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DA

Fatos e números sobre os animais que comemos

Distribuição gratuita

ATLAS DA CARNE 1
FICHA TÉCNICA

O ATLAS DA CARNE foi publicado originalmente em Berlim pela sede da Fundação Heinrich Böll,
no ano de 2013. A partir daí diversos outros escritórios regionais produziram versões em seus idiomas.
Esta edição é uma publicação conjunta dos escritórios da Fundação Heinrich Böll do Brasil, Santiago do
Chile e México

Diretores executivos da versão alemã (“Fleischatlas”) e inglesa (“Meat Atlas”):


Christine Chemnitz (Fundação Heinrich Böll)
Stanka Becheva (Amigos da Terra Europa)

Da versão em português (“Atlas da Carne”):


Dawid Bartelt (Fundação Heinrich Böll Brasil)

Da versão em espanhol (“Atlas de la Carne”):


Michael Alvarez Kalverkamp (Fundação Heinrich Böll do Cone Sul)

Editor-chefe: Dietmar Bartz


Diretor de arte: Ellen Stockmar

Editores em espanhol: Michael Alvarez Kalverkamp e Gwendolyn Ledger


Revisão de textos: Gwendolyn Ledger, Camilo Cepeda e Carlos Alzamora

Colaboradores: Michael Álvarez Kalverkamp, Wolfgang Bayer, Stanka Becheva, Reinhild Benning,
Stephan Börnecke, Christine Chemnitz, Patrick Holden, Ursula Hudson, Annette Jensen, Fernando Jrolovich,
Evelyn Mathias, Heike Moldenhauer, Carlo Petrini, Tobias Reichert, Marcel Sebastian, Shefali Sharma,
Ruth Shave, Elba Stancich, Ann Waters-Bayer, Kathy Jo Wetter, Sascha Zastiral e Sérgio Schlesinger

Edição brasileira: Agosto de 2016 (Reimpressão: Dezembro de 2016)

Organização da edição brasileira: Maureen Santos


Tradução da versão em português: Rosa Peralta
Revisão: Livia Duarte
Revisão editorial: Dawid Bartelt, Maureen Santos e Manoela Vianna

CIP-BRASIL – CATALOGAÇÃO NA FONTE – BIBLIOTECA NACIONAL

H469a
Heinrich Böll Foundation.
Atlas da carne: fatos e números sobre os animais que comemos. – Rio de Janeiro: Heinrich Böll
Foundation, 2015.
68 p.; il. ; 29,7 cm

ISBN: 978-85-62669-16-3

1. Alimentação - América Latina. 2. Alimentação - Brasil. 3. Alimentação - Sociedade. I. Heinrich


Böll Foundation. II. Título.
CDD 632.2

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Consulte o acordo de licença em http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode e um resumo
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Pedidos e downloads
Fundação Heinrich Böll, Escritório Brasil, Rua da Glória 190/701, Glória, CEP 2024 1180
Rio de Janeiro, Brasil, Tel. +55 21 3221 9900, info@br.boell.org, www.br.boell.org

Fundação Heinrich Böll, Escritório Regional do Cone Sul, Av. Francisco Bilbao 882, Providencia,
Santiago de Chile, Tel. +56 2 2584 0172, info@cl.boell.org, www.cl.boell.org

Fundação Heinrich Böll, Escritório Regional da América Central-México-Caribe (Camexca),


Calle José Alvarado 12, Colonia Roma Norte, Delegación Cuauhtémoc, CP 06760 México D.F.,
República Federal de México, Tel./Fax +52 55 5264 1514, mx-info@mx.boell.org, www.mx.boell.org

2 ATLAS DA CARNE
DA

Fatos e números sobre os animais que comemos

2016
SUMÁRIO
6 PREFÁCIO

7 INTRODUÇÃO

8 LIÇÕES SOBRE A CARNE


22 O PESO DA CARNE
10 O SURGIMENTO DE UM MERCADO Em quase toda a América Latina, a pecuária tem
GLOBAL DE CARNE se expandido para novas fronteiras. Em alguns
Os países do Norte têm cada vez menos casos, aumentando indireta ou diretamente
agricultores, mas, ao mesmo tempo, têm o já dramático processo de desmatamento.
aumentado o setor da pecuária e, assim, a Argentina, Brasil e Paraguai são os países que
produção de carne. Ao invés de produzir para mais se destacam nesse aspecto.
o mercado local, abastecem supermercados
distantes. Essa mudança está influenciando 26 TRANSFORMANDO ANIMAIS EM
também a transformação da produção animal PRODUTOS: A INDÚSTRIA DO ABATE
nos países emergentes. Atualmente, o abate é um processo
altamente industrializado. Os matadouros
12 PODER CONCENTRADO – são linhas de produção com trabalhadores
O FUTURO DA INDÚSTRIA DA semiqualificados que exercem suas funções
CARNE GLOBALIZADA em péssimas condições, longe dos olhos da
O aumento na eficiência da produção concen- sociedade. Grupos de defesa dos animais estão
tra o poder de mercado em poucas mãos em questionando a ética por trás dessa indústria.
detrimento dos pequenos agricultores. Isso
também pode se constituir em um risco para os 28 VERMELHO BRILHANTE EMBALADO
consumidores. EM PLÁSTICO – A CONCENTRAÇÃO DO
COMÉRCIO
14 A PECUÁRIA GLOBALIZADA NA Comprar em açougues é coisa do passado. Hoje,
AMÉRICA LATINA a carne é comprada em supermercados, uma
A pecuária está ligada à vida na América do Sul tendência que também chegou aos países de
em um sentido amplo e diverso: desde os este- economia emergente. As demandas da classe
reótipos oferecidos aos turistas até os rituais so- média dão o tom.
ciais mais íntimos; desde a definição de políticas
estatais de exportação até o desenvolvimento de 30 RELAÇÕES CARNAIS: LIVRE COMÉRCIO
economias de base familiar. OU ALIMENTOS SEGUROS
O Acordo de Parceria Transatlântica de
16 O que a soja brasileira tem a ver Comércio e Investimento (TTIP, na sigla em
com a pecuária globalizada? inglês), que atualmente está sendo negociado
A soja brasileira é resultado da cadeia produtiva entre os Estados Unidos e a União Europeia,
global do agronegócio, que é dominado por um promete impulsionar o comércio e a geração
pequeno número de empresas multinacionais de empregos. Mas também poderá enfraquecer
responsáveis por controlar todas as etapas do as leis de defesa do consumidor em ambos os
processo de plantio, dos insumos ao maquinário. lados do Atlântico.

18 As multinacionais brasileiras da 32 O CUSTO OCULTO DA CARNE E


carne: vantagem para quem? DAS SALSICHAS
Em 2008, o BNDES lançou a política das O preço da carne não reflete seu verdadeiro
”campeãs nacionais”, da qual foi investidor custo de produção: os custos ocultos para o
direto e articulador de fusões e aquisições de meio ambiente e o contribuinte podem ser
empresas agroexportadoras. A concentração muito maiores. Se fossem incluídos no preço
de capitais do setor de carne e derivados foi um final, o gado não seria mais um bom negócio.
dos resultados.
34 PORQUE O PORCO MATA O PEIXE:
20 Amazônia, Cerrado e A PERDA DA BIODIVERSIDADE
Pantanal em risco O excesso do uso de fertilizantes prejudica
Enquanto a lei estabelece, para a Amazônia animais e plantas, afetando ecossistemas
Legal, 80% de área de preservação de floresta na ao redor do globo. Os nitratos em águas
propriedade rural, esse índice para o Cerrado é de subterrâneas podem causar câncer. Nas áreas
35%, sendo 20% para outras localidades no país. litorâneas, podem gerar zonas mortas.

4 ATLAS DA CARNE
36 CADA VEZ MENOS RAÇAS 50 CONSUMIDORES RICOS,
A base genética do gado está se estreitando. PREOCUPAÇÕES EM ALTA
São privilegiadas algumas poucas espécies, As preocupações dos consumidores com a
como as vacas leiteiras Holstein-Friesian, segurança alimentar e dietas mais saudáveis
criadas em 130 países. têm se intensificado por uma série de
escândalos relacionados à indústria da carne.
38 O RISCO DOS ANTIBIÓTICOS
Os produtores empregam grandes 52 OS BRICS: 500 MILHÕES DE NOVOS
quantidades de fármacos tanto para evitar CONSUMIDORES
doenças como para promover o rápido Nos países BRICS – Brasil, Rússia, Índia,
crescimento animal. Por isso, em todo o China e África do Sul –, tanto o crescimento
mundo, verifica-se o aumento da resistência demográfico quanto o fenômeno de
de bactérias a medicamentos vitais. urbanização progressiva vêm levando a um
aumento no consumo de carne.
40 ÁGUA: QUANDO A FONTE SECA
O crescimento da indústria pecuária mundial 54 CONVERTENDO PASTOS E MATAGAIS
vai agravar o quadro de superexploração e EM PROTEÍNA
contaminação de rios e lagos: de um lado, o Grande parte do gado e de sua carne, leite e
recurso é utilizado no cultivo de alimentos ovos são produzidos mundialmente por pecu-
para os animais, por outro, os resíduos aristas não industriais. Muitos deles manejam
dessa atividade contaminam as águas seus animais em terras não aptas para o cul- 26 aspectos
subterrâneas. tivo, otimizando assim o uso dos recursos e 80 gráficos
locais. Mas a existência desses produtores sobre a indústria
42 FORRAGEM: GRÃOS PARA O está cada vez mais ameaçada.
da carne e a
COMEDOURO
Teoricamente, seres humanos e ruminantes 56 EM BUSCA DE BONS ALIMENTOS nutrição global
não devem competir por comida. As pessoas No mundo rico, os consumidores preocupa-
deveriam comer grãos na forma de pão, dos enfrentam um dilema: querem carne de
enquanto as vacas deveriam comer pasto e alta qualidade que seja produzida de forma
trevos. Mas as coisas mudaram. ética e amigável ao meio ambiente. Mas qual
é a melhor maneira de garantir isso?
44 O CUSTO CLIMÁTICO DO GADO
A pecuária intensiva gera quase um 58 O QUE PODEMOS FAZER COMO
terço dos gases de efeito estufa em nível INDIVÍDUOS E COLETIVOS
global. Mas alguns cientistas e pecuaristas As dietas sustentáveis protegem a biodiversi-
argumentam que uma pecuária adequada dade e os ecossistemas, são economicamente
não afeta o clima. justas e acessíveis, nutricionalmente adequa-
das, e otimizam os recursos naturais e hu-
46 O GLIFOSATO EM SEU HAMBÚRGUER manos. A questão que fica é: o que podemos
Como se alimentam os animais que fazer individualmente, o que fazem alguns
consumimos? Essa é uma pergunta coletivos e o que a política deve fazer?
importante já que os pesticidas, herbicidas ou
medicamentos deixam vestígios na carne, no 60 RUMO A UMA POLÍTICA PECUÁRIA
leite e nos ovos. MAIS SENSATA NA EUROPA
Como seria uma Política Agrícola Comum
48 A GALINHA INFELIZ – O BOOM que promovesse uma produção pecuária
IRREFREÁVEL DA PRODUÇÃO social e ecologicamente sustentável? Com
AVÍCOLA NO MUNDO apenas algumas reformas, a União Europeia
Nos países do Norte, o consumo de frango poderia melhorá-la consideravelmente.
está superando o de carne bovina e a
produção avícola encontra-se hoje altamente 62 AUTORES E FONTES DE TEXTOS E
industrializada. O consumo na Ásia também GRÁFICOS
está aumentando rapidamente.
64 BIBLIOGRAFIA E INFORMAÇÃO

ATLAS DA CARNE 5
PREFÁCIO

C
omida é um assunto muito pessoal. Não é só mo desses produtos. Propagandas e embalagens
uma necessidade. A comida constantemente em países desenvolvidos mostram imagens de
incorpora certos sentimentos como familia- animais alegres em fazendas felizes. Enquanto
ridade, relaxamento, rotina ou até estresse. Nós na realidade, o sofrimento dos animais, os danos
comemos em diferentes tipos de situação e temos ecológicos e os impactos sociais são varridos para
nossas preferências pessoais. debaixo do tapete.
Ao mesmo tempo, somos cada vez mais aliena- Uma em cada sete pessoas no mundo não pos-
dos sobre o que está em nossos pratos, em nossa sui acesso adequado à comida. Nós estamos longe
mesa e em nossas mãos. Você às vezes se pergunta de garantir o direito internacionalmente reconhe-
de onde vem o bife, a linguiça ou o hambúrguer cido à comida suficiente tanto quantitativamente
que você está comendo? Satisfação pessoal reflete como qualitativamente. Ao contrário, quase 1 bi-
decisões éticas. E preocupações privadas podem lhão de pessoas no mundo sentem fome, em gran-
ter natureza bem política. Cada um de nós deve de parte porque a ânsia das classes médias por
decidir o que queremos comer, mas consumo res- carne cria indústrias alimentícias e de pecuária
ponsável é algo que um número crescente de pes- intensiva de grande escala.
soas demanda e elas necessitam informações para Em muitos países, consumidores estão fartos
poder basear suas decisões. de serem enganados pelo agronegócio. Ao invés
Como podemos, enquanto consumidores, nos do dinheiro público ser utilizado para subsidiar fa-
inteirarmos dos impactos globais causados pelo zendas industriais – como ocorre nos Estados Uni-
nosso consumo de carne? Você sabia, por exem- dos e na União Europeia – consumidores querem
plo, que a produção de carne está diretamente políticas razoáveis que promovam uma pecuária
relacionada ao desmatamento da Amazônia? Que realmente ecológica, social e ética. Em vista disso,
a criação animal em escala industrial traz conse- uma preocupação central da Fundação Heinrich
qüências para a pobreza e a fome, provoca deslo- Böll é prover informação a respeito dos efeitos da
camento e migração, afeta o bem-estar animal, produção de carne e oferecer alternativas.
além de contribuir para as mudanças climáticas e Enquanto governos no mundo desenvolvido
para a perda de biodiversidade? têm que mudar radicalmente de curso e enfrentar
Nenhuma dessas preocupações têm respostas o poder do lobby da agricultura, países em desen-
visíveis nas embalagens de carne ou linguiça no volvimento podem evitar repetir os erros come-
supermercado. Ao contrário, o agronegócio ten- tidos em outros lugares. Conhecer os efeitos da
ta abafar os efeitos adversos do nosso alto consu- produção intensiva de carne possibilita o plane-
jamento para uma produção orientada ao futuro
que seja social, ética e ambientalmente responsá-
vel. Ao invés de tentar exportar seu modelo falho,
a Europa e os Estados Unidos deveriam tentar mos-
trar que a mudança é necessária e possível.


Há alternativas. A carne pode ser produzida
Existem alternativas mantendo os animais em pastos ao invés de con-
finados, produzindo e consumindo localmente ao
invés de transportá-la por milhares de quilôme-
Mas os consumidores estão tros. O esterco não precisa pesar sobre a natureza e
na saúde da população local, ele pode ser espalha-
fartos de serem enganados pelo
do pelos campos do próprio fazendeiro enrique-
agronegócio. No lugar de o dinheiro cendo o solo.
público dos países ser utilizado para Nosso atlas convida você a viajar ao redor do
subsidiar fazendas industriais, os mundo e oferece informações sobre as conexões
consumidores querem políticas globais feitas quando nós comemos carne. Somen-
razoáveis que promovam uma pecuária te consumidores informados e críticos podem to-
mar a decisão certa e demandar a mudança políti-
realmente ecológica, social e ética.
ca necessária.

Barbara UnmüBig
Presidente, Fundação Heinrich Böll

6 ATLAS DA CARNE
INTRODUÇÃO


Estimulando o debate

N
os 18 anos de história da Fundação Heinrich
Böll, nenhuma publicação fez mais suces-
so que o Atlas da Carne. Dezesseis edições, Também na América Latina,
mais de 160.000 exemplares impressos e distribu- mudar requer uma cidadania
ídos só na Alemanha, cifras enormes de download informada e consciente, empoderada
em pdf e e-book, além de uma enorme repercus- para decidir o que quer em sua mesa e
são midiática. Evidentemente as condições atuais exigir as políticas necessárias para isso.
e a qualidade da carne industrializada preocupa
a população alemã. Não que os alemães não co-
messem mais carne, pelo contrário: infográfico
mais exitoso do Atlas em alemão mostra que um
alemão na sua vida come quatro bois, quatro car-
neiros, 12 gansos, 37 patos, 46 porcos, 46 perus e
945 frangos. Mas a produção da carne se tornou
um assunto de debate público no país. O atlas da
Fundação tocou a sociedade alemã.
Lançar uma publicação crítica à produção e
consumo de carne não é sem risco num país como
o Brasil. Afinal, comer carne é um hábito enrai- antibióticos e são nutridos com soja, produzida em
zado profundamente na cultura brasileira e sul- particular no Brasil, que com a safra 2013/2014 se
-americana. Precisamos pensar apenas na cultura tornou o maior produtor do mundo desses grãos,
gaúcha, no Brasil, e gaucha, na Argentina, para sa- alcançando 90 milhões de toneladas anuais. A
ber que é parte integrante de culturas regionais e soja tem sido uma grande causa do desmatamen-
nacionais na região. Em nossa equipe do escritório to no país. Há uma moratória de desmatamento
da Fundação no Brasil todos e todas comem carne. para soja, mas mesmo assim esta incentiva de for-
Por outro lado, quase todos procuramos comer ma indireta o desmatamento, porque o contínuo
menos carne, frequentemente discutimos a qua- aumento de áreas para a plantação de soja expul-
lidade da carne hoje em dia e as condições da sua sa outras formas intensivas de uso de terra, como a
produção no Brasil e no mundo. Afinal, vivemos e criação de gado, para outras regiões e biomas.
trabalhamos no maior país produtor de soja e de No Mato Grosso, estado do agronegócio, de
carne bovina. “mato grosso” já não resta muito. São milhares e
O Atlas da Carne não é uma campanha vegeta- milhares de hectares desmatados rasos, de plan-
riana. Ainda que eventualmente possa levar leito- tação. É ali que se aplica 136 litros de agrotóxicos
res a reduzir ou até a abandonar o seu consumo, a por habitante/ ano1 – um triste recorde mundial.
ideia não é lançar um apelo para que não se coma O agronegócio, maior responsável pela produção
mais carne. A intenção do Atlas é informar e cons- de soja no país, recebe altos subsídios, muito mais
cientizar melhor sobre como a picanha macia e a que a agricultura familiar que é a que alimenta
coxa de frango suculenta chegam ao nosso prato. o povo brasileiro ao produzir 70% dos alimentos
Afinal, defendemos o direito à segurança e sobera- consumidos no Brasil. Por conta desta situação, o
nia alimentar dos brasileiros/as e a escolha da car- Mato Grosso, apesar de ter sua economia baseada
ne na alimentação faz parte disso (assim como a na agricultura, precisa importar de outros estados
opção de deixar de comer carne). Mas a produção 90% dos alimentos para a sua população.
e o consumo de proteína animal é também, certa e Grilagem de terra, expulsão de pequenos agri-
eminentemente, um assunto econômico, político, cultores, assassinatos de líderes camponeses e in-
socioambiental, sem mencionar a saúde pública. É dígenas, além de fortes impactos na saúde das pes-
disso que essa publicação trata. soas que trabalham com agrotóxicos – como altos
A esmagadora maioria da carne que consumi- riscos de câncer, doenças respiratórias e contami-
mos está sendo produzida da forma industrial. Já nação dos lençóis freáticos –, são algumas das con-
não é a galinha caipira que anda livremente pelo seqüências deste modelo de produção em grande
sítio e come os grãos que sobraram da colheita que escala e concentração que é típico do agronegócio
nos alimenta. São animais que nunca, ao longo de brasileiro. Estes são aspectos nocivos, mas pouco 1
Dado levantado no
sua curta vida, se mexem em espaços não maiores difundidos, também do consumo de carne na Eu- município de Lucas do
de 20 a 50 cm, recebem quantidades enormes de ropa. A ração dos porcos, bois e frangos abatidos Rio Verde – MT, em 2010.

ATLAS DA CARNE 7
diariamente na Alemanha consiste, em boa parte, do. Os sucessos no combate à pobreza aumentam
de soja e milho brasileiro. Nesse sentido, a ideia do a demanda pela carne. O maior processador glo-
Atlas é mostrar que os consumidores europeus são bal de carne hoje em dia também é uma empresa
coniventes dos males que a produção da soja traz brasileira, a JBS/Friboi, e isto corresponde à políti-
ao Brasil. ca de desenvolvimento do governo. Por meio de
A produção industrial da carne e dos seus sub- sua estratégia dos ‘campeões nacionais’, o Banco
sídios como a soja há tempo deixou de ser um pro- Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
blema exclusivo dos países industrializados. Ela (BNDES) concedeu créditos e investimentos dire-
tem aumentado muito na América Latina nos úl- tos no valor de mais de R$ 12 bilhões à JBS e atual-
timos 20 anos. Na verdade, América Latina é a re- mente detém 24,6% das suas ações. Na produção e
gião de maior expansão do agronegócio no mun- exportação de carne bovina, frango, soja e milho

LIÇÕES SOBRE
A CARNE NO MUNDO
1 A DIETA NÃO É SÓ UM
ASSUNTO PRIVADO. 2 Água, florestas, uso da terra, clima e
Cada alimento tem impactos muito
concretos na vida das pessoas em biodiversidade: O MEIO AMBIENTE
todo o mundo, no meio ambiente, PODERIA SER FACILMENTE
na biodiversidade e no clima, que PROTEGIDO se o consumo de carne
não são levados em conta quando fosse reduzido e se a carne fosse produzida
se come um pedaço de carne. de forma diferente.

3 AS CLASSES MÉDIAS NO MUNDO CONSOMEM


CARNE DEMAIS. Não só nos Estados Unidos e na Europa,
mas, de forma crescente, na China, na Índia e em outras
nações emergentes.

ALTAS TAXAS DE CONSUMO DE 5


CARNE LEVAM A UMA AGRICULTURA
O consumo está aumentando,
INDUSTRIALIZADA. Poucas principalmente porque
corporações internacionais se
beneficiam e continuam a AS PESSOAS NAS
expandir seu poder de mercado. CIDADES ESTÃO
COMENDO MAIS CARNE.
Nesse aspecto, o aumento da
população desempenha um
papel secundário.

8 ATLAS DA CARNE
o Brasil está ou em primeiro lugar ou entre os pri- falados ligados à carne. Só para mencionar um e
meiros três, no mundo. para terminar, pois talvez interesse num país atin-
Ora, não há produção sem demanda. Temos gido em cheio pela crise hídrica: para produzir um
que procurar influenciar a forma de produção do único quilo de carne, são necessários gastar 15 mil
que comemos todos os dias, e temos possibilida- litros de água!
des de incidência. Esta publicação busca o consu- A todos que querem saber mais sobre estas re-
midor interessado e consciente. Aquele e aquela lações e que buscam informações sólidas e funda-
que come carne, mas que também busca entender das, oferecemos esta publicação.
como funciona a cadeia de produção. Esta cadeia
está ligada com muitas questões do presente e do Dawid Bartelt
futuro da nossa vida. Há muitos aspectos pouco Diretor da Fundação Heinrich Böll no Brasil

A produção avícola tem os vínculos


internacionais mais fortes, sendo dominada 8 A CARNE PRODUZIDA DE
principalmente por grandes produtores, FORMA INTENSIVA NÃO É
além de apresentar as mais altas taxas de SAUDÁVEL –
crescimento. OS
PRODUTORES DE devido ao uso de
PEQUENA ESCALA, AS AVES E antibióticos e
O MEIO AMBIENTE SOFREM AS hormônios,
assim como
CONSEQUENCIAS. pelo abuso de
7 agroquímicos
na produção da
6 forragem.
A criação de gado em pequena escala
e em zonas urbanas pode dar uma
CONTRIBUIÇÃO À
importante
REDUÇÃO DA POBREZA, 9 O CONSUMO DE CARNE NÃO TEM POR
À IGUALDADE DE GÊNERO QUE CAUSAR DANOS AO CLIMA E AO MEIO
E A UMA DIETA SAUDÁVEL AMBIENTE. Pelo contrário, o uso apropriado do solo,
– não só em países emergentes. integrado à criação de animais, pode ter um efeito
ambiental positivo.
10

Alternativas existem. Muitas 11 A MUDANÇA É POSSÍVEL.


iniciativas e sistemas de Alguns dizem que os padrões de
CERTIFICAÇÃO MOSTRAM consumo de carne não podem mudar.
COMO UM TIPO DIFERENTE Mas existe um movimento de pessoas
DE PRODUÇÃO DE CARNE que já está consumindo menos carne,
ou prescindindo dela.
PODE FUNCIONAR
– deve respeitar a saúde e o meio
ambiente e garantir as condições
apropriadas para os animais.

ATLAS DA CARNE 9
O SURGIMENTO DE UM MERCADO
GLOBAL DE CARNE
Os países do Norte têm cada vez menos agricultores, mas, ao mesmo tempo, têm
aumentado o setor da pecuária e, assim, a produção de carne. Ao invés de produzir
para o mercado local, abastecem supermercados distantes. Essa mudança está
influenciando também a transformação da produção animal nos países emergentes.

E
m termos gerais, a demanda global por car- espaços confinados. Isso significa que podem ser
ne está aumentando, mas a ritmos diversos, utilizados para suprir a insaciável demanda por
dependendo da região. Enquanto na Europa carne barata. A estimativa é de que até 2022 qua-
e nos Estados Unidos o consumo está crescendo se a metade da carne adicional consumida será de
lentamente ou mesmo estagnando, nas econo- frango. A produção bovina, pelo contrário, prati-
mias emergentes representará cerca de 80% do camente não cresce. Os Estados Unidos continuam
crescimento até 2022. O maior crescimento será sendo o maior produtor mundial de carne, mas a
na China e na Índia, devido à imensa demanda indústria considera estar vivendo uma situação
por parte de suas novas classes médias. No Brasil dramática. Até 2013, esperava-se uma queda de 4
o consumo também cresce. a 6% em comparação com 2012, e a previsão era de
O padrão de produção está se repetindo nas um contínuo declínio em 2014. Em outros países
nações emergentes. As regiões Sul e Leste da Ásia tradicionalmente produtores, como Brasil e Cana-
vivem a mesma rápida transformação que ocor- dá, a produção está estancando ou diminuindo.
reu em muitos países industrializados várias dé- Na China, mais da metade dos porcos ainda
cadas atrás. No modelo tradicional, os animais são produzidos em pequenas propriedades, mas
eram criados em rebanhos pequenos ou médios isso está mudando rapidamente. As mesmas tec-
Cresce a e pastavam ao ar livre. Eles eram então abatidos nologias e investimentos de capital que dominam
produção de porco em um matadouro nas proximidades. Tanto a a produção de gado nos países do Norte estão che-
carne como os subprodutos eram processados gando aos países emergentes – e estão sendo inte-
e frango, já a de na mesma localidade ou região. Atualmente, gradas nas cadeias globais de valor.
carne bovina e esse modelo de produção está praticamente A Índia vem assumindo a liderança no cenário
ovina está extinto, embora a quantidade de animais tenha atual, graças a sua produção de carne de búfalo,
estagnada aumentado significativamente. Nos Estados Uni- que quase duplicou entre 2010 e 2013. Com isso o
dos, por exemplo, apesar do número de criadou- país está forçando seu ingresso no mercado mun-
ros de porcos ter caído 70%, entre 1992 e 2009, não dial, no qual 25% da carne vendida como bovina é,
houve alteração na população suína. Durante esse na verdade, de búfalo, proveniente desse subcon-
mesmo período, a quantidade de porcos vendidos tinente. Segundo o departamento de agricultura
por propriedade rural aumentou consideravel- dos EUA, a Índia foi o maior exportador de carne
mente, passando de 945 para 8.400 por ano. bovina em 2012 – na frente do Brasil. Isso se deve a
A produção total de carne aumenta a uma taxa que os búfalos são baratos de criar, tornando cada
mais lenta do que em tempos atrás. O mercado só quilo de sua carne um dólar mais barato se com-
está crescendo para porcos e frangos: ambos se ali- parado à carne bovina. Além disso, o governo in-
mentam em comedouros e podem ser criados em diano tem investido fortemente em matadouros.

Produção Comércio Comércio Consumo

Prognóstico mundial para 2015, Prognóstico mundial para 2015, Prognóstico mundial para 2015, Prognóstico mundial para 2015,
FAO

FAO

FAO

FAO

em milhões de toneladas em milhões de toneladas em porcentagem per capita, em kg anuais

5.6 0.2
9.6
14.0 68.3 1.0 9.7
7.0 33.7

118.8 318.8 30.5 100 43.4

112.1 12.6 90.4 76.1

carne de porcos carne de porcos


boi e vitela ovelhas, cabras boi e vitela ovelhas, cabras consumo doméstico desenvolvidos* mundo
aves outros aves outros exportação em desenvolvimento* *2014

10 ATLAS DA CARNE
Produção mundial de carne

FAO
57.1
22.8
3.8
1.3 18.5
20.6 2.0 3.1
13.5 0.8
11.1 1.7 0.2 6.8 1.5
1.0 7.8 0.4
1.3 Rússia 4.2
1.3
11.0 Ucrânia 0.5
0.9
Canadá 1.8 1.2
2.1
0.1 UE 0.4 0.3
13.6 0.3 Japão
0.3
EUA 0.7
9.4
Turquia 2.7 2.5
0.3 Irã China Coreia
0.1
0.4
1.4 1.9
3.3 Argélia 0.7
2.9 0.5
1.8 0.7
Índia
1.4
1.7 0.6
1.3 Venezuela 0.2
0.1 0.5 Indonésia
Paquistão Malásia
México
0.1
2.6
Brasil 1.5 1.1
0.9

0.2 0.2 0.4


2.7 0.6
0.7 0.6
0.5 carne de boi e vitela
África do Sul Austrália
1.9 porcos
0.2
Uruguai aves 0.7 0.4
0.5
Chile ovelhas, cabras
0.2
Milhões de toneladas, em média, entre 2010-2012,
Argentina sendo que os dados de 2012 são estimativos Nova Zelândia

Na África, o consumo de carne também já está No entanto, apenas 10% da carne é negociada in-
começando a aumentar, embora tanto a oferta ternacionalmente. Isso ocorre porque a carne só
quanto a demanda ainda não cresçam a um ritmo pode ser exportada quando cumpre os requisitos
tão acelerado como em outras partes do mundo. de qualidade exigidos pelos países importado-
A produção tem sido expandida em várias nações res. Compradores e consumidores têm medo de
do continente, e é mais significativa em países su- doenças como a febre aftosa, a gripe aviária e a
perpovoados, como África do Sul, Egito, Nigéria, encefalopatia espongiforme bovina (EEB), mais
Marrocos e Etiópia. As importações de carne de conhecida como doença da vaca louca. Tanto a in-
aves também têm aumentado, às custas dos pro- terrupção temporária do mercado avícola no Su-
dutores locais. deste Asiático quanto o colapso das exportações
Embora o mercado ainda seja dominado pelos de bovinos na Grã-Bretanha têm mostrado como
países industriais, as maiores expectativas de cres- as mudanças no comércio internacional desse
cimento estão centradas nos países do Sul global. produto podem ser rápidas.

Animais pequenos em grandes grupos Perspectivas estáveis somente se a especulação for limitada

Tendências e prognósticos da produção de carne em Tendências e prognósticos dos verdadeiros preços da carne em dólares por tonelada
OCDE/FAO
OCDE/FAO

milhões de toneladas
carne de boi e vitela porcos carne de boi e vitela porcos
140 aves ovelhas, cabras 5,000 aves ovelhas, cabras
120
4,000
100
80 3,000

60 2,000
40
1,000
20
0 0
1995 1999 2003 2007 2011 2015 2019 2021 1991 1996 2001 2006 2011 2016 2021

ATLAS DA CARNE 11
PODER CONCENTRADO – O FUTURO DA
INDÚSTRIA DA CARNE GLOBALIZADA
O aumento na eficiência da produção concentra o poder de mercado em poucas
mãos em detrimento dos pequenos agricultores. Isso também pode se constituir
em um risco para os consumidores.

E
m setembro de 2013, a Shuanghui Interna- Diante das estreitas margens de lucro no mer-
tional Holdings Ltda. – principal acionista da cado da carne, companhias buscam inserir-se
maior processadora de carne da China – fina- em economias de escala. Significa que tentam
lizou a compra, por US$ 7,1 bilhões, da americana produzir mais com maior eficiência e a custos
Smithfield Foods Inc., a maior produtora mundial mais baixos. Por esta razão, o setor de carne está
de carne de porco. A venda ilustra bem a nova concentrado de duas formas. Companhias estão
concentração do mercado que está ocorrendo no tornando-se maiores via fusões e aquisições – ex-
âmbito internacional. A direção dos investimen- pandindo-se para além das fronteiras e espécies.
tos está mudando: agora se dirige do Sul ao Norte. E a produção tem se intensificado, com mais ani-
Isso reflete as mudanças em termos de crescimen- mais confinados em espaços menores, processa-
Pequenas to econômico, demanda dos consumidores, ca- dos mais rapidamente e com menores perdas.
margens de lucro pacidade de gestão e determinação empresa- Não obstante, alguns analistas assinalam que
expõe a indústria rial durante as últimas duas décadas. o mercado da carne tem riscos inerentes e que,
à volatilidade de A JBS, empresa produtora de carne bovina baseados em performances financeiras recentes,
com sede no Brasil, ampliou suas bases no fim a estratégia multiespécie pode estar dando erra-
preços e às tensões
da década de 2000, ao adquirir produtoras de do devido às diferentes culturas e processos que
comerciais carne dos Estados Unidos, da Austrália e da Eu- impõe desafios a novos atores no mercado. Em
ropa, além de em seu próprio país. Atualmente, outras palavras, saber como engordar, abater,
é a maior produtora de carne bovina do mundo processar e transportar gado pode não traduzir-
e também a maior produtora de frango, graças à -se simplesmente na gestão de operações com
aquisição, em 2013, da Seara Brasil. A JBS está en- frangos.
tre as dez principais empresas internacionais de A volatilidade dos preços dos grãos se soma
alimentos e bebidas, com vendas de US$ 38,7 bi- aos riscos financeiros do setor da carne: o aumen-
lhões em 2012 e com faturamentos anuais que su- to do valor da forragem eleva os custos de pro-
peram os de grandes atores da indústria alimentí- dução e reduz os ganhos. Os preços da forragem
cia mundial, como Unilever, Cargill e Danone. Em dependem cada vez mais da manipulação especu-
todo o mundo, a empresa conta com uma capa- lativa dos mercados, o que pode gerar aumentos
cidade de abater 85 mil cabeças de gado bovino, bruscos dos preços. Além do papel dos biocom-
70 mil porcos e 12 milhões de aves diariamente. A bustíveis nos preços da soja e do milho, juntamen-
carne é distribuída para 150 países. te com a volatilidade dos preços dos fertilizantes.

Comparação dos preços da carne em nível mundial Comparação dos preços dos alimentos em nível mundial

Índices, 2002–4 = 100 Índices, 2002–4 = 100


FAO

FAO

250 carne de boi e vitela porcos 250


aves ovelhas, cabras
220 220

190 190

160 160
carne
130 130 laticínios
alimentos
100 100

70 70
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

12 ATLAS DA CARNE
As dez maiores indústrias internacionais da carne

Empresas por total de vendas de alimentos (2011-2014),

Encabezado/ETC
em bilhões de dólares

7
Smithfield Foods.
3 Fundada em 1936;
Cargill. Fundada em 1865 faturamento em 2012:
US$ 13,1 bilhões. Maior produtora 9
como uma empresa de família.
e processadora de porco dos Danish Crown AmbA.
33 Faturamento em 2013:
US$ 32,5 milhões. Detém EUA. Vendida à empresa chinesa Fundada em 1998 depois de
22% do mercado da carne nos Shuanghui, com rendimentos de várias fusões. Faturamento
EUA, sendo também a maior US$ 6,2 bilhões em 2013. em 2012: US$ 10,3 bilhões.
Grandes filiais nos EUA, na Polônia
33 exportadora na Argentina,
13 10 Danish Crown AmbA
tendo operações em nível e na Suécia. Maior produtora de
carne da Europa, maior
mundial. Vion
exportadora de porco
9
do mundo.
Cargill 13 5 13
52 5
Smithfield Foods Nippon Meat Packers
3 Vion. Fundada em 2003
depois de várias fusões.
Tyson Foods 7 Faturamento em 2011: US$ 13,2 6
8 Hormel Foods bilhões. Maior processadora
2 de carne da Europa. Rápido
crescimento (em 2002,
10 seus rendimentos eram de
US$ 1 bilhão).
2
Tyson Foods. 6
1
Fundada em 1935; faturamento Nippon Meat Packers.
em 2012: US$ 33,3 bilhões. JBS. Fundada em 1953; Fundada em 1949; faturamento
Maior produtora de carne faturamento em 2014: em 2013: US$ 12,8 bilhões.
do mundo e segunda maior JBS US$ 51,5 bilhões. A maior Mais conhecida como Nippon
processadora de frango,
12 processadora de alimentos do Ham. Operações em
carne bovina e suína BRF mundo, líder em capacidade de abate. 59 estabelecimentos de
Recentemente, adquiriu a divisão de 12 países, a maioria na Ásia
1
produção de carne da Smithfield e na Austrália.
10 4
Marfrig Foods e unidades de aves e
Hormel Foods. 8 suínos da Marfrig. 8
Fundada em 1891; faturamento
em 2012: US$ 8,2 bilhões. Detém
8 Marfrig. Fundada em 2000
40 instalações de fabricação 4 depois de várias fusões.
e distribuição. Dona da marca Faturamento em 2014:
BRF. Fundada em 2009 US$ 9 bilhões. Unidades
“Spam”, produto de carne
como Brasil Foods depois da comerciais em 22 países.
pré-cozida; concentra-se no
fusão da Sadia e da Perdigão. A quarta maior produtora de
ramo dos alimentos
Faturamento em 2014: carne do mundo. Em 2013,
étnicos.
US$ 12,4 bilhões. Tem 60 vendeu unidades produtoras
instalações industriais no de aves e suínos à JBS.
Brasil e está presente
em 110 países.

Por que o tamanho é relevante? As implica- dade de manter até 100 mil cabeças. Nos Estados
ções dos dois níveis de consolidação da indústria Unidos, existem várias dessas unidades e seus
da carne – consolidação empresarial e intensi- custos de produção são inferiores aos das unida-
ficação da produção – são de grande alcance. É des menores. Atualmente, a logística das grandes
praticamente impossível que a indústria consoli- unidades de produção é administrável, mas a vul-
dada coexista com os pequenos produtores. Essas nerabilidade do sistema aumenta à medida que
estruturas multinacionais eliminam uma fonte elas crescem.
fundamental de renda para os pobres em nível Num ambiente intensificado, por exemplo, os
mundial e reduzem consideravelmente as opções patógenos podem se propagar com maior rapi-
dos consumidores. Com as economias de escala, a dez e facilidade entre os animais, tanto na uni- Os preços da
concentração aumenta o potencial de lucro dos dade de engorda como durante o transporte. carne baixam,
acionistas e financistas; entretanto, para o resto O mesmo acontece no matadouro, confor- mas os riscos para
das partes interessadas, representa um aumento me aumenta a velocidade do processamento.
todos crescem
dos riscos para a saúde humana, a segurança ali- Além disso, em caso de desastres, como uma
mentar, o bem-estar dos animais, o meio ambien- enchente, o sistema seria incapaz de manter a
te, o abastecimento seguro de água, a segurança e sua capacidade de funcionamento. E se a deman-
a estabilidade do trabalho e a inovação. da dos consumidores diminui, as empresas que
A eficiência levada ao extremo também re- trabalham com uma pequena margem de segu-
presenta um risco. Um operador de uma unidade rança podem chegar ao colapso. Sendo assim, as
de engorda nos Estados Unidos declarou que não seguradoras que oferecem avaliações de riscos
sabe onde podem chegar as economias de escala, feitas sob medida estão se tornando uma parte
já que hoje as unidades de engorda têm capaci- importante da indústria moderna da carne.

ATLAS DA CARNE 13
A PeCUÁRIA GloBAlIZAdA NA
AMÉRICA lATINA
A pecuária está ligada à vida na América Latina em um sentido amplo e diverso:
desde os estereótipos oferecidos aos turistas até os rituais sociais mais íntimos;
desde a definição de políticas nacionais de exportação até o desenvolvimento de
economias de base familiar.

N
as últimas décadas, as transformações ocor- Argentina, Chile e México, onde a oferta de fontes
ridas na agricultura da América Latina pro- alternativas de proteínas disponíveis para o con-
moveram uma grande reestruturação do sumo tem se reduzido.
setor da pecuária, vinculada à nova dinâmica que Embora existam diferenças entre os países e
os processos de globalização imprimem sobre flutuações ao longo do tempo de acordo com as
o funcionamento dos mercados agroalimenta- políticas nacionais, o Escritório Regional da Or-
res em escala mundial, em que a ação do capital ganização das Nações Unidas para a Alimentação
agroindustrial de origem transnacional desem- e a Agricultura (FAO) para a América Latina e o
penha uma parte fundamental. Caribe afirma que as expectativas favoráveis do
O crescimento acelerado do setor fez com que setor vêm acompanhadas por preocupações rela-
a América Latina se tornasse a região que mais cionadas aos altos custos da alimentação animal
exporta carne bovina e de aves em todo o mundo. (60-70% dos custos totais de produção), à disponi-
Os números indicam que o setor pecuário cresceu bilidade limitada de forragens de qualidade e ao
a uma taxa anual de 3,7%, sendo que as expor- uso ineficiente dos recursos alimentícios disponí-
os impactos tações de carne bovina vêm crescendo a uma veis. Segundo a FAO, esses fatores não só afetam a
socioambientais taxa de 3,2%, superior à taxa de crescimento da produtividade, como também aumentam o risco
da carne aumentam produção, que foi de 2,75%. de pragas e doenças animais transfronteiriças, re-
na América latina Apesar do vigor das exportações, a pecuá- presentam ameaças de degradação dos recursos
ria é também uma fonte de alimentos básicos naturais e intensificam os impactos negativos das
para a população no âmbito interno. O consumo mudanças climáticas sobre o setor pecuário.
de carne bovina e do leite, em conjunto, constitui Além disso, a volatilidade dos preços e seu im-
18,7% da dieta diária total. No entanto, cumpre pacto sobre a produção de alimentos e a seguran-
ressaltar que o crescimento das indústrias de aves ça alimentar das populações vulneráveis; as altas
e suínos e o aumento no consumo dos produtos taxas de desnutrição crônica infantil e a má nutri-
associados também têm sido fenômenos notáveis ção em alguns países; e as maiores demandas da
e fatores poderosos de mudanças na indústria pe- sociedade por produtos pecuários de alta qualida-
cuária da região. O consumo per capita de aves de, saudáveis e seguros, são elementos importan-
aumentou a taxas porcentuais de dois dígitos por tes a serem considerados no desenvolvimento de
ano em muitos países da região, incluindo Brasil, políticas pecuárias.
De acordo com as previsões da FAO, a produ-
Carne vs. leite ção de carne na América Latina e no Caribe conti-
nuará a crescer rapidamente durante os próximos
Comércio exterior de produtos derivados da carne e do leite na América Latina e dez anos, mas num ritmo mais lento do que o da
FAO

no Caribe, em milhares de toneladas década anterior.


8000
O desempenho esperado da indústria da car-
7000 ne na América Latina e no Caribe está atrelado a
2000
cinco fatores principais. De um lado, a crescente
6000
2011 vantagem comparativa desses países na produ-
5000 ção extensiva de gado, por outro, a diminuição
dos preços dos animais em relação ao custo da
4000
forragem e ao aumento da taxa de globalização.
3000 Mas tais fatores também estão associados a um
aumento relativo na renda per capita, que permi-
2000
tiria incluir mais proteína animal nas dietas, bem
1000 Carne/carne processada leite/produtos lácteos como às políticas destinadas a estimular a produ-
ção de gado.
0
Importações exportações Importações exportações No entanto, tal expansão do setor pecuário
deve ser vista como um alerta para o planeta em
geral e para o continente em particular.

14 ATlAs dA CARNe
os grandes e os pequenos

Importação e exportação de carnes,

FAO
leite e produtos lácteos nos países da
México Bahamas
América Latina e do Caribe,
em milhares de toneladas, 2011 Cuba jamaica
República dominicana
Honduras
1504 Haiti
Guatemala Nicarágua
Trinidad e Tobago
2881 el salvador
Guiana
venezuela

Costa Rica Colômbia


6010
Bahamas
México
Cuba jamaica
Honduras República dominicana Carne
Haiti
Nicarágua Brasil
Guatemala Perú
Trinidad e Tobago

Guiana Bolívia
el salvador venezuela

Costa Rica Colômbia Paraguai

Chile

Uruguai

Peru Argentina

Bolívia
Brasil bis 5.000
Paraguai

Produtos lácteos bis 3.500

Argentina
Uruguai

Chile
bis 1.000

Importações 2729 bis 500


Exportações

25 bis 100

Quantidades inferiores
a 25 mil toneladas não
são visualizadas

A contribuição do setor para a poluição global ca, a contaminação do solo e da água pela criação
segue a tendência mundial, tanto no que se refe- intensiva e o uso de fármacos para erradicar doen-
re à emissão de gases de efeito estufa quanto à su- ças e acelerar o processo de engorda.
perfície demandada para a criação dos animais, A questão ambiental, somada a uma série de
diretamente relacionada com o desmatamento de impactos sobre a saúde da população ainda não
grandes áreas de cerrado e florestas. Outros riscos bem dimensionados, pede uma revisão urgente
associados ao setor são: o aumento do número de do setor no continente a fim de promover a pro-
estabelecimentos de engorda em sistema de confi- dução de alimentos saudáveis, que não gerem im-
namento em curral, a perda da diversidade genéti- pactos ambientais e desigualdades sociais.

ATlAs dA CARNe 15
O que a soja brasileira tem a ver
com a pecuária globalizada?
A soja brasileira é resultado da cadeia produtiva global do agronegócio, que é
dominado por um pequeno número de empresas multinacionais responsáveis por
controlar todas as etapas do processo de plantio, dos insumos ao maquinário.

A
soja é a cultura agrícola que, globalmente, produção do biodiesel elaborado a partir do óleo
vem crescendo em ritmo mais acelerado de soja. Bunge e Cargill são as maiores produtoras.
nas últimas décadas, estimulada pelo forte Além disso, essas quatro grandes comercializado-
aumento do consumo de carnes, principalmente ras de grãos dominam a maior parte das indústrias
nos chamados países emergentes. Estima-se que de esmagamento da soja e de produção de fertili-
A chamada
90% da soja produzida no mundo tenha como zantes.
“soja verde” gera alto destino a fabricação de farelo utilizado em ra- Estas mesmas empresas oferecem financia-
custo socioeconômico ções animais, como fonte de proteínas. mento ao produtor para o plantio da soja. As
para pequenos O cultivo é concentrado em um pequeno empresas financiam diretamente ou através de
agricultores número de países. Estados Unidos, Brasil e Ar- intermediação todo o plantio, dos insumos ao ma-
gentina responderam em 2014 por 82% da pro- quinário, utilizando-se de mecanismos como o da
dução e 81% das exportações mundiais do grão, se- “soja verde”, através do qual o produtor vende a
gundo dados do Departamento de Agricultura dos soja antecipadamente em troca de sementes, fer-
Estados Unidos (USDA). Embora os Estados Unidos tilizantes químicos e pesticidas. Contratos como
sejam o maior produtor, é na Argentina, Brasil e estes terminam por aprisionar o produtor, já que,
Paraguai que a expansão do cultivo ocorre em rit- ao final da colheita, sua pequena margem de lucro
mo mais acelerado. A China é o maior importador. não permite mais do que a subsistência. Assim, ele
Suas compras representam quase dois terços de se vê forçado a assinar um novo contrato que lhe
todo o comércio mundial. A União Europeia vem permita seguir sobrevivendo.
em segundo lugar, com 11%. Nos últimos anos, o Ainda como consequência desta modalida-
Brasil alterna com os Estados Unidos a posição de de de contrato de financiamento, os produtores
maior exportador de soja em grãos. compram das empresas um pacote tecnológico
No Cone Sul, a produção agrícola sob a forma fechado, que determina o maquinário e os insu-
de grandes áreas de monoculturas, como no caso mos a serem utilizados. É aí que entram em cena
da soja e do milho, não atrai apenas a presença de outras grandes multinacionais, que dominam os
grandes fazendeiros. Estão presentes na cadeia diversos segmentos da cadeia produtiva do agro-
produtiva destas culturas grandes empresas mul- negócio, cada vez mais concentrado em mãos de
tinacionais, dedicadas à produção de máquinas, um pequeno número de empresas.
equipamentos e insumos agrícolas. São elas que se
apropriam da maior parte da renda gerada a par-
Exportações agropecuárias 2014, em porcentagem
tir da produção agrícola.
A soja tem peso crescente nas exportações bra-
sileiras. Em 2014, foi o principal produto de expor-
tação, respondendo por mais de 10% do valor total
das exportações. Apesar do elevado consumo in-
terno, pois o Brasil é grande produtor de carnes, o
24.2
país exporta em média 70% de sua produção total. 31.4
As principais empresas da cadeia produtiva
são quatro grandes multinacionais, presentes
2014
em todos os países exportadores de soja, que co-
6.7
mercializam os grãos adquiridos de agricultores:
Bunge, Cargill, ADM (norte-americanas) e Dreyfus 9.9
(francesa). Juntas, compram cerca de dois terços 17.4
da soja produzida no Brasil. Respondem também 10.4
por cerca de 60% das exportações brasileiras de
soja, e todas se situam entre as dez maiores expor-
tadoras do país. As empresas nacionais do setor
têm participação mais reduzida, destacando-se a Soja Açúcar e etanol Café
Amaggi, a Coamo e a Caramuru. É também cres- Carnes Produtos Florestais Outros
cente a participação das quatro multinacionais na

16 ATLAS DA CARNE
Produção mundial de soja em grãos (milhões de toneladas)

4.467 5.086 5.359 6.050

Canadá

108.014
91.389
84.291 82.791 14.485 13.050 12.200 12.350

China

EUA

94.500 11.700 12.200 9.500 9.800


82.000 86.700
66.500 Índia

Brasil
4.043 8.202 8.190 8.400

Paraguai
60.800
49.300 53.500
40.100 2011/2012 (total: 240.427)
19.447 2012/2013 (total: 268.824)
14.841 16.195 16.407
2013/2014 (total: 283.245)
Argentina Outros 2014/2015 (total: 319.361)

As principais fabricantes de máquinas agríco- tude única a obtenção de divisas com exportações,
las são as norte-americanas John Deere e AGCO enquanto acumula uma crescente dívida social e
(proprietárias das marcas Massey Ferguson e Val- ambiental.
tra) e a italiana Case New-Holland. No forneci-
mento de sementes (transgênicas), as norte-ame-
ricanas Monsanto e Dupont, a suíça Syngenta e a Mapa da soja na América do Sul
alemã Basf dominam o mercado. O segmento de
fertilizantes passou a ser controlado por um oligo-
pólio privado, composto por três multinacionais:
Hydro/Yara (norueguesa), Bunge/Fosfértil (holan-
desa) e Cargill/Mosaic (americana). Juntas, essas
empresas dominam 90% do mercado brasileiro de Linha Equador

fertilizantes químicos.
Desde 2008, o Brasil já é o maior consumidor
mundial de agrotóxicos e o cultivo da soja respon- Brasil
de por cerca de 45% do valor do consumo destes
produtos no país. As seis maiores empresas produ-
toras - Basf, Bayer, Dow, Dupont, Monsanto e Syn-
Bolívia
genta – controlam hoje 66% do mercado mundial.
E, no Brasil, as dez maiores empresas são respon- 20ºS
sáveis por 75% das vendas de agrotóxicos. O país,
Paraguai
que é também o maior importador mundial, tor-
nou-se um mercado especialmente atraente para
fabricantes de agrotóxicos proibidos na Europa e
Estados Unidos, como a norte-americana FMC, a
Uruguai
dinamarquesa Cheminova, a alemã Helm e a suíça Argentina
Syngenta.
40ºS
Estas empresas que dominam a cadeia produ-
tiva da soja, juntamente com um pequeno núme-
ro de grandes produtores rurais, se apropriam da Principal área da soja
maior parte da renda gerada pela atividade. Con-
centrando a propriedade da terra e agredindo o
meio ambiente, a expansão da soja tem como vir-

ATLAS DA CARNE 17
As multinacionais brasileiras da
carne: vantagem para quem?
Em 2008, o BNDES lançou a política das ”campeãs nacionais”, da qual foi investidor
direto e articulador de fusões e aquisições de empresas agroexportadoras.
A concentração de capitais do setor de carne e derivados foi um dos resultados.

C
arnívoro, vegetariano ou vegano, todo bra- A Marfrig é hoje o terceiro maior produtor
sileiro é sócio da maior empresa de prote- mundial de carne bovina, com operações no Bra-
ínas animais do planeta, a JBS-Friboi. Isso sil e em mais de 15 outros países na América do
acontece porque recentemente o Banco Nacional Sul, América do Norte, Europa, Ásia e Oceania.
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Na Marfrig, o BNDES Participações (BNDESPar) é
braço financeiro do governo federal, decidiu o segundo maior acionista, com cerca de 20% do
A JBS é a maior adotar a chamada política de criação dos capital da empresa.
empresa “campeões nacionais”. Tratava-se de eleger A BRF é uma das maiores exportadoras mun-
exportadora de empresas exportadoras brasileiras e transfor- diais de aves e destaca-se entre as maiores em-
proteína animal má-las em grandes multinacionais. Para isso, presas globais de alimentos em valor de merca-
estas empresas receberam grande volume de do, respondendo por mais de 9% das exportações
do mundo recursos, não só através de empréstimos com mundiais de proteína animal. Possui atualmente
juros subsidiados, mas também injeções em seu nove unidades industriais na Argentina e duas
capital, com a aquisição pelo banco de parte de na Europa (Inglaterra e Holanda). Seus principais
suas ações. acionistas são fundos de pensão de duas empresas
Grandes frigoríficos brasileiros encontram- estatais: a Fundação Petrobras de Seguridade So-
-se dentre os beneficiários dessa política, tendo cial (12,49%) e a Caixa de Previdência dos Funcio-
absorvido dois terços dos recursos destinados nários do Branco do Brasil (10,94%).
pelo BNDES a estes “campeões”, destacando-se a
JBS-Friboi, a Marfrig e a Brasil Foods (BRF). Dentro
do país, os recursos foram utilizados, em grande A JBS
parte, para fusões e aquisições de outras empresas. Merece destaque especial o caso da JBS. A partir
da política dos “campeões nacionais”, a empresa
tornou-se a maior empresa de proteína animal
Capital JBS, em porcentagem
do mundo. Possui hoje mais de 300 unidades de
produção espalhadas por diversos países, além
do Brasil: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Ar-
gentina, Paraguai, México, Itália, Uruguai, Porto
Rico, África do Sul, Alemanha, China e Vietnã. O
BNDESPar detém cerca de 25% do capital da em-
presa e a Caixa Econômica Federal, 10%.
22.36 A JBS é líder mundial em produção e expor-
tação de carne bovina, com operações no Brasil
e outros grandes produtores: Argentina, Austrá-
41.12 lia, Canadá, Estados Unidos, Paraguai e Uruguai,
JBS com capacidade para processar 100 mil bovinos
10.08 por dia. É também a maior produtora mundial de
carne de frango, com operações nos EUA, México,
Porto Rico e Brasil.
A compra de frigoríficos em outros países pro-
24.58 movida pela empresa é uma maneira de abrir as
1.86
portas de mercados estratégicos que, em razão de
frequentes focos de febre aftosa e outras doenças
Acionista Controlador no Brasil, impõem barreiras sanitárias às exporta-
Ações em Tesouraria ções brasileiras. Com unidades de negócios como
BNDES Participações as dos Estados Unidos e da Austrália, a JBS resolve
Caixa Econômica Federal esse problema, obtendo acesso aos 50% do mer-
Minoritários cado mundial que permanecem fechados para o
Brasil. Ou seja, a partir dessas novas unidades, ela

18 ATLAS DA CARNE
JBS pelo mundo

JBS
Moscou
Londres
Hamburgo
Gante
Chicago Toronto
Seul
Tóquio
Xangai
Taipei
Dubai
Hong Kong

Caracas

São Paulo

Santiago

Escritório de vendas Unidade de processamento de aves


Presença de escritório de vendas Unidade de processamento de suínos
Plataforma de produção Unidade de produtos de valor agregado
Unidade de processamento de bovinos Unidade de couro

poderá alcançar compradores nos Estados Uni- • Nada assegura que o capital exportado para o
dos, no Canadá, na China, na Coréia do Sul e no exterior na compra de frigoríficos em outros paí-
Japão, entre outros. ses, assim como o lucro obtido a partir daí, possa
um dia retornar ao Brasil.
• Um banco do governo federal voltado para o de-
Quem ganha e quem perde? senvolvimento econômico e social não deveria
Assim, os grandes frigoríficos vão ampliando seu direcionar seus recursos para atividades que ge- Os grandes
domínio sobre toda a cadeia produtiva de carnes, ram empregos somente em outros países. frigoríficos têm
nos planos doméstico e internacional. A iniciativa • O Brasil já se submete a uma relação de trocas
governamental de criar esses campeões represen- desigual em seu comércio exterior, ao expor-
se apropriado da
ta, sem dúvida, um sucesso para seus acionistas tar commodities e importar produtos de alto margem de lucro
controladores. Resta saber o que ganha com isso conteúdo tecnológico. Assim, não faz sentido dos pequenos
o restante da população brasileira, que arca com o que o banco de fomento ao desenvolvimen- agricultores
custo dos recursos direcionados a essas empresas. to do país direcione recursos públicos para que
Nesse sentido, algumas consequências negativas uma empresa que já vende carnes simplesmente
podem ser elencadas: passe a vender ainda mais carnes.

• Os pequenos criadores, que possuem pouca es- A concentração do mercado brasileiro de car-
trutura de acesso ao mercado, tendem a se tor- ne bovina segue crescendo. Estudos realizados
nar cativos dos grandes frigoríficos, que passam pela Federação de Agricultura e Pecuária de Mato
a pagar-lhes um preço menor, apropriando-se Grosso do Sul (Famasul) mostram que, entre 2012
de suas margens de lucro. e 2015, a participação dos frigoríficos da JBS no
• A concentração de mercado em mãos de poucos total da capacidade instalada naquele estado su-
fornecedores, assim como a possível formação biu de 47% para 61%. A Famasul aponta que a JBS
de oligopólios, pode acarretar também aumen- arrendou frigoríficos com o intuito exclusivo de
to dos preços para os consumidores, em nível na- fechá-los, garantindo assim a oferta de gado bovi-
cional e global. no para suas unidades.

ATLAS DA CARNE 19
AMAZôNIA, CeRRAdo e
PANTANAl eM RIsCo
Enquanto a lei estabelece, para a Amazônia Legal, 80% de área de preservação
de floresta na propriedade rural, esse índice para o Cerrado é de 35%,
sendo 20% para outras localidades no país.

A
criação de gado bovino é a atividade econô- comercializadoras não comprarão soja cultivada
mica que ocupa a maior superfície em terri- em áreas desmatadas após aquele ano.
tório brasileiro. Suas áreas de pastagem são O reconhecimento mundial da importância
estimadas em 172 milhões de hectares. A cultura da preservação da Amazônia para o bem da hu-
da soja, também vinculada à produção de carnes, manidade tornou possíveis essas ações. Para a
vem em segundo lugar, com mais de 31 milhões Amazônia Legal, a legislação estabelece que 80%
de hectares em 2015. A expansão da soja e do gado da área de cada estabelecimento rural têm que ser
Cerca de dois bovino é, no Brasil, a maior responsável pelo des- preservada. Mais distantes do olhar da sociedade
matamento em diversos biomas. civil, dois outros importantes biomas brasileiros
terços de toda a soja
O bioma Amazônia vem sendo objeto de se veem crescentemente ameaçados pela expan-
cultivado no Brasil programas e ações envolvendo governos, em- são do gado e da soja: o Cerrado e o Pantanal, com
estão localizados presas e ONGs, que conseguiram reduzir de áreas de preservação obrigatórias de apenas 35% e
no Cerrado maneira expressiva o desmatamento causado 20%, respectivamente.
pelo gado e pela soja. Além da maior fiscalização
e do corte do crédito para os desmatadores, foram
feitos acordos para que empresas não compras- o CeRRAdo
sem mais gado ou soja de áreas recentemente des- Cerca de dois terços de toda a soja cultivada no
matadas. No caso da soja, foi firmada uma morató- Brasil estão localizados no Cerrado. Estudos re-
ria do plantio na Amazônia, em vigor desde 2006, centes apontam que após o estabelecimento da
que estabelece o compromisso de que as empresas moratória na Amazônia, o desmatamento do Cer-
rado para o cultivo da soja segue em ritmo mais
Biomas brasileiros acelerado. Calcula-se que mais de dez milhões de
hectares de vegetação do Cerrado podem ainda
ser legalmente desmatados.
IBGE

Assim, se a Amazônia precisa cumprir o papel


de proteger a maior biodiversidade existente no
planeta, caberia ao Cerrado tornar real a profecia
de que o Brasil será o grande celeiro global. Ocu-
pando 24% do território brasileiro, abriga 42% da
área plantada com soja e 40% do rebanho bovino.
O Cerrado, no entanto, é um grande corredor
de biodiversidade. Em seus limites, comunica-se
com importantes biomas da América do Sul: Ama-
zônia, Mata Atlântica, Caatinga, Chaco e Pantanal.
Esta proximidade de biomas tão distintos, assim
como suas diferentes paisagens, ecossistemas e
climas, favoreceu o desenvolvimento de fauna e
flora marcadas pela grande variedade de animais
e plantas no Cerrado.
O Cerrado é tido, ainda, como a grande cai-
xa d’água do Brasil. Além de abrigar boa parte
das nascentes das bacias hidrográficas do país, o
bioma é constituído por planaltos, o que o torna
também essencial à produção de energia das hi-
Amazônia
Caatinga drelétricas. É um gigantesco coletor e distribuidor
Cerrado nacional de água, vital para o abastecimento das
Pantanal regiões Centro-Sul, Nordeste, do Pantanal e partes
Mata Atlântica da Amazônia. No Cerrado nascem águas que abas-
Pampa tecem três importantes aquíferos e seis grandes
bacias hidrográficas brasileiras: Amazônica, do

20 ATlAs dA CARNe
Brasil: produção de soja na safra 2013/2014

Conab-IBGE
RR
AP

AM MA
PA
CE
RN

PB
PI
PE
AC
AL
TO
MT SE
RO
BA

GO

DF
MG

MS ES

SP RJ
PR

Somente municípios que


SC produzem mais de 5.008 t

5.008 a 50.000
50.001 a 100.000
RS
100.001 a 400.000
400.001 a 2.538.656

Tocantins, Atlântico Norte-Nordeste, do São Fran- Na região de planície, as inundações perió-


cisco, Atlântico Leste e Paraná-Paraguai. Dessa úl- dicas impedem diversas atividades humanas.
tima depende a sobrevivência do Pantanal, maior As águas funcionam, assim, como uma autopro-
planície alagável do planeta. teção do bioma, ainda que parcial. As maiores
ameaças ao Pantanal encontram-se nas regiões
de planalto da Bacia do Alto Paraguai, onde se si-
o PANTANAl tuam as nascentes de seus rios formadores. Den-
O Pantanal é parte do chamado Sistema Paraguai- tre estas ameaças, destacam-se o gado bovino
-Paraná de Zonas Úmidas, um complexo que e a soja. A formação das áreas de pastagem o Pantanal é
abrange, além do Brasil, Argentina, Bolívia, Para- é a principal causadora do desmatamento, um patrimônio
guai e Uruguai. As zonas úmidas fornecem servi- tanto nas áreas de planície quanto nas de ambiental único por
ços ecológicos fundamentais para a fauna, a flora, planalto. Na região de planalto, que ocupa
o equilíbrio climático e o bem-estar de populações apenas 2% da área do país, encontram-se
sua complexidade e
humanas. plantados 10% de toda a soja cultivada no singularidade
Irrigado pelas bacias dos rios Paraguai e Pa- Brasil, que correspondem a 3 milhões de hec-
raná, este sistema de áreas úmidas localiza-se no tares. O gado bovino, presente tanto nas áreas
centro da América do Sul, região de alto valor eco- de planície quanto nas de planalto da bacia, com
lógico. É um patrimônio ambiental único, por sua 28 milhões de cabeças, representa 13% do reba-
complexidade e singularidade. Cumpre funções nho brasileiro.
indispensáveis, como regular o regime dos rios, As ameaças que a soja e o gado representam
mitigando grandes inundações e secas, recarre- para a preservação destes três ricos biomas bra-
gar grandes aquíferos, manter áreas naturais de sileiros demonstram a insustentabilidade dos
criadouros de peixes, além de prover e purificar atuais padrões de produção e consumo de car-
grandes volumes de água doce. nes.

ATlAs dA CARNe 21
O PESO DA CARNE
Em quase toda a América Latina, a pecuária tem se expandido para novas
fronteiras. Em alguns casos, aumentando indireta ou diretamente o já dramático
processo de desmatamento. Argentina, Brasil e Paraguai são os países que mais se
destacam nesse aspecto.

N
a região, seis países destacam-se por sua ças no uso e nas características do solo e os impac-
elevada produção de carne, que é exporta- tos sobre o abastecimento e o acesso a insumos de
da para diversos países da América, Europa produção, com destaque para a água.
e Ásia. Mas o consumo interno também está cres- Embora a produção de carne esteja presente
cendo. em todo o território, os estados mais relevantes
Embora cada país apresente características
específicas definidas por suas condições geográ-
ficas e políticas, todos foram atingidos pela cha- México: quanto maior a renda, maior o consumo de carne
mada Revolução Verde e pela mudança no para-
digma da produção. Isso tem ocasionado perdas Média do gasto trimestral (em pesos mexicanos)

CMC
genéticas, ambientais e de terras cultiváveis. das famílias por tipo de carne e nível de renda, 2012

carne de boi e vitela porco


5,000
aves outro tipo
México 4,000
A atividade agropecuária é essencial para a
economia mexicana dada a sua participação no 3,000
Produto Interno Bruto (PIB) e na geração de em-
2,000
pregos diretos e indiretos, sendo também a prin-
No México,
cipal fonte de renda dos agentes econômicos
a pecuária exerce nas zonas rurais. Atualmente, o México é um
1,000

forte pressão sobre dos dez maiores produtores de carne bovina 0


I II III IV V VI VII VIII IX X
as florestas, as terras do mundo. E também é forte em suínos, ovi-
agrícolas e as nos, caprinos e perus.
De acordo com o documento A economia
fontes de água
das mudanças climáticas no México, também são Veracruz e Jalisco, que também ostentam os
conhecido como Relatório Galindo, a evolução do maiores índices de utilização dos recursos hídri-
setor agropecuário depende diretamente do in- cos. A demanda por água nesse setor aumenta em
vestimento nos processos de produção, incluindo ritmo acelerado ao mesmo tempo em que o mais
aqueles que geram impactos negativos, tais como recente relatório sobre os efeitos das mudanças
o uso de pesticidas, as emissões de CO2, as mudan- climáticas afirma que a pecuária é o setor mais

O avanço da pecuária

Grau de sobrepastoreio por estado federativo, em porcentagens, 2002 Superfície ocupada pela pecuária por estado federativo
SEMARNAT

em porcentagens, 2002

Menos de 39 6.6 – 14.4


-39 – -25 14.5 – 28.0
-25 – -9 28.1 – 39.4
-9 – 12 39.5 – 42.8
12 – 36 42.9 – 51.1
36 – 67 51.2 – 60.6
67 – 104 60.7 – 72.4
Mais de 104 72.5 – 82.9

Os valores positivos indicam


um excesso de animais

22 ATLAS DA CARNE
vulnerável às secas. Atualmente, o governo sub- Por outro lado, o setor pecuário tem optado
sidia o uso da água em atividades agropecuárias, pelo sistema de engorda em curral como uma
mas vem sendo cobrado a substituir tal ferramen- alternativa diante da diminuição das áreas de
ta por uma que privilegie o uso racional. pastoreio nos pampas. Esse sistema, como men-
Além dos impactos sobre os recursos hídricos, cionado anteriormente, acarreta problemas
Argentina:
a pecuária exerce pressão sobre a selva mexicana. sanitários, ambientais e alimentares, já que,
A atividade é distribuída entre áreas com climas como afirma um relatório do Instituto Na- mais soja,
úmidos e quentes, e grandes extensões do terri- cional de Tecnologia Agropecuária (Inta), as menos animais
tório nacional foram convertidas em pastagens carnes produzidas em sistemas intensivos de em pastagens,
para o gado ou estão sujeitas a diferentes formas confinamento têm altos níveis de gordura mais sistemas de
de agricultura. Segundo o documento Políticas intramuscular e saturada. Já as carnes produ-
rurais e perda da cobertura vegetal, as taxas de zidas em sistemas pastoris extensivos são mais
confinamento
desmatamento no México variam entre 500 e 600 magras e apresentam uma ótima relação de áci-
mil hectares por ano, sendo que nos últimos anos dos graxos.
o país perdeu 20 mil quilômetros quadrados de
florestas temperadas. Essa expansão territorial
implica o abandono do padrão tradicional de Brasil
pastoreio e o aumento da dependência de pasta- Em contraste com a Argentina, nos últimos
gens introduzidas para suprir a escassez de forra- anos, o Brasil passou a liderar o mercado mundial
gem natural. A situação na região árida é ainda de carnes, como resultado de um conjunto de fa-
pior, uma vez que a substituição de espécies na- tores que fomentaram a atividade tanto em nível
tivas de vegetação por outras introduzidas para público como privado. Um dos aspectos-chave foi
a alimentação animal aumentou em 283%, e sig- o aumento significativo do estoque bovino brasi-
nificou a perda de 4,5 milhões de hectares entre leiro nos últimos 50 anos, atingindo 185 milhões
1976 e 2000. de cabeças em 2009. Isso se deve, principalmen-
te, à expansão da fronteira de produção para o
Centro-Oeste do país, além do uso de tecnologia
Argentina na produção primária, como a inseminação arti-
A Argentina é um dos países com maior consu- ficial, o desenvolvimento de sistemas de engorda
mo per capita de proteína animal na região e com em confinamento (feedlot), e o uso de novas pas-
uma significativa tradição pecuária, presente tagens forrageiras que proporcionaram maiores
em grande parte da sua cultura. Até poucos anos volumes de produção pastoril. Além disso, o cres-
atrás era o maior exportador de carne bovina do cimento econômico do Brasil nos últimos cinco
continente, uma situação que vem se reverten- anos levou a um aumento significativo do consu-
do ao longo dos anos devido a múltiplos fatores, mo interno de carne.
incluindo secas severas e, durante algum tempo, De forma semelhante à vizinha Argentina, o
problemas sanitários, como a febre aftosa, que principal problema gerado pela criação de gado
ocasionaram a perda de mercados internacionais. é de natureza ambiental. Há aumento das áreas
No entanto, a principal mudança vivenciada desmatadas, tanto para a produção de forragem
pelo setor agropecuário do país nas últimas duas como para a instalação de locais de engorda. E
décadas é a expansão da agricultura em função do cresce, graças ao desmatamento e a digestão dos
crescimento da soja, o que gerou dois fenômenos. animais, a emissão de gases de efeito estufa. Esse
De um lado, o grande aumento da superfície plan- ganho de terreno da pecuária ocorre às custas da
tada com esse cultivo causou a redução de 13 mi- floresta amazônica, que vem sendo permanente-
lhões de hectares da área ocupada pela pecuária. mente desmatada.

Argentina Brasil

Exportação de carne, por setor, Exportação de carne, por setor,


MAGYP

UBABEF ET AL.

em bilhões de dólares em bilhões de dólares

2,0 avícola suíno bovino 10 avícola suíno bovino

8
1,5

6
1,0
4

0,5
2

0,0 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2007 2008 2009 2010 2011 2012

ATLAS DA CARNE 23
Chile Paraguai
O consumo de carne bovina, suína e de aves
aumentou no Chile nos últimos anos, o que tor- Exportação de carne, por setor,

IICA ET AL.
nou necessário suprir o déficit de produção na- em milhões de dólares
cional com importações, que também têm sido 1,000 avícola suíno bovino
favorecidas pela constante redução das barreiras
comerciais. Embora o país não ocupe um lugar de 800

destaque no comércio internacional de carnes, 600


seu status sanitário de país livre da febre aftosa e
a política de abertura econômica de livre comér- 400

cio com os principais países e blocos econômicos 200


conferem benefícios especiais para a exportação
No Paraguai, de carne nos principais mercados. No final de 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
2005, por exemplo, os Estados Unidos oficia-
a produção de
lizaram a autorização para a importação de
bovinos duplicou carne bovina do Chile. Da mesma forma, tem
em 20 anos um acordo de livre comércio (TLC) com a União Mas sofreu uma queda acentuada nas vendas
Europeia, estabelecendo a redução imediata de devido à perda da certificação como país livre de
tarifas alfandegárias para uma quantidade de mil febre aftosa.
toneladas de carne.
Na última década, o desejo do país de se tornar
uma potência agroalimentar tem incentivado for- Uruguai
temente a criação, o abate e a exportação de car- No Uruguai, a pecuária representou por mui-
ne de aves e suínos. Mas a natureza intensiva des- tos anos quase 90% do uso da terra, configurada
sa indústria tem causado sérios problemas para as como a atividade agropecuária mais importan-
populações rurais das áreas onde se estabelece, te do país e a que gera mais empregos. Mas na
em função dos impactos que gera, como escassez década atual, a pecuária extensiva perdeu peso
de água e contaminação do meio ambiente local. relativo em comparação com outras atividades
produtivas, principalmente agrícolas e florestais.
Em 2009, embora o quadro fosse de redução da
Chile
área ocupada pela pecuária, houve alterações na
composição percentual da produção, assim como
Exportação de carne, por setor,
INE

em milhões de dólares
mudanças associadas às estratégias de alimenta-
ção do gado, passando das pastagens para os sis-
500 avícola suíno bovino temas de confinamento (feedlots) com alimentos
concentrados. Dessa forma, a produção de carne
400
no Uruguai cresceu a taxas constantes e suas ex-
300 portações quadruplicaram, tanto em volume
como em valor, registrando um aumento de 26%
200
na quantidade de animais nesse período.
100 Desde 2008, a indústria tem procurado expan-
0
dir seus estabelecimentos. Nos últimos anos, in-
2007 2008 2009 2010 2011 2012 vestiu-se em feedlots de modo a assegurar a oferta
de gado para abate, que tem sido adquirido por
capitais brasileiros.

Paraguai Uruguai
Como país agropecuário e florestal, o subse-
tor pecuário no Paraguai desempenha um papel Exportação de carne, por setor,
DIEA. MGAP

relevante na geração de renda para a economia em milhões de dólares


doméstica, com uma participação de 4% do PIB 1,500 avícola suíno bovino
em 2009. No Paraguai, tanto a pecuária intensiva
como a produção em grande escala de soja para a 1,200

alimentação do gado têm impactos significativos 900


sobre a vida, os meios de subsistência e as flores-
tas dos povos indígenas e pequenos agricultores. 600

A escala da produção quase dobrou desde 1991, 300


chegando a 12 milhões de cabeças de gado.
O Paraguai foi um dos dez maiores exporta- 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
dores de carne bovina até 2011, sendo seu segun-
do produto de maior exportação, depois da soja.

24 ATLAS DA CARNE
o boom avícola e a crise da carne bovina

Consumo doméstico por tipos de carne em quilogramas, por pessoa e ano

ELABORACIÓN PROPIA
Brasil Uruguai Chile
Paraguai Argentina Avícola Suíno Bovino
Dados incompletos para o Paraguai

70

65

60

55

50

45

40

35

30

25

20

15

10

5
Início da
crise
financeira
global
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

ATlAs dA CARNe 25
TRANSFORMANDO ANIMAIS EM
PRODUTOS: A INDÚSTRIA DO ABATE
Atualmente, o abate é um processo altamente industrializado. Os matadouros
são linhas de produção com trabalhadores semiqualificados que exercem suas
funções em péssimas condições, longe dos olhos da sociedade. Grupos de defesa
dos animais estão questionando a ética por trás dessa indústria.

N
o início do século XX, a cidade de Chicago estão impondo medidas cada vez mais rigorosas –
era referência na indústria do abate. Em- e caras – de higiene.
pregando linhas de produção em movi- Nesse cenário, a batalha por preços mais baixos
mento, bastavam apenas 15 minutos para matar, acaba sendo travada à custa dos empregados. Em-
eviscerar e cortar uma vaca. Anualmente, eram bora estime-se que milhões de pessoas em todo o
abatidos até 12 milhões de animais na cidade e o mundo trabalhem em matadouros, o número real
método era tão eficiente que Henry Ford o adotou é desconhecido. A função é considerada “suja”, par-
para a fabricação de automóveis. ticularmente nos países ocidentais industrializa-
Com a industrialização, o processo de abate dos, onde esses trabalhadores têm pouco reconhe-
tem se centralizado em todo o mundo. A desregu- cimento social e chegam até a ser excluídos. Baixos
lamentação e o boom do mercado financeiro nos salários e condições de trabalho vergonhosas são a
anos 1970 fizeram com que o setor rapidamente regra. Trata-se de um serviço monótono, que exige
Trabalhadores se concentrasse ainda mais. Entre 1967 e 2010, muita rapidez e expõe a riscos, como acidentes com
de matadouro têm o número de matadouros nos Estados Unidos máquinas e produtos químicos, danos causados à
baixo status, suportam caiu de quase 10 mil para menos de três mil. coluna e aos membros. Outros fatores incluem: ex-
Atualmente, dez corporações são respon- posição ao frio ou ao calor, ruídos constantes, risco
condições precárias de contrair doenças infecciosas e turnos noturnos
sáveis pelo abate de 88% do total de suínos. A
e são mal capacidade global das empresas é impressio- ou de madrugada, dependendo do tipo de função.
remunerados nante: a Tyson Foods processa 42 milhões de Além disso, a manipulação e o abate de animais são
aves, 170 mil bovinos e 350 mil suínos por semana. altamente estressantes. Muitos desses trabalha-
Essa estratégia visa extrair o maior grau de benefí- dores declaram que é preciso ser particularmente
cio possível da cadeia de valor, sob o esquema “do “duro” para executar esse tipo de serviço.
campo ao prato”. Adicionalmente, os matadou- Com a industrialização, a mecanização tam-
ros podem processar animais de outras empresas. bém ganhou terreno no processo de esfola. Dos
Nos países mais pobres, a introdução de matadou- atuais trabalhadores dos matadouros, são exi-
ros públicos ou privados é o primeiro passo para o gidas poucas das habilidades tradicionalmente
processamento de animais de uma maneira higi- empregadas no setor. Hoje, as empresas preferem
ênica. Na outra ponta dessa transformação, as fá- contratar mão de obra semiqualificada e mais ba-
bricas eficientes que atualmente são o padrão em rata. Os trabalhadores migrantes provenientes do
países industrializados vêm se expandindo para México com destino à América do Norte, Europa
os países emergentes. Nesses recintos, os escânda- Oriental e Ocidental trabalham em matadouros
los recorrentes envolvendo produtos alimentícios por períodos curtos e ficam à mercê das demandas

Matadouros e concentração do mercado nos EUA

Número de matadouros Cota de mercado das quatro principais empresas de abate de bovinos e suínos

12,000 60

10,000 50

8,000 40

6,000 30
bovinos
4,000 20
suínos
2,000 10
Denny

0 0
1967 1977 1987 1997 2007 1965 1975 1985 1995 2005

26 ATLAS DA CARNE
Animais abatidos no mundo

Dados oficiais e estimativas, para 2013, em número de cabeças

536 61 172
1453 000 000
000 000
299
000 000
26 000 000 000 000
438 630
000 000

2 887
búfalos frangos 000 000
bovinos patos
cabras perus
ovelhas gansos e
porcos galinhas-
d’angola
000 000
Abate por países, os quatro mais importantes,
para 2011, em número de cabeças

31 421 694
eUA bovinos e
48 200 808
China
8 648 756 000
eUA 9 115 400 000
687
000 000
búfalos China
20 930 107
Índia aves 2 250 000 000
5 613 069 000
42 273 750 Indonésia
Brasil
Brasil

47 900 961 275 873 566


106 388 130 Alemanha 717 232 685 70 962 892 China
eUA China 38 725 799 Índia
45 968 400 Nigéria
porcos vietnã ovelhas e
cabras 48 009 905
sudão*

FAOSTAT

das empresas. Até a década de 1960, os sindicatos vindas de duas frentes. Os movimentos em defe-
da indústria da carne ainda eram fortes, mas, nas sa do bem-estar dos animais apontam frequentes
últimas duas décadas, têm reduzido sua capaci- violações de regulação e crueldade, tais como via-
dade de incidência. Os empregados não têm voz gens longas, anestesia inadequada ou sofrimento
nem voto para decidir sobre suas condições de tra- desmedido quando são golpeados para serem le-
balho, e as negociações coletivas são praticamen- vados aos matadouros. o sistema de
te inexistentes em muitas partes do mundo. Já os movimentos dos direitos dos animais,
abate invisibiliza
Na maioria dos países industrializados, os ma- por sua vez, criticam o assassinato em série de
tadouros têm sido estabelecidos na periferia das animais como uma questão de princípios: afir- a relação entre
cidades. A crueldade do abate geralmente é man- mam que a produção de carne está associada o animal vivo e o
tida longe dos olhos e ouvidos dos consumidores, à violência contra os animais. Os ativistas des- produto final
tornando-se invisível para a maioria. O que a maior sa corrente não querem reformar o abate, que-
parte dos clientes finais visualiza é uma peça assép- rem erradicá-lo completamente. Afirmam que
tica de carne dentro de uma embalagem a vácuo a indústria da carne considera os animais como
na prateleira do supermercado. meros produtos, enquanto a sociedade deveria
Finalmente, o tratamento dos animais nos reconhecer sua individualidade e capacidade de
matadouros também tem sido objeto de críticas sofrer.

ATlAs dA CARNe 27
VERMELHO BRILHANTE EMBALADO EM
PLÁSTICO – A CONCENTRAÇÃO DO COMÉRCIO
Comprar em açougues é coisa do passado. Hoje, a carne é comprada em
supermercados, uma tendência que também chegou aos países de economia
emergente. As demandas da classe média dão o tom.

U
ma pergunta: Você se lembra daqueles cimento começou na década de 1990 na América
açougues em que a carne de boi ou de porco do Sul e em países como Coreia do Sul, Taiwan e
era cortada em um local revestido de azule- África do Sul. Entre 1990 e 2005, a participação no
jos na parte interior do estabelecimento? Lembra mercado dos supermercados nesses países passou
que os pedaços de carne ou salsichas eram vendi- de 10 para 50 ou 60%.
dos para os clientes em um balcão de mármore? Qual é a razão para tamanha mudança? Ela
Em quase todos os países do Norte, essa forma de não se deve apenas ao aumento do poder aquisi-
venda ficou na história. Hoje, a carne pré-arrefe- tivo das classes médias, mas também a transfor-
“Desertos cida a -4 °C é entregue nos supermercados por mações no seio da sociedade. No Paquistão, por
alimentares”: distribuidores ou vem diretamente do mata- exemplo, as cidades estão crescendo tão rápido
douro. O pessoal do supermercado apenas co- que os métodos tradicionais de abastecimento de
entre o
loca os artigos nos mostruários refrigerados, carne e laticínios não são suficientes para suprir a
hipermercado e a onde os clientes podem escolher diretamente demanda. A cidade de Lahore cresce a uma taxa
fast-food os produtos embalados. Para manter a aparên- de 300 mil pessoas por ano. Isso gera escassez e
cia de frescor nas prateleiras durante dias, as cos- má qualidade dos produtos, e as mulheres não
teletas de porco e os peitos de frango são embala- têm mais tempo para ir de loja em loja para verifi-
dos a vácuo em um ambiente o mais esterilizado car a qualidade da carne ou regatear preços, o que
possível. Em seguida, a embalagem é preenchida faz com que as classes médias procurem cada vez
com gás rico em oxigênio. No caso da carne de boi mais os supermercados, de acordo com o jornal
ou de porco a cor vermelha resultante sugere fres- paquistanês Express Tribune.
cor, embora esteja armazenada há vários dias. Investir em grandes centros comerciais é eco-
A carne – um luxo em muitos lugares há so- nomicamente vantajoso por concentrar milhares
mente 10 ou 20 anos – agora faz parte da dieta de clientes em potencial. Em lugares com alta
diária de cada vez mais pessoas no mundo em de- mobilidade – como os subúrbios adaptados para
senvolvimento. As grandes cadeias de supermer- a grande circulação de carros das cidades norte-
cados, como a Walmart, dos EUA; o Carrefour, -americanas –, a população mais pobre não conse-
da França; a Tesco, do Reino Unido; e a Metro, da gue encontrar um estabelecimento próximo que
Alemanha, estão conquistando o planeta. Sua ex- venda produtos frescos que as próprias famílias
pansão tem dado lugar a grandes investimentos possam preparar. Tudo o que podem comprar são
das empresas de supermercados locais. Esse cres- as refeições prontas dos restaurantes de fast-food.

Redução do ritmo na China Expansão na Índia

Porcentagem anual em aumento do número de Cadeias varejistas de alimentos,


Estándar comercial
Euromonitor

estabelecimentos, 2010-2014, e cotas de mercado, 2012 lojas e possíveis incrementos


12
existentes, 2012/13
11
6.5 planificados, 2013/14
10

9
2.3
8 84.1 1.5 + 125 + 250
7
0.6
0.4 602
6 0.3
4.3 500
5

4 +38–50
independente
3
cadeia Yum!* Hua Lai Shi
166
2 McDonald’s Shigemitsu
1 Ting Hsin Kungfu Domino’s McDonald’s Yum!*
0 outras cadeias de fast-food
2010 2011 2012 2013 2014 fast-food independente
(estimativa) *Kentucky Fried Chicken, Pizza Hut, Taco Bell

28 ATLAS DA CARNE
Os pesquisadores chamam essas áreas de “deser- Vendas de produtos refrigerados em supermercados
tos alimentares”. Ao mesmo tempo, a origem do
conteúdo dos carrinhos de compras é cada vez Crescimento dos volumes comerciais, 2012/13, por categorias de produtos,

Euromonitor
mais distante. Os produtos vêm de armazéns cen- em milhões de dólares
trais e grandes matadouros que abastecem todas 600 + 150–299 sem crescimento
as sucursais de uma região ou de um país inteiro. 300–599 0.1–149 crescimento negativo
A venda de produtos padronizados simplifi-
ca a publicidade e confere um enorme poder de
mercado às redes de supermercados, o que lhes CA
permite definir os preços dos fornecedores. Ao UK CN
DE
mesmo tempo, essas grandes cadeias compe- US
tem entre si. Isso reduz os preços e implica que produtos de carne enlatados/conservados
os produtos locais fiquem relegados a nichos es-
pecíficos. Com a abertura dos mercados globais,
milhões de pequenos varejistas quebraram, por-
que eles não manejam volumes suficientes para
justificar frigoríficos adequados ou para garantir RU
a contínua refrigeração da carne, dos ovos e do US TR IR
leite. São frequentes os escândalos envolvendo a CN
guerra de preços e a concorrência desleal no mer-
carne processada congelada
cado da carne. Há evidências de que produtos se-
jam vendidos após a data de validade, produzidos AR
com hormônios ou rotulados incorretamente. Na
África do Sul, por exemplo, a carne de jumento,
RU
búfalo ou cabra pode ser vendida como sendo de
UK DE UA
boi. Já na Europa os consumidores podem com-
US IR
prar carne de cavalo no lugar da bovina. FR
TR
A China é o maior produtor e consumidor de MX VE SA queijo
NG
carne do mundo. A carne de porco é a variedade BR
mais popular. A maioria dos porcos continua a ser
criada por pequenos produtores, em vez de em AR
criadouros industriais intensivos. Mas isso está
mudando e o governo está incentivando bastante RU
DE
a criação intensiva. Os grandes matadouros tam- US
IR CN
bém são escassos. Métodos manuais ou semime- FR
IN
cânicos continuam sendo usados, e as condições bebidas lácteas MX VE NG
ID
de higiene raramente são controladas. Mas a de-
manda por carne nos supermercados está cres- BR ZA
AR
AU
cendo e já representa 10% das vendas totais. Esses
produtos têm apelo comercial por serem conside-
RU
rados “ocidentais”, mas também estão ganhando
UK DE
popularidade por seus preços baixos e por esta- US CN
rem associados a certos atributos como frescor, FR
TR IR
higiene e comodidade.
aves processadas congeladas
As cadeias internacionais de fast-food, como
McDonald’s e Kentucky Fried Chicken (KFC), abrem
novas filiais na China todos os dias. O McDonald’s já
tem cerca de 1.700 restaurantes, enquanto a KFC,
RU
líder de mercado, anunciou ter atingido a marca UK
dos 4.500 pontos de venda. Os clientes conhecem FR
US
IR
a reputação dessas cadeias em termos da certifi-
cação e do controle permanente de seus fornece- DZ
alimentos com ou sem carne
dores. Mesmo assim, escândalos alimentares são
BR
recorrentes, tirando o apetite dos consumidores.
No final de 2012 e início de 2013, a KFC teve que
lidar com dois casos diferentes de aves contamina-
das por antibióticos. As vendas caíram 10% e, até o AR Argentina DE Alemanha IR Irã
AU Austrália DZ Argélia MX México
final de 2013, ainda não tinham se recuperado. O
BR Brasil FR França NG Nigéria TR Turquia US EUA
McDonald’s se viu diante de situação equivalente: CA Canadá ID Indonésia RU Rússia UA Ucrânia VE Venezuela
as vendas também diminuíram. Mesmo na China, CN China IN Índia SA Arábia Saudita UK Reino Unido ZA África do Sul

a conduta dos consumidores indignados afeta as


vendas das grandes corporações.

ATLAS DA CARNE 29
RelAÇÕes CARNAIs: lIvRe CoMÉRCIo
oU AlIMeNTos seGURos
O Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla em
inglês) que atualmente está sendo negociado entre os Estados Unidos e a União Europeia
promete impulsionar o comércio e a geração de empregos. Mas também poderá
enfraquecer as leis de defesa do consumidor que existem em ambos os lados do Atlântico.

N
a teoria, a liberalização do comércio deve do a ciência ainda não tenha dado um veredito
aumentar a atividade econômica e reparar definitivo. Os Estados Unidos decidem a partir
todos os males, criando empregos e propor- de avaliações de custo e benefício dos riscos e de
cionando crescimento econômico para todos. “dados científicos sólidos” – que no caso dos trans-
o TTIP diminui Mas a realidade pode se mostrar bem diferen- gênicos foram disponibilizados diretamente pela
te. Os acordos de livre comércio já não envol- indústria.
o espaço para vem apenas cotas e tarifas. Eles podem ter um Apesar das grandes diferenças em seus siste-
participação social grande impacto sobre a capacidade dos go- mas de segurança alimentar e nas preferências
vernos de estabelecer normas para a produção dos consumidores, a UE e os EUA começaram a
de carne e regular a indústria mundial do setor negociar o Acordo de Parceria Transatlântica de
em aspectos como o bem-estar animal, a saúde, a Comércio e Investimento em 2013. O objetivo é
rotulagem e a proteção do meio ambiente, assim fortalecer as economias enfraquecidas do conjun-
como os direitos legais das empresas. to desses países através do que poderá vir a ser o
No entanto, o enfoque dado ao conceito de se- maior tratado de livre comércio bilateral da histó-
gurança alimentar varia entre os países. A União ria. Os EUA são o maior mercado para as exporta-
Europeia baseia suas normas de segurança para ções agrícolas da UE que, por sua vez, é o quinto
alimentos e produtos químicos no “princípio da maior parceiro comercial dos EUA em termos de
precaução”. A pedra angular da legislação co- produtos agrícolas. Poderosos grupos de interes-
munitária permite que a UE restrinja tempora- se de ambos os lados do Atlântico, incluindo as
riamente as importações que possam apresentar indústrias de produtos agrícolas, forragens e pro-
riscos para as pessoas ou o meio ambiente, quan- dutos químicos, exercem uma forte pressão para

Ganhadores e perdedores do comércio transatlântico

Expectativa de ganhos e perdas em porcentagens de ingresso per capita real pela maior competição nos principais mercados.

IFO
Assume-se que as barreiras tarifárias e outras foram eliminadas e que os demais regimes comerciais não se modificam.

7.3
suécia 6.2
9.7 Finlândia
Canadá Reino
-9.5 6.9
Unido
Irlanda
13.4 6.6
eUA espanha

México
-7.2

-9.5–6.1
-6.0–3.1
-3.0–0.0
0.1–3.0 Austrália
3.1–6.0 -7.4
6.1–13.4
sem dados

30 ATlAs dA CARNe
criar um acordo que venha a desmantelar as bar- rios negativos da produção animal industrial. Em
reiras impostas ao comércio agrícola, mas tam- vez de reduzir as normas ao extremo, os consumi-
bém ao subsetor da carne. Tal acordo poderá im- dores e ativistas norte-americanos e da UE devem
plicar grandes mudanças nas normas sobre o uso exigir que os governos aumentem tais regras e re-
de antibióticos na produção de carne, assim como gulem rigorosamente a indústria da carne. Caso
sobre o uso de organismos geneticamente modifi- contrário, seria melhor abandonar as negocia-
cados, o bem-estar animal e outras questões. ções.
Essa “coerência normativa” voltada a expandir
o comércio entre os EUA e a UE pode parecer ra-
Comércio de carne entre os EUA e a UE
zoável, em princípio. Mas há questões complexas
envolvidas. Os consumidores de ambos os lados do
Importações e exportações em milhões de dólares

USDA ERS
Atlântico devem estar cientes de que o TTIP pode
desbaratar os esforços para fortalecer a segurança 2010 2011 2012
alimentar e o bem-estar animal na indústria da
carne. Isso porque as indústrias norte-americana
946 1,154 988
e europeia terão como meta estabelecer padrões
menos exigentes para expandir seus mercados. comércio total
Durante anos, os Estados Unidos vêm tentan- de carne
do rechaçar as restrições da UE aos organismos
geneticamente modificados e à utilização de adi-
1,652 2,031 2,154
tivos controversos nos alimentos e forragens. É o
caso da ractopamina, utilizada nos Estados Unidos EUA UE
como aditivo para forragem com o objetivo de
aumentar a produção de carne bovina e de por- carne de boi
136 231 223
co mais magra. Seu uso é proibido em 160 países, e vitela
incluindo os da União Europeia, em grande parte
298 326 355 porco
pela ausência de estudos científicos independen-
tes que avaliem a segurança para a saúde huma-
aves, ovos 219 218 199
na. Atualmente, os EUA não podem exportar carne
de animais tratados com ractopamina para a UE.
A agroindústria e as empresas processadoras de
741 868 845 queijo
carne dos Estados Unidos querem que a UE derru-
be essa proibição e inclua o tema nas negociações
do TTIP.
Além disso, o TTIP representa uma oportuni-
dade para que as multinacionais driblem a rejei-
ção dos cidadãos europeus aos alimentos geneti- Livre comércio entre os EUA e a UE
camente modificados, muitos dos quais proibidos
na UE. O governo e as empresas de alimentos dos Importações e exportações em milhões de dólares

USDA ERS
EUA têm questionado essas normas como sendo 2010 2011 2012
“barreiras técnicas” injustas ao comércio. Agora,
por meio de negociações fechadas e sem transpa- milho 43 239 18
rência, há temores de que a União Europeia use
as negociações do TTIP para reduzir as restrições sorgo 38 239 1
normativas referentes ao uso de organismos ge-
neticamente modificados.
A União Europeia, por sua vez, tem interesse forragem 320 492 265
em reverter a proibição das importações de carne
bovina europeia para os EUA, que veta o uso ou EUA UE
a importação de ingredientes para forragem co-
nhecidos por transmitir a encefalopatia espongi- sementes
2,072 1,632 2,676
oleaginosas
forme bovina (EEB, ou doença da vaca louca). Os
defensores da segurança alimentar nos EUA têm soja 1,108 795 1,481
receio de que as políticas da UE que regulam a uti-
lização de aditivos para forragem não atendam
217 270 265 forragem
devidamente às exigências para evitar a contami-
nação. Além disso, como a UE está considerando
maior flexibilização das normas que regem o uso sementes
872 928 1,016
desses aditivos, isso aumentaria o risco do comér- oleaginosas
cio de carne contaminada com EEB. 847 897 976
azeite de oliva
Com o TTIP também será muito mais difícil
abordar os aspectos ambientais, sociais e sanitá-

ATLAS DA CARNE 31
O CUSTO OCULTO DA CARNE E
DAS SALSICHAS
O preço da carne não reflete seu verdadeiro custo de produção: os custos ocultos
para o meio ambiente e o contribuinte podem ser muito maiores. Se esses custos
fossem incluídos no preço final, o gado não seria mais um bom negócio.

O
s ganhos que provêm da carne não são Os custos para a natureza advêm, por exem-
resultado apenas do trabalho das compa- plo, do excesso de fertilização, devido ao despe-
nhias do setor. Também se sustentam pelo jo desmedido de esterco e adubo líquido sobre a
dano ambiental causado pelos criadouros indus- terra e da aplicação de fertilizantes para cultivar
triais e pela utilização de forragem, custos que as milho forrageiro e outras culturas. Se a qualidade
empresas não pagam. Além disso, recebem subsí- da água de um poço se deteriora pelo elevado teor
dios do Estado, que geralmente são distribuídos de nitrato, os custos são difíceis de calcular. Mui-
O dano causado de acordo com a seguinte lógica: quanto maior tas vezes, eles são identificados apenas quando o
à natureza é difícil a empresa, maior o subsídio. poço acaba tendo que ser fechado, o que implica
Até hoje não foi feita uma contabilidade trazer água potável de outro lugar. Outras exter-
de medir em termos
consolidada em termos econômicos e ecológi- nalidades são geradas quando o excesso de ferti-
monetários cos, mas podemos ter uma visão geral do siste- lização impede que o solo continue a funcionar
ma. O valor de um produto animal é composto como um filtro da água da chuva, quando a terra
por três preços: um é pago pelo consumidor, ou- é arrastada pela erosão, quando a biodiversidade
tro, pelo contribuinte e, o terceiro, pela natureza. diminui ou quando a floração de algas mata os
O consumidor usa o primeiro preço para determi- peixes.
nar o valor do produto. Os outros dois preços re- No entanto, na maioria dos casos, o dano
presentam os subsídios ocultos para quem produz mais contundente ocorre a uma distância maior
e comercializa esses artigos. do ponto de origem. A pecuária intensiva emite
Provavelmente, os custos pagos pelo meio am- compostos de nitrogênio – como o amoníaco –
biente são os maiores, mas são difíceis de calcular. que atingem a atmosfera, contribuindo de forma
Durante as três últimas décadas, economistas e significativa para o fenômeno das mudanças cli-
contabilistas têm desenvolvido a sua própria “con- máticas. Segundo a Avaliação Europeia do Nitro-
tabilidade ambiental e econômica” que estima os gênio de 2011, esse dano representou entre 70
danos causados à natureza em termos monetá- e 320 bilhões de euros para a Europa. Os autores
rios. É a natureza que cobre os custos do sistema concluíram que esse montante poderia superar
de criação industrial que não aparecem no balan- todos os rendimentos do setor agrícola continen-
ço da empresa, como o dinheiro economizado ao tal. Se fosse contabilizado, o setor como um todo
manter os animais em condições deploráveis. apresentaria perdas.

Diferentes regiões, diferentes níveis de apoio

Porcentagem de rendimentos
OCDE

brutos dos estabelecimentos


agrícolas do estado para
24.3
a pecuária por região,
classificação segundo a OCDE,
2010-2012
12.5 Comunidade dos Estados
Independentes
4.8 Europa

14.4
América do Norte
Ásia

2.61

Hemisfério Sul

32 ATLAS DA CARNE
subsídios diretos para os produtos animais e forragens

Países industrializados (OCDE), estimativas para 2012 em bilhões de dólares

OCDE
ovos
leite

1.5
7.3 15.3
18.0
porco

1.1
6.5 ovelhas

carne de boi e vitela


2.3 aves

soja

Na China, os custos diretos da fertilização ex- que permitem a exploração das pessoas e do meio
cessiva são estimados em US$ 4,5 bilhões por ano, ambiente. Para continuar sendo os fornecedores
principalmente pela perda da qualidade da água mais baratos de forragens e carne no mercado se os custos
devido à pecuária intensiva. O principal proble- mundial, os governos permitem que os traba- ocultos fossem
ma consiste em que, nas áreas que vivenciam um lhadores sejam submetidos a condições análo-
contabilizados,
rápido crescimento na Ásia Oriental, agricultores gas à escravidão por baixos salários, não apli-
e empresas agrícolas estão substituindo os ferti- cam controles ambientais, arrendam terras do provavelmente a
lizantes orgânicos tradicionais – esterco e adubo Estado a preços baixos para os grandes produ- pecuária geraria
– por nitrogênio sintético. Para maximizar as co- tores e não tomam medidas contra madeireiros perdas
lheitas, os campos são fertilizados com produtos ilegais que desmatam terras para posterior uso
químicos comerciais que também contêm nu- dos pecuaristas.
trientes altamente solúveis. Isso gera um duplo
prejuízo para o meio ambiente. Sendo assim, po- Rendimentos dos agricultores por meio de fundos públicos
de-se dizer que a carne barata só é possível graças
à contaminação ambiental.
Países industrializados (OCDE), porcentagens de rendimentos brutos por
OCDE
Outro aspecto importante e desconhecido re- subsídios públicos dos estabelecimentos agrícolas por produto animal
lativo ao verdadeiro preço da carne consiste nos
subsídios com fundos públicos. A União Europeia 1995–97
oferece subsídios para o cultivo de forragens e fi- 2010–12
nancia até 40% do custo do investimento para a im- 50

plantação de uma nova unidade de produção de


animais. Um fundo de crise, criado em 2013, pode 40
ser utilizado para financiar criadouros industriais,
por exemplo, em apoio à exportação de carne e
30
leite em pó. Há outros encargos que recaem sobre
os contribuintes, que acabam arcando com os cus-
tos em infraestrutura de transportes, como os por- 20

tos necessários para o comércio de forragens. Em


muitos países, a carne é submetida a um imposto 10
sobre o valor agregado reduzido. Por outro lado,
os baixos salários pagos nos matadouros possibili-
0
tam baratear a produção. carne de boi porcos aves ovelhas leite ovos
Alguns países pobres tendem a apoiar sua e vitela
indústria agrícola por meio de leis inadequadas

ATlAs dA CARNe 33
PORQUE O PORCO MATA O PEIXE:
A PERDA DA BIODIVERSIDADE
O excesso do uso de fertilizantes prejudica animais e plantas, afetando ecossistemas
ao redor do globo. Os nitratos em águas subterrâneas podem causar câncer.
Nas áreas litorâneas, podem gerar zonas mortas.

A
o despejar grandes quantidades de nitrogê- de 20 mil quilômetros quadrados de mar têm tão
nio em um corpo d’água, o seu teor de oxigê- pouco oxigênio que se formou uma “zona morta”.
nio diminui. A gravidade do problema pode Ali, camarões e peixes não sobrevivem.
ser vista nas águas costeiras do Golfo do México, A causa dessa devastação marinha está no
nas desembocaduras do Mississippi, onde cerca excesso de fertilização na bacia do Mississippi,
onde se concentra a maior parte da produção de
forragem e as instalações agrícolas industriais dos
Participação da agricultura no impacto ambiental total Estados Unidos. Nitrogênio e fósforo são despe-
jados no rio e em seguida chegam ao Golfo, local
Países industrializados (OCDE), 2007-2009, porcentagens em que tais nutrientes estimulam o crescimento

OCDE
de algas, plantas aquáticas e bactérias que conso-
mem o oxigénio dissolvido na água do mar. Um li-
2 tro de água do mar geralmente contém cerca de 7
35 miligramas de oxigênio dissolvido, mas não passa
45
70 de 2 miligramas no entorno das desembocaduras
do Mississippi.
área usada consumo consumo compra O biólogo marinho americano Peter Thomas
de água de energia de pesticidas aponta que cerca de 250 mil quilômetros qua-
drados de águas costeiras no mundo sofrem de
8
grave deficiência de oxigênio sazonal. Na Ásia, as
instalações de produção de aves e suínos ao longo
75 da costa da China, do Vietnã e da Tailândia conta-
90
minam o Mar da China com nitrogênio. A porção
norte do Mar Cáspio está carregada de nitrogênio
emissões de emissões de brometo emissões de gases de proveniente do rio russo Volga. Muitos dos mares
amoníaco de metila, prejudicial efeito estufa
à camada de ozônio que rodeiam a Europa também se encontram afe-
1 tados: o Mar Báltico, o Mar Negro, o Mar da Irlan-
40 da, a costa espanhola e o Mar Adriático apresen-
70 tam zonas mortas. A contaminação não é causada
apenas por nitrogênio e fósforo, mas também por
óxido de metano dióxido de resíduos de fármacos, potássio, organismos pato-
nitrogênio carbono
gênicos e metais pesados.
O problema não está limitado aos mares,
uma vez que a produção industrial de animais
Contaminação também prejudica a terra. O adubo líquido e o
da água: 30* esterco das áreas de produção de animais são
80* depositados no solo muitas vezes de forma indis-
70*
criminada. Os nitratos chegam às águas subter-
râneas, podendo contaminar a água potável que
nitratos na água nitratos na água nitratos na água
superficial subterrânea costeira
bebemos e afetar a nossa saúde, assim como po-
dem se converter em nitrosaminas no nosso orga-
nismo, substâncias suspeitas de causar câncer de
esôfago e estômago. A superfertilização ameaça
50* o habitat de quase todas as espécies em risco de
70* extinção da Lista Vermelha elaborada pela União
Internacional para a Conservação da Natureza. O
fósforo na água fósforo na água uso excessivo de fertilizantes, pesticidas e herbi-
superficial subterrânea * valor máximo
cidas químicos prejudica ainda os organismos do
solo e da água, além dos ecossistemas e da biodi-
versidade.

34 ATLAS DA CARNE
As florestas tropicais são particularmente ri- Os campos de forragem e a zona morta do Golfo do México
cas em biodiversidade, embora mais de um quin-
to da Amazônia já tenha sido destruído. A pecu- Bacia fluvial do Mississipi, uso do solo e contaminação da água

FAO
ária é uma das principais causas: as árvores são
derrubadas para criar pastos ou plantar soja, que
serve de alimento para os animais. E muitas das
pastagens se transformam em campos de soja, de-
pois de alguns anos. Essa conversão generalizada
de pastagens em áreas de cultivo para a produção
de forragem que ocorre na América do Sul e na
Europa reduz a biodiversidade, já que as prada-
rias geralmente contêm mais espécies e oferecem
um habitat melhor para insetos e outros animais
de pequeno porte. Já o pastoreio intensivo costu-
ma ocasionar a perda de espécies à medida que os terra cultivada
dedicada à forragem
agricultores cultivam outros tipos de capim, mais
valiosos como forragem, marginalizando outras menos de 5%
espécies. A colocação de cercas para configurar menos de 20%
fazendas em campos antes abertos pode bloquear de 20–50%
as rotas de migração dos animais selvagens, im- mais de 50%
pedindo o acesso deles a fontes de água, além de zona hipóxica pelas cargas de nitrogênio e fosfato
poder causar o sobrepastoreio do gado.
Fazendas mistas, com culturas e animais no
mesmo lugar, geralmente têm áreas diversifica-
das de vegetação – parcelas arborizadas, quintais, principais razões para os desequilíbrios de nu-
hortas e áreas cercadas com plantas ornamentais trientes da água doce, dos solos e do mar.
– que abrigam vários insetos e animais pequenos, Além disso, em sistemas industriais, a di-
além de algumas plantas silvestres. Na Europa, versidade genética do gado é muito limitada: A pegada
nos EUA, na América do Sul e na Ásia, muitas des- agricultores de todo o mundo têm acesso às ecológica da
sas explorações mistas estão sendo substituídas mesmas poucas linhagens de criação, o que indústria pecuária
por sistemas de criação de suínos e aves em escala muitas vezes vem acompanhado da perda
é enorme
industrial nos quais os animais são alimentados de espécies nativas. Assim, seja num curral ou
com forragem proveniente de outras fazendas e, numa instalação agrícola industrial, a biodiversi-
frequentemente, de outros países. Esta é uma das dade está em seu nível mais baixo.

Nitrogênio na terra e no sistema aquático

Principais fontes de nitrogênio, 2005

ENA
pecuária
fertilizantes

ATLAS DA CARNE 35
CADA VEZ MENOS RAÇAS
A base genética do gado está se estreitando. São privilegiadas algumas poucas
espécies, como a vaca leiteira Holstein-Friesian, criada em 130 países.

A
humanidade domesticou trinta espécies de alta produção, que são cruzadas entre si, para ob-
gado e, ao fazê-lo, criou uma incrível varie- ter a carne dos animais que comemos. Essa hibri-
dade de raças. Até agora, a Organização das dização se aplica especialmente às aves e porcos,
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultu- o que limita ainda mais a diversidade genética
ra (FAO) documentou cerca de oito mil. Muitas são desses animais.
criadas por pequenos produtores – na maioria, Desde os anos 1950, os criadores industriais
mulheres –, que produzem a maior parte da car- concentraram-se em maximizar a produção e as
ne, além de preservar a diversidade do gado em características úteis do ponto de vista comercial,
Um galo pode todo o mundo. Para muitas famílias pobres, os como o crescimento rápido, o aproveitamento efi-
animais, especialmente as aves, as ovelhas e as ciente da forragem e o maior rendimento. O resul-
gerar até
cabras, constituem uma importante fonte de tado dessa estratégia: raças de alto desempenho e
28 milhões de crias subsistência. Para tanto, optam pela criação geneticamente padronizadas, que demandam
com uma carga de raças autóctones (nativas) que cumprem forragens ricas em proteínas, produtos farmacêu-
genética similar várias funções (em vez de raças exóticas, ou ticos caros e instalações climatizadas para sobre-
“melhoradas”), uma vez que se adaptam melhor viver.
às condições locais (que muitas vezes são difíceis). Atualmente, poucas empresas transnacionais
A produção industrial intensiva usa oito ti- fornecem raças comerciais a uma porção cada vez
pos de animais: bovinos, porcos, ovelhas, cabras, maior dos mercados de carne em todo o mundo.
frangos, perus, patos e coelhos, a partir dos quais As empresas também dominam a pesquisa e o de-
foram desenvolvidas mais algumas raças. A indús- senvolvimento da indústria de genética animal,
tria as transformou em linhagens de criação de altamente concentrada, particularmente para
aves, porcos e bovinos.
• Um terço da oferta mundial de suínos, 85% dos
Dois vencedores da globalização ovos comercializados e dois terços da produção
de leite provêm dessas raças.
Presença do gado leiteiro Holstein-Friesian • No setor avícola, quatro empresas representam
97% da pesquisa e do desenvolvimento da área.
FAO

Quanto ao setor de frangos de corte, três empre-


sas controlam 95% do mercado. Estima-se que
apenas duas empresas controlam 94% do plantel
reprodutor de poedeiras comerciais. Duas em-
presas fornecem praticamente todo o material
genético dos perus comerciais.
• As quatro maiores empresas cobrem dois terços
do total da pesquisa e do desenvolvimento de su-
ínos e bovinos.
• Embora a aquicultura represente atualmente
uma pequena porção da indústria, é o setor que
mais cresce. Muitas das principais empresas de
Presença de porcos Large White genética animal têm recentemente se voltado
para a aquicultura. Elas trabalham com poucas
espécies, principalmente salmão do Atlântico,
truta arco-íris, camarão tropical e tilápia.
A maioria dos fornecedores de material ge-
nético para o gado em nível mundial é privada e
não divulga valores de receita ou investimentos,
nem disponibiliza um inventário do germoplas-
ma patenteado ou das variedades de animais re-
produtores. Há, portanto, pouco acesso público
à informação sobre a envergadura da genética
animal, das vendas e dos preços do material ge-
nético.
Hoje, a China é o maior consumidor mundial
de carne. O porco é a proteína mais popular, e a

36 ATLAS DA CARNE
Indústria da genética animal: os sete grandes reprodutores em nível mundial

Empresas e seus perfis

ETC GROUP/USDA
Genus
5
Hendrix Genetics Hendrix Genetics.
Vende galinhas poedeiras,
3 EW Group perus e porcos; aquicultura.

Smithfield Foods 5 Privada, 2.400 empregados (2012).


Groupe Grimaud 2 Acordo de desenvolvimento
conjunto com a Cobb-Vantress,
Tyson Foods 4
2 filial da Tyson Foods.
6 3
EW Group. O ator mais
7 Genus. Vende porcos,
laticínios e bovinos. Receita importante da indústria
7 de US$ 550 milhões em 2012. mundial da genética avícola. Charoen Pokphand Group
Tyson Foods. Operações em 30 países, Vende frangos de corte, galinhas
Faturou US$ 33 bilhões com vendendo a outros 40. 2.100 poedeiras e perus. Antiga Erich 1
a venda de frango de corte em 6 empregados (2012). Wesjohann Group. Privada,
2012. Sua filial Cobb-Vantress não divulga receita; 5.600
Smithfields Foods.
distribui reprodutores para empregados (2011). 1
Maior processadora e produtora
mais de 90 países. Charoen Pokphand Group.
de suínos do mundo. Faturamento
4 Vende frangos de corte e porcos;
de US$ 13 bilhões (2012);
adquirida em 2013 pela Shuanghui, Groupe Grimaud aquicultura. Gigante agroindustrial e
maior processadora de carne da Vende frangos de corte, das telecomunicações, com receitas
China, incluindo a filial de criação galinhas poedeiras e porcos; anuais de US$ 33 bilhões, sendo que os
de porcos da empresa. aquicultura. Privada; rendimentos com forragem, agricultura
faturamento de US$ 330 e alimentos somam US$ 11,3 bilhões
milhões de dólares
(2013), incluindo operações de
(2011).
criação de animais.

demanda continua a crescer. Até 2015, a meta- Segundo dados atualizados em 2012 pela FAO
de de todos os porcos consumidos no país será sobre o estado da biodiversidade do gado, quase
produzida em criadouros industriais. Embora a um quarto das oito mil raças de gado individuais
China tenha mais diversidade de suínos do que estão em risco de extinção, principalmente por
qualquer outra nação, seus criadouros industriais causa do crescimento da pecuária industrial.
dependem de reprodutores importados. Muitas A baixa diversidade genética das raças comer-
empresas de genética suína anunciaram recente- ciais aumenta a sua vulnerabilidade a pragas e
mente acordos com a China, uma tendência que doenças, assim como representa riscos no longo
provavelmente irá acelerar depois que a Shuan- prazo para a segurança alimentar, ao excluir op-
ghui International, maior processadora de carne ções para responder aos desafios ambientais, às
chinesa, comprou, em 2013, por US$ 7,1 bilhões, a condições de mercado e às necessidades sociais
norte-americana Smithfield Foods. do futuro: aspectos que são imprevisíveis. Diante
A concentração da propriedade e do controle das mudanças climáticas, a perda da diversidade
do gado reprodutor para a produção industrial de genética dos animais ameaça a sustentabilidade
animais em grande escala contrasta, considera- no longo prazo não só das comunidades de pas-
velmente, com milhões de pequenos agricultores, tores como dos sistemas pecuários industriais.
pescadores e pastores e ameaça fazê-los desapa-
recer. Em um mundo que enfrenta as mudanças
climáticas, a importância potencial das raças re- Dominando a indústria da pecuária
sistentes aos extremos climáticos, calor intenso e
doenças tropicais, são fundamentais como fontes Cota de mercado das raças nos Estados Unidos, porcentagens
MEDILL

de material genético único para os programas de


reprodução.
Em 2007, a Declaração de Interlaken sobre os
recursos zoogenéticos foi assinada por 109 países
que assumiram o compromisso de fazer com que
a biodiversidade animal do mundo seja utilizada
para a promoção da segurança alimentar e de 60
83 75
garantir a sua disponibilidade para as gerações
Angus, Hereford,
futuras. A declaração aponta que “a constante Holstein Simmental a partir dessas
erosão e perda de recursos zoogenéticos para a variedades
alimentação e a agricultura colocarão em perigo
as iniciativas para alcançar a segurança alimen-
tar, melhorar a nutrição humana e impulsionar o
desenvolvimento rural”.

ATLAS DA CARNE 37
O RISCO DOS ANTIBIÓTICOS
Os produtores empregam grandes quantidades de fármacos tanto para evitar
doenças como para promover o rápido crescimento animal. Por isso, em todo
o mundo, verifica-se o aumento da resistência de bactérias a medicamentos
vitais em humanos.

C
ausa da morte: uma lesão no joelho. Parece A produção industrial de insumos de granja
ficção científica, mas poderá se tornar re- tem se intensificado a um ritmo acelerado duran-
alidade. A Organização Mundial da Saúde te as últimas décadas, tendo os antibióticos como
(OMS) adverte que, se o uso indiscriminado de uma força motriz por trás do processo. Isso por-
antibióticos continuar no setor de criação animal, que cumprem duas funções: ajudam os animais a
poderemos entrar em uma era pós-antibióticos superar as condições sanitárias e de superlotação
na qual doenças que hoje são facilmente curáveis em que vivem e, por outro lado, os fazem crescer
voltariam a ser letais. Apesar dessa advertência, mais rápido.
poucos países têm abordado a questão. Na in- Segundo a OMS, atualmente são administra-
dústria da carne, os antibióticos são empregados dos mais antibióticos a animais saudáveis do que
para que os animais resistam às condições em que a humanos doentes. A utilização de antibióticos
É preciso vivem até serem abatidos. Contudo, uma gran- como promotores do crescimento é legal em mui-
estabelecer um de parte também é empregada para aumentar tas partes do mundo e, até recentemente, quase
controle mais rigoroso e acelerar o crescimento: os porcos que rece- toda a produção de carne em grande escala nos
contra o abuso de bem antibióticos, por exemplo, precisam de países em desenvolvimento envolvia a adminis-
10 a 15% menos alimentos para atingir o peso tração, em baixas dosagens, de antibióticos nos
medicamentos nos
de mercado. alimentos para os animais.
animais Embora a União Europeia tenha proibido a É bastante comum inocular no gado os mes-
prática em 2006, não conseguiu reduzir significa- mos antibióticos administrados a seres humanos.
tivamente o seu uso nas granjas. Em 2011, foram Cada vez que isso é feito, existe a possibilidade de
distribuídas 8,5 mil toneladas de ingredientes que a bactéria desenvolva uma resistência a de-
antimicrobianos em países europeus, tendo a Ale- terminado fármaco. E assim nascem as “superbac-
manha como o maior consumidor. Em outras par- térias” (agentes patogênicos como a Escherichia
tes do mundo, a utilização dessas drogas não tem coli, a salmonella ou a campylobacter), que tam-
regulamentação ou qualquer restrição. Estima-se bém infectam os seres humanos e são resistentes a
que na China os animais criados em currais rece- diferentes tipos de antibióticos, sendo, portanto,
bam mais de 100 mil toneladas de antibióticos particularmente difíceis de curar. O uso impru-
a cada ano, a maioria sem monitoramento. Nos dente de antibióticos na produção de gado, nos
Estados Unidos, a produção pecuária consumiu comedouros e bebedouros, exacerba o problema
13 mil toneladas de antibióticos até 2009, o que da resistência. É impossível assegurar que cada
representa quase 80% de todos os antibióticos uti- animal receba uma dose adequada ou suficiente
lizados no país. da droga. Raramente são feitos testes diagnósti-

A que nível chegamos: distribuição de antibióticos e bactérias resistentes nos EUA

Vendas de antibióticos, milhões de libras/quilogramas Enterococcus faecalis, resistente aos antibióticos, detectada
EWG

em supermercados, 2011, porcentagem de todas as mostras

lb quilogramas

29.9 13.6

20
10 81 69
peru porco
para a produção de carne e aves
para tratar as pessoas doentes
10
7.7 3.5
55 39
carne bovina frango
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

38 ATLAS DA CARNE
Vendas na Europa de agentes antimicrobianos para os animais utilizados na produção de alimentos
6

EMA
Vendas em miligramas por quilograma de biomassa de Islândia 24
gado, 2011, incluindo equinos 4 Finlândia
Noruega
51 14
66
nos criadouros agrícolas, Reino Unido 114 Suécia
antibióticos são 43 35 Estônia
sistematicamente utilizados Letônia
Países Dinamarca
para combater doenças 49 42
Baixos 120
Irlanda Lituânia
as bactérias se “defendem” 175 211 Polônia
por meio da mutação,
tornando-se assim 83
resistentes aos antibióticos Bélgica Alemanha
República 44
79* 54 Checa Eslováquia
as bactérias resistentes
117 Suíça Áustria 43
podem adentrar o corpo
humano quando as pessoas Eslovênia 192
comem carne França
104
161 249 Hungria
Bulgária
os antibióticos usados 370
para tratar humanos Portugal Espanha
são ineficazes contra as
bactérias resistentes Itália 408

* vendas na Suíça não auditadas


Chipre

cos para verificar se tem sido usado o tipo correto ambiente. Desenvolvem-se e reproduzem-se, tro-
de antibiótico. cando informação genética e, assim, aumentam
As bactérias resistentes que resultam de tal a quantidade de bactérias que são resistentes aos
prática podem ser transmitidas dos animais para outrora potentes antibióticos.
os seres humanos de muitas maneiras. Um vín- A produção de animais e carne está conectada
culo óbvio é a cadeia alimentar: conforme os ani- globalmente com o comércio e o transporte que
mais são abatidos e processados, as bactérias po- ligam o mundo. Esses vínculos permitem que
As granjas
dem colonizar a carne e, assim, chegar às nossas bactérias resistentes se espalhem rapidamen-
cozinhas. Mas não é o único caminho. te. As superbactérias são, como diz a própria indústriais
Essas bactérias podem percorrer longas dis- OMS, “renomados andarilhos”. E é por isso que fomentam novas
tâncias dentro de uma mesma fábrica levadas o uso imprudente de medicamentos em uma cepas de
pelas correntes geradas pelos sistemas de clima- determinada parte do planeta é uma ameaça bactérias
tização. O esterco utilizado como adubo agrícola não só para a população humana circundante,
também pode conter essas bactérias que, uma mas também põe em perigo a saúde das pessoas
vez no solo, podem chegar a rios e lagos. Vários em outras partes do mundo.
tipos delas interagem tanto em granjas como no

A que nível chegamos: resistência aos antibióticos por patógeno e tipo de carne na Alemanha

Porcentagem de amostras. Muitos patógenos desses grupos de bactérias podem causar diarreia severa e inclusive a morte de pessoas
BVL

Número de
classes de
100
antibióticos
às quais os
80 patógenos são
Salmonela Escherichia coli resistentes:
60 4 ou mais
3
40 2
Campylobacter jejuni
1
20
Patógenos
que não
0 desenvolveram
carne de peru peru frango de corte carne de peru carne de peru vitela de engorda frango de corte
peru (matadouro) (estabelecimento (estabelecimento peru (matadouro) peru (matadouro) (estabelecimento (estabelecimento resistência:
(varejo) agrícola) agrícola) (varejo) (varejo) agrícola) agrícola) suscetível

ATLAS DA CARNE 39
ÁGUA: QUANDO A FONTE SECA
O crescimento da indústria pecuária mundial vai agravar o quadro de
superexploração e contaminação de rios e lagos: de um lado, o recurso é utilizado
no cultivo de alimentos para os animais, por outro, os resíduos da pecuária
contaminam as águas subterrâneas.

O
consumo mundial de água aumentou oito grãos e 7,2 mil quilos de forragem. Para cultivar
vezes no século passado. E continua aumen- tudo isso é preciso usar muita água. Deve-se ain-
tando em ritmo mais do que duas vezes mais da somar, para cada animal, 24 metros cúbicos de
rápido que o ritmo de crescimento da população água para beber e sete para limpar o estábulo. Em
mundial. Consequentemente, um terço da huma- suma, para produzir um quilo de carne bovina são
nidade não tem acesso à água suficiente e 1,1 bi- necessários 6,5 quilos de grãos, 36 quilos de forra-
lhão de pessoas não contam com água potável. gem e 15,5 mil litros de água.
2,5 bilhões de Lagos, rios e oceanos estão cheios de nutrien- As estatísticas da Organização das Nações
pessoas já vivem tes e poluentes. Ao mesmo tempo, o nível das Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
águas subterrâneas está em declínio em muitas são igualmente surpreendentes. A produção de
em áreas sujeitas à
partes do mundo. Grandes rios – como o Colora- mil calorias de alimentos na forma de cereais re-
escassez de água do, dos Estados Unidos, e o Amarelo, da China, quer cerca de quinhentos litros de água. Produzir
– já não chegam ao mar durante meses por causa a mesma quantidade na forma de carne requer
da extração excessiva de suas águas. O consumo quatro 4 mil litros e, no caso dos laticínios, 6 mil
continua a aumentar à medida que a população litros. E esses números correspondem a apenas
mundial cresce, e o abastecimento de água pode médias. É importante lembrar que nem todas as
entrar em colapso se não forem impostos limites. vacas são iguais: uma vaca criada em sistema in-
A atividade que mais consome água – sendo tensivo consome muito mais água do que outra
apontada como a principal causa da crise hídrica que se alimenta em pastos ao ar livre. E, em todo
mundial – é a agricultura, que utiliza 70% da água o mundo, cada vez mais animais são mantidos em
doce disponível no mundo, enquanto o uso domés- espaços confinados.
tico (10%) e da indústria (20%) é muito menor. Um O efeito do gado sobre a água não se limita ao
terço da cota que abastece a agricultura é destina- consumo. A contaminação da água por nitratos e
do à pecuária. Não porque vacas, porcos e galinhas fósforo contidos no esterco e nos fertilizantes re-
bebam muito líquido, mas porque a consomem in- presenta um grande problema para a indústria pe-
diretamente para a produção de forragem. cuária. Em muitas áreas, o excesso de fertilização
De acordo com um estudo da WWF, são ne- é um problema maior do que a falta de adubação.
cessários 15,5 mil litros de água para produzir As plantas não conseguem absorver os nu-
apenas um quilo de carne bovina, o que corres- trientes, que se infiltram no solo e se depositam
ponde a usar uma pequena piscina de água para nas águas subterrâneas, bem como nos rios e la-
obter quatro bifes. Uma quantidade que surpre- gos. Os nitratos que chegam às águas subterrâne-
ende, até examinarmos detalhadamente o que as muitas vezes acabam em poços e mananciais.
uma vaca come durante a vida: 1,3 mil quilos de Quando as autoridades comprovam os níveis ele-

Extração de água para a produção de alimentos, forragens e fibras


Hoekstra/Mekonnen

Milímetros ao ano

0–10
10–100
100–500
> 500

40 ATLAS DA CARNE
Água usada na produção de carne nos países do G20

Hoekstra/Mekonnen
Austrália
Brasil
1,000

EUA
Arábia Saudita
Países desenvolvidos e em desenvolvimento mais importantes,

Canadá

Itália
metros cúbicos anuais por pessoa

França
Argentina
750

África do Sul

México
Reino Unido

Rússia
Coreia do Sul

média mundial
Alemanha
500

Japão
China
Turquia
Indonésia

250
Índia

vados de nitratos, as pessoas podem evitar beber Água virtual


a água, mas tais fiscalizações não acontecem em
muitos lugares. Essa quantidade de água é necessária para produzir 1 kg ou 1 litro de:
Existem outros problemas, como a contami-
nação por antibióticos, devido às grandes quanti- carne
dades de medicamentos utilizados nos criadouros bovina
industriais e o declínio do nível do lençol freático,
em função do bombeamento dos poços. Os poços 15.455 L
secos precisam ser aprofundados e podem entrar
em contato com as rochas com alto teor de flúor e
arsênico, substâncias prejudiciais para as pessoas
e os animais.
De acordo com o Worldwatch Institute, se o
queijo
consumo de carne continuar crescendo rapida-
mente, a quantidade de água necessária para 5.000 L
cultivar forragens irá dobrar até meados deste sé-
culo. O crescimento da população humana por si arroz
só implica que temos de encontrar maneiras mais 3.400 L
econômicas de usar a água. Cerca de 2,5 bilhões
de pessoas já vivem em áreas com acesso a água de
ovos
qualidade restrito . Em 2025, mais do que metade 3.300 L
da humanidade passará por privação de água. É
altamente questionável que se continue a injetar
esse recurso cada vez mais escasso na pecuária. açúcar 1.500 L

Uma indústria sedenta trigo 1.300 L

Consumo de água da Nippon Ham, a 6ª maior


Nippon Ham

leite 1.000 L
empresa produtora de carne do mundo, 2011,
100% = 12,5 milhões de m3

1.5 maçãs 700 L


9.7
cerveja 300 L

32
56.8 batatas
1 tina contém cerca de
255 L 140 litros de água
waterfootprint.org

tomates 184 L

plantas de alimentos criadouros e unidades


cenouras 131 L
plantas de processamento de engorda
de carne fresca outros

ATLAS DA CARNE 41
FORRAGEM: GRÃOS PARA O COMEDOURO
Teoricamente, seres humanos e ruminantes não devem competir por comida.
As pessoas deveriam comer grãos na forma de pão, enquanto as vacas deveriam
comer pasto e trevos. Mas as coisas mudaram.

O
pasto, a silagem e o feno contêm pouca de 40% da forragem vem do pasto, do feno e da si-
energia, de modo que, para obter um rendi- lagem de pasto ou milho.
mento maior, os animais são alimentados Na Europa, nos Estados Unidos, no México e
com grandes quantidades de concentrados, como em outras partes da América Latina, e até mesmo
soja, milho e outros cereais. Eles contêm proteínas em países como o Egito, o gado já não se alimen-
para melhorar sua fertilidade e seu crescimento, ta só de pasto. Ele também come milho, trigo e
Um terço da terra desenvolver seus músculos e aumentar a pro- soja. Seria, no entanto, muito mais eficiente utili-
agrícola mundial dução de leite. Mas esses alimentos são pobres zar essas culturas para alimentar diretamente as
em fibras e geram uma maior produção de áci- pessoas. Embora haja grandes diferenças entre
é utilizado para
do no ventre dos animais. Para compensar, são as regiões, 57% da produção em nível mundial
forragens animais usados aditivos nas forragens. de cevada, centeio, painço, aveia e milho é desti-
O que comem então os animais de granja? nada aos animais. Mesmo nos EUA, onde grande
A Organização das Nações Unidas para a Alimen- parte do milho é utilizada na produção de etanol,
tação e a Agricultura (FAO) aponta que entre 20 e 44% acaba em comedouros. Na UE, 45% do trigo é
30% da forragem consiste em concentrados. Um utilizado para essa finalidade. Já na África, espe-
comedouro de porcos pode conter de 6 a 25% de cialmente ao sul do Saara, onde o risco da fome é
soja, de acordo com a idade dos animais. Em mé- maior, esses números são impensáveis. Nessa re-
dia, entre todas as espécies de gado, apenas cerca gião, as pessoas consomem 80% da safra de cereais

Comércio virtual de terras para cultivar soja na União Europeia

Em milhões de hectares, média líquida 2008-2010

WWF
Importação
Exportação
América do
Norte
-1.6
Oceania
Ásia
Comunidade 0.0
dos Estados -2
Independentes

-0.2

América do Sul

outros +0.2
Total de terras fora da UE para produzir soja,
-0.1 milhões de hectares
Oriente Médio/
África Setentrional
16
Paraguai
Brasil
-0.9 14
Argentina
-12.8 12
+0.1

-6.4 África 10
-5.4 Subsaariana
8

0
2001 2005 2010

42 ATLAS DA CARNE
e os animais encontram seu alimento nas terras Pastos e matagais convertidos em terras de cultivo e pastoreio
de pasto.
Em nível global, mais de 40% da produção

FAO
Porcentagem de inventário natural convertido em
anual de trigo, centeio, aveia e milho é destinada
terras de cultivo
a forragens, ou seja, cerca de 800 milhões de to-
para pastoreio
neladas. Somam-se a isso outros 250 milhões de
sementes oleaginosas, principalmente soja. Essas
são leguminosas: capturam o nitrogênio do ar e
América do Sul
devolvem esse valioso nutriente vegetal para o
solo, melhorando sua fertilidade. A soja pode ser
substituída por leguminosas nativas, como fei- América do Norte
jões, ervilhas ou alfafa. Mas essas culturas repre-
Pacífico
sentam aproximadamente 20% da proteína usada (desenvolvido)
como forragem na União Europeia.
No total, quase um terço dos 14 bilhões de hec- Europa
tares de terras cultiváveis no mundo é usado para
Ásia (incluindo
produzir forragem. E, se considerarmos também a ex-União
os subprodutos agregados às forragens, como a Soviética)
palha e a pasta de sementes de soja, colza ou uvas,
África
três quartos do total das terras de cultivo são, de
alguma forma, usados para produzir forragem.
0 2 4 6 8 10 12 0 2 4 6 8 10 12
A produção de forragem foi separada da cria-
ção de animais. As culturas destinadas à forragem anteriormente pradarias ou savana anteriormente matagais
agora viajam longas distâncias – frequentemente
por mar – para chegar aos criadouros. Esse distan-
ciamento gera consequências. De um lado, mui- escala mundial, a estagnação das colheitas afeta
tos pecuaristas não têm como eliminar o estrume quatro dos grãos mais importantes, que produ-
num lugar próximo de maneira segura e ecológi- zem dois terços das calorias: milho, arroz, trigo e
ca. Eles têm que enviá-lo a outro lugar para disper- soja. As safras dessas quatro culturas estão cres-
sá-lo nos campos. Por outro lado, os agricultores cendo a uma taxa anual de apenas 0,9-1,6%. Os au-
que cultivam forragens precisam usar grandes tores do estudo de Minnesota consideram que isso
quantidades de fertilizantes e pesticidas artificiais pode estar acontecendo porque a atenção cen-
A expansão
para obter colheitas produtivas. Além disso, as sa- trou-se na produção de cultivos para forragem
fras de grãos têm deixado de aumentar em alguns e biocombustíveis. Eles apontam que o uso das terras de
lugares. De acordo com um estudo da Universida- mais eficiente das terras cultiváveis e uma me- cultivo implica
de de Minnesota, as colheitas estão estagnadas no lhor gestão em nível global poderiam atenuar grandes custos
Reino Unido, na Austrália, na Argentina, na Gua- o problema, enquanto a expansão de terras de ambientais
temala, no Marrocos, no Quênia e em alguns esta- cultivo implicaria grandes custos ambientais em
dos dos EUA, como no Arkansas e no Texas. termos de perda de biodiversidade e aumento das
No Reino Unido, as colheitas diminuíram, pro- emissões de carbono. Deepak Ray, um dos autores
vavelmente devido ao uso de maquinaria pesada, do estudo, sugere: “Talvez seja controverso, mas
que danifica o solo. Além disso, os solos têm sofri- poderíamos mudar nossa dieta para uma com
do perdas em seu teor de matéria orgânica. Em maior consumo de vegetais.”

Área para o almoço

Área necessária para produzir pratos típicos com carne em m2/pessoa


WWF

área total necessária


3.61 necessária para o
3.38 componente de carne
3.12 2.26 necessária para a soja
2.23
1.96
1.36

0.66 0.76
0.38 0.35
0.11

porco assado hambúrguer frango ao curry salsicha grelhada

ATLAS DA CARNE 43
O CUSTO CLIMÁTICO DO GADO
A pecuária intensiva gera quase um terço dos gases de efeito
estufa em nível global. Mas alguns cientistas e pecuaristas
argumentam que uma pecuária adequada não afeta o clima.

O
s pecuaristas não são apenas vítimas das acabará na atmosfera ou se transformará em ni-
mudanças climáticas; eles também con- tratos que contaminam as águas subterrâneas. O
tribuem para esse quadro. A pecuária é Instituto de Pesquisa de Agricultura Orgânica da
responsável pela emissão de 6 a 32% dos gases Suíça (FiBL) determinou que a produção anual de
de efeito estufa, enquanto a FAO atribui 14,5% a 125 milhões de toneladas de fertilizantes de nitro-
essa atividade. A grande diferença entre essas gênio emite 800 milhões de toneladas de dióxido
Alimentar estimativas se deve à base de cálculo: devemos de carbono. Isso representa 2% das emissões de ga-
considerar as emissões diretas da pecuária ou ses de efeito estufa em nível mundial.
ruminantes com
devemos incluir também as emissões totais A alta demanda de forragem – especialmente
pasto e alho pode geradas pela produção de forragens, fertili- soja – impulsiona a expansão da produção agríco-
reduzir emissões zantes e pesticidas, pelo arado, pela derrubada la. Florestas tropicais e matagais muitas vezes são
de metano de florestas para plantar soja e pela drenagem derrubados para dar lugar aos cultivos. A FAO in-
nas turfeiras? dica que só no Brasil são emitidos 7,7 quilogramas
A produção e o uso de forragem normalmente de gases de efeito estufa por cada quilograma de
não são incluídos na pegada de dióxido de carbo- soja cultivada. Outra parte das emissões, que cos-
no da carne ou dos produtos animais, como ovos, tuma ser esquecida, é a decorrente das mudanças
leite e manteiga. Mas os cientistas ambientais no uso da terra. Ao arar as pradarias, o húmus se
apontam que as pegadas devem considerar todas decompõe e emite enormes quantidades de dió-
as emissões geradas durante o ciclo de vida útil de xido de carbono. Uma tonelada de húmus retém
um determinado produto, tanto na fase da produ- 3,7 toneladas de gás, 35% do qual é lançado no ar
ção, como do consumo e do processo de descarte. quando o solo é removido. Outros 4% dos gases de
A produção e o uso de fertilizantes minerais e or- efeito estufa atribuíveis à agricultura são produzi-
gânicos são responsáveis por mais de um terço de dos quando os agricultores aram solos de turfeiras
todas as emissões de gases de efeito estufa da pro- drenados. É o tipo de agricultura que mais afeta o
dução pecuária. O maior responsável é o óxido ni- clima: podem ser emitidas 40 toneladas anuais de
troso, um gás de efeito estufa trezentas vezes mais dióxido de carbono por hectare a partir da maté-
potente do que o dióxido de carbono. ria orgânica acumulada nos pântanos ao longo
Caso os agricultores apliquem fertilizantes mi- dos séculos.
nerais, esterco ou adubo líquido em excesso, ou o Mas a agricultura não tem por que ser tão pre-
façam no momento errado, as plantas não con- judicial para o clima. A criação de gado por meio
seguirão absorver os nutrientes e o óxido nitroso do pastoreio em campos naturais traz benefícios:

Emissões causadas pelos produtos animais Emissões da produção de carne

Quilogramas equivalentes em CO2, por quilograma de carne Quilogramas equivalentes em CO2, por quilograma de carne apta
EWG

EWG

consumida nos EUA para o consumo nos EUA

40 8
CH4 (digestão)
39.2
produção 7.51 carne bovina
35 7
processamento, aves
30 transporte, comércio, 6
CH4 metano
preparação, descarte de
27.0 produção de forragem N2O óxido nitroso, gás hilariante
25 resíduos 5
4.67
20 4
N2O
(esterco)
15 3 transporte de
13.5 ingredientes adicionais
10 12.1 2
10.9 CH4 energia
1.75 1.64
5 6.9 1 1.26 (esterco) 0.23
4.8 0.26
0.28 0.55 0.59
0 0
cordeiro carne queijo porco peru frango ovos
bovina

44 ATLAS DA CARNE
O que não se vê no prato: emissões de gases de efeito estufa das cadeias de abastecimento de gado em nível mundial

Por produtos animais, em bilhões de toneladas equivalentes em dióxido de carbono

FAO
Esterco para cultivos não
destinado à forragem, 1,4 milhões
transporte e de toneladas de nitrogênio
processamento fora
do estabelecimento subprodutos do abate fibra e esterco
agrícola 0.4
0.2 como combustível

produção carne bovina 2.9


3.5
de gado

7.0

leite de vaca 1.4

ovelhas e cabras
0.4
produção de
3.3 leite e carne de búfalo 0.6
forragem
porco 0.7
carne de frango 0.4
0.2
ovos de galinha
produtos não destinados à forragem

converter campos cultivados em pastos captura Mas o metano pode ficar quase totalmente retido
grande quantidade de dióxido de carbono nos no solo se os animais pastam nos campos naturais.
primeiros 30 ou 40 anos. Esses campos não devem E não se deve optar por uma alimentação com ce-
ser superfertilizados pelo excesso de animais nem reais ou soja como suplemento. Uma vaca alimen-
por fertilizantes químicos. Os sistemas radiculares tada dessa maneira mais saudável e sustentável
das plantas devem ser capazes de se desenvolver não produz tanta carne por hectare como uma
sem sofrerem perturbações. Sem dúvida, é verda- alimentada com concentrados, mas o custo am-
de que os bovinos emitem metano: produzem até biental em termos de emissões de gases de efeito
28% desse gás especialmente nocivo para o clima. estufa é muito menor.

Um coquetel de gases: mudanças climáticas geradas a partir dos campos e estábulos

Por categoria de emissão, porcentagem


FAO

0.9 0.5
2.2 1.4
6.1 5.7 5.5
3.6 7.9 6.9
5.4 17 18.1 3.5 4
9.1 7.6 22.6 21.4
3.8 8.2 11
4.8
7.4 7.4 1.6
42.6 19.2 1.4 9.1 9 8.6
10.9 10 27.1
46.5 21.1
1.1 12.7
14.8 3.1 12.7 24.8 26.7
0.7 0.7

leite de vaca carne bovina porcos aves ovos

esterco aplicado e depositado, N2O mudança no uso do solo: soja, CO2 digestão, CH4 energia direta e indireta, CO2
resíduos de fertilizantes e cultivos, N2O mudança no uso do solo: expansão manejo de esterco, CH4 fora do estabelecimento
forragem, CO2 de pastagens, CO2 manejo de esterco, N2 agrícola, CO2

ATLAS DA CARNE 45
O GLIFOSATO EM SEU HAMBÚRGUER
Como se alimentam os animais que consumimos? Essa é uma pergunta
importante já que os pesticidas, herbicidas ou medicamentos deixam vestígios
na carne, no leite e nos ovos.

A
produção em massa de animais na União sobre a presença da modificação genética na for-
Europeia depende amplamente de que se- mulação.
jam alimentados com soja, que em grande Por que os consumidores de carne deveriam se
parte é geneticamente modificada (GM). O único preocupar com essa situação? Porque resíduos de
efeito “positivo” dessa transgenia é tornar a plan- glifosato podem estar presentes em baixas doses
ta resistente ao glifosato, um herbicida de largo nos produtos derivados dos animais que os conso-
espectro usado para exterminar qualquer erva mem, e porque há dúvidas crescentes sobre a se-
que não esteja modificada para tolerá-lo. gurança sanitária do composto. O problema é que
O glifosato é o herbicida químico mais vendi- o glifosato é um herbicida sistêmico, o que signi-
do no mundo. Foi patenteado pela empresa nor- fica que se desloca através da planta até as folhas,
te-americana Monsanto, na década de 1970, e é os grãos ou as frutas. Ele não pode ser eliminado
Produtores,
comercializado sob a marca Roundup. A Mon- por lavagem nem se decompõe pelo cozimento.
populações locais santo, que também é a maior produtora de Seus resíduos se mantêm estáveis na comida e nos
e consumidores sementes do mundo, produz mais da metade alimentos para animais durante um ano ou mais,
estão expostos aos do glifosato mundial, sendo a soja resistente mesmo que tenham sido congelados, secos ou pro-
agrotóxicos ao glifosato o cultivo GM mais vendido global- cessados.
mente. Na atualidade, cerca de 85% das culturas Estudos conduzidos pelas indústrias pecuá-
GM são resistentes aos herbicidas, e a maioria de- rias reconhecem que, mesmo quando os animais
las são variedades Roundup Ready, a soja transgê- consomem glifosato em quantidades que são per-
nica da Monsanto. mitidas nos alimentos, pode haver uma pequena
A soja resistente ao glifosato é cultivada nas quantidade de resíduos desse agrotóxico no leite e
Américas do Sul e do Norte, em aproximadamen- nos ovos, bem como no fígado e nos rins. A Autori-
te 85 milhões de hectares. É exportada principal- dade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) pre-
mente para a China e a União Europeia com a fi- tende estudar a questão dos resíduos de glifosato
nalidade de alimentar aves, suínos e bovinos nos em produtos de origem animal. Esses incluem a
sistemas de produção animal intensivos. Lacunas carne, já que, dada a ampla utilização do herbicida
nas leis que obrigam a rotulagem de alimentos nas culturas forrageiras, “seria de se esperar uma
formulados com transgênicos – ou, ao menos no exposição significativa do gado ao glifosato (...), re-
caso do Brasil, o não cumprimento da lei – possi- sultando em um acúmulo de resíduos nos alimen-
bilitam que a carne, os laticínios e os ovos produ- tos de origem animal”, segundo declarou a EFSA.
zidos a partir de animais alimentados com trans- Já em 1996 – ano em que foram realizados os
gênicos sejam vendidos sem o rótulo que alertaria primeiros cultivos GM, – a Agência de Proteção

Glifosato: uma aceleração repentina

Uso por ano e cultivo nos EUA, milhões Cultivos resistentes ao glifosato nos EUA,
USDA ERS

de libras/quilograma em porcentagem de terra cultivada

100
2009
2008 90
2007
2006
soja
80
2005 milho
2004 70
2003
2002 60
2001
2000
milho 50
1999 soja 40
1998
1997 outros 30
1996
1995 20
1994
1993 25 50 75 100 10
quilogramas
libras 0
0 50 100 150 200 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

46 ATLAS DA CARNE
Aceitação e rejeição dos cultivos geneticamente modificados

Área plantada com cultivos geneticamente modificados,

FAO, centerforfoodsafety.org
em milhões de hectares

acima de 9
3–9
1–3
0.01–1
0

Normas para os alimentos


geneticamente modificados
(sem ser forragem)
proibição

Exige rotulagem

todos os produtos vegetais devem ser rotulados, para muitos produtos. Não é exigida a
exceto: quando a contaminação de até 0,9% for rotulagem se o material geneticamente
“acidental e tecnicamente inevitável”. modificado representa até 1% do produto
Produtos derivados de animais alimentados com completo Cultivos geneticamente modificados
OGM: sem rotulagem (ovos, carne, leite) para alguns produtos, com muitas exceções proibidos nos países europeus

Ambiental dos Estados Unidos (EPA) aumentou o -lo, o que aumenta a possibilidade de potenciais
limite legal de resíduos de glifosato na soja de 0,1 mutações genéticas e eleva o risco de câncer. Na
mg/kg para 20 mg/kg, o que mais tarde se tornou província argentina de Chaco, os índices de cân-
o nível residual máximo do mundo. Isso indica cer triplicaram na última década. Em todas as Quando a
que as autoridades aumentam os limites permiti- regiões de cultivo de soja na América do Sul indústria aplica mais
dos em função do uso crescente de insumos. Em- tem sido registrado aumento das anomalias produtos químicos,
bora as evidências sugiram que 1% do glifosato congênitas. Em um estudo realizado no Pa-
as autoridades elevam
ingerido permanece no corpo uma semana após raguai, verificou-se que os bebês de mulheres
o consumo, a exposição na “vida real” (o que sig- que viviam a até um quilômetro de distância os níveis de resíduos
nifica uma absorção no longo prazo em pequenas dos campos pulverizados com glifosato apresen- permitidos
doses) nunca foi estudada. Até agora, a União Eu- tavam mais que o dobro de probabilidade de nas-
ropeia não tem realizado controles oficiais de resí- cer com alterações.
duos de glifosato na soja GM importada.
A aplicação de glifosato também pode causar
outros problemas. Frequentemente, grandes ex-
tensões de terra são pulverizadas por avião. Essa Uso de pesticidas na Argentina
prática não leva em conta outras culturas ou vege-
tações ao redor dos campos cultivados com soja. Milhões de quilogramas vendidos, a maioria contendo glifosatos
REDUAS/CASAFE

Como resultado, a biodiversidade local é enorme-


mente afetada. O produto químico também pode
penetrar nas águas subterrâneas. Além disso, as 2013
pessoas que vivem em áreas próximas ou que se
encontram no local das pulverizações estão cons- 2009

tantemente expostas.
2005
Isso pode ter consequências graves. Há evi-
dências de que o glifosato afeta o sistema hormo-
2001
nal humano, podendo produzir efeitos irreversí-
veis em determinados estágios da vida, como na 1997
gravidez. Além disso, os agrotóxicos que contêm
glifosato como princípio ativo mostraram ser ge- 0 50 100 150 200 250 300 350
notóxicos, ou seja, interferem na capacidade das
células de copiar o DNA com precisão e reproduzí-

ATLAS DA CARNE 47
A GALINHA INFELIZ – O BOOM IRREFREÁVEL
DA PRODUÇÃO AVÍCOLA NO MUNDO
Nos países desenvolvidos, o consumo de frango está superando o de carne
bovina e a produção avícola encontra-se hoje altamente industrializada.
O consumo na Ásia também está aumentando rapidamente.

A
té 2020, 124 milhões de toneladas de aves A mudança mais drástica na demanda por carne
serão produzidas globalmente, o que re- de aves, no entanto, se dará no sul da Ásia, onde
presenta um aumento de 25% em apenas se espera um aumento de sete vezes até 2050.
dez anos. Esse quadro estará amparado por um Esse imenso aumento se deve, principalmente, ao
incremento na produção de 37% na China, em crescimento da demanda na Índia, onde se espera
comparação com 2010, e de 28% no Brasil, duran- que o consumo aumente quase dez vezes, de 1,05
te o mesmo período. Uma média de crescimento a 9,22 milhões de toneladas por ano. Segundo a
menor está prevista para os EUA (16%) e a UE (4%). FAO, está relacionado mais a uma elevação no
consumo per capita do que ao crescimento popu-
lacional e o maior aumento na demanda ocorre
Aves criadas em sistemas intensivos nas áreas urbanas.
Por que as pessoas preferem frango a outros
Números e porcentagens, 2005/2010* tipos de carne? Uma razão é o preço. A produção
FAO

avícola é mais econômica. Embora o custo de pro-


total de aves em sistemas intensivos porcentagem em porcentagem dução tenda a subir como resultado de uma ali-
(bilhões) (bilhões) sistemas intensivos, em sistemas mentação mais cara, os frangos são conversores
região/país intensivos, global de alimentos mais eficientes do que qualquer ou-
7,3 5,8 79 46 tro tipo de gado. Além disso, ao contrário da carne
bovina e suína, há poucas restrições religiosas ou
culturais relacionadas a comer frango. Esse au-
38 mento não ocorrerá em detrimento da produção
5,3 4,7 90
de outro tipo de carne, cujo consumo sofre expec-
tativa de elevação mesmo em países onde as pes-
Ásia Oriental e o Pacífico, correspondente à China soas culturalmente preferem comer frango.
5 A produção avícola mudará como resultado
1,2 0,6 48 disso. Atualmente, uma grande quantidade de
Leste Europeu e Ásia Central frangos é criada em pequena escala em quintais.
12
Podemos esperar que essas pequenas unidades de
produção sejam substituídas por outras maiores.
2,3 1,5 64 O alimento será produzido em diferentes áreas, e
a produção se tornará mais concentrada. Haverá
América Latina e Caribe
menos mercados de aves vivas e comerciantes “de
5 bicicleta”.
1,0 0,6 57 Os numerosos pequenos produtores e abate-
Oriente Médio e África Setentrional dores serão substituídos. A produção avícola, mer-
1,1 0,3 3 cados e instalações de processamento serão cada
30
0,8 0,1 16 vez mais integrados em cadeias comerciais, sob
1
Sul da Ásia, correspondente à Índia o controle de grandes empresas. Essa tendência
irá afetar todos aqueles que atualmente ganham
29 2 a vida com aves e irá influenciar especialmente as
0,9 0,3
África Subsaariana mulheres, que hoje são quem cria a maior quanti-
dade de aves em casa.
A produção de aves na China está se industria-
28 lizando rapidamente, sendo 70% relegada a fran-
4,0 3,5
gos de corte e galinhas de descarte (matrizes e
86
poedeiras). A expansão de supermercados e redes
Países de renda alta de fast-food, como McDonald’s e Kentucky Fried
Chicken (KFC), impulsiona a demanda e acelera
* classificação por país em 2010, dados de 2005, não há dados mais recentes disponíveis
as mudanças nos sistemas de produção em larga
escala. Milhões de pequenos produtores avícolas

48 ATLAS DA CARNE
Frango servido

Estimativa de consumo de

DSW, USDA
frango por pessoa, 2012, em
quilogramas, peso do frango 26.5
inteiro sem carcaça. 46.5

20.0 Rússia

9.0
17.7
31.1 UE-27
EUA China
Japão
3.1
México
46.3 Índia

6.4
30.8 Indonésia

44.5
Brasil

África do Sul

Argentina

desapareceram entre 1985 e 2005 (70 milhões bal. Nos países onde o setor está em alta, a produ-
abandonaram o setor) e as pequenas granjas ção avícola, os mercados e as instalações de pro-
estão perdendo importância. Em 1998, as gran- cessamento estão sendo integrados a cadeias
20 bilhões de
jas com menos de 2 mil aves produziam 62% dos controladas por um número cada vez menor
frangos do país; em 2009, elas produziam apenas de empresas, que, aliás, estão se tornando frangos: a espécie
30%. Enquanto isso, a participação de grandes fa- cada vez maiores. Essa tendência irá afetar de aves mais
zendas com uma produção anual de mais de 100 todos que atualmente sobrevivem dessa ativi- numerosa do
milhões de aves passou de 2% em 1998 para mais dade, sobretudo as mulheres, que se dedicam planeta
de 6% em 2009. As empresas de processamento de à criação doméstica. A qualidade do frango in-
carne possuem todos os insumos necessários, con- gerido pelos consumidores também será com-
trolam os recursos de terra e água, e empregam prometida.
trabalhadores que produzem os frangos, o que,
em essência, faz com que as granjas se convertam
em fábricas. A China, portanto, acompanha a ten- Uma bandada em crescimento
dência mundial no setor.
Volumes tão grandes são difíceis de manejar bilhões de aves
FAO

com a garantia da segurança dos alimentos. Mui-


tos produtores industriais misturam antibióticos frangos gansos e galinhas-d’angola
e outros aditivos nos alimentos a fim de prevenir a patos perus
propagação de doenças e acelerar o crescimento
das aves. Embora a China tenha uma extensa lista
de aditivos proibidos para alimentos (muitos dos
quais são usados nos Estados Unidos), o monito- 20

ramento e a implementação das restrições ainda


são baixos. 15

Assim, não é de se admirar com o surgimento


da gripe aviária, detectada pela primeira vez em 10
1996, em gansos de granja no sul da China. Desde
então, essa doença se espalhou para sessenta paí- 5
ses. A partir de 2004, o país tem reportado surtos
de gripe aviária a cada ano, exceto em 2011 – e
0
mesmo assim a produção não diminuiu. 2000 2002 2004 2006 2008 2010
No entanto, para além dessa particularidade,
a tendência chinesa acompanha a tendência glo-

ATLAS DA CARNE 49
CONSUMIDORES RICOS,
PREOCUPAÇÕES EM ALTA
As preocupações dos consumidores com a segurança alimentar e com
dietas mais saudáveis têm se intensificado por uma série de escândalos
relacionados à indústria da carne.

A
produção e o consumo de carne no mundo redução de 9% no consumo entre 2007 e 2012. A
rico e industrializado passaram por uma indústria se sente ameaçada pelo que considera
transição considerável nos últimos 50 anos. “uma guerra de propaganda contra a carne”. Pa-
Em 1950, uma pessoa no Reino Unido consumia rece haver uma ligeira tendência dos consumido-
em média apenas 20 gramas de frango por sema- res nos países industrializados a se preocuparem
na, juntamente com 250 gramas de carne bovina. com a qualidade da carne. Cada vez mais eles que-
Hoje, em média, come 250 gramas de frango e rem saber a origem dela, como é produzida e se é
Qual opção: carne apenas 120 gramas de carne bovina. saudável. Passaram a ser céticos em relação aos
barata ou animais No entanto, parece haver duas tendências sistemas de controle e deixaram de ignorar os efei-
criados de maneira antagônicas na maioria dos países industriali- tos adversos gerados pela indústria da carne sobre
ética, mesmo que zados. Um pequeno número de pessoas come- o meio ambiente, a saúde e o bem-estar dos ani-
çou a comer menos carne, e as dietas saudáveis, mais E as publicações sobre estilos de vida agora
mais caros?
com pouca ingestão de proteína animal, torna- costumam trazer artigos que promovem as dietas
ram-se uma tendência. Paralelamente, muitas ou- com baixa ingestão de carne como algo saudável
tras pessoas não têm acesso a alimentos frescos e e moderno.
de qualidade e, portanto, não têm a possibilidade Uma razão para essa tendência pode ser uma
de escolher entre dietas com ou sem carne. série de escândalos relacionados a carne, entre
Em geral, o consumo de carne na maioria dos eles: o uso após sua data de vencimento em co-
países industrializados é alto, mas encontra-se es- midas rápidas pré-cozidas, a presença de dioxina
tagnado. Em alguns países, chegou mesmo a cair na alimentação de frangos e a venda de carne de
pela primeira vez em décadas. Nos Estados Uni- cavalo como sendo bovina. Esse tipo de delito tem
dos, a indústria da carne está alarmada com uma origem na crescente pressão econômica, assim

Consumo de alimentos por grupos de países

Calorias, per capita, por dia

OMS, FAOSTAT
produtos vegetais e animais países industrializados países em desenvolvimento

2,947 3,065 3,206 3,380 3,440 3,500

2,054 2,152 2,450 2,681 2,850 2,980

1964–66 1974–76 1984–86 1997–99 estimativa estimativa


para 2015 para 2030

somente produtos animais países industrializados Europa Estados Unidos países menos desenvolvidos (nesse ano) China

1,200

1,000
1,005 1,049 1,013
929 971 977 958 964
800 923 925 694
833 976 594
600

400

132 141 191 160 178


200 90
0
1963 1983 2003 2009

50 ATLAS DA CARNE
A demanda do mundo desenvolvido está satisfeita

Consumo de carne per capita, quilogramas, média 2010-2012 (estimativa) e

OCDE/FAO
2022 (prognóstico)
33.7
32.6

32.3
31.7
20.2
18.2 16.7 15.3
15.8 21.2 14.9 12.8
20.8 12.7
0.9 0.8 6.8 7.3 0.2 0.2
45.6
44.4 11.1
Canadá 11.0 Japão
2.0 1.7

União Europeia 39.6


38.8
26.5
24.7 21.1
20.8
22.9
21.5
22.1
20.0
0.4 0.3

EUA 8.6
8.4

Austrália
32.5
31.6

2010–
19.1
2012 2022
16.8 15.7
carne de boi e vitela 15.5
porco 10.2
8.8
aves
ovelhas, cabras
Nova Zelândia

como em cadeias de produção cada vez mais com- Para que a produção de carne seja sustentável,
plexas, disseminadas e globalizadas. os consumidores ricos deveriam consumir menos
Em resposta à queda no consumo de carne, as carne. E deveríamos comer de forma diferente, No mundo
empresas do setor desenvolveram uma estratégia privilegiando a produção e o consumo de carne
de marketing baseada na rotulagem própria, que de animais de pastoreio, com um equilíbrio de
industrializado é
informa aos consumidores sobre determinados gordura e micronutrientes mais saudável do mais fácil comer um
padrões no cuidado com os animais e sobre ques- que o dos animais alimentados com grãos. hambúrguer do que
tões relacionadas à segurança dos alimentos. As uma salada
empresas preferem lançar mão dessa estratégia a
adotar algum dos sistemas de certificação existen- EUA: o declínio da carne
tes. A carne produzida de forma orgânica surge
Consumo de carne per capita, quilogramas, sem
CME

como uma alternativa que leva em conta as pre-


resíduos e alimentos para animais de estimação em
ocupações dos consumidores. Os animais criados 2013 e 2014: estimativas
organicamente não devem ser alimentados com
soja geneticamente modificada; uma alta porcen-
tagem da alimentação deve vir da mesma granja 85
em que os animais são criados; e os antibióticos
são totalmente proibidos, ou permitidos de ma- 80
neira muito restrita.
Apesar da qualidade atestada, menos de 2% da 75
carne vendida na maioria dos países industrializa-
dos é produzida organicamente. Uma razão pode 70
ser o preço: os custos da produção orgânica são
quase o dobro dos custos da produção da carne 0
convencional. No entanto, essa só é barata porque 1966 1978 1990 2002 2014

as suas externalidades sociais e ambientais são


ocultadas do público.

ATLAS DA CARNE 51
OS BRICS: 500 MILHÕES DE
NOVOS CONSUMIDORES
Nos países BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul -, tanto o
crescimento demográfico quanto o fenômeno de urbanização progressiva
vêm levando a um aumento no consumo de carne.

O
crescimento econômico dos BRICS se tos animais, já que a produção de carne absorve
reflete no consumo de carne. Juntos, re- enormes quantidades de cereais, incluindo grãos
presentam 40% da população mundial, de soja, cuja produção deverá quase dobrar, pas-
sendo que, entre 2003 e 2012, apresentaram um sando de 260 a 515 milhões de toneladas por ano,
aumento demográfico de 6,3% ao ano. E espera-se em nível global. O rendimento por hectare deverá
que haja um aumento populacional de mais 2,5% aumentar, mais terras serão destinadas ao cultivo,
ao ano entre 2013 e 2022. Tanto o crescimento ou ambas as possibilidades.
Na Índia, não demográfico quanto o fenômeno da urbaniza- Os dois países mais populosos do planeta dife-
ser vegetariano ção progressiva levaram a uma maior inges- rem consideravelmente em seus padrões de con-
tão de carne. Em 2011, a população rural da sumo. Na Índia, o estilo de vida vegetariano está
tornou-se símbolo
China consumiu uma média de 26,1 quilos de fortemente arraigado na sociedade e na cultura.
de status carne, ovos e leite per capita em um ano, quase Muitos hinduístas, budistas e jainistas evitam co-
12 quilos a mais do que em 1990. Mas nas áreas mer qualquer tipo de carne. Mas o número de car-
urbanas a média de consumo foi de 48,9 quilos de nívoros está aumentando, sendo alavancado por
carne por pessoa, um aumento de 19,1 quilos em uma ampla classe média que aspira um estilo de
relação ao mesmo período de 1990. A FAO estima vida ocidentalizado, incluindo comer carne. Ser
que até 2050 os mercados emergentes irão obter nonveg, como se diz na Índia, ou não vegetaria-
apenas 46% de sua ingestão calórica com legumes no, tornou-se um símbolo de status para parte da
e cereais e que outros 29% serão provenientes de população. Apesar deles, o consumo de carne na
carne, ovos e laticínios. Índia ainda é baixo, sendo menos de um décimo
Para atender a essa demanda, os granjeiros e por pessoa do que na China.
as agroindústrias terão de aumentar a produção Na Rússia, o país que mais importa carne bo-
de 300 para 470 milhões de toneladas até 2050. As vina no mundo, a demanda está condicionada à
granjas industriais, semelhantes às que existem prosperidade associada aos lucros obtidos com o
desde os anos 1950 em outras partes do globo, petróleo e o gás.
terão que se instalar em diferentes lugares. Não África do Sul e Brasil são países que também
se sabe ao certo como será possível alimentar tan- dependem economicamente do preço mundial

Consumo crescente de aves na China e na Índia: uma questão de estilo de vida, não de crescimento da população

Demanda de carne de aves, 2000-2030, em porcentagem, prevendo uma população de 1,4 bilhão
FAO

em 2000 em 2030 atribuível ao crescimento populacional atribuível à mudança do estilo de vida


crescimento decorrente de ambos os aspectos

população população

1.4 1.4
11 11 5 27
1.2 1.2
78
1.0 1.0
68
0.8 0.8

0.6 China 0.6 Índia


0.4 0.4

0.2 0.2

0 consumo per capita 0


0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 (quilogramas/ano ) 0 2 4 6

52 ATLAS DA CARNE
A demanda do mundo em desenvolvimento aumenta consideravelmente

OCDE/FAO
Consumo de carne per capita, quilogramas, média 2010-2012 (estimativa) e 2022 (prognóstico)
dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)
29.2
24.2
22.5
19.7
34.1
14.2
13.6 29.2

1.2 1.5
Rússia
47.0 13.6
11.1
41.5 2.7 2.7
3.4 3.8
China
30.4
29.3 1.0 1.2 0.2 0.2 2.0 2.6 0.6 0.7
45.2
Índia

12.3
32.2
11.1
0.4 0.4

Brasil

14.4
12.6

5.4 5.8
2010– 3.2 3.4
2012 2022 África do sul
carne de boi e vitela
porco
aves
ovelhas

das matérias primas. Mas, ao contrário da Rús- exigências de certificação de produtos orgânicos
sia, a pecuária não é uma atividade estranha estão entre as mais rígidas do mundo, as vendas
para eles. Em muitas comunidades sul-africanas, para 2015 podem ficar entre US$ 3,4 bilhões e
mesmo tempos depois do apartheid, as relações US$ 9,4 bilhões ao ano.
econômicas se baseavam em gado e carne, não
apenas como uma moeda de troca, mas também
Rússia: consumo em crise
como uma forma de pagamento. Enquanto a car-
ne é barata no Brasil, é cara na África do Sul. Várias
consumo diário per capita em kcal de produtos animais, incluindo leite e ovos
FAOSTAT
crises econômicas determinaram que a crescente
demanda por carne seja limitada apenas ao fran-
go barato.
Gripe aviária, leite contaminado: suínos mor-
800
tos jogados em rios são consequências das granjas
industriais e da falta de controle. Em muitas par- 750
tes da Ásia, esses acontecimentos têm despertado A crise
financeira é
certa conscientização nos consumidores, da mes- 700
um obstáculo
A inflação
ma forma que ocorre nos países industrializados. alta destrói
até 2011
650
A demanda por alimentos orgânicos está em alta as poupanças
O auge do petróleo
e, embora as estatísticas não façam uma diferen- privadas; antigos
600 e do gás aumenta
conglomerados
ciação entre produtos animais e vegetais, as ven- industriais em crise
o gasto público e
a confiança dos
das são atraentes para os potenciais produtores. 550
A crise bancária afeta os
agentes privados
investimentos estrangeiros;
Na Índia, os pesquisadores de marketing an- a inflação reaparece
tecipam um aumento de cinco vezes nas vendas 500

de produtos orgânicos, passando de US$ 190 mi-


0
lhões em 2012 para US$ 1 bilhão em 2015. Em 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008
2011, as vendas desse tipo de produtos no Brasil
atingiram US$ 550 milhões. E, na China, onde as

ATlAs dA CARNe 53
CONVERTENDO PASTOS E
MATAGAIS EM PROTEÍNA
Grande parte do gado e de sua carne, leite e ovos, são produzidos
mundialmente por pecuaristas não industriais. Muitos deles manejam seus
animais em terras não cultiváveis, otimizando assim o uso dos recursos locais.
Mas a existência desses produtores está cada vez mais ameaçada.

M
ais de 40% da superfície terrestre é exces- áreas, esses pastores têm sobrevivido durante sé-
sivamente seca, escarpada, quente ou fria culos nas regiões mais inóspitas, sem esgotar sua
para os cultivos agrícolas. Em tais áreas, base de recursos. Por passarem pouco tempo em
os pecuaristas têm uma vantagem estratégica: cada lugar, permitem que a vegetação se recupere
podem aproveitar seus animais para converter a e mantêm os parasitas sob controle. Existem nor-
vegetação em alimento e energia. Seus métodos mas especiais que regem o acesso à terra e à água
de produção precisam ser adaptados às condi- nas áreas de pastoreio. Os borana do sul da Etiópia,
Pastores e
ções locais. Para tanto, esses produtores devem por exemplo, contam com uma complexa rede de
pequenos optar por determinadas raças e conhecer em instituições e comitês que supervisionam o movi-
agricultores criam profundidade as necessidades dos animais e o mento dos rebanhos e coordenam o uso dos recur-
animais em terras contexto regional. Por isso, tratam-se de méto- sos com outros grupos de pastores da área.
não cultiváveis dos sustentáveis. O pastoreio itinerante pode ter mais produti-
Os pastores dominam esses aspectos à per- vidade por hectare do que a pecuária em um lu-
feição. São pecuaristas itinerantes com grandes gar fixo, assim como pode ser mais rentável que
quantidades de bovinos, ovelhas, cabras, came- outros usos mais intensivos do solo. Porém, os sis-
los, renas, iaques, lhamas e alpacas que pastam temas de pastoreio vêm se desintegrando à medi-
em terras comunitárias. Desenvolvidas durante da que a migração vai sendo restringida. Entre as
séculos, suas raças se adaptam bem à escassa ve- causas dessa limitação, estão: a expansão dos cul-
getação das zonas áridas, margens de estradas, tivos; a privatização e o cercamento de terras que
campos cultivados e outros ambientes agrestes. antes eram de livre acesso; e as restrições impos-
Ao levar seus animais para pastar em diferentes tas pelos governos à movimentação de animais.
Em áreas com condições um pouco mais favo-
ráveis, os pequenos agricultores mantêm cultivos
Carne e leite do pastoreio sazonal juntamente com o gado. Podem ser proprietários
ou arrendatários de alguns hectares que cultivam
Proporção mundial, porcentagem, 2000/2010* e pastoreiam nas terras de uso comum. Usam os
ILRI/Herrero

recursos localmente disponíveis, mas também


podem comprar insumos, como forragem adicio-
9 7 nal. Seu gado pode ser formado por raças locais
13 ou pelo cruzamento com raças introduzidas de
15
alto rendimento. Podem deixar que seus animais
50 59 leite procurem sua própria comida (como os frangos
carne bovina
17 de curral), pastem na beira de estradas e campos
19
cultivados (ovelhas, cabras, bovinos, búfalos) ou
4 cortam forragem para levar aos animais que vi-
7
vem em currais e estábulos (gado leiteiro e búfa-
los, ovelhas, cabras, etc.)
Os pequenos agricultores reciclam os nutrien-
agropastoril (produção seminômade tes em suas granjas ao alimentarem seu gado com
de pastoreio sazonal) os resíduos das colheitas, e ao empregar os deje-
28 extensiva mista (cultivos e gado) tos dos animais para fertilizar os campos e como
28
extensiva mista (cultivos e gado combustível. Dessa forma, e por meio do trabalho
com irrigação)
cordeiro familiar, podem minimizar seus custos em insu-
outros
5 mos e funcionar de maneira rentável. Inclusive,
18 países desenvolvidos
podem produzir gado a um custo menor por uni-
21 dade que as grandes explorações empresariais.
* Dados de 2000, com publicação em 2010.
Não há dados mais recentes disponíveis
Porém, com frequência ficam em desvantagem
diante dessas grandes indústrias devido ao baixo
volume que produzem por granja.

54 ATLAS DA CARNE
Pastores em todo o mundo

Criação de animais por países e principais espécies, exemplos

FAO
bovinos ovelhas cabras drome- camelos- burros, iaques búfalos renas llamas vicu-
dários bactrianos cavalos nhas

Os dados sobre o número de pastores e peque- É igualmente difícil encontrar dados sobre os
nos agricultores muitas vezes são vagos. Há regis- aportes econômicos destes pastores e pequenos
tros sobre 45 grupos definidos de pastoreio em agricultores, embora possam ser consideráveis.
mais de 40 países, mas é provável que existam pas- Eles não só produzem grandes quantidades de
tores de alguma classe em muito mais territórios. alimentos, como também ajudam a proteger o
Organismos internacionais estimam haver entre meio ambiente e a preservar a biodiversidade. Na
120 e 200 milhões de pastores em todo o mundo. Europa, as tradicionais trilhas percorridas pelos
Contabiliza-se que as pequenas fazendas che- pastores itinerantes com suas ovelhas estão entre
guem a aproximadamente 500 milhões nos pa- os pontos de maior biodiversidade do continen-
Os pastores
íses em desenvolvimento e cerca de 600 milhões te. Nos Países Baixos, os rebanhos de cabras
em nível global, sendo que a maior parte detém contribuem com a manutenção dos diques; na devem poder
apenas algumas poucas cabeças de gado. Alemanha, evitam que as paisagens abertas, continuar a percorrer
É provável que a imprecisão dos números se que atraem turistas, virem bosques. as rotas ancestrais
deva à variação de definições sobre o que é um Mas os pastores e pequenos agricultores, de migração
pastor, dependendo do lugar, ainda mais porque em geral, não têm poder de influência nos círcu-
a distinção entre pastores e pequenos agricultores los políticos e, raramente, recebem o apoio de que
é sutil e muda constantemente. É cada vez mais precisam para manter e melhorar seus próprios
comum que os pastores se sedentarizem; muitas sistemas. Hoje, mais do que nunca, eles precisam
vezes passam a ser produtores agropecuários que de proteção legal que lhes permita movimentar
mantêm parte de seus animais, ou todos eles, em seus animais e assegurar o acesso a recursos, in-
movimento. E alguém considerado um pequeno formação e mercados. Nem todos querem manter
agricultor no Brasil pode ser visto como um fazen- a sua atual forma de vida mas, aqueles que assim
deiro mediano ou grande na África Oriental. o desejam, merecem a possibilidade de fazê-lo.

ATLAS DA CARNE 55
EM BUSCA DE BONS ALIMENTOS
No mundo rico, os consumidores preocupados enfrentam um dilema:
querem carne de alta qualidade que seja produzida de forma ética e amigável
ao meio ambiente. Mas qual é a melhor maneira de garantir isso?

E
m agosto de 2013, o primeiro “hambúrguer O melhor caminho seria adotar práticas de
produzido em laboratório” foi servido em cultivo ecologicamente prudentes, que não só
Londres. A substância foi produzida culti- produzem alimentos nutritivos, como também
vando cadeias de proteínas em uma placa de asseguram a continuidade do cultivo como fonte
Petri, a partir de células individuais obtidas de de sustento e como modo de vida. Isso mantém o
O melhor um animal vivo. Muitos esforços foram feitos solo vivo, a água e o ar limpos; os gases do efeito
caminho seria para conseguir que o sabor, a cor e a textura estufa sob controle e a biodiversidade protegida.
adotar práticas se parecessem com os da carne convencional. Mas aqueles agricultores que utilizam méto-
Segundo afirmam os produtores, não se pode dos ecológicos estão lutando para competir com
de cultivo
distinguir o produto da “carne real” em um produtores industriais de grande escala, os quais
ecologicamente teste às cegas. estão focados na velocidade e na quantidade. Es-
prudentes O experimento custou cerca de US$ 250 mil ses grandes produtores podem se permitir ven-
e, além de algumas questões práticas, apresenta der a preços mais baixos porque não levam em
problemas mais fundamentais. Embora o sabor e consideração as suas externalidades. Além disso,
a textura possam ser imitados de alguma forma, beneficiam-se da falta de transparência fomenta-
a “carne de laboratório” ignora o fato de que os da pela flexibilização das regulamentações sobre
animais, especialmente os ruminantes, cumprem a rotulagem dos produtos. Mesmo a rotulagem
um importante e complexo papel em nossos ecos- que cumpre com as exigências legais europeias,
sistemas. De fato, trata-se de um novo golpe para como é o caso dos padrões para os produtos or-
distanciar ainda mais as pessoas de suas fontes de gânicos, muitas vezes é falha, pois não traz infor-
alimento, assim como dos ciclos dos quais todos mações suficientes sobre o local onde o animal foi
fazemos parte. criado, a raça, o bem-estar animal, os métodos de

Agricultura orgânica certificada

Proporção do total de terra cultivável, 2009, porcentagem

FAO

não há dados disponíveis

até 0,49%
0,49-3%
mais de 3%

0.12 0.94 0.25 5.76 3.11 0.78

África Américas Ásia Europa Oceania mundo

56 ATLAS DA CARNE
Atitudes em relação à carne em uma sociedade rica

Atitudes dos consumidores alemães diante de aspectos individuais e éticos do consumo de carne,

KAYSER ET AL.
amostragem, 2011
Consumidor de pouca carne consumidor médio de carne grande consumidor de carne
porcentagem de entrevistados

porcentagem de carne na dieta 7.12 19.00 38.31

preferência geral de carne

confiança no setor agroalimentar

consciência ambiental muito positivo


consciência sanitária +16 a +58 pontos de índice
moderadamente negativo
consciência das cifras -2 a -15 pontos de índice
consumo de animais muito negativo
-16 a -40 pontos de índice
consciência do bem-estar animal

990 entrevistados, dos quais 34 (3%) foram excluídos por serem vegetarianos

abate e processamento ou conselhos sobre como lhando. Por outro lado, o negócio está protegido
conservar e usar a carne. Os rótulos com informa- das flutuações do mercado e da exploração dos
ções completas podem reestabelecer o valor com- recursos humanos, animais e ambientais.
petitivo de um produto porque o diferenciam da Uma mudança nos sistemas alimentares é os consumidores
massa de mercadorias que falham em proporcio- inevitável. Mas as corporações não são as úni-
precisam de
nar informações relevantes sobre questões funda- cas que podem estabelecer as regras para o
mentais. mercado de alimentos. Mais informação, co- informação para ter
O termo “coprodutor” foi cunhado há alguns municação e colaboração entre produtores voz sobre como
anos para ressaltar o poder do consumidor, que e consumidores – enquanto “coprodutores” sua comida é
dessa forma pode superar seu papel passivo e se –, assim como um maior conhecimento sobre o produzida
converter em um ator influente e ativo no proces- nosso papel no ecossistema global, podem levar a
so de produção. Um coprodutor é um ator cons- uma mudança real.
ciente no sistema alimentar que toma decisões
coerentes ao saber como os alimentos são produ-
zidos e quem os produz. Alternativas para os consumidores: agricultura sustentada pela comunidade
Um modelo denominado Community Suppor-
Número de estabelecimentos agrícolas dos EUA em que os criadores e

MCFADDEN
ted Agriculture [Comunidade que Sustenta a Agri-
consumidores compartilham os riscos e benefícios, estimativas
cultura] tem começado a colocar isso em prática.
Trata-se de um mecanismo que garante o susten-
to dos agricultores, apoiando dessa forma práti- 2013
cas de produção responsável, como a pecuária
6,000–6,500
extensiva de pastoreio. Nesse modelo, um grupo 2009
de pessoas garante a compra de toda a produção
disponível de um produtor: vegetais, carne, pro-
dutos lácteos, mel, etc. Também compartilham
o risco de enfrentar eventuais processos naturais 3,600
adversos. Eles pagam antecipadamente, ajudan-
do assim a financiar os custos de produção.
Esse tipo de acerto é feito em muitos países da 2000
Europa e sua vantagem é que todas as partes en-
volvidas ganham: os agricultores e seus negócios, 1,000
a economia regional, os animais e o meio ambien-
te. Os clientes recebem produtos bons e frescos, 1990
60
sabem de onde eles vêm e como foram produ-
zidos, aprendem sobre a comida que compram 1986
2
e ampliam as suas redes sociais. Os agricultores
obtêm apoio financeiro e prático, assim como
podem ter uma noção de para quem estão traba-

ATlAs dA CARNe 57
O QUE PODEMOS FAZER COMO
INDIVÍDUOS E COLETIVOS
As dietas sustentáveis protegem a biodiversidade e os ecossistemas,
são economicamente justas e acessíveis, nutricionalmente adequadas e otimizam os
recursos naturais e humanos. A questão que fica é: o que fazer individualmente,
o que fazem alguns coletivos e o que ações por meio da política podem trazer?

T
anto a Organização das Nações Unidas para -se totalmente de consumir produtos de origem
a Alimentação e a Agricultura (FAO) como a animal.
Organização Mundial da Saúde (OMS) reco- A preocupação com o bem-estar animal tam-
nhecem a necessidade de mudar o que comemos bém está crescendo, e não apenas nas sociedades
e a forma como os alimentos são produzidos. De ocidentais.
fato, em 2010, a FAO definiu as dietas sustentáveis • O Eurogroup for Animals reúne 40 organizações
como: de toda a Europa para defender o bem-estar dos
... aquelas com baixo impacto ambiental que animais.
contribuem para a segurança alimentar e nu- • Nos EUA, o grupo People for the Ethical Treat-
Uma pecuária tricional e para uma vida sadia das gerações ment of Animals (PETA) Foundation argumenta
responsável deveria presentes e futuras. As dietas sustentáveis que “os animais não são nossos para serem usados
protegem e respeitam a biodiversidade e os como comida, vestimenta, experimentação, en-
cuidar do meio
ecossistemas, são culturalmente aceitáveis, tretenimento ou sofrer qualquer tipo de abuso”.
ambiente e das acessíveis, economicamente justas e disponí- • A Chinese Animal Protection Network é forma-
pessoas veis; nutricionalmente adequadas, inócuas e da por mais de 40 grupos, que propõem trocar
saudáveis; ao mesmo tempo otimizam os re- a emoção pela ciência como base dos esforços
cursos naturais e humanos. para proteger os animais.
Muitas organizações civis e movimentos de • O Animal Welfare Board of India, da Índia, asses-
agricultores estão reivindicando um sistema sora o governo e tem sido “a cara do movimento
agrícola e alimentar diferente do industrial – que pelo bem-estar animal neste país durante os últi-
respeite tanto as pessoas como a natureza. Um mos 50 anos”.
pequeno, mas crescente número de pessoas já As demandas de todas essas organizações es-
tomou uma decisão: consumir menos carne, tor- tão claramente dirigidas aos consumidores das
nar-se vegetariano ou mesmo vegano, abstendo- classes alta e média alta ao redor do mundo. Tra-

Via Campesina, movimento internacional dos camponeses

Membros por país, 2013 VIA CAMPESINA

164 organizações
em 79 países

58 ATLAS DA CARNE
ta-se de fomentar decisões conscientes, oferecen- Alternativas de proteínas: plantas aquáticas
do o máximo de informações possível, para que,
na hora de comprar e consumir carne, as pessoas

FAOSTAT
possam escolher entre as alternativas de menor produção, milhões de
impacto socioambiental possível. toneladas anuais
As organizações de pequenos agricultores e
camponeses em todo o mundo estão reunindo es- fornecimento
forços para manter esse modo de agricultura. de alimentos, 16.5
• Uma das maiores é a Via Campesina, um movi- quilogramas per

1.3
10.8
mento internacional de camponeses que reúne capita por ano
164 organizações locais e nacionais, em 73 paí-
ses da África, Ásia, Europa e Américas. No total, fornecimento de
representa aproximadamente 200 milhões de proteínas, gramas
agricultores. Defende a agricultura sustentável per capita por dia
de pequena escala como modo de promover a
justiça social e a dignidade. Opõe-se fortemente
à agricultura operada pelas corporações e em- 0.8
presas transnacionais que estão prejudicando
os povos e a natureza.
• Mais e Melhor é uma rede internacional de movi-
7.9
0.6
mentos sociais, organizações não governamen-
0.2
tais e campanhas nacionais de todas as partes do
mundo. Empenha-se em contribuir com a agri-
0.2
cultura, o desenvolvimento rural e a alimenta- 1.6
ção nos países em desenvolvimento. japão Coreia do sul China
• O Movimento pela Soberania Alimentar traba-
lha para que as comunidades tenham controle
sobre seus sistemas alimentares. Promove for-
mas sustentáveis e diversas de cultura alimentar.
Em particular, o consumo de alimentos sazonais as populações de baixa renda, é fundamental que
locais de alta qualidade e o não consumo de ali- sejam estabelecidas políticas de proteção e acesso
mentos altamente processados. Isso inclui um a uma alimentação mais variada e sadia do que
menor consumo de carne e produtos animais. aquela oferecida atualmente pelas cadeias cada
Para as populações de alto poder aquisitivo, vez mais concentradas de comercialização. A
não representa um problema adotar uma dieta combinação de escolhas individuais e mudanças
saudável com pouca ou nenhuma proteína ani- nas leis e políticas é o caminho que levará às mu-
mal ou mudar para outro tipo de proteína. Para danças na relação da sociedade com a carne.

Alternativas de proteínas: a eficiência dos grilos Insetos comestíveis

Porcentagem comestível do animal completo Espécies de insetos por país


FAO

FAO

55
80

grilos aves

40
55

1–100 200–300
porcos bovinos 100–200 mais de 300

ATlAs dA CARNe 59
RUMO A UMA POLÍTICA PECUÁRIA
MAIS SENSATA NA EUROPA
Como seria uma Política Agrícola Comum que promovesse produção
pecuária social e ecologicamente sustentável? Com apenas algumas reformas,
a União Europeia poderia melhorá-la consideravelmente.

A
Política Agrícola Comum (PAC) da União pecuária industrial continuou crescendo graças à
Europeia tem sido importante força motriz possibilidade de importar soja mais barata, o que
para a industrialização e globalização pecu- tornou mais atrativa a criação de porcos e frangos.
ária. Nas últimas décadas, tem apoiado e distorcido Por outro lado, a nova PAC não previa nenhum
a produção de gado, com evolução gradual no pagamento ou apoio por superfície em áreas de
Dois passos para sentido de implementar um programa que leva pasto, incentivando a migração para sistemas
uma solução: apoio cada vez mais em conta o meio ambiente. Po- intensivos e a transformação das pastagens em
rém, os problemas persistem. Até o início da dé- terras de cultivo, especialmente para a soja. Isso
ao pastoreio e às
cada de 1990, a UE se converteu em exportadora só mudou em 2013, quando os pagamentos por
forragens locais líquida de carne e produtos lácteos, garantindo superfície foram estendidos a todas as classes de
preços para o gado significativamente superiores solos agrícolas, incluindo as áreas de pastagens.
aos preços do mercado mundial, o que incentivou No entanto, a tendência de converter as terras de
os agricultores europeus a aumentar a sua produ- pasto em terras de cultivo continuou, em parte
ção. Esses subsídios, entretanto, tornaram-se um devido aos novos incentivos para o cultivo de mi-
conflito significativo no comércio internacional. lho destinado à produção do biogás.
Em 1992, houve a primeira grande mudança Por outro lado, com a mais recente reforma,
nas políticas agrárias europeias, apontando para os agricultores receberão seus pagamentos por
uma transição: ao invés da garantia de preços por superfície total somente se conservarem os cam-
meio de subsídios, pagamento por superfície cul- pos de pasto existentes. Além disso, os Estados
tivada. Mas o efeito foi limitado: embora os cere- que integram a UE e as regiões individuais são li-
ais nacionais tivessem voltado a ser mais atrativos vres para dar apoio extra às formas sustentáveis
do que as forragens e os preços garantidos para de criação de animais, tais como o pastoreio e a
a carne bovina tivessem diminuído, a produção produção orgânica. Também podem obter esse

Crescimento com proteção e subsídios: as 15 principais empresas produtoras de carne da União Europeia

Produção de carne, 1.000 toneladas, 2010-2011


497 1 Vion Food Group, NL GIRA
2 Danish Crown AmbA, DK
7 3 Tönnies, DE
355 4 Bigard, FR
2,040 5 Westfleisch, DE
362 14
6 LDC, FR
2,525
7 HKScan, FI
2 8 Gruppo Verones, IT
13 353
416 9 Cooperl, FR
carne de boi e vitela 15 727 10 Groupe Doux, FR
11
porcos 470 11 Plukon Food Group, NL
1
450 410 5
3 12 Terrena, FR
aves
ovelhas 10 9 13 Irish Food Processors/ABP, IE
12 14 Moy Park (Marfrig), UK
4 1,546
6 15 2 Sisters Food Group, UK
941
558

487

60 ATLAS DA CARNE
Densidade do gado na União Europeia

Animais para produzir carne, unidades de gado,

EUROSTAT, INDEX MUNDI


2011, por hectare de terra cultivável 0.50
Finlândia

0.67 0.48
Suécia Estônia
1.97 0.78
2.20
carga pecuária Dinamarca Letônia
Reino Unido Cálculo do Eurostat para
5.45
acima de 3 0.41 uma unidade de gado
Irlanda 6.44
2-3 Lituânia (exemplos):
4.60 Países Baixos 0.4 vitela
1-2 0.94
Bélgica 1.50 1.0 vaca leiteira
0.5-1 Polônia
2.71 Alemanha 0.1 ovelha
0.54
Abaixo de 0,5 Luxemburgo 0.5 porca reprodutora
República Tcheca 0.48 0.007 frango para consumo
Eslováquia
1.85 0.57
1.23
Áustria Hungria
França
0.61
3.08
2.02 Eslovênia
Portugal 0.35
1.08
Espanha 1.46 Bulgária
Itália
0.96
Grécia
2.42
4.67 Chipre
Malta

dinheiro através de outro fundo da UE: o Fundo muitos tipos de animais de estimação, deveriam
Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural. ser estendidas para incluir o gado. Cada espécie
Como poderia ser uma política da UE que co- deveria ser manejada da forma apropriada. A
loca a pecuária sustentável no centro dos esforços UE deveria desenvolver normas para tanto: por
para moldar uma agricultura social e ambiental- exemplo, os animais deveriam ser mantidos em Dois passos
mente sustentável? Quatro passos poderiam ser rebanhos ou manadas que lhes permitam cir- a mais: elevar o
dados para fazer com que as políticas pecuárias cular sem impedimentos e desenvolver suas
da UE deixem de ser parte do problema para ser hierarquias e relações sociais naturais. Esse
bem-estar animal;
parte da solução. tipo de norma acabaria com os estábulos sem proibir o abuso de
Em primeiro lugar, a Comissão Europeia pode- luz natural ou ar fresco, muito comuns na in- antibióticos
ria deixar de subsidiar a construção de granjas de dústria da pecuária.
engorda intensiva. Em vez disso, deveria apoiar Essas propostas parecem irreais ou ingênu-
empreendimentos de pequeno e médio porte em as? Elas são simplesmente normas que muitas
áreas geográficas desfavorecidas onde animais são associações de pecuaristas orgânicos já seguem
mantidos pastando durante a maior parte do ano. faz muitos anos. O que significa que já existe há
Em segundo lugar, a UE deveria obrigar os muito tempo uma matriz para o manejo animal
agricultores a produzir pelo menos a metade dos sustentável.
alimentos para seus animais em suas próprias
granjas, o que significaria considerar seriamen- O que acontece quando os incentivos falham
te os desejos dos consumidores europeus. A UE
também poderia proibir o uso de forragens gene- Armazenamento público da superprodução de carne e manteiga sob a
UE

ticamente modificadas. Um conjunto de regras Política Agrícola Comum da Comunidade Europeia, 1.000 toneladas
claras sobre a aquisição de alimentos eliminaria 1,400
os desequilíbrios regionais e internacionais nos reservas de manteiga subsidiada
1,200
nutrientes. O húmus e o esterco não seriam mais reservas de carne bovina subsidiada
transportados por longas distâncias, já que cada 1,000

agricultor os utilizaria para fertilizar suas pró- 800


prias terras.
600
Em terceiro lugar, a aplicação de antibióticos
em alimentos e bebedouros de animais deveria 400
ser proibida, privilegiando tratamentos individu- 200
alizados, baseados em diagnósticos de médicos
0
veterinários.
1983 1985 1987 1989 1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013
Em quarto lugar, as normas de bem-estar ani-
mal, as quais estão claramente definidas para

ATLAS DA CARNE 61
AUTORES E FONTES DE
TEXTOS E GRÁFICOS
10–11
O SURGIMIENTO DE UM MERCADO DA 26–27
CARNE GLOBAL, por Christine Chemnitz TRANSFORMANDO ANIMAIS EM
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2013. p.11: FAOSTAT. OECD FAO FAO Panorama por Marcel Sebastián
agrícola, 2013-2022. p.26: Riva Carolina Hodger Denny. Entre a granja
e o mercado granjeiro: matadouros, regulações
12–13 e redes alternativas de alimentação. Auburn,
PODER CONCENTRADO – O FUTURO DA Alabama 2012. p.27: Base de dados FAOSTAT.
INDÚSTRIA DA CARNE GLOBALIZADA,
por Kathy Jo Wetter 28–29
p.12: FAO Panorama, junho de 2013. p.13: Lea- VERMELHO BRILHANTE EMBALADO
therhead Food Research, Grupo ETC. EM PLÁSTICO – A CONCENTRAÇÃO DO
COMÉRCIO, por Annette Jensen
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AMÉRICA LATINA, táveis as inclusões de lojas nas cadeias de varejo?
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16–17 30–31
O que a soja brasileira tem a ver RELAÇÕES CARNAIS: LIVRE COMÉRCIO
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por Sérgio Schesinger Sharma e Karen Hansen-Kuhn
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AMAZÔNIA, CERRADO E POR QUE O PORCO MATA O PEIXE:
PANTANAL EM RISCO, A PERDA DA BIODIVERSIDADE,
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62 ATLAS DA CARNE
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ATLAS DA CARNE 63
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bit.ly/1vnKDAe ly/1nHAwDc
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Transnacionales, 2005, bit.ly/1q1is7O no Brasil. Disponível em: bit.ly/1uvlpxw
• Los derechos humanos sociales en la Argentina: Infracciones a los • La ganadería ecológica, 2012. Documentário sobre a pecuária
derechos humanos como consecuencia de los monocultivos de ecológica na Comunidade Valenciana na Espanha, enfocando seus
soja GM, Grupo de reflexión rural (GRR) y Acción OGM–Demanda, problemas e potencialidades. Disponível em: bit.ly/1lp0HKb
2011, bit.ly/1hY2IlM • En carne propia, 2012. Documentário sobre a intensificação da
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de Uruguay, Redes-Uruguay Sustentable, 2009, bit.ly/1sgxhaO • Reverdecer. Documentário sobre o avanço da agroindústria
• Intensificación ganadera a partir de la expansión sojera. Un altamente tecnificada e os pools de plantio no campo argentino,
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Pedro Arbeletche, Soraya Cavalho y Ana Perugorria, en No a la bit.ly/UE5W3F
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Sustentable, 2005, bit.ly/1q1jb8T Outras páginas
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por Vandana Shiva, Editorial Paidós, Buenos Aires 2003, 156 p. alimentar
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• O partido da terra, por Alceu Luís Castilho, Editorial Contexto, • www.redes.org.uy, ONG ecologista no Uruguai
São Paulo 2012, 238 p. “Influência dos grandes latifundiários no • www.rimisp.org, Centro de estudos de desenvolvimento rural na
sistema político brasileiro e a política agropecuária do país” América Latina
• El Ecologismo de los pobres, por Joan Martínez Alier, Editorial • www.sobrevivencia.org.py, ONG ambientalista do Paraguai
Icaria, Barcelona 2011. “Crítica ao discurso ecologista dos países • www.viacampesina.org, Movimento internacional de camponeses

64 ATLAS DA CARNE
LISTA DE FORNECEDORES DE CARNE ECOLÓGICA

Argentina Cochabamba Colômbia México DF


Buenos Aires Thio Rancho: Bogotá Aires de Campo:
El Galpón: Porquinhos-da-índia ecológicos. Clorofila: Carne de frango, peru e bovina.
Carnes ecológicas, frangos, (+59 4) 71754233 Frango ecológico. (+52 55) 5357 6000,
patos, cordeiros, coelhos, (+57 1) 2696088, www.airesdecampo.com
porcos, filés, hambúrgueres, www.clorofilaorganico.com
linguiças, embutidos. Brasil
(+54 11) 45549330, SÃO Paulo Orgánicos Balú: PARAGUAI
www.elgalpon.org.ar Swift: Carne bovina orgânica. Frango orgânico. ASSUNÇÃO
(+55) 0800115057, (+57 1) 6127490, Prorganica:
Asadores de campo: www.swift.com.br/Organic www.organicosbalu.com Frango orgânico.
Assados com carne de pastoreio. (+595 21) 606795,
(+54 11) 47624022, Korin: Frango ecológico e carne www.prorganica.com
www.asadoresdecampo.com.ar bovina orgânica. EQUADOR
(+55 11) 55799363, Quito
Granja San Antonio: www.korin.com.br El gringo alto: Peru
Frango orgânico. Carne ecológica de porco, Lima
(+54 11) 1561337816, Bahia cabra e vaca. Punto orgánico:
www.pollopastoril.com.ar Ecositio-Takenami: (+59 3) 85842921, Frangos e perus orgânicos.
Carne bovina ecológica. www.elgringoalto.com (+51 1) 2210966,
Jardín Orgánico: www.ecositio.com.br www.puntoorganico.com
Frango orgânico. Pululahua Hostal:
(+54 11) 45681223, SANTA CATARINA Carne de porco orgânica. Inka Cuy:
www.jardinorganico.com.ar Agreco: (+59 3) 999466636, Porquinhos-da-índia orgânicos.
Associação dos Agricultores www.pululahuahostal.com (+51 1) 5330008,
Entre Ríos Ecológicos das Encostas da www.inkacuy.com.pe
COECO: Serra Geral: Frango ecológico e
Frangos caipiras. outros produtos. México Alpaquel:
(+54 15) 54664512, www.agreco.com.br NOVO LEÓN Carne de alpaca de pastoreio.
www.coeco.com.ar CORM: (+51 1) 4484044,
Carne bovina orgânica. www.alpaquel.com
Chile (+52 81) 83565675,
BOLÍVIA Araucanía www.corm.com.mx Uruguai
La Paz Biolechones: Carne de porco Rocha
ROSFIM: ecológica, free-range. ESTADO DO MÉXICO Vaquería del Este:
Embutidos e (+56 9) 84496914, Valle Orgánico: Carne bovina natural.
presuntos de lhama. www.biolechones.cl Frango orgânico. (+598 44) 56 7797,
(+59 1) 72043949, www.valleorganico.mx www.vaqueriadeleste.com
gerkwy@hotmail.com Santiago
Organisk: San Miguel de Allende MONTEVIDÉU
Nayjama Srl: Ovos free-range (semelhante à Vía Orgánica: Ecotiendas:
Carne de charque de lhama. carne orgânica ou ecológica). Carne e ovos ecológicos. Carne de frango.
(+59 1) 72088484, (+56 22) 3354206, (+52 415) 1210540, (+598 2) 9006560,
one.llama.bolivia@gmail.com www.organisk.cl www.viaorganica.org www.ecotiendas.com.uy

ATLAS DA CARNE 65
66 ATLAS DA CARNE
A Fundação Heinrich Böll
A Fundação Henrich Böll é uma organização política, sem fins em termos de ideais como na prática – contamos com 32 escritó-
lucrativos, ligada ao partido alemão Os Verdes. Fazemos parte rios e atuamos em 60 países, com 160 projetos.
do movimento político global Verde, desenvolvido como alter- O nome da Fundação é uma homenagem ao escritor alemão
nativa ao socialismo, ao liberalismo e ao conservadorismo. Nos- Heinrich Böll, vencedor do Prêmio Nobel de literatura, que
sos princípios fundamentais são a ecologia e a sustentabilidade, personifica os valores que orientam nosso trabalho: a defesa
a democracia e os direitos humanos, a justiça e a não violência. da liberdade e da dignidade, a coragem cívica, a tolerância e a
Damos ênfase particular à democracia de gênero, vista como valorização da arte e da cultura como esferas independentes de
emancipação social e igualdade de direitos para mulheres e pensamento e ação.
homens. Também estamos comprometidos com a igualdade
de direitos e a inclusão de minorias étnicas e culturais e dos imi- Heinrich-Böll-Stiftung
grantes. Buscamos alianças estratégicas com aqueles que com- Schumannstr. 8,
partilham de nossos valores. Temos nossas raízes na República 10117 Berlim, Alemanha
Federal da Alemanha, mas somos um ator internacional, tanto www.boell.de

ATLAS DA CARNE 67
North America

No mercado
-1.6 global, 25% da carne bovina é,
oceania
na realidade, carne de búfalo da Índia. Asia
Commonwealth 0.0
o sURGIMeNTo de UM MeRCAdo GloBAl dA CARNe, página 10
of Independent -2
states
Em grandes granjas industrializadas, os patógenos podem ser 2013
-0.2
transmitidos mais rapidamente de um animal a outro.
6,000–6,500 2009
PodeRsouth America – o FUTURo dA INdÚsTRIA
CoNCeNTRAdo dA CARNe GloBAlIZAdA, página 12

beef, veal pig +0.2 Total land outside EU used for soybeans, million hectares
poultry sheep, goats
5000
Middle east/
16 3,600
4000
North Africa
Paraguai 14
3000
Brasil
-0.9 12
2000 Argentina
1000 -12.8 1,000
+0.1 10
0
015 2019 2021 1991 1996 -6.4 2001 2006 2011 sub-saharan
2016 2021 60
8
Africa
1986
0 2
Nos matadouros, a luta por preços mais baixos 2001 2005 2010

se sustenta nas costas dos trabalhadores.


TRANsFoRMANdo ANIMAIs eM PRodUTos: A INdÚsTRIA do ABATe, página 26

O gado produz quase um terço das emissões


mundiais de gases de efeito estufa.
o CUsTo ClIMÁTICo do GAdo, página 44

68 ATlAs dA CARNe

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