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COMUNICADO
TÉCNICO Os impactos da
154 COVID-19 para a cadeia
produtiva da carne
Brasília, DF
bovina brasileira
Abril, 2020

Guilherme Cunha Malafaia


Paulo Henrique Nogueira Biscola
Fernando Rodrigues Teixeira Dias
2

Os impactos da COVID-19
para a cadeia produtiva da
carne bovina brasileira1
1
Guilherme Cunha Malafaia, pesquisador da Embrapa Gado de Corte e coordenador do Centro de
Inteligência da Carne Bovina. Paulo Henrique Nogueira Biscola, pesquisador da Embrapa Gado de Corte
/ Centro de Inteligência da Carne Bovina. Fernando Rodrigues Teixeira Dias, pesquisador da Embrapa
Pantanal / Centro de Inteligência da Carne Bovina.

de março a 16 de abril de 2020, daquilo


Introdução que é ou pode vir a ser vetor de alte-
ração no modus operandi e impactar o
Apesar da pandemia do COVID-19 e
desempenho da produção, distribuição e
seus impactos na economia, as expor-
consumo da mencionada cadeia produti-
tações do agronegócio brasileiro não fo-
va. Para a captura e análise dos dados e
ram afetadas negativamente. Ao contrá-
notícias necessárias ao estudo, utilizou-
rio, as vendas externas do agronegócio
se ferramentas de Business Intelligence
em março de 2020 foram de US$ 9,29
apropriadas para este tipo de trabalho e
bilhões, 13,3% a mais do que março de
entrevistas estruturadas com especialis-
2019, com destaque para a carne bovi-
tas do setor.
na, a principal proteína animal exportada
pelo Brasil, com vendas externas de
US$ 637,81 milhões em março de 2020. Consumo
Entretanto, mesmo com um bom Dentre os vários fatores que afetam
desempenho, as incertezas do ambiente a demanda por carne bovina, os mais
atual vividas pelos agentes econômicos importantes são os de ordem econômi-
levam a tensões que geram desequilí- ca, tais como a renda da população, o
brios no mercado, afetando a conduta preço da carne e o preço de proteínas
e o desempenho das empresas e de- concorrentes. Hoje há no Brasil uma
mandando ajustes em toda a cadeia elevação no número de desemprega-
produtiva. As consequências vão sendo dos e uma diminuição da renda dos
conhecidas no dia a dia, à medida em trabalhadores. Num cenário pessimista,
que a crise vai evoluindo. Buscando a pandemia do COVID-19 deixará 12,6
contribuir para o debate sobre os im- milhões de pessoas desempregadas no
pactos da pandemia do COVID-19 na país, elevando a taxa atual de 11,6%
cadeia produtiva da carne bovina brasi- para 23,8%. Como a carne bovina é
leira, este estudo apresenta um resumo elástica à renda, era de se esperar
dos acontecimentos, no período de 16 uma redução do consumo interno. Se
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o consumidor não tem renda, ele passa reduziu as compras da proteína, já


a selecionar o que consome e aumen- afetados pelo recuo na demanda expli-
tar a demanda por proteína de menor cadas pelo isolamento, tendência que
valor agregado, como carne de frango deve permanecer nos próximos meses
e ovos. Além disso, o isolamento social dada a incerteza sobre a duração da
leva ao fechamento de restaurantes, pandemia.
bares e hotéis, grandes compradores
e importantes canais de distribuição
de carne bovina, e o consumo passa
Distribuição
a depender mais substancialmente do As restrições impostas pela pan-
cliente doméstico, que busca preço, demia têm dificultado a chegada de
praticidade e mix de opções, atributos alguns produtos aos mercados. No
estes encontrados na carne de frango. Brasil, o transporte de carne bovina é
Uma redução substancial do consumo realizado, principalmente, por rodovias
de carne bovina irá impor ajustes ne- e, em seguida, exportado, predomi-
cessários nas escalas de abate das nantemente, por via marítima aos com-
indústrias frigoríficas, visto que o con- pradores. Atualmente, formou-se um
sumo doméstico representa cerca de gargalo logístico nos principais portos
80% do mercado total de carne bovina. mundiais, pois muitos navios ainda
A cada tonelada de carne bovina que esperam a liberação para descarregar
deixa de ser consumida, diminui-se o seus containers. Em muitas províncias
abate de bovinos em números de ca- da China as cargas ficaram estagnadas
beças, mantendo-se as exportações devido a restrições logísticas impostas
constantes. Nesse sentido, o mercado pelo governo chinês para controlar a
externo pode ser um fator determinante pandemia do COVID-19, o que gerou
no desempenho do setor em 2020. A um déficit de contêineres no mercado e
China, nosso maior comprador, reto- causou uma pressão no setor logístico
mou as importações de carne bovina do Brasil, com uma procura maior por
em níveis muito superiores ao mesmo contêineres refrigerados, encarecendo
período de 2019. Apesar da pandemia, o frete dos compradores. Por outro
os chineses aumentaram as importa- lado, no mercado interno, já ocorre a
ções de carne bovina do Brasil para transferência de estoque de restau-
US$ 451,45 milhões (+101,%) em rela- rantes e atacados para os domicílios,
ção ao mesmo período de 2019, uma via canais de distribuição que incluem
terça parte do valor exportado em carne mercados de pequeno e médio porte,
bovina pelo Brasil, o que é explicado supermercados e hipermercados, o que
pelo aumento de plantas frigoríficas vai exigir um rearranjo das cadeias de
habilitadas para exportar para a China. suprimento. Provavelmente, haverá ca-
Entretanto, a União Europeia, outro nais de distribuição demandando maio-
comprador importante para o Brasil, res volumes do que antes da pandemia.
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Como consequência, esses canais principalmente, aquelas habilitadas a


precisam aperfeiçoar suas formas de exportar para países asiáticos, norma-
interagir com o consumidor, com o uso lizem, no curto prazo, as suas escalas
de mercados on-line. Sendo assim, de abate. O grande problema está cen-
percebe-se que a eficiência logística vai trado naquelas indústrias que atendem
determinar quem ganha e quem perde somente o mercado interno e defron-
espaço no mercado externo e interno. tam-se com a retração de consumo já
A cadeia produtiva de proteína animal mencionada anteriormente. Os abates
mais eficiente em evitar o desabasteci- nesse período de pandemia foram
mento é quem irá obter ganhos signifi- reduzidos consideravelmente e essas
cativos no momento atual. indústrias, atualmente com baixo nível
de estoque, só irão às compras se tive-
Quanto aos frigoríficos, diante das
rem uma demanda puxada pelo varejo,
incertezas e das mudanças rápidas e
e por isso algumas plantas frigoríficas
acentuadas do consumo, as empresas
já entraram em férias coletivas no início
estão se adaptando, adequando seus
de abril, situação que levará a uma que-
portfólios de produtos à nova realida-
da no desempenho operacional dessas
de. Alavancar a venda de enlatados
empresas. Com dificuldade de escoar
para a União Europeia, bem como o
a carne, as plantas frigoríficas limitam
desenvolvimento de linhas de hambúr-
o fluxo de compras, forçando a queda
gueres para food service são iniciativas
nos preços, conforme apresentado no
visíveis. Espera-se que as maiores
gráfico 01.
indústrias do setor de carne no Brasil,

Fonte: CEPEA - Centro de Pesquisas Econômicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de


Queiroz-USP.
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Produção Reflexões para a


Todo o cenário descrito acima refle- Cadeia Produtiva da
te no setor mais sensível, a produção
pecuária. Muitos produtores estão
Carne Bovina diante
retendo os animais prontos para abate do cenário atual
no pasto à espera de uma melhora no Mesmo que a pandemia do coronaví-
preço da arroba. Entretanto, como já rus, no que se refere a crise de saúde,
mencionado, os próximos meses se- seja estimada de curto prazo, não há
rão cheios de incertezas no mercado, perspectivas precisas quanto ao tempo
coincidindo com uma época tradicio- de duração da mesma nas atividades
nalmente difícil para quem produz, econômicas. Entretanto, torna-se de ex-
devido às secas no Brasil Central e trema importância entender os seus des-
geadas no Sul, levando a preços mais dobramentos. A seguir, elenca-se alguns
baixos. Muitos produtores começarão temas que necessitam de maior atenção
a liquidar os animais terminados nesse e de um debate mais aprofundado por
período, mesmo com os preços mais parte dos stakeholders envolvidos na ca-
baixos, para realizar fluxo de caixa deia produtiva da carne bovina brasileira.
para pagar despesas correntes e re-
duzir o custo de manutenção de peso • Torna-se imperativo entender que
desses animais, num período em que esta pandemia colocará no topo do deba-
a qualidade das forragens diminui em te global a preocupação com a sanidade
função da diminuição das chuvas. animal, onde deve-se crescer as exigên-
cias e consistência sobre os sistemas
Aqueles produtores mais tecnifica- de vigilância e controle de doenças que
dos, que produzem animais com maior atingem animais e humanos. Esta pode
precocidade, tipo exportação, podem ser uma grande oportunidade para a ca-
sentir menos o impacto da pandemia, deia da carne bovina mostrar ao mundo,
pois as indústrias habilitadas a expor- de forma transparente, como os nossos
tar estão com seus canais de distri- processos produtivos, tanto no campo
buição funcionando adequadamente. como na indústria, são confiáveis;
Já os produtores que não atendem o
padrão exigido pelas cadeias de supri- • A preocupação com a segurança ali-
mentos exportadoras irão se defrontar mentar estará ainda mais fortemente pre-
com uma demanda enfraquecida e sente na agenda global, já que a recessão
com uma tendência de preços baixos e os desajustes nas cadeias de suprimen-
praticados pelas cadeias de suprimen- tos podem causar crise de abastecimento,
tos que atuam somente no mercado volatilidade de preços e instabilidade
interno. social. Deverão crescer as restrições ao
comércio internacional de alimentos, es-
pecialmente, de proteína animal, através
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de controles rígidos de fronteiras e uma seja de insumos, gado ou da carne. A


provável preferência por produção local e/ relevância da sanidade, qualidade e sus-
ou com indicação de procedência. tentabilidade crescerá via interação digital
com o consumidor final. Entretanto, torna-
• É de fundamental importância a cria-
se de fundamental pertinência melhoras
ção e fortalecimento dos diálogos entre
no sistema de conectividade no território
stakeholders em rede no setor de carne
brasileiro, especialmente, no campo.
bovina. A integração e coordenação da
cadeia neste momento é extremamente Por fim, este documento não teve
necessária e estratégica. Talvez seja um qualquer pretensão de ser exaustivo,
momento oportuno para romper a cul- apenas buscou-se, amparado em méto-
tura demarcada pela falta de relaciona- dos científicos, trazer um panorama atual
mentos sistêmicos e avançar em mode- do que vem acontecendo na cadeia pro-
los colaborativos em rede, já realizado dutiva da carne bovina brasileira nesse
com êxito por países como Austrália, curto espaço de tempo vivenciados pela
Canadá, China, Estados Unidos, Reino pandemia COVID-19 e, apresentar, algu-
Unido e Uruguai. A Câmara Setorial da mas reflexões que possam vir a qualificar
Bovinocultura de Corte do Ministério da os debates sobre o tema pelos gestores
Agricultura, Pecuária e Abastecimento públicos e privados nesse momento deli-
(MAPA) poderia ser um fórum propício cado que a sociedade atravessa.
para germinar uma ação nesse sentido.
• No que tange a políticas públicas, é im- Referências
portante pleitear junto a China a negocia- CEPEA. Centro de Pesquisas Econômicas da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz-
ção de alguns critérios técnicos quanto a USP. INDICADOR DO BOI GORDO CEPEA.
exportação, pois o país asiático continuará Universidade de São Paulo. São Paulo. 2020.
sendo o nosso maior comprador de carne
MAPA. Ministério da Agricultura, Pecuária
bovina. Diante disso, a alteração da bar- e Abastecimento. Secretaria de Comércio
reira técnica que impõem idade limite de e Relações Internacionais (SCRI).
trinta meses para os animais destinados Desempenho das Exportações do
Agronegócio Brasileiro. Brasília. 2020
às exportações viabilizaria a inclusão de
muitos sistemas de produção pecuários. FGV. Fundação Getúlio Vargas. Instituto Brasileiro
Acredita-se, também, ser de extrema de Economia da Fundação Getúlio Vargas – Ibre.
Mercado de Trabalho: Sob impacto do COVID-19.
relevância a inserção de linha de crédito Rio de Janeiro. 2020.
aos pecuaristas no próximo Plano Safra,
não esquecendo, também, da importância
de estimular e aperfeiçoar ferramentas de
seguro rural para os pecuaristas.
• A onda digital irá impactar toda a cadeia
produtiva da carne bovina. A maior trans-
formação será no processo de distribuição,
O Centro de Inteligência da Carne Bovina
trabalha com dois objetivos primordiais.

Promover a antenagem, captura e análise de sinais


e tendências de desdobramentos tecnológicos e do
mercado de inovações relevantes à tomada de decisão
dos stakeholders envolvidos na cadeia produtiva da carne
bovina brasileira.

Produzir, sistematizar e dispor informações e dados de


maneira organizada visando a melhor coordenação da
cadeia produtiva da carne bovina brasileira promovendo
ganhos competitivos para seus stakeholders.
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Exemplares desta edição Comitê Local de Publicações


podem ser adquiridos na: da Embrapa Gado de Corte
Embrapa Gado de Corte
Presidente
Av. Rádio Maia, 830
Lucimara Chiari
79106-550, Campo Grande, MS
Fone: (67) 3368-2000 Secretário-Executivo
Fax: (67) 3368-2150 Rodrigo Carvalho Alva
www.embrapa.br Membros
www.embrapa.br/fale-conosco/sac Alexandre Romeiro de Araújo, Davi José
Bungenstab, Fabiane Siqueira, Gilberto
1ª edição Romeiro de Oliveira Menezes, Marcelo Castro
1ª edição (2020): eletrônica Pereira, Mariane de Mendonça Vilela, Marta
Pereira da Silva, Mateus Figueiredo Santos,
Vanessa Felipe de Souza
Supervisão editorial
Rodrigo Carvalho Alva
Revisão de texto
Rodrigo Carvalho Alva
Tratamento das ilustrações
Rodrigo Carvalho Alva
Projeto gráfico da coleção
Carlos Eduardo Felice Barbeiro
CGPE 15947

Editoração eletrônica
Rodrigo Carvalho Alva
Foto da capa
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