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REVISTA BRASILEIRA DE ANÁLISE DO COMPORTAMENTO / B RAZILIAN JOURNAL OF BEHAVIOR ANALYSIS, 2005, VOL.1 NO.

2, 125-133

A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO HUMANO EM CONTEXTO1,2

THE ANALYSIS OF HUMAN BEHAVIOR IN CONTEXT

MURRAY SIDMAN
SARASOTA, FLÓRIDA, UNITED STATES

RESUMO
Deve-se inferir do nome deste grupo de interesse especial, “A Análise do Comportamento Humano”, que
aqueles que analisam o comportamento de animais humanos devem se constituir em um grupo separado dos que
analisam o comportamento de animais não humanos? É o uso de não humanos em experimentos irrelevante para
a análise do comportamento em humanos? Se assim é, alguma coisa deve ter mudado. Muitas diferenças existem,
é claro, entre o comportamento de humanos e de não humanos – humanos, por exemplo, não podem voar por si
sós – mas detectamos diferenças de princípios, diferenças essas que requeiram organizações separadas para seu
estudo? Vou tentar mostrar porque acredito que essa é uma preocupação séria, de onde ela surge, e o que, talvez,
possa ser feito para manter o que era, outrora, uma florescente relação bidirecional entre a pesquisa com humanos
e com não humanos, tanto na pesquisa básica como na pesquisa aplicada.
Palavras-chave: pesquisa comportamental com humanos, pesquisa comportamental com não-humanos.

ABSTRACT
Does the name of this special interest group, “The Experimental Analysis of Human Behavior,” imply that
those who analyze the behavior of human animals must organize themselves apart from those who analyze the
behavior of nonhuman animals? Is the use of nonhumans in experiments really not relevant to the analysis of the
behavior of humans? If so, then something must have changed. Many differences exist, of course, between the
behavior of humans and nonhumans – humans, for example, cannot fly under their own power — but have we
really isolated differences in principle, differences that require separate organizations for the study of each? I will
try to indicate why I believe this is a serious concern, where the concern comes from, and what, perhaps, might be
done to maintain what was once a flourishing bidirectional relation between research with humans and nonhumans,
in both basic and applied research.
Key Words: human behavioral research, nonhuman behavioral research.

Como Alan Baron, o primeiro a receber que fazem pesquisa com humanos e aqueles que
este prêmio, no ano passado, e a quem me sin- trabalham com não humanos. Vejo como um
to honrado em suceder, eu também comecei a problema a atual situação do que foi, outrora,
pesquisar o comportamento de humanos de- uma parceria florescente. Infelizmente não te-
pois de mais de dez anos de pesquisas tendo, nho soluções seguras, mas pode valer a pena
quase exclusivamente, não humanos como su- dizer de onde vêm minhas preocupações e por-
jeitos. Também como Alan estou preocupado que essas preocupações são relevantes para o
com a crescente falta de comunicação entre os exercício atual da pesquisa com humanos, tan-

1 Este trabalho foi apresentado na cerimônia de outorga ao autor do Distinguished Career Award do Grupo de Interesse Especial de Análise Experimental
do Comportamento Humano, na reunião anual da Association for Behavior Analysis International, Boston, 2004. Artigo convidado para publicação
simultânea na Revista Brasileira de Análise do Comportamento (em Português) e no The Behavior Analyst (em Inglês). Endereço para correspondência:
Murray Sidman, 1700 Ben Franklin Drive #9E, Sarasota, Florida 34236 (e-mail: murraysidman@comcast.net).
2 Traduzido por Maria Silvia Ribeiro Todorov.

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to a básica quanto a aplicada, e para a forma- jeitos humanos, tanto normais como portado-
ção de analistas do comportamento. res de lesão cerebral, eram realizados ao lado
Quanto mais eu trabalhava com sujei- de experimentos em que camundongos, pom-
tos humanos e observava comportamentos cada bos e macacos rhesus eram sujeitos; durante
vez mais complexos, mais tornava-se claro para um ano sabático, quando tive o privilégio de
mim que meus anos anteriores de trabalho, trabalhar no laboratório de Joe Brady em Johns
principalmente com ratos, gatos e macacos Hopkins, fiz experimentos tendo, quase exclu-
rhesus (embora outras pessoas em meu labo- sivamente, babuínos como sujeitos.
ratório trabalhassem com pombos eu, pesso- Falando da relevância da pesquisa com
almente, nunca o fiz) tinham sido uma apren- não humanos para a pesquisa com humanos, e
dizagem. Ensinaram-me a como fazer pes- vice-versa, devo contar uma pequena história
quisa com pessoas. sobre esses babuínos. Naquela época, pesqui-
Essa conclusão surpreenderá, sem dúvi- sadores no laboratório de Brady estavam trei-
da, alguns dos analistas do comportamento de nando babuínos a aumentar sua própria pres-
hoje. Os mais supresos serão, provavelmente, são arterial (e.g., Harris & Turkkan, 1981).
analistas do comportamento que, eles mesmos, Como os procedimentos experimentais pode-
nunca trabalharam com não humanos e, por- riam afetar outros processos corporais, os pes-
tanto, nunca viram que os mesmos princípios quisadores tiravam amostras do sangue dos
e técnicas de mudança de comportamento, que animais regularmente; amostras que tinham
acham tão eficazes com humanos, funcionam que ser analisadas exatamente como as minhas
também para os chamados organismos inferio- e as suas o são quando nossos médicos querem
res. Quantos analistas do comportamento não saber alguma coisa importante sobre nós. Mas,
aplicaram essas técnicas nem mesmo ao treinar quando solicitado a fazer os testes padrão com
seus cães, gatos, pássaros e outros animais do- babuínos, o laboratório de análises clínicas se
mésticos? Quantos as aplicaram quando edu- recusou. Para contornar essa recusa, o labora-
cando seus próprios filhos? Ao iniciar minha tório de Brady mandou as amostras não como
pesquisa com humanos eu descobri que os sangue de babuínos mas com nomes como
mesmos métodos utilizados para gerar e man- John Boone, Mary Boone, Daniel Boone e
ter comportamentos em sujeitos não humanos outros membros da família Boone. Nenhum
e os mesmos princípios básicos continuavam a problema; a pesquisa pôde continuar. No que
funcionar eficazmente. Para ser honesto, en- concernia ao laboratório de análises, as amos-
tretanto, tenho que admitir que eu também tras dos babuínos não eram distinguíveis de
fiquei, inicialmente, surpreso por minhas con- amostras humanas de rotina.
vicções sobre a possibilidade de generalização Em meu laboratório descobri, também,
de nosso trabalho anterior se revelarem tão com- que podíamos usar os mesmos procedimentos
pletamente justificadas. com sujeitos humanos e não humanos. Em
Mas, após meus primeiros dez anos de alguns dos trabalhos, nós até usamos o mesmo
pesquisa com não humanos, os próximos 25 equipamento para pessoas e para macacos.
anos, aproximadamente, me encontraram man- Sujeitos humanos se assentavam em uma ca-
tendo um laboratório em que estudos com su- deira em frente a um painel de respostas, em

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MURRAY SIDMAN

que estímulos eram projetados, e selecionavam para ganhar a vida aplicando técnicas operantes
os estímulos de acordo com as contingências no treinamento de animais não humanos, pode
de reforçamento que havíamos estabelecido. ainda ser constatada em nossos parques
Macacos rhesus eram trazidos para o mesmo temáticos, nas admiráveis demonstrações de
cômodo em jaulas que eram fixadas à parede mamíferos, pássaros e outros animais, e nas
em torno do painel, e a grade da jaula era aplicações, em todo o mundo, no treinamento
erguida de modo que o animal tivesse acesso de animais domésticos – cães, gatos, pássaros,
aos estímulos e à bandeja de reforços. Desco- cavalos e outras espécies. As aplicações origi-
brimos, por exemplo, que os procedimentos nais de técnicas de reforçamento à fala huma-
de esvanecimento que estávamos investigan- na (Greenspoon, 1955) e as adaptações expe-
do naquela época eram eficazes para ensinar, rimentais, por Bijou, de reforçamento positivo
a macacos e a pessoas, as mesmas discrimina- em pesquisas com crianças (Bijou & Sturges,
ções de estímulos. Entre as duas espécies, 1959) encorajaram muitos de nós a estender
somente os reforços variavam. Olhando os nossa pesquisa à nossa própria espécie. Esses
dados não se podia saber que tipo de sujeito estudos originais pavimentaram o caminho
os tinha produzido. para aplicações ainda mais sofisticadas nas áre-
Havia, é claro, muitos exemplos anteri- as de autismo e distúrbios relacionados, de
ores de transposição para humanos de estudos educação acadêmica, de práticas gerencias e
com não humanos. Havia a técnica de Fred outras áreas.
Keller para ensinar o Código Morse (Keller, Na época, esses primeiros sucessos eram
1943), a que fui exposto durante meu serviço descobertas de ponta – mostravam que nossos
militar antes que soubesse qualquer coisa so- princípios e procedimentos comportamentais
bre análise do comportamento. (Imaginem eram generalizáveis até mesmo para humanos.
como fiquei maravilhado, muitos anos depois, Eu sei que hoje já ultrapassamos essa fase de
quando me vi trabalhando com Keller em seu descobertas, e não estou recomendando que
primeiro projeto de pesquisa financiado para a todos sigam um trajeto igual ao meu. Esse é
continuação de estudos sobre esse método). um erro que muitos velhos professores come-
Mais tarde, o trabalho de Og Lindsley com tem. Eles acham que os alunos devem passar
pacientes psiquiátricos abriu uma importante por todas as dificuldades – e triunfos – pelas
área do comportamento a uma abordagem ci- quais eles passaram. Que princípios e proce-
entífica (Lindsley, 1956). O trabalho de dimentos comportamentais descobertos em
Ayllon e Azrin com pacientes internados (Ayllon laboratórios de não humanos funcionam tam-
& Azrin, 1968), especialmente o desenvolvi- bém com humanos é hoje um fato bem esta-
mento da economia de fichas, seguido pela belecido e não precisa ser novamente testado.
aplicação, por Girardeau e Spradlin, de técni- No entanto, esse fato também não deve ser es-
cas similares a pessoas com retardo mental quecido. Estão sendo desenvolvidos trabalhos
(Girardeau & Spradlin, 1961), começou uma com sujeitos não humanos que, provavelmen-
revolução no tratamento de pessoas portadoras te, mudarão o modo como vemos muito do
de deficiências. A influência de Marian e Keller comportamento humano, e esses trabalhos de-
Breland, que deixaram o laboratório de Skinner vem não só serem aceitos mas também encora-

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A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO HUMANO EM CONTEXTO

jados. Nenhuma ciência pode parar; se não instruções, para investigar o papel de habilida-
puder manter o fluxo de descobertas, o aper- des de aprendizagem baseadas em reforçamento
feiçoamento das interpretações, o refinamento de desempenhos cognitivos complexos...
dos procedimentos e a ampliação de sua (p.643).
abrangência, ela definhará. Algo mais estimu-
O próprio trabalho de Schusterman
lante e promissor tomará seu lugar. Embora
(1967) sobre aprendizagem reversa sem erro,
em última análise nossa preocupação possa ser
e,de uma maneira mais geral, toda a área de
o comportamento de humanos, seria insensato
aprendizagem sem erro, é um caso disso. Em-
eliminar nosso interesse pela pesquisa com não
bora esse trabalho tenha alcançado seu auge na
humanos, que tem sido a maior fonte de nosso
instrução programada em áreas complexas tais
crescimento científico.
como cristalografia (Chalmers, Holland,
Além de considerações sobre sobrevivên-
Williamson, & Jackson, 1965), neuroanatomia
cia, é mais do que relevante tratar aqui de uma
(Sidman & Sidman, 1965), psicologia
prática metodológica, frequentemente aplica-
(Holland & Skinner, 1961) e muitas outras
da mas raramente enunciada, ao se relacionar
disciplinas acadêmicas, ele começou muito
estudos com humanos a estudos com não hu-
antes com as pesquisas com animais não hu-
manos. Gisiner e Schusterman (1992) expu-
manos de Skinner (1938) e de Terrace (1963a,
seram o princípio de uma abordagem bottom
1963b). Esse trabalho seminal em aprendiza-
up à pesquisa do comportamento complexo.
gem sem erro por ratos e pombos foi então es-
Eles escreveram:
tendido para cima. Eu disse, em outro con-
A pesquisa sobre linguagem animal inclui uma texto, que deveria haver estátuas dos pombos
variedade de estudos experimentais de cognição de Terrace em frente de cada faculdade de edu-
e aprendizagem complexas por não humanos cação (Sidman, 1985).
nos quais a linguagem humana serve como mo- Entretanto, embora nós, como profissi-
delo para o delineamento experimental e a inter- onais, aceitemos a relevância da pesquisa com
pretação dos dados... Entretanto, a abordagem não humanos para entender o comportamento
top-down de se adaptar a terminologia do estu- dos humanos, é importante nos
do de um conjunto de desempenhos muito com- conscientizarmos de que a maior parte do res-
plexos... para desempenhos consideravelmente to do mundo não a aceita. Aquelas primeiras
menos complexos... não tem sido bem sucedida descobertas que nos mostraram que aquilo que
na... definição das habilidades de aprendizagem aprendemos sobre o comportamento de não
requeridas para o desempenho da linguagem humanos poderia ser aplicado diretamente aos
humana normal. Em vez disso, nós adotamos humanos eram inebriantes porque demanda-
uma abordagem bottom-up: começando com re- vam mudança fundamental do ponto de vista
lações... diretamente treinadas, reforçadas dife- prevalecente, a saber, a idéia de que o compor-
rencialmente, e ascendendo através de relações tamento humano vai além do que a
cada vez mais complexas que emergem de e são metodologia científica pode investigar e expli-
consistentes com a aprendizagem anterior. Isso car. Mesmo hoje, a crença predominante em
nos dá um modelo operacional, ou manual de nossa cultura é a de que o comportamento

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humano é auto regulado por meio de agências brados de seu papel de pioneiros.
interiores como a Vontade ou a Personalidade, Não se trata somente de buscar prestí-
não por determinantes ambientais observáveis, gio por meio da inserção nas ciências naturais;
mensuráveis e controláveis. Espera-se que nos é uma questão de manter uma abordagem por-
regulemos por meio dessas agências. A noção que é necessária, porque é singularmente efi-
de que nosso comportamento, como o dos não caz na solução de problemas importantes. Se
humanos, é acessível à explicação por meio de nós não nutrirmos de modo bem sucedido, em
estudo científico, de que é passível de mudan- nossa cultura, o reconhecimento geral de que a
ça por meio de procedimentos originados e pesquisa e a prática comportamentais se situ-
validados cientificamente, não é ainda ampla- am no domínio das ciências naturais, veremos
mente aceita. o que hoje é, principalmente, um descaso por
Eu suspeito que essa resistência a aceitar nossas contribuições, reais ou potenciais, trans-
o comportamento humano como sendo sub- formado em oposição ativa – como o que já
metido a variáveis ambientais resulta, pelo aconteceu, por exemplo, com a rejeição da aná-
menos em parte, de que tal visão parece nos lise do comportamento pelas psicologias clíni-
negar o controle de nossos próprios destinos, ca e cognitiva tradicionais.
remover-nos da posição central no universo. Eu Aí está, portanto, uma razão construtiva
penso que há razões mais válidas para a posição para a existência de uma sociedade profissional
que nós ocupamos no mundo animado – que que é devotada especificamente à pesquisa
ocupamos para o melhor e para o pior e, tal- comportamental com humanos. Esses pesqui-
vez, só temporariamente – mas não preciso sadores, junto com os profissionais da área apli-
entrar nessa discussão agora. cada, têm uma posição especial em um movi-
Portanto, analistas do comportamento mento social significativo – colocar o compor-
aplicado, que frequentemente não têm – e não tamento de humanos, juntamente com o com-
precisam ter – qualquer interesse em se torna- portamento de outros organismos, dentro do
rem cientistas, não estão, como muitos deles reino das ciências naturais.
foram ensinados a acreditar, simplesmente pra- Por outro lado, é óbvio que muito do
ticando uma profissão reconhecida. Eles estão comportamento humano difere do comporta-
fazendo algo especial, algo que afronta a maior mento de não humanos, mesmo daqueles mais
parte do saber correntemente aceito, algo que próximos de nós. Espécies não humanas tam-
representa uma mudança fundamental na cren- bém, é claro, exibem dessemelhanças umas em
ça da sociedade sobre o que significa ser huma- relação às outras. Diversos ambientes, estrutu-
no. Todos os analistas do comportamento, na ras corporais, processos fisiológicos e heranças
pesquisa básica e na aplicação, trabalhando com resultaram em contingências comportamentais
humanos ou não humanos, estão na vanguar- distintas para espécies diferentes. Tais contin-
da de uma revolução social e intelectual em gências envolvem diferentes reforçadores, ca-
andamento. Durante seu treinamento deveri- pacidades de resposta, equipamentos sensori-
am ser conscientizados desse fato e ensinados a ais, mecanismos de sobrevivência e assim por
comunicá-lo a seus alunos e clientes. Em seu diante. Algumas dessas variações dão, de fato,
desenvolvimento continuado, deveriam ser lem- a não humanos vantagens sobre os humanos:

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pássaros voam por si mesmos e nós não; mui- nunca se observou algum não humano fazen-
tos animais podem correr mais rápido do que do. Mas, nós encontramos quaisquer princí-
nós, são melhores nadadores, mais fortes, ou pios comportamentais que não se aplicariam a
têm os sentidos da visão, audição ou olfato mais outras formas de comportamento se essas se
apurados. Tais variações são elas mesmas pas- caracterizassem também por um número tão
síveis de estudo científico e uma ciência do grande de variações de respostas possíveis? Quer
comportamento completa deve levá-las em con- dizer, há algo mais do que diferenças quantita-
sideração. Até agora, no entanto, explicar vari- tivas entre comunicação lingüística e outras
ações comportamentais entre um tipo de orga- classes de comportamento?
nismo e outro não tem requerido diferenças em Por exemplo, nosso aparato vocal nos per-
princípio. O papel crucial das contingências, mite ter um vocabulário enorme – não parece
junto com os princípios gerais de haver restrições ao número de palavras que po-
reforçamento, controle de estímulos e moti- demos dizer ou escrever. Variação ilimitada pa-
vação, combinado com princípios e processos rece ser possível na taxa de nossa produção vo-
que outras ciências biológicas nos ensinaram, cal, nas seqüências de unidades de fala – o que
tem sido suficiente, até o momento, para sis- chamamos de estruturas gramaticais – em seus
tematizar muito do que se tem observado no ritmos, modulações de tessitura e tom e assim
comportamento de organismos. por diante. Por meio de tais variações, um cam-
Embora diferenças óbvias existam e se- po infinito de significados referenciais e emoci-
jam, sem dúvida, responsáveis pela posição pre- onais pode ser atribuído a nossas elocuções ver-
dominante dos humanos no mundo de hoje, bais. Palavras escritas mantêm o passado conosco
ainda não podemos afirmar que isolamos prin- e trazem o futuro para o presente, permitindo
cípios especiais que requeiram organizações se- que sejamos influenciados por eventos a que
paradas para o estudo do comportamento hu- nunca fomos expostos, desenhar diagramas de
mano e do não humano. O que sobre os hu- coisas que ninguém jamais viu, planejar para o
manos, portanto, justifica a existência de um futuro e preservar o passado. Nossa linguagem
grupo de interesse especial chamado “Análise nos permite inventar e construir máquinas –
Experimental do Comportamento Humano”? aviões, submarinos, armas, e assim por diante,
Humanos, é verdade, falam e desenvol- que mais do que compensam as muitas habili-
veram linguagens, comportamento que não dades naturais nas quais não humanos nos su-
vemos nenhum outro tipo de organismo de- peram. Linguagem oral e escrita, portanto, tor-
sempenhar. Muitos foram tentados, por essa nam possível que nos comportemos de manei-
razão, a encarar a linguagem como um tipo de ras que nenhum não humano pode igualar.
comportamento que requereria tratamento es- Algum desses comportamentos comple-
pecial. Embora outros organismos sejam ca- xos, que a linguagem torna possível e de que os
pazes de alguma comunicação oral e gestual, não humanos não são capazes, demandam prin-
não se constatou em nenhum deles comporta- cípios explicativos além daqueles que ajudam a
mentos como os que nossa sofisticação lingüís- explicar o comportamento dos não humanos?
tica tornou possível. A fala, oral e escrita, de Desenvolvimentos futuros podem precisar de
fato, torna possível para nós fazer coisas que princípios que se refiram, exclusivamente, ao

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comportamento humano, mas não creio que, imprinting, comunicação oral por golfinhos e ou-
até o momento, a existência de qualquer prin- tros animais, e assim por diante. Vias de pesqui-
cípio desse tipo tenha sido demonstrada, ou sa bottom-up estão se tornando possíveis, mais uma
mesmo parecido ser necessária. No entanto, vez, em fenômenos que, por algum tempo, pare-
porque somos humanos, é importante para nós ciam exclusivos do comportamento humano.
fazer a pergunta. Por causa de nossa posição A predominância e a importância da
predominante no mundo de hoje, com nenhu- comunicação mediada por palavras em nossas
ma outra espécie em situação de controlar nos- vidas faz com que seja tentador para cientistas
so comportamento, temos que fazer nós mes- comportamentais buscar princípios que acre-
mos o trabalho. Temos que saber como con- ditam ser palavras – palavras faladas, escritas
trolar nosso próprio comportamento. Temos, ou sub-vocais – um fator causal especial que
então, outro motivo para uma especialização pode nos ajudar a entender muito de nosso
analítica de comportamento em pesquisa hu- comportamento. Representantes dessa visão
mana. Podemos controlar nosso próprio com- acham, naturalmente, que aqueles interessados
portamento fazendo uso do que já aprendemos em comportamento humano deveriam consti-
de outros organismos, ou teremos que apelar para tuir seus grupos especializados próprios. Um
processos que ainda não foram descobertos? ponto de vista alternativo, entretanto, trata a
Eu tenho tido que enfrentar esse proble- comunicação mediada pela palavra não como
ma de frente em minha própria pesquisa. Pa- um tipo de fator causal fundamental mas, an-
receu, por um longo tempo, que os fenômenos tes, como um importante tipo de comporta-
que eu interpretava como casos de relações de mento que precisa, ele mesmo, ser explicado.
equivalência eram exclusivos de humanos, e eu É por isso que muitos de nós vemos relações de
tinha que estar preparado para reconhecer essa equivalência como particularmente importan-
possibilidade. Hoje, no entanto, os elegantes tes no comportamento humano, embora não
estudos com leões marinhos como sujeitos, re- exclusivas desse comportamento. As observa-
latados por Schusterman e seus colegas (Kastak, ções que definem relações de equivalência nos
Schusterman, & Kastak, 2001; Reichmuth, ajudam a entender porque palavras faladas e
Kastak & Schusterman, 2002), nos mostraram escritas são tão importantes em nossas vidas.
que não humanos também são capazes de rela- A equivalência de palavras a outros aspectos do
ções de equivalência e podem ser usados como mundo é um fenômeno que muitos têm reco-
sujeitos para estudar os fenômenos relevantes. nhecido. Por exemplo, em “Harry Potter e a
Há muito mais trabalho para se fazer aqui, cla- Pedra Filosofal”, de J. K. Rowlings (1998), o
ro. Se leões marinhos podem demonstrar rela- seguinte diálogo – sobre um ser tão mau que
ções de equivalência, outros organismos devem seu nome não deveria ser pronunciado – se deu
ser, do mesmo modo, também capazes, e de- entre o jovem Harry Potter e o idoso, sábio di-
monstrações adicionais gerarão novas descober- retor da escola, Dumbledore:
tas. Relações de equivalência podem bem estar
— Senhor? disse Harry. Eu tenho pensado...
envolvidas, por exemplo, em fenômenos tais como
senhor – mesmo que a Pedra tenha desapareci-
reconhecimento de família e espécie
do, Vol -, quero dizer, o Senhor-Sabe-Quem -
(Schusterman, Reichmuth & Kastak, 2000),

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A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO HUMANO EM CONTEXTO

— Chame-o de Voldemort, Harry. Sempre use ao tratamento científico do comportamento


o nome certo para as coisas. Medo do nome humano o façam por considerar tal tratamento
aumenta o medo da própria coisa. desumano. Queremos saber sobre nós e onde
nos encaixamos no universo. O conflito aqui é
Na peça de Shakespeare, Henrique VIII
entre aqueles que, como eu, se sentem confor-
achou necessário assinalar:
táveis com o conhecimento de que nos encai-
Palavras não são atos. xamos, e aqueles que precisam acreditar que
E um tema comum em ópera, literatura nós ocupamos uma posição especial, no con-
e poesia é: trole, e não submetidos à lei natural. Infeliz-
mente esses são hoje predominantes e, assu-
Nomes vivem para sempre.
mindo seu supostamente predestinado controle
Claramente, Dumbledore compreendeu sobre partes animadas e inanimadas do mun-
o poder das relações de equivalência de esten- do, levaram esse mundo por um caminho de
der as propriedades das coisas às palavras, e vice- destruição. Grupos de interesses especiais como
versa; Shakespeare, afirmando que palavras não este, dedicados à análise experimental do com-
são atos, contradizia uma crença predominan- portamento humano estão, portanto, fazendo
te no contrário - como Skinner (1957) assina- algo mais do que reunindo e sistematizando
lou, nós não dizemos “Não está chovendo” a dados experimentais sobre o comportamento
menos que tenhamos tido, primeiro, uma ten- humano. Estão ajudando a colocar a humani-
dência a dizer “Está chovendo”; e escritores, de dade dentro do mundo, não fora dele e em
uma maneira geral, se aproveitam das reações conflito com ele. Eu penso que vale a pena
emocionais corriqueiras a nomes como repre- manter essa dimensão social mais ampla de
sentantes vivos mesmo de pessoas há muito nosso trabalho bem a vista.
mortas – note-se também o poder de emocio-
nar, quase universalmente efetivo, dos nomes REFERÊNCIAS
gravados no Memorial do Vietnam em Wa-
shington, D. C. Ayllon, T., & Azrin, N. H. (1968). The token economy:
E assim, embora métodos e princípios A motivational system for therapy and rehabilitation.
derivados da pesquisa com não humanos tam- New York: Appleton-Century-Crofts.
bém se apliquem a humanos, o comportamen- Bijou, S. W. & Sturges, P. T. (1959). Positive reinforcers
to ao qual se aplicam é, frequentemente, ex- for experimental studies with children—
clusivo de humanos e necessita, portanto, ser consumables and manipulables. Child Development,
estudado por si mesmo. É sempre necessário 30, 151-170.
perguntar se o comportamento que é especifi- Chalmers, B., Holland, J., Williamson, R., & Jackson,
camente humano requer novos princípios ci- K. (1965). Crystallography, a programmed course in
entíficos para dar conta dele. A pergunta, por- three dimensions. NY: Appleton-Century-Crofts.
tanto, tem que ser feita. Girardeau, F. L., & Spradlin, J. E. (1961). Token rewards
Além disso, é claro, nós queremos estu- in a cottage program. Mental Retardation, 2, 345-
dar o comportamento humano porque somos 351.
humanos – embora muitos dos que se opõem Gisiner, R., & Schusterman, R. J. (1992). Sequence,

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MURRAY SIDMAN

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Author Note 1 (omitted) should read:

This research was supported by US National Science Foundation Grants BNS8506724


and BNS 86–07517 and PHS Grant MH–37256. We thank the several undergraduates
who contributed to the conduct of this research. The data for Pigeons 70 and 72 were
included in a poster, ÒFree-choice preference in the pigeon: Some new explorations of
stimuli, parameters, and contingencies,Ó presented at the Association for Behavior Analysis,
Nashville, Tennessee, USA, May 1987. The first author may be contacted at: Department
of Psychology, University of Maryland, Baltimore County (UMBC), 1000 Hilltop Circle,
Baltimore, MD 21250 USA. Email: catania@umbc.edu.

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