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Análise Psicológica (2006), 3 (XXIV): 289-309

Introdução à psicoterapia existencial

JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA (*)

1. INTRODUÇÃO conjunto heterogéneo de possibilidades de intervenção


terapêutica de base fenomenológico-existencial,
Com as influências da fenomenologia e do uma pluralidade de métodos e de teorias que, contudo,
existencialismo desenvolveram-se vários modelos podem classificar-se em dois grupos diferentes: a
terapêuticos que podem ser genericamente psicoterapia experiencial e a psicoterapia existencial.
designados por psicoterapia existencial e definidos As diferenças podem estabelecer-se ao nível dos
como métodos de relação interpessoal e de análise seus objecto, objectivos e propostas ou modelos de
psicológica cujo objectivo é o de facilitar na pessoa intervenção (Quadro 1).
do cliente um auto-conhecimento e uma autonomia As diferenças essenciais entre psicoterapia
psicológica suficiente para que ele possa assumir experiencial (humanista) e psicoterapia existencial
livremente a sua existência (Villegas, 1988). Importa situam-se na forma como conceptualizam a capacidade
desde já referir que não se constituem como técnicas do indivíduo para o processo de mudança, nos
de cura da perturbação mental, mas sim como conceitos-chave que estão em jogo e, ainda, na
intervenções cuja finalidade principal é ajudar o finalidade da intervenção (Villegas, 1989). A finalidade
crescimento pessoal e facilitar o encontro do indivíduo da intervenção define-se pela auto-descoberta
com a autenticidade da sua existência, de forma (conhecer-se e compreender-se) na psicoterapia
assumi-la e a projectá-la mais livremente no mundo. experiencial e pela construção mais autêntica e
Em qualquer caso, o centro é o indivíduo e não a significativa da sua existência na psicoterapia
perturbação mental. Esta, quando presente, é vista existencial (Quadro 2).
como resultado de dificuldades do indivíduo em Na psicoterapia existencial enfatizam-se as
fazer escolhas mais autênticas e significativas, dimensões histórica e de projecto e a responsa-
pelo que as intervenções terapêuticas privilegiam bilidade individual na construção do seu-mundo.
a auto-consciência, a auto-compreensão e a auto- Visa a mudança e a autonomia pessoal. Contudo,
-determinação. vários autores definem a finalidade principal da
Do encontro entre a fenomenologia, o existen- psicoterapia existencial de diferentes modos: procura
cialismo, a Psicologia e a Psicopatologia resultou de si próprio (May, 1958); procura do sentido da
um amplo movimento de ideias, reflexão, investigação existência (Frankl, 1984); tornar-se mais autêntico
e intervenção (Jonckeere, 1989). Trata-se de um na relação consigo próprio e com os outros (Bugental,
1978); superar os dilemas, tensões, paradoxos e
desafios do viver (Van Deurzen-Smith, 2002);
facilitar um modo mais autêntico de existir (Cohn,
(*) Médico Psiquiatra. Instituto Superior de Psicologia
1997); promover o encontro consigo próprio para
Aplicada, Lisboa. Sociedade Portuguesa de Psicoterapia assumir a sua existência e projectá-la mais livremente
Existencial. no mundo (Villegas, 1989) e aumentar a auto-cons-

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QUADRO 1
Diferenças entre psicoterapia experiencial e psicoterapia existencial

PSICOTERAPIA EXPERIENCIAL PSICOTERAPIA EXISTENCIAL

Influências Kierkegaard / Buber / William James Husserl / Heidegger / Sartre

Objecto Vivência Existência


Dimensão Actual Histórica
Objectivo Crescimento Autonomia
Método Heurística Hermenêutica
Dinâmica Psicológica Emoções Constructos pessoais

QUADRO 2
Diferenças entre psicoterapia experiencial e psicoterapia existencial

PSICOTERAPIA EXPERIENCIAL PSICOTERAPIA EXISTENCIAL

Capacidade de mudança Concretização de potencialidades Responsabilidade da liberdade de escolha


Conceitos-chave Actualização. Descoberta Construção. Projecto
Finalidade Autodescobrir-se Construir a sua existência

ciência, aceitar a liberdade e ser capaz de usar as envolve pessoas reais em situações concretas.
suas possibilidades de existir (Erthal, 1999). No Com a finalidade de introduzir fundamentos de
essencial, a perspectiva existencial pretende ajudar psicologia existencial em que assentam diferentes
o cliente a escolher-se e a agir de forma cada vez propostas de psicoterapia existencial, faz-se uma
mais autêntica e responsável. revisão sumária sobre o que caracteriza a existência
Em qualquer caso, resulta claro que o conceito individual, o que é estar-no-mundo, como se caracte-
de psicoterapia não é o de uma técnica destinada riza o confronto do indivíduo com os dados da
a “curar” perturbações mentais, mas sim o de uma existência e procura-se situar o perturbar-se mental-
intervenção psicológica que contribui para o cresci- mente como uma possibilidade do existir.
mento e para a transformação do cliente como pessoa.
Mais especificamente, que promove o encontro 2.1.1. O que caracteriza a existência individual
da pessoa com a autenticidade da sua existência,
para que venha a assumi-la e possa projectá-la mais O que caracteriza a existência individual é o ser
livremente no mundo. que se escolhe a si-mesmo com autenticidade,
construindo assim o seu destino, num processo
dinâmico de vir-a-ser. O indivíduo é um ser cons-
2. FUNDAMENTOS ciente, capaz de fazer escolhas livres e intencionais,
isto é, escolhas das quais resulta o sentido da sua
existência.
2.1. Psicologia existencial Ele faz-se a si próprio escolhendo-se e é uma
combinação de realidades/capacidades e possibi-
A psicologia existencial é a psicologia da existência lidades/potencialidades, está “em aberto” ou melhor
humana com toda a sua complexidade e paradoxos está em projecto. Este, é a maneira como ele escolhe
(Wong, 2004), considerando que a existência humana estar-no-mundo, o que se permite ser através da

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sua liberdade, sendo que as escolhas podem ser 2.1.2. O que é estar-no-mundo
feitas em função do futuro ou em função do passado:
escolher o futuro envolve ansiedade (associada A existência enquanto estar-no-mundo envolve
ao medo do desconhecido) e escolher o passado a unidade entre o indivíduo e o meio em quatro
envolve culpabilidade (associada à consciência dimensões, que são as dimensões da existência
das possibilidades perdidas). (Van Deurzen-Smith, 1996, 1998) e o processo
A autenticidade (Cabestan, 2005) implica aceitar terapêutico seria a exploração do mundo do
a condição humana tal como é vivida e conseguir cliente nas suas várias dimensões (Cohn, 1997):
confrontar-se com a ansiedade e escolher o futuro, - Física – É o mundo natural (Umwelt), o da
reduzindo a culpabilidade existencial. A autenti- relação do indivíduo com os aspectos bioló-
cidade caracteriza a maturidade no desenvolvimento gicos do existir e com o ambiente e que
pessoal e social. A escolha é um processo central envolve as suas atitudes em relação ao corpo,
e inevitável na existência individual e a liberdade aos objectos, à saúde e à doença e no qual
de escolher-se envolve responsabilidade pela autoria se exprime em permanência uma procura
do seu destino e compromisso com o seu projecto. de domínio sobre o meio natural, que se opõe
A liberdade de escolha não só é parte integrante a submissão e aceitação das limitações impostas,
da experiência como o indivíduo é as suas escolhas: nomeadamente pela idade e pelo ambiente.
a identidade e as características do indivíduo seriam O sentimento de segurança é aqui dado pela
consequências das suas próprias escolhas. saúde e bem-estar
O projecto existencial é a união, o “fio condutor” - Social – É o mundo da relação com os outros
entre o passado, presente e futuro, a continuidade (Mitwelt), do estar-com e da inter subjectividade
compreensível das vivências, coerência interna onde se revela e descobre o que se é, mundo
do mundo individual, que reflecte a escolha originária que envolve as atitudes e os sentimentos
que o indivíduo fez de si e que aparece em todas as em relação aos outros, tais como amor/ódio,
suas realizações significativas, quer ao nível dos cooperação/competição, aceitação/rejeição
sentimentos, quer ao nível das realizações pessoais e partilha/isolamento. Inclui os significados
e profissionais. O mundo interno exprime-se na que os outros têm para nós, quer sejam os
simbolização (categorias cognitivas que representam familiares, os amigos ou os colegas de trabalho,
a experiência na sua ausência), na imaginação significados que dependem das modalidades
(recombinação de categorias mentais que se da nossa relação com eles. Esta dimensão
assemelham à experiência mas sem interacção relacional é uma premissa fundamental do
com o meio) e juízo (avaliação em relação à modelo existencial (Spinelli, 2003)
experiência), associadas à intimidade, ao amor, à - Psicológica – É o mundo da relação consigo
espontaneidade e à criatividade. O processo de próprio (Eigenwelt), da existência subjectiva e
individuação opõe-se ao conformismo com as normas fenomenológica de si-mesmo, da construção
e papéis sociais, o que conduz a um funcionamento do mundo pessoal, com auto-percepção de
estereotipado e inibidor da simbolização e da imagi- si, da sua experiência passada e das suas
nação. O indivíduo está comprometido com a tarefa, possibilidades, recursos, fragilidade e contra-
sempre inacabada, de dar sentido à sua própria dições, profundamente marcado pela procura
existência. da identidade própria, assente na auto-afir-
Em síntese, a existência individual caracteriza-se mação e numa polaridade de actividade/passi-
por três palavras-chave – cuidado, construção e respon- vidade
sabilidade – na medida em que o indivíduo cuida - Espiritual – É o mundo da relação com o
da sua existência procurando conhecer-se e compre- desconhecido (Ueberwelt), que envolve uma
ender-se, descobrindo-se na relação com o outro, relação com o mundo ideal, a ideologia e os
constrói o seu-mundo dando sentido à sua existência valores, onde se pode exprimir o propósito
e escolhendo viver de acordo com os seus valores da existência individual, numa tensão perma-
(o que confere um carácter único e singular) e nente entre o propósito/absurdo e esperança/
responsabiliza-se por si próprio na realização do /desespero.
seu projecto. Assim, a existência individual é uma
totalidade, única (singular) e concreta. Cada indivíduo centra-se na construção de signi-

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ficados com que luta contra o vazio e a falta de
sentido, sendo responsável (existencialmente) pela O indivíduo não pode escolher as limitações
sua auto-afirmação e desenvolvimento, estando da sua existência, mas pode escolher os modos
consciente do que sentiu e pensou, do que sente de confronto com essas limitações, isto é, como é
e pensa e podendo antecipar o que poderá vir a que se confronta com elas. Assim, diferentes autores
ser no futuro. têm enfatizado preferencialmente diferentes dados
Cada indivíduo necessita e deseja estar-com- da existência, o que também tem contribuído para
-os-outros, com os quais pode empatizar e a heterogeneidade das concepções mesmo dentro
aprender, através dos quais se descobre e com os da perspectiva existencial. No entanto, quase todos
quais constrói projectos e relações significativas. deram importância que pode ter a negação da
A importância do estar-com, da abertura aos outros liberdade de escolha e/ou à negação das limitações
tem sido tratada de modo diferente por diferente inerentes à facticidade. Assim surgiu o conceito
autores. de inautenticidade, usado como sinónimo de auto-
-decepção por Heidegger e correspondendo ao
2.1.3. A ansiedade resulta do confronto com os conceito de má fé de Sartre. Negando a sua liberdade
dados da existência de escolha e a sua responsabilidade, o indivíduo
nega a possibilidade de escolher livremente o seu
O desenvolvimento individual e a integração futuro.
envolvem um confronto incontornável e inevitável A ansiedade é, ela própria um dado da existência
do indivíduo com os dados da existência, confronto com que o indivíduo se confronta inevitavelmente e
do qual resulta experiências de ansiedade na gestão que pode ser experimentada de forma mais intensa
da qual o indivíduo pode utilizar estratégias variadas. e significativa mais em certos momentos da trajectória
Existir envolve, por um lado, a consciência de existencial do que noutros. Por exemplo, pode
tragédia inerente à condição humana e construída associar-se a crises pessoais, luto, doença física,
por insegurança, frustração e perdas irreparáveis fases de transição do ciclo de vida individual ou
e, por outro, pela consciência da esperança que familiar, entre outras situações.
resulta da liberdade de escolha, da auto-realização,
da dignidade individual, do amor e da criatividade. 2.1.4. Perturbar-se é uma possibilidade do existir
Os dados da existência são:
- Consciência da morte – Implica a experiência No quadro existencial é importante situar o estatuto
de contingência, enquanto possibilidade do da perturbação mental, uma vez que parte signifi-
fim de todas as suas possibilidades (existência/ cativa das psicoterapias existenciais não a tomam
/finitude), geradora da ansiedade e medo da necessariamente como foco da sua intervenção,
morte, que emerge do conflito entre a cons- por considerarem que isso seria uma perspectiva
ciência de finitude e o desejo de continuar redutora ou, pelo menos, não tomam a psicopa-
sendo tologia como foco principal de intervenção. Até
- Consciência da liberdade – Implica a expe- porque a valorização da dignidade existencial opõe-se
riência de responsabilidade e autonomia no às classificações psiquiátricas (Erthal, 1999), que
sentido das escolhas concretas e situadas que fragmentam a totalidade da existência individual.
envolvem medo do incerto e do desconhecido. Nesta medida, as perturbações mentais são vistas
A ansiedade emerge do conflito/dependência como aspectos integrado na totalidade da existência
- Consciência da solidão – Implica a expe- individual, expressões parciais das modalidades
riência de isolamento, com medo da separação. de construção do seu-mundo.
A ansiedade emerge do conflito solidão/socia- Sem uma finalidade exaustiva, uma vez que o
bilidade objectivo desta revisão não é a relação entre a
- Consciência da falta de sentido – Implica a psicopatologia e a existência mas sim introduzir
experiência de vazio e desespero associado as psicoterapias existenciais, referem-se aspectos
ao absurdo de existir. A ansiedade emerge valorizados por autores relevantes sobre o signifi-
do conflito falta de sentido/projecto e a coragem cado existencial da psicopatologia, tendo em conta
é a capacidade para continuar em direcção que ela é uma possibilidade humana universal (pode
ao futuro apesar do desespero. acontecer a qualquer um…).

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Com Binswanger (1981, 1971) a psicopatologia existência. Ou seja, são definidas modalidades de
é o que se afasta da estrutura apriorística do ser perturbação mental especificamente associadas
(categorias ontológicas) e se tornou uma estrutura ao medo da morte, ao medo da liberdade de escolha,
existencial modificada. ao medo do isolamento e à falta de sentido. Também
Para May (1958), que introduziu a psicoterapia Frankl (1986, 1984) e Maddi (1970), cada um por
existencial nos Estados Unidos da América, a seu lado, enfatizaram que a procura de sentido
ansiedade patológica resultaria do indivíduo não seria a motivação fundamental do indivíduo e que
se confrontar com a ansiedade normal, sendo esta a psicopatologia estaria associada à falta de sentido
a que deriva do confronto com os dados da existência. para a vida e que, nesse sentido, teria o estatuto
Denominando-a ansiedade neurótica, despropor- de frustração existencial que apareceria em moda-
cionada ao perigo, May conceptualizou-a como lidades diferentes de comportamentos desajustados
resultado das tentativas feitas pelo indivíduo para (vegetativo, niilista, aventureiro, conformista).
diminuir ou negar a ansiedade resultante do confronto Seja como for, a compreensão do significado da
com os dados da existência. Assim, a ansiedade psicopatologia implica contextualizá-la na existência.
neurótica poderia significar, por exemplo, negação Os fenómenos psicopatológicos relacionam-se com
do medo da morte, negação da liberdade de escolha, estranheza e afastamento do indivíduo em relação
evitamento de assumir responsabilidades ou confor- a si próprio com evitamento de dados da existência
mismo com as normas sociais impostas. Assim, (Cohn, 1997), associado a escolhas feitas em desacordo
serviria para proteger o indivíduo contra a ansiedade consigo mesmo, isto é, não autênticas. Teriam relação
que emerge dos dados da existência, na medida com o fracasso do indivíduo em relacionar-se de
em que resultaria da tentativa de reduzir ou negar forma significativa com o seu mundo interno (fracasso
a ansiedade ligada à existência, na busca duma no seu confronto com a autenticidade) conhecendo-
existência segura, certa e livre de ansiedade. -se mal e tendo dificuldade em compreender-se
Desta maneira, o que denominamos por sintomas (Van Deurzen-Smith, 1996). Incapaz de aceder ao
em psicopatologia poderiam ser considerados como seu mundo interno, o indivíduo teria dificuldades
possibilidades escolhidas: ao escolher não se con- também em aceder ao mundo interno dos outros,
frontar directamente com a ansiedade associada pelo que não seriam possíveis relações significativas.
aos conflitos existenciais, o indivíduo poderia per- Desta impossibilidade resultam sentimentos de
turbar-se mentalmente. Isto é, os sintomas derivariam vazio e de falta de sentido. O existente com pertur-
de escolhas não autênticas que, não reduzindo a bação mental experimenta frequentemente um
ansiedade associada aos dados da existência, impasse em relação a projectos e modos-de-ser:
apareceria sob a forma de ansiedade neurótica. não consegue realizá-los nem consegue abandoná-los.
Portanto, os sintomas poderiam ser compreendidos A psicopatologia surge quando o projecto se desvia
como expressões parciais da forma como o indivíduo da intenção, quando a realidade da história (projecto
constrói o seu mundo. Ou, se se quiser, o desajus- histórico) se desvia ou afasta do projecto existencial.
tamento é o resultado de uma escolha do próprio A história afasta-se do projecto por intermédio
indivíduo, que experimenta uma inabilidade para de vivência de contradição (interpessoal e/ou
contactar com o mundo e consigo mesmo, mantendo- interpessoal) na sequência da qual o indivíduo
-se bloqueado num falso projecto de ser, uma forma escolhe afastar-se ou é afastado. A psicopatologia
pouco autêntica de realizar o projecto. Por exemplo, caracteriza-se essencialmente por uma existência
o esforço do indivíduo neurótico para ser o que limitada, tematizada e bloqueada. Limitada e
deseja afasta-o da possibilidade de ser o que é (Erthal, aprisionada, porque afastada dos seus valores e
1999). Isto não significa, de modo algum, que o da sua possibilidade de auto-afirmação. O indivíduo
indivíduo seja culpado pela perturbação mental não experimenta a sua existência como uma realidade.
que experimenta. Apenas quer dizer que a pertur- Tematizada pelo seu passado, na medida em que o
bação mental se relaciona compreensivelmente indivíduo continua a viver em função de identidade
com as modalidades de construção do seu-mundo. e características que já não são as presentes.
Com Yalom (1980), o comportamento perturbado Bloqueada no seu desenvolvimento, porque não
surge directamente associado ao fracasso na reso- consegue projectar-se no devir.
lução dos conflitos existenciais, entendidos estes Importa compreender o existente com perturbação
como confrontos entre o indivíduo e os dados da mental a partir dos diferentes modos como a sua

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consciência se relaciona com o mundo, com os capacidades para existir (Erthal, 1999). O
outros e consigo próprio ou, pelo contrário, como foco é a autodeterminação, enquanto poder
tenta fugir ou evitar a angústia que resulta do seu do indivíduo de decidir o que lhe convém
confronto com a sua liberdade e responsabilidade. ser e fazer, exercendo a sua liberdade de
escolha. Trata-se de facilitar a abertura à
construção de novas alternativas
3. OBJECTIVOS DA PSICOTERAPIA - Facilitar o encontro do indivíduo com o
EXISTENCIAL significado da sua existência – Trata-se de
promover o confronto e a re-avaliação da
Tendo em conta que não existe uma mas sim compreensão que o indivíduo tem da vida,
várias propostas de psicoterapia existencial, apenas dos problemas que tem enfrentado e dos limites
podem delimitar-se objectivos gerais uma vez que impostos ao seu estar-no-mundo. O foco é
cada proposta tem os seus objectivos específicos a procura de sentido que permite a auto-
(Deurzen-Smith, 1996): -realização, enquanto tudo o que o indivíduo
- Facilitar ao indivíduo uma atitude mais autên- é capaz de vir-a-ser.
tica em relação a si próprio – O conceito - Promover o confronto com e a superação da
de autenticidade assume aqui importância ansiedade que emerge dos dados da existência,
central. Trata-se de um processo gradual de nomeadamente da inevitabilidade da morte,
auto-compreensão com a finalidade do sujeito da liberdade de escolha em situação, da solidão
vir-a-ser mais verdadeiro e coerente consigo e da falta de sentido para a vida.
próprio, para que possa responder às situações
com sentimento de domínio e maior percepção Em síntese, trata-se de facilitar ao indivíduo o
de controlo pessoal. Para Cohn (1997), trata-se desenvolvimento de maior autenticidade em
de ajudar o cliente a libertar-se das conse- relação a si próprio, uma maior abertura das suas
quências perturbadoras da negação e evasão perspectivas sobre si próprio e o mundo e, ainda,
no seu confronto com os dados da existência, de ajudar a clarificar como é que poderá agir no
acedendo a uma forma de existir mais autêntica futuro de forma mais significativa. O centro é a
- Promover uma abertura cada vez maior das responsabilidade da liberdade de escolha do indivíduo.
perspectivas do indivíduo em relação a si A palavra-chave é construção, uma vez que se
próprio e ao mundo – Esta abertura, que trata de desafiar o indivíduo a ser o construtor da
consiste num trabalho focalizado na relação sua existência.
do indivíduo consigo mesmo, pode ser promo-
vida através da facilitação de uma auto- 3.2. Selecção de clientes
-avaliação das suas crenças, valores e aspirações
que sirva para atingir maior clareza na Tendo em conta que a psicoterapia existencial
exploração das suas experiências. O foco é não é conceptualizada como um tratamento nem
a auto-consciência, enquanto consciência de como uma terapêutica da perturbação mental,
si mesmo, em particular a auto-consciência nem se focaliza necessariamente no alívio dos
do tempo perdido (possibilidades perdidas) sintomas, mas que é essencialmente um processo
e da necessidade de viver agora. O principal de confronto com as potencialidades e de mudança
objectivo é proporcionar o máximo de auto- pessoal, os indivíduos que mais podem beneficiar
-consciência para favorecer um aumento do são os que:
potencial de escolha (Erthal, 1999) - Apresentam um pedido de ajuda no qual já
- Clarificar como agir no futuro em novas mostram a percepção de que os seus problemas
direcções – Trata-se de facilitar a abertura a são acerca do existir e não uma forma de
novas possibilidades de vir-a-ser, diferentes patologia, ou que acabam por reconhecer
das desenvolvidas até aí e de acordo com o isto ao fim dalgumas entrevistas
seu projecto, em relação ao qual se facilita - Consultam por motivos relacionados com
o confronto. Pretende-se ajudar o cliente a crises pessoais e/ou psicopatologia mas
descobrir o seu poder de auto-criação e a aceitar conseguem relacionar o seu mal-estar com
a liberdade de ser capaz de usar as suas próprias a sua trajectória existencial

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- Têm interesse genuíno em aumentarem o 4.1. Características da relação existencial em
seu auto-conhecimento e auto-compreensão, terapia
isto é, re-situarem-se em relação a si próprios
e à situação que vivem A relação existencial é estar-com porque é
- Desejam ser mais autênticos, considerando encontro enquanto tal (Spinelli, 2003), de uma
existência com outra existência, implicando uma
mais o futuro do que o seu passado nos
presença sentida (estar-por-si), a reciprocidade
momentos de tomada de decisão e que querem
(estar-para-o-outro), cuidado (acolher o outro na
desenvolver expressões mais significativas
sua esfera vital), o laço emocional (eu/tu que
nas suas relações com os outros
criam um “nós”, numa reciprocidade activa para
- Desejam pensar sobre si próprios e sobre os que o outro se ilumine e descubra) e convite ao
significados que atribuem aos seus compor- diálogo autêntico, a partir das vivências ou intencio-
tamentos e relações interpessoais nalidades significativas.
- Enfrentam crises pessoais, tais como luto, A atitude fundamental é a atitude fenomeno-
separações, desemprego, transição de fase do lógica, de aproximação ao mundo do outro com
ciclo de vida, solidão e anomia abertura e espírito de descoberta dos significados
- Estão em confronto com doença física grave que ele atribui (O quê? Como?), permitindo aumentar
ou pelo menos percepcionada como ameaçadora, a consciência que ele tem da sua experiência
ou com consequências de acidentes e/ou inca- (auto-consciência), compreender a importância
pacidades que dá ao futuro nas suas decisões (auto-realização)
- Têm facilidade em verbalizar sobre as suas e perspectivar a autenticidade em termos de agir
experiências, ideias intenções, emoções e interacções determinadas (autodeterminação) e
sentimentos fundadas na sua individualidade e integradas no
seu projecto. A psicoterapia desenvolve-se a partir
Em princípio, a psicoterapia existencial não da aplicação do método fenomenológico aplicado
beneficiará significativamente indivíduos que à existência.
procuram apenas alívio de sintomas, em que o As características principais do encontro terapêutico
mal-estar que motiva o pedido de ajuda está exclusi- em psicoterapia existencial são: a coerência (compor-
vamente relacionado com representações de tamento mútuo de co-relação), o carácter fortuito,
doença, buscam dependência ou não desejam ou uma vez que o encontro pode chegar no instante
temem pôr-se em questão, não desejando confrontar- de forma imprevista (acontece…), a liberdade de
-se com as suas contradições e possibilidades de deixar o outro ser como é, e a abertura a novas
possibilidades. Envolve também o face-a-face,
mudança.
porque o encontro acontece no olhar. As grandes
finalidades relacionam-se com facilitar ao cliente
o aceitar-se (como se é), querer-se (a si mesmo),
4. ENCONTRO TERAPÊUTICO
sentir-se e escolher-se.
Na entrevista clínica de avaliação inicial é
O encontro terapêutico enraíza no método
necessário considerar um conjunto de focos e
fenomenológico, de tal modo que é apreensão da
dinâmicas existenciais. Entre os focos salientam-
presença do outro “tal como” ele aparece diante -se: experiência subjectiva, intencionalidade, liberdade
do terapeuta – apreensão da presença do outro tal e responsabilidade, escolhas, autenticidade e o
como ele se fenomenaliza frente ao terapeuta, sem mundo pessoal (dimensões da existência, sonhos).
distorsões interpretativas – pelo que é necessário Entre as dinâmicas existenciais salientam-se a
estabelecer contacto (sintonizando), aceder ao seu incorporação do passado e do futuro no presente
estado de consciência (empatizando) e compreender, e, também, o comprometimento para vir-a-ser.
captando as modalidades de constituição da sua
presença no mundo. O foco é a realidade do outro, 4.2. Estilo terapêutico
isto é, a experiência que ele tem do mundo.
Caracteriza-se por uma relação existencial que O estilo terapêutico é marcado pela variabilidade
envolve estar-com e estar-para. adaptável às necessidades individuais, passividade/

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/actividade, ritmo que segue as preocupações do realmente neste momento? Que conflitos
cliente, temas considerados e explorados em diálogo encontra? Quais são os desejos? Quais são
e interesse por aquilo que interessa ao sujeito. As os obstáculos?).
intervenções mais essenciais destinam-se a contrariar
a persistência, na pessoa do cliente, em evitar o Assim, as intervenções deverão facilitar as alter-
reconhecimento da sua auto-afirmação (respon- nativas ao cliente, pelo que beneficiam de aspectos
sabilidade) e a facilitar-lhe a identificação de alter- tais como:
nativas pessoalmente viáveis. - Porque não? Haverá outras possibilidades?
É possível sistematizar as estratégias de intervenção – Encoraja a reflexão, cria uma oportunidade
que são mais utilizadas em psicoterapia existencial para a auto-exploração e pode gerar alternativas
(Deurzen-Smith, 1996): - Poderia…? – Promove o confronto com a
- Utilizar a atitude fenomenológica na abordagem responsabilidade existencial e com a liber-
dos conteúdos temáticos que estão implícitos dade
nas produções discursivas do indivíduo, dos - O que terá feito para criar essa situação?
seus valores e crenças pessoais, explorando – Permite aumentar a consciência da autoria
as suas construções mais significativas sobre das suas escolhas
si próprio e o mundo (Qual a minha natureza - O que é que isto quer dizer para si? – Solicita
essencial? Quais as minhas qualidades? O uma compreensão do significado dos aconte-
que é importante para mim? Quais as pessoas cimentos para o próprio
mais importantes para mim? O que é o mundo? - O que vai fazer para o futuro? – Perspectiva
É seguro ou ameaçador?). O método fenome- a possibilidade de vir-a-ser
nológico é usado para compreender o existente - Será que poderia fazer de outra maneira?
tal como ele é e se escolhe – Proporciona a possibilidade de mudança
- Confrontar com as limitações existenciais, ao desafiar o cliente a compreender como poderá
nomeadamente no que concerne à auto-decepção/ fazer outras escolhas.
/frustração (ajudando a redescobrir as oportu-
nidades e desafios esquecidos), à angústia Pretende-se facilitar o confronto activo do cliente
existencial (facilitando a consciência das com o seu projecto, questionando a sua existência e
limitações provenientes da inevitabilidade facilitando a abertura à construção de alternativas,
da morte), à culpabilidade existencial, às para que possa mudar o presente e o futuro. Esta
consequências das escolhas passadas e futuras reconstrução alternativa da experiência destina-
(reconhecendo limitações e possibilidades) -se a proporcionar mudança e deve ter em conta
e as contradições próprias relacionadas com que a mudança terapêutica é um processo de
sucesso/fracasso, liberdade/necessidade e construção gradual que implica comprometimento
certeza/dúvida com o desejo (projecto), escolha e acção.
- Facilitar a exploração do mundo pessoal em Trata-se de ajudar o outro a ser o seu nome (o
relação às quatro dimensões da existência “quem”), fazendo aquilo que deseja e se permite,
(física, psicológica, social e espiritual) para convertendo a história na sua história e a realidade
identificar prioridades e impasses, bem como individual em realização pessoal. Procura-se activar
eventuais preocupações em níveis particulares as zonas de desenvolvimento potencial da pessoa
da existência, o que exige a facilitação de do cliente que se integrem no seu projecto, para
uma atitude expressiva de auto-exploração que ele possa cuidar de si e da situação.
e envolvimento emocional. Inclui também
a eventual exploração dos sonhos, entendidos 4.3. Atitudes e qualidades profissionais e pessoais
como mensagens do sonhador para si próprio desejáveis
e reflectindo as várias dimensões da existência
- Facilitar a elucidação de significados, enco- As atitudes do terapeuta permitem escrutinar
rajando uma atitude de procura focalizada o nível de consciência que o cliente tem da sua
em si próprio, com abertura à auto-descoberta experiência e devem também facilitar-lhe tomar
para se encontrar (Como se identifica a si ainda mais consciência de si. Devem permitir também
próprio e ao mundo? O que é que lhe interessa ao cliente perspectivar a sua autenticidade para

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agir acções determinadas e fundadas na sua indivi- cliente tem sobre a sua experiência (para facilitar
dualidade, integradas no seu projecto. Entre essas uma maior consciência de si) e, também, compre-
atitudes clínicas destacam-se (Carvalho Teixeira, ender a importância que ele confere ao futuro ou
1996): ao seu passado nas decisões pessoais.
- A autenticidade de apresentar-se “tal como Pode questionar-se se existem qualidades
se é”, evitando esconder-se atrás do profissio- desejáveis para ser terapeuta existencial. Para além
nalismo, estando consciente dos seus próprios dos conhecimentos teóricos e do treino profissional
sentimentos em relação à pessoa do cliente. que são necessários, a natureza específica da psico-
Implica uma atitude natural e espontânea, terapia existencial torna desejável a presença de
com vontade da ser verdadeiro para a pessoa certas características pessoais e de certa experiência
do outro, que lhe facilite o auto-conhecimento de vida. Entre as características pessoais destacam-
e seja sensível e factor de confiança -se: capacidade de auto-reflexão, atitude de procura
- A aceitação incondicional da pessoa do cliente, de significados e abertura a várias perspectivas.
sem pré-juízos nem ideias preconcebidas da A experiência de vida envolve diferentes experiências
originalidade do cliente, tal como se apresenta. profissionais em diferentes contextos, experiência
Implica recusa de qualquer atitude avaliativa, de crises existenciais e de conflito satisfatoriamente
para que venha a ser possível libertar o medo resolvidas e capacidade de lidar com um número
e confirmar a responsabilidade de cuidar de muito diverso de contradições, atitudes, sentimentos,
si e da situação. Envolve interesse positivo, pensamentos, valores e experiências.
respeito por todas as manifestações da perso- A relação terapêutica deverá caracterizar-se
nalidade do cliente, escuta acreditante, conside- por um movimento para a reciprocidade positiva,
ração pelo seu sistema explicativo e respeito no interior de uma relação real em desenvolvimento
pela sua capacidade potencial de vir-a-ser mais (Cannon, 1993).
autêntico
- A compreensão empática, enquanto partilha
baseada na intuição participante, uma aproxi- 5. MODALIDADES DE PSICOTERAPIA
mação que permitirá ressoar as referências EXISTENCIAL
internas do outros tal como ele as experimenta
e que alternará com o distanciamento ana- Um dos aspectos difíceis para quem se inicia
lítico que permite a distância terapêutica óptima é o confronto com a diversidade de concepções e
para a compreensão da totalidade da existência de propostas de intervenção existencial, dada a
do cliente. heterogeneidade de metodologias.
Tal como Cooper (2003), distinguimos os seguintes
No seu conjunto, as atitudes de autenticidade, seis modalidades principais de psicoterapia exis-
aceitação incondicional e compreensão empática tencial, que apresentam fundamentações teóricas
permitem o escrutínio do nível de consciência que o consistentes e objectivos coerentemente delimitados,

QUADRO 3
Modalidades de psicoterapia existencial

MODALIDADES AUTORES

Daseinanálise L. Binswanger, M. Boss, G. Condrau


Logoterapia V. Frankl, J.P. Fabry, A. Tengan, P. Wong
Psicoterapia existencial-humanista norte-americana Rollo May, J. Bugental, I. Yalom, Kirk Schneider
Psicoterapia existencial britânica D. Laing E. Spinelli, E. Van Deurzen-Smith, H. Cohn
Psicoterapia existencial breve F. Strasser & A. Strasser
Psicoterapia existencial sartreana M. Villegas, T. Erthal, B. Cannon

297
aos quais acrescentamos a Análise da Existência encerramento do Dasein, uma privação e bloqueio
enquanto análise do projecto existencial, de inspiração da relação consigo mesmo, na qual o individuo
sartreana. se fecha ao seu mundo. O indivíduo mentalmente
perturbado seria um ser restrito e oprimido, no
5.1. Daseinanálise qual prevaleceria uma opacidade para si mesmo
e uma perda da comunalidade com o mundo do
A Daseinanálise, também designada por Análise outro. Assim, seria ainda possível identificar as
Existencial ou Análise do Dasein foi introduzida características essenciais da presença perturbada
por Binswanger e teve influência predominante em diferentes estados psicopatológicos: presença
da filosofia de Heidegger. perdida (melancolia), presença momentânea (mania),
A proposta inicial de Binswanger (1971) foi a presença vazia (esquizofrenia), presença de exibição
de utilizar o método fenomenológico para tentar (histeria) e presença controlada (neurose obsessiva).
a descrição e compreensão do Dasein perturbado A tematização da existência, resultante da psico-
(que o autor chegou mesmo a designar por “Dasein patologia, implicaria a reconstrução da experiência.
psiquiátrico”), ou seja, uma análise fenomenológica Assim, o factor terapêutico seria a investigação
das formas de existência frustrada. Assim, partindo metódica da biografia interna, onde apareceria uma
das categorias da psicopatologia, focalizou na presença nova forma de comunicação e reconstituição mental
perturbada (melancólica, esquizofrénica, entre outras) das vivências com um retorno à pluridimensio-
procurou, numa primeira fase, compreender a estrutura nalidade do Dasein.
do Dasein perturbado em termos de alterações Enquanto Bisnwanger se focalizou essencial-
das categorias existenciais. O seu questionamento mente na análise fenomenológica do Dasein perturbado,
inicial foi o seguinte: Como é que o Dasein perturbado
Boss centrou-se no método terapêutico, no qual
se projecta no mundo? Concluiu que a psicopatologia
enfatizou como finalidade principal a facilitação
está associada ao que denominou por flexões existen-
duma maior consciência das experiências actualmente
ciais do ser: uma tematização numa ou mais categorias
vividas através da relação terapêutica, cuja permis-
(ontológicas do ser) em detrimento das outras,
sividade e abertura permitiria ao cliente descobrir
tornando-o unidimensional. O que é patológico é
outras possibilidades de relação com as outras
o que se afasta da estrutura apriorística do ser.
pessoas que encontra.
Uma só categoria existencial serve de fio condutor
ao projecto de mundo, o que é restritivo e limitado. Rejeitando o inconsciente e a transferência, Boss
Por exemplo: a corporalidade domina ou tematiza definiu que, utilizando o método fenomenológico,
o Dasein hipocondríaco, dismorfofóbico, anoréxico os objectivos são: ajudar a ver a forma como o
e bulímico; a temporalidade domina o Dasein paciente experimenta o seu-mundo, identificar as
melancólico na detenção do tempo vivido e o Dasein suas escolhas, promover a abertura completa em
esquizofrénico na atomatização da vivência do relação a si próprio e mobilizar as suas capacidades
tempo, que fragmenta o vivido; a espacialidade domina e potencialidades. Comporta a análise dos sonhos,
o Dasein agorafóbico. Presenças tematizadas (frus- que poderiam revelar a abertura do ser ao mundo
tradas) em torno de uma categoria existencial. e, portanto, devem ser analisados a partir das
Numa segunda fase, Binswanger procurou a suas analogias com a vida de quem sonha.
compreensão da existência perturbada em termos Entre outros aspectos, a Daseinanálise tem sido
da abertura do ser da presença perturbada, concluindo criticada por estar excessivamente centrada nas
que o Dasein perturbado é um extravio da sua categorias psicopatológicas e por, apesar de propôr
realização ontológica que o tornaria opaco a si um método terapêutico, não utilizar uma técnica
próprio, esvaziado e limitado, pelo que a psico- específica para promover a mudança individual.
patologia associa-se a frustração existencial. Para Neste último aspecto não está sozinha.
Binswanger, os diferentes quadros psicopatológicos Partilha a crítica com outras modalidades de
são assim entendidos como desvios ou alterações psicoterapia existencial. Por outro lado, ao centrar-se
da norma ontológica, ou seja, formas de existência numa estrutura apriorística do ser, saiu da relação
frustrada. A saúde mental seria caracterizada pela sujeito-objecto e, portanto, saiu da dimensão psico-
abertura ao mundo próprio, enquanto as diferentes lógica para trabalhar apenas com o sujeito trans-
perturbações mentais seriam caracterizadas pelo cendental.

298
5.2. Logoterapia a possibilidade de mudar a sua atitude em
relação ao sofrimento
Para Frankl (1986, 1984) a motivação fundamental - Diálogo socrático – Tal como utilizado
da existência seria a procura de significado, único pela terapia racional-emotiva, consiste em
e específico da existência individual, sendo que a colocar questões de tal maneira ao cliente
falta de significado conduziria à frustração exis- que este se torna cada vez mais consciente
tencial e esta, por sua vez, à neurose. Frankl quali- das suas decisões pré-reflexivas, das suas
ficou a neurose como noogénica, para evidenciar esperanças reprimidas e do seu conhecimento
a sua relação com a dimensão existencial. Elegendo até aí não admitido por ele
a procura de significado como central na existência - Fast-forwarding – Consiste em encorajar o
individual, a proposta de Logoterapia é a de facilitar cliente a imaginar o tipo de cenários que
ao cliente a procura do significado (logos) e propósito seriam consequências desta ou daquela
da sua vida, procurando superar o vazio e o desespero. escolha que ele possa fazer e questionar-se
Influenciado essencialmente pela filosofia dos sobre os significados daí decorrentes para a
valores de Max Scheler e pela psicanálise de Freud, sua vida
Frankl foi também influenciado pelo pensamento - Intervenção paradoxal – Trata-se de encorajar
religioso – o ser humano deve viver de acordo o cliente a deixar de lutar contra as suas
com valores e tem um núcleo de espiritualidade dificuldades e a evocar desejos ou intenções
e uma tarefa específica na sua vida; o sofrimento, fortes mesmo que sejam muito embaraçosas
a culpa e a ansiedade podem algum ter papel ou aterrorizadores para ele. Ou seja, o cliente
positivo – e pela sua própria experiência como é solicitado a desejar aquilo de que tem
prisioneiro dos nazis num campo de concentração, medo. Esta técnica pode ser facilitada com
no qual encontrou suporte para a ideia de que, algum humor que ajude o cliente a distanciar-
mesmo nas circunstâncias mais adversas, o ser -se das suas dificuldades e, no final, encará-las
humano pode escolher o modo de se confrontar de uma outra forma
com essas circunstâncias. - De-reflexão – partindo do pressuposto que
O método da logoterapia tem por finalidade em certas perturbações os indivíduos estariam
ajudar os indivíduos que sofrem ou não de neuroses demasiado centrados em si próprios (estado
noogénicas a redescobrirem o significado e de hiperreflexão) ao ponto de escotomizarem
propósito das suas vidas, em situações em que o a sua orientação para o exterior, Frankl introduziu
sofrimento seja induzido por factores externos a técnica de de-reflexão que consiste em
ou por factores internos, uma vez que Frankl encorajar o cliente a ignorar os seus sintomas
defendeu que o espírito humano é a capacidade e a orientar a sua atenção para o mundo
para transcender e desafiar as experiências corporais externo.
(por exemplo, as experiências dolorosas mas também
as experiências psicológicas (normais e perturbadas). Mais recentemente, Wong (1998), propôs uma
Assim, assume importância a procura de significado integração da logoterapia com terapia cognitivo-
para o próprio sofrimento psicológico. Trata-se, comportamental (aconselhamento centrado nos
portanto, de ajudar a descobrir o significado da significados) e sistematizou como objectivos tera-
experiência – “O que é que eu posso fazer com pêuticos para ajudar o cliente a descobrir novos
esta situação? Em que é que esta situação me significados para o seu passado, presente e futuro:
desafia?” – fundamentalmente a partir de valores propósito da sua vida, compreensão de si próprio,
atitudinais, que podem ser actualizados através modos de viver e de se relacionar e os seus papéis
da mudança da atitude individual em relação à sociais. O foco do trabalho terapêutico, que procura
situação. Para atingir as suas finalidades, a logo- clarificar significados passados, presentes e futuros,
terapia tem proposto várias técnicas de intervenção, pode incluir as distorções cognitivas, dificuldades
nomeadamente: de aprendizagem, regulação afectiva, dificuldades
- Apelo – Intervenção mais directiva que consiste relacionais, confronto com problemas e potencia-
em recordar que cada situação de vida tem lidades, dificuldades de identidade, significação
um significado e/ou que o cliente tem sempre e projecção ao futuro, bem como as tarefas do

299
crescimento, os desafios do fracasso (doença, morte) de uma focalização nas preocupações principais
e os obstáculos internos ao significado. e num processo de associações livres em
torno dessas preocupações. A finalidade é
5.3. Psicoterapia existencial-humanista norte- colocar o cliente cada vez em maior relação
americana com a sua realidade subjectiva interna. O
papel do terapeuta consiste aqui em identificar
O desenvolvimento da psicoterapia existencial quando o cliente resiste a esse processo e
nos Estados Unidos da América foi iniciado em confrontá-lo com isso
1958 quando Rollo May (1909-1994) publicou o - A autenticidade existencial define-se na relação
livro Existence: A New Dimension in Psychiatry consigo próprio mas também com as relações
and Psychology, tendo Bugental (1981, 1978), interpessoais – É dada ênfase à importância
Yalom (2001, 1980) e, mais recentemente, Kirk da presença interpessoal para a autenticidade,
Schneider (1999) como representantes principais. pelo que uma das finalidades principais da
Esse desenvolvimento assentou em influência intervenção terapêutica é tornar o cliente
múltiplas: filosofias existenciais de Tillich, Kierke- mais autêntico nas relações com os outros.
gaard, Nietzsche e pragamatismo de William James; Assim, Bugental e Yalom consideram mesmo
movimento da psicologia humanista, nomeadamente que é importante questionar o cliente a conscien-
Carl Rogers e a A. Maslow; psicanálise, sobretudo cializar o que experimenta no encontro tera-
através de Adler, Otto Rank, E. Fromm e F. pêutico no confronto com a presença do terapeuta
Fromm-Reichman. - A experiência de confronto com os dados
Centrada no mundo próprio individual, o mundo da existência é a fonte da ansiedade – A
das experiências subjectivas individuais, a psico- compreensão do funcionamento mental (normal
terapia existencial-humanista norte-americana e patológico) assenta na forma como o indivíduo
tem enfatizado os seguintes aspectos essenciais: se confronta com a ansiedade que emerge da
- A consciência da realidade da existência é experiência de confronto com os dados da
que conduz à ansiedade – A ansiedade existência. Para Yalom são a morte, a liber-
aparece a partir da consciência da realidade dade, a solidão e a falta de sentido. Para Bugental
duma existência incerta livre e sem sentido são a finitude, capacidade potencial para agir,
e não os impulsos sexuais e agressivos, mas a escolha, a corporalidade e o isolamento.
aceitando que o problema é inconsciente e
que a ansiedade conduz a mecanismos de Mais recentemente, Kirk Schneider (1999)
defesa que servem para negar ou distorcer introduziu o conceito de polaridade constritiva/
aquela realidade. As estratégias defensivas /expansiva da realidade, que seria aplicável à
que são usadas para proteger contra a experiência. Considerou que a saúde mental se
ansiedade existencial poderiam conduzir a caracterizaria pela capacidade de se movimentar
ansiedade neurótica com abertura e flexibilidade ao longo desse continuum
- A finalidade principal da intervenção tera- e que a psicopatologia seria caracterizada por
pêutica é ajudar o cliente a identificar e uma tendência do indivíduo para se situar nos
superar as suas resistências ou modos de extremos dessa polaridade. Assim, seria possível
evitamento da ansiedade existencial – A diferenciar entre disfunções hiper-constritivas
proposta terapêutica passa por ajudar o cliente (depressão, agorafobia, dependência) hiper-expansivas
a identificar as suas auto-decepções, facilitar (impulsividade, mania, claustrofobia) e hipercons-
o encontro com a sua ansiedade existencial tritivas/expansivas (perturbação bipolar e esquizo-
através de uma atitude de compromisso e frenia).
resolução e voltar a relacionar-se com o seu As críticas principais que têm sido apontadas
potencial de crescimento à psicoterapia existencial-humanista norte-ame-
- O confronto com a existência implica a tomada ricana têm-se relacionado com a sua dependência
de consciência do mundo próprio da experiência excessiva dos processos inconscientes (nomeada-
subjectiva – A intervenção terapêutica implica mente as resistências), com a sua focalização
a facilitação no cliente duma conscienciali- predominante na experiência subjectiva individual
zação das suas experiências actuais, a partir em detrimento da inter-subjectiva e com a impor-

300
tância, também excessiva, que é dada ao desenvol- lhendo ao acaso (desorganização hebefrénica) ou
vimento da autenticidade quase como se fosse construindo novos significados (delírio paranóide).
uma forma superior de ser Do ponto de vista da intervenção, a proposta
terapêutica de Laing baseia-se na escuta que permite
5.4. Psicoterapia existencial de Ronald Laing ao cliente articular e relacionar as suas experiências,
mas de forma não invasiva nem intrusiva para
Influenciado pelo pensamento filosófico de Kirke- facilitar a sua auto-recuperação e reintegração.
gaard, Nietzsche, Heidegger, Jaspers, Husserl e No seu conjunto preconizou um encontro autêntico
Sartre, bem como pela psicanálise e pelo marxismo, (sem máscaras) e designou esse percurso por metanóia.
pela psiquiatria interpessoal de Harry Stack Sullivan A finalidade seria a de restabelecer a capacidade
e estudos da comunicação de Gregory Bateson e do cliente se relacionar com os outros e com a
da escola de Palo Alto (Califórnia), Ronald Laing possibilidade de se encontrar com as suas necessi-
(1927-1989) centrou a sua investigação na psicopa- dades existenciais: amor, segurança ontológica,
tologia, em particular na esquizofrenia, procurando liberdade, auto-descoberta, afirmação pelos outros
o seu significado. Destacou essencialmente a impor- e capacidade de relacionamento.
tância da insegurança ontológica e do contexto Do ponto de vista crítico tem sido apontado o
social da perturbação mental. facto da perspectiva da Laing não ter superado os
Introduziu o conceito de insegurança ontológica modelos de doença e de cura, ter conceptualizado
para designar o sentimento fundamental dos indivíduos o self como se fosse algo com existência concreta e
com patologia esquizofrénica caracterizado por localizada, bem como ter atribuído um significado
uma diminuição do sentimento de identidade e de exclusivo ao que chamou insegurança ontológica,
realidade acompanhada pelo medo da aniquilação. ligando-a especificamente à esquizofrenia quando,
Este, poderia incluir três medos específicos: o na realidade, pode ser experimentada mais genera-
medo do engolfamento ou de que a sua autonomia lizadamente como ansiedade existencial.
seja submetida a outros; o medo da implosão ou
de ser esmagado pelo mundo externo e o medo 5.5. Psicoterapia existencial britânica
da petrificação ou de se tornar num objecto inanimado.
A insegurança ontológica poderia conduzir à esqui- A análise existencial e psicoterapia desenvolvida
zofrenia na medida em que o indivíduo tentaria na Grã-Bretanha teve influências das filosofias
proteger-se dividindo o self em dois: retiraria a de Heidegger, Kierkeggard, Nietzsche, Sartre,
sua verdadeiro self do seu corpo e permaneceria Jaspers, Buber e Merleau-Ponty, mas também da
retirado num local privado da mente (o delírio) filosofia de Husserl, com alguma proximidade
no qual tem esperança de estar defendido contra em relação à Daseinanálise e tendo também
a aniquilação. Desta forma, tornar-se-ia cada vez influências significativas das concepções de Laing.
menos capaz de experimentar relações reais com Rejeitando o individualismo, o subjectivismo e o
os outros. Refugiando-se no delírio procuraria modelo médico da saúde mental, esta corrente tem
ainda recuperar a segurança ontológica. como representantes principais Van Deurzen-Smith,
A perturbação esquizofrénica não poderia ser Spinelli, DuPlock e Cohn e, mais recentemente,
compreendida apenas em termos de disfunciona- Wolf, Milton e Madison. Como característica essencial
mentos intra-psíquicos, mas sim como uma estratégia refira-se a recusa da patologização e a grande
que o indivíduo desenvolveria para sobreviver a importância de compreensão do mundo próprio
determinadas situações do contexto social. Em do cliente e dos seus problemas com o viver.
particular, enfatizou a importância das fantasias Van Deurzen-Smith (2002, 1997) centra a sua
familiares que podem invalidar os sentimentos e abordagem na superação dos desafios e vicissitudes
as percepções do indivíduo, bem como da comu- da existência, pelo que definiu que a finalidade
nicação em duplo vínculo (double bind) no contexto principal da intervenção terapêutica é ajudar o
família, podendo conduzir ao que denominou por cliente a confrontar-se com os desafios da vida
posição insustentável em relação à qual a única quotidiana, muito mais do que com os dados da
saída poderia ser a psicose, uma espécie de tentativa existência. O questionamento central é: Como é
de se manter saudável num mundo doente: fechando que eu posso viver uma vida melhor?
aos canais de comunicação (retirada autista), esco- O ponto de partida é a ideia de que a ansiedade

301
existencial é inevitável, dadas as imperfeições, Esta proposta é operacionalizada através de
tensões, dilemas, paradoxos e desafios do viver. uma abordagem descritiva da experiência vivida
Confrontando-se com a ansiedade, o indivíduo actual, dos modos de relação com o seu-mundo
tentaria reduzi-la fantasiando a existência de um em quatro dimensões: física, social, pessoal e espiritual.
mundo perfeito, sem problemas, mostrando-se Nestas quatro dimensões o cliente é encorajado a
relutante em confrontar-se com a realidade da explorar os dilemas e paradoxos com que se confronta.
sua vida. Seria uma atitude de auto-decepção que
proporcionaria uma segurança temporária, mas Spinelli (2003, 1994, 1989) representa a corrente
que ao mesmo tempo seria uma forma de se distanciar inspirada predominante pela fenomenologia de
da realidade. Husserl, interessada numa perspectiva descritiva,
No confronto crucial com a situação de crise com grande ênfase na atitude de abertura ao ser e
pessoal, o indivíduo pode escolher confrontar-se à qualidade da relação do terapeuta com o cliente.
resolutamente com os problemas ou, então, afastar- Acentuou no método fenomenológico aplicado à
-se ainda mais da realidade, o que acabaria por entrevista a importância da époché (“pôr o mundo
conduzir a situações vividas com desespero. Do entre parêntesis”), da descrição (do vivido) e da
seu ponto de vista, o indivíduo em sofrimento equalização (evitamento da hierarquização dos
psicológico não estaria doente. Pelo contrário, teria fenómenos observados). Mais especificamente,
desenvolvido uma filosofia de vida enganadora chamou a atenção para:
que conduz à autodestruição. - A distinção entre o modo com o indivíduo
Assim, a grande finalidade da intervenção tera- desenvolve a estrutura do self e a actualidade
pêutica é ajudar o cliente a confrontar-se com a das experiências vividas, e a sua tendência
realidade da sua situação e deixar atitudes de auto- para se dissociar daquelas experiências que
-decepção, envolvendo-se criativamente com problemas não são vividas como concordantes com aquela
da vida. O que é proposto é uma atitude de encoraja- estrutura, procurando então atribuições externas.
mento ao confronto com as tensões e dilemas e à A estrutura do self não é conceptualizada
descoberta de modos de superação desses desafios. como uma entidade independente, mas sim
Os objectivos são: construída e mantida na relação com os outros
- Ajudar a retomar o controlo sobre a sua - O facto das recordações do passado serem
própria vida, com sentimento de mestria interpretações construídas a partir da forma
- Facilitar uma compreensão de si próprio com o indivíduo se vê no presente e se antecipa
com mais capacidades e poder do que as em relação ao futuro – Desta forma, o relato
anteriormente auto-percepcionadas de acontecimentos passados pode ter interesse
- Substituir percepções de ameaça por percepções para compreender quais são as características
de desafio da estrutura do self e o que projecta para o
- Experimentar os seus diferentes e mais flexíveis seu futuro
modos de ser e responder o mais construti- - A necessidade de respeitar e aceitar a existência
vamente possível aos desafios da existência, do cliente tal como é vivida – Em consequência,
redescobrindo o entusiasmo e o comprometi- a finalidade da intervenção terapêutica não
mento é no sentido do que deveria ser mas sim é o
- Superar o medo de viver e descobrir como a encorajamento à mudança ou adoptar um
vida pode ser vivida de forma mais satisfatória modo mais existencial de viver, reflectindo
e feliz. e clarificando a sua experiência de estar-no-
-mundo
A proposta de Van Deurzen-Smith (1998, 1997) - A importância da atitude terapêutica do
tem impregnação filosófica marcada e, em última estar-com e estar-para – Isto significa estar
análise, pretende ajudar o cliente a identificar os com a experiência vivida pelo cliente, no
seus valores mais essenciais: o que realmente importa sentido fenomenológico da sua compreensão
para ele. Assim, centra-se em grande parte na tal como é vivida, pelo que se procura facilitar-
dimensão espiritual dos valores e significados, passo -lhe uma exploração dos seus valores,
considerado indispensável para que possa consi- significados, interpretações, sentimentos e
derar melhor a sua projecção ao futuro. crenças. Em particular, é dada grande impor-

302
tância às interpretações do cliente acerca de nem num conjunto de objectivos, embora estipulem
si próprio, acerca daquilo que ele acha que um conjunto de doze sessões, seguidas por duas
é, de forma a compreender como é que certos sessões de follow-up de seis em seis semanas.
comportamentos estão relacionados com a A abordagem está estruturada em torno de duas
estrutura do self e como é que poderia encontrar rodas da existência (existencial wheels), que são
modalidades alternativas de se representar representações esquemáticas sob a forma de roda
a si e ao seu-mundo. que os autores consideram acelerar o processo
terapêutico:
Hans Cohn (1997) representou a corrente inspirada - A primeira é uma representação dos dados
predominantemente pelo pensamento de Heidegger, da existência – Incerteza, relações interpessoais,
defendendo que as dificuldades psicológicas seriam tempo e temporalidade, criação de padrões
experimentadas quando o individuo tenta lutar contra de valores e comportamentos, criação de
os dados da existência – estar-no-mundo, estar- sedimentações de valores e comportamentos,
-com-os-outros; mortalidade, inevitabilidade da polaridades, quatro dimensões da existência
escolha, corporalidade, espacialidade, temporalidade, (física, social, psicológica e espiritual), auto-
humor e sexualidade – não relacionando essas -conceito e auto-estima, ansiedade existencial
dificuldades com ansiedades existenciais específicas. e liberdade de escolha
- A segunda é uma representação dos métodos
5.6. Psicoterapia existencial breve e skills que o terapeuta pode usar para cada
uma das possibilidades e limitações do estar-
Têm sido propostas diferentes abordagens breves -no-mundo – Estabelecer o contrato, método
em psicoterapia existencial, nomeadamente por fenomenológico e investigação das relações
Bugental (1995) e Strasser e Strasser (1997). interpessoais, estabelecer a percepção do tempo
e o momento (timing) das intervenções, identi-
5.6.1. Psicoterapia existencial-humanista breve ficar o sistema de valores e as polaridades,
desafiar sedimentações rígidas, identificar
A proposta de Bugental de psicoterapia existencial- polaridades e paradoxos, explorar os quatro
-humanista breve envolve uma intervenção por mundos, identificar o auto-conceito e auto-
fases sequenciais, cada uma das quais ocupando -estima, desafiar interpretações distorcidas
uma sessão ou mais consoante os casos. Trata-se sobre a ansiedade, identificar escolhas e signi-
de uma versão curta da sua proposta de terapia ficados.
existencial de longa duração, considerando esta
última mais eficaz. O modelo breve desenvolve- A primeira roda serve para, num primeiro momento,
-se nas seguintes fases: avaliação, identificação da identificar o tipo de problemas que o cliente coloca,
preocupação, consciencialização das experiências bem como os que não coloca, permitindo ao terapeuta
subjectivas, identificação de resistências, trabalho compreender o cliente de uma forma ampla.
terapêutico focalizado e terminação. Admite-se a A segunda roda contém estratégias para ajudar o
possibilidade de realizar novas séries de terapia terapeuta a facilitar o percurso do cliente no processo
breve. terapêutico, quer tornando-se mais consciente de
aspectos particulares da sua existência, quer desafiando
5.6.2. Psicoterapia existencial limitada no tempo algumas das suas concepções do mundo.

Strasser e Strasser (1997) enfatizaram as vantagens 5.7. Psicoterapia existencial sartreana


que, a seu ver, podem ter os modelos breves: uma
intervenção limitada no tempo é mais concordante A Análise da Existência, que é uma análise do
com a natureza também finita da existência humana; existente com preocupação primordial com a sua
impulsiona mais facilmente para a mudança, uma existência concreta (o seu-mundo), parte do pressu-
vez que a permanente recordação da terminação posto que a existência é um projecto que tem estrutura
da terapia intensiva o comprometimento no processo narrativa. Foi predominantemente influenciada
terapêutico. Diferem de Bugental uma vez que não pela filosofia de J. P. Sartre, em especial por aquilo
procuram focalizar numa preocupação específica a que o autor chamou “psicanálise existencial”,

303
na qual a proposta é a de compreender o existente os significados. Assim, é uma análise textual da
a partir dos diferentes modos como a consciência redundância (conteúdos) e da coerência (relações
se relaciona com o mundo, com os outros e consigo estruturais). A finalidade última é a descoberta das
mesmo, e como tenta evitar a angústia que se associa intencionalidades significativas e a identificação
ao confronto com a sua liberdade e a sua respon- da coerência global, que é homóloga do projecto.
sabilidade (Rodriguez, 2001). Permite identificar e fornecer ao indivíduo significados
O Homem é aquilo que se projecta ser e não e colocá-lo em confronto com a maneira como
existe antes desse projecto. Assim, a análise da estrutura o seu-mundo. Permite-lhe questionar a
existência toma por objecto a análise do projecto sua existência e re-situar-se. Escolher outras possi-
existencial enquanto chave organizadora da existência, bilidades. Introduzir mudança no presente e no
continuidade compreensível (coerência) de vivências futuro, pondo-se mais de acordo consigo próprio,
passadas, presentes e futuras que está presente mais próximo do seu projecto.
no discurso e que envolve construções pessoais O objectivo da psicoterapia é facilitar ao indivíduo
duradouras e significativas dos sentimentos, compro- o encontro com formas de se tornar mais coerente
missos e auto-realização, bem como as escolhas com o seu projecto ou, então, questionar e reformular
que faz de si mesmo em situação. Assim, a finalidade o seu projecto.
é identificar as escolhas que o indivíduo faz para Assim podemos dizer que, a partir desta perspectiva
se tornar pessoa, ou seja, o seu projecto originário, de análise da existência, a intervenção psicoterapêutica
matriz dos demais projectos e determinante das envolve uma dimensão analítica e uma dimensão
acções concretas. terapêutica.
O ponto de partida não é a psicopatologia mas
sim a existência concreta do indivíduo. A finalidade 5.7.1. Dimensão analítica
é analisar a existência como expressão dum projecto
concreto para que, ao promover o seu questionamento, A finalidade é descobrir as estruturas ontológicas
o indivíduo possa compreender-se e a mudança da existência que se manifestam na experiência,
seja possível. O questionamento central é: Como o que envolve três fases sucessivas (Cannon, 1993):
é que eu me escolho e me projecto? Pretende-se explorar a estrutura ontológica do projecto funda-
que o projecto que emerge da análise do passado mental (escolha original do ser), compreender as
e do presente seja assumido e enfrentado e, se neces- dificuldades actuais do indivíduo nas suas relações
sário, seja modificado no sentido da auto-realização com as experiências passadas que suportaram a
e da autonomia. escolha do seu modo de ser-no-mundo e, ao mesmo
Villegas (1991) defendeu que é essencial delimitar tempo, dos significados futuros, facilitando-lhe o
bem o método e a técnica. O método proposto é questionamento do seu projecto e, se necessário,
a hermenêutica do discurso, sendo este o lugar de facilitando novas escolhas, que lhe permitam
construção do seu-mundo, onde reside o significado, projectar-se num futuro diferente mas escolhido
a intencionalidade que unifica as dimensões afectiva, por ele.
cognitiva e comportamental/relacional da expe- É a análise da existência que toma por objecto
riência psicológica. O método hermenêutico (com- o projecto existencial do sujeito, isto é, a existência
preensivo) toma por objecto a forma como o indivíduo enquanto projecto que tem estrutura narrativa e
constitui a relação com o mundo, sendo o projecto que é continuidade compreensível das vivências
o que dá o sentido. Os fenómenos psicológicos estão passadas, presentes e futuras. Tem-se em conta que
em coerência com o projecto. Não se trata de conhecer o ser não é analisável, porque abstracto. O que é
o mundo projectado mas sim de ter acesso ao como analisável é o seu-mundo, isto é, o existente. Assim,
é que o indivíduo se projecta no mundo, com unidade, o ponto de partida não são as categorias da psico-
coerência e continuidade, condicionado pela facticidade patologia nem as categorias transcendentes do Dasein,
mas gerindo a sua liberdade de escolha de várias mas sim o mundo da experiência (Lebenswelt), ou
possibilidades. Ou seja, trata-se de determinar o seja, a estrutura das vivências individuais que têm
projecto originário, matriz dos demais projectos (Erthal, continuidade compreensível, intencionalidade (que
1994). unifica as dimensões afectiva, cognitiva e compor-
A técnica envolve a análise semântica de textos tamental) e forma narrativa. A análise da existência
de auto-descrição, com a finalidade de identificar é a análise dessa continuidade compreensível na

304
dialéctica Eu/Mundo que é o projecto. Centra-se compreender como se relaciona com os objectos
na totalidade unificada da existência, que se exprime do mundo (ser-em-si), como se relaciona com
numa estrutura do mundo ou sistema de constructos os outros (ser-para-o-outro) e como se relaciona
pessoais, produto da constante reconstrução da consigo próprio (ser-para-si).
experiência passada a partir do presente e projectada
para a antecipação do futuro. O objectivo é, assim, a elucidação do significado
A análise da existência é um regresso à história (intencionalidade), aumentando a auto-consciência
(movimento analítico-regressivo) para facilitar a para facilitar a possibilidade de escolha, ajudando
compreensão do estar-no-mundo, isto é, como é a aceitar os riscos e responsabilidade das decisões
que o problema actual faz parte da pessoa e qual próprias, aceitando a sua liberdade e sendo capaz
foi a escolha que fez de si próprio (projecto). A de gerir as suas próprias possibilidades de existir.
elucidação do projecto permitirá re-descobrir o presente A metodologia é uma hermenêutica do discurso,
(movimento progressivo-sintético) e compreender uma vez que se entende que este é a representação
os significados pessoais. Neste âmbito assumem mental das vivências pessoais, o lugar da construção
importância particular (Cannon, 1993): do mundo do sujeito que pode ser estudada por
- A reconstrução do passado para interpretar uma técnica de análise semântica textual de textos
o presente e o futuro em função da escolha de auto-descrição e auto-biográficos (Quadro 4).
de um projecto fundamental (existencial), A análise da existência exige uma técnica que
uma vez que o projecto existencial e a acção permita reler a existência como um texto que
individual livre (praxis) estão no centro das projecta a pessoa, considerando que o seu projecto
relações com os outros; neste particular, importa existencial manifesta-se nas várias modalidades
identificar as condições que se relacionaram fenoménicas (linguagem, emoções, comportamento,
mesmo com a escolha do projecto mas também entre outras). Assim, Villegas (1990) propôs a
como é que o indivíduo procura desenvolvê-lo análise semântica textual baseada em critérios
no futuro existenciais como a técnica que permitiria remeter
- A relação do projecto com a temporalidade para um discurso, projecto de possibilidades. A
(passado, presente e futuro), mas também com análise semântica centra-se na redundância (conteúdos)
a espacialidade em termos de proximidade e na coerência (relações estruturais) e destina-se
ou distanciamento dos outros a responder ao questionamento central: Como é
- A focalização sobre a experiência pré-reflexiva que este Homem constrói o seu-mundo? Se existirem
para descobrir as estruturas da má fé, isto é, perturbações mentais, elas não interessam aqui
para saber como é que as escolhas pré-reflexivas como categorias nosológicas mas sim como formas
poderão ter sido deformadas reflexivamente de compreender as estratégias que o indivíduo
- O acesso ao mundo individual e concreto que usa para resolver o problema de ser.
se mostra na experiência, promovendo uma A análise da existência é, assim, uma análise
reflexão sobre si próprio que permita ao cliente do projecto existencial (a existência enquanto projecto

QUADRO 4
Características da análise da existência segundo Villegas

ANÁLISE DA EXISTÊNCIA

Objecto Projecto existencial


Objectivo Elucidar o significado
Metodologia Hermenêutica do discurso
Técnica Análise semântica textual

305
que tem estrutura narrativa), tem por objectivo a que permita uma reconstrução alternativa da expe-
elucidação do significado (intencionalidade), o seu riência.
método é a hermenêutica do discurso, usando a
análise semântica de textos de auto-descrição como 5.8. Diferentes métodos, diferentes posicionamentos
técnica. A finalidade última é aqui colocar a pessoa e novos desafios
em contacto com o seu projecto, facilitando-lhe a
autenticidade. Como é possível verificar, dentro das propostas
de psicoterapia existencial existe uma diversi-
5.7.2. Dimensão Terapêutica dade de concepções, que acaba por caracterizar
esta área de intervenção terapêutica por uma
Como foi referido por Martín-Santos (1964), a grande heterogeneidade de possibilidades. Neste
análise existencial poderia ser considerada num aspecto, interessa saber que os diferentes autores
sentido mais de conhecimento (compreensão) e e propostas terapêuticas podem posicionar-se de
num sentido mais dinâmico e modificador. A análise forma diversa em relação a diferentes dimensões
da existência fornece a chave para a dimensão da (Cooper, 2003):
compreensão ou interpretação, isto é, coloca o - Influências fenomenológica/existencial – A
indivíduo em contacto com o seu projecto (como influência fenomenológica é mais notória
se escolheu). Contudo, a psicoterapia relaciona-se em Spinelli (centração na experiência vivida)
com uma dimensão de mudança e transformação, e a existencial na logoterapia de Frankl (procura
que supõe a dimensão analítica mas ultrapassa-a de significado) e na análise da existência
largamente para: (questionamento do projecto). Numa posição
- Considerar mais o futuro do que o passado intermédia ficam a Daseinanálise, a psicoterapia
nos momentos de tomada de decisão existencial-humanista norte americana e as
concepções de Van Deurzen-Smith e de Laing
- Desenvolver as expressões significativas que
- Directividade/não directividade – A directi-
proporcionam as escolhas, nomeadamente
vidade é mais notória na logoterapia de Frankl
ao nível da simbolização (palavras) e da imagi-
e a não-directividade na psicoterapia existencial
nação (exploração interior)
britânica. Numa posição intermédia ficam a
- Desenvolver mais livremente interacções
Daseinanálise, a psicoterapia existencial-huma-
determinadas e apoiadas na sua individualidade,
nista norte-americana, a terapia existencial
relacionando-se mais profundamente consigo de Laing e a análise da existência. A directi-
próprio vidade é uma tendência mais marcada nas
- Abrir-se a novos modos de ser e de agir, mais perspectivas que associam o mal-estar e as
autênticos e concordantes com o projecto crises existenciais ao evitamento do confronto
com os dados da existência
A relação de ajuda que poderá facilitar a mudança - Metodologias descritivas/compreensivas –
é a que ajude o cliente a (re)encontrar a sua liberdade A metodologia descritiva é a mais notória na
ontológica (condição humana) e uma maior liberdade psicoterapia existencial britânica e a compre-
prática (Cannon, 1993), comprometendo-se num ensiva na análise da existência. Numa posição
processo mais autêntico de criação de si próprio intermédia situam-se a Daseinanálise, a psico-
no seu contexto social. terapia existencial-humanista norte americana
É assim que Villegas (1981) considera que a e a psicoterapia existencial de Laing
análise do passado e do comportamento como - Abordagem psicológica/filosófica – A abor-
expressão dum projecto fundamental permite enfrentar dagem é mais psicológica na análise da
directamente esse projecto para modificá-lo, o existência, na psicoterapia existencial-huma-
que só é possível em relação ao futuro e como nista norte americana e na psicoterapia existencial
integração, assumido e compreendido numa nova de Laing e mais filosófica na análise existencial
dimensão. O passado não pode ser mudado mas pode proposta por Van Deurzen-Smith. Numa posição
ser assumido. O presente e o futuro são os tempos intermédia situam-se a Daseinanálise e a
de mudança, expansão e realização. A dimensão logoterapia. Em geral, as abordagens mais
terapêutica centra-se na restauração da liberdade psicológicas são mais focalizadas nas emoções,

306
com excepção da a análise da existência que central é “como” demonstrar a eficácia terapêutica:
se centra nos significados, enquanto as abor- com resultados baseados na evidência ou com
dagens mais filosóficas são mais centradas resultados baseados na experiência? Dada a natureza
nos significados e valores específica da psicoterapia existencial parece desejável
- Centração pessoal/transpessoal – Uma centração contribuir para ultrapassar o distanciamento tradi-
individual encontra-se mais na Daseinanálise, cional entre a investigação e a prática, nomeada-
análise da existência, psicoterapia existencial- mente desenvolvendo investigação empírica com
-humanista norte-americana e psicoterapia metodologias qualitativas que procurem identificar
existencial de Laing; as concepções de Van as chamadas mudanças clínicas significativas e
Deurzen-Smith são mais transpessoais, sendo compreender como aparecem e com que factores
que a logoterapia ocupa posição intermédia do processo psicoterapêutico se relacionam.
- Centração na psicopatologia – A centração Atender a exigências profissionais é imperioso,
na psicopatologia é mais notória na Dasein- sobretudo na área da formação de psicoterapeutas
análise e na logoterapia e menos notória na existenciais, quer no plano do desenvolvimento de
análise existencial britânica. A psicoterapia competências quer na observância da ética profissional.
existencial-humanista norte americana, a psico- Assim, será desejável adoptar as recomendações
terapia existencial de Laing e a análise da da Associação Europeia de Psicoterapia, para assegurar
existência ocupam posição intermédia padrões de qualidade em termos de formação, treino
- Centração na subjectividade/inter-subjecti- e supervisão.
vidade – Uma centração na subjectividade Importa cada vez mais situar a existência indivi-
encontra-se mais na psicoterapia existencial- dual no contexto familiar e social e integrar as
-humanista norte-americana e na psicoterapia novas realidades decorrentes das mudanças sociais
existencial de Laing, enquanto a centração aceleradas que conduziram à fragmentação da vida
na intersubjectividade é mais notória na análise social, a novas desigualdades sociais, ao predomínio
existencial britânica e na logoterapia. A análise da racionalização da existência, à inovação tecno-
da existência e a Daseinanálise ocupam posição lógica, ao predomínio de uma cultura do efémero
intermédia e da superficialidade e à generalização das relações
- Espontaneidade/uso de técnicas – A esponta- de exterioridade com desvalorização do envolvi-
neidade é mais evidente na análise existencial mento emocional nas relações interpessoais e ao
britânica e na psicoterapia existencial de Laing, desaparecimento da família como fonte tradicional
enquanto o uso de técnicas é mais notório de suporte. Importa ter em conta também o aumento
na logoterapia e na análise da existência. A da longevidade, o aumento da sobrevivência com
Daseinanálise e a psicoterapia existencial- doenças crónicas, a tendência crescente para a
-humanista norte-americana situam-se numa medicalização do stress, a pressão para o consumo
posição intermédia. de medicamentos psicotropos face a qualquer problema
e a insegurança laboral, com precaridade dos vínculos,
Finalmente, é importante identificar quais os grande mobilidade e aumento do desemprego. Ao
desafios principais que a psicoterapia existencial mesmo tempo, importa cada vez mais contraba-
enfrenta no nosso tempo. Assim, é possível identificar lançar pressupostos filosóficos excessivamente
os seguintes desafios: centrados na ideologia individualista com a consi-
- Necessidade de demonstrar a eficácia tera- deração que parte significativa do mal-estar e das
pêutica crises existenciais associam-se à presença de estruturas
- Atender a exigências profissionais de alienação e de opressão, exploração, desigualdades,
- Contextualizar a intervenção terapêutica em discriminação, pobreza, desemprego e violência;
termos sociais e culturais ou seja, compreender as condições históricas e sociais
- Assegurar a qualidade do serviço prestado da subjectividade (Gomez-Muller, 2004) ou, se se
aos utilizadores (clientes). quiser, compreender o biográfico no seu contexto
sócio-material (Cannon, 1993).
A psicoterapia existencial compartilha actualmente A psicoterapia existencial, se estiver excessivamente
com outras modalidades de psicoterapia a necessidade centrada no chamado “mundo interno”, pode não
de demonstrar a sua eficácia terapêutica. A questão assumir valores de justiça, defesa dos direitos dos

307
clientes e de solidariedade. Pode não ajudar a lutar nais, com a avaliação de conformidade com os padrões
contra as injustiças e desigualdades associadas que forem recomendados e com o necessário desen-
ao sofrimento. Convém recordar que a psicologia volvimento de indicadores de processo e de resultados,
existencial considera o Eu indissociável da situação: em função da investigação da eficácia terapêutica.
o Eu existe em situação e a situação faz parte do
Eu. É o estar-no-mundo. Ora, a subjectividade
individual é uma síntese de experiências vividas, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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por vezes fragmentada, incerta ou mesmo desnorteada. Bugental, J. (1981). The Search of Authenticity: An Exis-
Assim, a compreensão do existente enquanto compre- tential-Analytic Approach to Psychotherapy. New
York: Irvington.
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Bugental, J. (1978). Psychotherapy and Process: The
que ser contextualizada na sua situação sócio-histórica, Fundamentals of an Existential-Humanistic Approach.
enfatizar o desenvolvimento do empowerment Boston: McGraw-Hill.
individual do cliente e contribuir para a sua libertação, Cabestan, P. (2005). Authenticité et mauvaise foi: que
comprometendo-se na luta contra todas as formas signifie ne pas être soi-même? Les Temps Modernes,
de opressão e alienação. Para tal, é necessário 632/633/634, 604-625.
adoptar uma ética de liberdade em situação, tomar Cannon, B. (1993). Sartre et la Psychanalyse. Paris: Presses
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quais a estratégias adequadas de luta contra a As abordagens existenciais. Análise Psicológica,
opressão, quer a nível individual quer a nível social. 15 (2), 195-205.
A psicoterapia existencial implica ser-se político Carvalho Teixeira, J. A. (1996). A relação terapêutica
na relação com os clientes. Implica adoptar claramente em psicoterapias existenciais. In R. Guimarães Lopes,
uma perspectiva crítica que dê relevância no trabalho Vítor Mota, & Cassiano Santos (Eds.), A escolha de
si-próprio – Actas do II Encontro de Antropologia
clínico à responsabilidade existencial (liberdade
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de escolha e projecto) e à responsabilidade social Hospital do Conde de Ferreira.
(comunitária) do cliente. Uma relação de ajuda Carvalho Teixeira, J. A. (1994). Fenomenologia, existen-
existencial servirá para facilitar o exercício da cialismo e psicopatologia. In José A. Carvalho Teixeira
liberdade de escolha, ajudar a identificar factores (Ed.), Fenomenologia e Psicologia – Actas do I Encontro
de vazio existencial e de falta de poder pessoal e de Psicologia e Psicopatologias Fenomenológicas
a aumentar a consciência crítica e o sentido do e Existenciais (pp. 47-54). Lisboa: ISPA.
colectivo, facilitando atitudes positivas face à Carvalho Teixeira, J. A. (1993). Introdução às abordagens
fenomenológica e existencial em psicopatologia (I):
participação na vida colectiva. Só desta maneira A psicopatologia fenomenológica. Análise Psicológica,
se atingirá a finalidade de ajudar o cliente a re- 11 (4), 621-627.
-encontrar a sua liberdade ontológica e uma maior Carvalho Teixeira, J. A. (1998). A posição fenomenoló-
liberdade prática, comprometendo-se com um processo gica e existencial em psicologia e psiquiatria. Psiquiatria
mais autêntico de criação de si próprio no contexto Clínica, 9 (1), 33-43.
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