Seja trabalho sobre as ideias, seja trabalho sobre
aquilo que está em nós.
O pensamento reflexivo é associado à consciência na busca obstinada por um sentido
interno. Para Kant,
Barthes (2013, p. 10) em Aula, profere: “chamo discurso de poder todo discurso que
engendra o erro e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o recebe”. Em
consonância, Agamben (2007) critica a adivinhação e solucionismo de Édipo frente ao
enigma pois o paradoxo proponente da presentificação da fratura não se resolve com o
simples arbítrio de um significado instaurado que captura os significantes. Assim,
prossegue Barthes (2013, p. 14-5), “infelizmente, a linguagem humana é sem exterior: é
um lugar fechado” onde tudo é texto e tradução. Frente a isso, nos cabe a trapaça “logro
magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução
permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura”.
Resistência
Ver resistência-dor
Corpos em rebelião e o sofrimento-resistência Adolescentes em conflito com a lei
Maria Cristina G. Vicentin
o objeto não espera nos limbos a ordem que vai liberá-lo e permitir-lhe que se
encarne em uma visível e loquaz objetividade; ele não preexiste a si mesmo,
retido por algum obstáculo aos primeiros contornos da luz, mas existe sob as
condições positivas de um feixe complexo de relações (FOUCAULT, 1986,
p. 50).
Cada objeto não preexiste aos enunciados, às formas de exterioridade que o instalam no
sensível, na superfície.
Foucault (2005, p. 16) já assevera que toda “emergência se produz sempre em um
determinado estado das forças”.
Em Nietzsche, a Genealogia e a História, Foucault (2005, p. 15) assevera que não se trata
de buscar a origem (Ursprung) - como um grau zero, ou uma experiência indiferenciada
da loucura (cf. FOUCAULT, 1961/1999; PRADO, 2013) – mas as relações de
pertencimento e ligação, em suma, a proveniência (Herkunft) que “agita o que se
percebia imóvel, ela fragmenta o que se pensava unido; ela mostra a heterogeneidade do
que se imaginava em conformidade consigo mesmo”.
A noção de Herkunft condiz às relações de pertencimento, ligação e proveniência que
põe em jogo o tipo social.
A genealogia condiz À proveniência, que por usa vez, condiz ao corpo [["Der Mensch
aus einen Auflôsungszeitalters... der dei Erbschaft einer vielfaltigere Herkunft
im Leite hat" (Gaia Ciencia §200)]].
Por isso, Nit fala de fisiologia.
“O corpo traz consigo, em sua vida e em sua morte, em sua força e em sua
fraqueza, a sanção de todo erro e de toda verdade como ele traz consigo
também e inversamente sua origem – proveniência” (...).
O corpo − e tudo o que diz respeito ao corpo, a alimentação, o clima, o solo −
é olugar da Herkunft: sobre o corpo se encontra o estigma dos acontecimentos
passados do mesmo modo que dele nascem os desejos, os desfalecimentos e
os erros nele também eles se atam e de repente se exprimem, mas nele também
eles se desatam, entram em luta, se apagam uns aosoutros e continuam seu
insuperável conflito.
O corpo: superfície de inscrição dos acontecimentos (enquanto que a
linguagem os marca e as idéias os dissolvem), lugar de dissociação do Eu (que
supõe a quimera de uma unidade substancial), volume em perpétua
pulverização. A genealogia, como análise da proveniência, está portanto no
ponto de articulação do corpo com a história. Ela deve mostrar o corpo
inteiramente marcado de história e a história arruinando o corpo (p. 15).
Ora, a experiência concreta que temos das relações saber-poder é que elas nos
chegam em bloco, como um bloco misto de saber-poder. Só a análise filosófica que os
separa em categorias heterogêneas. O plano da experiência concreta se distende e se
organiza de acordo com o eixo das abcissas no qual encontramos o saber e as formas de
hierarquização nele implícitas e supostas e o das coordenadas no qual se desenrolam as
relações de poder, que dão corpo a distintos exercícios de poder.
Na primeira parte de sua obra, Foucault pressupõe o poder nos saberes, até Vigiar e punir
ele está implícito como uma concepção de focos de poder necessária à sua teoria do
enunciado como elucida Deleuze (2014) na terceira aula “Como extraer enunciados” do
curso sobre o saber.
Porém saber e poder têm naturezas distintas que podem ser reunidas sob três
aspectos. Primeiro, o poder mobiliza pontos ou afetos. Entre dominação e afetação –
poder de afetar e ser afetado – ele é constituído por relações de forças, sempre no plural
como poder de afetar e de ser afetado por outras forças. Os afetos são os pontos singulares
que o poder mobiliza, pontos que fazem do poder uma instância repartição e
distribuição de pontos singulares, que são pontos de dominação que dão corpo a tal ou
qual modo de partilha, divisão do sensível nos termos de Rancière (1996, 2005). O poder
é informal, vai de um ponto a outro uma vez que condiz tão somente a pontos e
repartições de pontos (FOUCAULT, 1988, p. 117fr??), não a formas de poder. Cabe ao
saber, fundamentalmente formal e formalizador, a mobilização e organização de formas.
Consequentemente, o poder condiz somente às forças, sempre no plural à medida
em que não se separa a força das relações que trava com as outras forças, de modo que
tanto a força dominada quanto a força dominante, tanto o poder de ser afetado quanto
o poder de afetar fazem parte, integram igualmente o poder, inconcebível sem a
resistência. Logo, força não é outra coisa que o nome genérico e abstrato para uma
multiplicidade. As relações de força que constituem o poder não se confundem com as
relações de forma que constituem o saber que são o ver e o falar, a linguagem e a luz,
respectivamente formas do enunciável e do visível.
Por fim, dada a separação abstrata entre poder e saber, o primeiro condiz – na
leitura da obra foucaultiana que realiza Deleuze (2005, 2014, 2014a) – às matérias não
formadas e às funções não-formalizadas ao passo que o segundo diz respeito às
matérias formadas e às funções formalizáveis num registro apresentável e inscritível
numa superfície.
Deleuze (2014a, p. 169) estudando o poder
O saber é a superficie de contato entre rzao e loucura, atravessada de fio a pavio, diagonal
e multifocalmente pelos poderes.
lá, onde há poder, há resistência e, no entanto (ou melhor, por isto mesmo),
esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder (...)
Esses pontos de resistência estão presentes em toda a rede de poder. Portanto,
não existe, com respeito ao poder, um lugar da grande recusa - alma da revolta,
foco de todas as rebeliões, lei pura do revolucionário. Mas sim resistências,
no plural, que são casos únicos: possíveis, necessárias, improváveis,
espontâneas, selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas,
irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas ou fadadas ao
sacrifício; por definição não podem existir a não ser no campo estratégico das
relações de poder (Foucault, HS1??, p. 91).
“Não há um foco de rebelião, um lugar de revolta, mas multiplicidade de resistências, que
são casos únicos, diferentes entre si, presentes em toda a rede de poder”.
As resistências não são simples reações à dominação, "elas são o outro termo
nas relações de poder"; são seu interlocutor irredutível (Foucault, 1977a:91).
São pontos móveis e transitórios que rompem unidades, suscitam
reagrupamentos, percorrem os próprios indivíduos e as estratificações
sociais, formando um tecido que atravessa as estratificações sociais, do
mesmo modo que a rede de relações de poder atravessa os aparelhos e as
instituições.
Da mesma forma que a rede das relações de poder acaba formando um tecido
espesso que atravessa os aparelhos e as instituições, sem se localizar
exatamente neles, também a pulverização dos pontos de resistência atravessa
as estratificações sociais e as unidades individuais (Foucault, 1977a:91).
Para além da noção fácil que coloca a loucura como dominada à razão dominante,
devemos ter em vista que é através das múltiplas correlações de força que, de acordo
com Foucault (1988), os mecanismos de poder são colocados em marcha num processo
político de distribuição e engendramento do sensível.
Foucault (1977, 2005) entende o poder não como uma entidade reificada ou pela via de
leis que definem uma posse, mas pelo exercício que se revela como investimento –
atravessamento e aplicação de forças – na materialidade do real. Porém, as relações de
poder e as estratégias de luta não podem ser reduzidas ou resumidas às relações de forças
objetivas, uma vez que elas engajam processos de subjetivação. Abre-se, uma dimensão
ética, onde se encontram certa rebeldia, uma “recalcitrância do querer e a intransitividade
da liberdade” (FOUCAULT, 1995, p. 244) [[]] [Jaspers, abertura, transgressão, não
objetivável.]
O poder
não se aplica pura e simplesmente como uma obrigação ou uma proibição, aos
que "não tem"; ele os investe, passa por eles e através deles; apoia-se neles,
do mesmo modo que eles, em sua luta contra esse poder, apoiam-se por sua
vez nos pontos em que ele os alcança (FOUCAULT, 1977, p. 26).
isto é, conjuntos de performances verbais que não estão ligadas entre si, no
nível das frases, por laços gramaticais (sintáticos ou semânticos); que não estão
ligados entre si, no nível das proposições, por laços lógicos (de coerência
formal ou encadeamentos conceituais); que tampouco estão ligados, no nível
das formulações, por laços psicológicos (seja a identidade das formas de
consciência, a constância das mentalidades, ou a repetição de um projeto); mas
que estão ligados no nível dos enunciados. Isso supõe que se possa definir o
regime geral a que obedecem seus objetos, a forma de dispersão que reparte
regularmente aquilo de que falam, o sistema de seus referenciais; que se
defina o regime geral ao qual obedecem os diferentes modos de enunciação,
a distribuição possível das posições subjetivas e o sistema que os define e os
prescreve; que se defina o regime comum a todos os seus domínios
associados, as formas de sucessão, de simultaneidade, de repetição de que
todos são suscetíveis, e o sistema que liga, entre si, todos esses campos de
coexistência; que se possa, enfim, definir o regime geral a que está submetido
o status desses enunciados, a maneira pela qual são institucionalizados,
recebidos, empregados, reutilizados, combinados entre si, o modo segundo
o qual se tornam objetos de apropriação, instrumentos para o desejo ou
interesse, elementos para uma estratégia. Descrever enunciados, descrever a
função enunciativa de que são portadores, analisar as condições nas quais se
exerce essa função, percorrer os diferentes domínios que ela pressupõe e a
maneira pela qual se articulam é tentar revelar o que se poderá individualizar
como formação discursiva, ou, ainda, a mesma coisa, porém na direção
inversa: a formação discursiva é o sistema enunciativo geral ao qual obedece
um grupo de performances verbais - sistema que não o rege sozinho, já que ele
obedece, ainda, e segundo suas outras dimensões, aos sistemas lógico,
linguístico, psicológico. O que foi definido como "formação discursiva"
escande o plano geral das coisas ditas no nível específico dos enunciados. As
quatro direções em que a analisamos (formação dos objetos, formação das
posições subjetivas, formação dos conceitos, formação das escolhas
estratégicas) correspondem aos quatro domínios em que se exerce a função
enunciativa (FOUCAULT, 1986, p. 131).
Se um enunciado pertence a uma formação discursiva como uma frase ao texto pertence,
Mais interessante que determinar um objeto único e permanente, cabe à análise dos
saberes estabelecer as regras de determinação do espaço no qual os objetos são
forjados, apresentados e transformados.
Trata-se da criação de superfícies de emergência – a família, um grupo social, o ambiente
de trabalho –, onde as diferenças individuais são designadas, descritas e analisadas
segundo os termos de cada época, doença, anormalidade, neurose-psicose, esquizofrenia,
etc.
Revolução
Para ele, o poder público, atualmente (ele escrevia em 1927), é muito superior
às forças sociais, de tal modo que a revolução tornou-se impossível, pelo
menos na Europa. “¡Adiós revoluciones para siempre! Ya no cabe en Europa
más que lo contrario: el golpe de Estado”*.
Saúde
A Saúde, birman 20 08 2013
O plano de saúde é uma capitalização do campo da vida e da morte, organismos de
produção de mais-valia.
As paroquias e os Hospitais Gerais tomavam conta da pobreza no antigo regime, ela
estava submetida à ordens morais e religiosas.
A secularização da assistência aos pobres é moderna.
Saúde e estabilidade
“Ninguna organización, ninguna estabilidad es, en cuanto tal, garantía o legitima, ninguna
se impone en derecho, todas son producto de las circunstancias y se encuentran a
merced de las circunstancias” (PRIGOGINE & STENGERS, 1990, p. 295-6). Afirmação
que gira em torno do Estado e da sociedade em relação à complexidade e que nos serve
para pensar a saúde. Somente existe a complexidade, o devir; toda inteligibilidade é uma
redução ao apreensível em determinado campo expressivo mesmo que isso não signifique
necessariamente uma simplificação, mesmo que isso complexifique ainda mais análise e
abra novas dimensões naquilo que é analisado.
Saúde e grande saúde, pequena saúde
Dissert Belmonte:
inovar na arte do discurso é porque seu “pressuposto fisiológico” o faz um tipo da grande
saúde (Cf. EH/EH, Assim falava Zaratustra, 2).
A clínica deve se visando propiciar um manejo para o sujeito com as forças que o
atravessam – daí a centralidade da arte –
Valor da doença. — O homem que jaz doente na cama talvez perceba que em
geral está doente de seu ofício, de seus negócios ou de sua sociedade, e que
por causa dessas coisas perdeu a capacidade de reflexão sobre si mesmo: ele
obtém esta sabedoria a partir do ócio a que sua doença o obriga.
Nesta linha ainda que a saúde aparece nas linhas da abundância de sentimentos,
excesso marcado pelo caráter sentimental do pathos.
O pensamento de Nietzsche (2014, p. 79) passa a ter a saúde como tema central
especialmente em A gaia ciência.
no existe la virtud en sí, y todos los intentos por definirla de este modo han
fracasado, lamentablemente. Lo que aquí importa es tu objetivo, tu horizonte,
tus fuerzas, tus impulsos, tus errores y principalmente los ideales y los
fantasmas de tu alma, lo que constituye un estado de salud, incluso para tu
cuerpo. Así, hay incontables clases de salud del cuerpo; y cuanto más se
permita al individuo particular e incomparable levantar la cabeza, más se
olvidará el dogma de la "igualdad de los hombres", y más deberán desechar
nuestros médicos la noción de salud normal, al igual que la de dieta normal y
la de proceso normal de la enfermedad. Entonces llegaría el momento de
reflexionar sobre la salud y la enfermedad del alma y de identificar la salud,
propia de cada cual, con su salud personal.
A rejeição da normalidade vem na linha da rejeição do paradigma Iluminista da
igualdade de todos os homens, assentada no bem comum da racionalidade. Em
contraponto, o alemão pensa em termos fisiológicos, como signo da singularidade e da
unicidade de cada sujeito, de modo a inviabilizar uma concepção naturalizada de saúde
ao passo que fornece uma noção positiva da doença além da fé metafísica fundamentada
na dialética dos valores opostos. Há inúmeras saúdes do corpo e as dualidades não são
mais que superficiais no que condiz ao corpo e a alma, e interdependentes ao nível
existencial, em decorrência disto, se diminuir a capacidade de sofrer e da dor é diminuir
a capacidade de desfrutar e a potência da alegria.
Neste âmbito, a grande saúde não é senão uma “clase de salud que no sólo se
posee, sino que se adquiere y que se ha de adquirir constantemente, porque se entrega
de nuevo, porque hay que entregarla (NIETZSCHE, 2014, p. 171). À medida em que
não se trata de um estado, original ou continuamente redefinido, não apenas possuímos
saúde, mas há de se conquista-la vez trás vez, porque há não podemos nos apegar à saúde
como se fora um estado definitivo. Assim, porque a entregamos e abrimos mão da saúde
é que podemos e devemos conquista-la a cada vez. O que torna a saúde um
empreendimento sem garantias e arriscado. O que faz da existência uma aventura.
A grande saúde é “uma classe de saúde que não apenas se possui, mas que se
conquista e que há de se conquistar constantemente, porque se entrega outra vez,
porque tem que entrega-la” (NIETZSCHE, 2014, p. 171).
traz ungüento e bálsamo, sem dúvida; mas necessita primeiro ferir, para ser
médico; e quando acalma a dor que a ferida produz, envenena no mesmo ato
a ferida - pois disso entende ele mais que tudo, esse feiticeiro e domador de
animais de rapina, em volta do qual tudo o que é são torna-se necessariamente
doente, e tudo doente necessariamente manso (NIETZSCHE, 2009, p. 50).
O padre envenena o ponto de sensibilidade exposto na ferida, envenena o ponto
em que a sensibilidade e o pathos têm potência constitutiva e transformadora para o
sujeito. Deste modo é que internalizamos as normas nos tornando primeiro doentes
para que o tratamento seja um amansamento e a domesticação de nós, sujeitos que
porventura já foram indóceis como aves de rapina. A verdadeira doença é a decadência
dos valores da vida ilustrados com o pessimismo e o niilismo e ainda mais, com o
ressentimento.
Isto é o que faz o alemão ponderar que
Saúde coletiva
Um estudo sobre 1,7 milhão de pessoas, publicado pela revista médica The Lancet, traz
de volta esse problema negligenciado: a pobreza encurta a vida quase tanto quanto o
sedentarismo e muito mais do que a obesidade, a hipertensão e o consumo excessivo de
álcool. O estudo é uma crítica às políticas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que
não incluiu em sua agenda este fator determinante da saúde: morbidade e mortalidade
prematura. O baixo nível socioeconômico reduz a expectativa de vida em mais de 2 anos
(2,1) em adultos entre 40 e 85 anos; o alto consumo de álcool reduz em meio ano; a
obesidade encurta 0,7 ano; o diabetes reduz a expectativa de vida em 3,9 anos; a
hipertensão em 1,6 ano; o sedentarismo, 2,4 anos; e o pior, reduzindo a média de vida 4,8
anos, o hábito de fumar. Estes são os fatores pela OMS para combater as doenças não
contagiosas no seu plano para reduzir sua incidência em 25% até 2025. Ser pobre te torna
incapaz de determinar o próprio destino, privado de recursos materiais e com
oportunidades limitadas, que determinam tanto o estilo de vida quanto as oportunidades
de vida”.
Propostas: intervenções como a promoção do desenvolvimento na primeira infância,
as políticas de redução da pobreza ou a melhoria no acesso à educação.
__________
Diferença : saúde coletiva X med comunitária X
Ver vídeo Marcelo Castellanos
Sentido
O sentido é uma direção de uma força que é inscrito na materialidade do que é dito
ou escrito [[está em Derrida, CP]]. (Leva a uma interpretação, confere uma prognostico
para ação. Desenlaça o obscuro do mundo.) Para além de toda reversibilidade da
linguagem, está a poética.
“o material do sentido” caderno ney
Nit Em Entre eu e o si ou a questão do humano na filosofia de Nietzsche Alberto
Onate (??, p. 249)
36
Seguindo esta linha é que Canguilhem (2012, p. 124) postula em outro artigo, Máquina e organismo, que
mesmo o sentido biológico provém do não sentido, pois é permitido por mecanismos sem nenhum sentido
biológico dado de antemão.
forjado artificialmente numa lógica de segregação vigilante constante que o distingue das
condições erráticas, desviantes, exuberantes e transbordantes da vida fora do controle
experimental.
Entre a questão da individualização ligada ao entorno - que acaba por fazer do
experimental o mais artificial das formas devida, demandando o complemento de uma
teoria própria para o meio e os instrumentos experimentais como a ótica para a lupa ou a
genética para os animais de experimento - e a especificidade do vivente em relação aos
outros indivíduos e a outras espécies em geral, o epistemólogo encontra a identidade dos
organismos. Uma vez dada a identidade dos organismos, podemos nos voltar para o
aspecto da totalidade do organismo no seio qual todos os fenômenos são
indissociavelmente integrados. Doravante, a recuperação de uma função não significa o
restabelecimento do funcionamento e do estado anterior, mas a constituição de um novo
estado no qual o organismo e suas funções se reequilibram em um outro nível.
A última diretriz de precaução condiz à irreversibilidade dos processos vitais.
Especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento do ser e às funções do ser
adulto, nos deparamos com uma situação tão paradoxal quanto problemática: ao mesmo
tempo que as etapas e funções do ser são definidas por delimitações temporais e
funcionais, são categorias marcadas de modo impar por sua imprevisibilidade.
Irreversibilidade e imprevisibilidade marcam o caráter errático da normatividade vital.
São os princípios que regem a evolução e o desenvolvimento do ser além da existência
normal atual, em torno das potencialidades intrínsecas ao viver exemplificadas por
Canguilhem (2012, p. 24) com a sucessão dos estágios de indeterminação,
determinação e diferenciação do ovo do ouriço marinho.
No primeiro momento de indeterminação, toda ablação de uma parte ou
segmento do ovo pode ser compensada, de modo que a parte tem poder evolutivo
equivalente ao todo. Já no da determinação, as substâncias que formam os órgãos se
encontram limitadamente localizadas, de forma a inviabilizar a compensação de
qualquer ablação. Por fim, aparecem as diferenças morfológicas que determinam as
formas de vida normal e monstruosa, sendo esta caracterizada por uma parada ou fixação
no processo evolutivo.
A vida está mais na forma que na matéria, ela condiz a uma organização e não a uma
substância elementar. Pelo menos isto é o que Canguilhem (2012, p. 48-9) demonstra
remetendo à busca de Lineu pela explicação do plano de composição das espécies,
ignorando um suposto elemento plástico de composição das espécies que sirva de
princípio tanto no aspecto de existência primordial quanto no de razão de inteligibilidade.
De fato, Canguilhem (2012, p. 80) aponta que quando nos referimos às ciências
da vida, devemos ter em vista o lugar fundamental da teoria celular para o
desenvolvimento do conhecimento em anatomia, histologia, fisiologia e do ontogenético.
Entendendo a célula como cerne de toda individualidade biológica de modo a coloca-la
como base do conceito de organismo, a teoria celular estende o método analítico com
suas soluções e seus obstáculos, à variedade complexa dos problemas teóricos suscitados
pela experimentação. Neste âmbito, se não há uma teoria ou uma ciência capaz de
esclarecer a realidade do indivíduo – como ele é determinado ou se ele é um ideal, uma
ilusão –, uma ampla variedade de saberes são convocados a contribuir para tal explicação
que não deixa de ser, no fundo, uma questão de cunho filosófico.
não se deve relacionar determinado ato de uma pessoa normal a um ato análogo
de um doente sem compreender o sentido e o valor do ato patológico para
as possibilidades de existência do organismo modificado (...) o fato
patológico só pode ser apreendido como tal — isto é, como alteração do estado
normal — no nível da totalidade orgânica; e, em se tratando do homem, no
nível da totalidade individual consciente, em que a doença torna-se uma
espécie de mal. Ser doente é, realmente, para o homem, viver uma vida
diferente, mesmo no sentido biológico da palavra (CANGUILHEM, 2002, p.
33)
Pois incute outras formas de normar, implica outro jogo normativo colocado em cena.
O sentido vital se difere do sentido biológico à medida que este se refere às funções e
constantes biológicas, enquanto o sentido vital se refere à totalidade irredutível da forma
de vida, se refere à individualidade indissolúvel do vivente ao qual se refere.
O sentido vital é inseparável daquelas características elencadas por Canguilhem (2012)
como ponto de vista do sujeito que vive a situação e, assim sendo, ele é inseparável do
movimento polarizado da vida.
O pathos colocado em jogo com a experiência da doença inaugura o próprio saber sobre
a saúde. Pois
a doença nos revela funções normais no momento preciso em que nos impede
o exercício dessas mesmas funções. A doença está na origem da atenção
especulativa que a vida dedica à vida, por intermédio do homem. Se a saúde é
a vida no silêncio dos órgãos, não há propriamente ciência da saúde. A saúde
é a inocência orgânica. E deve ser perdida, como toda inocência, para que o
conhecimento seja possível (CANGUILHEM, 2002, p. 39).
É indiscutível que conhecer é melhor do que ignorar quando é preciso agir,
e, nesse sentido, o valor da filosofia das Luzes e do positivismo, mesmo com
tendências ao cientismo, não se discute. Não se trata absolutamente de
dispensar os médicos de estudar a fisiologia e a farmacodinâmica. É muito
importante não confundir a doença com o pecado nem com o demônio. Mas
só porque o mal não é um ser não se deve concluir que seja um conceito
desprovido de sentido, ou que não existam valores negativos, mesmo entre os
valores vitais; não se pode concluir que, no fundo, o estado patológico não seja
nada mais que o estado normal (CANGUILHEM, 2002, p. 40).
O sentido, a função e o valor da norma advêm daquilo que fora dela, é indiferente à
rede de exigências à qual ela responde e obedece. A força da norma é condicionada pelas
possibilidades de suas infrações.
Atentar sempre ao caráter hedônico da norma
a norma cria, por si mesma, a possibilidade de uma inversão dos termos. Uma
norma se propõe como um modo possível de unificar um diverso, de
reabsorver uma diferença, de resolver uma desavença. No entanto, se
propor não é o mesmo que se impor. Ao contrário de uma lei da natureza, uma
norma não acarreta necessariamente seu efeito. Isto é, uma norma pura e
simples não tem nenhum sentido de norma. (...) Com efeito, uma norma só é
a possibilidade de uma referência quando foi instituída ou escolhida como
expressão de uma preferência e como instrumento de uma vontade de
substituir um estado de coisas insatisfatório por um estado de coisas
satisfatório. Assim, qualquer preferência de uma ordem possível é
acompanhada — geralmente de maneira implícita — pela aversão à ordem
inversa possível. O oposto do preferível, em determinado campo de avaliação,
não é o indiferente, e sim aquilo que é repelente ou, mais exatamente,
repelido, detestável (CANGUILHEM, 2002, p. 109).
O bem estar é a simples consciência do viver, como Canguilhem faz lembrar Kant.
A arte imita a natureza conforme o sentido que Aristóteles promulgara, mas imita não
como na atitude de copiar, mas de reencontrar o sentido de uma produção que é
engendramento do artifício.
“é normal aquilo que é como deve ser; e é normal, no sentido mais usual da palavra, o
que se encontra na maior parte dos casos de uma espécie determinada ou o que constitui
a média ou o módulo de uma característica mensurável” (CANGUILHEM, 2002, p.
48).
No artigo de 1963, Canguilhem (2002, p. 107) pondera que “a vida procura ganhar da
morte, em todos os sentidos da palavra ganhar e, em primeiro lugar, no sentido em que o
ganho é aquilo que é adquirido por meio do jogo. A vida joga contra a entropia crescente”.
avaliação supõe valores, a partir dos quais aprecia os fenômenos. Por outro
lado e mais profundamente, são os valores que supõem avaliações, ‘pontos
de vista de apreciação’ dos quais deriva seu próprio valor. O problema crítico
é o valor dos valores, a avaliação da qual procede o valor deles, portanto, o
problema da sua criação.
Avaliar é necessariamente criar.
[[o valor dos valores é dado pelo sentido??
As avaliações se relacionam, são relativas aos valores, porém não são a leis redutíveis.
Cada avaliação, portanto, um modo de ser. Com cada avaliação cria-se. Cria-se o quê?
Modos de ser. Modos com os quais se julga algo e que servem, não obstante, como
princípios originais aos próprios valores.
[[anômalo?, onde entra? Aqui?]]
A verdadeira crítica não deve se contentar em referir as coisas aos valores, mas deve
buscar a fonte criadora desde onde emanam os próprios valores. Assim, “eis o essencial:
o alto e o baixo, o nobre e o vil não são valores, mas representam o elemento diferencial
do qual deriva o valor dos próprios valores” (DELEUZE, 1976, p. 1).
BM 211; utilitaristas BM IV part, GM I 2;
Os valores levam às avaliações que portam a potência da criação, do engendramento de
novos valores. O alto e o baixo - que fundam os valores - são porosos e vulneráveis à
dinâmica das avaliações, operadas pelos valores.
Deste modo, o filósofo alemão leva à cabo sua genealogia, a qual significa
simultaneamente a pesquisa do valor da origem e da origem dos valores.
Uma norma (valor) exerce uma apreciação, desde essa apreciação (louco, por exemplo)
fundamos um outro mundo, com potência de criação das próprias normas, instauração
normativa. A loucura como ponto de vista sobre a saúde.
O caráter absoluto, assim como o relativo e o utilitário dos valores são colocados em
cheque com a elucidação desta operação.
A genealogia aparece como o elemento diferencial dos valores das quais estes
caracteres decorre. Trata-se da origem, do nascimento, mas a partir da
diferença ou distância na origem. Pathos da distância.
Concomitantemente ao papel crítico – que é “a expressão ativa de um modo de
existência ativo: o ataque e não a vingança” (1976, p. 2), a reação ou o ressentimento- e
filósofo criador ao mesmo tempo, por isso, seu ofício é o do martelo que destrói e forja.
Criticar é avaliar, que por sua vez é criar.
[[ZA III De passagem; EH I 6-7]]
A arte da filosofia é pesar os valores, dái o tema do sentido e da interpretação.
Valor:
que a vida não é indiferente às condições nas quais ela é possível, que a vida é
polaridade e, por isso mesmo, posição inconsciente de valor, em resumo, que
a vida é, de fato, uma atividade normativa. Em filosofia, entende-se por
normativo qualquer julgamento que aprecie ou qualifique um fato em
relação a uma norma, mas essa forma de julgamento está subordinada, no
fundo, àquele que institui as normas. No pleno sentido da palavra, normativo
é o que institui as normas (CANGUILHEM, 2002, P. 48)
Sentido e da interpretação
Encontrar o sentido de algo é encontrar a força que naquele momento foi capaz de se
apropriar, apoderar, ou explorá-la. Sentido condiz à força que dele se apropria ou
nele se exprime.
Interpretação condiz ao regime de forças colocado em jogo.
Fenômeno (aparição numa superfície) e sentido substituem causa e efeito.
Para aquém da metafísica da aparência e da essência e da ciência de causa e efeito, o
fenômeno não se resume à aparição, esta não sua única dimensão, ele é expressão de um
“signo, um sintoma que encontra seu sentido numa força atual” (1976, p. 3), seu sentido
está, deriva, advém de uma força que se atualiza como estado de coisas numa superfície,
por isso, ele é multidimensional.
mas todos os fins, todas as utilidades são apenas indícios de que urna vontade
de poder se assenhoreou de algo menos poderoso e lhe imprimiu o sentido
de uma função; e toda a história de uma "coisa", um órgão, um uso, pode
desse modo ser uma ininterrupta cadeia de signos de sempre novas
interpretações e ajustes, cujas causas nem precisam estar relacionadas entre si,
antes podendo se suceder e substituir de maneira meramente casual. Logo, o
"desenvolvimento" de uma coisa, um uso, um órgão, é tudo menos o seu
progressus em direção a uma meta, menos ainda um progressus lógico e
rápido, obtido com um dispêndio mínimo de forças mas sim a sucessão de
processos de subjugamento que nela ocorrem, mais ou menos profundos,
mais ou menos interdependentes, juntamente com as resistências que a cada
vez encontram, as metamorfoses tentadas com o fim de defesa e reação, e
também os resultados de ações contrárias bem sucedidas. Se a forma é fluida,
o "sentido" é mais ainda (NIETZSCHE, 2009, p. 28)
Involução:
Logo, sentido é plural, que toda e qualquer elemento ou fenômeno mundano encontra-
se ladeado de um campo de forças complexo.
Uma coisa tem tantos sentidos quantas forem forças capazes de se apoderar
dela. Mas a própria coisa não é neutra e se acha mais ou menos em afinidade
com a força que se apodera dela atualmente. Há forças que só podem se
apoderar de alguma coisa dando-lhe um sentido restritivo e um valor
negativo. Ao contrário, chamar-se-á essência, entre todos os sentidos de uma
coisa, aquele que lhe dá a força que apresenta mais afinidade com ela (p. 4)
– [por isso foucualt acha a essência da louc na ausencia de obra]
Uma força não sobreviveria se, inicialmente, não tomasse emprestada a
aparência das forças precedentes contra as quais luta. P. 4 [disc menor À
despeito do maior]
[Qual afinidade da locuura com as forças que dela se apoderam? Seu caráter ditatorial,
D&G tratam disso em MP acho, Schreber]
Interpretar e avaliar é pesar. Interpretar é romper máscaras. Sua força anti-religiosa, não
religar a uma essência – política das origens. [ ligação politica religião atual, devolver
restituir o governo dos homens aos predestinados da palavra divina].
Sentido em Deleuze
Concepção deleuzeana do sentido o desvencilha da significação – uma vez que o
entendimento do sentido não depende de extraí-lo ou obtê-lo a partir das coisas, do mundo
e de seus elementos – para tomá-lo a partir de um campo transcendental neutro de
potência genética.
Os estóicos admitem que no limite dos corpos e das coisas ocorrem efeitos
de superfície. É no plano da física que se encontram os corpos com seus
limites e tensões internas. Os corpos são causas uns para os outros de certos
efeitos de superfície. O plano da lógica diz respeito aos incorporais, aos
acontecimentos e aos laços dos efeitos entre si.
Trata-se do jogo da superfície física que coloca os corpos lado a lado, em seus limites e
tensões agindo lateralmente como causas de efeitos de superfície. Este é o plano de
operação da lógica. A positivação do sentido como incorporal (contra a negatividade
platônica do simulacro, como algo que se furta à ideia) parte do entendimento que no
limite dos corpos se dão os acontecimentos, expressos por proposições. A realidade
lógica se dá no exprimível. “O exprimível é tratado com um estatuto “positivo”, ou seja,
é o que nos permite falar dos acontecimentos que ocorrem no mundo, envolvendo as
coisas e os estados de coisas”.
O sentido aparece mais diretamente na fronteira entre as proposições e as coisas, que
como incorporal não está sujeito à lei de não-contradição.
Por isso, na linguagem, o tempo dos incorporais é Aion, com seus verbos no infinitivo
– um fazer, um outrar, etc – enquanto o presente pertence aos corpos, substantivos
ancorados em Cronos.
Para Deleuze não há sujeito como fundante, como doador de sentido ou mesmo situado
no limite do mundo.
Embora o sentido atravesse o campo transcendental no trânsito entre a profundidade e
o que acontece na superfície das coisas, ele é inseparável dos estados de coisas.
é pela energia pot do campo transcenendtal, pela metaestabilidade, por um certo carater
anomalo desta metaestabilidade do campo trancentnal q a superficie se conserva
saudavelmente. Há de se manter certo desequilibrio anomalo para q o sentido possa
continuar intervendio.
p. 110
A superfície trata somente e sempre de imanência. Produzir e se produzir, aquilo que se
produz ao mesmo tempo em que é, se torna e se faz.
111
a profundidade nao tem sentido, ela é o sem sentido.
O som se transforma em sentido porque é independente e leva sua independencia até a
expressividade onde o som passa a valor de convenção na designação, de costume na
manifestação, e de artifício de significação.
acontecimento como aquilo que torna a linguagem possível, além de deslocar o valor de
verdade do problema para a proposição.
ideia de vivência:
consciência; toda e qualquer consciência humana possui vivências e o que caracteriza a
consciência é ser consciência de alguma coisa.
o noema – o sentido da percepção da árvore – não queima por não ter elementos físico-
químicos, nem muito menos forças e nem propriedades reais, de uma certa maneira está
próximo do que Deleuze pensa sobre o acontecimento. O que os separa é a
intencionalidade e a Urdoxa. O estatuto transcendental do acontecimento o distingue dos
estados de coisas, que são reais.
VIVO
No vivo há uma individuação pelo indivíduo e não apenas um funcionamento
resultante de uma individuação já efetuada, comparável a uma fabricação; o
vivo resolve problemas, não só se adaptando, isto é, modificando sua relação com
o meio (como uma máquina pode fazer), mas modificando-se a si próprio,
inventando novas estruturas internas, introduzindo-se completamente na
axiomática dos sistemas vitais.
115
O sentido deixaria de ser dado por uma consciência localizada no fundo de um sujeito e
passaria a acontecer na superfície, a partir da fase psíquica da individuação.
127
sujeito concrto - vida
129
as sing se agenciam como fonemas gato rato. como elas se ligam, como vem a funcionar
em cada arranjo - intuição q vem com otexto sobre o estrut
132
ontologia se confunde aqui com o acontecimento transcendental, onde o indivíduo surge
como o devir do Ser, isto é, como o aparecimento de fases no Ser sem fases
133 trágco
superfície, na individuação do ser vivo, que culmina no homem, se mantém de modo
peculiar filtrando o que provém da profundidade dos corpos (os gritos, os ruídos, não se
confundem com as proposições). A falência da superfície é a perda do sentido e
conseqüentemente da significação.
linguagem, neste caso, significa os estados de alma, os quais, por sua vez, representam a
ousia das coisas. O hilemorfismo, que considera o indivíduo inefável, sempre teve
dificuldades para pensar o problema da individuação
145
apesar de possuirmos limites, que nos separam das coisas, de um certo modo estamos a
elas ligados (embora não saibamos ainda como). O que nos configura, assim como às
coisas, é uma certa superfície que se mantém. Ao envolverem as coisas em suas
superfícies, os acontecimentos nos dão delas o sentido. Uma coisa nunca é pensada e
sentida como inseparável do que acontece em sua superfície
146
experimentação transcendente, isto é, daquilo que ocorre fora de nós, não estamos
inteiramente separados do fluxo incessante.
147 pativo - eu passivo, inteses passivas,. isso está onde!! ver machado, LS e david-
menard.
eu passivo, conseqüente da rachadura do Eu, só pode ser definido por sua receptividade,
não possuindo nenhum poder de síntese. Deleuze esclarece que o eu passivo é constituído
por sínteses passivas (contemplaçõescontraentes);
problema das sínteses passivas serve como apoio para esclarecer o que Deleuze pensa
como a auto-unificação das singularidades no campo transcendental. O conceito de
síntese passiva remete às sínteses que se processam independentemente de qualquer eu.
No campo transcendental sem sujeito, segundo Deleuze, ocorre a auto unificação das
singularidades independentes da consciência ou do eu transcendental.
dif p husserl: campor trancendental nao está constituido por monadas e ego q asseguram
a intencionaldiade e a cs, mas por singularidades, que levam ao acto e ao suj pativo
148
o espaço liso e o tempo nao-pulsado são proprios ao campo transcendental e a prof!! na
superficie se separa, estriado e ganhos.
152
que só há imanência e, mais ainda, que a imanência se dá apenas no entre vidas, no fora
154 tempo desregrado - ver em que momento (na ação) de Hamlet time is out of joint
tempo é problemático porque é o do acontecimento; a paradoxal afirmação do passado-
futuro, que destitui o bom senso e o senso comum
158 em zoura
o acontecimento e mais q ele, o devir nao se confunde p deleuze como aquilo que virá a
nascer...
O sentido é neutro, mas não é nunca o duplo das proposições que o exprimem,
nem dos estados de coisas aos quais ele ocorre e que são designados pela
proposição (...) para permanecer fiel a esta exigência é preciso dispor de um
incondicionado como síntese heterogênea da condição em uma figura
autônoma, que reúne em si a neutralidade e a potência genética”.
Disso decorre que o sentido não é condicionado e para chegar diretamente a ele mais
que não nos ater, temos que nos desvencilhar de toda semelhança que provenha de algum
cogito – uma vez que Deleuze (2000) expurga e cancela toda semelhança e
correspondência possível entre empírico e transcendental – ou a consciência, como o
filósofo reconhece na fenomenologia de Husserl (1975). Assim como a neutralidade não
é um duplo nem uma sombra, a doação de sentido não passa pela consciência constituinte.
Sentido e continuidade
sentido é um forro, diz Deleuze, só que o forro não significa mais uma
semelhança evanescente e desencarnada, uma imagem esvaziada de carne
como um sorriso sem gato. O sentido é a dobra, a dobra entre a profundidade
e a superfície; a continuidade do avesso e do direito, a arte de instaurar essa
continuidade. De tal modo, que o sentido na superfície se distribui dos dois
lados ao mesmo tempo: como expresso subsistindo nas proposições e como
acontecimento sobrevindo aos estados de coisas. P. 102
Tratando da continuidade, da comunicação e do trânsito entre a profundidade
do corpo e a superfície da experiência compartilhada, o sentido salvaguarda a
continuidade do mundo objetivo, que significa, do mesmo modo, a saída do solipsismo.
Se valendo das ideias de Husserl, Deleuze (2000) entende que o organismo nos confere
o senso e o sentido do mundo objetivo uma vez que está implicado como profundidade
na dinâmica da produção de sentido. Consequentemente, o comportamento não é mais
que a ordenação das sucessivas fases do organismo.
Entretanto, o filósofo francês vai ainda mais além ao estabelecer a continuidade
como princípio de ordenação das superfícies caucionada pela dobra entre coisas e
proposições, entre as séries do mundo e da linguagem. Logo, a continuidade estabelecida
na ordem das superfícies assegura o que é expresso nas proposições e o sequenciamento
dos estados de coisas. A organização de superfície corresponde à instauração dessa
continuidade que cauciona o desdobramento do sentido como efeito neutro e como
potência genética capaz de produzir a individuação dos corpos – a separação, as bordas
e limites dos e entre os corpos –, assim como a significação e as demais dimensões da
proposição.
O sentido se dá necessariamente na dobra entre as séries do mundo e da
linguagem e a própria linguagem só se torna possível com a superfície na qual se
distingue coisas e proposições, no ocaso tanto do solipsismo quanto do isomorfismo e da
semelhança. A mesma linguagem que não se confunde com a superfície do mundo, se
orienta nela com sentido. Ou seja, a mesma superfície que desnorteia a língua,
resultando em não-sentido, orienta, dá sentido à e pela via linguageira. Da mesma
maneira e simultaneamente, tal como a superfície do vivo não sintetiza a vida, nele se
manifestando, a superfície física do mundo não resume todas as dimensões da
linguagem, embora esta se manifeste privilegiadamente nela. Qual seria a dimensão
linguagem subterrânea? Sua dimensão agramatical?
Independentemente disto, o pensador francês parece colocar em pauta é que a vida
assim como o sentido são operações limiares. Isto significa que elas se dão nos limites,
pois a vida tem sua realidade na superfície das membranas, da pele e da terra onde
estabelece trânsito entre o que está provisoriamente no interior e o que está
estrategicamente no exterior, ao passo que o sentido é articulado nas proposições que se
dão na superfície daquele que fala.
Ora, não é isso que Deleuze (2000) sinaliza desde o início com a Quarta Série:
Das Dualidades onde separa a boca que fala (distinguida pela linguagem) da boca que
come? A especificação fundamental que distingue profundidade de superfície prepara
a remissão da linguagem às coisas e aos estados de coisas na concomitância do
acontecimento da vida na superfície do vivo. Consequentemente, uma vez individuado
na superfície do mundo, o homem, ligado ao que acontece a sua volta, é inconsciente,
não percebe ou sequer tem noção do acontecimento vida que perpassa sua individuação
simultânea na produção processual do si como indivíduo e sujeito.
Deleuze (2000, p. 100) aponta o equívoco de Husserl ao pensar a gênese de sentido como
doação desde uma faculdade originária de senso comum responsável pelo processo de
identificação de todo e qualquer objeto ao infinito. A gênese de sentido deve ser
remetida, pois, a um campo paradoxal que, mesmo sob o preço de não ser identificável
ao faltar à sua própria identidade e à sua própria origem, mantém a neutralidade do
sertido.
Vemos assim que Husserl entende a linguagem como forma original de lançar um olhar,
de recobrir os objetos. Ela seria o corpo do pensamento, sem o qual eles estariam
relegados a sua disposição num solipsismo inócuo de fenômeno privado. Logo, a
linguagem aparece como justificativa, redenção e aplicação do pensamento desdobrando-
se como existência ideal ao adquirir valor intersubjetivo. Em outros termos, o
pensamento adquire através da fala, ascensão intersubjetiva constituinte, capacidade
de fundar sujeitos (cf. MERLEAU-PONTY, 1975, p. 320).
Os possíveis se dão na superfície como efeitos de superfície, por isso não são
desmerecidos como falta de profundidade, mas antes, enaltecidos como vastidão
dimensional. O sentido que se dá na superfície corresponde ao campo foucaultiano do
saber (cf. DELEUZE, 2015) ao mesmo tempo que nos permite pensar e dizer o mundo
como resolução de tensões de um Ser problemático.[[fim cap1]]
37
Neste ponto d’O nascimento da clínica, Foucault (2011) destaca a tese da medicina anatomopatológica
que condiciona o acesso a seu fundamento científico a se abrir e se debruçar sobre os cadáveres.
Comentando posteriormente esta obra, Foucault (1986, p. 18) aponta que “o recurso à análise estrutural,
tentado várias vezes, ameaçava subtrair a especificidade do problema colocado e o nível característico da
arqueologia”. Mais que uma simples retratação revisionista, o pensador francês parece reiterar a análise é
bem mais complexa e que, por exemplo, corpos são abertos bem antes da anatomoclínica se constiuir como
paragima moderno da medicina. Em suma, uma variedade de elementos díspares formam um saber, ainda
mais um saber tão complexo e amplo como o da medicina ocidental, e os capítulos antecedentes, Signos e
casos, Ver e saber, esclarecem que à despeito de haver abertura de cadáveres a muito tempo – sob mais ou
menos clandestinidade –, ela não assegura imetiadamente a formação de uma medicina clínica; naquilo que
O nascimento da clínica (FOUCAULT, 2011) trata especificamente: o espaço, a linguagem e o olhar
médicos.
38
Trata-se do clássico De Anatomische les van Dr. Nicolaes Tulp, uma pintura a óleo sobre tela em estilo
barroco encomendado pela Associação de Cirurgiões de Amsterdã e pintada em 1632. A obra retrata uma
aula de anatomia do doutor Nicolaes Tulp. Sabidamente, o corpo retratado no quadro é de Adriaan Adriaans,
também conhecido por Aris Kint, condenado à morte por assalto a mão armada no dia anterior à lição. Este
quadro nos é importante pois sinaliza que desde o século XVII, lições de anatomia realmente existiam e
aconteciam em anfiteatros, dadas por doutores anatomistas.
[[[[]]]]]
Deleuze (2000) coloca lado a lado uma superfície física em que a ação é imagem da ação,
ação projetada e querida em sua efetuação e uma superfície metafísica (que é o campo
transcendental). Esta é o forro, a dobra que permite que os gritos e murmúrios das
profundidades corporais se separem das proposições, pelo expresso na linguagem.
Neste ponto, Deleuze (2000, p. 215) se apoia na teoria Pulsional freudiana para pensar
como esta energia indomável não-canalizável da profundidade corporal é, ou pelo menos
pode ser, reinvestida sobre uma superfície metafísica39 ou como puro pensamento.
"A linguagem é tornada possível pelo que a distingue. O que separa os sons
e os corpos faz dos sons os elementos para uma linguagem. O que separa
falar e comer torna a palavra possível, o que separa as palavras e as coisas
torna as proposições possíveis. O que torna possível é a superfície e o que se
passa na superfície: o acontecimento como expresso" (2000, p. 191)
39
De fato, pode-se estranhar a ausência da noção de sublimação em uma tese em psicologia clínica que se
propõe a trabalhar com arte. Com efeito, buscamos fundar nosso próprio posicionamento, uma outra
perspectiva que, mesmo trabalhando com a ideia de reinvestimento das forças profundas do corpo sobre
um campo transcendental, não se adequa à especificidade da noção tal como aparece em Freud (??) como
“conversão a uma atividade socialmente aceita”. Ver conversão 3 imagens fil, operação superficie e
normalização.
O sentido é produzido e não dado ou determinado de antemão nas condições que
o submetem a um condicionado. A renovação trata o sentido como acontecimento, que
por sua vez possibilita a linguagem. Omo ordenar então as relações entre acontecimento
X sentido X linguagem? A linguagem não detém o sentido, ela não comporta ele. Não
pertencendo a ela, o sentido simplesmente aparece na linguagem, o sentido aparece
como um acontecimento que envolve os estados de coisas. Por outro lado, a neutralidade
pensada em relação à designação, manifestação e significação traz o sentido como essa
quarta dimensão da proposição. A proposição é formada então por designação,
manifestação, significação e sentido.
O campo transcendental é formado por singularidades impessoais e pré-
individuais (Simondon) que levam a cabo os acontecimentos transcendentais. A
neutralidade do sentido o distingue da significação.
A ontologia do objetiv serve para trazer o transcendental além de qualquer
consciência.
Com Meinong, Deleuze desenvolve a idéia do sentido como extra-ser. Com
Simondon, a Deleuze encontra as condições de elaboração de uma teoria das
singularidades que ultrapassa a síntese da pessoa e a análise do indivíduo tais como elas
são ou se fazem na consciência. Sua teoria das singularidades para
O vivo produz um tipo particular de espaço que não obedece às relações físicas e
energéticas habituais. O vivo produz um campo transcendental no qual se põem em
relação a energia potencial, a ressonância interna e a disparação. O vivo pode ser
colocado no espaço euclidiano como um topos ao lado de outros, porém sua constituição
carece de profundidade.
Afirmar que o modo do acontecimento é o problemático não quer dizer que ele
é em si problemático, mas sim que os acontecimentos são indissociáveis, somente podem
ser pensados na especificidade dos problemas que lhe concernem e definem suas
condições. Uma crise psicótica, um abalo, um questionamento existencial, um
estranhamento, um ressentimento, um quase-acontecer que é um quase-nada pode
configurar este acontecimento.
Ora é aí que está situado para os Estóicos o problema das causas. Eis, segundo
Sextus, alguns fatos onde eles concluíam que existiam causas: a semente e o
desenvolvimento de uma planta, a vida e a morte, o governo do mundo, o devir
e a corrupção, a geração do semelhante pelo semelhante. Os exemplos são
quase todos recebidos dos seres vivos. Mesmo no caso contrário, os outros
seres são, no pensamento íntimo dos Estóicos, similares ao vivo. O próprio
mineral com a coesão de suas partes, possui uma unidade análoga a de um
vivo. Assim o dado a explicar-se é a mudança do ser; que é sempre análoga a
evolução do vivo. (...) Qual é a natureza desta unidade do vivo, unidade
sempre móvel, unidade de um recipiente? Como as partes do ser são reunidas
de maneira a persistir? Será, como no vivo, por uma força interna que os
mantêm, quer chamemos esta força Exis nos minerais, natureza nas plantas, ou
almas nos animais. Em todos os casos, é indispensável que ela esteja no
próprio ser do qual constitui a causa, como a vida só pode estar no vivo.
A articulação do vivo com alguma forma de estrutura aparece na definição de vida da
biologia do conhecimento contemporânea (ver concurso Campos). Como a vida só pode
estar no vivo, as causas corporais só podem estar nos elementos corporais.
Por não ver que o sentido ou o problema é extra-proposicional, que ele difere,
por natureza, de toda proposição, perde-se o essencial, a gênese do ato de
pensar, o uso das faculdades. A dialética é a arte dos problemas e das questões,
e a combinatória é o cálculo dos problemas enquanto tais. Mas a dialética
perde seu poder próprio - e, então, começa a história de sua longa
desnaturação, que faz com que ela caia sob a potência do negativo - quando
ela se contenta em decalcar os problemas sobre as proposições (DELEUZE,
2003, p. 154).
Sentido e problema
40
Citando Apuleu, Deleuze (2000, p. 128) aponta que “certas proposições são depositivas (abdicativae):
elas destituem, elas denegam um objeto de alguma coisa. Assim, quando dizem que o prazer não é um
bem, destituímos o prazer da qualidade de bem. Mas os Estoicos estimam que mesmo esta proposição é
positiva (dedicativa), porque eles dizem: ocorre a certo prazer não ser um bem, o que consiste em pôr o
que ocorre a este prazer...”
Ver: Simondon em LS; loucura em DR
41
Ressaltamos o que consideramos uma veia nietzschiana do pensamento de Canguilhem (2002, 2005) no
texto de A voz do silêncio (PRADO, 2013, p. 73), apontando que “todo exercício de normatividade,
enquanto ação fundamental da vida, presume uma escolha de fundo, uma opção que muitas vezes não é por
aquilo que se escolhe viver, mas, mais apuradamente, como viver aquilo a que a vida relega, já que os
termos de escolha nem sempre são claros, conscientes ou objetivos”. Viver é fundamental e intrinsecamente
escolher, preferir e excluir pois a própria normatividade vital característica à manifestação da vida no vivo
é um processo de escolha.
Portanto, o Eu pessoal, constituído como superfície física de limites dentro/fora
no mundo é indissociável do eu impessoal constituinte, que faz as passagens entre as
superfícies física e transcendental e a profundidade corporal. A dissociação entre ambos
ocasiona a falência, por rasgo ou explosão da superfície de sentido, e o efeito subjetivo é
a loucura capturada na ordem profunda do corpo, na qual ela se transforma sim em
doença. Artaud parece habitar (in)constantemente o limiar deste rasgão, ora na obra, ora
no hospício, não raro, em ambos padecendo do juízo sobre uma profundidade atroz na
qual reinam horror e não-senso (DELEUZE, 2011).
Não há estrutura que dê conta, ou que descreva o acontecimento, uma vez que é o sentido
que se dá a partir do próprio acontecimento, não submetido a um Eu, mas enquanto
instância ou campo transcendental imanente. A potência genética deste plano de
imanência produz dobras e superfícies desde onde podemos então pensar o pensável e
o impensável, onde se reproduz o possível e se forja o impossível assim como as
capacidades de sua efetivação. O impossível aparece quando sentido é desvencilhado do
condicionante da não-contradição.
Neste âmbito, Deleuze (2000) pensa o campo transcendental fora da ordem da
estruturação, mas da energia potencial, das forças constitutivas que atravessam a
existência. A partir de Simondon, ele propõe a noção de disparação como modo de
repartição das forças, destas energias potenciais que não se comunicam. (Posteriormente
elas se auto-comunicam, formando singularidades que atravessam os indivíduos.)
A fim de operar seu pensamento fora do âmbito do princípio de não-contradição
sem lançar mão, entretanto, de instâncias transcendentes, como um Eu ou uma origem
superiores, Deleuze (2000) se volta para a vida. Ela não se resume à sua manifestação na
superfície do vivo, nem se submete ao princípio de não-contradição, visto que sua força
vital é força de errância e diferenciação. Como se articula a vida em seu aspecto
transcendental então?
A vida transcendental não se submete, não se restringe, não acaba na finitude
estritamente material, esta que faz Foucault (??) afirmar na Microfísica do poder, que do
poder não se escapa, que ele está em todos os lugares.... Ela não se submete à apreensão
totalizante que os poderes exercem sob dispositivos disciplinares, biopolíticos e de
controle que capturam os movimentos e o tempo dos indivíduos, assim como sua própria
vida, biologicamente considerada e seus desejos e pensares. A vida transcendental condiz
menos ao vivido que ao vívido que pulsa como acontecimento insubordinado. Distinto
dos estados de coisas da superfície, o acontecimento condiciona a própria existência
mesma da linguagem, uma vez que está relacionado aos impossibilia, aos estado de
coisas não existentes, logo, transcendentais.
De acordo com Deleuze (2000), a vida transcendental não tem, entretanto, nenhum
sujeito como fundamento transcendente que lhe garanta, como na fenomenologia.
Tampouco o processo de individuação não é estruturado como um caminho que leva do
não-sentido a um sentido previsível. A vida transcendental se liga à própria potência de
engendramento subjetivo, de funcionamento e individuação; ela se liga, pois, ao campo
transcendental, à construção deste plano de imanência como uma superfície metafísica
de produção de sentido. Neste aspecto é que podemos traçar linhas de fuga à apreensão
totalizante do poder. A produção da loucura é o acesso e o manejo deste campo
transcendental?
O que quer dizer que a vida manifesta sua errância na superfície do vivo? Ora,
uma ideia muito simples de consequências profundas: significa que cada ser acontece na
vida de modo diferente de outros seres vivos, em relação a outros humanos, a vegetais, a
animais. Destarte, cada existência humana é uma vida (DELEUZE, 1995/2007), um
acontecimento dentro da vida e do acontecer do viver. Consequentemente, se a vida
frequenta a superfície, ela é inseparável do sentido. Uma vida é uma vida de sentido, de
engendramento de sentido.
[[Nancy, vida de sentido?]]
Mesmo onde não há significação, há sentido na contraposição do princípio de
não-contradição.
Em seu último texto — A imanência: uma vida — ele insiste sobre o aspecto
transcendental como imanência, e a imanência como uma vida sem sujeito e
sem objeto: acontecimento singular que se dá na superfície do mundo e da
pele, a filosofia do acontecimento é uma filosofia da imanência. Deleuze
acabará denominando de empirismo transcendental o sentido do
acontecimento viver. A singularidade, por sua vez, será denominada uma
vida. O indivíduo e a pessoa são pensados, antes de tudo, como uma vida
singular. Com essa noção de empirismo transcendental, Deleuze evita o
idealismo transcendental
justamente por não se ater à subjetividade transcendental pensada por Husserl
a pessoa e o indivíduo são modos de vida, na ausência de todo fundamento.
Uma vez que a individuação se dá como operação própria ao campo transcendental,
ela se distingue da objetivação do indivíduo especificado como corpo biológico sob a
matéria de seu substrato natural. Assim, a diferenciação formal dos indivíduos entre si
é atribuída a tal campo pleno de singularidades. O debate filosófico levantado por Deleuze
(??) em vários momentos de sua obra coloca este problema ao lado da hecceidade,
conforme pensada por Duns Escoto enquanto desdobramento do problema aristotélico da
individuação que parte da inefabilidade própria ao indivíduo. O ponto chave é que o
pensador francês retoma a individuação ligada ao sentido, constituído por e nas
singularidades nômades.
O “precursor sombrio” (ver Villani no que o simulacro o precede) em DifRep 2do cap,
nas séries, na lógica do sentido a dupla causalidade. Exp: o traço que traça o caminho do
raio antes dele estourar, é irredutível ao dizível ou visível, mas é uma tendência,
.
O corte é a síntese, p. 60 e 61. corte fluxo
Signo
“O signo é aquilo que, não tendo em si verdade, condiciona
o movimento e o conceito da verdade." A voz e o fenômeno 26
“"O signo representa o presente em sua ausência, o substitui.”
A semiologia clássica entende:
1 - conceito de signo como representante de uma presença que se busca
reapropriar. Esse conceito encontra-se submetido aos
princípios de arché e telos.
2 - defasagem entre significante e significado
3 - signo como "unidade de uma heterogeneidade" reúne
um significado cuja "essência formal" é a presença e um
significante que "expressa" um significado, uma r>resença
que se encontra em um certo dentro
Singularidade
Zoura:
A identidade advém como correlato daquilo que fora definido como o ser desde
Parmênides como imutável homogeneidade consequência de sua própria perfeição e da
igualdade ao próprio pensamento do ser (cf. WAHL, 1950). Mediante estas
circunstâncias é que o sujeito pode aparecer absolutamente constante e idêntico em si e
a si mesmo.
Seguindo, Deleuze (2003, p. 236) enaltece “o humor, como arte das quantidades
intensivas, que se serve do indivíduo e dos fatores individuantes. O humor dá testemunho
dos jogos do indivíduo como caso de solução em relação às diferenciações que ele
determina”, a ele, o filósofo francês contrapõe a ironia como estilo que se volta para as
diferenciações relativas aos cálculo dos problemas ou na determinação de suas condições.
A sensação implica uma intensidade zero, um grau zero de intensidade que, tal
qual a superfície do CsO, prepara-se para receber a inscrição cruel. AE??
A síntese disjuntiva se dá quando um elemento paradoxal, também remetido
por Deleuze (2000) como precursor sombrio, faz ressoar as séries de sentido fora da
alçada de um eu transcendental que caucione o processo e seu funcionamento. O que se
parece com um modelo simulacro em torno deste elemento paradoxal. À medida em que
são percorridas por um elemento paradoxal que as faz ressoar, as singularidades se auto-
unificam sob um princípio móvel e deslocado de modo a constituir não um mundo intra
ou interpessoal mas uma espécie de caosmos que traduz a incorporação da própria
potência constitutiva de mundos nas pessoas.
“a viver a saúde e a doença de tal maneira que a saúde seja um ponto de vista
vivo sobre a doença e a doença um ponto de vista vivo sobre a saúde. Fazer da
doença uma exploração da saúde, da saúde uma investigação da doença (...)
A saúde afirma a doença quando ela faz de sua distância com a doença um
objeto de afirmação. A distância é, na medida de um braço, a afirmação daquilo
que ela se distancia. (...) O ‘procedimento’ é a vida mesma”.
O filósofo francês coloca este perspectivismo nietzschiano como chave, como
pedra de toque daquilo que o próprio Nietzsche (2014) chama de Grande Saúde ou a Gaia
Ciência. Fazer, pois, da doença um ponto de vista que avalia a saúde, capaz de avaliar
seus possíveis e seus limites, suas démarches e seus pontos cegos.
Através da saúde, da grande saúde na sua subversão da Saúde universal que se
torna a doença um ponto de vista sobre a saúde, e passa-se às condições de instauração
da prorpia saúde num processo menor.
Por que a grande saúde aparece na série da comunicação dos acontecimentos?
Um ponto de vista constitui o próprio ser, que não deve se submeter a regras
exclusivas, ao uso negativo das sínteses de exclusão, sob o risco de condicionar sua
abertura a outros pontos de vista à necessidade da conversão (o ponto de vista sobre o
mesmo elemento, uma cidade, digamos). O ponto de vista deve se abrir sobre uma
divergência para afirma-la, assim cada ponto de vista vê uma outra cidade, somente
reunida à primeira pela distância e à medida em que ressoa não com a convergência, mas
com a divergência das séries que formam o sentido.
Diferentemente do sistema leibniziano, a divergência não leva à exclusão, não
obstante a disjunção deixa de separar e o incompossível se torna um meio de
comunicação, não uma regra justificativa de exclusão.
[][][][187
Social
Ver: A invenção da psicologia social. impresso armário.
a palavra hospital vem do latim hospitalis, que significa ser afável e caritativo
para com os hóspedes e, também, a casa que serve para acolher pobres e
peregrinos por tempo limitado como aponta Da Cunha (1986, p. 105).
“O objeto do hospital geral é dar acolhida indistintamente a todos os
vagabundos: os mendigos válidos são sem dúvida a presa privilegiada, porém
os anciãos, as crianças, os sardentos, os epilépticos, os loucos e, de maneira
mais geral, os enfermos recebem acolhida de igual modo. Também nisso, a
dimensão caritativa não deve ocultar-se em proveito da única perspectiva
repressiva” (idem, ibidem, p. 105).
Social e psicossociologia
Atento à carência de um conceituação histórico-social de subjetividade que integre
indivíduo ao social a partir da articulação comum a ambos, a subjetividade, Moscovici
(1986, p. 190) define como “objeto central, exclusivo de la psicossociología, todos los
fenómenos relacionados con la ideología y la comunicación, ordenados según su génesis,
estructura y función”.
VER: Cuidado de si
Sujeito:
No fundo, a
questão da subjetividade diz respeito, sobretudo, ao
cruzamento de fronteiras: entre o humano e o nãohumano,
entre cultura e natureza, entre diferentes
tipos de subjetividade. O monstro, “pura cultura”,
como diz Cohen, em seu ensaio neste livro, expressa
nossa preocupação com a diferença, a alteridade e a
limiaridade. A “existência” dos monstros é a demonstração
de que a subjetividade não é, nunca, aquele lugar seguro e estável que a “teoria
do sujeito” nos levou a crer. As “pegadas” do monstro não são a prova de que
o monstro existe, mas de que o “sujeito” não existe.
TEdesco:
Plano de produção é heterogêneo, as práticas discursivas e as não-discursivas agem
mutuamente uma sobre a outra. (DELEUZE, 2005).
EXTERIORIDADE DO ACTO eem G.M III, af 17
Ver p. 142 Reciprocidade entre subjetividade e linguagem, que emergem de relações de
força de produção.
A linguagem é uma prática discursiva que transforma realidades. Assim como outro feixe
de forças das ou que operam as/nas/pelas superfícies objetivas, os saberes, elas têm poder
de engendrar o real.
Falsa dicotomia entre:
Vida: processo permanentemente transformação [cang errância], variações e devires.
Processo representantes das superfícies, o saberes e a linguagem em geral,
compreendida como foco de ordenamento imóvel em sua tarefa e função organizadora
das irregularidades que de fato, se passam na vida.
Constitui objetos e reconfigura outras relações de força também por realizar
reposicionamentos instaurar novas situações.
A realidade de cada objeto é feita e comporta a dispersão dos enunciados, do que é dito,
a disseminação das falas e igualmente as divergências, comporta o que para nós, se
parecem com silêncios – esses desatinados embarcados não eram perigosos?
Todo o encadeamento dos enunciados e discursos produzem as condições discursivas que
são condições de inscrição no real, são em suma, condições de existência.
Este arranjo discursivo funciona como um enquadre [nota derrida CP: condições de
instauração do inconsciente como jogo das caderias, como casa vazia é certo enquadre da
situação] que determina o que de fato é visto.
As práticas não discursivas especificam de modo a perfazerem os contornos que
determinam os encaixes e modos de relação das coisas no mundo.
Toda forma é na verdade uma formação, produzida e temporária que, não obstante,
não preexiste à sua construção empírica.
“são práticas ou correlações de forças que possuem uma eficácia produtiva para gerar a
vida dos indivíduos e regular as populações” (PORTOCARRERO, 1994, p. 61)
Super-homem
Questão: as forças do homem só constituem uma forma em relação com forças do fora,
com quais forças ela pode se relacionar agora que a faça sobressair a forma-Deus e a
forma-Homem? questão do super-Homem, que libera a vida dentro do homem para a
composição de uma outra forma.
Para não entrar nas histórias em quadrinhos do Superman, só há esboços embrionários
em Nietzsche e Foucault (2000, p. 472), nada funcional.
Deleuze indica o privilegio da linguagem, com a literatura enquanto ser da linguagem,
que a reúne para além da designação e da significação e dos próprios sons como
“experiência de morte, do pensamento impensável, da repetição, da finitude.
À despeito da dispersão da linguagem, ela ainda pode reunir seu ser.
Tende À expressão atípica assintática, agramatical (que se vinga do significante), que visa
o fim da linguagem (em Péguy e Mallarmé, sopros de Artaud, agramatcidades de
Cummings, dobraduras de Burroughs, colagens Dada)
A biologia salta para a molecular, para reunir a vida, anteriormente dispersa, no código
genético. Relação com os componentes genéticos, contra o organismo.
O trabalho se dispersado se reúne em máquinas de terceira geração, cibernéticas e
informáticas. Relação com forças do fora do silício, que se vinga do carbono.
As novas forças seriam de um finito-ilimitado (do eterno retorno, dupla hélice), de um
número finito de componentes capaz de produzir uma variabilidade infinita de
combinações.
Assim, nem desdobramento, nem dobra, mas sobredobra, superdobra.
O super-homem é precisamente o composto formal, a forma resultante dessa nova
relação entre as forças do homem com essas novas forças, agramaticais, do silício e da
genética que o faz liberar dentro de si a vida, a linguagem e a o trabalho.
Para Rimbaud, é o homem carregado dos próprios animais – capaz de capturar fragmentos
de outros códigos numa evolução lateral ou retrógrada. Homem carregado das próprias
rochas, do inorgânico do silício, do ser da linguagem, “como esta região informe, muda,
não-significante onde a linguagem pode liberar-se” (FOUCAULT, 2000, p. 532).
O super-homem é menos que o desaparecimento dos homens como conhecemos e mais
que a mudança de um conceito, mas o surgimento de uma nova forma, nem homem nem
Deus, da qual nada sabemos.
Tantum
Homo tantum é o transcendental do puro acontetcimento??
Ver LS 2000
Tecnologia de si - técnica de si
Tempo desregrado
Se liga ao recuo da origem e intempestivo em Foucault (2000, p. 457-8)
Colocar sobre o tempo desregrado, que desfaz a superfície conectiva e a conexão entre
Eu pessoal e o eu impessoal transcendental.
Tempo desregrado
Pelbart (2000) enaltece o concepção desregrada de tempo – tempo aberrante, descentrado,
selvagem, paradoxal, flutuante – que aparece na obra de Deleuze como uma loucura do
tempo que mantém proximidade com a temporalidade própria à loucura. Pois “a loucura
do sujeito corresponde ao tempo fora dos seus gonzos. É como um duplo afastamento do
Eu e do Eu no tempo, que os reporta um ao outro, cose-os um ao outro. É o fio do tempo.”
Logo, em acordo com David-Ménard (2014), acreditamos que é preciso libertar o campo
psi do imperativo normativo temporal que pesa sobremaneira sob os sujeitos na forma
privação.
Saúde do nova temporalidade.
“diferença formal e de natureza; o novo permanece para sempre novo, em sua potência
de começo e de recomeço, como o estabelecido já estava estabelecido desde o início,
mesmo que tivesse sido preciso um pouco de tempo empírico para reconhecê-lo”
(DELEUZE, DR, p. 134)
O intempestivo pra nit. Ver MP4 p. 83
Blanchot CI1, p. 88
VER:
Terapêutica
Ver tese, 1.6; Canguilhem, Deleuze, Guattari, procurar ref para articular prof e
superfície, de referencia a partir de um campo transcendental. Ver artigo Simondon
Foucault
Junção entre a superfície concreta do louco com a profundidade do saber médico
(FOUCAULT, 2011). Ver terapêutica NC.
Embora seja inicialmente constituída sobre uma base mágica ou religiosa – que
visa expurgar o mal (cf. FOUCAULT, 1979; SCLIAR, ??) – a atividade terapêutica tem
como impulso uma necessidade vital que busca além da autocura e da
autorregeneração, valores hedônicos do desfrutar e da apreciação do bem viver. Esta
atividade é um desdobramento e uma consequência da polaridade da vida que não é
indiferente aos estados e às situações de saúde e de patologia que lhes são próprios e
constituem sua especificidade, frente aos fenômenos inorgânicos.
Especialmente a vida humana, que não só não é indiferente ao mal-estar do estado
patológico, como faz o uso da linguagem e do entorno social para comunicar e
arregimentar meios de lidar com a experiência de sofrimento. Para efeitos de
comparação, Canguilhem (2002, p. 49), aponta que embora possamos parear a fisiologia
com a astronomia enquanto saber acerca do movimento e da constituição dos corpos
celestes, não há equivalente para patologia no que condiz aos fenômenos inorgânicos.
(FOUCAULT, 2006, p. 393) Esquirol pode enunciar as cinco razões principais para o
isolamento dos loucos:
Território
Guattari e Rolnik (1986) entendem território como um plano que comporta tanto o
espaço vivido como um sistema dentro do qual alguém se sente “em-casa”. Território é
primeiramente uma apropriação subjetiva, é o modo como se agencia o desejo nos
espaços e tempos sociais.
Milton Santos estabelece uma densa base teórica para a definição de espaço e
vai além, pois também está preocupado com a operacionalidade do conceito para os
estudos
geográficos através da estrutura, forma, processo e função.
David Harvey (insere decisivamente o espaço na
teoria marxiana.) em uma abordagem tripartite: espaço absoluto, espaço (tempo)
relativo e espaço (tempo) relacional; adicionando a contribuição de Lefebvre com o
espaço material, representações do espaço e espaços de representações (espaço
vivido), e adicionando a teoria do valor de Marx, reafirma a necessidade de articulação
entre espaço e tempo e elabora uma matriz conceitual complexa e rica em possibilidade
analítica. O autor também se dedicou em desvendar como o capital procura “fugir” ou
mitigar as crises de superacumulação através do “ajuste espacial”. [assim como Bauman
em Globalização]
HARVEY, David. Espaços de esperança. 3ª Edição. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2006.
HARVEY, David. O espaço como palavra-chave. Revista GEOgraphia. Rio de Janeiro:
UFF, v. 14, n. 28, p. 8 - 39, 2002.
SANTOS, M. SILVEIRA, M. L. O Brasil: Território e Sociedade no Início do Século
XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.
___________ Por uma outra globalização: do pensamento único a consciência universal.
Rio de Janeiro: Record, 2004.
SANTOS, M. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e meio técnico-
científicoinformacional. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
Território e territorialidade
Território é a área geográfica onde um Estado soberano exerce sua soberania, onde ele
não reconhece nenhuma outra autoridade além dele. Territorialidade é a ação dos agentes
sobre o território, ou seja, o modo de agir em seu espaço territorial.
[[[]]][[[]]][[[hoje]]]
Em suma, podemos afirmar que as territorialidades são associadas aos diferentes
tipos de usos do território. Diferentes usos, que correspondem a distintas dimensões que
coabitam e conformam cada território.
Para Soja (1971, p. 19), no âmbito da conotação política da organização do
espaço pelo homem, a territorialidade pode ser vista como "um fenômeno
comportamental associado com a organização do espaço em esferas de
influência ou de territórios claramente demarcados, considerados distintos e
exclusivos, ao menos parcialmente, por seus ocupantes ou por agentes outros
que assim os definam". Soja (p. 19) argumenta que "ao nível individual, por
exemplo, uma das mais claras ilustrações da territorialidade humana pode ser
encontrada na forma como no Ocidente se estabeleceu a propriedade privada
da terra" (Grifo adicionado).
A territorialidade, para Raffestin (1993), reflete a perspectiva de
multidimensionalidade do vivido territorial por membros de uma
coletividade social. São as relações de poder (produtivistas ou
existencialistas) que se estabelecem entre atores nas suas relações com a
natureza e sociedade. Em suma, a territorialidade é definida como um
conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-
espaço-tempo, com o objetivo de se buscar, de forma crescente, autonomia
associada aos recursos de um sistema.
Raffestin considera que a territorialidade é mais do que uma simples
relação homem-território, argumentando que para além da demarcação de
parcelas individuais existe a relação social entre os homens. Dessa forma, a
territorialidade seria "um conjunto de relações que se originam num sistema
tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior
autonomia possível, compatível com os recursos do sistema". Considerando-
se a dinâmica dos fatores envolvidos na relação, seria possível a classificação
de vários tipos de territorialidade, desde as mais estáveis às mais instáveis.
(RAFFESTIN, 1993:160)
Dada a complexidade da sociabilidade humana, abrangendo diversas
escalas tanto geográficas quanto sociais, a territorialidade dos grupos humanos
pode ser estruturada, segundo Soja, por três básicos ingredientes: um sentido
de identidade espacial, um sentido de exclusividade e uma compartimentação
da interação humana no espaço (1971, p. :34). A identidade espacial se
manifesta como um sentimento de afetividade ou de topofilia, conforme Yi-
fu Tuan (1980; 1983). O senso de exclusividade, frequentemente um
sentimento latente, só surge quando existe uma ameaça de invasão ao espaço
familiar por parte de estranhos à cultura e ao ambiente desse meio, o que
favorece uma atitude de auto-segregação coletiva. Quanto à interação espacial,
estabelece-se um jogo de vantagens mútuas em função da proximidade.
Diante dessa classificação, Raffestin (1993) reivindica uma dimensão social
maior, argumentando que a relação homem-meio deve ser enfocada pelo
prisma da classe social e do contexto histórico.
Conteúdos do território: seu conteúdo, princípio, finalidade e
representação, as territorialidades; e sua ação, movimento e processo, as
territorializações, desterritorializações e reterritorializações.
Para Sack (1986), a territorialidade [a territorialidade humana não se resume
à territorialidade biológica dos animais, baseada nas relações instintivas e de
poder] é um comportamento humano espacial. Uma expressão de poder que
não é nem instintiva e nem agressiva, apenas se constitui em uma estratégia
humana para afetar, influenciar e controlar o uso social do espaço,
abarcando escalas que vão do nível individual ao quadro internacional. Ou
seja, "a tentativa de um indivíduo ou grupo para afetar, influenciar ou controlar
pessoas, fenômenos e relações, e para delimitar e impor controle sobre uma
área geográfica. Essa área será chamada de território" (p. 19). Sack admite que
o território é um lugar que está sob o controle de uma autoridade, acatando a
concepção de Soja (1971) de que se trata de um espaço organizado
politicamente. Desse modo, Sack evidencia a questão da acessibilidade a
recursos como uma propriedade da territorialidade, porquanto "é uma
estratégia para estabelecer diferentes graus de acesso". A territorialidade se
manifesta, então, como um tipo de delimitação espacial, onde vigora uma
forma de comunicação, que evidencia controle de acesso tanto ao conteúdo
interno quanto à entrada/saída externa.
Assim, a territorialidade resultaria de uma construção social
(moldagem de condicionantes espaciais) – são relações sociais formatadas
espacialmente.
Sack: territorialidade nos humanos é algo enraizado social e geograficamente,
estando relacionada à maneira com que as pessoas usam o meio e organizam-se no
espaço e como dão sentido ao lugar. A territorialidade é um uso sensato do espaço
historicamente, sendo o componente geográfico para se entender como a sociedade e
espaço estão inter-relacionados.
Trágico e tragédia
Machado de Assis: o Espelho:
“Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra
que olha de fora para dentro...” (ASSIS, 2015, p. 2)
“era um diálogo do abismo, um cochicho do nada. E então de noite! Não que a noite fosse
mais silenciosa. O silêncio era o mesmo que de dia. Mas a noite era a sombra, era a solidão
ainda mais estreita, ou mais larga” (ASSIS, 2015, p. 5)
Traz a sombra, o relevo do pathos
Trágico e Hamlet:
- trágico Orfeu, arma a tampa para fracassar, destinados ao fracasso, como Hamlet q faz
tudo para se vingar, mas ao final fracassa em seu desígnio, quase de propósito, como se
sua loucura, o tempo fora dos gonzos
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Considera que “uma ignorância situada não é nada mais do que a presentificação do
inconsciente”, conferindo a Hamlet, da peça homônima de William Shakespeare, “seu
alcance e sua força” (p. 31). Para Lacan, o príncipe Hamlet é uma personagem composta
do lugar vazio, para situar nossa ignorância.
a pulsão – ao contrário do instinto, não visa a um fim determinado, nunca atinge a um
final (limite) “o homem não está simplesmente possuído pelo desejo, mas que tem que
encontrá-lo às suas custas e a duras penas’. E arremata que “ele só o encontrará, no
limite, numa ação que culmina com a morte” (p. 18).
LACAN, J. Hamlet por Lacan. Campinas: Escuta/Liubliú, 1986.
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Na tragédia grega como em Shakespeare, as ações mortais estão cercadas por forças que
transcendem o homem. Hamlet e seu fantasma
Não há como reduzir uma pessoa a uma só dimensão sem aniquilá-la. Hamlet se revolta
contra isso [[especialmente na peça do ccbb, onde não a personagem não cabe me nenhum
dos papeis que lhe tentam colocar: de rebelde, de louco, de nobre príncipe, de amante
fervoroso...]]. Hamlet é criatura e destruidor de si, e se contorce para se inventar a si
mesmo contiguamente e apesar das circunstâncias que o rodeiam.
Hamlet flerta com as figuras prototípicas da loucura pré-psiquiátrica (cf. FOUCAULT,
1979), com o furioso descompensado, com o bobo da corte (encenando uma peça dentro
da peça na qual se permite dizer a verdade insuportável e indizível nos ouvidos sãos)....
pegar tese, mestrado, jocker, escritos...
Afinal, como no Aforisma 107 Gaia Ciência:
Como fenómeno estético la existencia nos resulta siempre soportable,
culto a lo no verdadeiro... culto a lo no verdadero
preciso descubrir tanto al héroe como al payaso que se ocultan en nuestra pasión por el
conocimiento, así como gozar siempre que podamos de nuestra locura, para seguir
gozando de nuestra sabiduría.
nada podría hacernos tanto bien como el gorro de loco, lo necesitamos como un remedio
contra nosotros mismos; necesitamos un arte petulante, flotante, bailarín, burlón,
infantil y sereno, para no perder nada de esa libertad por encima de las cosas que espera
de nosotros nuestro ideal. Sería para nosotros una recaída caer en la moral
pues, a causa de nuestra irascible probidad y teniendo que satisfacer excesivas
exigencias, acabaríamos convirtiéndonos en virtuosos monstruos y bestias.
Assim como Hamlet pode esboçar uma das poucas risadas com a encenação da
peça, com a arte, podemos gozar de nossa própria loucura, para só então seguir gozando
da sabedoria.
peça dentro da peça evidencia a simultaneidade de dois planos.
a loucura é o tempo fora dos gonzos em Hamlet (cf. DELEUZE, 2011), fora
da ordem que liga o príncipe à obediência a seu tio-padrasto que ocupa o lugar
do rei, fora da ordem que sustentariam os laços de fraternidade entre o pai, rei
morto, e o tio, assassino e usurpador do trono e do matrimônio reais. Assim, a
loucura reside fora do acerto articular entre o eu pensante constituído e o eu
impessoal constituinte – no caso de Hamlet, as regras e leis de seu mundo de
príncipe da corte. (PRADO, 2017, p. 240)
Entre tantas percepções, a loucura pode ser crônica social, na figura do bufão;
há também o jocker que faz humor sarcástico com ironia e um olhar ácido
sobre as relações hierárquicas das cortes e seus monarcas e, em outros casos, é
ainda tomada como detentora de um poder de enunciação do futuro ou
mesmo da palavra sagrada – grande parte dos casos de santos e videntes
corroboram este lado (PRADO, 2012, p. 117)
Hamlet poderia ser uma besta virtousa e sedenta de sangue apunhalando Claudius e
vingando seu pai às escondidas, traindo-o com a proximidade que intimidade lhe oferecia,
mas prefere desmascarar o traidor na frente da corte, causar-lhe mal estar. Escolha trágica,
pois acaba sendo seu desatinado destino.
Contra a concepção de Maquiavel – para quem o poder está dissociado da justiça, ligado
à astúcia e à contenda da força .
Em Shakespeare a justiça – divina ou dos homens – deve ter relação com o poder. Na
justiça divina, de adequação ou não às forças do cosmos, e À vontade divina. na justiça
dos homens, q uestão é: quem pode legitimamente executar a justiça?
Pois o poder sem justiça é instrumento de arbitrariedades e autoritarismo, ao passo que a
justiça, à medida que não consegue aplicar seus valores e desígnios, se torna vazia sem o
poder,.
saber dançar, zombar e brincar com a realidade é um modo de sobreviver ao peso dela,
ao espírito de pesadumbre que assola o cotidiano concreto e a situação sem saída, a sinuca
de bico na qual se encontra o príncipe.
... a ressonância com outra tragédia shakespeariana Rei Lear, é incontestável. Ali, o rei,
na dolorosa aventura de se tornar um homem, acaba assumindo o papel de bobo, para rir
e deste modo lidar com o árduo processo – tal como aponta Barbara Heliodora na
introdução. O bobo é a consciência de Lear até a crise da tempestade, desde quando ele
passa a assumir seus atos, não o deixando esquecer ou ignorar seu erro para com Cordélia.
Suas graças são ácidas e cruéis como as encenadas por Hamlet na frente de da corte de
seu tio-padrasto.
A dor que queima obriga Hamlet a aprofundar-se em seu processo de invenção de si,
processo sem garantias ou fundamentos, como já sinalizado aqui. Mas por isso, o príncipe
vai respirar, buscar um pouco de ar nas artes, na leveza cruel do teatro e no jogo mortal
do duelo de espadas no qual acaba morto, após ser trapaceado.
As crenças e certezas, assim como as dúvidas e os titubeios de Hamlet são um meio entre
outros – dentre os quais sua condição de príncipe recém órfão, de sobrinho e filho traído,
etc. –, para forjar a si mesmo. Forjar a si mesmo num processo sem apoio e sem
fundamento, num itinerário sem garantias ao qual só lhe resta seguir o curso tortuosa que
o leva à trágica morte ao final da peça.
Se rebelando contra o que talvez fosse mais fácil ou conveniente – sucumbir à
degeneração e à atrofia quase voluntárias que seu destino lhe acenava – Hamlet alcança
a dureza e a elevação para, como um artista, dar forma a si mesmo paradoxalmente na
vitória sobre si. Quando sai vencedor sobre o desejo de vingança e sobre o labirinto
arquitetônico das artimanhas do ressentimento, ele pode então “deixar valer a lei
primordial das mil formas de malogro e perecimento” (ABM, p. 61) com a nobreza da
fortaleza do personagem que sobrevive aos séculos e nos inquieta ainda hoje.
É mais fácil querer o nada que o nada querer – Nit GM, $1, 3ra dissertação
Certezas nadificante, que incertezas repletas de possibilidades.
Hamlet rumina as circunstâncias drásticas que rodeiam sua existência, oscila ante nossos
olhos entre o ruminar ressentido que não consegue digerir – prisioneiro da infelicidade
(ROSSET, Alegria: a força maior), que não absorve, não digere seus monstros e
fantasmas – e o espírito dionisíaco que rumina, mas traga e digere o gosto amargo do que
lhe acontece para superar a si mesmo e estar por fim digno daquilo que lhe passa.
Evidência da morte e do efêmero X filosofia-remédio
Os séculos que nos separam da confecção da obra, não tem cheiro a mofo, pois a poeira
não acumula sobre a grama de dúvida e inquietação que Hamlet faz crescer bem debaixo
de nossos pés,
Blanchot CI2?
A certeza enlouquece – Nit por que sou tao sábio?
Para Freud (??) só a posição de feminilidade do psiquismo suporta o desamparo [nota,
Psicanalista Birman, aponta a posição feminina como saída para a análise]
Assim, nos solidarizamos com a Hamlet no ponto em que sua loucura grita por justiça,
mais que pela honra da espada do pai, clama pela justiça daqueles que espoliam os lugares
indevidos.
Se continuamos encenando e nos deleitando com a montagens sucessivas da peça a tantos
séculos, é porque a loucura de Hamlet é também sua possibilidade de saúde, e também,
mas igualmente nossa oportunidade de nos debatermos com nossos próprios fantasmas,
daquilo que ignoramos na pressa e na pressão do dia-a-dia... etc.
Neste ponto, - de novo Freud, o enlouquecer é uma tentativa de cura, de saída do impasse
(PRADO, 2017)
Quando eu atravessava os Rios impassíveis,
Senti-me libertar dos meus rebocadores.
(Arthur Rimbaud. O barco bêbado)
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“O inconsciente tem os seus horrores, mas eles não são antropomórficos. Não é o sono
da razão que engendra os monstros, mas a racionalidade vigilante e cheia de insônias”
(DELEUZE & GUATTARI, AE, 2011, p. 153)
Esquadrinhando a lógica do juízo infinito, Deleuze (2011) convoca a Genealogia da
Moral onde Nietzsche (2009) para definir o juízo – base lógica da culpa e do pecado
cristãos – a partir da consciência de estar em débito com os deuses, dívida que se torna
impagável, devida à diferença de natureza ontológica entre os envolvidos e,
consequentemente infinita. Assim, podemos definir o circuito da dívida infinita: “o
homem só apela para o juízo, só é julgável e só julga quando sua existência está submetida
a uma dívida infinita” (DELEUZE, 2011, p. 162).
Categoricamente, o circuito da dívida infinita se liga à imortalidade da alma como
Nietzsche (1999, p. 399) expõe no parágrafo 42 de O anticristo ao apontar que há mais
utilidade na morte supliciada na cruz que na vida do redentor. Porque deste modo o juízo
de Deus se torna julgamento infinito porque este se torna poder de julgar e assim Paulo
consegue os fins e os meios para o montar (em ambos os sentidos) seu rebanho. E o meio
para a tirania dos padres sobre seus rebanhos não é outra que “a crença na imortalidade –
isto é, a doutrina do ‘Julgamento’...” (NIETZSCHE, 1999, p. 399).
Artimanha do cristianismo (e por ele muito bem usada), que não renuncia ao poder, mas
inventa nova forma de poder, o poder de julgar, julgar seu destino e suas escolhas, seu
lugar no mundo, sua diferenciação e sua determinação existencial.
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Deus morto e o Eu rachado. Neste sentido, é justo dizer que a saída do kantismo
não está em Fichte ou em Hegel, mas somente em Hölderlin, que descobre o
vazio do tempo puro e, nesse vazio, o afastamento contínuo do divino, a
rachadura prolongada do Eu e a paixão constitutiva do Eu. Hölderlin via
nesta forma do tempo a essência do trágico ou a aventura de Édipo como um
instinto de morte com figuras complementares (DELEUZE, 2002, p. 92).
É inevitável Hamlet pensar, quando pensa, se depara com muitos dele mesmo fervilhando
em suas entranhas.
O indeterminado é determinável no tempo, tempo no qual o testemunhamos o
personagem se desdobrar na cena, ele se determina no tempo... suas dúvidas e reticências
se tornam certezas que o levam a sua sóbria-loucura ao final, é verdade.
Hamlet sofre o tempo, ele sofre da temporalidade que se desenlaça arbitraria,
desequilibrada e injustamente na cena.
ele é receptor passivo das transformações e acontecimentos que se desenlaçam no tempo
Se o que determina é o tempo e o determinável só é determinado quando sofre as
consequências dos acontecimento no tempo, o tempo fora dos eixos, sinaliza o
desregramento da determinação formativa. É o tempo enlouquecido, temporalidade
desgarrada e emancipada do movimento que assegura as hierarquias e os lugares
subjetivos, é o tempo se descobrindo em sua forma pura e vazia. Tempo leva à
subjetivação – na cultura ocidental este axioma percorre de Heidegger a Bergson – e,
consequentemente, o tempo desregrado leva à subjetivação enlouquecida, que se expressa
na inadequação e na rebeldia, na insubordinação e na busca incessante do príncipe
dinamarquês.
A ordem do tempo não é senão a “distribuição puramente formal do desigual em
função de uma cesura” (DELEUZE, 2002, p. 92), onde futuro e passado são
características formais fixas definidos a priori numa síntese estática do tempo e não
determinações empíricas e dinâmicas do tempo. A cesura que tornam passado e futuro
coabitantes não é outra que a hybris.
A ação da peça não é subordinada aos pontos cardinais da posição social ou
mesmo dos lugares que as demais personagens colocam Hamlet, a ação é pela
desencadeada pela hybris e comandada pelo tempo em sua forma autônoma (forma livre,
pura e vazia, sem apoio ou fundamento) e imutável que tudo muda e move (DELEUZE,
2011, p. 42).
Com isso, o movimento não pode mais assumir a determinação dos objetos,
limitando-se à descrição do espaço, ao qual temos de abstrair-nos para alcançar a
temporalidade que o condiciona na única operação em que a determinação se torna
plausível.
Hamlet () tem a dinâmica da tragédia grega cuja pedra de toque é a hybris (cf.
VERNAND & NAQUET, 2005), um desequilíbrio, um acontecimento ou uma situação
que detona uma série de acontecimentos dramáticos – Édipo matando o próprio pai, o
assassinato do rei legítimo, o pai de Hamlet.
Nos valendo da tese de Deleuze (2002, p. 94) acerca das três sínteses do tempo
na peça – o antes, a cesura e o depois –, pontuamos que em relação ao primeiro tempo,
Hamlet vivencia seu passado sob a presença sombria de um fantasma que vem lhe soprar
um segredo sobre a morte do seu pai. No segundo tempo, vemos um desdobramento do
eu, Hamlet arquiteta seus planos de vingança e sentimos uma espécie de catarse na
expectativa da esperada – e justa – retaliação. Observamos, entretanto, a projeção de um
eu ideal na imagem da ação planejada, projetada, ensaiada pelo príncipe. Ação que não
se dá como planejado no terceiro tempo. A descoberta do futuro faz emergir uma
coerência secreta entre o acontecimento e a ação que, no entanto exclui o eu, voltando-
se contra o eu. Hamlet encontra seu final trágico numa morte inglória no desfecho da
peça.
Neste aspecto, “Zaratustra é como Hamlet, a viagem por mar tornou-o capaz, ele
conheceu o tornar-sesemelhante, o tornar-se-igual da metamorfose heróica; e, todavia, ele
sente que ainda não chegou a hora (cf. III, "Da bem-aventurança a contragosto")”
(DELEUZE, 2002, p. 282)
O terceiro momento implica a saída do tempo circular, que ligaria a ação primeira, o
passado – o pai traído – ao desdobramento do eu – a elucubração das acusações e da
vingança – ao final catártico (Hamlet desafiando e vencendo Claudius e ao invés de servir
de alvo da fúria e de Laertes?). Essa é a essência do drama trágico (BENJAMIN, )
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Ao analisar o caso do rei Jorge III, o rei louco da Inglaterra nas primeiras aulas do curso
O poder psiquiátrico, Foucault (2012) compara a situação de Ricardo III e a do rei Lear
com a do rei louco do século XVIII. O francês aponta as diferenças entre os reis da
dramaturgia shakespeariana – o primeiro, ameaçado de cair sob o poder de outro soberano
e o segundo, despojado de sua soberania e condenado à errância da solidão e da miséria
que caracterizam aquilo que Foucault (1979) denomina de experiência trágica da loucura
– com a de Jorge III. Este é não recai sob outro soberano e é condenado a ser fixado num
ponto preciso por um poder que já não é do rei, mas do alienista.
Tal poder disciplinar se reparte na modernidade entre o professor, o policial, o juiz
e médico e as demais figuras da burocracia capilarizada dos micropoderes que
esquadrinham a vida moderna. Este poder que compete e se opõe e sobrepuja o poder
soberano
é um poder anônimo, sem nome, sem rosto, é um poder que é repartido entre
diferentes pessoas; é um poder, sobretudo, que se manifesta pela
implacabilidade de um regulamento que nem sequer se formula, já que, no
fundo, nada é dito, e está bem escrito no texto que todos os agentes do poder
ficam calados. É o mutismo do regulamento que vem de certo modo ocupar o
lugar deixado vazio pela descoroação do rei (FOUCAULT, 2012, p. 27-8).
O mutismo desse poder ao mesmo tempo múltiplo e pálido parece acometer
Hamlet. Não que o príncipe seja alvo das disciplinas modernas numa Dinamarca
disciplinar genialmente antecipada por Shakespeare como a aurora antecipadora da
modernidade. Nada disso. Antes é um ímpeto de localização, uma série de forças que
parecem querer colocar o príncipe em seu lugar, um lugar estabelecido anterior mas
sobretudo exteriormente a ele e à vivencia que ele tem de suas vivências e sofreres.
Mais que o rei Jorge III, é o próprio poder soberano, sua lógica, sua ordem e
prerrogativas que foram descoroadas e decapitadas com a emergência dos saberes e
práticas disciplinares. A partir destas é que a loucura se instala no cerne do homem
moderno num giro de compreensão que converte a desrazão e o desatino que grita nos
textos shakespearianos a doença mental que hoje nos ameaça e nos surpreende.
Deslocadas de seu próprio tempo, as figuras anacrônicas de Hamlet, assim como
Lear e Ricardo III são “mais as testemunhas de uma experiência trágica da Loucura
nascida no século XV do que as de uma experiência crítica e moral” (FOUCAULT, 1979
dig, p. 45) que caracteriza o terreno da desrazão que apreende a loucura como o contrário
daquilo que está na ordem hegemônica do mundo. Hamlet recusa este lugar de
desarrazoado, no qual ele seria pareado aos criminosos, inválidos, doentes venéreos e às
demais figuras que compõe o quadro plural da desrazão do século XVII.
Isto significa que a realidade trágica da loucura desatinada de Hamlet é um
dilaceramento absoluto que abre as portas de um outro mundo e não apenas a ironia de
suas ilusões. Por isso a personagem nos toca tanto: sentimos com ele o peso da angústia
de suas dúvidas e percalços, tão irredutíveis à quimera delusória de seus delírios, que
chegam a ofuscar sua patente inadaptação.
E disso nos dá testemunho, aval e veredito o próprio Michel Foucault ao observar
que na obra de Shakespeare, as loucuras se encontram numa proximidade incontornável
com a morte e o assassinato. Em Hamlet, a paixão desesperada, o sentimento enganado
pela morte e a quimera de um fantasma que traz um delírio furioso e a incompreensão
daqueles que o cercam dão o tom e as cores de seu desatino. Isto porque, alheia à
manifestação da verdade que cauciona o retorno apaziguado da razão,
do alienista Fodéré
poder
loucura de
No capítulo 10 d’O nascimento da tragédia, Nietzsche (1992) faz uma leitura original de
Schopenhauer para reconstruir a derivação da tragédia dos ritos mistéricos. Ele insiste na
unidade entre religião e tragédia que em seus primórdios não exprime outra coisa que
os sofrimentos do próprio Dioniso, o único herói trágico de então, o herói original que
serve de modelo para os demais, que não são mais que máscaras suas. Dioniso e divide e
distribui sua presença uma e original na multiplicidade dos demais heróis trágicos.
Em verdade, porém, é aquele herói o Dionísio dos Mistérios, aquele que sofre,
aquele deus que experimenta em si mesmo as dores da individualidade, do
qual narram mitos maravilhosos ter sido ele, quando menino, esquartejado
pelos titãs, e ser adorado agora, neste estado, como Zagreus; no que se indica
que este esquartejamento, o sofrimento propriamente dionisíaco, é igual à
transformação em ar, água, terra e fogo, e que portanto devemos considerar o
estado da individualidade como algo reprovável, como sendo a fonte e o
fundamento primeiro de todos os padecimentos. 1992, p. 70 primeira linha,
corrigir cit e Gentili garelli, p. 34 recomposição do território
A tragédia nasce das dores da individuação de Dioniso.
Relacionando os elementos literários da tragédia aos conceitos que dão corpo a uma
filosofia do trágico, podemos entender este como uma agonística do pensamento. Logo,
o trágico caracteriza um pensamento capaz de reconhecer identidade apenas na
identidade dos opostos, não na essência, mas no devir que advém do conflito dos
contrários. “A identidade dos contrários é o equivalente filosófico da forma trágica.
Assim Heráclito planteava: ‘o caminho de cima e o caminho de baixo são um e o mesmo’”
(GENTILI & GARELLI, 2015, p. 16).
Por isso, a tragédia coloca em cena a ordem divina em colisão com a ordem da
polis. Ela nasce, segundo Vernand e Vidal-Naquet (2005) em Tensões e ambiguidades na
Grécia Antiga, somente quando se olha para o mito com olhos de cidadão, por isso, estes
autores que assinalam ainda que o trágico reside na simetria sintática do ethos anthropoi
daimon, expressão que serve de base para Heráclito afirmar a confluência do caminho
de baixo e do de cima, a ordem divina que se entrecruza com a lógica da polis. Visto
que o ethos anthropoi daimon significa simultânea e não exclusivamente: o caráter é o
demônio do homem e o demônio é o caráter do homem. A primeira afirmação quer
ressaltar que aquilo que o homem toma por divino não é mais que sua incapacidade em
fazer com que seu próprio caráter atenda à razão. Ao passo que a segunda pondera que
aquilo a que o homem crê que depende tão somente de seu próprio caráter, vontade e
decisão, se revela como realização da vontade divina, ao qual ele não pode se subtrair.
A coexistência de ambas num movimento contínuo dá a consistência da tragédia.
Arte:
Rompendo com a unidade de uma Grécia clássica forjada como modelo da nobreza de
uma religião da humanidade louvada sob o signo e o valor da universalidade da razão
para o desenvolvimento da Alemanha do século XIX, Nietzsche (1992, 2006a) traz o lado
obscuro da cultura helênica. Trata-se de uma outra terra, marcada por oráculos
indecifráveis, rituais e sacrifícios de sangue que configuram uma outra realidade trazida
pelas traduções de Hölderlin e pela peça Pentesiléia de Von Kleist.
daquilo que Kleist (2008) faz emergir contra a lógica da significação e o império da razão
sobre a fala. Ele não condiz senão secundariamente à vacância que se abre como efeito
posterior às fissuras abertas pelo desregramento, este campo de vacância é o campo do
acaso que aparece como meio de
achar um fim para o início, aquela ideia confusa para a completa clareza, de
tal sorte que, para a minha surpresa, o conhecimento se elabora junto à frase.
Mesclo sons desarticulados, demoro-me nas conjunções, utilizo também um
aposto, onde não seria necessário, e me sirvo de outros recursos artísticos para
prolongar a fala e ganhar tempo, (...) pois meu espírito já exausto se torna
ainda mais excitado por meio dessa tentativa, vinda de fora, de tirar-lhe a
posse da fala, e tem a capacidade de aumentar sua tensão, tal qual um grande
general, quando impelido pelas circunstâncias (KLEIST, 2008, p. 76).
Impelido pelas circunstâncias impositivas da razão, Kleist sente que a fala acaba
cedendo seus direitos de deriva, seu lugar e até mesmo sua alma para a perigosa inspeção
racional que, à medida que a compreende como desregramento, a ela se impõe como
regramento e regulação.
VER: Ver duplicidade, sofrimento, dor, agonística do pensamento, opostos, contrários,
arrebatamento, fronteiras, ambiguidade, etc... no 1.4
Abundância, transbordamento e dor sofrimento, refletindo sobre sua dívida para com os
antigos, Nietzsche (2006, p. 67) pondera que
“Trágico designa a forma estética da alegria, não uma fórmula médica, nem
uma solução moral da dor, medo ou da piedade [[desde NT, 22, nit se apoia na
def aristotélica de tragédia-catarse em duas vias, sublimação moral e
prugação médica. a catarse compreende o trágico como o exercício das
Paixões deprimente e dos sentimentos “reativos”. Cf. VP, IV. 460.]]. O que
é trágico é a alegria. Mas isto quer dizer que a tragédia é imediatamente alegre,
que ela só suscita o medo e a piedade do espectador obtuso, ouvinte patológico
e moralizante, que conta com ela para assegurar o bom funcionamento de suas
sublimações morais ou de suas purgações médicas.” (p. 14)
Nietzsche é forçado a abandonar o modelo dramático que apresentava na
Origem da Tragédia, pois o drama ainda era sinônimo de pathos dialético
cristão
O trágico é fundado na relação de positividade, afirmação e multiplicidade
“A existência tem um sentido?”. Segundo Deleuze, essa seria uma das questões
mais importantes da filosofia nietzscheana. Questão de natureza empírica ou
experimental, que exige do filósofo e da filosofia uma interpretação e uma
avaliação. 89 “Bem compreendida, ela significa: ‘Que é a justiça?’
Hegel, a existência é interpretada e avaliada a partir de uma consciência
infeliz. Já Schopenhauer, assim, o de a vida não possuir absolutamente nada
de divino é um pressuposto, estando assim eliminada a possibilidade de uma
avaliação e interpretação da existência em termos puramente cristãos. fez do
sofrimento uma maneira de negar a existência, ao mesmo tempo, que
transformou o sofrimento em algo que a justificasse.
42
o hibris es un concepto griego que puede traducirse como ‘desmesura’ y que en la actualidad alude a un
orgullo o confianza en sí mismo muy exagerada, especialmente cuando se ostenta poder. La concepción
“O sofrimento foi utilizado como um meio para provar a injustiça da
existência, mas ao mesmo tempo como um meio para encontrar-lhe uma
justificação superior e divina. (Ela é culpada visto que sofre; mas porque
sofre, ela expia e é redimida.) A existência como desmedida, a existência
como hybris e como crime, esta é a maneira como já os gregos a
interpretavam e avaliavam. A imagem titânica (‘a necessidade do crime se
impõe ao indivíduo titânico’) é, historicamente, o primeiro sentido que se
atribui à existência” (1976, p. 16). [[NC, 9,onde coloca a necessidade titânica
do crime e da desmedida em Dioniso, que, titânico, não conhece a má cs cristã,
calcada na falta e na responsabilidade
Gaia Ciência; 5, 357 conferir ver expiação, Piglia acho, ou não é Artaud num
sentido negativo coloca van gogh
Numa digressão, se debatendo o que seria alemão no aforisma 357 da quinta parte d’A
Gaia Ciência, Nietzsche (2014, p. 149; tb p. 202 OP) aponta que Platão considera a
loucura das formas como testemunho da alma grega e de sua permanência e
transcendência. Então se põe a criticar a filosofia alemã em quatro níveis.
Leibniz reconhece que a consciência é um atributo aleatório e um acidente da
representação e não sua essência necessária, uma vez que o que se chama de consciência
em filosofia não é mais que a condição - talvez doentia, assinala o filósofo do martelo –
de nosso mundo moral e intelectual. A consciência é o que condiciona a moral e os saberes
dados. A consciência não é aquilo que está na base nosso mundo espiritual e psíquico,
é na verdade um estado desse nosso mundo. Acreditamos então que nosso mundo interior
é mais oculto, rico e amplo com isso.
Leibniz, quien tenía razón al afirmar no sólo contra Descartes, sino contra todo
lo que se había filosofado hasta él, que la conciencia no es más que un
accidente de la representación, no su atributo necesario y esencial y que, en
consecuencia, lo que llamamos conciencia, lejos de ser nuestro mundo
espiritual y psíquico, no constituye más que un estado de éste (tal vez un estado
de enfermedad).
Kant tenta definir a causalidade, mas só a inscreve no interior do reino onde ela tem
sentido. O que é inteligível e se deixa conhecer por casualidade tem menor valor na
filosofia transcendental kantiana. Em Hegel, os conceitos advêm um do outro, sua noção
de desenvolvimento é necessária para que haja Darwin. Atribuímos ao vir a ser, ao
de la hibris como falta determina la moral griega como una moral de la mesura, la moderación y la
sobriedad, obedeciendo al proverbio pan metron, que significa literalmente ‘la medida en todas las cosas’,
o mejor aún ‘nunca demasiado’ o ‘siempre bastante’. El hombre debe seguir siendo consciente de su lugar
en el universo, es decir, a la vez de su posición social en una sociedad jerarquizada y de su mortalidad ante
los inmortales dioses.
Heródoto lo expresa de la siguiente manera: Puedes observar cómo la divinidad fulmina con sus rayos a
los seres que sobresalen demasiado, sin permitir que se jacten de su condición; en cambio, los pequeños
no despiertan sus iras. Puedes observar también cómo siempre lanza sus dardos desde el cielo contra los
mayores edificios y los árboles más altos, pues la divinidad tiende a abatir todo lo que descuella en demasí.
(Heródoto, Historia viii.10).
desenvolvimento um sentido mais profundo e um valor mais rico que o que é, atando a
arché ao telos. E por fim, Schopenhauer.
Eles fazem da existência algo de criminoso, portanto culpável, mas não ainda
algo de faltoso e responsável. Mesmo os Titãs ainda não conhecem a incrível
invenção semítica e cristã, a má consciência, a falta e a responsabilidade.
Desde a Origem da Tragédia Nietzsche opõe o crime titânico e prometéico
ao pecado original. P. 17
Eles consideram a existência culpada, mas não inventaram ainda o
refinamento que consiste em julgá-la faltosa e responsável. Quando os gregos
falam da existência como criminosa e “hybrica”, pensam que os deuses
tornaram os homens loucos; a existência é culpada, mas são os deuses que
assumem a responsabilidade da falta. P. 18
Observamos duas posturas distintas frente ao contato com o sofrimento e a queda
inerentes à existência, se soma a expiação que a justifica. Por um lado, os gregos –
segundo a leitura que Nietzsche (1992) empreende n’O nascimento da tragédia – tomam
a existência como culpada, os deuses enlouqueceram os homens que vivem então no
sofrimento e na expiação buscando justificar sua vida. Por outro, a existência é tornada
responsável sob uma lógica cristã do pecado. Ambas as saídas são niilistas, mas a grega,
criminosa e “hybrica” não atinge o grau de ressentimento da falta e da responsabilidade
da versão cristã.
Como exemplificado nesta passagem da Genealogia da moral em que Nietzsche (2009,
p. 35-6) pondera que
Deleuze (p. 18) agrupa as cinco teses do Nascimento da Tragédia que Nietzsche (1992)
abandona ou transforma:
Para alocar o ser fora do devir separamos a força do que ela pode, resumindo-a à nossa
vontade como força “merecedora” e como força “culpada” quando ela se manifesta,
enquanto força que é, nas coisas. Assim, nesse investimento ressentido, desdobramos a
vontade em prol de um sujeito neutro capaz de agir e de se conter.
Não há agente (como sujeito transcendental) da ação, somente força da ação que é
impessoal. (Marton) como aponta Nietzsche (2009, p. 14) no aforisma 13 da Genealogia
da moral,
Exigir da força que não se expresse como força, que não seja um querer-
dominar, um querer-vencer, um querer-subjugar, uma sede de inimigos,
resistências e triunfos, é tão absurdo quanto exigir da fraqueza que se expresse
como força. Um quantum de força equivale a um mesmo quantum de
impulso, vontade, atividade - melhor, nada mais é senão este mesmo
impulso, este mesmo querer e atuar, e apenas sob a sedução da linguagem
(e dos erros fundamentais da razão que nela se petrificaram), a qual entende ou
mal-entende que todo atuar é determinado por um atuante, um "sujeito", é
que pode parecer diferente. Pois assim como o povo distingue o corisco do
clarão, tomando este como ação, operação de um sujeito de nome corisco, do
mesmo modo a moral do povo discrimina entre a força e as expressões da força,
como se por trás do forte houvesse um substrato indiferente que fosse livre
para expressar ou não a força. Mas não existe um tal substrato; não existe "ser"
por trás do fazer, do atuar, do devir; "o agente" é uma ficção acrescentada à
ação - a ação é tudo. O povo duplica a ação, na verdade; quando vê o corisco
relampejar, isto é a ação da ação: põe o mesmo acontecimento como causa e
depois como seu efeito. Os cientistas não fazem outra coisa, quando dizem que
"a força movimenta, a força origina", e assim por diante - toda a nossa ciência
se encontra sob a sedução da linguagem, não obstante seu sangue-frio, sua
indiferença aos afetos, e ainda se livrou dos falsos filhos que lhe empurraram,
os "sujeitos" (o átomo, por exemplo, é uma dessas falsas crias, e também a
"coisa em si" kantiana) não é de espantar que os afetos entranhados que
ardem ocultos, ódio e vingança, tirem proveito dessa crença, e no fundo não
sustentem com fervor maior outra crença senão a de que o forte é livre para
ser fraco, e a ave de rapina livre para ser ovelha - assim adquirem o direito de
imputar à ave de rapina o fato de ser o que é... (...) Por um instinto de auto-
conservação, de autoafirmação, no qual cada mentira costuma purificar-se,
essa espécie de homem necessita crer no "sujeito" indiferente e livre para
escolher. O sujeito (ou, falando de modo mais popular, a alma) foi até o
momento o mais sólido artigo de fé sobre a terra, talvez por haver possibilitado
à grande maioria dos mortais, aos fracos e oprimidos de toda espécie, enganar
a si mesmos com a sublime falácia de interpretar a fraqueza como
liberdade, e o seu ser-assim como mérito.
Diante dessa ilusão das superfícies, acabamos por solapar a potência irrefutável das
forças para nos atermos às formas que se relacionam numa superfície – que o alemão
insiste em chamar de linguagem, mas que nós encontramos na superfície objetiva dos
sentidos e saberes. Substituímos a interpretação das forças pela depreciação, que é feita
maneira de interpretar e avaliar.
“Uma interpretação entre outras naufragou, mas como ela era considerada como única
interpretação possível, parece que a existência não tem mais sentido, que tudo é vão” nit
apud Deleuze, p. 19
43
“Que o culto de uma natureza fundada em razão e constituindo uma espécie de religião natural.não
seja em todo caso um repúdio, ma~ uma perpetuação do espírito .religioso, é o que Hume havia dito desde
1751 nos Diálogos sobre a religião natural, que afirmam a equivalência entre o cristianismo e o deísmo”
(ROSSET, 1988, p. 176)
Contra a ideia da dualidade dos mundos e contra o próprio ser, Heráclito faz do devir
uma afirmação. Isto significa que existe apenas o devir e que tudo o que existe é devir,
existe em devir, no seu constante vir a ser, na perpétua transformação do seu tornar-se. o
devir afirma o ser e o ser se afirma no devir.
O filósofo francês encontra em Heráclito dois princípios fundamentais inseparáveis: um
pensamento trabalhador que preza que o ser não é, está em devir; e um pensamento
contemplativo no qual o ser, ou o que é, é o próprio ser do devir.
Só há, pois, o devir e o múltiplo, que
Tornar a vir é o ser do que devém. Tornar a vir é o ser do próprio devir, o ser
que se afirma no devir. O eterno retorno como lei do devir, como justiça e
como ser.
A justiça é o ser do mundo, materializado no eterno retorno como lei do devir.
Isto quer dizer que ora o jogador renuncia provisoriamente à vida, ora fixa
seu olhar nela; que ora o artista coloca-se inteiro na obra, ora acima dela;
que ora a criança joga, ora o renuncia, para em seguida retornar a ele. Trata-
se de Aiôn, o ser do devir jogando o jogo do devir consigo mesmo.
[[]] [tese]
De um lado, a hybris pressupõe separações e assujeitamentos essenciais, por outro, a vida
se desenlaça em inocência e jogo, como políticas desterritorializadas e nômades de
subjetivação.
O primeiro tempo é o do abandono, da desmedida [ver pathos]], do arrebatamento.
Ali, o jogador se abandona à vida e nela fixa o olhar por um momento; por um momento,
o artista se coloca por interior na obra e temporariamente acima dela; assim como a
criança joga para abandonar seu jogo e depois, em seguida, ainda a ele tornar.
O segundo tempo, de afirmação do ser do devir, que é o eterno retorno configurado
como um retornar irredutível e inassimilável, diferente, portanto do ir configurado como
contemplação, mais que toda ação. Esse retornar e essa contemplação levam à cabo ao
terceiro tempo, uma vez que fazem voltar o próprio ir do trajeto existencial – restabelece
a superfície onde a existência navega – e o momento da ação e da produção subjetivas
e se desenlaça como ciclo de tempo.
À existência concebida como hybris, desmedida e soberba, se opõe o instinto de jogo.
Rosset (1988, p. 99) pondera que o acaso dissolve a noção de natureza (assim como as
correlatas de natureza ordenada e de fim natural) e coloca em questão a noção de ser. Ele
efetua a perda da familiaridade ou pior, no melhor sentido que lhe atribui Freud
(1919/2010), transforma-a no desconhecido por excelência, no ápice da estranheza.
O trágico não é nada diferente que o acaso enquanto instância constituinte que
compreende todos os acasos acontecimentais. Trata-se, segundo a concepção de Rosset
(1988, p. 121) do
Pathos:
Nada é mais exemplar que a troca de cartas entre Jacques Rivière e Antonin
Artaud. Rivière mantém a imagem de uma função pensante autônoma, dotada
de uma natureza e de uma vontade de direito. Sem dúvida, temos de fato as
maiores dificuldades para pensar: falta de método, de técnica, de aplicação e
até mesmo falta de saúde. Mas estas dificuldades são felizes: não só porque
impedem que a natureza do pensamento devore nossa própria natureza, não só
porque colocam o pensamento em relação com obstáculos que são "fatos", sem
os quais ele não chegaria a orientar-se, mas também porque nossos esforços
para ultrapassá-los permitem-nos manter um ideal do eu no pensamento puro,
como um "grau superior de identidade conosco mesmos", através de todas as
variações, diferenças e desigualdades que não param de nos afetar de fato
(DELEUZE, 2002, p. 145).
Ética trágica:
Parcialidades
Zaratustra em Da redenção,
meus olhos fogem do presente para o passado, sempre encontram o mesmo:
fragmentos, membros, e casos espantosos... mas homens, não! O presente e
o passado sobre a terra... ai, meus amigos, eis para mim o mais insuportável; e
eu não viveria se não fosse um visionário daquilo que há de vir.
Trata-se de uma clínica trágica, segundo uma perspectiva apoiada em Foucault (1979),
que toma a psicanálise sob um viés elogioso à medida em que encontra a loucura na
linguagem e busca, de algum modo, dar voz à linguagem da loucura. Rosset (1988, p.
30) parece encontrar, não obstante, “o postulado de base que é o fundamento comum à
psicanálise e à filosofia trágica: que o trágico falado é preferível ao trágico silencioso”.
De acordo com este, o trágico falado é o único postulado do pensamento trágico. De fato,
o trágico falado faz uma espécie retorno à superfície, um retorno que difere de modo
irrefreável do ir. Este retorno desvia da ida, não restitui o sentido primeiro, original – não
se esquece que se adoeceu – visto que é um retorno à dimensão da superfície, uma
reconquista da superfície.
Anti-humanismo
Acaso:
Vitalismo:
A contradição entre figuras como Dionísio e Apolo tal como invocadas por
Nietzsche em sua análise da tragédia é antes força instauradora do que
premissa silogística: “é uma contradição em que os opostos são mantidos em
sua oposição antes do que mutuamente cancelados, e é uma contradição que
não é meramente desdita ao ser dita, mas que se deixa falar do âmago das
coisas” (Sallis, 1991, p. 57). Não que tal contradição não possa ser pensada.
Mas ao ser pensada, ela atravessa o pensamento constituindo-o –
subjetivizando-o – nos sujeitos e além dos sujeitos que supostamente o
refletiriam.
um acolhimento em si de partes antagônicas, ao mesmo tempo liberadas num gesto que,
para um Hölderlin, é por excelência o religioso (Courtine, J.-F. (2000). Of tragic
metaphor. In M. de Beistegui & S. Sparks (Org.), Philosophy and tragedy (pp. 59-77).
London: Routledge.
Ao seguir a “própria natureza” (ihrer Natur), os homens dela “se elevam” (erheben),
atingindo uma relação ao mesmo tempo “diversa” ou “variada” (mannigfaltig) e “íntima”
(innig) com o mundo (Hölderlin, 1961, 275). Trazer À luz algo já sabido de moo
implícito, aquilo que de imortal já consitui oshomens em sua finitude (saber proibido?)
Sustentar a visão mesmo perante a cegueira constitutiva, que é uma relaçao viva com o
meio. Onde se contata com o próprio deus sem excçuir a possibilidade de uma divindade
comum.
A tragédia, aniquilação, peste, castigo são operadores de modos de subjetivação, que não
é o que é transparente, consciente e autônomo, mas o desmesurado e excessivo que
atravessa o sujeito.
Pode-se dizer que Édipo reata com o que Nietzsche denomina de “potência
plástica” (plastische Kraft), uma capacidade de moldar e assimilar tudo o que
se quebra no desenvolvimento de um caráter próprio. O apego ao passado de
Édipo é como uma espécie de esquecimento e entrega ao que há de a-histórico
na história (Nietzsche, 1972, p. 246-50). NT
Trágico e Tempo desregrado
Rosset (1988, p. 100)
O a-histórico não é objetividade e não coincide com o desinteresse tampouco, ele é uma
estrutura estética de uma atmosfera de ilusão reverente. Este a=histórico é a condensação
que torna possível uma forma específica de existencia em sua singularidade. O caráter de
algo eterno e estável em significado. Numa “abordagem benjaminiana, pode-se dizer que
o herói submete
Superfície:
a doença não é um móbil para o sujeito pensante, mas também não é um objeto
para o pensamento. Constitui de preferência uma intersubjetividade secreta
no seio do próprio indivíduo. Esta mesma mobilidade é uma saúde superior,
este deslocamento, esta ligeireza no deslocamento é um sinal da “grande
saúde”. “Por vezes a própria loucura é uma máscara que esconde um saber fatal
e demasiado seguro” (DELEUZE, 1994, p. 12-3)
Deleuze (1994) sinaliza que a doença está na obra nietzschiana e que a crise de Turim
marca o momento em que a paralisia geral interrompe a obra, tornando sua continuação
impossível. 1890 marca o momento em que a doença sai da obra e configura uma parada
na trajetória. Os Fragmentos Póstumos e as últimas cartas sinalizam essa parada do
processo, a ruptura da grande saúde que tornara a obra possível. A doença de fato,
coincide com o fim (finalidade, objetivo e final) da obra.
Trágico como crivo
Ideia vem de Machado (2005; 2007), Ver também verdade- ficção DreyRab p. 223 piglia
124
Experiência trágica serve como crivo, não como apologia, nostalgia, etc ver:
Não se trata aqui de estabelecer uma hierarquia, nem de mostrar que a era
clássica foi uma regressão com referência ao século XVI no conhecimento que
teve da loucura. Como veremos, os textos médicos dos séculos XVII e XVIII
seriam suficientes para provar o contrário. Trata-se apenas, isolando as
cronologias e as sucessões históricas de toda perspectiva de "progresso",
restituindo à história da experiência um movimento que nada toma emprestado
do conhecimento ou da ortogênese do saber — trata-se de deixar aparecer o
desenho e as estruturas dessa experiência da loucura, tal como o
Classicismo realmente a sentiu. Esta experiência não é nem um progresso,
nem um atraso em relação a alguma outra. (1979, p. 139pdf)
Situação ambígua, porém significativa do embaraço então existente, e que é
testemunho de novas formas de experiência que estão surgindo. Para
compreendê-las, é necessário justamente libertar-se de todos os temas do
progresso, daquilo que eles implicam de visão perspética e de teleologia
(465pdf).
Não olhar para trás com o olhar de agora, não buscar uma linha evolutiva desde hoje ou
de nosso tempo para trás, para justificar e compreender o passado.
Porém esse recurso a uma experiência originária da loucura – presente no livro e mais
acentuadamente no prefácio suprimido – é criticada e revista em Arqueologia do saber,
onde Foucault (1986, p. 53) pondera que em sua tese
não se trata de interpretar o discurso para fazer através dele uma história do
referente. No exemplo escolhido, não se procura saber quem era louco em tal
época, em que consistia sua loucura, nem se suas perturbações eram idênticas
às que nos são, hoje, familiares. (...) Não se procura reconstituir o que podia
ser a própria loucura, tal como se apresentaria inicialmente em alguma
experiência primitiva, fundamental, surda, apenas articulada, e tal como teria
sido organizada em seguida (traduzida, deformada, deturpada, reprimida
talvez) pelos discursos e pelo jogo oblíquo, frequentemente retorcido, de suas
operações. (...) Isso, no entanto, não elimina a hipótese de uma loucura
originária ou de uma experiência fundamental da loucura, que está na base
de toda a argumentação do livro e sem o que ela não pode ser inteiramente
compreendida.
Aliás, essa experiência originária da loucura, é o que mais aproxima a perspectiva
foucaultiana da filosofia de Nietzsche (1992), segundo Machado (2007, p. 53), em
especial em O nascimento da tragédia. Nesta obra, o filósofo alemão critica a
modernidade ocidental como irrefreado impulso racionalizante, pela sede de instaurar
regimes de verdade e cientificidade absolutos contra os quais somente um renascimento
do trágico, na filosofia e nas artes modernas podem fazer frente. Segundo Foucault
(1961/1999), a estrutura trágica sob a qual se desenrola a história é, segundo Nietzsche,
o “recalque” da tragédia, seu esquecimento e recaimento. Sob esta experiência,
gravitam muitas outras que traçam, cada uma delas, por sua vez, um limite que significa
uma divisão originária.
Nesta obra, o filósofo alemão busca ainda em Schopenhauer e Wagner –
posteriormente por ele detratados – aliados para a retomada da experiência trágica por
meio e através da arte como forma de experienciação da dimensão terrível, obscura e
cruel da vida que é capaz de intensificar a alegria do viver. Esta dimensão eclipsada
pelo “socratismo estético” que subordina a criação – estética, mas podemos dizer também
subjetiva – à limitação da compreensão racional.
De um lado, a racionalização da tragédia, de uma forma de arte, de afetação e
de criação artísticas cruel e terrível, deslocado e profundo em sua ambiguidade; de
outro, a racionalização da loucura, de um modo de subjetivação insubordinado cujo
silenciamento é acobertado até ser definido como doença mental. O confronto com a
experiência trágica almeja retomar essa linha de objetivação e interpelar as condições de
possibilidade de tal objetivação.
Foucault (1961/1999p. 143) ressalta que “é preciso, enfim, e em primeiro lugar,
falar da experiência da loucura” e por isso História da Loucura se torna, sob a luz
nietzschiana, o confronto das dialéticas da história com as estruturas imóveis do trágico.
Confronto que se esquiva da armadilha de reiterar o silenciamento da loucura. Uma vez
falando da loucura sob o referencial trágico evitamos o monólogo da razão colocado em
jogo com racionalismo lógico clássico e com a ordem psiquiátrica moderna. Por isso, se
a
Crivo:
desconsideram
Olhar para o passado com o olhar direcionado a encontrar os caminhos com os
quais chegamos onde nos encontramos é típico da perspectiva evolutiva moderna que
recorre ao passado unicamente para buscar as formas e raízes do que se pressupõe como
o acerto presente (FOUCAULT, 1975).
VER:
As origens do pensamento grego (2002). Livro divido em: Quadro histórico; A realeza
micênica; A crise da soberania; O universo espiritual da polis; A crise da cidade, os
primeiros sábios; A organização do cosmos humano; Cosmogonias e mitos de soberania;
A nova imagem do mundo.
----- ---
Deleuze (1976, p. 8-9) vê que o alemão opõe o trágico à dialética e ao olhar cristão.
Ambos é que colocam a tragedia a serviço das forças niilistas.
A tragédia morre, conforme Nietzsche, pelo menos de três maneiras:
primeiramente, diante da dialética socrática, trata-se da morte euripideana;
uma segunda vez, através do cristianismo; e, finalmente, via conjugação
dialética moderna e através de Wagner em pessoa
Tragedia X dialética
A dialética se opõe à tragédia como
a negação, a oposição e a contradição.
De acordo com Japiassu e Marcondes (2006, p. 101) hybris é o “nome que designa, em
grego, toda espécie de desmedida, de exagero ou de excesso no comportamento de uma
pessoa: orgulho, insolência. arrebatamento etc. Bastante empregado na filosofia
moral, esse termo se opõe a medida, equilíbrio”. Soberba. Ou ainda, "Hubris". Palavra
grega que significa "vaidade" - não vaidade espiritual nem, na verdade, qualquer defeito
moral, mas antes uma sensação de vanglória e de despreocupada insolência,
"desafiando a Providência". O castigo para isto era dado por Nêmesis, deusa da vingança.
o devir é uma injustiça (adikia) e a pluralidade das coisas que vêm à existência
é uma soma de injustiças; (Deleuze, 1976)
2
Segundo tempo: afirmar o ser do devir. Que é a liberdade não objetivável intrínseca a nós
mesmos.
VER:
Verdade
Verdade e veridição
Verdade necessária
VER:
Vida
Los sistemas vivos son sistemas determinados por una estructura. Como
tales no admiten interacciones instructivas, y todo lo que ocurre en ellos ocurre
como un cambio estructural determinado en todo momento en su
estructura, ya sea en el curso de su propia dinámica interna o impulsado
pero no especificado por las circunstancias de sus interacciones. En otras
palabras, nada externo a un sistema vivo puede especifican lo que ocurre en él
y, puesto que el observador es un sistema vivo, nada externo al observador
puede especificar en él lo que ocurre en él (MATURANA, 1994, p. 159).
“a vida não senão um gênero, uma variedade da morte, e uma variedade bastante
rara” (NIETZSCHE, 2014, p. 74) e Rosset (1988a, p. 14)
A morte é uma realidade tão estranha e indiferente quanto exterior à vida (cf.
FOUCAULT, 1986)
A vida é definida segundo seu poder de errância em Canguilhem (2012), ela não pode
ser consensual, não há consenso objetivo e daí surge o tema dos modos de vida,
articulados sobre a multiplicidade e da diferença em Deleuze com a criação de um plano
de imanência (ver biblioteca imanência – o estudo guiado ou o q?).
Mesmo o pensamento que se opõe à vida nasce da vida, é nela que a razão encontra suas
condições e seus fundamentos necessários – pathos e sensações: o pensamento vem do
corpo. A vida é a fruição desordenada do devir, frente à racionalidade tenta
obstinadamente impor uma ordem de salvaguarda e estancamento dos fluxos produzindo
um modo de vida decadente marcado pela imergência, retração e ressentimento da logica
de rebanho.
Em Sabedoria para depois de amanhã aparece a frase lapidar: “como surge a arte? Como
remédio do conhecimento” (NIETZSCHE, 2005c, p.13).
Assim, o pensamento se embriaga de arte para retomar a potência dionisíaca no
turbilhão das forças de constituição e transformação do mundo.
“o prazer por si pode perfeitamente assumir uma forma cultural, como o prazer
pela música. E deve-se compreender que trata-se, nesse caso, de alguma coisa
muito diferente do que considera-se interesse ou egoísmo. Seria interessante
verificar como, no século XVIII e XIX, toda uma moral do “interesse” foi
proposta e inculcada na classe burguesa – por oposição, sem dúvida a todas as
artes de si mesmo que poder-se-iam encontrar nos meios artístico-críticos; a
vida “artista”, “o dandismo”, constituíam outras estéticas da existência
opostas às técnicas de si que eram características da cultura burguesa”.
(FOUCAULT, 1994, vol. IV, pág. 629) em 1984/2014a diluir citação
O pensamento, assim como o acontecimento e a experiência vem em bloco. E o que
pensa não é o pensamento, mas o corpo. O trágico é o sentido da terra e da carne.
Tudo aquilo que entra na consciência é o último elo de uma corrente, um fim.
Que um pensamento fosse a causa imediata de outro pensamento é apenas uma
aparência. O acontecimento realmente conectado se dá por baixo de nossa
consciência: as séries e sucessões de sentimentos, pensamento etc. que
aparecem são sintomas do verdadeiro acontecimento! Sob todo pensamento
esconde-se um afeto. Nenhum pensamento, nenhum sentimento, nenhuma
vontade nasce de um único impulso determinado, mas é um estado total, uma
superfície completa de toda consciência e resulta de uma constatação
momentânea de poder de todos os impulsos que nos constituem – portanto, do
impulso atualmente dominante, bem como dos que lhe obedecem ou se opõem
a ele. O próximo pensamento é um sinal de como toda situação de poder se
deslocou nesse ínterim (NIETZSCHE, 2005c, p.217).
Moura (2005) em Nietzsche: Civilização e Cultura aponta que
Em Sabedoria para depois de amanhã, Nietzsche (2005c, p.263) recorre a Heráclito para
conceber o pensamento trágico ao afirmar que “o sentido do devir precisa ser cumprido,
alcançado e completado a todo instante”. É necessário reiterar este processo a todo
instante porque em realidade ele nunca é de fato “cumprido”, “alcançado” ou
“completado”. Esta incompletude, este inacabamento é o que liga e associa o
pensamento trágico ao devir da existência. Seu caráter contingencial o faz pensar na
ausência de fundamento e assumir o devir que abre e libera ao infinito todas as
possibilidades de interpretação de modo a reavaliar o mundo fazendo com que o próprio
Nietzsche (2005c, p.223-24) pondere em outro lugar
que o valor do mundo está na nossa interpretação (que talvez em algum lugar
também sejam possíveis interpretações diferentes daquelas meramente
humanas); que as interpretações existentes até agora são avaliações de
perspectiva, em virtude das quais nos conservamos na vida, ou seja, na vontade
de poder, de crescimento do poder; que toda elevação do homem traz consigo
a superação de interpretações estreitas, que todo fortalecimento alcançado e
toda ampliação de poder abre novas perspectivas e acredita em novos
horizontes: tudo isso passa por meus escritos. O mundo que nos importa em
certa medida é falso, ou seja, não é um estado de coisas, mas o resultado da
invenção e do arredondamento de uma escassa soma de observações; ele se
encontra “no fluxo” como algo que se transforma, como uma falsidade que
está sempre se deslocando, que nunca se aproxima da verdade: pois não existe
“verdade” alguma.
Esta ausência de verdade fundamental ou essencial – seja enquanto correspondência entre
o signo, a representação e o elemento real (para o pensamento clássico), seja enquanto
depuração da lógica da natureza das coisas (para a modernidade) – é o que faz o
pensamento trágico flutuar no perspectivismo.
O perspectivismo não se confunde com a verdade relativa extraída ou presumida
desde um ponto de vista particular. Não é relativismo preocupado em instalar,
salvaguardar ou defender a verdade desde certo arranjo de condições, desde certo estado
de coisas. O perspectivismo não corresponde a uma mirada simpática, que instrui o
observador a se colocar no mesmo lugar do que é observado. Sabe-se que não há medida
comum que possa ser entreposta entre duas experiências qualitativamente distintas seja
para sobrepô-las, seja para emparelha-las.
Com efeito, o perspectivismo não busca outra coisa que a incerteza da verdade
enquanto devir. Verdade dos processos de criação, verdade da arte, do corpo e da
perspectiva, que não se apoia na ordem do mesmo nem em nenhuma fixidez, mas na
própria transitoriedade da existência entendida como atualização interpretativa e
avaliadora dos regimes de força. Trata-se de uma verdade voltada para a empatia, que
corresponde aos modos de se construir colateralmente com o próprio regime de
constituição intensiva.
Sendo assim, a verdade não é algo que estaria aí e que poderia ser encontrada
e descoberta, mas algo que deve ser criado e que nomeia um processo, mais
ainda, uma vontade de dominação, que em si não tem fim: infundir a verdade
como um processus in infinitum, como uma determinação ativa, não como
uma conscientização de algo, que “em si” seria fixa e determinada. Trata-se de
uma palavra para a “vontade de potência” (NIETZSCHE, 2005c, p.243).
Ver Marton nessa vontade de dominação
O pensamento trágico é aquele que Zaratustra ouve da criança que vive a
espontaneidade de seus impulsos no jogo de forças em curso no momento, aquém das
distinções, das regras e modelos culturalmente forjados e estabelecidos. “Os pensamentos
são forças” (NIETZSCHE, 2005c, p.181) e obedecem à necessidade e ao acaso em seu
agir próprio, ignorando as pretensões a universalidade e ao todo, contente com a
multiplicidade das possibilidades. Sua luta é contra todo espírito de vingança
materializado na má consciência e no ressentimento fundamentos da metafísica socrática,
cristã e moderna. Sua constatação, é a impossibilidade do conhecer objetivo
Contra o entrelaçamento arraigado de moral e conhecimento, a transvaloração
de todos os valores se associa com à “metafísica de artista” (GC ou NT??).
A vida que acontece neste universo de fogo onde tudo muda o tempo todo –
seguindo um entendimento de mundo que emana desde Heráclito (2005) – não segue o
bom senso e o senso comum – complemento um do outro, segundo Machado (2009, p.
136) – pois tampouco o universo obedece estritamente aos princípios lógicos em seus
processos ígneos. Bom senso, senso comum e o princípio de não-contradição são apenas
uma parte menos importante do pensamento ontológico visto que eles operam por uma
redução do conhecimento a partir das coisas e dos fatos.
[tese sentido160]
“o aspecto geral da vida não é a necessidade, a fome, mas antes a riqueza, a exuberância,
até mesmo o absurdo esbanjamento — quando se luta, luta-se pelo poder... Não se deve
confundir Malthus com a natureza” (NIETZSCHE, 2006, p. 44)
Ética de afirmação da vida: “Todo naturalismo na moral, ou seja, toda moral sadia, é
dominado por um instinto da vida” (NIETZSCHE, 2006, p. 23-4)
Uma arque-história do mecanicismo pode ser encontrada naquilo que Foucault (2000, p.
417) entende como insuficiente para definir a era clássica, pois
Vitalismo X mecaniscismo
A morte é aquilo à que a vida se opõe e se expõe no vitalismo de Bichat
(FOUCAULT, 2011, p. 160)
Viver é escolher
LS: 95 final
106 fim
111 sentido constpira À vida, mesmo na doença
151 toda a prop do acto e a da porcelana 160
176 começo
215
a confusao que vimos precedentemente entre as duas figuras da morte:
ponto central de obscuridade que nao cessa de c?locar .0 problema das rela~oes do
pensa,,:,"e~~ com a esqwzofre~la e a depressao, com a Spaltung pSlcohca em geral e
ta,mbem a castrac;;ao neurotica, "pais teda vida, bern entendl~O, e
urn processo de demoli~ao", inclusive a vida especulativa. 230
E o sujeito deste novo discurso, mas não há mais sujeito, não é o homem ou
Deus, muito menos o homem no lugar de Deus. É esta singularidade livre,
anônima e nômade que percorre tanto os homens, as plantas e os animais
independentemente das matérias de sua individuação e das formas de sua
personalidade: super-homem não quer dizer outra coisa, o tipo superior de
tudo aquilo que é. Estranho discurso que devia renovar a filosofia e que trata o
sentido, enfim, não como predicado, como propriedade, mas como
acontecimento (DELEUZE, 2000, p. 110).
As singularidades pulsam no próprio campo transcendental que é o da vida,
anterior, condicionante e ao mesmo tempo indiferente em seu ser às atualizações que
possa ter no vivo. A alusão à singularidade livre, anônima e nômade que atravessa plantas,
homens e animais que pode ou não efetuar-se em devir-planta ou em devir-cavalo (MP??)
enaltece que a vida como singularidade que não se reduz ao indivíduo ou ao homem.
Virtual
Virtual e caos
Em Guattari (1992), o caos é matéria de virtualidade com capacidade de
determinação infinita, de modo que, ao (nos) voltarmos ao caos em sua dimensão
psicótica e pática podemos complexificar o dado, o estado de coisas.
Zaratustra
Esgotado
Micróbio de deus artaud?
Problema: como a loucura pode ir além dela mesma.
Objeto: loucura
dois conceitos: poder profundidade X fora, superfície e potencia do criar