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INTRODUÇÃO
A constante correlação entre as informações obtidas por anamnese e
exame físico meticuloso conduz, invariavelmente, à elaboração de hi-
póteses diagnosticas, tornando o dia a dia da prática médica, um exer-
cício mental dos mais estimulantes. Dessa forma, a rotina clínica diá-
ria é essencialmente uma atividade que depende da habilidade e do
raciocínio, sendo, cada diagnóstico, um desafio, um problema que precisa
ser solucionado. A semiologia é a parte da medicina que estuda os
métodos de exame clínico, pesquisa os sintomas e os interpreta, reu-
nindo, dessa forma, os elementos necessários para construir o diagnóstico
e presumir a evolução da enfermidade. A palavra semiologia provém
do grego semeion: que quer dizer sintomas/sinais e logos: que significa
ciência/estudo.
SUBDIVISÃO DA SEMIOLOGIA
A semiotécnica pode, ainda, ser subdividida da seguinte forma:
Semiotécnica. É a utilização, por parte do examinador, de todos os
recursos disponíveis para se examinar o paciente enfermo, desde a
2 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
• Não existem sintomas em medicina veteri- mente, a prejuízos de outras funções do organis-
nária, tendo em vista que os animais não ex- mo (neoplasia mamaria com posterior metástase
pressam verbalmente o que sentem. Para os para pulmões). Já, os sintomas principais, forne-
seguidores dessa corrente, todas as manifes- cem subsídios sobre o provável sistema orgânico
tações objetivadas pelo paciente e obtidas por envolvido (dispneia nas afecções pulmonares;
intermédio dos métodos de avaliação clínica alterações comportamentais por envolvimento do
são simplesmente sinais. sistema nervoso). Existem, ainda, os chamados
sintomas patognomônicos ou únicos, os quais só per-
Sem dúvida, esse tipo de discussão confun- tencem ou só representam uma determinada
de, sobremaneira, não só os alunos de graduação enfermidade. Em medicina veterinária, se exis-
como os colegas, visto que a maioria dos profis- tem, são extremamente raros. Um exemplo des-
sionais utiliza os termos sintoma e sinal como crito como clássico é a protrusão da terceira pál-
sinónimos na rotina prática, sem atender a qual- pebra em equinos, nos casos de tétano. Os sinto-
quer linha de pensamento anteriormente descri- mas podem ser classificados como:
ta. Uma padronização dos mais variados termos
médicos pelas diferentes escolas tornaria as vá- • Quanto à evolução:
rias denominações mais facilmente entendidas e - Iniciais: são os primeiros sintomas obser
aceitas. vados ou os sintomas reveladores da doença.
- Tardios: quando aparecem no período de
Glossário Semiologia) plena estabilização ou declínio da enfer
Saúde: "Estado do indivíduo cujas funções midade.
orgânicas, físicas e mentais se acham em situação - Residuais: quando se verifica uma aparente
normal". "Estado que é sadio ou são". recuperação do animal, como as mioclonias
que ocorrem em alguns casos de cinomose.
O correto e oportuno reconhecimento das
enfermidades com o objetivo de adotar as medi- • Quanto ao mecanismo de produção:
das adequadas de tratamento dependem da per- - Anatómicos: dizem respeito à alteração da
cepção dos sintomas. Nesse sentido, deve-se con- forma de um órgão ou tecido (espleno-
siderar as mais variadas facetas que apresentam, megalia, hepatomegalia).
sabendo que um único fator pode culminar no - Funcionais: estão relacionados com a alte
aparecimento de diferentes sintomas e, de forma ração na função dos órgãos (claudicação).
inversa, um determinado sintoma pode se mani- — Reflexos: são chamados, também, de sinto-
festar em decorrência das mais variadas causas. mas distantes, por serem originados longe
Diversos tipos de classificação de sintomas são da área em que o principal sintoma apare-
descritos na literatura, dentre os quais destacam- ce (sudorese em casos de cólicas, taquipnéia
se os sintomas locais, gerais, principais e, por fim, em caso de uremia, icterícia nas hepatites).
os sintomas patognomônicos.
Em 1819, Laennec publica a obraDe/aAusca/- mal. Os principais métodos de exploração física são:
tation Médiate, descrevendo o estetoscópio e as Inspeção, Palpação, Percussão, Ausculta e Olfação.
principais manifestações csteto-acústicas das Cada uma dessas técnicas pode ser aperfeiçoada
doenças do coração e dos pulmões. Por volta de se os três "Pês" do exame clínico forem obedecidos:
1839, Skoda oferece grande contribuição para o Paciência, Perseverança e Prática. Para atingir
progresso do método clínico, correlacionando os a competência nesses procedimentos, o estudante
dados de exame físico do tórax, principalmente deve ''''ensinar o olho a ver, as mãos a sentir, e o
os de percussão e de ausculta, com os achados ouvido a ouvir". Lembre-se: a capacidade de
de necropsia. coordenar todo esse aporte sensorial não é
Samuel von Basch, em 1880, Riva-Rocci, em congénita; é adquirida com o tempo e a prática
1896 e Korotkoff, em 1905, cada um com dife- à exaustão! É interessante que se faça um trei-
rentes contribuições, possibilitam a construção de namento intenso em animais normais e, poste-
esfigmomanômetros sensíveis e precisos c esta- riormente, em pacientes.
belecem as bases para a determinação da pressão O objetivo do exame físico é obter informações
arterial. válidas sobre a saúde do paciente. O examinador
Os registros médicos de Hipócrates e seus dis- deve ser capaz de identificar, analisar e sintetizar
cípulos criaram as bases do exame clínico ao va- o conhecimento acumulado em uma avaliação,
lorizar, principalmente, o relato organizado da antes de tudo, abrangente. Infelizmente, o em-
história clínica do paciente e dos seus respecti- prego de uma única técnica quase nunca é satis-
vos sintomas. Todas essas descobertas foram, pouco
fatório. É necessária, na maioria das vezes, uma
a pouco, aplicadas na medicina veterinária, com
somatória das mesmas, para que o clínico obte-
algumas modificações, na dependência da área
nha algumas informações que serão fundamen-
envolvida.
tais para que se tenha, com uma certa margem de
A medicina é, a um só tempo, arte e ciência. Como
segurança, o(s) possível(is) diagnóstico(s) da(s)
arte, seu êxito depende da habilidade e das técni-
enfermidade(s).
cas empregadas por aqueles que a ela se dedicam.
Como ciência, depende da aplicação dos conheci-
mentos científicos de diferentes ramos do saber
do homem. Por mais entusiasmo que se tenha com Inspeção
os modernos aparelhos ou equipamentos, a pedra "Comete-se mais erros por não olhar que por
angular da medicina ainda é o método físico. A ex- não saber."
periência tem mostrado que os recursos tecnoló-
gicos disponíveis só são aplicados em sua plenitu- Utilizando o sentido da visão, esse procedi-
de e com o máximo proveito para o paciente, quando mento de exame se inicia antes mesmo do início
se parte de um exame físico bem feito. A explora- da anamnese, sendo o método de exploração clí-
ção física é baseada, em grande parte, na utilização nica mais antigo e um dos mais importantes.(Pela
dos sentidos do explorador, ou seja, a visão, o tato, inspeção investiga-se a superfície corporal e as
a audição e o olfato, e tem por finalidade examinar partes mais acessíveis das cavidades em contato
metodicamente todo o animal, a fim de estabelecer com o exterior. Alguns conselhos devem ser lem-
o diagnóstico e, conseqúentemente, a cura do ani-
brados para a realização da inspeção:
• O exame deve ser feito em um lugar bem ilu- Panorâmica. Quando o animal é visualizado
minado, de preferência sob a luz solar. Toda como um todo (condição corporal).
via, em caso de iluminação artificial, utilize uma Localizada. Atentando-se para alterações em
luz de cor branca e de boa intensidade. uma determinada região do corpo (glândula ma-
• Observe o(s) animal(is), se possível, em seu maria, face, membros).
ambiente de origem, juntamente com os seus A inspeção pode, ainda, ser dividida em:
pares (família ou rebanho). Faça, inicialmente, Direta. A visão é o principal meio utilizado
uma observação a distância. As anormalida- pelo clínico. Nessas condições, observam-se prin-
des de postura e comportamento são mais cipalmente os pêlos, pele, mucosas, movimentos
facilmente perceptíveis. Compare o animal respiratórios, secreções, aumento de volume, ci-
doente com os animais sadios e terá um óti- catrizes, claudicações, entre outros. É denominada,
mo parâmetro. por alguns, de ectoscopia, já que se pratica sobre
• Não se precipite: não faça a contenção nem a superfície do corpo.
manuseie o animal antes de uma inspeção Indireta. Feita com o auxílio de aparelhos, tais
cuidadosa, já que a manipulação o deixará como:
estressado. Não tenha pressa!
• Limite-se a descrever o que está vendo. Não a) de iluminação: otoscópio, laringoscópio, oftal
se preocupe, nesse momento, com a interpre- moscópio (utilizados para examinar cavida
tação e a conclusão do caso. des do organismo);
b) de Raios X;
A técnica adequada para a realização da ins- c) microscópios;
peção exige mais que apenas uma simples olhadela. d) aparelhos de mensuração; ,
O examinador deve ser treinado a olhar para o e) de registros gráficos (eletrocardiograma);
corpo do animal de forma sistemática. Com fre- f) de ultra-sonografia.
quência, o examinador neófito tem pressa em usar
o seu oftalmoscópio, estetoscópio ou otoscópio,
antes de usar seus olhos para a inspeção. Na rea- Palpação
lidade, a inspeção talvez seja o método semiológico
mais fácil de ser realizado e o mais difícil de ser "O sentir é indispensável para se chegar ao
descrito de maneira precisa. saber."
Um exemplo do que significa "ensinar o olho António Damás/o
a ver" pode ser demonstrado na experiência
de autoria desconhecida, feita a seguir. Leia a A inspeção e a palpação são dois procedimentos
sentença: que quase sempre andam juntos, um completan-
do o outro: o que o olho vê, a mão afaga. É a utilização
"Finished files are the result of years of scientific do sentido táctil ou da força muscular, usando-se
study combined with the experience of years." as mãos, as pontas dos dedos, o punho, ou até ins-
trumentos, para melhor determinar as caracte-
rísticas de um sistema orgânico ou da área
Responda, sem voltar à sentença, quantas
letras F você contou. A resposta encontra-se na explorada. O sentido do tato fornece informações
nota de rodapé*. sobre estruturas superficiais ou profundas, como,
A observação do animal pode fornecer inú- por exemplo, o grau de oleosidade da pele de
meras informações úteis para o diagnóstico, tais pequenos animais e a avaliação de vísceras ou
como estado mental, postura e marcha, condi- órgãos genitais internos de grandes animais, pela
ção física ou corporal, estado dos pêlos e pele, palpação abdominal e transretal, respectivamente.
forma abdominal, entre outras, que serão abor- Essa última abordagem é denominada palpação
dadas no capítulo de exame físico geral. A ins- por tato ou palpação cega. Nesse caso, o clínico
peção pode ser: tem nas mãos e nos dedos, é bem verdade, os seus
olhos. Para isso, entretanto, é necessário ter em
mente as características da(s) estrutura(s) e sua
Existem seis letras F na sentença citada. A maioria localização dentro da cavidade explorada. É como
dos indivíduos conta apenas três. Não se deve se, de repente, apagassem as luzes na sua casa e
esquecer os "F" dos três "o/'. você desejasse encontrar um objeto, que deve estar
Introdução à Semiologia 9
localizado em um determinado lugar. Fica fácil truturas de maior tamanho (rúmen, abomaso)
encontrá-lo nessa situação, pois é bem provável e para denotar, também, aumento de sensi-
que você conheça "mentalmente" o objeto que bilidade na cavidade abdominal.
deseja e que saiba a disposição da mobília e o local 7. Vltropressão é realizada com a ajuda de uma
onde esse objeto se encontra, em virtude do pré- lâmina de vidro que é comprimida contra a
vio conhecimento da sua residência. No entanto, pele, analisando-se a área por meio da pró
imagine-se em um lugar que você não conhece, pria lâmina. Sua principal aplicação é permi
à procura de um objeto que nunca viu. É quase tir a distinção entre eritema e púrpura (o erite-
impossível, a princípio, ter êxito nessas circuns- ma desaparece e a púrpura não se altera com
tâncias. Já a força muscular ou de pressão é uti- a vitro ou dígito-pressão).
lizada para avaliar estruturas que estejam locali- 8. Para pesquisa de flutuação, aplica-se -àpalma
zadas mais profundamente ou quando se deseja da mão sobre um lado da tumefação, enquanto
verificar uma resposta dolorosa. Pela palpação, per- a mão oposta, exerce sucessivas compressões
cebem-se modificações da textura, espessura, con- perpendiculares à superfície cutânea. Havendo
sistência, sensibilidade, temperatura, volume, du- líquido, a pressão determina um leve rechaço
reza, além da percepção de frémitos, flutuação, do dedo da mão esquerda, ao que se deno
elasticidade, edema e outros fenómenos. Quan- mina flutuação.
do se utiliza somente as mãos ou os dedos para
avaliar uma determinada área, realiza-se a palpa-
ção direta. Entretanto, se for feito uso de algum Tipos de Consistência
aparelho ou instrumento com esse objetivo, a
palpação torna-se indircta. É o que ocorre ao se Mole. Quando uma determinada estrutura
examinar órgãos, estruturas ou cavidades inaces- reassume sua forma normal após cessar a aplica-
síveis à simples palpação externa, utilizando-se ção de pressão à mesma (tecido adiposo). É uma
sondas, cateteres, pinças, agulhas, entre outros. estrutura macia, porém, flexível.
Por exemplo, nos bovinos, como em outras espé- Firme. Quando uma estrutura oferece resis-
cies, o esôfago sofre desvio lateral na entrada do tência à pressão, mas acaba cedendo e voltando
tórax e, às vezes, um corpo estranho fixa-se nes- ao normal com seu fim (fígado, músculo).
se local. Gomo é praticamente impossível fazer a Dura. Quando a estrutura não cede, por mais
palpação esofágica externamente, por sua locali- forte que seja a pressão (ossos e alguns tecidos
zação, passa-se uma sonda esofágica e, se a mes- tumorais).
ma parar nesse ponto, é um forte indício de obs- Pastosa. Quando uma estrutura cede facilmen-
trução. te à pressão e permanece a impressão do objeto
A palpação apresenta inúmeras variantes que que a pressionava, mesmo quando cessada (ede-
podem ser sistematizadas da seguinte forma: ma: sinal de godet positivo).
Flutuante. E determinada pelo acúmulo de
1. Palpação com a mão espalmada, usando toda líquidos, tais como sangue, soro, pus ou urina em
a palma de uma ou de ambas as mãos. uma estrutura ou região; resultará em um movi-
2. Palpação com a mão espalmada, usando ape mento ondulante, mediante a aplicação de pres-
nas as polpas digitais e parte ventra/ dos dedos. são alternada. Se o líquido estiver muito compri-
3. Palpação usando-se o polegar e o indicador, mido, as ondulações poderão estar ausentes.
formando uma pinça. Crepitante. Observada quando um determinado
4. Palpação com o dorso dos dedos ou das mãos tecido contém ar ou gás em seu interior. Tem-sc,
(específico para a avaliação da temperatura). à palpação, a sensação de movimentação de bo-
5. Dígito-pressão realizada com a polpa do pole lhas gasosas. É facilmente verificado nos casos de
gar ou indicador. Consiste na compressão de enfisema subcutâneo.
uma área com diferentes objetivos: pesqui A palpação pode revelar, também, um "ruí-
sar a existência de dor, detectar a presença do palpável", denominado de frémito, que é pro-
de edema (godet positivo) e avaliar a circula duzido pelo atrito entre duas superfícies anormais
ção cutânea. (roce pleural), ou em lesões valvulares acentuadas.
6. Punho-pressão é feita com a mão fechada, É comum a utilização do termo "consistên-
particularmente, em grandes ruminantes, com cia macia" por parte de alguns colegas; entretan-
a finalidade de avaliar à consistência de es- to, deve-se estar atento quando do seu emprego,
10 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
já que maciez corresponde à "textura", tal como são produzidos pelo examinador, a fim de se obter
áspera e rugosa, não sendo, portanto, a forma mais uma resposta sonora. A inclusão da auscultação
adequada para se designar a consistência de uma com estetoscópio, no exame clínico, na primeira
determinada estrutura. Ambas as consistências - metade do século XIX, foi um dos maiores avanços
mole e pastosa — apresentam uma textura macia, da medicina, desde Hipócrates. Laennec, o fun-
mas que, quando presentes, determinam um signi- dador da medicina científica moderna, desenvol-
ficado clínico distinto. veu seu invento, dando-lhe o nome de estetoscópio,
derivado da língua grega (sthetos = peito e skopeo =
examinar), já que foi desenvolvido em virtude do
Auscultação pudor de examinar uma jovem obesa com pro-
blemas cardíacos (Fig. 1.2).
"Porém não me foi possível dizer às pessoas: O método de auscultação é usado, principal-
'Falem mais alto, gritem, porque sou surdo'. Ai mente, no exame dos pulmões, onde é possível
de mim! Como poderia eu declarar a fraqueza de
um sentido que em mim deveria ser mais agudo evidenciar os ruídos respiratórios normais e os
que nos outros — um sentido que anteriormente patológicos; no exame do coração, para ausculta
eu possuía na maior perfeição, uma perfeição como das bulhas cardíacas normais e sua alterações e
poucos em minha profissão possuem, ou já para reconhecer sopros e outros ruídos; e no exame
possuíram." da cavidade abdominal, para detectar os ruídos
Ludwig van Beethoven característicos inerentes ao sistema digestório de
cada espécie animal. A ausculta pode ser:
A auscultação consiste na avaliação dos ruídos Direta ou imediata. Quando se aplica o ouvi-
que os diferentes órgãos produzem espontanea- do diretamente na área examinada protegido por
mente. Esta é a principal diferença entre a aus- um pano, evitando, assim, o contato com a pele
culta e a percussão, já que, na percussão, os sons do animal. As desvantagens são óbvias, incluin-
Figura 1.2 - Ilustração de diferentes modelos de estetoscópios; (A) aparelho de ausculta com amplificador e filtrador de
ruídos; (B) esteto-fonendoscópio do tipo Sprague, de manguito duplo; (C) peça de ausculta tripla, com um cone e dois
diafragmas.
Introdução à Semiologia 11
Existem dois objetivos básicos para a utilização são quase impraticável nessas espécies. As
da percussão: seguintes regras gerais devem ser obedecidas para
a realização da percussão:
1. Fazer observações com relação à delimitação
topográfica dos órgãos. • Deve-se praticar várias vezes e familiarizar-
2. Fazer comparações entre as mais variadas se com os instrumentos e os sons obtidos.
respostas sonoras obtidas. • É recomendável se percutir em ambiente si
lencioso.
A técnica da percussão sofreu uma série de • É aconselhável evitar percutir animais que
variações, ao longo do tempo, tanto na medicina estejam em decúbito lateral. Sempre que pos
humana como na veterinária e, hoje, utiliza-se, sível, colocá-los em posição quadrupedal, para
basicamente, a percussão dígito-digital, martelo- melhor posicionamento dos órgãos nas res
pleximétrica e, em alguns casos, a punho-percussão pectivas cavidades. Isso, porém, nem sem
e a percussão digital ou direta. pre é possível.
Quando se percute diretamente com os de- • Deve-se fazer pressão moderada com o ple
dos de uma das mãos a área a ser examinada, de- xímetro ou com o dedo contra a superfície
nomina-se percussão direta ou imediata, sendo mais corporal, caso contrário, haverá um espaço va
comumente conhecida a percussão digital. Para zio entre o plexímetro ou o dedo do exami
tal, o dedo permanece fletido na tentativa de imitar nador e a pele do animal, o que resultará, quan
a forma de um martelo. Entretanto, quando se do se bater com o martelo ou o dedo, em res
interpõe o dedo de uma mão (médio) ou algum postas sonoras inadequadas; o dedo-plexímetro
outro instrumento (plexímetro), entre a área a ser (médio) é o único a tocar a região que está
percutida e o objeto percutor (martelo e/ou dedo), sendo examinada. Os outros dedos e a palma
a percussão é descrita como sendo indireta ou da mão devem ficar suspensos, rentes à su
mediata, onde se destacam a percussão dígito-digital perfície. A mão não deve repousar sobre a
e a martelo-pleximctrica (Figs. 1.3, 1.4 e 1.6). superfície, sob o risco de alentecer as vibra
Para realizarmos a percussão dígito-digital, ções sonoras, deixando-as abafadas. As mes
deve-se golpear a segunda falange do dedo mé- mas considerações servem para o dedo ou o
dio de uma mão estendido, com a porção ungueal martelo percutor.
do dedo médio da outra mão, agora encurvado. • O cabo do martelo deve ser seguro em sua
Na percussão martelo-pleximétrica, golpeamos metade, com certa firmeza, utilizando-se, para
com um martelo o plexímetro colocado na área a isso, os dedos polegar, indicador e médio, man-
ser examinada. Com esse método, conseguimos tendo-o, de preferência, em um nível mais
uma percussão mais profunda; indicado para gran- elevado que o plexímetro. Os movimentos
des animais. Podemos utilizar o martelo ou o punho conferidos ao martelo devem ser originados
para provocar uma resposta dolorosa em bovinos, exclusivamente do punho, o qual proporcio
utilizando, para isso, um martelo apropriado ou a nará batidas rítmicas e precisas.
mão fechada. Por meio desse método, examina- • O ritmo deve ser constante; no entanto, dois
se principalmente a região abdominal de bovinos golpes, um mais forte e outro mais fraco, de
(rcticulites), evitando percutir sobre as costelas vem ser originados, para que se tenha respostas
ou grandes veias subcutâneas pelo risco de ocor- sonoras tanto dos tecidos localizados mais pro
rência de fraturas e/ou hematomas. fundamente como dos situados mais superfi
A percussão dígito-digital é a mais adequa- cialmente. A percussão deve ser feita quan
da, pois há menor interferência dos sons na bati- do o plexímetro ou o dedo estiver posicionado
da de um dedo sobre o outro (Fig. 1.3). Entretanto, e parado na região que se deseja avaliar.
é de pouca penetração e seu uso é mais indicado • A percussão não deve se limitar a um único
em animais de pequeno porte. O valor diagnóstico ponto ou a pontos distintos, mas deve com
da percussão em grandes animais é limitado de- preender toda a área em questão. Não existe
vido ao grande tamanho dos órgãos internos e à um número máximo de batidas a ser reali
espessura dos tecidos que os revestem (múscu- zado em cada um deles. É recomendável
los, gordura subcutânea), por exemplo. A camada que se mude a posição do plexímetro ou
de gordura subcutânea, no suíno, e o revestimento do dedo quando não houver mais dúvidas
lanoso, nos ovinos, tornam a aplicação da percus- sobre as características sonoras da área
Introdução à Semiologia 13
Figura 1.3 - Posicionamento correio dos dedos para a percussão dígito-digilal (simulação da região de campo pulmonar).
Figura 1.4 - Posicionamento incorreto para a percussão dígito-digilal pelo conlalo incompleto do dedo médio com a
superfície corpórea (nolar espaço existente enlre o dedo e a superfície).
Timpânico
É encontrado quando se percute áreas repletas de ar ou gás e cujas pa-
Hipersonoro
redes estejam distendidas. É observado, por exemplo, nos casos de pneu-
motórax, fases iniciais de timpanismo gasoso, etc.
Claro
Quando a onda percutora atinge uma área com ar no seu interior, estando
Submaciço sobreposta ou sobrepondo uma região sólida, compacta. E observado com
facilidade na percussão nos limites entre vísceras maciças e ar. Por exem-
plo, porção do fígado, onde o rebordo pulmonar "repousa".
Maciço
16 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
Figura 1.6 - (A) e (B), modelos de martelo e plexímetro utilizados na percussão de grandes animais; (C), posicionamento
dos dedos polegar, indicador e médio para fixação do cabo do martelo.
Atualmente, vários exames estão disponíveis quados de assepsia. Atualmente, quando realiza-
para o auxílio-diagnóstico, dentre os quais desta- da de forma cuidadosa, é utilizada como procedi-
cam-se os descritos a seguir. mento de rotina, sem trazer maiores complicações
ao animal.
II. Diferenciar entre inflamação, hiperplasia e independentemente de sua enfermidade, para que
neoplasia como causa de tumores de pele, dados relevantes ao caso não sejam esquecidos.
tumores subcutâneos e outros tumores aces- Naturalmente, essa sequência é bastante particular
síveis. e o que se apresenta aqui é apenas uma sugestão.
III. Diferenciar neoplasias malignas de benignas Deve-se, em primeiro lugar, diferenciar o
com propósitos de diagnóstico e de planeja exame clínico do exame físico. O exame clínico
mento terapêutico. reúne todas as informações necessárias para o
IV. Auxiliar na confirmação do diagnóstico de uma estabelecimento do diagnóstico, enquanto o exame
dermatopatia. físico é uma parte do exame clínico do animal,
resumindo-se à colheita dos sintomas e dos sinais
por métodos físicos de exame, tais como inspe-
ção, palpação, percussão, auscultação c olfação.
Exames Laboratoriais O exame clínico é constituído basicamente dos
Nos últimos anos, tem-se observado um con- seguintes procedimentos:
siderável aumento no número de testes labora-
toriais. Os procedimentos laboratoriais incluem 1. Identificação do animal ou dos animais (re
os exames físico-químicos, hematológicos, bac- senha).
teriológicos, parasitológicos e determinações en- 2. Investigação da história do animal (anamnese).
zimáticas. 3. Exame Físico:
• Geral: avaliação do estado geral do animal
(atitude, comportamento, estado nutricio-
Inoculações Diagnosticas nal, estado de hidratação, coloração de
mucosas, exame de linfonodos, etc.) pa
Suspeitando-se de uma determinada enfer- râmetros vitais (frequência cardíaca, fre
midade, inocula-se o material proveniente do quência respiratória, temperatura, movi
animal doente em animais de laboratório, para mentos ruminais e/ou cecais);
verificar o aparecimento da doença. Isso requer • Especial: exame físico direcionado ao(s)
técnica especial para cada um dos processos sus- sistema(s) envolvido(s).
peitos (para diagnosticar botulismo, inocula-se em 4. Solicitação e interpretação dos exames sub
camundongos, por via intraperitoneal, extrato sidiários (caso necessário).
hepático, conteúdo do rúmen, conteúdo intesti- 5. Diagnóstico e prognóstico.
nal ou soro sanguíneo). 6. Tratamento (resolução do problema).
ou conflitante (quando, por exemplo, duas pes- tir informações importantes. O entrevistador deve
soas participam da entrevista), outras perguntas prosseguir por essas principais seçoes em uma se-
com palavras diferentes podem ser realizadas, quência lógica e direcionar as suas perguntas para
procurando, com isso, elucidá-la da melhor for- cada área cm questão. O formato da história ou da
ma possível. anamnese é o seguinte:
Muitas vezes, a aparência do entrevistador in- ir
fluencia a eficácia da anamnese, já que profissio- i a) Fonte e confiabilidade;
nais que se apresentam mal vestidos, com unhas b) Queixa principal;
grandes e sujas, barba por fazer, passarão uma im- c) História médica recente (HMR);
pressão de descuido, incompetência e irresponsa- d) Comportamento dos órgãos (revisão dos sistemas);
bilidade. A utilização de jalecos, roupas e sapatos e) História médica pregressa (HMP);
limpos e/ou brancos, além da inquestionável ima- f) História ambiental e de manejo;
gem de asseio, transmite uma sensação de confian- g) História familiar ou do rebanho.
ça e de respeitabilidade para os proprietários.
O proprietário deve sempre ser tratado com
respeito e cordialidade. Em algumas ocasiões, prin- FONTE E CONFIABILIDADE
cipalmente quando o prognóstico do animal é re-
servado ou quando ocorre óbito, a abordagem do A fonte geralmente é o proprietário. Se outras
proprietário deve ser feita de maneira cuidadosa. pessoas afins (filho, vizinho, tratador, sogra, etc.)
Lembre-se de que a função primordial do médi- fornecem a entrevista, os seus nomes e a relação
co veterinário não é se defender. É defender o dos mesmos com o animal devem ser anotados
paciente. Contudo, deve-se relatar todos os pro- na ficha de exame. A confiabilidade da entrevista
cedimentos e etapas a que o animal foi ou estará merece, em tais casos, ser checada, procurando-
sendo submetido, deixando claro, em caso de se confrontar as informações obtidas com as
desfecho fatal que, efetivamente, todo o possí- fornecidas pelo verdadeiro responsável.
vel foi feito para salvar a vida do animal.
Não existem regras mágicas ou mirabolantes
para a realização de uma boa entrevista, mas é QUEIXA PRINCIPAL
possível se basear na regra das vogais, de grande
utilidade para ser lembrada na condução de uma É definida como a manifestação imediata da doença
entrevista: do animal que fez com que o proprietário procu-
Atenção. Ouça atenciosamente a história; não rasse atendimento veterinário. Em poucas pala-
despreze inicialmente os detalhes. vras, registra-se a queixa principal que levou o
Estimulação. Estimule o proprietário a falar proprietário a procurar o veterinário, repetindo,
tudo sobre o caso, separando os dados relevan- se possível, quando não utilizadas palavras ou
tes dos inaproveitáveis. Selecione, agora, as in- termos de baixo calão, as expressões por ele uti-
formações. lizadas (o animal tem coceira, e não prurido).
Inquisição. Inquira, tanto quanto necessário, Recomenda-se, nos casos de utilização de termos
sobre os fatos que não ficaram claros ou foram peculiares de uma determinada região ou inerentes
esquecidos. ao indivíduo, a descrição - entre parênteses - do
Observação. Observe se as informações obti- verdadeiro significado do(s) termo(s) em ques-
das são ou não confiáveis, levando-se em conta a tão, adotando-se, preferencialmente, termos téc-
aparência geral do animal e o comportamento do nicos de fácil entendimento (o cachorro está obran-
proprietário. Não hesite em repetir a mesma per- do sangue: notar que é um termo dúbio e que,
gunta utilizando-se de outras palavras para con- dependendo da região do país, pode caracterizar
firmar a informação. hematoquezia - fezes com sangue, ou hematúria
União. Agrupe os dados de importância e - urina com presença de hemácias)*»A queixa
verifique se a história tem início, meio e fim. principal, porém, nem sempre expressa o princi-
pal distúrbio que o paciente apresenta. Não é re-
comendável aceitar, na medida do possível, "ró-
Formato da História tulos diagnósticos" referidos à guisa da queixa
principal. Assim, se o proprietário disser que o
Repetindo: a anamnese deve ser metódica e animal está triste, procurar-sc-á esclarecer o sin-
seguir sempre a mesma sequência, para não omi- toma que ficou subentendido sob uma ou outra
Introdução à Semiologia 21
Quadro 1.3 - Princípios básicos para a Quanto mais informações se souber sobre as
obtenção da anamnese. alterações e o animal, maiores as possibilidades
• Motivação para ouvir o proprietário (consciência de diagnóstico. A cronologia é a estrutura mais
da importância da anamnese). prática para se organizar o histórico, já que propi-
• Evitar interrupções e/ou distrações. cia a compreensão dos eventos que ocorreram
• Dispor de tempo para ouvir o proprietário. desde o início até o momento atual da doença.
• Não desvalorizar precocemente as informações. Algumas histórias são simples e curtas, facilmen-
• Não se deixar levar pela suspeita do proprietário.
te dispostas em ordem cronológica, cuja relação
• Não demonstrar sentimentos desfavoráveis (tristeza,
aparece sem dificuldade. Outras, porém, são lon-
impaciência, desprezo). gas, complexas e compostas de inúmeros sinto-
• Saber interrogar o proprietário.
mas, cujas inter-relações não são fáceis de serem
• Possuir conhecimentos teóricos sobre as enfermi
determinadas. Na maioria das vezes, torna-se difícil
dades (fisiopatologia, terapêutica). evidenciar o momento exato em que apareceu o
primeiro sintoma ou o sintoma precursor do qua-
dro clínico, principalmente quando envolve ani-
mais de rebanho, já que a observação diária por
Quadro 1.4 - Possibilidades e objetivos dê parte do proprietário ou do tratador é, até certo
anamnese. ponto, superficial, sendo essa uma das muitas
• Estabelecer condições para a relação veterinário/ dificuldades existentes na realização da anamne-
proprietário. se. Como orientação geral, o estudante deve es-
• Conhecer a história clínica e conhecer os fatores colher o sintoma-guia, a queixa de mais longa
ambientais relacionados com o paciente. duração ou o sintoma mais observado pelo pro-
• Estabelecer os aspectos do exame físico que mere prietário. Para a grande parte desses casos, algu-
cem maior atenção. mas regras podem ser úteis:
• Definir a estratégia a ser seguida em cada paciente
quanto aos exames complementares. 1. Determine, se possível, o sintoma-guia.
• Escolher procedimento(s) terapêuticos(s) mais 2. Determine a época do seu início.
adequado(s) em função do(s) diagnóstico(s) e do 3. Use o sintoma-guia como fio condutor da
conhecimento global do estado do animal.
história e tente estabelecer as relações com
outros sintomas.
4. Determine a situação do sintoma -guia no
denominação. É um verdadeiro risco tomar ao pé momento atual: evoluiu/estagnou?
da letra os supostos diagnósticos dos proprietários. 5. Verifique se a história obtida segue urna se
Por comodidade, pressa ou ignorância, o veteri- quência lógica.
nário pode ser induzido a aceitar, dando ares cien-
tíficos às conclusões diagnosticas feitas pelos Designa-se como sintoma-guia o sintoma ou
mesmos. É comum o proprietário fornecer dados sinal que permite recompor a história da doença
irrelevantes ao caso, cabendo ao examinador se- atual com mais facilidade e precisão, o que não
lecionar as informações obtidas. No momento em significa que haja sempre um único e constante
que o veterinário começar a conduzir as pergun- sintoma-guia para cada enfermidade. O sintoma-
tas, é conveniente anotar na ficha do animal ter- guia não é, necessariamente, o mais antigo nem,
mos técnicos e, não mais, o vocabulário do pro- obrigatoriamente, a primeira queixa do proprie-
prietário, como foi feito na queixa principal. tário ou o sintoma mais realçado pelo mesmo. Con-
tudo, esses fatores não devem, em hipótese ne-
nhuma, ser desprezados.
HISTÓRICO MÉDICO RECENTE O início do sintoma deve ser caracterizado
primeiro com relação à época, se possível, regis-
O histórico médico atual refere-se a alterações trando-se o dia, a semana ou o mês. A pergunta
recentes na saúde do animal que levaram o pro- padrão pode ser: "Quando o(a) senhoria) começou a
prietário a procurar auxílio médico. Descreve, com observar isso?". O modo de início - gradativo ou
maiores detalhes, a informação relevante para a súbito — também é importante. A duração ficará
queixa principal. Deve responder a três pergun- estabelecida conforme a época do início do sinto-
tas básicas: o que, quando e como! ma. O mesmo é sazonal? (aparece em determina-
22 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
das épocas do ano; cães que apresentam derma- cial, resume, em termos de sistemas orgânicos,
topatias alérgicas sempre nos meses de verão). A os muitos sintomas que podem ter sido negligen-
relação com outros sintomas é procurada partindo- ciados na história da doença atual, já que é bas-
se de probabilidades mais frcqiientes, quase sempre tante comum o proprietário não relatar um ou outro
se levando em conta as relações anatómicas ou sintoma durante a aquisição da história da doen-
funcionais. Por exemplo, se a queixa for secreção ça atual, por simples e puro esquecimento^A
nasal, devc-se procurar relacioná-la com tosse, principal utilidade prática do interrogatório dos
taquipncia, respiração ortopnéica, tipo respirató- órgãos reside no fato de permitir o conhecimento
rio e assim por diante. O passo seguinte consiste de enfermidades que não apresentam relação com
em investigar a maneira como evoluiu o sintoma, o quadro sintomatológico registrado na história
baseando-se no seu comportamento ao longo dos médica recente.
dias ou semanas e, também, no decorrer do dia, É necessário, para se realizar uma boa anam-
registrando-se as modificações ocorridas nas suas nese especial, seguir um esquema rígido, cons-
características (intensidade, frequência). A situação tituído de um conjunto de perguntas que cor-
do sintoma no momento atual encerra a análise respondam a todos os sintomas indicativos de
da queixa, possibilitando uma visão de conjunto alterações dos vários sistemas do organismo.
desde o seu início. Deve-se registrar todos os sintomas presentes,
Nessa fase da arguição, portanto, alguns pontos como também, aqueles negados pelo proprietá-
devem ser abordados, tais como a localização, o rio. A pesquisa sobre o estado funcional dos órgãos
início e a duração, a frequência e a gravidade, os é feita adotando-se uma mesma sequência de ar-
problemas associados e a progressão da doença, guição, independentemente da queixa principal
como mostra o exemplo a seguir: do proprietário, ou então, questionando-se, ini-
Um rottweiler, com três meses de idade, foi leva- cialmente, o sistema supostamente envolvido e,
do pelo proprietário (fonte e confiabilidade) por de- posteriormente, os demais sistemas da sequên-
senvolver diarreia (queixa principal: sintoma-guia cia, para que nenhuma informação importante
e provável localização: sistema digestório). O pro- seja esquecida. A sequência recomendada é a se-
blema teve início há três dias (início) e persiste até o guinte: 1. Sistema Digestório; 2. Sistema Cardi-
momento (duração). A diarreia ocorre várias vezes orrespiratório; 3. Sistema Genitourinário; 4.
ao dia (frequência) e apresenta sangue nas fezes em Sistema Nervoso; 5. Sistema Locomotor; e 6. Pele
grande quantidade (gravidade). Começou a demons- e Anexos. As informações mais relevantes serão
trar anorexia, vomito, desidratação e febre há um abordadas dentro dos sistemas correspondentes,
dia (problemas associados) e o animal tem ficado cada servindo as questões seguintes apenas como
vez mais apático desde então (evolução). exemplo de algumas perguntas que possam ser
A medicação também deve ser questionada: o feitas.
animal já foi medicado? Por quem? O que foi dado? Sistema digestório. O animal alimenta-se bem?
Qual a dosagem e intervalo? Por quanto tempo a Bebe água normalmente? Está defecando? Qual
medicação foi administrada? (Muitas vezes o o tipo de fezes (duras, moles, pastosas, líquidas)?
medicamento utilizado é adequado à enfermi- O animal apresenta vómito? Qual o aspecto do
dade, mas a medicação foi dada em subdosagem, vómito? Horário em que aparece? Tem relação com
cm intervalos longos, ou por um período muito a ingestão de alimentos? Tem alimentos não di-
curto de tempo.) É bastante comum o proprie- geridos? Sangue?
tário suspender uma determinada medicação Sistemacardiorrespiratório. O animal cansa fácil?
assim que os sintomas declinam, sem respeitar Estava acostumado a correr e já não o faz mais? O
o tempo recomendado pelo veterinário. Mais animal tosse? Qual a frequência? E tosse seca ou
comum ainda é o proprietário medicar o animal com expectoração (produtiva)? É frequente? Piora
antes de procurar assistência veterinária. à noite ou após exercício (alguns animais com
problema cardíaco apresentam tosse seca que piora
à noite em virtude do decúbito)? Qual o aspecto
COMPORTAMENTO da expectoração (cor, odor, volume)? Elimina
sangue pelas narinas? Observou edema ou incha-
DOS ÓRGÃOS ço em alguma parte do corpo (época que apare-
A revisão de sistemas, chamada também de in- ceu; evolução; região que predomina)? O animal
terrogatório sintomatológico ou anamnese espe- lhe parece fraco?
Introdução à Semiologia 23
Sistema genitourinário. O animal está urinan- interesse para o diagnóstico. A data de vacinação,
do? Qual a frequência? Qual a coloração da uri- a dose e o produto utilizado, como também a
na? Qual o odor? Onde o animal urina aparecem conservação das vacinas, devem ser questionados.
formigas? Aparentemente o animal sente dor Da mesma forma, a vermifugação precisa ser
quando urina (posição à micção, gemidos, emis- checada, atentando-se, principalmente, ao prin-
são lenta e vagarosa)? O animal já pariu alguma cípio ativo do vermífugo, à dose e ao intervalo
vez? O parto foi normal? Quando foi o último cio? entre cada vermifugação.
Percebeu alguma secreção vaginal ou peniana?
Qual o comportamento sexual dos reprodutores?
Apresentam exposição peniana prolongada? HISTÓRIA AMBIENTAL
Sistema nervoso. Apresentou mudanças de com-
portamento (agressividade)? Apresentou convul- E DE MANEJO
sões? Apresenta dificuldade para andar? Tem di- O exame do ambiente é parte indispensável a
ficuldade para subir escadas? Anda em círculos? qualquer exame clínico, já que se comporta como
Apresenta tropeços ou quedas quando caminha? abrigo ideal para inúmeros reservatórios e trans-
Sistema locomotor. O animal está mancando? missores de doenças infecciosas e parasitárias, além
De que membro? Observou pancadas ou coices? de determinar, principalmente nos animais pe-
Pele e anexos. O animal coça? Muito ou pou- cuários, alterações metabólicas e nutricionais, com-
co? O prurido é intenso? Chega a se automutilar? prometendo sua produtividade. Em virtude da
Apresenta meneios de cabeça (otite)? Está apre- grande variabilidade ambiental e de manejo nos
sentando queda de pêlos? quais os animais de diferentes espécies são cria-
dos, tendo em vista a enorme diversidade das fun-
ções que os mesmos executam, descreveremos
HISTÓRIA MÉDICA PREGRESSA somente os pontos principais a serem investiga-
A história pregressa constitui a avaliação geral da dos na história.
saúde do animal, antes da ocorrência ou da mani- Em caso de criação extensiva, é interessante
festação da doença atual. De forma geral, inclui verificar a topografia local e o tipo de solo e de
os seguintes aspectos: vegetação em que os animais são criados, visando
detectar a ocorrência de determinadas enfermida-
• Estado geral de saúde. des, tais como: deficiências nutricionais (cobre e
• Doenças prévias. cobalto em áreas arenosas), leptospirose, anemia
• Cirurgias anteriores. infecciosa equina (regiões pantanosas, alagadas,
• Imunizações, vermifugações, etc. úmidas), ectopias e traumas (áreas exageradamente
inclinadas), entre outros. Para aqueles animais
Como uma introdução à história pregressa, o criados relativamente confinados, é conveniente
entrevistador pode perguntar: Como era a saúde perguntar onde o animal permanece a maior parte
do animal antes de adoecer? A informação resultan- do dia, se o chão é áspero (calo de apoio em cães
te do questionamento de doença prévia pode ser de grande porte), se o local é úmido (processos res-
valiosa. Em caso de ocorrência de doenças piratórios), se apresenta boa ventilação ou boa pro-
anteriores, perguntas referentes à faixa etária em teção contra extremos de temperatura (calor/frio);
que ocorreram, à percentagem de animais aco- se o animal tem acesso a oficinas mecânicas (into-
metidos dentro do rebanho (morbidade), ao nú- xicação por chumbo), à rua (atropelamentos), a de-
mero de mortes (mortalidade), às manifestações pósitos de lixo (ingestão de corpos estranhos ou
clínicas observadas, aos achados de necropsia, aos materiais em decomposição), se estão reformando
tratamentos realizados e às medidas preventivas, a casa (cães jovens podem lamber tinta ou outros
são importantes. A realização de cirurgias pode, materiais), as cercas (ingestão de pregos e arames
muitas vezes, indicar a ocorrência de recidivas ou pelos bovinos); quais são as condições de higiene
de complicações posteriores, fornecendo, assim, do local (remoção de fezes e urina, troca de cama,
um prognóstico reservado ao caso em questão (la- lavagem do quintal); quais produtos são utilizados
parotomias, herniorrafias, etc.). O tipo de proce- na limpeza das áreas em que os animais permane-
dimento cirúrgico e a data devem ser lembrados. cem (quintal, estábulos, sala de ordenha, troncos,
As vacinações realizadas são, também, de grande bretes, entre outros).
24 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico
No exame físico, será avaliado o estado nu- tar sobre fatos que ocorreram há pouco tempo (dias,
tricional do animal ou do rebanho. Contudo, um semanas), tais como: Mudou a alimentação há pouco
conheeimento antecipado do manejo nutricional tempo? Entrou algum animal novo na casa ou no
é um ponto crucial no estabelecimento da histó- rebanho? Nos pacientes com enfermidades cró-
ria do animal, determinando-se, principalmente, nicas, a separação entre os sintomas que perten-
seus hábitos alimentares, especificando, tanto cem à doença atual e os que são devidos a doen-
quanto possível, a quantidade c a qualidade da ças antigas constitui, às vezes, problema com-
alimentação que o animal vem recebendo, toman- plexo. A sua solução depende, em grande parte,
do-sc como referência o que seria a alimentação da capacidade técnica do examinador que ob-
adequada para aquele animal em função de sua tém a anamnese e a correta interpretação dos
idade, do sexo e do trabalho que executa. Ten- dados obtidos.
do-se conhecimento de tais aspectos alimentares,
outras perguntas podem ser realizadas como: onde
o animal come? (Vasilhas de plástico podem causar CARACTERÍSTICAS
dermatite de contato na região mentualde cães.) Qual
a localização e a disponibilidade de cochos? Qual a DO PROPRIETÁRIO
origem (qualidade) e disponibilidade (quantidade) Grande parte do prazer e da eficácia da prática
de água? médica vem do conversar com os proprietários.
Cada um deles traz um desafio em especial ao
entrevistador. Assim, como não existem dois en-
FAMILIAR OU DO REBANHO trevistadores iguais, não existem duas pessoas que
entrevistariam o mesmo proprietário de forma
A anamnese familiar ou do rebanho fornece in- similar. Estão demonstrados, a seguir, alguns ti-
formações sobre a saúde de todos os animais per- pos de comportamento mais comuns adotados pe-
tencentes àquela família ou rebanho, vivos ou los proprietários, no intuito de se alertar e orien-
mortos. Quando vivos, deve-se indagar sobre a tar os veterinários menos experientes em como
saúde desses animais no momento atual. Se hou- se deve comportar frente a eles.
ver algum outro animal doente na família ou no
rebanho, o esclarecimento da natureza da enfer-
midade não pode ser esquecido. Se algum ani-
mal morreu há pouco tempo, deve-se determi-
O Proprietário Loquaz
nar, se possível, a causa da morte e os achados O cliente loquaz representa um desafio real
de necropsia. E importante dar atenção especial para o entrevistador principiante. Esses proprie-
a possíveis aspectos genéticos e/ou hereditários tários dominam ou tentam dominar a entrevista,
que poderiam ter implicações para o animal em conduzindo-a da forma que mais lhes convém. O
questão (displasia coxofemoral, miocardiopatia entrevistador dificilmente consegue pronunciar-
congénita). É interessante verificar a ocorrência se. Toda pergunta é seguida, invariavelmente, de
de cruzamentos entre animais da mesma família uma longa resposta. Mesmo respostas objetivas
ou com antecedentes familiares próximos. A como "SIM" e "NÃO" parecem intermináveis.
dens ida de p opulacional ta mb ém deve s er Cada resposta é superdetalhada. Fala e movimenta-
averiguada, já que a superpopulação cria se demasiadamente. Uma interrupção cortês se-
condições desconfortáveis, desfavoráveis e pre- guida por outra pergunta direta enfatizará o tema
judiciais para os animais quando confinados ou da entrevista. O uso de perguntas abertas, facili-
mantidos em um determinado espaço: Quantos tações ou silêncio demorado deve ser evitado, já
animais existem na propriedade ou residência? que essas técnicas apenas encorajarão o proprie-
Quantos estão doentes? Quantos morreram? (A morte tário a continuar falando. Se todos esses cuida -
de um único animal no rebanho ou na família dos forem em vão, relaxe e aceite o seu destino.
geralmente não sugere doença contagiosa; en-
tretanto, a morte de muitos animais ao mesmo
tempo ou em pouco tempo, indica, na maioria O Proprietário Tímido
das vezes, tratar-se de doença infecto-contagiosa.)
Tem conhecimento da ocorrência de canibalismo? Os Esses proprietários são, na maioria das vezes,
animais são agressivos uns com os outros? Pergun- pessoas simples, de baixo poder aquisitivo e/ou
Introdução à Semiologia 25
educacional e muitos deles não possuem autocon- prietários. Considerações como: "Você parece zan-
fiança. Esses proprietários se embaraçam com gado com alguma coisa. Diga-me o que pensa que
muita facilidade e mudam suas respostas com uma está errado?" permite, em algumas situações, que
certa frequência, principalmente quando intimi- o proprietário fique mais calmo ou racional. Lem-
dadas pela postura autoritária do cntrevistador e/ bre-se: nunca se coloque na defensiva. Tente
ou pelas circunstâncias (negligência com o ani- desarmá-lo de maneira sutil e inteligente. Prossi-
mal, ambiente estranho em que se encontra - ar- ga com as suas perguntas vagarosamente, evite
condicionado, secretária, mobiliário moderno, expressões negativas e faça perguntas restritas à
aparelhos sofisticados, ctc.), entre outros. O uso história da doença do animal. A pior conduta con-
de perguntas abertas ou abrangentes com tais siste em adotar uma posição agressiva, revidando
proprietários surte pouquíssimos efeitos, já que com palavras ou atitudes a hostilidade do proprie-
as respostas se limitam a "Sim senhor(a)" e "Sei tário. Não faça o jogo dele. O animal não tem culpa!
não doutor(a)". O questionamento cuidadoso, bem
direcionado c com um linguajar mais simples pode
ser de grande utilidade para tais casos. Algumas O Proprietário Insaciável
palavras amistosas também podem ajudar.
Os proprietários insaciáveis nunca estão sa-
tisfeitos. Fazem muitas perguntas e, apesar de
explicações adequadas, acham que o entrevista-
O Proprietário Hostil dor não respondeu a todas as suas indagações. As
Muito comumente, entrevista-se o proprietário perguntas são as mais variadas e grande parte delas
irado, hostil ou detestável. Alguns são muito não diz respeito à doença atual do animal. Esses
alvitantes ou irónicos, enquanto outros são exigentes, proprietários são mais bem conduzidos com uma
agressivos e ruidosamente hostis. A hostilidade pode conduta firme e não condescendente.
ser percebida à primeira vista, logo após as primeiras
palavras^Alguns permanecem em silêncio a maior
parte da entrevista, enquanto outros fazem comen- O Proprietário Agradável
tários inadequados ou desagradáveis para o princi-
Esse, geralmente, tenta agradar sobremanei-
piante ou até mesmo para o veterinário experiente
ra o entrevistador>iile acredita que todas as suas
durante o transcorrer da anamnese. Muitas si-
respostas precisam satisfazer o entrevistador. Tenta
tuações podem determinar esse comportamento. passar a imagem de proprietário zeloso e preocu-
Doenças incuráveis dos seus animais, principalmen- pado. Acredita que, se o veterinário gostar dele,
te aquelas que requerem um certo trabalho, ope- seu animal será mais bem atendido. Cuidado! Esses
rações mal-sucedidas ou decisões erróneas de ou- merecem uma atenção redobrada, pois desviam a
tro veterinário acompanhadas de gastos exorbitantes, atenção para si e não para o problema do animal.
podem desencadear uma reação de descrença ou Seja objetivo e prático. Lembre-se, o seu pacien-
de desconfiança. O clima criado nesse momento te é o animal, até que se prove o contrário.
não é o que pode ser chamado de agradável, fra-
ternal ou romântico. O entrevistador pode sentir
raiva, ameaça à sua autoridade, impaciência e frus-
tração. Pode haver desenvolvimento de hostilida-
O Proprietário Embratel
de recíproca e uma luta por poder entre ambos. Tenta obter a qualquer custo, pelo telefone,
Como devemos lidar com esse proprietário? O en- o diagnóstico da doença do seu animal e a receita
trevistador deve agir de maneira racional, profis- para o tratamento da mesma. Ê insistente, incan-
sional e, se possível, o mais distante possível das sável e inconveniente. Por mais que se esclareça
indelicadezas do proprietário. Afinal, nem todo que o diagnóstico só pode ser feito após o exame
animal tem o dono que merece, principalmente do animal, não desiste de conseguir, pelo menos,
por não ter tido o poder de escolha. Não temos a uma pequena receita. Geralmente alega falta de
obrigação de gostar dos proprietários, mas, por outro tempo para levar o animal à clínica. É do tipo: o
lado, não se pode transferir as nossas animosidades que pode ser doutor? Tenha calma! Dê, no míni-
para os nossos "pacientes". Eles são vítimas dos mo, umas dez possibilidades da causa da doença
seus donos. Muitas vezes o confronto pacífico pode e, em um fôlego só, umas vinte possibilidades de
ser de grande utilidade para entrevistar tais pro- tratamento. Isso o frustrará em demasia!
26 Semiologia Veterinária: A Arte do Diagnóstico