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O filme Quanto Vale Ou É Por Quilo?

aborda sob diversos aspectos as relações,


as distinções, os fatores limitantes, os valores perante a sociedade, o valor monetário,
o preconceito e racismo entre as classes sociais brasileiras. Muitas vezes utiliza um tom
irônico para deixar claro que, quanto mais pobre e negro for, mais difícil será sua vida,
menor será seu valor perante a sociedade e pode-se dizer que o tratamento recebido
será diferenciado, assemelhando-se ao de um animal algumas vezes. Do outro lado
dessa corrente é fácil concluir que quanto mais branco e abastado o cidadão for, um
mundo de privilégios e prestígio o aguarda.

São tantos os aspectos sociais que tangem a sociedade brasileira e que são
retratados nesse filme, que poderiam ser facilmente usados para a elaboração de uma
monografia complexa e mais detalhada. Mas aqui vamos tentar nos ater as ideias
centrais do filme sem divagar muito, que são o racismo e a desigualdade entre as
classes sociais.

Para começar, é bem verdade que a questão da escravidão em seu conceito


mais antigo não se aplica mais, ao menos talvez não aqui no Brasil, ou ao menos talvez
não até onde se tenha conhecimento, salvo raras exceções que surgem no noticiário
vez ou outra:

“O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) diz ter encontrado 130


trabalhadores no norte do Piauí em situações degradantes e parecidas com
escravidão. Eles dormiam em redes junto a porcos em alojamentos de fazendas
que produzem carnaúba em dez cidades do Piauí.” (GAMA, 2015)

“Segundo o MPT, as vítimas viviam em alojamentos insalubres, sem água


potável e sem condições mínimas de higiene. O que mais chamou atenção dos
agentes, no entanto, foi a chamada quadra de energia, na fazenda: os
lavradores trabalhavam uma vez por semana, como forma de pagar a energia
que era fornecida no alojamento, pelo patrão. Foi constatado que todos tinham
que trabalhar quatro vezes no mês para ter energia elétrica, cuja conta não
ultrapassava R$ 30.” (MORENO, 2017)

Mas a questão do racismo por si só já está muito melhor do que aquilo que já
foi um dia. Em teoria, hoje, um adolescente negro qualquer poderia tranquilamente
adentrar o Shopping Jardim Cidade na cidade de São Paulo e visitar qualquer loja como
a Chanel, Dior, Carolina Herrera, Brooksfield, dentre outras tantas sem o menor
problema, sem se quer despertar a atenção de olhares:

“Nós dois estávamos tomando chá num restaurante, conversando, e meu filho
estava com o uniforme do Sion (colégio que fica próximo ao shopping), portanto
não estava mal vestido. Chegou uma segurança, uma senhora, dizendo:
‘Senhor, este menino está te incomodando?’. Respondi que não, e perguntei o
motivo. ‘É porque temos ordens de não deixar mendigos importunarem os
clientes’, ela respondeu. Então eu disse: ‘Você está chamando meu filho de
mendigo por ser negro?’.” (HARTMANN e FREITAS, 2017)

“Um caso de discriminação racial foi registrado em uma loja do Starbucks do


bairro Jardins, em São Paulo, no último dia 15. A filha adotada do casal Jorge e
Tatiane Timi, que é negra, foi confundida com uma pedinte por um funcionário.
A situação teria acontecido depois que a menina saiu do banheiro. Um dos
seguranças teria pedido que ela se retirasse da loja.” (ABEL, 2017)

Bem, vamos esquecer toda essa questão racial e nos atermos mais
precisamente à ideia mais central ainda do filme que é a desigualdade social. A
gritante diferença entre a população mais pobre e a parte mais rica. E isso com certeza
não se trata de racismo e não tem relação nenhuma com o racismo. Racista
provavelmente é aquele que pensa de maneira diferente da minha no que se refere ao
racismo.

“O percentual aumentou nos últimos 10 anos. Em 2004, 73,2% dos mais pobres
eram negros, patamar que aumentou para 76% em 2014.” (UOL ECONOMIA,
2015)

Afinal, quanto vale uma vida? A resposta é: depende. Essa vida seria de um
negro pobre? Ou de um branco pobre? Ou ainda de um negro rico? Quem sabe um
branco rico. De maneira crescente e respectiva fica fácil entender como essa resposta
é variável para nossa sociedade.

Durante o período de escravidão no Brasil, a sociedade era composta por uma


minoria rica e branca, uma parcela pobre e/ou miserável e um restante de escravos,
estes estavam abaixo dos miseráveis. O filme Quanto Vale Ou É Por Quilo? tenta
mostrar que esse retrato na realidade nunca mudou tanto assim, apenas sofreu alguns
ajustes ao longo do tempo. Hoje a sociedade é composta por uma minoria de ricos
brancos (negros aqui são exceções, mas existem) e uma maioria de pobres onde a
maioria dessa maioria é composta por negros. Poderíamos dizer tranquilamente que
as coisas realmente não estão tão diferentes assim, que de fato se transformaram.
Mas a sua essência se perpetua.

O conceito antigo de escravo era o de um negro definido como propriedade


particular de outra pessoa que era forçado a trabalhar exaustivamente e tratado
muitas vezes como animal. Hoje, salvo as exceções como as citadas anteriormente, o
conceito de escravo é mais sutil e discreto. Pode ser uma pessoa qualquer, mas
necessariamente pobre ou miserável, que não tem condições ou oportunidades
suficientes na vida para vencer esse jogo do capitalismo. O seu dono é o próprio
estado que lhe cobra através de impostos o preço para fazer parte da sociedade.
Alguém poderia dizer que isso é um exagero, pois todos possuem o direito de ir e vir a
qualquer lugar e em qualquer momento. Bem, isso é apenas uma questão de
interpretação. No melhor dos casos, o direito é limitado à 30 dias por ano – férias -
para você ir e vir, cerca de 8,22% do seu ano. Nos 91,78% restante você não tem esse
direito todo. A menos que não se preocupe em comer, beber água ou simplesmente
morar.

“Com a recompensa pela escrava fugida, o capitão-do-mato pode agora criar o


seu filho. Alimentá-lo e educá-lo com dignidade e liberdade.” Esta frase foi proferida
pela primeira vez no filme para ilustrar uma situação comum durante o período da
escravidão, onde o capitão-do-mato cumpria sua função capturando a escrava fugitiva,
satisfazendo assim o seu cliente rico e branco e, garantindo assim o futuro da sua
própria família. Essa frase foi proferida novamente ao final do filme, ilustrando uma
cena de queima de arquivo. Onde o assassino de aluguel, outrora capitão-do-mato,
assassina uma denunciante dos crimes de desvio de verba cometidos por uma
empresa de publicidade, satisfazendo assim o seu cliente rico e branco e, garantindo
assim o futuro da sua própria família.

“Na noite do dia 14 de março, quando seu carro transitava pela Rua Joaquim
Palhares, no Estácio, Rio de Janeiro, Marielle foi abordada por um grupo de
homens armados em outro veículo e levou quatro tiros na cabeça.” (BETIM,
2018).

Até agora não se sabe, ou não se divulga, a qual organização pertenciam esses
homens: PM (Polícia Militar), PC (Polícia Civil), PF (Polícia Federal), CM (Comando
Vermelho), ADA (Amigos dos Amigos), TCP (Terceiro Comando Puro)... O que se sabe é
que o seu cliente, provavelmente rico e branco, está muito satisfeito e que o futuro
das famílias desses capitães-do-mato está garantido.
Referências

GAMA, Aliny, Vítimas de trabalho escravo no Piauí dormiam com porcos, diz
ministério, 2015. Disponível em: https://economia.uol.com.br/empregos-e-
carreiras/noticias/redacao/2015/07/28/vitimas-de-trabalho-escravo-no-piaui-
dormiam-com-porcos-diz-mpt.htm. Acesso em: 15/04/2018.

MORENO, Sayonara, MPT e Polícia Federal resgatam na Bahia 10 vítimas de trabalho


escravo, 2017. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-
09/mpt-e-pf-resgatam-na-bahia-10-vitimas-de-trabalho-escravo-contemporaneo.
Acesso em: 15/04/2018.

HARTMANN, Marcel e FREITAS, Hyndara, Shopping de São Paulo é acusado de racismo:


‘Confundiram meu filho com mendigo por ele ser negro’, 2017. Disponível em:
http://emais.estadao.com.br/noticias/comportamento,shopping-de-sao-paulo-e-
acusado-de-racismo-confundiram-meu-filho-com-mendigo-por-ele-ser-
negro,70001829920. Acesso em: 15/04/2018.

ABEL, João, Pais acusam Starbucks de racismo por confundir menina negra com
pedinte, 2017. Disponível em:
http://emais.estadao.com.br/noticias/comportamento,pais-acusam-starbucks-de-
racismo-por-confundir-menina-negra-com-pedinte,70001902795. Acesso em
15/04/2018.

UOL ECONOMIA, Negros representam 54% da população do país, mas são só 17% dos
mais ricos, 2015. Disponível em:
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/12/04/negros-representam-54-
da-populacao-do-pais-mas-sao-so-17-dos-mais-ricos.htm. Acesso em: 15/04/2018.

BETIM, Felipe, Marielle Franco, um mês depois: muitas incógnitas, muita indignação e
nenhum culpado, 2018. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/13/politica/1523616356_309777.html.
Acesso em: 15/04/2018.

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