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Chão de Promessas, do professor e

historiador Pere Petit, revela-se leitura


extremamente agradável, abordando a
recente história económ ica, política e
regional da Am azónia brasileira. Em
suas páginas, o autor trata da economia
paraense ao longo do século X X , desde o
período da borracha até a instalação dos
Grandes Projetos, com maior destaque
para o período p ó s-19 6 4; dos jogos da
política paraense, particularmente sob a
égide da Ditadura M ilitar e da
República N ova, sem perder de vista as
vinculações entre o nacional e o
regional, embora enfatizando o aspecto
regional. Marabá, Sudeste do Pará, foi a
área escolhida pelo autor com o lócus de
sua investigação. N o presente trabalho,
o autor faz uma análise do discurso das
elites acerca da Região Am azônica,
incluindo aí o debate em torno da
propos.ta de criação do Estado de
Carajás. Pere Petit nos leva a refletir
sobre a realidade atual amazônica,
demonstrando a falsidade do antigo
chiste existente nas Ciências Sociais de
que a História não se ocupa do tempo
presente, tão-som ente do estudo do
passado.
Chão de Promessas, por estas e outras
razões apontadas no prefácio do
professor Roberto Santos, além daquelas
que os leitores podem indicar, desponta
com o livro de referência para novos
estudos, adquirindo a condição de
clássico, ao lado de outras importantes
obras sobre a Am azónia.

José Maia B. Neto


1
Chão de Promessas
Elites Políticas e Transformações Económicas
no Estado do Pará pós-1 964
Coleção Açaí

Coordenação:
José Alves Júnior

Conselho Editorial:
Aldrin Moura de Figueiredo
Ernani Chaves
Guttemberg Guerra
José Alves Júnior
Maria Luzia Alvares

Títulos Lançados:

Belém: riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1912).


Maria de Nazaré Sarges

O Pão Nosso de Cada Dia. Trabalhadores, Indústria da Panificação e a Legislação


Trabalhista em Belém (1940-1954).
Edilza Fontes

Próximos Títulos:

Memórias do Velho Intendente. António Lemos (1869-1973)


Maria de Nazaré Sarges.

Saias, Laços e Ligas. Uma história da participação política-partidária das mulheres.


Maria Luzia Alvares.
Chão de Promessas
Elites Políticas e Transformações Económicas
no Estado do Pará pós-1 964
Copyright © 2003 by Pere Petit

Editoração Eletrônica:
Antonio C. S. Gomes Jr.
Cláudio M. V. Serra

Capa:
Antonio C. S. Gomes Jr. e Cláudio Serra,
sobre afoto de Alfredo Ri^utti.

Revisão:
Lui%F. Branco

Impressão:
Alves Gráfica e Editora

Catalogação na fonte do
Departamento Nacional do Livro

P489c

Petit, Pere
Chão de promessas: elites políticas e transformações
económicas no estado do Pará p ós-1964 / Pere Petit -
Belém: Paka-Tatu, 2003.
352 p.; (Açaí)

• ISBN 85-87945-18-1

1. Pará - Política e governo 2. Pará História. 3. Elites


(Ciências Sociais) - Pará. I. Título. II. Série (Açaí)

CDD: 981.15

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora Paka-Tatu Ltda.
Rua Oliveira Belo 386, Salas 0 6 /0 7 /0 8
Umarizal, CEP 66050-380
Belém-PA - Brasil
Telefone/Fax: (91) 212-1063 Fone: (91) 212-7308
E-mail: paka-tatu@amazon.com.br
A Telma Saraiva, e para ás suas e
minhas filhas, Samaila Caxiuaná,
Isis Maialen e Luana Gabriela.
Sumário

Agradecimentos................................................................... 9
»
Prefácio.............................................................................. 11

Lista de Mapas...................................................................15

Lista de Tabelas................................................................. 17

Lista de Abreviaturas........................................................ 19

Introdução ......................................................................... 23

O Pará na época das grandes transformações


sócio-econômicas na Amazónia: da criação da
Sudam ao “Ciclo do Minério”......................................... 49

1. O “Ciclo da Borracha” (1850-1912) ..................51


2. Da fase do declínio económico à fase de
crescimento moderado (1912-1966) ........................59
3. Da SPEVEA à Sudam ..........................................64
4. O “Ciclo do Minério” ............................................. 97

Elites políticas, partidos e eleições no Pará


durante o Regime Militar e no período da
Nova República............................................................... 123

1. A influência do “baratismo” nas disputas


políticas no Pará após a Revolução de 1 9 3 0 ........ 126
2. A “Revolução de 1964” no Pará........................ 133
3. As eleições de 1982: a vitória do P M D B ......... 158
4. Conclui-se a transição política: os eleitores
elegem o presidente da República..................... . 163
Município de Marabá: oligarquias,
fazendeiros, posseiros e Grandes Projetos.................. 185

1. O núcleo urbano de Marabá na época


da borracha............................................................... 186
2. O “mundo da política” ........................................ 197
3. Marabá na época das grandes
transformações.......................................................... 202
4. Auge e decadência da família Mutran............. . .2 1 3

Economia, política e discursos


regionalistas no Pará......................................................249

1. Discursos regionalistas na época do


Regime M ilitar.......................................................... 256
2. A união assume o controle das terras
do Pará ...................................................................... 266
3. Os discursos “regional-progressistas” e os
cientistas sociais paraenses ...................................... 269
4. A Teoria da Dependência e as contradições
do discurso regionalista............................................ 275
5. Criticas ao “centro” ou “imperialismo
paulista” ..................................................................... 282
6. Discursos nos tempos do PMDB e da
Nova República ......................................................... 290
7. A proposta de criação do Estado de
Carajás e do Estado do Tapajós..............................298

Considerações Finais.......................................................319

Créditos das Ilustrações................................................. 325

Bibliografia. 327
Agradecimentos

A tese de doutoramento, cujos resultados apresento neste


livro, não teria sido iniciada e, menos ainda, concluída, sem o apoio
de diversas instituições e pessoas. Entre elas, desejo agradecer espe­
cialmente ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), pelo apoio financeiro concedido para realizar
os créditos do doutorado e o desenvolvimento da pesquisa. Sou
também muito grato à Universidade Federal do Pará (UFPA) pela
ajuda recebida para poder realizar, em 1997, trabalho de campo
no município de Marabá. Desejo agradecer também aqui aos pro­
fessores Osvaldo Coggiola e Wilson Barbosa, pelo interesse em que
eu conseguisse iniciar meus estudos no Departamento de História
Económica da USP A Tereza Furtado, em São Paulo, por ter
tentado resolver alguns dos problemas burocrático-acadêmicos da
minha relação com a USP agradecimento que desejo estender aos
funcionários da Secretaria de Pós-Graduação do Departamento de
História da USP especialmente a Oswaldo Medeiros.
De inestimável ajuda para a conclusão da tese foram al­
guns professores e alunos do Departamento de História da UFPA
com os quais tive a oportunidade de discutir alguns dos temas da
História da Amazónia e da História do Pará presentes neste tra­
balho. Entre eles, desejo agradecer especialmente as leituras aten­
tas e criteriosas do texto realizadas pelo professor do Departa­
mento de História da UFPA, Geraldo Coelho, e pela jornalista
* /
Ana del Aguila. Agradecimentos que faço extensivos à socióloga
Tereza Furtado, ao historiador Rafael Chanbouleyron e à antro­
póloga Sara Alonso, sem cuja colaboração e carinho não teria
concluído a versão final da tese. Desejo agradecer também ao
professor Roberto Santos pelas palavras com as quais apresenta
este livro e pelas sugestões jurídicas, políticas e linguísticas feitas à
versão preliminar do texto, gratidão que faço extensiva ao histori­
ador e editor José Maia Bezerra Neto.

9
Prefácio

Depois do seu excelente trabalho sobre a história do Partido


dos Trabalhadores - em verdade, a dissertação de mestrado que
defendeu na Universidade Central da Venezuela (Petit, 1996) -
Pere Petit Penarrocha nos oferece Chão de Promessas, sua tese
de doutorado em História Económica, aprovada em 1998 na
Universidade de 5ão Paulo, dentro da conceituada Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Curiosidade, inteligência viva, solidariedade com o objeto
de estudo são, em qualquer ordem, qualidades que não podem
faltar ao bom pesquisador de ciências humanas. /Is obras de Pere
P etit denunciam a p resen ça dessas três qualidades,
harmoniosamente combinadas, o que lhe permitiu, em poucos anos
após a chegada â Amazónia brasileira e fixação no Pará, acumular
sob re ambos um bom cabedal de inform ações históricas,
geográficas, económico-sociais e políticas; e, em particular,
desenvolver a partir daí um saber próprio, resultante dum
acompanhamento dos fatos permanentemente interessado nos
destinos das populações locais.
A chave metodológica desse saber é o estudo das estruturas
de poder, encaradas na tríplice perspectiva política, económica e
territorial. Em suas mãos, a história não é apenas uma coleção de
fatos privada de significado, e sim uma parte do drama humano
reconstruído e peculiarmente situado conforme as regiões em que
se desenvolve.
Petit se inspira, sem servilismo, numa sociologia das classes
de cunho gramsciano, mas refundida ou adaptada às necessidades
do contato dire to com atores sociais concretos, localizados em
seus sítios reais (amazónicos) de luta pela vida, de competição,
cooperação, de confronto e até de m orte. Daí p or que os
comentários geográficos mostram-se sumários, prendendo-se mais
â observação de relações económicas e comerciais ou de luta pela

11
terra entre atores, do que â descrição detalhada de sistemas
naturais, ou artificiais - de abastecimento, de transporte etc. É a
dimensão social que lhe interessa na análise geográfica, e ele a
encontra numa geografia pós-clássica, que lança raízes no
pensamento do grande e saudoso geógrafo brasileiro Milton Santos
(e indiretamente no de Max Sorre).
Ao contrário da maioria dos historiadores, que constroem
suas historiografias a partir da perspectiva das elites políticas e
económicas - simplificadamente, os "grupos dirigentes” - Pere
Petit começou seus trabalhos de História da Amazónia tomando
como protagonistas os ‘‘grupos sociais subalternos" (Gramsci,
Cadernos do Cárcere, V-25), ou melhor, uma pequena fração
deles que, na época dos primeiros contatos do autor, bem se poderia
chamar um “grupo de resistência". Foi a ele que dedicou sua
dissertação de mestrado, A Esperança Equilibrista: A trajetória
do PT no Pará. Tratou esse grupo e sua liderança política - sem
esquecer os membros da Igreja Católica ligados ou próximos â
Teologia da Libertação - com a paciência e a dedicação metódicas
de um bom analista. Pareceu-me manter ao longo daquele trabalho
uma posição imparcial entre as várias facções que compunham o
partido, em equilíbrio delicado e muitas vezes â beira'do
rompimento recíproco. Apesar disso, o grupo, em conjunto, é
visto pelo autor como portador de um dinamismo utópico único
na região, com tendência a tornar-se o "herói" (não arrisca a
dizer se vitorioso ou não) do drama regional.
Já Chão de Promessas concentra seu interesse sobre as
elites dirigente do Pará, constituindo mais um passo na compreensão
da sociedade regional. Primeiramente, desenha, em largos traços,
um panorama da evolução do sistema económico da Amazónia,
de meados do séc. X IX ao último quartel do séc. XX. Trata-se de
um pano de fundo no qual o autor destaca as atividades económicas
principais em que, no seu entender, as elites locais e, por fim, as
extra-regionais exerceram sua dominância, como a exportação
da borracha, a de castanha-do-pará e ultimamente a de minérios.

12
Começa no Capítulo 2 o estudo das práticas das elites -
conceito que Petit retrabalha com base na teoria das elites, de
Norberto Bobbio e outros pensadores. Sua finalidade é “analisar o
cenário político paraense, dando prioridade ao estudos das instituições
políticas (estruturas de governo de tipo formal-legal [...]), das
práticas das principais lideranças políticas - especialmente daquelas
que assumiram responsabilidades de governo - e partidos políticos
paraenses", mas ele expande a análise até os pleitos eleitorais
para sentir o resultado das disputas, entre as próprias elites
políticas, pelo controle do Executivo estadual, Prefeituras,
Assembléia Legislativa e Câmaras Municipais, e para também
clarear, com isso, um dos principais mecanismos de “seleção de
elites relevantes", a que se refere Renato Lessa.
Tais propósitos, que ocupam todo o resto do Capítulo 2,
assumem substância no capítulo seguinte, quando o autor se detém
na análise do município de Marabá, escolhido com sucesso para
“estudo de caso". Há muito a região do Tocantins e especificamente
a castanha-do-pará têm fascinado estudiosos da Amazónia Oriental,
inclusive paraenses, como Catharina V Dias (1947), A. Tupiassu
e N. V C. Oliveira (1967) e Marília Emmi (1987, 1999). Petit
não fugiu ao fascínio, de modo que seu livro revisita longamente o
processo de consolidação do poder económico e político das
oligarquias familiares do Tocantins, sua evolução e sobretudo suas
transformações até nossos dias.
Outro ponto de interesse da obra é a análise crítica do discurso
de algumas "personalidades da Amazónia” (capítulo 4). Para
apreender o caráter dessas comunicações - de governantes,
empresários e, mesmo, de alguns intelectuais - Petit as descreve
como componentes do objeto da investigação histórica, cujo propósito
é referenciar as declarações como práticas sociais e, portanto, no
cenário das oposições típicas (de classe, de região/nação ou de
classe/região). Como todos os enunciados linguísticos a partir de
certa dimensão, os discursos públicos pretendem transmitir (ou
ocultar) as idéias do orador, por vezes sua visão de mundo e projetos
de ação, diante de um auditório específico. E possível, pois, a partir

13
do confronto da retórica do orador com o real que ele produz, ou
pelo qual se deixa arrastar, esboçar um roteiro de significados de
*

seus discursos políticos, delinear suas preferências ideológicas e


seus traços de personalidade política e caráter.
Para facilidade de análise, Petit classifica os discursos em
grupos e subgrupos: “o regionalista" (da época do Regime Militar),
o de “intelectuais regional-progressistas", os "antiimperialistas
internos" (intelectuais amazônicos contra a suposta ou real
“dominação" paulista) etc. Acrescenta os grupos de discursos
“separatistas”, que lutam pela autonomização de um Estado de
Carajás (sede, Marabá), de um Estado do Tapajós (sede, Santarém)
e um do discurso “unitarista”, pela manutenção do sistema unitário
atual. Tais grupos e subgrupos são examinados, com os respectivos
argumentos, e criticados.
O mínimo com que se pode recepcionar um autor, cuja
integridade e qualidade foram indiscutivelmente provadas pela
produção anterior, é ler e discutir seu novo trabalho.

Roberto Santos

14
Lista de Mapas

Distribuição da População Rural e Urbana (1960) ... 115

Amazónia Legal (Mapa do Ministério do Interior/

Sudam, 1 9 7 1 )................................................................ 116

Amazónia Legal - Delimitação Político-

Administrativa Atual....................................................... 117

Traçado das rodovias Transamazônica;

Cuiabá-Santarém e Belém-Brasília.............................. 118

Mapa da Região de Marabá.......................................... 119

Mapa Ilustrado da Macroregião de Barcarena.......... 120

Mapa da Cidade de Marabá (1984).............................238

Carajás no Brasil............................................................247

15
Lista de Tabelas

Tabela 1: População aproximada do Pará,


Região Norte e Brasil: <1872-1940..........................................54
Tabela 2: Amazónia: renda interna - 1880-1969.................. 61
Tabela 3: Amazónia Legal:
principais produtos exportados - 1960-1962-1964............... 64
Tabela 4: Terras devolutas vendidas pelo Governo
do Pará a grandes proprietários: 1924-1976........................ 74
Tabela 5: Estado do Pará: população total,
urbana „e rural (1960-1991)..................................................... 89
Tabela 6: Projetos aprovados por setores e Unidades da
Federação: valor dos investimentos totais
período 1964-1967.................................................................... 93
Tabela 7: Estabelecimentos industriais e número de
operários no Estádo do Pará (1940-1988)............................ 94
Tabela 8: Participação relativa dos principais produtos
exportados pelo Pará: 1975-1980-1985-1989................... 100
Tabela 9: Principais produtos das exportações paraenses
(1991-1993-1995). ................................................................. 101
Tabela 10: Estado do Pará: população economicamente
ativa e porcentagens PEA e PIB segundo setores
económicos - 1970-1980........................................................ 103
Tabela 11: População recenseada na Região Norte:
1960-1991................................................................................ 104
Tabela 12: População do Pará, Região Norte e
Brasil: 1950-1991................................................................... 104
Tabela 13: Deputados federais paraenses eleitos
segundo sigla partidária (1945-1962)...................................132
Tabela 14: Representação partidária na Assembléia
Legislativa paraense (1947-1962).......................... !..............133
Tabela 15: Composição da Câmara Federal por regiões
segundo legenda partidária: 1970-1974............................... 149

17
Tabela 16: Composição da Câmara Federal por regiões
segundo legenda partidária: 1978........................................ 151
Tabela 17: Número de deputados estaduais do Pará
segundo legenda partidária: 1966-1978............................. 152
Tabela 18: Legenda partidária: deputados federais eleitos
pelo Estado do Pará: 1966-1978.......................................... 153
Tabela 19: Região Norte: número de deputados federais
por partido e Estado: 1974-1978......................................... 154
Tabela 20: Resultados no 2o turno das eleições
presidencias de 1989............................................................... 164
Tabela 21: Representação partidária na Assembléia
Legislativa paraense: 1982-1996...........................................170
Tabela 22: Candidatos com maior número de votos
nas eleições presidenciais de 1994........................................173
Tabela 23: Município de Marabá: produção de caucho
e castanha - 1913-1926..........................................................190
Tabela 24: Município de Marabá, propriedades rurais
segundo atividade económica: 1985...................................... 205
Tabela 25: Marabá, população total,
urbana e rural: 1 9 4 0 -1 9 9 5 ..................................................207
Tabela 26: Número de conflitos agrários (1980-1990)......211
Tabela 27: Número de mortes decorrentes dos conflitos
agrários no Brasil e no Pará (1971-1993).......................... 212
Tabela 28: Jurisdição das terras do Estado
do Pará (1987)......................................................................... 268
Lista de Abreviaturas

AP: Ação Popular


ARENA: Aliança Renovadora Nacional
BASA: Banco da Amazónia S /A
BCB: Banco de Crédito da Borracha
BRASTEC: Sociedade Brasileira de Serviços Técnicos e Econó­
micos Limitada
CDP: Coligação Democrática Paraense
CEPAL: Comissão Económica para a América Latina e o Caribe
CGT: Gomando Geral dos Trabalhadores
CIS: Comissão de Investigação Sumária
CNRA: Campanha Nacional de Reforma Agrária
CONTAG: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPT: Comissão Pastoral da Terra
CUT: Central Única dos Trabalhadores
CVRD: Companhia Vale do Rio Doce
EUA: Estados Unidos da América
/
FASE: Federação de Orgãos para Assistência Social e Educacional
FBP: Frente Brasil Popular
FETAGRI: Federação dos Trabalhadores na Agricultura
FNS: Fundação Nacional de Saúde
FPNP: Frente Popular Novo Pará
FUNRURAL. Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
/
FUP: Frente Unica Paraense
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDESP: Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará
INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPAR: Instituto de Pastoral Regional (Regional Norte II)
LEC: Liga Eleitoral Católica ,
MDB: Movimento Democrático Brasileiro
MDP: Movimento Democrático Paraense
MIRAD: Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário
MR-8: Movimento Revolucionário 8 de outubro
MRN: Mineração Rio do Norte
MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PC: Partido Comunista
PCB: Partido Comunista Brasileiro
PCdoB: Partido Comunista do Brasil
PDA: Plano de Desenvolvimento da Amazónia
PDC: Partido Democrata Cristão
PDC: Partido Democrático Cristão
PDS: Partido Democrático Sociál
PDT: Partido Democrático Trabalhista
PEA: População Economicamente Ativa
PFL: Partido da Frente Liberal
PGC: Programa Grande Carajás
PIB: Produto Interno Bruto
PIN: Plano de Integração Nacional
PL: Partido Liberal
PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PND: Plano Nacional de Desenvolvimento
PNRA: Plano Nacional de Reforma Agrária
PO LA M A ZÔ N IA : Program a de P ó lo s A gropecu á rios
Agrominerais
PP: Partido Popular
PP: Partido Progressista
PPB: Partido Progressista Brasileiro
PPP: Partido Popular do Pará
PPR: Partido Progressista Reformador
PPR: Partido Progressista Renovador
PPS: Partido Popular Sindicalista
PPS: Partido Popular Socialista
PRC: Partido Comunista Revolucionário
PRF: Partido Republicano Federal
PRN: Partido de Reconstrução Nacional
PRP: Partido de Representação Popular
PSB: Partido Socialista Brasileiro
PSD: Partido Social Democrático
PSDB: Partido Social Democrata Brasileiro
PSP: Partido Social Progressista
PST: Partido Social Trabalhista
PSTU: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
PT: Partido dos Trabalhadores
PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
PTR: Partido Trabalhista Renovador
PV: Partido Verde
RIDA: Reunião de Incentivo ao Desenvolvimento da Amazónia
SEMTA: Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para
a Amazónia
SPVEA:- Superintendência do Plano de Valorização Económica
da Amazónia
STR: Sindicato dos Trabalhadores Rurais
SUDAM: Superintendência para o Desenvolvimento da Amazónia
SUDENE: Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
TRE: Tribunal Regional Eleitoral
UDN: União Democrática Nacional
UDR: União Democrática Ruralista
UFPA: Universidade Federal do Pará
Introdução

Com o estudo que ora apresento, tese de doutoramento no


Departamento de História Económica da Universidade de São
Paulo (USP), intitulacfa Território, Política e Economia: Elites
Políticas e Transformações Económicas no Estado do Pará pós-
1964 (defendida em 1998), pretendi dar continuidade a meus
trabalhos anteriores focalizados no mesmo território político-ad-
ministrativo do Brasil, o Estado do Pará. O primeiro foi uma
dissertação de mestrado em História da América Contemporânea
(Universidade Central da Venezuela-UCV), que teve como princi­
pal objêtivo estudar as práticas políticas dos setores progressistas
da Igreja Católica, movimentos sociais, sindicatos e organizações
ou partidos de esquerda e a participação de alguns dos seus mem­
bros na formação e trajetória do Partido dos Trabalhadores no
Pará.1 O segundo intitula-se Uma Aproximação â Economia do
Estado do Pará, à sua Vida Política e aos Estudos de História
Regional no Brasil, e foi escrito em 1993 como trabalho final da
disciplina Problemas na Expansão da Sociedade Industrial, minis­
trada pelo professor Wilson Barbosa, no programa de pós-gradu-
ação em História da USP.
As importantes mudanças sócio-económicas ocorridas na
Amazónia brasileira a partir da década de 1960, influenciadas,
em grande medida, pela intervenção de diferentes instituições da
Administração Federal e pelo interesse nas riquezas da floresta e
do subsolo da região por parte de grupos económicos brasileiros e
internacionais, têm merecido crescente atenção por parte de cien­
tistas sociais nacionais e estrangeiros. A maioria das pesquisas,
realizadas sobretudo desde finais dos anos 1970 até inícios dos
90, centra-se no impacto produzido na Amazónia pela abertura
das novas rodovias, pela implementação dos denojninados gran­
des projetos minero-hidrelétricos e pelas lutas pela terra entre as
diferentes frentes de expansão agrícola na “área de fronteira”

23
(latifundiários, colonos e posseiros) e camponeses e povos indíge­
nas da região.2
São escassos, porém, os trabalhos que destinaram sua
atenção à análise das práticas políticas das elites locais, partidos
políticos, movimentos sociais e sindicais. Menos numerosos ain­
da, são aqueles que se preocuparam em indagar sobre a maior
ou menor participação, nesse processo de mudanças sócio-eco-
nômicas, dos governos estaduais e municipais da Região Norte
e, portanto, sobre as práticas dos diferentes atores políticos que
assumiram os cargos de prefeito e governador. Contribuir para
a análise dessas questões no Estado do Pará é um dos objetivos a
que se propõe este Livro. Trata-se, também, de mostrar que
uma das con sequ ên cia s do m odelo de desenvolvim ento
implementado na Amazónia pela cúpula das Forças Armadas e
pelos tecnocratas das diferentes instituições da Administração
Federal, no período do Regime Militar, foi o enfraquecimento do
poder político e da capacidade econômico-administrativa dos go­
vernos estaduais e prefeituras da região, os quais exerceram
escassa influência na sua implementação e, no máximo, atua-
ram como meros atores coadjuvantes.
Esse enfraquecimento foi, certamente, favorecido pelas mu­
danças políticas ocorridas nesse período no país que influíram
decisivamente no próprio cenário político paraense, sobretudo ao
assumirem, no período de junho de 1964 até março de 1971, o
cargo de governador do Pará dois militares que tiveram destaca­
da participação na organização do golpe de estado que afastaria
João Goulart da Presidência da República: Jarbas Passarinho e
Alacid Nunes. Ambos, disputando entre si o controle do partido no
poder (Arena), converteram-se, até início dos anos 80, nas princi­
pais lideranças políticas do Pará e preocuparam-se, em sua ação
de governo, mais propriamente em implementar as diretrizes da
“Revolução”, que em favorecer os interesses dos diferentes grupos
ou classes sociais paraenses. Com a vitória do candidato do PMDB,
Jader Barbalho, nas eleições para governador de 1982, abria-se
um novo período político no Pará, agora sob a supremacia das
lideranças do novo partido no poder (PMDB), especialmente dos
êx-governadores Jader Barbalho, Hélio Gueiros e Almir Gabriel.
O regime militar nascido em 1964 não representa, em
essência, uma mudança radical no modelo económico nacional-
desenvolvimentista dos anos cinquenta, especialmente em relação
ao período de Juscelino Kubitschek na Presidência da República,
embora fosse incrementada a participação de capitais estrangei­
ros e empresas multinacionais na economia nacional e aumentado
a desigualdade na distribuição da riqueza e da renda per capita no
país. Entretanto, com relação à Amazónia, embora tenham sido
elaborados planos de desenvolvimento económ ico a serem
implementados na região e, alguns deles, postos em prática antes
da implementação do Regime Militar em 1964, foi a partir de
1966, após a criação da Superintendência do Desenvolvimento da
Amazónia (SUDAM) e do Banco da Amazónia S /A (BASA), que
se intensificaram as ações da Administração Federal na região.
Essa intervenção modificaria substancialmente a forma de ocupa­
ção e utilização económica do território e aceleraria o processo
de expansão das relações capitalistas na Amazónia e sua articula­
ção ao mercado nacional e, sob novas formas e produtos, ao
mercado internacional..
Alguns dos principais instrumentos de intervenção da Admi­
nistração Federal na Amazónia foram: a) a política de incentivos
fiscais destinados a favorecer a instalação de novas indústrias e,
sobretudo, a ocupar grandes extensões de terra por fazendas
agropecuárias; b) os projetos de colonização das áreas próximas à
Transamazônica; c) os investimentos direcionados a extrair, benefi­
ciar e transportar as riquezas minerais descobertas no Pará na
década de 60 e nos anos posteriores. Essas atividades minerais pro­
vocaram uma mudança radical no volume e no valor total das ex­
portações paraenses nos anos 1980, sobretudo a partir de meados
dessa década ao iniciar-se a exportação, através da Estrada de Fer­
ro Carajás-Ponta da Madeira (São Luís do Maranhão), do minério
procedente de Carajás. Nos anos 90, esses empreendimentos con­
verteram o Pará no Estado brasileiro-que maior volume de minério
exporta e, esse setor, no item principal do PIB paraense. À análi­
se das mudanças económicas ocorridas no Pará a partir dos anos
60 será destinado o primeiro capítulo da tese. No segundo capítulo
tratarei das práticas das elites políticas paraenses, especialmente as
que assumiram responsabilidades de governo apôs o golpe de esta­
do de 1964. Esta divisão, nessa ordem - Economia e Política -
está justificada simplesmente por motivos analíticos e narrativos.
No desenvolvimento da pesquisa, com o intuito de exami­
nar, em âmbito local, um dos municípios paraenses no qual maior
impacto tiveram as mudanças sócio-econômicas ocorridas na
Amazónia nas últimas décadas, comparativamente com outros
municípios dessa mesma região brasileira, dei prioridade ao estu­
do dessas mudanças e das práticas das elites políticas de Marabá,
principal município da Região Sudeste do Pará. Entre essas mu­
danças pode-se destacar aquelas decorrentes da descoberta das
jazidas minerais na Serra dos Carajás, área então pertencente ao
município de Marabá, da chegada de milhares de trabalhadores
rurais de outros Estados do país, principalmente do Nordeste, e
de novos fazendeiros que se apropriaram de milhares de hectares
de terra de Marabá e de outros municípios do Sudeste do Pará.
Surgem, assim, novos atores sociais (camponeses e fazendeiros)
que disputaram entre si, e também com as tradicionais famílias
oligárquicas (as quais controlavam, entre outras atividades econó­
micas, a coleta e a comercialização da castanha), pelo uso e o
controle da terra. Esses são fatores relevantes para tentar com­
preender por que Marabá e os outros municípios do Sudeste do
Pará seriam, desde início dos anos 1980, o cenário do maior
número de conflitos agrários e de assassinatos de trabalhadores
rurais ocorridos no Brasil.
O quarto e último capítulo destina-se a examinar os discur­
sos de governadores e outros membros da elite política local, em­
presários, intelectuais e outros atores sociais paraenses que exer­
ceram notável influência na construção de diferentes discursos
regionalistas no Pará, fossem pró-amazônidas ou, segundo mo­
mento e circunstâncias, pró-paraenses. Produzidos com objetivos
diferenciados ou não, esses diSctrrsos são de interesse para exami­
nar como alguns desses atores se posicionaram a respeito das
transformações sócio-econômicas ocorridas na Amazónia nas úl­
timas décadas e sobre a intervenção da Administração Federal na
região e a própria influência que exerceu, em seus discursos -
interpretados como práticas sociais as mudanças no cenário
político nacional e estadual durante o Regime Militar e nos anos
transcorridos da Nova República.

* * *

Estou consciente de que os objetivos de pesquisa definidos


acima como prioritários poderiam ter-se convertido, cada um de­
les, num campo próprio de estudo, o que, sem dúvida, permitiria
um maior aprofundamento do tema escolhido. Entretanto, ao op­
tar por tentar fazer uma análise mais abrangente das mudanças
sócio-econômicas e práticas políticas no Estado do Pará durante o
Regime Militar e os anos transcorridos da Nova República, e ao
avaliar também, como estudo de caso que considero exemplar, o
município de Marabá, objetivei, antes de tudo, examinar a inter-
relação entre território, mudanças económicas e práticas políti­
cas. Pretendo, assim, contribuir para os denominados estudos de
História Regional e Local, obviamente, sempre restringindo mi­
nhas pretensões teóricas e de pesquisa aos temas ao recorte do
tempo histórico e territórios político-administrativos enunciados e
tentando escapar aos predeterminismos analíticos, sejam geográ­
fico-climáticos, economicistas ou politicistas.
Entendidos os fenómenos políticos e económicos, não como
planos ou sistemas autónomos, mas como elementos da totalidade
social, tentei avaliar como os chamados “fatos” económicos e os
políticos se inter-relacionam no decorrer histórico, isto é, no con­
texto geral no qual determinadas escolhas e ações são realizadas e
influenciam as transformações do todo social.3 Tenho’ consciência,
entretanto, de que não é uma tarefa simples desvendar quando
mudanças na estrutura económica são fundamentais para poder

97
interpretar determinadas práticas políticas e quando acontecimentos
políticos, sobretudo nos momentos conjunturais, convertem-se no
fator-chave para a compreensão da situação histórica e, portanto,
de decisões no plano económico e outras práticas dos diversos
atores envolvidos.4 Vejamos, a esse respeito, as reflexões do histo­
riador catalão Josep Fontana:

“La articulation de la economia con la ideologia o la


política es distinta en cada uno de estos planos, y las
regias que hay que aplicar para interpretaria no pueden
ser las mismas. Sin olvidar que estos planos no son
independientes (...), sino que se imbrican y potencian.
Por otra parte, en todos estos niveles existen otros nexos
que corren del terreno de lo ideológico y de lo político al
de la evolución económica. ”'5

Mesmo que boa parte das críticas” aos enfoques econo-


micistas tenham sido dirigidas à produção científico-política de
Karl Marx e à de alguns dos seus seguidores, considero pertinente
pára o assunto aqui tratado, citar, sem pretender discutir agora o
maior ou menor determinismo do enfoque marxista, um texto de
Luiz Augusto Faria em defesa de Marx:

“Ora, o que Marx quis dizer é que os homens fazem a


história dentro de condições predeterminadas. Essas
condições são aquelas legadas das ações de outros ho­
mens que os precederam. Diante delas, são feitas esco­
lhas que vão definir o sentido da evolução histórica.
Que escolhas serão feitas vai depender de quais dos
membros da coletividade humana têm o poder de fa­
zer as escolhas que devem ser seguidas pelos demais e
da visão do mundo desses homens, que lhes vai indicar
quais dentre as possibilidades dadas pelas condições do
momento devem ser as opções preferenciais (...). As
situações históricas são, pois, o resultado dessas ações

28
humanas. O equívoco do determinismo é exatamente o
de tomar causa por efeito.”6

Ao reiterar minha vontade de evitar cair em qualquer tipo


de análise reducionista dos fenómenos sociais, não pretendo negar
a existência de determiriações, mas enfatizar que o problema está
em reconhecer quando umas ou outras (por exemplo, económicas
ou políticas) são mais marcantes para a compreensão das trans­
formações ocorridas num determinado país, região, estado ou
município. Neste sentido, também considero de interesse reprodu­
zir as palavras da socióloga paraense Marília Emmi: “Procuro
fugir todavia de uma interpretação simplista segundo a qual toda
mudança política ou ideológica particular seria reflexo direto e
imediato de transformações económicas parciais, divirjo também
das análises de mão única entre o económico e o político, como se
aquele influísse neste sem a possível reciprocidade” 7
Nos últimos anos têm-se revitalizado os estudos de história
política - ou o que seria denominado por alguns autores como o
retorno da História Política -, influenciados, entre muitos outros
fatores, pelos debates estabelecidos entre as diversas disciplinas
nas quais se subdividem as ciências sociais. Isto ocorreu tanto no
México e no Brasil, como nos centros académicos e de pesquisa
existentes nos EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Itália, os
quais, a despeito das suas diferenças (inclusive no seio de cada um
desses países), continuam sendo as principais referências da pro­
dução científica (e não somente na área de ciências humanas ou
sociais) dos países latino-americanos.8
Esse retorno à história política não pressupõe um retorno
aos velhos postulados positivistas que priorizaram em seus estudos
a análise do papel do Estado e dos “grandes personagens” na
história nacional. Alguns dos novos historiadores ou cientistas so­
ciais que assinalam a importância dos fenómenos políticos, tam­
bém criticam aos precursores da Escola dos Annales por negligen­
ciarem, em seus trabalhos (talvez como reação à preponderância
do estudo dos fenómenos políticos na historiografia positivista), a

29
análise desse tipo de fenómeno. Mas, como assinala Peter Burke,
ainda que essa crítica talvez fosse mais pertinente a respeito de
Lucien Febvre: “Seria difícil sustentar esse argumento no caso de
Marc Bloch (...). Os medievalistas dos Annales estão longe de
rejeitar a história política, mesmo quando dedicam maior atenção
a outros temas” .9 Seja como for, o fato é que a história política
foi relegada, por um bom tempo, a um plano secundário por boa
parte dos historiadores vinculados ou próximos à Escola dos Annales
até finais dos anos 60. A partir de então, na França, e com ante­
rioridade nos Estados Unidos da América e Grã-Bretanha, uma
história política rejuvenescida, renovada,]0 contribuiria para que,
na “periferia” (leia-se aqui, além dos latino-americanos, também
outros países europeus), aumentasse o número de investigações
destinadas a desvendar as práticas políticas. Agora, não apenas
focalizando o fenómeno do Estado e/ou da Nação, mas também as
destinadas a examinar as práticas políticas de setores das classes
populares e ao resgate, em oposição à “historiografia oficial”, da,
talvez mal denominada, “história dos vencidos”; e a respeito da
história de partidos políticos, processos eleitorais, movimentos soci­
ais e sindicatos.

* * *

Entre os estudos dos teóricos marxistas que aprofundaram


o conhecimento dos fenómenos regionais, cabe destacar alguns
dos escritos de Antonio Gramsci destinados a desvendar a Questão
Meridional na Itália. Um dos aspectos de maior interesse que nos
fornece a obra do fundador e dirigente do Partido Comunista
Italiano (PCI) para os estudos de História Regional está aquele
em que Gramsci vislumbra as regiões como cenário da disputa
pela hegemonia entre diferentes classes sociais que, para ele, eram
de fundamental importância para a compreensão. das diferenças
no desenvolvimento sócio-econômico dos diferentes territórios re­
gionais e para a própria compreensão das disputas inter-regionais
no processo de constituição da Itália como Estado-Nação. Para

30
Gramsci a existência de diferentes realidades regionais era tam­
bém decorrente do desigual desenvolvimento, em cada uma delas,
como parte integrante de uma determinada e histórica formação
sócio-econômica, do modo de produção capitalista." Num texto,
escrito em 1926 pelos dirigentes do PCI, António Gramsci e
Palmiro Togliatti, que seçia conhecido como as leses de Lyon,
pode-se ler:

“As relações entre a indústria e a agricultura que são


essenciais para a vida económica de um país e para a
determinação das superestruturas políticas têm, na Itá­
lia, uma base territorial. No Norte a produção e a
população agrícolas estão concentradas em alguns gran­
des centros. Por conseguinte, todos os contrastes ine­
rentes à estrutura social do país contêm um elemento
que diz respeito à unidade do Estado [...]. Os grupos
dirigentes burgueses e agrários procuram a solução
deste problema através de um compromisso [...]. O
compromisso que permite salvar a unidade é tal que,
por outro lado, agrava a situação. Ele coloca as popu­
lações trabalhadoras do Mezzogiorno em uma posição
análoga à dos povos colonizados. A grande indústria
do Norte representa em relação a elas o papel das
metrópoles capitalistas: os grandes proprietários ru­
rais e a própria média burguesia meridional tomam
uma posição comparável à das categorias que, nas co­
lónias, se aliam à metrópole para manter dependente
a massa do povo trabalhador.” 12

A crescente influência dos escritos e conceitos gramscianos,


os da denominada Escola de Geografia Crítica e corrente mar­
xista do pensamento geográfico, “aqui entendidos como todos os
que abriram combate às formulações da geografia tradicional e
da nova geografia” 13, e, além de outros autores e/ou aborda­
gens teóricas, os estudos da Comissão Económica para a Améri­

31
ca Latina e o Caribe (Cepal) e os da corrente da Teoria da
Dependência, favoreceram, em alguns países latino-americanos,
sobretudo no Brasil, o surgimento de novas perspectivas para os
estudos inseridos na perspectiva metodológica denominada de
História Local e História Regional.
Com o intuito de avaliar as ações dos homens ao longo do
tempo - temporalidade - num determinado espaço - espacialidade
-, os geógrafos marxistas ou críticos, tentando superar a tradici­
onal utilização do conceito espaço como sinónimo de região natu­
ral, deram prioridade em seus estudos à análise das atividades
humanas nele desenvolvidas.14 Afinal, embora a Geografia Tradi­
cional avaliasse a relação homem-natureza, como assinalou Rosa
Maria Silveira, “pelo peso atribuído às condições naturais na cons­
tituição da vida social”, seus pressupostos escamoteavam a rela­
ção dos homens entre si, sendo o “elemento humano” mais um
“componente da paisagem”.15
Por serem usados às vezes como sinónimos, considero per­
tinente, para os fins deste texto, assinalar as diferenças que exis­
tem entre os conceitos de espaço e território. Milton Santos, por
exemplo, assinala que o espaço “não pode ser apenas formado
pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo
conjunto nos dá a Natureza. O espaço é tudo isso, mais a socieda­
de” ,16 já o território, que “etimologicamente deriva da palavra
latina terra ou tirou, significando terra pertencente a alguém”,17
está vinculado à apropriação, controle ou domínio exercido numa
determinada área “quer se faça referência ao poder público, esta­
tal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus
tentáculos por grandes áreas territoriais”.18
Assim, os recortes do território que fixam as fronteiras
entre países e, também, os limites regionais e divisões político-
administrativas internas dos Estados-Nação, têm que ser vistos
como construções sociais e não como produto dá Natureza. Afi­
nal, quem determina que partes são incluídas ou excluídas dos
diversos recortes do território, “não é o espaço, mas sim o tempo,
a história”.19 Fronteiras que foram definidas, fixadas, modificadas

32
ou anuladas (leia-se destruídas), resultado, por motivações ou inte­
resses diversos, de disputas políticas ocorridas ao longo do tempo,
experiência vivida recentemente em alguns países do Leste Europeu
com a criação de novos Estados-Nação e de novas divisões regionais
ou provinciais em muitos desses “velhos” ou “novos” países.
Entretanto, admitir *que não são as características naturais
que determinam os diferentes recortes do território não pressupõe
negar que os fatores geográfico-climáticos não exerçam qualquer
influência no momento de legitimar ou fazer real o que também
fora construído. Pois, ainda que não sejam elementos geográficos os
que nos ajudariam a explicar, por exemplo, as atuais fronteiras do
Brasil com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia,
Venezuela e as Guianas, não podemos desconhecer que na negocia­
ção da delimitação dessas ou anteriores fronteiras, desde o Tratado
de Tordesilhas, assinado por “Espanha” (leia-se pelos reinos de Castela
e Aragão) e Portugal, em 1494, um dos principais critérios utiliza­
dos para sustentar uma ou outra definição desses limites foram os
geográficos. Nesse sentido, já no início dos anos c30, Araújo Lima,
em sua obra intitulada Amazónia: a Terra e o Homem, sem negar a
influência do meio geográfico na evolução da humanidade, mas cri­
ticando o determinismo geográfico de Ratzel,20 assinalava que,

“Se é imprudente recusar em absoluto a ação do meio


natural, temerário é certamente exagerá-la, aceitan­
do-a como um imperativo a prefigurar a história, re­
ger-lhe o curso e determinar-lhe os acontecimentos [...].
Não há uma força cega e brutal, impulsionada por
fatal determinismo; mas, em função do “complexo or-
ganismo-meio e por consequência de suas interações,
processa-se o trabalho biológico e social de adaptação.
Os excessos de doutrina derivaram de conceber-se o
meio como exclusivo elemento ativo, admitindo a pas­
sividade do homem ante as implacáveis ações naturais
[...]. A natureza não jaz imutável: modifica-se sob a
atividade humana.”21
Quando me refiro a que os recortes do território são o
resultado de escolhas e práticas sociais, como também o são as
propostas dirigidas a alterá-las, isso não pressupõe negar a eficá­
cia simbólica da sua “existência real” para os atores sociais que se
consideram parte integrante delas, seja pela História (“inventada”
ou não), no tempo presente ou pela vontade de instituir novas fron­
teiras. Pois, como assinala Pierre Bourdieu: “[...] logo que a ques­
tão regional ou nacional é objetivamente posta na realidade social
[...], qualquer enunciado sobre a região funciona como um argu­
mento que contribui [.:.] para favorecer ou desfavorecer o acesso
da região ao reconhecimento e, por este meio, à existência”.22
Os processos de construção das regiões de um país e suas
específicas singularidades económicas, políticas ou culturais não
podem ser interpretados corretamente à margem da Formação
Sócio-Econômica e, também, Espacial (como Milton Santos, um
dos mais reconhecidos geógrafos brasileiros vinculado, até o início
dos anos oitenta, à corrente da Geografia Crítica, gostaria de ver
ampliado esse conceito desenvolvido por Karl Marx) na qual esses
diversos recortes do território se inserem,23 sem esquecer, porém,
que cada um deles mantém uma relação específica com outros
espaços da totalidade mundo, que configuram, por exemplo, a
divisão internacional do trabalho. Há relações económicas entre
algumas regiões com o mercado internacional que, num determi­
nado momento histórico, podem ser de maior importância que as
estabelecidas com outras regiões ou estados do mesmo país, em
decorrência da expansão espacialmente desigual do sistema capi­
talista; veja-se, por exemplo, a Amazónia brasileira durante o
ciclo da borracha e o atual “ciclo do minério” no Estado do Pará.
Através dos enfoques aqui resumidos, considero que pode­
mos tentar situar melhor como foram sendo definidas ou altera­
das, no Brasil, as fronteiras que fixaram os limites formais entre
os diferentes estados e municípios e aqueles entre as cinco
macrorregiões hoje existentes no país (Norte, Nordeste, Centro-
Oeste, Sudeste e Sul). Essa perspectiva também nos será útil para
tentar compreender por que foram criadas outras divisões do ter­

34
ritório nacional, entre elas, as destinadas a ordenar a intervenção
económica da Administração Federal nas áreas de atuação da
Sudam, Sudene e Programa Grande Carajás (PGC), cujos limi­
tes diferem dos recortes político-administrativos e também
macrorregionais do território nacional.
Ao ser o Brasil, como fora definido desde a Constituição de
1891, uma federação de estados e não de regiões, são três as
estruturas que assumem distintas competências para atuar sobre
o território: a União, os Estados e os Municípios, cada uma delas
com suas estruturas político-administrativas específicas e divisão
de poderes: presidente da República, governo federal, Congresso
Nacional: governadores, executivos estaduais e assembléias
legislativas; prefeitos, governos municipais; e câmaras municipais.
O sistema político e eleitoral brasileiro organiza-se também com
base nessas divisões, favorecendo, assim, que Estados e Municípi­
os sejam os principais âmbitos de atuação político-eleitoral dos
brasileiros, como eleitores, ou como candidatos. Portanto, quan­
do defino Marabá ou Belém e o Estado do Pará como territórios
político-administrativos, quero destacar que é nessa divisão e não,
por exemplo, na Região Norte ou Amazónia Legal, que se mostra
com clareza a indiscutível relação entre território e práticas políti­
cas, isto é, como “espaço legal de ação política de elites, grupos de
interesse e classes sociais”,24 ao serem esses os lugares onde basica­
mente se definem “as alianças, lealdades e competições políticas”.25

* * *

As confusões existentes a respeito dos conceitos espaço,


região e território político-administrativo são trasladadas ao que
pode ser incluído ou excluído dos denominados estudos de História
Regional. De fato, existem trabalhos inseridos nessa perspectiva
metodológica que tanto se referem a uma macrorregião, ou ao
território de um ou vários estados ou às subdivisões' regionais no
seio deles, por exemplo, as mesorregiões ou m icrorregiões
estabelecidas no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

35
Estatística (IBGE). Contudo, e ainda que consídere de funda­
mental importâncief distinguir o que são divisões político-admi-
nistrativas do território (Regiões, Estados e Municípios), com
outras diferenciações “oficiais” ou não do espaço, do ponto de
vista estritamente metodológico não considero que seja proble­
mático pretender incluir no âmbito dos denominados estudos de
História Regional, quando for relevante, esse recorte do territó­
rio, a história de um ou vários estados ou municípios brasileiros,
ainda que sempre com o intuito de diferenciar esse tipo de estudo
dos de História Nacional.
Um dos principais interesses dos trabalhos de História Re­
gional, seja qual for o recorte do espaço ou do território escolhido
pelos diferentes autores, é que eles fornecem, como assinala a
historiadora Vera Silva, elementos insubstituíveis para estudos
comparativos.26 Trata-se de comparar aspectos similares entre
regiões de um mesmo país ou entre regiões de diferentes países,
pois, ainda que possa ser útil tentar estabelecer um “diálogo”
entre a historiografia nacional e a regional ou local, isso não
prgssupõe que seja correto tentar comparar uma região com o
todo nacional.27 Afinal, uma das principais, ou óbvias, diferencia­
ções entre História Regional (por exemplo, História da Amazónia
brasileira ou História do Estado do Pará) e a História Nacional (a
História do Brasil, por exemplo), é que esta última tende a ressal­
tar as semelhanças do todo nacional, sendo uma das suas preocu­
pações, explícitas ou implícitas, tentar diferenciar a história de
um determinado país da história de outros Estados-Nação, o que,
por sua vez, faz emergirem outros problemas metodológicos para
os cientistas sociais que dão prioridade em suas pesquisas a esse
tipo de recorte da realidade mundo. São matizes com os quais
não pretendo entrar na disputa por outras perspectivas
metodológicas e, menos ainda, diminuir o interesse das mesmas
para o conhecimento do todo social, aquilo qué, na maioria das
universidades do país, é definido (no currículo escolar) como His­
tória do Brasil ou História Geral da Civilização Brasileira.28 Por­
tanto, como assinala Vera Silva:
“O regionalismo justifica-se como uma entre outras
perspectivas possíveis de análise da economia, da soci­
edade e da política. Não exclui e nem se opõe a outros
enfoques de estudo. Nem é melhor ou pior que outros
métodos de abordagem da História.”29

Entretanto, os estudos de História Regional também po­


dem contribuir para uma melhor compreensão da História Naci­
onal, até porque, como escreveu Jorge Balán, comentando um
dos trabalhos de Simon Schwartzman: “ [...] não é apenas que a
análise dos subsistemas regionais forneça uma melhor’ compre­
ensão dos sistema nacional, mas, também, que o sistema nacio­
nal não pode ser entendido de maneira adequada sem seus com­
ponentes regionais”.'30
As considerações anteriores permitem, agora, tentar dis­
cutir alguns dos problemas que podem ser detectados nos estu­
dos de História Regional e também nos de História Local. Entre
estes podem ser apontados os trabalhos que não aprofundam as
especificidades das diferentes regiões ou territórios político-ad-
ministrativos escolhidos como objeto de pesquisa, tratando-os
apenas, como avaliou a historiadora Rosa Maria Silveira, como
mero reflexo de recortes espaciais mais amplos.31 O finalismo ou
ponto de chegada dessas “histórias regionais” seria a construção
do Estado-Nação. Assim, a “ [...] História de um determinado
Estado ou província repete os acontecimentos da história do Es­
tado brasileiro ou o que se pensa que seja a História do Estado
brasileiro, que se irradia dos seus centros de decisão” .32 Um
exemplo paradigmático desse tipo de produção a respeito do
Estado do Pará e do Estado do Amazonas é a obra do historia­
dor Arthur Cézar Ferreira Reis. Citemos, entre os inúmeros
trabalhos escritos por ele, nos quais poder-se-ia ver reproduzidas
idéias similares, apenas um exemplo, extraído do livro intitulado
Síntese da História do Pará, cuja primeira edição’ foi publicada
em 1942:
“O Pará tem uma história rica, farta em lances e epi­
sódios que a definem como das mais invulgares na his­
tória nacional, pois a contribuição paraense para o
processo de criação do Brasil é, realmente, uma con­
tribuição cheia de maior interesse e com aspetos parti­
culares expressivos. Em nenhum momento o Pará es*
teve ausente no plano da formação nacional par­
ticipação intensa no quadro dos acontecimentos que
significam o Brasil como empresa dos brasileiros.”33

A perspectiva de situar ãs histórias regionais caminhando


na construção do Estado-Nação foi predominante, como assinalou
o sociólogo Luiz Roberto Targa, na historiografia clássica brasi­
leira, sejam as regionais, seja a nacional.34 Porém, nos últimos
anos, tem aumentado o número de pesquisas que, focalizando seus
trabalhos no âmbito regional, estadual ou local, com o objetivo de
examinar suas “singularidades” ou “particularidades”, não inse­
rem seu objeto de estudo na totalidade à qual esses territórios
estão integrados. Sem desmerecer os resultados alcançados pelos
autores que centram suas pesquisas nessa perspectiva analítica,
sobretudo pela sua (explícita ou implícita) vontade de evitar que o
“nacional” anule a compreensão do “regional” e, portanto, das
diferenças entre regiões ou estados do território nacional, não se
pode deixar de mencionar que esse tipo de enfoque dificulta a
própria compreensão da história regional, estadual ou local. Sem
dúvida, é uma história que estuda a região, mas a converte numa
espécie de “microcosmo que se basta e se auto-explica”,35 apare­
cendo, assim, “descoladas do processo histórico brasileiro”.36 No
mesmo sentido, o economista Wilson Cano, autor que destinou
boa parte das suas investigações ao estudo das transformações
económicas em diversas regiões do país, especialmente as ocorri­
das no Estado de São Paulo, escreve:

“Embora já exista maior conscientização sobre a ques­


tão regional brasileira, persistem algumas interpreta­

38
ções equivocadas que retardam o correto entendimen­
to desse fenómeno [...]. Deve-se lembrar que, infeliz­
mente, é raro o trabalho ou estudo que apresente uma
visão integrada do fenómeno regional, inserido na di­
nâmica social de toda a nação. Esse erro, o de ver
compartimentadamente o problema, tem conduzido o
debate, em alguns casos, a uma verdadeira disputa
entre Estados’ .”37

* * *

A escolha das diferentes fontes que são utilizadas, por


historiadores ou outros cientistas sociais, está influenciada ou
condicionada, obviamente, pela temática, enfoque, corte históri­
co, objetivos e pelas condições (acesso às fontes, tempo etc.) nas
quais o pesquisador desenvolve seu trabalho. Nesse sentido, de­
sejo mencionar que o enfoque metodológico que inspirou minha
investigação, além das considerações feitas acima, baseou-se numa
espécie de diálogo comparativo (análise cruzada, nos diria Paul
Thompson) entre as fontes secundárias (livros, artigos), as fon­
tes primárias (documentais, hemerográficas) e fontes orais. Afi­
nal, ainda que qualquer método possa ser útil para nos aproxi­
mar do real histórico com maior fidelidade, não se pode esque­
cer os pertinentes comentários de Paul Thompson em A Voz do
Passado:

“Todas elas [as fontes] são falíveis e sujeitas a viés, e


cada uma delas possui força variável em situações di­
ferentes. Em alguns contextos, a evidência oral é o que
há de melhor; em outros, ela é suplementar, ou com­
plementar, à de outras fontes.”38

Na mesma obra, Paul Thompson alerta quanto ao viés


potencial de qualquer fonte utilizada pelos historiadores, mencio­
nando, entretanto, a escassa discussão que existe entre os cientis­

39
tas sociais quando se trata de questionar as fontes escritas, dife­
rentemente do que acontece a respeito das fontes orais. O histori­
ador, para reconstruir o passado, deve perguntar-se também como
o documento passou a existir inicialmente, quem foi exatamente
seu autor e qual foi seu objetivo ao escrevê-lo.
Estou consciente de que um dos problemas com os quais
nos defrontamos, os pesquisadores que trabalhamos com momen­
tos históricos muito próximos aos dos nossos dias, sobretudo os
que tentamos compreender as práticas políticas dos indivíduos,
especialmente a das elites políticas, é o fato de que boa parte dos
nossos atores continua ativa, em maior ou menor grau, no cená­
rio político. E compreensível, portanto, que os estudos das práti­
cas políticas baseadas em fontes orais e também os trabalhos
inseridos na perspectiva metodológica da análise do discurso te­
nham sido questionados quanto à sua pretensa cientificidade/obje-
tividade.39 Como já mencionei na dissertação de mestrado, alguns
dos atores políticos entrevistados avaliavam sua participação na
História como expressão coerente de sua evolução política, en­
quanto outros faziam uma autocrítica de sua ação política anteri­
or. Em ambos os casos, considerava e, ainda considero, que suas
palavras tentavam justificar as posições políticas assumidas na
ocasião do depoimento. Como nos diz Pierre Bourdieu:

“[...] os homens políticos, diretamente implicados no


jogo, portanto diretamente interessados e percebidos
como tais, são imediatamente percebidos como juizes
e partes, logo, sempre suspeitos de produzirem inter­
pretações interessadas, enviesadas e, por isso mesmo,
desacreditadas.”40

Algumas das repercussões provocadas pela publicação do


livro A Esperança Equilibrista: A Trajetória do P T no Pará, têm
provocado determinadas mudanças na relação pesquisador-
pesquisado, isto é, com os atores políticos que entrevistei ou tentei
entrevistar com a finalidade de concluir a tese de doutorado.41

40
Alguns deles não esconderam sua preocupação em que se gravasse
a entrevista; outros, entretanto, mostraram não somente grande
interesse em ser entrevistados, mas, até, se esforçavam em orien­
tar, além das minhas perguntas, suas respostas como se estives­
sem fazendo um discurso para seus clientes políticos.42 Desejo
também informar aqui qtTe o trabalho de história oral foi prejudi­
cado pela mudança na data final para a conclusão da tese e tam­
bém pelo início de uma nova campanha eleitoral na qual a maio­
ria dos atores políticos que eu pretendia entrevistar, concretamen-
te os ex-governadores do Pará que exerceram seus mandatos a
partir de 1960, estavam nela envolvidos.
Vários são os problemas com os quais me defrontei ao
trabalhar-com fontes oficiais, sobretudo quando procurava levan­
tar dados sócio-econômicos e demográficos do Pará ou de outros
Estados da Região Norte, seja porque não estão atualizados, seja
por serem pouco confiáveis. Mostra disso são as informações con­
traditórias fornecidas sobre um mesmo assunto por diferentes ór­
gãos públicos e, até, pelo mesmo órgão.43 Tais situações me fazem
questionar não somente a veracidade das informações, mas tam­
bém as possíveis manipulações das mesmas, além de advertir para
o fato de que os diferentes dados fornecidos ao longo do texto
devem ser interpretados com a devida cautela. Uma das mais
claras mostras da disputa pelos números é o questionamento que
fazem algumas prefeituras e governos estaduais sobre os dados
dos recenseamentos do IBGE, considerando que os mesmos não
refletem o número real do total de habitantes, objeções que não
são, certamente, de pouca importância. Uns ou outros dados de­
terminarão o aumento ou diminuição percentual das verbas que
cada um dos respectivos governos (estaduais e municipais) recebe­
rá da União, já que, como é conhecido, são verbas distribuídas
pelo governo federal, com o acordo formal do Congresso Nacio­
nal (mas, nem sempre na prática), a partir de dados fornecidos
pelo IBGE. '
Notas

1A dissertação de mestrado foi publicada em 1996 pela Editora Boitempo (São


Paulo), em co-edição com o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universida­
de Federal do Pará (NAEA-UFPA), sob o título de A Esperança Equilibrista: A
Trajetória do P T no Pará.
2 Nos últimos anos as preocupações dos diferentes cientistas sociais que estudam
a Amazónia brasileira diversificaram os temas a serem pesquisados. Por exemplo,
os destinados a desvendar os impactos sociais e culturais e econômico-ecológicos
do modelo de modernização económica implementado, considerado não somen­
te destruidor do meio ambiente, mas também desestruturador do modo de vida
das populações tradicionais da região: ribeirinhos, povos indígenas, caboclos,
seringueiros, pescadores. O interesse nessas populações, vistas como baluartes
da preservação, para nós e para as futuras gerações, da excepcional diversidade
da flora e da fauna amazônica, tem servido para popularizar os conceitos de
desenvolvimento ou manejo sustentado, que hoje alimentam não apenas os dis­
cursos dos ambieiUalistas ou ecologistas e da maioria dos cientistas da região,
mas, também, da maioria dos candidatos a cargo eletivo majoritário (governador,
senador ou prefeito) que aspire a ter chances de vencer um pleito eleitoral.
3 Defino como atividade económica aquela destinada à obtenção e uso de deter­
minados bens materiais, e relações económicas, as práticas destinadas a regular
como esses bens serão produzidos, acumulados e distribuídos. Relações econó­
micas entre os homens que são, portanto, também relações de poder, nas quais
está em jogo a forma como esses bens serão usados. Ainda que o concèito do
político não seja muitas vezes explicitado ou seja utilizado de forma diferenciada
por diversos cientistas sociais (segundo paradigmas teóricos e, até, ou sobretudo,
em decorrência das diferentes áreas de especialização nas quais se dividem e
subdividem as ciências sociais), a utilização que faço desse conceito está orientada
para a análise das práticas direcionadas a manter, ampliar ou modificar determi­
nadas parcelas de podér num determinado sistema político, grupo ou instituição,
entre outras entidades nas quais a sociedade se organiza. Sendo, pois, uma das
práticas sociais que os homens e mulheres desenvolvem ao longo da sua vida,
talvez seja importante distinguir também entre o que poderia ser definido como
relações de poder e relações de autoridade. São vislumbradas, as primeiras, com
a ajuda do especialista em antropologia política, Ronald Cohen, como a “capaci­
dade para influenciar o comportamento de outros e /o u lograr influência sobre o
controle das ações valoradas” (R. Cohen, "El sistema político”, 1979, p. 34), e
as de autoridade (por exemplo, a exercida por presidentes, governadores, prefei­
tos, juizes, chefes de instituições religiosas, líderes de partidos políticos, sindica­
tos, chefes de família etc.), como poder socialmente legitimado, no qual o “supe­
rior tem um direito reconhecido a uma quantidade de poder sobre os subordina­
dos” (idem, ibidem). Mas, reiteramos, tanto uns (os superiores), como os outros

42
(os subordinados), podem tentar, através da luta política, modificar essas relações
de poder.
4 Seguindo os cientistas políticos Gildo Marçal Bezerra Brandão e Eli Diniz,
defino as conjunturas com o momentos de inflexão, “nos quais tendências desi­
guais, distintas ou contrapostas provenientes do desenvolvimento anterior atin­
gem um ponto crítico, criando a base para una nova participação de trajetos”
(G. M. B. Brandão, Partido jOomunistã, Capitalismo e Democracia: Um estudo
sobre a génese e o papel político da esquerda brasileira, 1992, p. 17), mas
sempre situando as diferentes conjunturas como momentos específicos de uma
problemática mais geral, considerados portanto, em sua “conexão com o passado
recente ou com tendências de mais longo prazo" (E. Diniz, “Reflexões sobre
análise de conjuntura”, 1991, p. 2). Assim, cada “conjuntura tem a sua
especificidade, mas se insere numa cadeia de fatos e de processos que lhe dão
significado, ou por revelarem linhas de continuidade ou, ao contrário, pontos de
ruptura” (idem: 2-55). Isto é, como também escrevera o historiador francês Pierre
Vilar: “No sentido mais geral, a conjuntura’ é o conjunto das condições articula­
das entre se que caracterizam um momento no movimento geral de la matéria
histórica. En este sentido, se trata de todas las condiciones, tanto das psicológi­
cas, políticas e sociais como das económicas" (R Vilar, Iniciación a/ vocabulário
del análisis histórico, 1981, p. 81).
5 Josep Fontana, Cambio Económico y Actitudes Políticas, 1975, p. 7-8.
(i Luiz Augusto Estrella Faria, “A Economia Política, seu Método e a Teoria da
Regulação”, 1992, p. 285-6. A respeito das contribuições de Marx à análise dos
fenómenos políticos, ver a instigante obra de John M. Maguire, M arxysua Teoria
de Ia Política, 1984.
' Marília Emmi, A Oligarquia do Tocantins e o Domínio dos Castanhais, 1988, p. 8.
HSobre o retorno da história política, veja-se de Vavy Pacheco Borges, “ História
e Política: Laços permanentes” (1 9 9 1 /1 9 9 2 ), e "História Política: Totalidade e
Imaginário” (1996); Peter Burke (org.), 'Abertura: A nova história, seu passado
e seu futuro” , em P Burke, A Escrita da Ilistória: Novas Perspectivas, especial­
mente as páginas 10-11 e 3 2-37 (1992); Aspásia Camargo, “História Oral e
História Política” (1994); Marieta de Moraes Ferreira, “A nova 'velha história’ : O
retorno da História Política” (1992); Jacques Julliard, “A política” (1976); e
René Remond (org.), Por uma História Política (1996).
9 Cf. Peter Burke, A Escola dos Annales, 1991, p. 100-101. François Dosse
compartilha com Peter Burke as críticas a Lucien Febvre, mas as estende também
a Marc Bloch. Segundo Dosse, ao dar prioridade aos aspectos económicos e
sociais, Bloch também rejeitava o aspecto político (F Dosse, História em Miga­
lhas, 1992, p. 5). Entretanto, Dosse cita duas passagens de um trabalho de
Lucien Febve que são exemplares para mostrar que o percurso intelectual não
deixa de ser um caminho cheio de contradições. Escreve Lucien Febvre: “Em
cada período da história, é a estrutura económica da sociedade que, ao determi-

43
nar as formas políticas, comanda também os costumes sociais e até a direção
geral do pensamento e até a orientação das forças espirituais” (L. Febvre, Pour
une histoire à part entièrfe, p. 3 64 -3 6 5 ; apud¥. Dosse, op. c/f., p. 95). Porém,
a seguir, referindo-se à polémica desatada por Max Weber a respeito da relação
entre o processo de Reforma da Igreja Católica e o desenvolvimento do capitalis­
mo em alguns países europeus, Lucien Febvre, escreve: "A Reforma, filha do
capitalismo ou, ao contrário, o capitalismo fruto da reforma: não, mil vezes não.
É preciso substituir o dogmatismo dessa interpretação tão simples, da seguinte
forma: é necessário ressaltar a jovem noção de interdependência dos fenómenos”
(F Dosse, op. cit., p. 95).
10 Vavy Pacheco Borges, “História e Política: Laços permanentes", 1 9 9 1 /1 9 9 2 ,
P. 7.
11 Ver, a respeito dos assuntos tratados neste parágrafo, os livros de Antonio
Gramsci, La cuestión meridional (1978) e Os Intelectuais e a Organização da
Cultura (1989).
12António Gramsci e Palmiro Togliatti, “A situação italiana e as tarefas do PCI”,
1980, p. 6.
IS Cf. Wagner Costa Ribeiro, “O marxismo na geografia brasileira", 1996: 151.
14 A respeito dos trabalhos de alguns dos geógrafos brasileiros que se vincularam
à corrente marxista do pensamento geográfico e /o u à Eçcola da Geografia Críti­
ca, ver, por exemplo, Milton Santos, Por uma Geografia Nova: Da Crítica da
Geografia a uma Geografia Crítica (1978); a coletânea organizada por esse mes­
mo autor intitulada, Novos Rumos da Geografia Brasileira (1996); Wagner Costa
Ribeiro, “O marxismo na geografia brasileira” (1996); e Armando Corrêa da
Silva, Geografia e Lugar Social (1991).
10 Rosa Maria Godoy Silveira, “Região e História: Questão de M étodo” , 1990,
p. 20-21.
10 Milton Santos, Espaço e Método, 1992, p. 1.
17 Roberto Lobato Corrêa, “Territorialidade e corporação: um exemplo” , 1996,
p. 251.
18 Idem, ibidem.
IH Pierre Bourdieu, O Poder Simbólico, 1989, p. 115.
20 Araújo Lima refere-se ao naturalista Friedrich Ratzel, que em 1882 publicou o
primeiro volume da sua obra intitulada Antropogeografia. Segundo Araújo Lima,
Ratzel concebia a terra como um suporte rígido que “regula os destinos dos
povos” . Para Lima, as idéias de Ratzel favoreceram interpretações de um
“determinismo geográfico, brutal e cego” (Araújo Lima, Amazónia: a Terra e o
Homem, 3 a edição 1945, pp. 19-20). No mesmo livro, Lima, após prosseguir
suas críticas aos deterministas geográficos, faz também uma lúcida avaliação dos
autores que pretendiam explicar, em geral tentando sustentar suas teses em estu­
dos antropológicos, as diferentes sociedades humanas a partir da relação entre
raça e história. Isto é, através do preconceito de desigualdades das raças, median­

44
te o qual se pretendia “firmar a importância da pureza racial como determinante
dos estados de civilização mais adiantados", admitindo, assim, “no mesmo momen­
to histórico a coexistência de raças superiores e inferiores” (idem, ibidem, p. 42).
21 Idem, p. 31 e 34-35.
22 P. Bourdieu, op. cit., p. 120.
23 Tenho consciência dos inúmeros debates e não poucas confusões que o concei­
to de Formação Económico-Social tem provocado ao ser vinculado, ao conceito
de totalidade (que alguns preferem também definir como sinónimo de país) e ao
de Modo de Produção (forças produtivas e relações sociais de produção, distri­
buição e consumo). Sem desconsiderar os riscos de tentar naturalizar o conceito
de Formação Econômico-Social-Espacial, isto é, fazê-lo existir como se se tratas­
se de uma estrutura real em vez de referência analítica, considero pertinente
servir-me da noção de espaço-tempo (espaço social historicamente definido) tra­
balhada por Milton Santos, no intuito de diferenciar os modos de produção (por
exemplo, o capitalista) e o que se decidiu chamar de formação social. Partindo da
definição segundo a qual modo de produção, formação econômico-social e espa­
ço são categorias interdependentes, Milton Santos assinala que: “Os modos de
produção escrevem a História no tempo, as formações sociais escrevem-na no
espaço [...]. A história da formação social é aquela da superposição de formas
criadas pela sucessão de modos de produção, da sua complexificação sobre seu
território espacial [...]. Um Estado-Nação é uma Formação Sócio-Econômi-
ca. Um Estado-Nação é uma totalidade. Assim, a unidade geográfica ou espacial
de estudo é o Estado-Nação" (M. Santos, Espaço e Sociedade: Ensaios, 1982,
p. 15 e 28).
24 Vera Alice Cardoso Silva, "Regionalismo: O Enfoque Metodológico e a Con­
cepção Histórica”, 1990, p. 46.
25 Iná Castro, “ Política e território: Evidências da prática regionalista no Brasil” ,
1989, p. 389.
28 Vera Alice Cardoso Silva, op. cit., p. 46.
27 Ver, a esse respeito, as pertinentes reflexões de Luiz Roberto Pecoits Targa,
“Comentário sobre a utilização do método comparativo em análise regional” , 1991.
28 Seria interessante aprofundar o conhecimento do histórico escolar das univer­
sidades na área de Ciências I lumanas e Sociais, sobre a maior importância conce­
dida ao conhecimento da História do Brasil em detrimento da História Regional.
No departamento de História da UFPA, por exemplo, são quatro os semestres
destinados à primeira dessas disciplinas e dois ao estudo da História da Amazó­
nia, sem nenhuma disciplina destinada formalmente ao conhecimento da História
do Pará, geralmente incluída nas disciplinas Amazônia-I e Amazônia-II. Sem dú­
vida, a prioridade dada a uns ou outros temas e períodos da História não foi e
nem é inocente, como tampouco o seriam suas mudanças. ’
29 Vera Alice Cardoso Silva, op. cit., p. 43.

45
30 Jorge Balán (org.), Centro e Periferia no Desenvolvimento Brasileiro, 1974,
p. 21.
31 Rosa Maria Godoy Silveira , op. tit., p. 23.
32 Idem.
33 Arthur Cézar Ferreira Reis, Síntese da História do Pará, 1972, p. XVII.
34 Luiz Roberto Pecoits Targa, op. tit., p. 270.
33 Sandra Jatay Pesavento, “História regional e transformação social ”, 1990,
p. 70 e 72.
36 Rosa Maria Godoy Silveira, op. tit., p. 23.
37 Wilson Cano, Desequilíbrios Regionais e Concentração Industrial no Brasil:
1930-1979, 1985, p. 21.
38 Paul Thompson, A Voz do Passado, 1992, p. 176. No mesmo sentido, Aspásia
Camargo escreve: “ Toda fonte, em principio, é provida de objetividade, mas é
também um fator de desconfiança e, evidentemente, pode ser um indutor do
equívoco" (A. Camargo, “História Oral e História Política ”, 1994, p. 78).
39 A respeito do recurso metodológico da análise do discurso ver as primeiras
páginas do Capítulo IV deste livro.
40 Pierre Bourdieu, op. cit., p. 55. Ver também, a esse respeito, as pertinentes
reflexões de Aspásia Camargo, “Os usos da História Oral e da História de Vida:
Trabalhando com Elites Políticas” (1984), especialmente as páginas 13-14.
41 Entre elas é de se destacar a utilização de algumas páginas do livro por parte de
Ramiro Bentes (PDT), candidato à Prefeitura de Belém nas últimas eleições
municipais (1996), durante o último debate eleitoral realizado dois dias antes do
segurtdo turno das eleições, com o intuito de mostrar que o candidato do PT,
Edmilson Rodrigues, hoje prefeito de Belém, “é e sempre foi um comunista revo­
lucionário”. A segunda delas, quando membros da Igreja Católica de Gurupá e o
bispo da prelazia do Xingu, dom Erwin Krautler, exigiram de José Vicente de
Paula (Zé Vicente), ex-prefeito de Gurupá durante o Regime Militar, que se retra­
tasse publicamente das acusações feitas por ele contra o setor progressista da
Igreja Católica que foram reproduzidas no meu livro. Zé Vicente não somente fez
questão de reafirmar o depoimento que me deu, mas também fez questão de
ampliar suas acusações e críticas às práticas políticas dos católicos afinados com
a Teologia da Libertação nas sessões da Câmara Municipal convocadas, por pro­
posição dos vereadores do PT, para discutir “esse importante assunto” . Em res­
posta, o bispo cumpriu a ameaça de processar Zé Vicente por difamação e hoje o
processo corre na Justiça.
42 Experiência no uso da história oral que tentei sistematizar no trabalho intitulado
Fontes Orais e Elites Políticas Paraenses, apresentado no IV Encontro Nacional
de História Oral (Recife, 11-14 de novembro de 1997).
43 Por exemplo, o município de Marabá, segundo dados do IBGE, em 1994,
tinha 1 41.436 habitantes, porém, para a Fundação Nacional de Saúde (FNS) o
total de habitantes, nesse mesmo ano, era de 148.291. Em São Geraldo do

46
Araguaia, para o IBGE, os residentes no município somavam, em 1995, 4 3 .8 3 2
pessoas e, segundo a FNS, apenas 32.251 (Cf. Haroldo Costa Bezerra, Parecer
da Relatoria Adjunta da Região de Carajás, Comissão Especial de Estudos das
Possibilidades Económicas e Administrativas de Emancipação das Sub-Regiões
Tapajós e Carajás, 1995). São também notáveis as divergências existentes entre
muitos dos dados do IBGE e os fornecidos pelo Instituto de Desenvolvimento
Económico Social do Pará (IDESP), por exemplo sobre a População Economi­
camente Ativa (PEA) do Estado do Pará e, portanto, também sobre o total de
pessoas que são incluídas num ou outro setor económico.
O Pará na época das grandes
transformações sõcio-económicas na Amazonia:
da criação da Sudam ao “Ciclo do Minério”

Introdução

O estudo da evolução económica do sistema capitalista,


vinculando-o às diferentes fases da revolução tecnológica-industri-
al, é geralmente feito através da análise da sucessão periódica de
ciclos económicos: ciclos de prosperidade, de estagnação ou crise,
de altas e baixas dos preços, elevada ou fraca produção, alta ou
baixa disponibilidade de capital, escassez de mão-de-obra ou de­
semprego. A análise dos diferentes ciclos é de grande interesse para
uma aproximação às mudanças da economia mundial, porém, tem
que ser utilizada com muito cuidado no momento de avaliar a evo­
lução económica de um determinado país e, sobretudo, os surtos
económicos no âmbito regional. Isto se deve ao fato de que a influ­
ência dos ciclos mundiais nas diferentes regiões será maior ou me­
nor segundo sua respectiva importância na economia internacional,
mas também, como assinalam, por exemplo, Carlos da Silva e
Maria Yedda Linhares, porque tal enfoque pode dificultar a análise
das estruturas sócio-econômicas regionais e, portanto, da evolução
económica do país como um todo. Assim, as transformações sócio-
econômicas desses recortes da totalidade mundo não podem ser
compreendidas, em seus diferentes momentos históricos, simples­
mente como uma “justaposição de etapas ou ‘ciclos’ que se sucedi­
am saltando’ de um local e de um produto para outro ”.1
Feitas essas advertências, considero pertinente, para fins
analíticos, propor uma subdivisão da história económica da Amazó­
nia brasileira em três principais períodos: a) Ciclo <da Borracha,
1850-1912; b) fase de declínio e posterior crescimento moderado

49
da economia regional, 1912-1965; e c) época das grandes trans­
formações sócio-econômicas da Amazónia, a partir da segunda
metade da década de 1960 até os dias de hoje. Todas essas fases
foram grandemente influenciadas pela maior ou menor demanda
internacional de matérias-primas da região, seja a das riquezas
da floresta ou, nas últimas décadas, as do subsolo, neste caso
particular, a das jazidas minerais descobertas e exploradas no
Estado do Pará a partir dos anos 60. A última fase, apresenta
ainda a influência da crescente integração da economia regional
ao mercado nacional e da intervenção da Administração Federal
na Amazónia.
Essa proposta de periodização tem muitas semelhanças com
a apresentada pelo economista e jurista paraense Roberto San­
tos. A obra intitulada História Económica da Amazónia é o traba­
lho no qual Roberto Santos, sem dúvida o principal estudioso da
história económica da Amazónia, melhor aprofunda as diferentes
fases nas quais ele subdivide, baseando-se na* evolução da Renda
Interna Regional, os ciclos económicos na Amazónia brasileira
desde inícios do século XIX até 1970. O primeiro momento, de
1800 a 1840, que denomina de fase de decadência; o segundo, de
fase de expansão gomífera, 1840-1910; o terceiro, de declínio,
entre 1910 a 1920; o quarto, de 1920 a 1940, que Santos prefe­
re não definir (depois voltarei a este assunto); e, finalmente, o
quinto, a partir dos anos 40 até o final dos 70, que ele denomina
de fase de crescimento moderado.2 Roberto Santos não esquece
de advertir que o critério de periodização baseado nas mudanças
na renda interna, “numa região em que grande parte dos fatores
de produção pertence a pessoas não residentes nela, pode insinuar
ilusões sobre o proveito real de um dado crescimento para a popu­
lação residente. Mas, desde que alertados para a significação téc­
nica da Renda Interna, esse critério não é pior do que, digamos,
falar em fases colonial [...], imperial [...] e republicana [...]. Na
verdade, pelo que respeita aos fins da análise económica, é me­
lhor” .3

50
1 . O Ciclo da B orracha ( 1 8 5 0 - 1 9 1 2 )

“Variadíssimos são os produtos naturaes d esta


fertilissima região, o que, entretanto, mais entre todas
avulta é a borracha, que é incontestavelmente a princi­
pal fonte de riqueza da província e a causa manifesta
do seu tão espantoso desenvolvimento commercial, ao
qual o de nenhum país pode ser comparado.” (Gover­
no da Província do Pará, 1886)

A construção do Forte de Belém pelos portugueses em 1616


(hoje localizado no bairro da Cidade Velha), situado na desembo­
cadura das águas do rio Guamá, na baía do Marajó, em territó­
rio dos índios tupinambás, marcaria o início da presença e poste­
rior expansão portuguesa na Amazónia além dos limites fixados
no Tratado de Tordesilhas, no dia 7 de junho de 1494.4 As ativi-
dades económicas às quais deram prioridade os portugueses na
Amazónia até as primeiras décadas do século XVIII, foram as
destinadas à coleta das drogas do sertão: cravo, canela, baunilha,
castanha, salsaparrilha, copaiba. A partir de então, e até o início do
boom da borracha, a coleta de cacau foi a principal atividade eco­
nómica destinada ao mercado internacional desenvolvida na região.'5
Foi somente a partir da segunda metade do século XVIII
que Portugal mostrou um maior interesse em incentivar a produ­
ção agrícola na Amazónia. Com essa finalidade, em 1755, foi
criada a Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão,
objetivando ampliar o número de barcos que faziam o transporte
de mercadorias, alimentos e outras matérias-primas entre Lisboa,
São Luís e Belém, e, sobretudo, com o intuito de trazer à Amazó­
nia milhares de escravos africanos que foram os principais res­
ponsáveis pelo incremento da produção agrícola e pecuária (neste
último caso, especialmente na Ilha de Marajó), nos atuais Estados
do Pará e Maranhão a partir da segunda metade do século XVIII.6
Em 1730, o cacau somava cerca de 90% do valor total
das exportações da Amazónia portuguesa e, 61% , em média

51
anual, entre 1 755 e 1778. Nesse mesmo período, as exportações
de café e cravo, também em média anual, equivaliam, respectiva­
mente, a 10% e 11% do total.7 Entre 1836 e 1852, segundo
dados levantados pelo historiador Moacir da Silva nos Relatórios
dos Presidentes da Província do Pará, as exportações de cacau do
Pará somavam 43% do seu valor total, 31% as de borracha, 14%
as de arroz, 6% as de couro, 4% as de castanha e 2% as de
algodão.8 A queda do valor do preço do cacau nos mercados
europeus, as Guerras Napoleônicas e as lutas políticas no Pará,
antes, durante e após a independência do Brasil, especialmente
os efeitos da Revolução Cabana (1835-1840), e a crise do siste­
ma escravista e semi-escravista, sob o qual padeciam os negros e
índios, são os principais aspectos que explicariam por que o perí­
odo de 1805 a 1840 é definido como uma fase económica de
estagnação ou decadência.

“Se excluirmos a falsa euforia exportadora maranhense’


na segunda metade do século XVIII, de que falava [Cel­
so] Furtado, a Amazónia permanece até o início da se­
gunda metade do século X IX , com o econom ia
extrativista, de baixa produtividade e de quase nenhuma
integração com o resto do território nacional.”9

No período de 1852 a 1862, a borracha já representava,


em média anual, 62% do valor total das exportações do Pará, as
de cacau tinham diminuído, também no mesmo período e
percentualmente, a 27% , as de castanha somavam 5% e 3% as de
couro e arroz, respectivamente.10 Em 1877, foram produzidas na
Amazónia brasileira cerca de 9 mil toneladas de borracha, 14 mil
dez anos depois e 21 mil toneladas em 1897.11 Entre 1891 e
1900, a produção média anual de borracha foi de cerca de 21 mil
toneladas12 e de 34.500, em média anual também, no período de
1901 a 1910 ,13 sendo que, entre 1890 e 1910, esse produto
proporcionou 30% do valor total das exportações do país e cerca
de 40% em 1910, ano no qual o Brasil exportou 38.547 tonela­

52
das a 655 libras a tonelada.14 Nessas duas décadas (1890-1910),
somente as exportações de café superaram o valor total das de
borracha, oscilando, anualmente, entre um mínimo de 45% a
60% das exportações do país.15
Esse extraordinário incremento da produção de borracha
no Brasil durante as duas últimas décadas do século XIX e primei­
ra do século XX, deve ser creditado, em boa parte, à chegada à
Amazónia de milhares de nordestinos, especialmente cearenses,
que imigraram ao Pará, Amazonas e Acre, migração favorecida
pela crise do sistema escravista e posterior abolição da escravatu­
ra (1888), pelas repercussões económicas provocadas pela crise
da cultura do algodão e as periódicas secas que atingiram o Nor­
deste em 1870, 1877, 1887, 1903 e 1909.16 Em 1848, residiam
em Belém, segundo Vicente Salles, cerca de 16.092 pessoas, sen­
do 5.085 escravos.17 Em 1872, Belém era a quarta cidade do
Brasil com maior número de habitantes (61.997), somente per­
dendo para Rio de Janeiro (274.972), Salvador e Recife.18 Em
fins do século XIX a capital do Pará tinha cerca de 150 mil
habitantes e 232.402, em 1920. Em 1902, Manaus tinha uma
população de cerca de 50 mil habitantes e, em 1920, a estimativa
do total de habitantes era de 7 5 .7 0 4 .'9
Recordando sempre as pertinentes palavras de José
Veríssimo, escritas em 1892, essas informações demográficas de­
vem ser tomadas como meramente aproximativas: “Ninguém ig­
nora quão deficientes são os nossos dados estatísticos. Impossível
é dizer, ao menos com probabilidade de acertar, a população da
maioria dos nossos Estados. [...] A do Amazonas, bem como a do
Pará, é incerta, e, a falar a verdade, vagamente hipotéticos os
cálculos até agora feitos. Quanto aos pretendidos recenseamen­
tos, creio merecem ainda menos fé que tais cálculos” .20 Contudo,
nem por isso, Veríssimo deixava de constatar o crescimento
demográfico do Amazonas e do Pará nas últimas décadas do sécu­
lo XIX, em decorrência, “primeiro pela copiosa emigração cearense
que desde 1877 não cessou até hoje; segundo pelo excesso de
nascimentos, em uma região onde a população, como o reconhe-

53
ceram quantos a conhecem, é excessivamente prolífica, e onde
[...] a mortalidade é diminuta” .21

Tabela 1
População aproximada do Pará, Região Norte e Brasil:
1872-1940*
Região
Região
Ano Pará Brasil N orte/
Norte
Brasil %

1872 2 75 .2 3 7 3 32 .84 7 9 .9 3 0 .4 7 8 3,4

1890 3 28 .45 5 4 76 .37 0 14.333.915 3,3

1900 4 45 .35 6 6 95.112 17.438.434 4,0

1920 983 .50 7 1.439.052** 3 0 .6 3 5 .6 0 5 4 ,7

1940 9 44.775 1.462.420 4 1 .2 3 6 .3 1 5 3 ,6

Fonte: IBGE, Estatísticas Históricas do Brasil (1987) e Anuário Estatístico


do Brasil (1981).
* Excluídos os “índios não pacificados ”.
** Com a correção recomendada nos estudos críticos do Censo de 1920.
Nos dados de 1920 e 1940, inclui-se também a população do A cre (92.379,
em 1920).

As pessoas que foram trabalhar na extração do látex so­


freram, por imposição dos comerciantes e/o u seringalistas que
controlavam a produção e comercialização da borracha, as pe­
nosas consequências de ter que se vincular às relações de traba­
lho baseadas no sistema de aviamento. Esse sistema já fora utili­
zado pelos portugueses nas suas “relações económicas” com os
indígenas - troca de produtos da floresta por mercadorias -,
mas somente durante o ciclo da borracha ele se consolidaria
como o principal articulador das relações sociais e de trabalho
entre seringalistas e seringueiros, comerciantes e pequenos pro­
dutores agrícolas e extratores de produtos da floresta.

54
Conforme resume Roberto Santos, o sistema de aviamento
(ainda hoje vigente em alguns municípios da Amazónia) é um "sis­
tema de crédito informal, pelo qual um indivíduo (aviador) adian­
tava ao produtor (aviado) certa quantidade de bens de consumo
(alimentos, roupas, material de caça e de trabalho) e algum di­
nheiro para que o produtpr os utilizasse durante o período de
espera da safra extrativa” .22 O resultado foi a sujeição permanen­
te do seringueiro ao seringai, por não poder abandoná-lo sem
antes sufragar as “dívidas contraídas” , dívidas que aumentavam
progressivamente pela manipulação dos preços das mercadorias
entregues pelos comerciantes/ seringalistas e do valor que os mes­
mos ofereciam pelo látex convertido em borracha. Tratava-se de
uma espécie, parafraseando Marx, de acumulação originária da
dívida que escravizava os seringueiros, que eram impedidos de
abandonar o seringai sem antes ter liquidado “suas dívidas” o que
favorecia a acumulação de capital dos aviadores nacionais e es­
trangeiros. A referência ao sistema de aviamento que aparece
num livro publicado em 1888 pelo Governo da Província do Pará,
nos exime de maiores comentários:

“[...] visto como o trabalhador é, em regra geral, de


que pouquíssimas são as excepções, uma espécie de
escravisado do dono da fabrica que trabalha [...]. Sa­
bemos de verdadeiras caçadas dadas em procura de
trabalhadores evadidos das fabricas de borracha. E ai
dos que são apanhados! O fabricante de borracha, sal­
vas muito honrosas excepções, é em geral um senhor
por dívida de todos os seus trabalhadores. Seja qual
for a safra anual, o trabalhador nunca fica quite com
o patrão: d’ahi a obrigação de trabalhar em cada anno
seguinte para pagar o que ficou a dever em cada anno
anterior. Por isto e só por isto, é que o trabalhador
dos seringais não é só pobre mas em gera^ vive misera­
velmente pagando-lhe o patrão sempre barato o tra­
balho e com géneros enormemente caros.”23

55
Apesar de boa parte dos benefícios da exportação de bor­
racha ter ficado nas mãos das empresas comerciais e financeiras
estrangeiras, não pode ser desconsiderada a riqueza acumulada
pelos comerciantes da Amazónia nesse longo período de prosperi­
dade económica, graças ao controle dos seringais, das redes de
comercialização da borracha no nível local e regional e do abaste­
cimento dos produtos de que precisava o seringueiro para subsis­
tir na floresta e extrair o látex. É importante mencionar que o
sistema de aviamento não somente regia as relações entre serin-
galistas e seringueiros; ele converteu-se numa cadeia hierarquizada
que vinculava todos os setores comprometidos na produção e
comercialização de borracha, desde as firmas e bancos estrangei­
ros até alcançar os seringalistas, sendo seu elo intermediário os
comerciantes locais, todos eles oferecendo ou recebendo crédito
antecipado em troca da futura entrega de borracha.
Belém, que já era o principal centro comercial, financei­
ro e político da Amazónia, experimentou, nas últimas décadas
do século XIX e primeira do século XX, um rápido crescimento
demográfico e das atividades financeiras e comerciais. Essa ex­
pansão não foi acompanhada, pelo menos no mesmo ritmo, pelo
setor industrial, que estava centrado, principalmente, em peque­
nos estabelecimentos destinados ao beneficiamento de produtos
agrícolas. Mas, por que, então, “em que pese a grande massa
humana que esse complexo ocupou e do excedente gerado, não
teve condições de firmar raízes para um processo de desenvolvi­
mento económ ico?” ,24 perguntam-se Wilson Cano e Leonardo
Guimarães Neto.
Espera-se que, no futuro, novas pesquisas ajudem a com­
preender melhor por que razão os recursos económicos obtidos
na comercialização da borracha não foram utilizados para incen­
tivar as atividades industriais na Amazónia, especialmente em Belém
ou Manaus durante o Ciclo da Borracha (diferentemente do que
ocorrera, por exemplo, com o Estado de São Paulo durante o
Ciclo Cafeeiro). Pode-se, enquanto isso, assinalar alguns aspectos
que poderiam servir como hipótese ou, no mínimo, como infor­

56
mação. Três parecem ser as principais causas para explicar o
fenómeno referido. Uma delas seria a escassez de matérias-pri-
mas fornecidas pelas diferentes culturas agrícolas, provocada, pelo
menos em parte, pela redução das áreas cultivadas, fosse pela
falta de braços, já que muitos trabalhadores partiam à procura
do látex, inclusive pelo incentivo que alguns deles receberam dos
próprios fazendeiros que ingressavam no sistema do aviamento.
Já em 1854,

“O presidente da província Sebastião do Rego Barros


reclamava já, contra o êxodo dos lavradores em busca
do rápido lucro, na extração da goma elástica [...], a
. agricultara definhava. Mas todo esse montão de ouro
adquirido fácil e rapidamente, era desbaratado.”25

Outra das causas que poderia explicar a estagnação do


setor industrial de Belém (ou sua diminuição percentual se a com­
pararmos com o elevado crescimento demográfico da região du­
rante o Ciclo da Borracha), foi a opção de não poucos industriais
de, em vez de ampliar esse tipo de atividade económica, destinar
parte do seu capital ao setor então mais rentável:

“Quem conseguia form ar um pecúlio, tratava de


reinvesti-lo na borracha sob formas diversas, mas não
em atividades produtivas de tipo urbano, indústrias [...]
O fato é que Belém, na época do dinamismo da borra­
cha, era uma cidade de serviços rica e, após a queda
da rentabilidade da borracha amazônica, passou a ser
uma cidade de serviços pobre.”26

A terceira causa poderia ser atribuída ao grande vilão des­


sa história, o sistema de aviamento, considerado um dos princi­
pais obstáculos para a modernização económica da Amazónia bra­
sileira durante o Ciclo da Borracha, mas também nos anos poste­
riores. Segundo Wilson Cano e Leonardo Guimarães Neto:
“[...] [a] forma de interação do homem na floresta,
para a extração do látex, o fato de não fazer abertu­
ras de terras, e a grande necessidade de mão-de-obra
por parte de atividade primária impediram que ali se
desenvolvesse uma agricultura comercial produtora de
alimentos. A despeito de ocupar mão-de-obra livre,
não criou o assalariamento, transformando suá mão-
de-obra, através da economia do aviamento, em pro­
dutores diretos.”27

Entre 1901 e 1910, a média anual da produção de borra­


cha na Amazónia brasileira foi de 34.500 toneladas.28 Em 1913,
a borracha produzida nos seringais asiáticos explorados pelos in­
gleses superaria, pela primeira vez, a brasileira: foram 4 7.618
toneladas por 39.560, no Brasil. Mas, o fator determinante do
colapso económico da Amazónia brasileira antes da I Guerra Mun­
dial foi a queda do valor da borracha no mercado internacional.
Em fins do século XIX, a tonelada era vendida a 209 libras: em
1910, ano em que alcançou sua maior cotação, seu preço elevou-se
a 655 libras; cinco anos depois pagavam-se apenas 200 libras por
tonelada e 72 e 32 libras, em 1921 e 1931, respectivamente.29
Após a queda dos preços da borracha no mercado interna­
cional, virou senso comum criticar as elites locais, entre elas as
pessoas que controlaram os governos da região, por não terem
investido os lucros da borracha ou incentivado o desenvolvimento
de outras atividades económicas, o plantio de árvores de seringa e
caucho na região. Entretanto, diferentes documentos oficiais pa­
recem contradizer essa interpretação. Durante 1895 e 1896, por
exemplo, o governo do Pará, com o intuito de estimular a produ­
ção industrial no Estado, aprovou a isenção de qualquer tipo de
imposto a esse tipo de atividade económica e ofereceu diferentes
tipos de ajuda económica e terras às pessoas que optassem por se
instalar no Pará para incentivar o plantio de cacau, café, algo­
dão.30 Já antes da proclamação da República (1889), num livro
publicado pelo governo do Pará para ser distribuído na Europa

58
com o objetivo principal de estimular a chegada de migrantes
europeus a essa Província, seus autores mencionavam que os ex­
traordinários lucros fornecidos pela borracha influíram na dimi­
nuição das atividades agrícolas no Pará, assim “como òs produtos
agrícolas continuam a ser necessários, tende o preço d’elles a
augmentar, porque a protura é superior á oferta”,32 fazendo ques­
tão de advertir que

“ [...] transitório é o progresso dos países onde


appareceram grandes minas, porque estas mais dia
menos dia se esgotam e a miséria succede à abundân­
cia. O Pará possui minas menos trabalhosas e mais
. fecundas do que as de diamantes de ouro; mas minas
que podem ser plantadas e reproduzidas de gerações
em gerações sucessivas. Plante o colono arroz, o mi­
lho, o feijão, a cana, o café, o algodão [...], que para
todos encontrará preços muito superiores aos de qual­
quer província do Brazil, mas plante também a gomma
elástica, porque bastar-lhe-ha plantar 100 arvores, o
que é muito pouco, em cada, para ao cabo de 20 annos
ter uma grande fortuna.”35

2. Da fase de declínio económico à fase


de crescim ento m oderado ( 1 9 1 2 - 1 9 6 6 )

“No apogeu da crise perturbadora, tivemos oportuni­


dade de ver em Val-de-Cans, próximo ao porto de
Belém, uma quantidade de navios encostados’ , enfer­
rujando-se. Não tinham o que transportar. A Guerra
de 1914-1918 produziu um colapso no comércio da
região.” (Agnello Bittencourt)

Entre os diferentes autores que estudaram a evolução eco­


nómica da Amazónia brasileira, não existem muitas dúvidas quan­
to a denominar a fase anterior de expansão económica; as compli­
cações surgem ao se avaliar o período que se segue após o fim do
“ciclo da borracha” até a Segunda Guerra Mundial. Pode-se defi­
ni-la como fase de profunda estagnação, período de 1920-1940,
como faz o economista e professor da UFPA, David Ferreira Car­
valho,34 ou de fase de decadência e depressão, período de 1920-
1950, conforme escreve o sociólogo Juan Bardalez Hoyos.35 En­
tretanto, Roberto Santos, após definir a década de 1910 como
fase de declínio,36 assinala suas dúvidas na hora de classificar o
período de 1920 a 1940.

“Na verdade, nada assegura que o comportamento da


renda per capita entre 1920 e 1940 haja sido inces­
santemente ascensional. Pode bem ter acontecido que
o declínio começado em 1910 tenha se prolongado,
por exemplo, até, 1930, embora com intermitências -
sendo 1920 um dos anos de intermitência.”37

O problema está em vislumbrar em que momento a Ama­


zónia supera a fase de crise, ou depressão económica, e inicia
uma lenta recuperação que facilitaria, a partir dos anos 1940, a
fase de crescimento económico moderado. Este objetivo somente
poderia ser alcançado com novas pesquisas que aprofundassem,
em diferentes áreas da região, os efeitos da queda do valor da
borracha no mercado internacional e o crescimento de outras
atividades económicas. Seria preciso ainda avaliar o impacto na
Amazónia da recessão económica ocorrida na maioria dos países
industrializados na década de 30, após o crack da bolsa de Nova
Iorque (1929), que fez diminuir, por exemplo, as exportações de
castanha-do-pará para os Estados Unidos da América (EUA) e
países europeus. Tal como se pode observar na tabela abaixo,
elaborada por R ob erto S an tos, a renda interna cresce
ininterruptamente no período de 1840 e 1910, caindo em 1920 a
níveis semelhantes aos dos anos de 1870. Apenas nos anos 1960 a
renda interna da Amazónia retornaria aos níveis de 1910.

60 ■
Tabela 2
Amazónia: renda interna (1880-1969)
(mil cruzeiros de 1972)

j Ano Renda Interna Ano Renda Interna

1800 2 9 .8 7 7 . 1900 1.359.479

1820 2 3 .4 7 7 1910 2 .3 2 0 .3 3 8

1840 3 7.6 03 1920 473.111

1850 9 7 .6 2 8 1930 -

1860 191.701 1939 9 83 .35 8

1870 3 32 .52 9 1950 1.315.275

1880 • 6 33.663 1960 2 .3 4 7 .3 6 6

1890 9 51 .8 5 7 1969 3 .6 3 7 .4 4 6

Fonte: Fundação Getúlio Vargas, Conjuntura Económica (1971), e IBGE,


Anuários Estatísticos (1973); apud Roberto Santos, Fíistória Económica da
Amazónia, São Paulo, Queiroz, 1980, p. 12.

Desde a segunda metade do século XIX até a segunda déca­


da do século XX, a castanha-do-pará foi, pelo seu valor total, o
terceiro produto mais importante das exportações da Amazónia
brasileira, somente superado pelas de borracha e de cacau. A partir
de meados dos anos 1920 converteu-se, em média anual, no princi­
pal produto das exportações da região para o mercado internacio­
nal. No final dos anos trinta, os principais produtos exportados
através do porto de Belém eram, nesta ordem segundo seu maior
valor, castanha, arroz, madeira e borracha.38
Durante a década de 1920 a 1930, a população total da
Região Norte permaneceu praticamente estagnada.39 Ao iniciar-se
a década de 1940, as duas maiores cidades da Amazónia, Belém
e Manaus, ainda não tinham conseguido recuperar o número total
de habitantes que tinham em 1920. Em 1940 residiam na capital
do Pará 2 0 6 .3 3 1 , 2 5 5 .2 1 8 em 1950, 3 8 0 .6 6 7 em 1960 e

61
1

633.374, dez anos depois. Em 1980, a população de Belém já


era de 9 3 3.2 87 habitantes.40
Entre as principais mudanças económicas ocorridas na Re­
gião Norte a partir dos anos 1940 até a década de 1960, cabe
destacar, além do segundo, curto e último ciclo da borracha (1943-
1945), o aumento da produção agrícola, sobretudo das culturas
de juta e pimenta-do-reino destinadas ao mercado nacional e in­
ternacional, ambas introduzidas na região por imigrantes japone­
ses; a extração e exportação do manganês descoberto no Amapá;
o incremento na exportação de madeira e castanha e a consolida­
ção, em Belém, de um pequeno pàrque industrial formado por
empresas com um número reduzido de empregados, basicamente
destinado à transformação de produtos agrícolas e outras matéri-
as-primas produzidas ou coletadas na região.
Em março de 1942, os governos dos EUA, Grã-Bretanha
e Brasil assinaram diferentes tratados de cooperação militar e
económica, que ficaram conhecidos como os Acordos de Washing­
ton. Num desses tratados, estabelecia-se a importância de incenti­
var a produção de borracha na Amazónia brasileira para suprir
as necessidades civis e militares desse produto dos Países Aliados
que tinham perdido, para o Japão, o controle dos seringais asiáti­
cos. Com esse objetivo, em julho de 1942, foi criado o Banco de
Crédito da Borracha (BCB), cuja diretoria foi composta por qua­
tro brasileiros e dois norte-americanos.41 O Tesouro Nacional con­
tribuiu com 55% do capital inicial do banco, 40% coube a Rubber
Reserve Company, agência do governo norte-americano, e os res­
tantes 5% vieram de outros setores privados.42
Mais uma vez, a demanda internacional de borracha e
outra prolongada seca que assolou alguns estados do Nordeste no
início dos anos 40, estimularam, desta vez, inclusive com ajuda
financeira dos EUA, a migração de pessoas dessa região brasileira
para a Amazónia.43 Com essa finalidade, o governo brasileiro
criou, em novembro de 1942, o Serviço Especial de Mobilização
de Trabalhadores para a Amazónia (Semta). Um mês depois, a
Semta assinou um acordo com a Rubber Reserve Company, res­

62
ponsabilizando-se pelo envio aos seringais da Amazónia de 50 mil
trabalhadores, pelos quais receberia, para os gastos de transpor­
te, 100 dólares por cada um dos homens que aceitaram esse tipo
de trabalho. Mas, por não existirem voluntários suficientes que
quisessem dirigir-se à Amazónia como seringueiros, o governo
federal, em fevereiro de 19^13, criou a figura do soldado da bor­
racha, que equivalia a dois anos de serviço no Exército, receben­
do, os que se alistassem, uniforme e salário.44
A meta era elevar a produção até 70 mil toneladas anuais,
superior, portanto, à borracha produzida, anualmente, nas duas
primeiras décadas do século X X (44 mil toneladas em 1911). Mas
nunca se chegou a alcançar esse objetivo. Em 1941, a produção de
borracha foi "de 17.120 toneladas; em 1943 foram 24.548 as tone­
ladas produzidas, cerca de 28 mil em 1944 e 30 mil em 1945.45
Segundo dados do BCB, entre 1943 e 1946 o Brasil exportou para
os EUA 56.611,085 toneladas de borracha.46 Após o fim da II
Guerra Mundial (1945), muitos seringais da Amazónia foram no­
vamente abandonados, permanecendo na região muitos dos solda­
dos da borracha. Os que se fixaram no Pará, optaram principal­
mente por Belém, Santarém e pela Região Bragantina. Neste últi­
mo caso, alguns deles receberam terra e apoio económico do gover­
no estadual que pretendia, assim, incrementar as atividades agríco­
las nos municípios dessa região paraense.
A produção de manganês nas jazidas existentes no Amapá,
iniciada em 1956, converteu-se, pelo seu valor, no principal pro­
duto exportado pela Região Norte até o final dos anos 70. Em
1956, o Brasil exportou 26 0.3 44 toneladas de manganês, quase
todas elas procedentes do Amapá, e 832.918 em 1964, somando
um total de 8.2 6 2 .0 00 e 2 0 .615.000 milhões de dólares, respec­
tivamente.47 Em 1960, o Banco de Crédito da Amazónia, que
monopolizava as compras aos seringalistas e as vendas ao merca­
do nacional e internacional da borracha produzida na região, com­
prou um total de 28.263 toneladas de borracha, e 35.407 tonela­
das em 1964. O Acre era o maior produtor com 13.136 e 12.478,
em 1960 e 1964, respectivamente, enquanto que, no Pará, ape-
nas 4.188 e 4.115 toneladas foram produzidas no mesmo perío­
do.48 Na primeira metade dos anos 60, a castanha continuou sen­
do, pelo seu valor, o principal produto exportado pelo Pará.49

Tabela 3
Amazónia Legal - principais produtos exportados:
1960-1962-1964

1960 1962 1964


Produtos US$ US$ US$
Tons. Tons. Tons.
1.000 1.000 1.000
Manganês 740.431 2 5.1 75 6 84.382 2 4.6 37 769.404 19.235

Castanha 2 6.394 14.286 2 3.0 29 9 .91 0 2 4.1 85 10.421


Sorva 1.159 414 4.021 2 .02 9 1.864 1.046

Pimenta do
1.919 2.501 2 .763 2 .2 1 7 4 .04 6 3 .093
Reino

Juta - - 45 9 2 .75 5 727

Total de
8 08 .74 2 4 8.7 37 752.921 4 6.6 58 8 50 .50 9 3 9.9 95
Exportações*

Fonte: IBGE e Serviço de Estatística Económica e Financeira, Ministério da


Fazenda (SEEF'), apud Samuel Benchimol, Estrutura Geo-Social e Económi­
ca da Amazónia, Manaus, Edições Governo do Estado do Amazonas, 1966,
p. 375 -3 76 .
* Incluiu-se, além de outros produtos, os dados do total de kg e o valor das
exportações de peles de jacaré e de caititu, cumaru, óleo essencial de pau-rosa
e balata.

3 . Da S P V E A à Sudam

Datar em 1966 o início da última fase na qual subdivido a


história económica da Amazónia brasileira pode parecer tão arbi­
trário como seria fazê-lo em qualquer outro ano da década de 60.
O fato é que, em nenhum desses anos, tem-se dados económicos -
o PIB regional, produção agrícola ou extrativa, distribuição da
renda per capita ou o valor total das exportações para outras
regiões do país ou para o exterior - para sustentar terem ocorri­
do nessa década transformações sócio-económicas significativas
na região. Entretanto, além de concordar com Nelson Werneck
Sodré, quando assinala qu*e “a repartição cronológica não passa,
no fim das contas, de simples ficção de ordem didática, destinada
a distinguir melhor cada uma das fases, na realidade perfeitamen­
te encadeadas como todo estudioso elementar da ciência da histó­
ria não pode deixar de admitir ”,50 deve-se afirmar que a justifica­
tiva de iniciar, no segundo semestre de 1966, o período das Gran­
des Transformações Sócio-Económicas na Amazónia decorre da
mudança nos objetivos e no grau de intervenção da Administração
Federal na região, que não tem paralelo com nenhum outro mo­
mento anterior. Foi nesses meses que o governo modificou a lei de
incentivos fiscais com o intuito de que fossem estendidos esses
benefícios a projetos agropecuários na Amazónia Legal, e criou-se
o Banco da Amazónia S /A (BASA) e a Superintendência do De­
senvolvimento Económico da Amazónia (Sudam), subordinada ao
Ministério do Interior. Em 1967, iniciou-se a implementação dos
objetivos definidos no I Plano Quinquenal da Amazónia (1967-
1971), portanto, como escrevera Octavio Ianni:

“Foram tantas e tais as decisões, agências e atuações do


Estado na Amazónia que é possível afirmar que foi nos anos
1960-1978 que a Amazónia rearticulou-se sob nova for­
ma, com o sistema económico e político nacional e interna­
cional [...] Mas foi nos anos de 1966-78, que se intensificou
e generalizou a transformação da economia da região. ”'51

Antes de avaliar as mudanças económicas ocorridas na


Amazónia, especialmente no Estado do Pará, durante as últimas
décadas, concentrar-me-ei na análise dos seguintes fclementos: o
contexto no qual foi decidida a criação da Superintendência do
Plano de Valorização Económica da Amazónia (SPVEA); as jus­
tificativas que foram esgrimmasZpaa^sustentar a extinção desse
órgão de planejamento e de intervenção económica na Amazónia
Legal; os discursos de alguns dos responsáveis que incentivaram a
criação da Sudam; os projetos que orientaram as ações dessa
instituição desde o I Plano Quinquenal de Desenvolvimento da
Amazónia (1967-1971) até o II Plano de Desenvolvimento da Ama­
zónia (PDA). Retomarei estes assuntos no último capítulo,
priorizando a análise do discurso de setores da elite política e eco­
nómica paraense a respeito dos objetivos e ações implementados na
Amazónia, sob o comando do governo federal, durante e após o fim
do Regime Militar. As informações e análises realizadas neste pri­
meiro capítulo também serão de interesse para a compreensão das
mudanças sócio-económicas no Sudeste do Pará, especialmente no
município de Marabá, às quais destina-se o terceiro capítulo.

5.1. A criação da SPVE A (1953): a aplicação


do modelo cepalista ao desenvolvimento regional

O modelo económico-liberal, predominante em alguns paí­


ses industrializados da Europa e nos EUA, entraria em colapso
nos anos 1930 em decorrência da crise económica dos principais
países capitalistas, ocorrida após o crack da bolsa de Nova Iorque
de 1929. A crise económica e as mudanças políticas ocorridas em
alguns países latino-americanos na década de 30, favoreceram a
crescente intervenção do Estado em suas respectivas economias
nacionais, principalmente nos grandes países da região (Brasil,
México e Argentina), estimulando o processo de industrialização
pela via da substituição de importações, isto é, substituindo por
produtos nacionais parte das manufaturas adquiridas anterior­
mente dos países industrializados. Esta decisão foi facilitada tam­
bém pela brusca queda da demanda internacional de matérias-
primas e pelas experiências de planejam ento econ óm ico
implementadas durante esses anos na União Soviética, Alemanha,
Itália e nos EUA. Nesse contexto, é importante destacar também a

66
influência exercida, após a Segunda Guerra Mundial, pelos técnicos
da Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (Cepal),
instituição criada pelas Nações Unidas em 1948, num momento em
que os dólares norte-americanos ajudavam a reconstrução econó­
mica dos principais países capitalistas da Europa (Plano Marshall)
e o mundo ingressava no período denominado de Guerra Fria.
Para o economista argentino Raúl Prebisch, o principal
mentor do que seria denominado o modelo cepalista, os países
latino-americanos não conseguiriam se desenvolver em níveis eco­
nómicos comparáveis aos países que já tinham feito sua Revolu­
ção Industrial sem quebrar a tradicional divisão internacional do
trabalho e dos desiguais termos de troca entre as nações do “cen­
tro” , ou desenvolvidas (manufaturas, tecnologia), e as da “perife­
ria” , ou subdesenvolvidas (matérias-primas e alimentos). Para al­
cançar essa meta, seria necessário iniciar, ou acelerar, a política
de substituição de importações, através de incentivos à industria
nacional, fortalecer o mercado interno e diminuir o número total
(e/ou percentual) de pessoas vinculadas a atividades primárias.
Em suas palavras:

“A realidade está destruindo na América Latina aquele


velho esquema de divisão internacional do trabalho que,
após haver adquirido grande vigor no século XIX, se­
guiu prevalecendo, doutrinariamente, até bem pouco
tempo. Nesse esquema correspondia à América Lati­
na, como parte da periferia da economia mundial, o
papel específico de produzir alimentos e matérias-pri­
mas para os grandes centros industriais. Não cabia,
ali, a industrialização dos países novos [...]. As gran­
des vantagens do desenvolvimento na produtividade não
chegaram à periferia em medida comparável ao que
lograram desfrutar as populações dos grandes países.
[...] Daí o significado fundamental da industrialização
para os países novos. Ela não é um fim em si mesma,
mas é o único meio de que se dispõe para captar uma
parte do fruto do progresso técnico e elevar progressi­
vamente o nível de vida das massas.”32

A com panh an do as tra n sform a ções econ óm ica s,


demográficas e políticas no Brasil dos anos 1930 e 1940, entre
elas o incremento da intervenção do Estado na economia nacio­
nal, as propostas da Cepal também contribuíram para a defini­
ção, no Brasil, do modelo económico que se convencionou cha­
mar de nacional-desenvolvimentista, baseado no incentivo à in­
dustrialização e na modernização das atividades primárias na
perspectiva de superar o atraso e a situação periférica do país
no mundo. É preciso dizer ainda que os estudos e propostas da
Cepal não somente orientaram as políticas desenvolvimentistas
de alguns países latino-americanos, mas também estimularam
as discussões a respeito das desigualdades sócio-econômicas inter-
regionais no seio de alguns deles, especialmente no Brasil, e da
validade da utilização dos conceitos cepalinos, como os de centro
e periferia, com o intuito de propor as alternativas para mudar
essa situação.
A divulgação das Contas Nacionais de 1951 -1952, nas quais
apresentavam-se dados explícitos das crescentes disparidades só­
cio-econômicas entre a Região Sudeste e as restantes regiões bra­
sileiras, serviu de argumento para os que propunham que o gover­
no federal implementasse uma política específica para o desenvol­
vimento económico das regiões “atrasadas” ou “periféricas” do
país, especialmente para o Nordeste, pela sua importância
demográfica. Apoiando-se nos pressupostos teóricos cepalinos,
pretendia-se, assim, através da política de substituição de impor­
tações no plano inter-regional, reduzir os efeitos negativos da desi­
gual divisão do trabalho entre as macrorregiões ou estados brasi­
leiros e, portanto, a crescente concentração industrial no Sudeste
(especialmente em São Paulo), e evitar que as outras regiões do
país continuassem a ser ou se consolidassem como meras fornece­
doras de matérias-primas e alimentos para essa região e para o
mercado internacional.

68
Nesse contexto deve ser inserida a criação, em 1953, da
SPVEA e, em fins de 1959, da Superintendência Nacional de
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), cujos planos de desenvol­
vimento económico foram direcionados, nos seus respectivos ter­
ritórios de atuação, a estimular a modernização das atividades
agropecuárias e do pequeno parque industrial e a subsidiar a ins­
talação de novas indústrias. Esses objetivos já tinham sido motivo
de disputas e decisões no Congresso Nacional nos anos anteriores,
especialmente durante a elaboração da Constituição de 1946, re­
sultando daí a inclusão, no Texto Constitucional, da proposta, apre­
sentada pelo deputado federal do Estado do Amazonas, Leopoldo
Peres (PSD), de destinar 3% das rendas tributárias da União à
execução do Plano de Valorização Económica da Amazónia num
período não inferior a 20 anos. No Parágrafo Unico do mesmo
artigo, obrigava-se os Estados, Territórios e Municípios da Região
Norte a destinarem, “para o mesmo fim, anualmente, três por
cento das suas rendas tributárias. Os recursos de que trata este
parágrafo serão aplicados por intermédio do Governo Federal”.53
Inicialmente, a proposta da bancada do estado do Amazo­
nas, com o apoio dos deputados paraenses, era destinar 5% das
rendas tributárias da União ao desenvolvimento da Amazónia.
Ricardo Borges, que seria um dos assessores indicados pelo go­
verno federal para participar, em 1955, da elaboração do primei­
ro Plano de Valorização Económica da Amazónia, relata alguns
dos pormenores dos debates acontecidos, a esse respeito, no Con­
gresso Nacional em 1946:

“Leopoldo [Peres] sabia que o presidente Dutra manda­


ra destacar no projeto da referida Constituição, um por
cento da renda tributária da União para a hidrelétrica
do Rio São Francisco, sua criação e fascínio, e pedia
para o Plano da Amazónia, cinco por cento, mas por
pressão das bancadas do Nordeste, teve de ceder dois
por cento para idêntico Plano dessa região [...]. Na
Comissão Parlamentar de coordenação das emendas,
presidida pelo Senador Nereu Ramos, este arbitraria­
mente e*para satisfazer as bancadas do Sul, que inte­
grava, suprimiu o Plano da Amazónia, respeitando o de
São Francisco, que era do presidente Dutra e do Nor­
deste por influência de Minas: imediatamente o Senador
pelo Pará, Álvaro Adolfo, participante da Comissão de
Nereu Ramos, avista-se com o presidente Dutra, comu­
nicando-lhe a exclusão do Plano Amazónia, e em sua
presença, Dutra telefona a Nereu e lhe diz que esse pla­
no é questão fechada do governo e seu pessoalmente. ”54

A Comissão do Vale de São Francisco (antecessora da


Sudene), instalada em dezembro de 1948, converter-se-ia na pri­
m eira ex periên cia de planejam ento econ óm ico regional
implementada no Brasil. A Região Amazônica teria que esperar
até 1953 para que fosse criada a Superintendência do Plano de
Valorização Económica da Amazónia (SPVEA), através do de-
creto-lei n° 1.806 (0 6 /0 1 /5 3 ), com autonomia administrativa e
diretamente subordinada à Presidência da República, sendo esco­
lhida a cidade de Belém para a instalação da sede central da
SPVEA. E importante mencionar que, já em 1950, no final do
mandato do marechal Dutra na Presidência da República, o Ban­
co de Crédito da Borracha fora transformado em Banco de Cré­
dito da Amazónia (lei n° 1.184, de 30 de agosto de 1950),55 a fim
de diversificar as atividades financeiras do banco até então pratica­
mente restritas à produção e comercialização de borracha.
A Câmara Federal, na sessão realizada no dia 14 de de­
zembro de 1952, aprovou a proposta da maioria dos senadores
de que o presidente da SPVEA fosse escolhido pelo Senado e,
posteriormente, tivesse seu nome ratificado pelo presidente da Re­
pública. Porém, Getúlio Vargas, ao sancionar a lei que criaria a
SPVEA, vetou essa proposta. Em fevereiro de 1953, o Congresso
aceitou o veto de Getúlio Vargas e o responsável pela SPVEA
passaria a ser nomeado pelo presidente da República, cabendo ao
Congresso Nacional aprovar os projetos e orçamento da SPVEA. ’ 6

70
Em 21 de setembro de 1953, foi formalmente instalada em Belém
a SPVEA, sendo nomeado como seu primeiro superintendente o
professor e historiador amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis.
Os objetivos gerais definidos na lei que criara a SPVEA eram
resumidos nos seguintes itens:

a) assegurar a ocupação da Amazónia em um sentido


brasileiro;
b) construir na Amazónia uma sociedade economicamen­
te estável e progressista, capaz de, com seus próprios
recursos, prover a execução de suas tarefas sociais;
c) desenvolver a Amazónia num sentido paralelo e com-
„ plementar ao da economia brasileira.57

Na delimitação do território da Amazónia Legal, tal como


fora definida pelo decreto-lei n° 1.806, estavam inseridos na área
de atuação da SPVEA, para fins de planejamento regional, os
Estados do Pará e do Amazonas e os territórios federais da Região
Norte: Acre, Amapá, Guaporé (Rondônia) e Rio Branco (Roraima),
mais a região ocidental do Estado do Maranhão (a oeste do meridiano
44°), parte do Estado de Mato Grosso (ao norte do paralelo 16°) e
o território, então do Estado de Goiás, que hoje corresponde ao
Estado do Tocantins (ao norte do paralelo 13o).58 Inicialmente,
pretendia-se que a área de atuação da SPVEA ficasse restrita aos
Estados e territórios federais da Região Norte, porém...

“[...] os legisladores, vários deles desejosos de benefi­


ciar seus Estados ou áreas de seu eleitorado, dilata­
ram brutalmente os limites oficiais da região, crian­
do a chamada Amazónia Legal’, com 5 .0 3 5 .0 7 0 km ”,
isto é, 59% da área do Brasil. Jamais, em qualquer
país do mundo, um departamento de planificação re­
gional teve a seu encargo uma superfície tão vasta!”59

O primeiro plano da SPVEA, denominado Programa de


Emergência, foi aprovado pelo Congresso Nacional em fevereiro
de 1954. Poucos meses depois, foi elaborado, por uma Comis­
são de Planejamento constituída para essa finalidade, o Plano
de Valorização Económica da Amazónia.60 No artigo Io desse
plano definia-se que suas ações estariam orientadas para conse­
guir, “incrementar o desenvolvimento da produção extrativa e
agrícola, pecuária, mineral, industrial e o das relações de troca,
no sentido de melhores padrões sociais de vida e bem-estar eco­
nómico das populações da região e da expansão da riqueza do
País” .61 O Plano de Valorização Económica da Amazónia servi­
ria de modelo para a elaboração do I Plano Quinquenal de De­
senvolvimento da Amazónia (1955-1959), apresentado ao Con­
gresso Nacional em 1955, mas que nunca chegou a ser formal­
mente aprovado pelos deputados e senadores. Nesse plano foram
definidas 27 zonas do território da Amazónia Legal, “economi­
camente recuperáveis [...], que, ao mesmo tempo, representas­
sem zonas politicamente estratégicas para a defesa de fronteira
e para a unidade nacional” ,62 e seis setores aos quais a ação da
SPVEA daria prioridade:

1. incentivar a produção agrícola e pecuária com o intui­


to de conseguir auto-suficiência alimentar;
2. incentivo à produção industrial com base nas matéri­
as-primas existentes na região;
3. implantação de um sistema de crédito bancário para
os pequenos produtores rurais com o intuito de extin­
guir o sistema de aviamento;
4. ampliação da rede rodoviária conseguindo a ligação
terrestre entre a região e o Sul e Oeste do país, além
da construção da estrada para unir o Pará e o
Maranhão;
5. saúde: saneamento básico, abastecimento de água, cam­
panhas preventivas contra as doenças transmissíveis;
6. educação e cultura.63
3 .2 . A abertura da Belém-Brasília e o
incremento do número de grandes fazendas

“A Região Norte esteve durante três séculos e meio


praticamente isolada do Sudeste brasileiro. A quebra
desse isolamehto iniciou-se na década de 60, com a
abertura de eixos rodoviários - a Belém-Brasília e a
Brasília-Acre” (Sudam, Subsídios ao Plano Regional
de Desenvolvimento: 1972-1974).

A marca fundamental da ação do governo federal, com o


ob jetivo de integrar a A m azónia ao p ro je to nacional-
desenvolvimentista, foi a construção da Belém-Brasília. Juscelino
Kubitschek, em sua Mensagem ao Congresso Nacional, no dia 15
de março de 1960, afirmava:

“Está o Governo convicto de que a construção da ro­


dovia Belém-Brasília [...] irá contribuir extraordinari­
amente para a valorização da Bacia Amazônica. A li­
gação por ela estabelecida entre o extremo Norte, o
Centro e o Sul do País, num esforço épico do povo
brasileiro, suscitará, na Ililéia Amazônica, um surto de
atividades destinadas a tornar efetiva a posse daquela
imensa faixa do território pátrio. Por outro lado, é cer­
to que a interiorização da Capital do País funcionará
como agente catalítico decisivo para o surgimento de
múltiplas inversões privadas no grande vale, integran-
do-o positivamente no sistema económico nacional.” 64

Uma das primeiras consequências da construção da Belém-


Brasília foram o incremento do interesse pelas terras próximas à
rodovia, a grande maioria delas definidas como terras devolutas,65
por parte de setores das elites locais e de outros estados do país.
A faculdade de deterem os governadores, desde a Constitui­
ção Federal do Brasil de 24 de feyereiro de 1891, o poder de
concessão do uso (arrendamento) ou venda de títulos de terras
devolutas a particulares, converteu-se numa de suas principais fer­
ramentas na troca de favores entre os chefes do executivo estadual
e os setores da elite económica e/ou política local, e também entre
os próprios integrantes do governo paraense. Os governadores
“populistas” do PSD, longe de beneficiar os pequenos produtores
que, durante o período de 1960 a 1963, receberam 3.753 títulos
de terra que somaram apenas um total de 81.171 hectares (média
de 21,6 ha por título),<l(l ajudaram a aumentar o número de gran­
des propriedades agrárias no Pará. Do total de terras devolutas
vendidas pelo governo paraense entre 1924-1976, mais de 80%
delas foram no período de 1959 a 1963.

Tabela 4
Terras devolutas vendidas pelo Governo do Pará a
grandes proprietários: 1924-1976

Períodos Títulos Total 1lectares

1924-1928 123 3 8 .7 6 9 ,6 •

1939-1943 136 3 5 .6 0 4 ,8

1954-1958 368 6 0.9 04 ,0

1959-1963 1.575 5 .6 4 6 .3 7 5 ,0

1964-1968 (a) 267 840.771,1

1969-1973 33 2 3 .7 2 5 ,8

1974-1976 (b) 29 9 1 .3 2 5 ,0

Fonte: (a) Secretaria de Terras do Estado (até 1969) e (b) Instituto de Terras
do Pará (de 1970 em diante): apud Roberto Santos, "Sistema de propriedade
e relações de trabalho no meio rural paraense ”, em José Marcelino Monteiro da
Costa (edit.), Desenvolvimento e Ocupação, Rio de Janeiro, Ipea/Inpes, 1979,
p. 123.
<5. <5. Os militares assumem a clireção
da SPVEA e criam a Sudam (1966)

No dia 7 de abril de 1964, já vitorioso o golpe de estado,


foi nomeado interventor na SPVEA o general na reserva Ernesto
Bandeira Coelho. Dois meses depois, assumia a responsabilidade
de dirigir a SPVEA o também general Mário de Barros Cavalcanti.
Sob sua direção tentou-se pôr em prática os objetivos definidos no
plano denominado Operação Amazónia (1 9 6 6 /6 7 ) e elaborou-se
o I Plano Quinquenal de Desenvolvimento da Amazónia (1967-
1971) que nortearia as ações da Sudam nesse período. Cavalcanti
permaneceria no cargo até março de 1967, tendo sido o primeiro
superintendente da Sudam.
A maioria dos estudos que avaliam as ações da SPVEA,(>/
assinalam que uma das principais dificuldades para desenvolver
os objetivos definidos pelos seus técnicos e assessores residiu no
fato de que nem o governo federal, nem os governos estaduais e
as prefeituras da região cumpriram, em momento algum, com a
obrigação de repassar as verbas definidas para a Amazónia Le­
gal. O p róprio presidente da S P V E A , M ário de Barros
Cavalcanti, em circular dirigida, em 1966, ao Ministro Extraor­
dinário para Coordenação de Organismos Regionais, marechal
Oswaldo Cordeiro de Farias, assinalava que o governo federal
nunca cumprira a obrigação de fornecer os recursos estabeleci­
dos pela Constituição, nem tampouco os consignados nas leis
orçamentarias anuais. Cavalcanti lamentava também o fato de
que, durante o exercício de 1965, quando aumentou em 93,8%
o total de verbas a serem administradas pela Sudene, as verbas
da SPVEA foram incrementadas em apenas 0,05% . Contudo,
em sua avaliação da SPVEA, que pode ser consultada em sua
obra Da SPVEA â Sudam (1964-1967), publicada em Belém
em 1967, e da qual foram extraídas as informaçõe,s anteriores,
o general Barros Cavalcanti não esconde suas escassas simpatias
para com os seus antecessores na direção do órgão:
“Encontramos a SPVEA como uma instituição falha e
desorganizada, incapaz por isso de cumprir as suas
finalidades [...]. Essa situação caótica, a contar da sua
implantação [...], a formação em torno da SPVEA de
sucessivos grupos políticos-partidários, que [a]
desnaturaram. Tal clima permitiu toda sorte de
desmandos, tais como: desvios de verbas, favoritismos
políticos, regionalismo estadual e municipalista, ascen­
são de grupos inescrupulosos, concessões graciosas,
empreguismo, investimento desordenado de recursos,
inoperância administrativa, desfalques, enfim, um vas­
to campo de negociatas e irresponsabilidades sob as
mais variadas formas [...], gerando o descrédito do
Órgão perante a opinião pública local e nacional [...].
Esse lamentável estado de coisas só veio a terminar
após o advento do Governo Revolucionário [...]. Mer­
cê das medidas adotadas, foram paralisadas todas as
atividades de instituição, enquanto se instalavam in­
quéritos e procedia-se a devassas e perquirições na busca
do alcance e dos responsáveis por todos os males.-”68

No Relatório Geral das atividades desenvolvidas pela SPVEA


durante os meses de abril a dezembro de 1964, assinado pelo
presidente da SPVEA e dirigido ao então ministro do Interior,
Cordeiro de Farias, afirmava-se:

“A Superintendência do Plano de Valorização Econó­


mica da Amazónia, dentro do quadro geral da Admi­
nistração Pública brasileira, apresentava-se como um
órgão em completo descompasso, em inteiro desacor­
do com as finalidades para as quais foi concebida e
criada, sob aplausos e esperanças da Nação brasileira
[...], a SPVEA apresentava um panorama quase dirí­
amos caótico, pois nada havia que possibilitasse, efeti-
vamente, a consecução de seus principais objetivos.

7fi
Antes parecia uma grande agência pagadora, com seus
recursos manipulados ao sabor de lamentável política
regionalista de grupos, cada qual interessado em fazê-
la instrumento de prestígio local [...]. Tinha-se a im­
pressão de que a SPVEA não conseguiu em nada alte­
rar a fisionomia económica da Amazónia [...]. E isso é
tanto mais lamentável quanto sabemos que o organis­
mo, dentro do espírito que engendrou a sua criação,
deveria apresentar-se como promessa de redenção das
populações amazônicas, esquecidas do resto do Brasil
até o ano de 1953. ”69

Além das críticas de membros do Exército que assumiram


as principais responsabilidades na hora de definir e aplicar as
políticas do governo federal na Amazónia Legal nos primeiros
anos do Regime Militar, outros setores políticos, intelectuais e
técnicos de dentro e fora da região também criticaram o desem­
penho da SPVEA. Por exemplo, segundo o geógrafo do IBGE,
Orlando Valverde, os dois planos que foram elaborados para ori­
entar as ações da SPVEA: “[...] diluíam as verbas efetivamente
concedidas entre um grande número de áreas distantes e isoladas,
a maioria das quais sem acesso fácil a qualquer mercado” .70 Ou­
tros dos problemas mencionados eram a supremacia das maqui­
nações políticas ou clientelismo político sobre as atividades técni­
cas na aprovação e efetivação dos projetos, a corrupção, a falta
de continuidade na aplicação dos recursos e o empreguismo.71
Segundo o relatório apresentado pela Sociedade Brasilei­
ra de Serviços Técnicos e Económicos Limitada (Brastec), em­
presa de consultoria contratada pelo Banco de Crédito da Amazó­
nia para fornecer subsídios para reformular a política económica
nacional da borracha, vincular o desenvolvimento económico da
Amazónia às atividades extrativas, principalmente borracha e cas­
tanha, foi o erro mais grave da política de desenvolvifnento econó­
mico da região no período de atuação da SPVEA. O relatório da
Brastec, intitulado Desenvolvimento Económico da Amazónia, con­
verter-se-ia num dos principais documentos utilizados pelo Grupo
de Trabalho da Ama'zônia, criado sob responsabilidade do Minis­
tério do Planejamento em junho de 1965, para sustentar a neces­
sidade de extinguir a SPVEA, criar a Sudam e definir os objeti­
vos do I Plano Quinquenal da Amazónia (1967-1971). Nesse re­
latório podemos ler:

“[...] o principal obstáculo ao desenvolvimento econó­


mico da Amazónia é o fato de ser um território escas­
sa e esparsamente povoado, com uma população anal­
fabeta, conservando, em grande parte, as característi­
cas de economia pré-capitalista, semi-isolada em rela­
ção aos grandes centros urbanos da Região, empregan­
do métodos primitivos de produção no extrativismo flo­
restal em uma agricultura nómade [...]. O povoamento
do espaço amazônico mantém-se, ainda, fiel ao proces­
so de colonização realizado pelos portugueses, quando
obedecia a um objetivo de natureza política [...]. En­
quanto a Região continuar na dependência de atividades
primárias de baixa produtividade, não se conseguirá ele­
var o padrão de vida das populações locais e integrar a
economia regional na economia nacional.”72

O consenso existente entre militares, técnicos, políticos e em­


presários a respeito dos problemas enfrentados pela SPVEA, sem
esquecer que muitas das críticas dirigidas às ações dessa instituição
tinham o objetivo de legitimar as práticas dos novos governantes que
assumiram o controle do Estado brasileiro após o golpe de 1964,
favoreceu sua substituição por um novo órgão de planejamento des­
tinado a implementar as diretrizes da Administração Federal na
Amazónia Legal. Decisão consumada através da lei n° 5.173, de 27
de outubro de 1966, que criou a Superintendência do Desenvolvi­
mento Económico da Amazónia (Sudam), subordinada ao Ministé­
rio do Interior,73 cujo território de atuação seria o mesmo definido
no momento de criação da SPVEA. Um mês antes, já tinha sido

78
criado o Banco da Amazónia S /A (Basa), principal instrumento
para o financiamento das atividades económicas definidas pela Sudam,
em substituição ao Banco de Crédito da Amazónia.
Em discurso pronunciado em Manaus no dia 3 de dezem­
bro de 1966, na abertura da Ia Reunião de Incentivo ao Desen­
volvimento da Amazónia (I o RIDA), o presidente da República,
marechal Humberto Castello Branco, resumiu os objetivos da Ad­
ministração Federal na Amazónia, considerando que essa região
era basicamente um espaço vazio a ser ocupado, com as seguintes
palavras: “Prova-se este encontro, que podemos chamar de histó­
rico, e no qual homens da Amazónia, do Nordeste e do Centro-
Sul, dão-se as mãos para uma empresa que repetirá, no Brasil, a
façanha pioneira da conquista do Centro-Oeste dos Estados Uni­
dos, nas primeiras décadas do século passado” .74
Certamente, como foi reiteradamente explicitado nos discur­
sos oficiais, os modelos de desenvolvimento económico implementados
pelo Regime Militar na Amazónia não podem ser vislumbrados me­
ramente em seus aspectos sócio-econômicos, pois, para a cúpula
das Forças Armadas, a Amazónia era também, ou principalmente,
um problema geopolítico. A necessidade de estimular a ocupação do
território, entre outras decisões estritamente militares ou político-
administrativas, para garantir a “posse desse imenso espaço vazio",
também tinha por finalidade evitar a “cobiça internacional” sobre a
Amazónia, isto é, a ameaça de perder ou enfraquecer o controle
dessa parte do território nacional pela ação de outros países, e
prevenir também, entre outros riscos, que se instalassem na região
focos guerrilheiros, nacionais ou estrangeiros, como de fato aconte­
ceu na região do Araguaia, entre 1967 e 1973, por iniciativa do
Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Numa palestra proferida,
em maio de 1968, no II Fórum sobre Amazónia, realizado no Rio
de Janeiro, o general Albuquerque Lima, então ministro do Interi­
or, após enumerar os riscos que existiam numa interferência de
outros países na Amazónia brasileira, motivada pelo acelerado cres­
cimento demográfico de determinados países e pelo seu interesse
nas riquezas naturais da região, manifestava:

79
“Há indiscutivelmente, poderosos interesses e pressões
potenciais externas e internas que incidem sobre a Ama­
zónia e, na minha compreensão, naquela área, ainda
não integrada na Nação Brasileira, precisamos desde já
tomar medidas capazes de aumentar o poder de resis­
tência. Ninguém pode negar que esta ponderável parcela
do território brasileiro já sofre um processo de pressão
potencial que, no tempo, se acelerará cada vez mais. ”75

Após mencionar que “essas pressões em estado potencial


- de origem interna e externa”, são favorecidas pelo aumento
dos desníveis económicos entre a Amazónia e a área de maior
concentração industrial, o Centro-Sul, Albuquerque Lima assi­
nalava que era necessário eliminar as causas desse desequilíbrio,
“atenuando-se os desníveis existentes, transformando-se em cau­
sa comum o deslocamento, rumo ao norte, das nossas fronteiras
económicas, realizando-se, em uma palavra, a grande obra da
integração nacional” .76 Para o ministro do Interior, os principais
obstáculos para o desenvolvimento da Amazónia brasileira eram
os seguintes:

- a grande extensão física e a escassa população que nela


residia, e escassez de recursos humanos para a ocupa­
ção dessas fronteiras económicas e geográficas:
- o desconhecimento do potencial dos recursos naturais:
- o problema do abastecimento de produtos agropecuários
e insuficiência de alimentos, tanto quantitativa como
qualitativamente;
- a predominância da indústria do semi-artesanato, com
raros enclaves de grande porte: e a insuficiência de
espírito empresarial na área privada e nenhuma in­
dustrialização:
- a falta de coordenação na atuação dos órgãos públi-

80
3 . 4 . Os planos de desenvolvimento da Amazónia:
o modelo das “vantagens comparativas”

A política económica da Administração Federal na Amazó­


nia Legal, desde a criação da Sudam até o fim do Regime Militar
(1985), pode ser dividida em três fases diferentes, ainda que todas
elas alimentadas pela idéia da Amazónia como território vazio a
ser ocupado. A primeira foi pautada pela mudança, ocorrida em
1966, na política de incentivos fiscais que ampliava a política de
substituição de importações, até então restrita às atividades indus­
triais, para os projetos agropecuários. Incentivava-se as ativida­
des agrícolas destinadas ao mercado regional, nacional e interna­
cional, com o intuito de diminuir na região a preponderância das
atividades extrativas e da agricultura de subsistência, ambas con­
sideradas, junto ao sistema de aviamento, como principais res­
ponsáveis pelo subdesenvolvimento económico da região e da sua
escassa integração ao mercado nacional. Na segunda fase, entre
1970 e 1974, durante o mandato na presidência da República do
general Garrastazu Médici, foi dada prioridade aos projetos de
colonização na Transamazônica, aos projetos energéticos e à am­
pliação da rede viária terrestre, entretanto diminuíam, especial­
mente entre 1972 e 1974, as ajudas económicas do governo fede­
ral para projetos agropecuários e, sobretudo, industriais. Na ter­
ceira fase, a partir de meados dos anos 70, o governo federal, em
substituição ao modelo cepalista que inspirou as práticas da SPVEA
e parte das desenvolvidas nos primeiros anos de existência da
Sudam, orientou sua intervenção económica com base nas vanta­
gens comparativas 78 de que dispunha a Amazónia, em relação a
outras regiões do país, para contribuir ao desenvolvimento econó­
mico nacional.
Ainda que em todos esses modelos se tivesse como meta
favorecer a integração económica da Amazónia à economia naci­
onal, durante o mandato na presidência da República de' Ernesto
Geisel (1974-1979), foi claramente definida qual seria a especiali­
zação económica à qual seriam destinados os diferentes espaços

«i
intra-regionais da Amazónia brasileira, dando-se prioridade ao
incremento da concentração fundiária e, sobretudo, aos investi­
mentos destinados a criar a infra-estrutura que demandavam os
projetos mínero-metalúrgicos, além da escolha das áreas ou mu­
nicípios da Amazónia Legal que seriam objeto de especial interes­
se do Program a de Pólos A gropecuários e Agrom inerais
(Polamazônia).
Entre os diferentes planos de desenvolvimento económico
nacional aprovados nos anos 70 que tiveram especial influência na
Amazónia, cabe destacar o Plano de Integração Nacional (PIN),
de junho de 1970, que tinha como uma das suas metas principais
financiar as obras de infra-estrutura destinadas a facilitar o de­
senvolvimento de atividades económicas nas áreas de atuação da
Sudam e Sudene, entre elas a construção da Transamazônica e o
Plano de Irrigação do Nordeste; o I Plano Nacional de Desenvol­
vimento (PND), apresentado pelo governo ao Congresso Nacional
em setembro de 1971, para o período de 1975-1974; e, sobretu­
do, as diretrizes definidas no II PND para o período de 1975 a
1979. Planos que definiram os principais objetivos a serem alcan­
çados na Amazónia Legal através do I PDA (1972-1974) e da II
PDA (1975-1979). Vejamos, em continuação, alguns dos objeti­
vos definidos no I Plano de Desenvolvimento da Amazónia, recor­
dando que. estamos nos últimos anos do denominado milagre bra­
sileiro., cujo desfecho deve ser creditado ao crescimento das ativi­
dades económicas na Região Sudeste, especialmente no Estado de
São Paulo:79

“As conquistas essenciais, quanto à Amazónia, propos­


tas pelo Governo Federal, referem-se à utilização de
uma estratégia que promova o progresso de novas áreas
de ocupação de espaços vazios e integração do desen­
volvimento do Nordeste com a estratégia de ocupação
da Amazónia [...]. O crescimento do pólo de desenvol­
vimento do País (eixo Rio-São Paulo) tenderia em de­
terminado tempo a estacionar e/ou mesmo estagnar,

82
se não estivesse direta e facilmente ligado a uma re­
gião fornecedora de matérias-primas [...]. A Expan­
são de um mercado interno é indispensável para im­
pulsionar este crescimento. A conquista planejada e
coordenada dos espaços vazios amazônicos trará, como
consequência, e. extensão da fronteira económica e a
ampliação do mercado interno, pela integração econó­
mica e social da Amazónia ao Sudeste brasileiro.”80

Em sua Mensagem ao Congresso Nacional, lida no dia 31


de março de 1970, o presidente Médici resumia com as seguintes
palavras os planos do seu governo para a Amazónia: “Consolidar
a ocupação da Amazónia [...], representa outro objetivo funda­
mental do Governo, possibilitando, destarte, acrescente integração
daquela vasta área às demais regiões do País”.81 Vejamos, mais
uma vez, como o presidente Médici definia com clareza esses ob­
jetivos, em discurso pronunciado na reunião extraordinária da
Sudam realizada, em outubro de 1970, na cidade de Manaus:

“A Amazónia ainda não encontrou sua vocação econó­


mica. O café e o cacau, a madeira e a borracha, o boi,
a juta e a caètanha têm sido momentos passageiros de
riqueza; momentos que não trouxeram mais duradou­
ras mudanças na infra-estrutura sócio-econômica. Não
encontrou a Amazónia a sua vocação porque, sendo
mais da metade do Brasil, não se fez ainda conhecida
[...]. Seria insensato realizar, aqui e nesta hora, um
grande projeto de desenvolvimento puramente regio­
nal, que desviasse poupanças e créditos capazes de ge­
rar riquezas maiores e mais rápidas noutras regiões.
Muito mais insensato seria, no entanto, ignorar a Ama­
zónia, usando rígidos critérios de prioridade económi­
ca e deixá-la ficar no passado e ainda envofra no misté­
rio, sempre vulnerável à infiltração, à cobiça e à cor­
rosão de um processo desnacionalizante que se alimen­

I
ta e se fermenta em nossa incúria [...]. Manaus é lugar
para que o meu Governo apresente as linhas gerais da
primeira fase de sua política para a Amazónia e diga
sua decisão de assegurar, com energia e vontade, a
soberania brasileira nesta outra metade do Brasil e de
fazer andar o relógio amazônico, que muito se atrasou
ou ficou parado no passado. ”82

No Programa de Ação do Governo para a Amazónia, a ser


aplicado no marco do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND)
para o período de 1975-1979, no qual foi definida a contribuição
de cada uma das regiões do país, através das suas respectivas
vantagens comparativas (minérios, madeira, pecuária, pesca em­
presarial, indústrias eletrotérmicas e eletrolíticas e lavouras
selecionadas), ao desenvolvimento nacional, a respeito da Amazó­
nia, os técnicos da Sudam assinalavam que a região pode contri­
buir para esses objetivos de maneira significativa “através de ge­
ração de divisas, resultantes de exportações; de economia de divi­
sas, produzindo insumos básicos para a Região Centro-Sul, hoje
importados; e finalmente pela liberação de produto exportável,
comprometida hoje por forte demanda interna” .83 Ainda que os
autores desse documento não esqueçam de mencionar que os obje­
tivos centrais do II PND e do II PDA seriam orientados a alcan­
çar uma distribuição mais equitativa da renda nacional entre as
diversas regiões do país, meta considerada de caráter permanen­
te, os objetivos derivados, isto é, no caso, imediatos, seriam
dirigidos à escolha dos setores ou produtos da Amazónia que
maior contribuição poderiam oferecer ao desenvolvimento naci­
onal, aproveitando...

“[...] suas vantagens comparativas, isto é, daqueles


setores ou produtos que, tornando-a mais apta a pro­
duzir que outras regiões, gerem a maior soma possível
de renda e emprego para os residentes na área. É aí
que se compatibiliza o interesse do País com o interes­

84
se regional. Pelo sistema de trocas interestaduais ou
internacionais e pelo fortalecimento simultâneo do po­
der de compra de suas populações, a Região logrará
aumentar sua participação no Produto Nacional Bruto
e instalar um processo de desenvolvimento auto-sus­
tentado [...], O sistema estratégico assim concebido
como Modelo Amazônico de Desenvolvimento segue as
linhas do que se poderia chamar um modelo de cresci­
mento desequilibrado corrigido. E desequilibrado na
medida em que concede destaque a determinados seto-
res e produtos - os dotados de vantagens comparati-
/
vas - pondo em plano secundário os demais. E corrigi­
do porque nele se inserem complementações e corre-
ções que visam fundamentalmente a conduzir a Região
a participar das vantagens e utilidades que cederá o
País ao exterior.”84

Após destacarem o incentivo às atividades destinadas ao


aproveitamento, entre outros recursos económicos, das imensas
reservas madeireiras, ao referir-se aos recursos minerais existen­
tes na Amazónia, os autores do Programa de Ação do Governo
para a Amazónia, assinalavam que esse setor “oferece vantagens
comparativas excepcionais na Amazónia [...], particularmente o
minério de ferro, em Carajás, e a bauxita, no Trombetas. A mag­
nitude desses empreendimentos e os investimentos complementa­
res na infra-estrutura de apoio em transportes, energia e serviços
básicos, bem como novos segmentos industriais complementares,
deverão produzir repercussões extremamente importantes, não só
no nível regional como n a cio n a l85 Sobre o tipo de atividades
industriais que deveriam ser priorizadas na região, diziam os téc­
nicos que a “estratégia para o setor industrial reorientar-se-á para
o reforço de setores-chave, através da concessão de incentivos
fiscais às indústrias voltadas, prioritariamente, para o aproveita­
mento de matérias-primas regionais, particularmente nos setores
mineral e madeireiro” .86 A respeito do incentivo aos projetos

85
agropecuários, afirmava-se: “O desenvolvimento da pecuária na
Amazónia Legal [»..] tem como objetivos específicos: produzir ex­
pressiva receita cambial através da exportação de carne bovina;
contribuir para o atendimento da demanda regional; criar uma
reserva para o abastecimento de outros centros do mercado naci­
onal; promover a ocupação efetiva do território Amazónico”.87

c5.5. Projetos de colonização da Transamazônica

A política agrícola praticada pelos Governos Militares deu


prioridade, nas diferentes regiões do país, às culturas de exporta­
ção e à concentração fundiária, proporcionando créditos e incen­
tivos fiscais aos grandes proprietários de terra e a empresas agro-
industriais. Sem dúvida, o custo social da modernização autoritá­
ria e conservadora do campo foi aterrador. Após a expulsão de
milhares de famílias camponesas de suas terras, em 1978, as
propriedades agrícolas superiores a 1.000 hectares, representan­
do 1,8% dos imóveis cadastrados, ocupavam 57% das terras agrí­
colas do país. No mesmo ano, 3.200 propriedades gigantes-soma­
vam 102 milhões de hectares, área três vezes superior àquela de
que dispunham 2 milhões de minifundistas. Também agravaram-
se, nesses anos, os índices da distribuição desigual da renda per
capita agrícola. Em 1970, 1% dos grandes proprietários dispu­
nha de 10% do total da renda; em 1 9 8 0 , de 3 0 % . Em
contrapartida, no mesmo período, a renda de 50% dos agriculto­
res mais pobres diminuía de 22% para 15%.88
Durante o mandato presidencial de Garrastazu Médici, vi­
sando diminuir as tensões sociais no campo nas regiões Sul, Su­
deste e, sobretudo, Nordeste, o governo federal resolveu promo­
ver a migração de milhares de camponeses para a Amazónia,
oferecendo-lhes lotes de 100 hectares, por família, de terras situ­
adas nas margens dos 2.000 km de extensão da Transamazônica,89
sob o lema de Terra sem Homem para Homens sem Terra. A
meta inicial era receber 100 mil famílias de colonos90 e um total

86
de 500 mil famílias num período de dez anos.91 No discurso reali­
zado na reunião extraordinária da Sudam de 1971, o presidente
Médici defendia a importância dos projetos de colonização na
Transamazônica com as seguintes palavras:

“Somente qufem testemunhou no Nordeste a caminha­


da de milhões de brasileiros sem terra e, agora, vem à
Amazónia contemplar essas paisagens de milhões de
hectares ainda desaproveitados, pode sentir, em toda a
sua crueza, o quadro vivo de nossa luta pelo desenvol­
vimento [...]. Tenho bem presente o espetáculo de 30
milhões de nordestinos, que vivem em torno de núcleos
- esparsos de produção agrícola e industrial, produzindo
e consumindo menos de 15 por cento da renda inter­
na. Sei que essa pequena produção está nas mãos de
um décimo da população daquela área. Constato que,
por falta de uma infra-estrutura económica e social
adequada, esses brasileiros não se encaminham para
as áreas desocupadas do País, que estão à espera de
braços para constituírem novos pólos de prosperidade
e riqueza. Conheço todo o drama de sua migração
para o Centro-Sul, agravando as aglomerações mar­
ginalizadas das favelas [...]. E, no entanto, a Amazó­
nia [...] poderia absorver muito mais do que toda a
população atual do Brasil. Aquilo que não se pode fa­
zer devido à escassez de capital pode ser feito com um
programa integrado de colonização e de desenvolvi­
mento, com um mínimo de recursos económicos, ca­
paz de gerar rapidamente a riqueza, para complemen­
tar, sem inflação, o esforço necessário à solução dos
dois problemas: o do homem sem terras no Nordeste e
o da terra sem homens na Amazónia [...], o Nordeste
não permite, sem um dispendioso esforço de irrigação,
níveis de renda adequados à sua grande massa
populacional. Nessas condições, se impõem a expansão
do setor agropecuário nas regiões favoráveis, o apro­
veitamento dos jazimentos minerais e a industrializa­
ção na medida necessária, bem como, ao mesmo tem­
po, a redistribuição dos seus excedentes demográficos,
ocupando espaços internos vazios, mas potencialmente
poderosos, sobretudo no território e atuação da Sudam
[...]. Estaremos, assim, facilitando o esforço de ocupa­
ção e desenvolvimento da Amazónia - imperativo do
progresso e compromisso do Brasil com a sua própria
História. ”92

O projeto de colonização dirigida, foi iniciado em 1971


e paralisado em 1974, sem nunca ter alcançado as metas pre­
vistas pelo governo federal, nem tampouco de muitas das famí­
lias que abandonaram suas terras pelas promessas do governo.
Avelino Ganzer, que, em 1983, assumiu a presidência do Sindi­
catos dos Trabalhadores Rurais (STR) de Santarém e, posteri­
ormente, a vice-presidência da CUT-Nacional, assim relata sua
chegada, em 1972, junto com seus pais e oito irmãos, após
venderem seus 15 hectares de terra no município de Irai .(Rio
Grande do Sul), a uma colónia agrícola da Transamazônica
situada a 20 km da vila de Rurópolis, então pertencente ao
município de Santarém:

“Quando chegamos já estava armado um certo conflito,


porque havia a promessa de que nós íamos ter um ter­
reno, uma casa, dois hectares de terra já pronta para
plantar, uma vaca, um casal de porcos... Não havia
nada disso. Nem se sabia onde eram os terrenos.”93

Entretanto, a propaganda oficial sobre a “terra prometi­


da” favoreceu a vinda para a Amazónia, sem qualquer ajuda ofici­
al, de milhares de camponeses sem terra e minifundistas de outras
regiões do país, boa parte dos quais acabaram ocupando, como
posseiros, milhares de hectares da Amazónia, sobretudo do Su­
deste do Pará.94 Tal migração ajuda a explicar o fato de a taxa de
população urbana do Pará ser inferior à média nacional, apesar
do importante crescimento no número de habitantes experimenta­
do nas últimas décadas pelos núcleos urbanos paraenses.

* Tabela 5
Estado do Pará: população total,
urbana e rural (1950-1991)

Ano Total Rural Llrbana

1950 1.123.273 734.262 389.01 1

19(50 1.329.293 9 14 .32 0 6 14.973

1970 2 .1 6 7 .0 1 8 1.145.052 1.021.966

1980 3 .4 1 1 .8 6 8 1.742.206 1.669.662

1991 5 .1 8 1 .5 7 0 2 .5 7 1 .7 9 3 2 .60 9 .7 7 7

lònte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil - 1981 c IBGE, Sinopse Prelimi­


nar do Censo Demográfico de 1991.

3 . 6 . Os incentivos fiscais para a Amazónia Legal:


indústria e agropecuária e conflitos agrários

A política de incentivos fiscais, imposto de renda não pago


à Receita Federal com a condição de que o seu montante fosse
investido em projetos económicos na Amazónia Legal, foi aprova­
da durante o governo de João Goulart, exatamente em 1963,
mas somente no ano seguinte, já instaurado o Regime Militar, que
os primeiros projetos começariam a ser implementados. No início
de março de 1964, o governador do Pará, Aurélio do Carmo,
dirigiu uma circular aos presidentes das Federações das Indústrias
do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Porto Alegre, e aos das
Associações Comerciais desses mesmos estados com o objetivo de
estimular a instalação de novas indústrias no Pará. Leia-se:

“Senhor Presidente: Consoante a política de desen­


volvimento económico que vimos imprimindo na che­
fia do Governo do Estado do Pará, tendo em vista as
facilidades facultadas pela recente lei n° 4 .2 1 6 de
0 6 /0 5 /6 3 que estende à Região Amazônica os be­
nefícios do art. 34 da lei n° 3.9 9 5 , de 14 de dezem­
bro de 1961 (Plano Diretor da Sudene)’, e que per­
mite o reinvestimentó do 50% do imposto de renda
em indústria considerada, pela SPVEA, de interesse
para o desenvolvimento da Amazónia, bem como van­
tagens que a legislação estadual concede a indústrias
que venham a se instalar no Estado, tenho a honra
de solicitar a Vossa Senhoria se digne convidar, den­
tre os associados dessa Federação, elementos possi­
velmente interessados em investir recursos em nosso
Estado.”95

Num primeiro momento, os incentivos fiscais foram exclu­


sivamente destinados a estimular as atividades industriais na Ama­
zónia Legal, especialmente na área metropolitana de Belém, sen­
do os principais beneficiários os empresários locais. Em outubro
de 1966 (lei n° 5.174, 2 7 /1 0 /6 6 ), foi reformulada a política de
incentivos fiscais com o intuito de estender esses benefícios tam­
bém a projetos agropecuários a serem implementados na região,
nos mesmos termos que os incentivos fiscais vinham sendo aplica­
dos na área de atuação da Sudene. Num ou noutro tipo de proje-
to, uma das principais justificativas para os incentivos fiscais, a
serem aplicados quer na Amazónia Legal quer no Nordeste, era a
falta de capital nessas regiões para a modernização das suas eco­
nomias. Num trabalho publicado pela Sudam em 1971, intitulado
Sudam: Breves Considerações, lê-se:

90
“O grande instrumento de desenvolvimento amazônico
é a política de Incentivos Fiscais, introduzida pelo Go­
verno da Revolução. Além da dedução dos 50% do
imposto de renda, para a aplicação em projetos eco­
nómicos, considerados prioritários para o soerguimento
da área, o homem de empresa pode ter o seu projeto
beneficiado com a isenção do imposto de renda, isen­
ção de taxas alfandegárias e do imposto de importa­
ção, para equipamentos e máquinas sem similares no
País. Independente destes favores oferecidos pela União,
os governos das Unidades políticas que constituem a
Amazónia Legal [...], possibilitam outras vantagens,
principalmente as relacionadas com tributos e cessão
de terras, constituindo-se assim um grande atrativo
fazer investimentos na Amazónia. ”í,(>

Segundo dados da SPVEA, dos 31 projetos industriais


(total 23), agro-industriais e navegação aprovados pela SPVEA
(1964-1966) para serem contemplados com os benefícios da lei
de incentivos fiscais, 18 deles foram destinados ao Pará, repre­
sentando cerca de 75% do valor total dos incentivos fiscais libera­
dos para esse fim. Outros 5 projetos foram destinados ao
Maranhão, 3 ao Mato Grosso, 2 a Goiás e apenas 1 para os
Estados do Amazonas, Amapá e Rondônia.9/
Essa preferência pela Amazónia Oriental foi, certamente,
favorecida pela construção da rodovia Belém-Brasília, o maior
contingente populacional e o maior grau de desenvolvimento das
atividades económicas do Pará, comparativamente aos outros Es­
tados da Amazónia Ocidental. Contudo, segundo o ministro do
Interior, general Afonso Augusto de Albuquerque Lima, outros
motivos deveriam ser incorporados para compreender essa opção
preferencia] pelo Pará e os outros Estados da Amazónia Oriental.
Numa palestra proferida no II Fórum Amazonian realizado na
Casa dos Estudantes do Brasil (Rio de Janeiro), em 6 de maio de
1968, Alburquerque Lima assinalava:
“Esse aspecto contrastante de duas Amazônias surgiu
como consequência negativa da agência de desenvol­
vimento da região - antiga SPVEA. De fato, esse
órgão sofreu um processo de distorção violento, pro­
piciado pela maior capacidade de barganha, enquan­
to o Amazonas e as demais unidades federativas eram
marginalizadas do processo de distribuição de recur­
sos orçamentários.”98

Entretanto, apesar desses comentários do ministro do Inte­


rior Albuquerque Lima, na distribuição por unidades da Federa­
ção dos projetos da Sudam, entre dezembro de 1966 e dezembro
de 1969, apenas 14 projetos, dos 216 aprovados nesse período,
foram para os Estados da Amazónia Ocidental, 90 projetos fo ­
ram para o Mato Grosso (88 deles agropecuários) e 87, para o
Estado do Pará (5Q agropecuários).99 Na próxima tabela, mos­
tra-se o predomínio das verbas destinadas ao' projetos do setor
primário, a grande maioria agropecuários, no total dos projetos
aprovados durante os primeiros anos de atuação da Sudam, com­
parativamente ao período da SPVEA, e a predominância, no to­
tal dos projetos, das verbas recebidas pelo Pará e Mato Grosso.
Segundo dados do Censo Industrial de 1960, o Pará con­
tava nesse ano com 1.208 estabelecimentos industriais, represen­
tando cerca de 70% do total das indústrias existentes na Amazó­
nia brasileira.100 Em 1968, 64% dos empregados das indústrias
de bens de consumo (alimentos, bebidas, vestuário) da Região Norte
trabalhavam em empresas radicadas no Pará e 24,6% , no Estado
do Amazonas.101 No período de vigência do I PDA (1972-1974),
nenhum projeto industrial foi contemplado para ser beneficiado
pela lei de incentivos fiscais e apenas 1,4% dos projetos aprovados
eram agropecuários, ao serem escolhidos, como metas principais
da ação do governo federal na Amazónia os projetos de coloniza­
ção e, sobretudo, os destinados a melhorar a rede viária terrestre.

92
.
N-

Fonte: Departamento de Incentivos da Sudam, Cálculos Departamento de Planejamento Económico


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Projetos aprovados por setores e Unidades da Federação:

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valor dos investimentos totais no período 19,64-1967

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Tabela 6

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93
Perspectiva que mudaria no II PDA, quando, além de serem pratica­
mente abandonados os projetos de colonização, 15,4% dos projetos
aprovados, entre 1975 e 1979, correspondiam ao setor de minera­
ção, 13,0% ao setor industrial, 11,7% à agropecuária e 15,8 e 19,1
por cento para energia e transporte, respectivamente.102

Tabela 7
Estabelecimentos industriais e número
de operários no Estado do Pará (1940-1988)
Números de
Anos Números de operários
estabelecimentos

1940 666 10.595

1950 1.001 10.321

1960 1.222 10.019

1970 2 .31 7 2 0.0 34

1980 4.860 4 9.057

1988 6 .458 127.301

Fonte: Leila Mourão, Memória da Indústria Paraense, Belém, Fiepa, 1989,


p. 77; e Tereza Cativo Rosa et. al., ‘Perspectiva da economia industrial ”,
Pará Desenvolvimento, n° 26, Belém, jan./jun. de 1990, p. 112 e 114.

Roberto Santos subdivide em duas fases o processo da ins­


talação das pequenas e médias empresas que abastecem o merca­
do local no Pará: denomina a primeira de fase pioneira (entre
1964 e 1970) e, a segunda de fase de consolidação (nos anos
posteriores). Na fase pioneira, os principais beneficiados pelos in­
centivos fiscais oferecidos pelo governo federal e pelo governo
paraense, foram os empresários locais. Porém, segundo esse au­
tor, o balanço não foi muito alentador:
“[...] o parque novo estava em boa parte construído, mas,
seus administradores se achavam, para usar uma linguagem
metafórica, esgotados, enfrentando às vezes dificuldades téc­
nicas graves, ou problemas de mercado, ou penúria de re­
cursos de crédito, ou todos esses problemas reunidos. ’103

Isso explicaria, segundo Roberto Santos, o processo de


desregionalização de parte das indústrias locais acontecido na fase
de consolidação. Foi o que ocorreu, por exemplo, coin a indústria
de cerâmica e parte da metalúrgica, madeiras, produtos alimentí­
cios, bebidas e totalmente com a de cimento. Ainda assim, alguns
setores industriais continuaram, nos anos 70, sob controle do
empresariado local: têxtil, papel e papelão, farmacêutico, perfu­
marias e sabões, vestuário, editorial e gráfico. Em 1984, segundo
dados do IBGE, dos 3 0 2.3 53 trabalhadores assalariados existen­
tes no Pará (70% dos quais trabalhavam na Região Metropolita­
na de Belém, sempre excluídos os em pregados no setor
agropecuário), 85.201 trabalhavam na administração pública,
39.035, nas indústrias de transformação, 37.287, no comércio,
25.832, nas empresas de construção civil, 14.088 nos serviços de
transporte, 11.099, nas indústrias de madeira, 9.525, nas de
alimentos e 3.506, nas têxteis.104
O governo federal, após abandonar, em 1974, os projetos
de colonização na Transamazônica, optou também por dar priori­
dade na Amazónia Legal à concentração fundiária, tendo nos in­
centivos fiscais o principal instrumento para que grandes proprie­
tários de terra e/ou empresas agroindustriais adquirissem, sem
ter necessidade de fazer quase nenhuma inversão de capital, gran­
des extensões de terra utilizando-as, em muitos casos, exclusiva­
mente como reserva de valor ou diretamente em atividades
especulativas. Por exemplo, dos 336 projetos aprovados pela Sudam
até meados de 1977, nos quais estava prevista uma inversão de 7
bilhões de cruzeiros, apenas 2 bilhões corresponderiam a recursos
próprios das empresas, correspondendo os 5 bilhões restantes a
incentivos fiscais105: “O Banco Mundial calculou em um bilhão de
dólares o total de incentivos liberados pela Sudam nas últimas
duas décadas”.106
Até 1981, segundo dados da Sudam, 602 projetos (346
agropecuários, 191 industriais e 65 projetos diversos) tinham sido
aprovados para serem contemplados pelos benefícios oferecidos
pela lei de incentivos fiscais, 240 dos quais já estavam implanta­
dos (104 agropecuários, 99 industriais e 37 referentes a outros
tipos de projetos).10' O total de projetos agropecuários já instala­
dos somava aproximadamente 8 milhões de hectares, dos quais
cerca de 5 milhões para os 184 projetos implementados no Mato
Grosso e 1,8 milhões de hectares nos 105 projetos em funciona­
mento no Pará.108 Dos 1.199 projetos aprovados pela Sudam
para serem implementados no Pará entre 1975 e 1989, 638
deles eram agropecuários, 68, agroindustriais, 397, industriais,
49, setoriais e 47, para serviços básicos.109
Como assinalei acima, a maioria dos incentivos fiscais con­
cedidos a projetos agropecuários beneficiaram grandes proprietá­
rios de terra e empresas agroindustriais de outras regiões do país,
contudo parte dos mesmos foi utilizada também por latifundiários
da Amazónia para incrementar o número de suas propriedades
rurais ou “m odernizar” outras. Por exem plo, as famílias
oligárquicas que controlavam a produção de castanha no Sudeste
do Pará, intensificaram com ajuda oficial, sobretudo a partir de
meados dos anos 70, o desmatamento de áreas de castanhais para
o plantio de pastos para a criação de gado e, assim, garantir a
posse definitiva das terras ao converterem os antigos aforamentos
em títulos definitivos.
Em 1960, existiam no Pará 33 estabelecimentos rurais
com mais de 10.000 hectares. Vinte anos depois, já eram 199,
ocupando 35,7% das áreas agrícolas cadastradas, enquanto 1,5%
das terras agrícolas repartia-se entre 8 1 .0 4 8 camponeses com
propriedades de menos de 10 hectares.110 Segundo dados do go­
verno paraense, em 1980, menos de 1% dos estabelecimentos
existentes no Estado dispunham de 58% da área total, empregan­
do somente 3% da população economicamente ativa do setor agrí­

Qfí
cola, enquanto os restantes 99% dos estabelecimentos ocupavam
42% da área e 97% das pessoas ocupadas nesse setor económi­
co.1" Dados levantados por Alfredo Wagner de Almeida a partir
das estatísticas cadastrais do INCRA, mostraram que, fem 1985,
já eram 451 os imóveis rurais com área igual ou superior a 10
mil hectares no Estado der Pará."2
A reduzidíssima produtividade da maioria dos grandes lati­
fúndios existentes na Amazónia Ilegal permite questionar outro
dos aspectos que a denominada “modernização agrícola” propor­
cionou a essa região. Por exemplo, em meados dos anos 1980, os
pequenos produtores do Pará e do Amapá com propriedades infe­
riores a 100 hectares, mesmo sem quase nenhuma ajuda oficial e
ocupando apenas 20,3% das terras agrícolas, forneciam 68% do
valor total da produção agropecuária desses dois Estados. Se fo ­
rem considerados apenas os alimentos básicos, como arroz, milho
e feijão, tal porcentagem eleva-se para 80%. Esses produtores
eram também os principais responsáveis pelo fornecimento de
pimenta-do-reino, cacau e matérias-primas industriais, como a
juta, malva e algodão."3 Ainda assim, em 1995 o Pará contri­
buiu apenas com 1% da produção agropecuária nacional, e im­
portava 58% do arroz, 63% do milho e 69% do feijão consumi­
dos no Estado.114

4. O “Ciclo do M inério”

O Pará é o estado brasileiro onde se localizam as maiores


jazidas de minério descobertas ou já em atividade no Brasil; as
mais importantes reservas de minério de ferro, de alumínio e
cobre; a segunda maior reserva de manganês do país; além de
importantes reservas de ouro, níquel, estanho e caulim. Não foi
acaso, portanto, o fato de ter sido nesse Estado que se deu a
implementação dos denominados grandes proje'tos mínero-
metalúrgicos e hidrelétricos na Região Norte, especialmente os
destinados a viabilizar a extração e transporte das riquezas minei­
ras descobertas na Serra dos Carajás, considerada a maior
Província Mineral do Mundo, sem desmerecer as outras ativi­
dades mineiras desenvolvidas no Pará, por exemplo as destina­
das ao beneficiamento da bauxita extraída na área no rio Trom­
betas (município de Oriximiná, Baixo Amazonas). A partir da
segunda metade dos anos 80, quando entram em operação o
Projeto Ferro Carajás e a Albras, a extração das riquezas
minerais do subsolo consolida-se como a principal atividade
económica do Pará dirigida à exportação.1 Na década de 90,
o Pará já era o Estado brasileiro que maior volume de minério
exportou.
Em 1963, a empresa canadense Alcan iniciou suas pes­
quisas na região do Trombetas, município de Oriximiná, das
quais resultaria a descoberta das jazidas de bauxita, cujo volu­
me total é estimado em cerca de 600 milhões de toneladas. Em
agosto de 1979, saía do Porto Trombetas da empresa Minera­
ção Rio do Norte (MRN) o primeiro barcb carregado de bauxita
para o exterior.116 No dia 31 de julho de 1967, o paulista
Breno Augusto dos Santos, geólogo contratado pela Compa­
nhia Meridional de Mineração, subsidiária da companhia nor-
te-americana United States Steel, recolheu as primeiras amos­
tras de ferro na Serra dos Carajás. Análises posteriores con­
firmaram que em Carajás, serra localizada a 85 0 quilómetros
de Belém, encontrava-se a maior jazida de ferro de alto teor
da Terra.117 Mas, além do minério de ferro, cujas reservas são
estimadas em cerca de 18 bilhões de toneladas (uma produção
anual média de 43 milhões de toneladas corresponderia a uma
atividade extrativa superior a quatro séculos), localizam-se na
Serra dos Carajás, importantes jazidas de cobre, manganês,
níquel, bauxita, ouro, estanho, prata, diamante.118
A partir da segunda metade dos anos 70, a exploração e
comercialização do minério de ferro e de outros minerais des­
cobertos no Pará converteram-se no objetivo principal da in­
tervenção económica do Regime Militar na Amazónia. Com
essa finalidade, e já em andamento a construção da hidrelétri-

98
ca de Tucuruí e da estrada de ferro Carajás-Ponta da Madeira
(São Luís do Maranhão), através do decreto-lei n° 1.813, de
24 de novembro de 1980, foi instituído o Programa Grande
Carajás (PGC). A área que abrangia o PGC119 era de 8 9 5 .2 6 3
km2 (10,5% do território nacional), ao norte do paralelo 8 o,
entre o delta do rio Amazonas e os rios Xingit (Pará) e Parnaíba
(limite Maranhão-Piauí), incluindo-se nela parcialmente terri­
tórios dos Estados do Maranhão, do Pará e de Goiás (depois
território do Tocantins). No Pará, a área de atuação do PGC
era de 5 2 2 .6 2 4 km2, cerca de 40% de todo seu território.120 O
PGC não ficaria restrito à pesquisa, extração, beneficiamento,
elaboração primária ou industrialização e transporte do miné­
rio, mas seria também destinado ao incentivo de atividades
a g rop ecu á ria s e a g ro in d u stria is, re flo re s ta m e n to e
beneficiamento e industrialização de madeiras e aproveitamen­
to de fontes energéticas.
Nos anos 70, os principais produtos do Pará destinados
ao mercado internacional eram a castanha, a pimenta-do-rei-
no e madeiras. Em 1 9 7 2 , o valor total das exportações
paraenses foi de cerca de 40 milhões de dólares.121 A castanha
e a pimenta, que em 1975 representaram, respectivamente,
2 1 ,6 % e 4 2 ,0 % das exportações, em 1982 diminuíram sua
participação a 5 ,7 % e 12,6% . No período de 1978 a 1984, os
produtos industriais intermediários responderam por 78% da
receita de exportação do Pará, destacando-se a bauxita não-
calcinada e a madeira serrada, que representaram, respectiva­
mente, 21,9% e 19,7% do total.122
Em 1980, de cada 10 dólares gerados pela economia
paraense, um era exportado. Em 1988, essa relação já era de
cinco para um. De US$ 400 milhões exportados em 1980, che-
gou-se a US$ 1,2 bilhão em 1988, apresentando nesse ano um
saldo de divisas acima de US$ 900 milhões, respondendo os pro­
dutos minerais por cerca de 70% das exportações.123 Em 1989, o
valor total das exportações do Pará foi de 1.406.515 dólares,
representando, nesse ano, 4,4% das exportações brasileiras, quando

OO
na década de 70 eram inferiores a dois dígitos. Por exemplo, em
1972, as exportações do Pará alcançaram os 46.793 milhões de
dólares e, em 1979, 2 3 3.0 28 milhões; ou seja, 1,3% e 1,5% das
exportações brasileiras nos mesmos anos. Em 1986, o Pará ele­
vara sua participação a 3,6% e próximo de 5% do total das ex­
portações do país, em 1990.124

Tabela 8
Participação relativa dos principais produtos
exportados pelo Pará: 1975-1989
Produtos 1975 1980' 1985 1989*

Pimenta 4 2,0 12,3 18,6 3,3

Madeira 2 8,0 2 3,4 19,1 8,9

Pasta
Química de - 2 1,0 10,1 8,0
Madeira

Castanha 2 1 ,6 4,2 4,1 1,0

Cacau e
Prod. 2,4 1.2 2,1 0,9
Derivados

Juta em
2 ,3 0,8 0,7 0,1
Geral

Bauxita - 14,8 2 2,4 9,1

Fonte: Departamento de Fundos e Programa/SECEX (1990); apud Luís


Flávio Maia Lima, "Integração regional e ‘enclaves fordistas’ no Pará: Uma
abordagem geral ”, em Tereza Ximenes (org.), Cenários da Industrialização da
Amazónia, Belém, UNAMAZ/NAEA-UFPA, 1995, p. 139.
* Não foi incluída a participação da produção de ferro de Carajás, exportado
através do porto de Ponta da Madeira (Maranhão).

Em 1995, 14% do PIB e 71% das exportações do Pará


provinham do setor mineral.
Tabela 9
Principais produtos das exportações paraenses: 1991-1995
(US$ milhões)
1. Básicos 1991 1993 1995

Hematita (ferro) 6 01 ,75 5 599 ,73 5 704,606

Bauxita 159,775 148,956 115,990

Caulim (Lav. ou Benef.) 3 3 ,9 6 8 5 9 ,7 0 9 5 6 ,0 1 6

Pimenta 47,962 2 5,6 99 49,061

Minério de Manganês 3 6,2 88 16,255 3 5,267

Camarões Congelados 2 6,494 42,061 2 6,624

Castanha do Brasil 12,505 14,264 2 0,0 37

Peixes 4 ,048 4,30 5 3 ,70 7

2. Industrializados 1991 1993 1995

Alumínio não ligado 3 04 ,67 0 4 13 ,01 4 592,441

Madeira 141,205 2 44 ,2 2 6 3 48 ,10 2

Pasta Quím. de Madeira 9 8,1 44 104,041 142,139

Silício 8 ,234 11,400 2 3,6 33

Palmito em Conserva 2 4,793 2 8,363 2 0,597

Ferro-gusa 4,02 3 5 ,2 7 6 2 0,412

Cacau 13,295 15,210 1,476

3. Outros produtos 18,770 4 8,5 25 2 1,319

Total 1.576,814 1.781,048 2 .1 8 1 ,4 3 6

Fonte: Secretaria de Comércio Exterior, elaborado pela Divisão Técnica da


Federação das Indústrias do Pará, apud Nosso Pará (A Economia dos Con­
trastes), n° 3, Belém, Ver Editora, 1996, p. 62-63.

Em decorrência da queda no volume de madeira exporta­


da e da diminuição do preço no mercado internacional da celulo­
se, em 1996 as exportações do Pará diminuíram, em relação a
1995, em US$ 64 milhões, somando um total de US$ 2,11 bi­
lhões. As exportações de minério somaram um total de cerca
de US$ 1,5 bilhão (pouco mais de 74% do total). As exporta­
ções de ferro de Carajás representaram IJS$ 69 6 milhões e o
alumínio da Albras, US$ 5 1 2 milhões. As de madeira soma­
ram um total de US$ 29 2 milhões. Os produtos extrativos da
floresta apenas representaram, nesse ano, 1,3% do total.12'1
Em 1997, o Pará era o sétimo maior estado exportador do
Brasil, respondendo por 4 ,5 % da receita total das exporta­
ções, sendo que as exportações de minério de ferro, alumínio,
madeira, bauxita e ouro, representaram 72% do valor total
das exportações paraenses.I2f’
A partir de 1986, ao iniciar-se a exportação de ferro
extraído da Serra dos Carajás, se consolida no Pará o que
podemos definir como ciclo económico do minério, que vai su­
plantando, como vimos, o anterior pautado pela extração das
riquezas da floresta e pelas atividades agrícolas de subsistên­
cia. A estas últimas se dedicava a maior parte da População
Economicamente Ativa (PEA) da região até início dos anos 80.
Vejamos na próxima tabela a evolução percentual da PEA do
Pará por setores económicos no período de 1970 a 1985, sen­
do motivo de destaque o crescimento da PEA do setor industri­
al e do setor de serviços, a diminuição percentual da PEA do
setor agropecuário e a diminuição do setor de serviços no PIB
estadual.
Também poderíamos acompanhar outras mudanças só­
cio-econômicas ocorridas no Pará nos anos 70 e início dos anos
80, através do estudo dos movimentos demográficos nesse Esta­
do, quer das pessoas que nela nasceram ou já aí residiam então,
quer das que imigraram, nesse período, de outros estados do
país. É o caso, por exemplo, das famílias de camponeses que
chegaram no início dos anos 70 para se instalar nas colónias
agrícolas nas áreas próximas à Transamazônica e as milhares
delas que, sem qualquer ajuda oficial, ocuparam terras, geral­
mente como posseiros, para desenvolverem atividades agrícolas
em diferentes municípios paraenses; dos que optaram por traba­
lhar na construção das novas estradas ou procuraram emprego
nas novas indústrias; os que se converteram em garimpeiros,
por exemplo em Serra Pelada; dos que conseguiram emprego
nas fazendas agropecuárias ou no setor terciário (comércio e servi­
ços) nos núcleos urbanos; ou, enfim, dos que trabalharam na cons­
trução da infra-estrutura* que demandavam os projetos mínero-
metalúrgicos e hidrelétricos (Hidrelétrica de Tucuruí, Porto Trombe­
tas, Carajás, Barcarena). Eram novas opções de trabalho e emprego
que, além do incremento do número total de assalariados no Pará,
tanto no setor primário, como no secundário e terciário, também
contribuíram para acelerar a crise do sistema de aviamento na
região.

Tabela 10
Estado do Pará; População Economicamente Ativa e
percentagens PEA e PIB segundo setores económicos
(1970-1985)

1970 1980 1985


Setores
Económicos PEA PEA PIB PEA PEA PIB PEA PEA
% % % % %

Agropecuária 347.161 56 22,8 440.668 43,9 19,1 480.502 37,6

Indústria 72.772 11,7 12,1 182.455 18,2 30,1 279.463 21,9

. Serviços 200.381 32,3 65,1 381.006 37,9 50,8 517.287 40,5

Total 620.314 100 100 1.004.129 100 100 1.277.252 100

Fonte: IBGE — Censos Demográficos de 1970 e 1980. Cálculos e Tabulação


Idesp.
Tabela 11
População recenseada na Região Norte: 1950-1991
Estado 1950 1960 1970 1980 1991
Acre 36.935 160.208 218.006 306.893 417.165

Amapá 37.477 68.889 116.480 180.078 288.690


Amazonas 514.029 721.215 960.934 1.449.135 2.102.901

Pará 1.123.273 1.550.935 2.197.072 3.507.312 5.181.570

Rondônia 36.935 70.783 116.620 503.125 1.130.874

Roraima 18.116 29.489 41.638 82.018 215.950


Tocantins - - - - 920.116

Total 1.844.855 2.601.519 3 .650.750 6.028.561 10.257.266


Fonte: IBGE, IX Recenseamento Geral do Brasil-1980, e Sinopse Prelimi­
nar do Censo Demográfico de 1991.

Tabela 12
População do Pará, Região Norte e Brasil: 1950-1991
Região
Estado do Região
Ano Brasil Norte/Brasil
Pará Norte
%

1950 1.123.273 1.844.655 5 1 .9 4 4 .3 9 7 3 ,6

1960 1.529.293 2 .5 6 1 .7 8 2 7 0.0 70 .4 57 3 ,7

1970 .2 .1 6 7 .0 1 8 3 .6 0 3 .8 6 0 9 3 .1 3 9 .0 3 7 3,9

1980 3 .4 1 1 .8 6 8 5 .8 9 3 .1 3 6 119 .070.865 4,9

1991 5 .1 8 1 .5 7 0 10.257.266 146.825.475 7,2

Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil — 1981: Sinopse Preliminar do


Censo Demográfico de 1991-Pará: Censo Demográfico-1991 -. Resultadosdo
Universo Relativos às Características da População dos Domicílios n° I .

104
Notas

1Carlos Teixeira da Silva e Maria Yédda L. Linhares, "Região e História Agrária”,


1995, p. 23.
~ Cf. Roberto Santos, História Económica da Amazónia, 1980, p. 13-14.
•'Idem, ibidem, p. 14. •
4 No Tratado de Tordesilhas, acordo ratificado, sob a mediação do Sumo Pontí­
fice da Igreja Católica Romana, Alexandre VI, entre os reinos de Castela-Leão e
Aragão (Espanha) e Portugal, fora decidido que as terras situadas a mais de 3 70
léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde pertenceriam à Espanha e as situa­
das nessa franja e a leste das ilhas de Cabo Verde, à Portugal. Esse meridiano
imaginário (formalmente nessa data era ainda desconhecida a existência do con­
tinente americano e, portanto, das terras do futuro Brasil), situa-se entre Belém
e a Ilha do Marajó, atravessando o território do atual Estado de São Paulo.
’ Ainda que em algumas áreas, por exemplo no atual município de Cametá, exis­
tissem plantações de cacau, a maior parte dele era retirado pelos indígenas dos
cacaueiros espalhados pela floresta, fosse por exigência dos colonos portugueses
ou pela dos missionários das diferentes ordens religiosas, especialmente os da
Companhia de Jesus. O número total de índios que viviam na Amazónia, antes e
durante o período colonial, continua sendo uma incógnita não resolvida pelos
demógrafos, arqueólogos e historiadores. As cifras propostas para início do sécu­
lo XVI, variam entre um (01) e oito (08) milhões. Mas, o que ninguém parece
questionar é a queda demográfica sofrida pelos povos indígenas a partir de então,
seja em decorrência da desestruturação das suas tradicionais condições de vida,
seja por culpa das doenças trazidas da Europa até então desconhecidas na Amé­
rica, seja pelos maus-trâtos, escravidão, guerras ou assassinatos. Atualmente ava­
lia-se em cerca de 150 mil os indígenas localizados na Amazónia brasileira.
BMesmo que os dados do total de escravos de origem africana trazidos à Amazó­
nia portuguesa durante todo o período colonial sejam também muito controverti­
dos, como assinalara, por exemplo, Vicente Salles em sua já clássica obra O
Negro no Pará, sob o regime da escravidão, publicada em 1988, segundo Fran­
cisco de Assis Costa, o total de escravos negros que trouxe para São Luís e Belém
a Companhia do Comércio do Grão Pará e Maranhão, entre 1755 e 1777, foi
de 14.749 (E de A. Costa, “Amazónia: Modelos económicos, ideologia e histó­
ria” , 1995, p. 351-352). Vicente Salles assinala que, em 1793, residiam em
Belém 4 .4 3 2 brancos, 3.051 escravos de origem africana e cerca de 1.099
índios, pretos e mestiços libertos (Vicente Salles, op. cit., p. 69-71).
7 Cf. Roberto Santos, op. cit., pp. 17-18. (
8 Cf. Moacir Fecury Ferreira da Silva, Do Regional ao Nacional: Pará (1 8 5 0 /
1914), 1996, p. 46.
0 Wilson Cano e Leonardo Guimarães Neto, “A questão regional no Brasil: Traços
gerais de sua evolução histórica”, 1986, p. 171.
10 Cf. Moacir Fecury Ferreira da Silva, op. cit., p. 47-48.
11 Cf. Nelson Werneck Sodré, História da Burguesia Brasileira, 2a edição, 1967,
p. 175.
12 Cf. José Alberto Magno de Carvalho et al., “Migrações internas na Amazónia”,
1979, p. 199.
13 Cf. Caio Prado Júnior, História Económica do Brasil, 3 4 a edição, 1986, p.
2 3 6 -2 3 7 .
14 Samuel Benchimol, Estrutura Geo-Social e Económica da Ameízônia, 1984,
p. 53.
15 Cf. José Alberto Magno de Carvalho et al., op. cit., p. 199; e Moacir Fecury
Ferreira da Silva, op. cit., p. 2 79 -2 81 . O Brasil exportou no período de 1906
a 1910, um total de 2,1 bilhões de cruzeiros de café e 1,3 bilhão de borracha,
sendo então o maior produtor mundial de ambos os produtos (cf. Lúcio Flávio
Pinto, “O Estado Nacional: Padrasto da Ameízônia”, p. 4). Em 1906, o Pará era
o quarto estado brasileiro que maiores rendas obtinha pelas suas exportações,
apenas superado pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Amazonas (cf.
Jacques Ourique, O Estado do Pará na Exposição Nacional de Rio de Janeiro,
1908, p. 66).
1,1 O número total de nordestinos que migraram para a Amazónia, como tantos
outros dados desse período, continua sendo muito controvertido, variando as esti­
mativas entre um mínimo de 160.000 e um máximo de 400 .00 0 . Ver, a esse
respeito, os pertinentes comentários e os dados fornecidos por Nélson Prado Alves
Pinto, Política da Borracha no Brasil: A Falência da Borracha Vegetal, 1984, p.
21-22; Roberto Santos, op. cit., p. 99-101; José Alberto Magno de Carvalho et
al., op. cit., p. 198-199: e Ricardo Borges, Vivências Amazónicas: Contribuição
ao Conhecimento Sócio-Económico e Político da Região, 1986, p. 393.
17 Cf. Vicente Salles, op. cit., p. 72.
18 Superando, por exemplo, o número de pessoas que residiam nas cidades de
Niterói, Porto Alegre, Fortaleza, Cuiabá, São Luís — 3 1 .6 0 4 — e São Paulo —
3 1 .3 8 5 (cf. Aroldo de Azevedo — org. — . Brasil, a Terra e o Homem, São
Paulo, Companhia Editora Nacional/Edusp. vol. 4, s.d.; apud Violeta Refkalefsky
Loureiro, “História social e económica da Amazónia” , 1989, p. 12).
19 Cf. C. V. Dias, “Vida urbana na Amazónia”, Revista Económica do BASA, vol.
2, n° 1, jan./abr. de 1972, p. 16; apud José Alberto Magno de Carvalho et al.,
op. cit., p. 202.
20 José Veríssimo, “A Amazónia (aspectos económicos)", em J. Veríssimo, Estu­
dos Amazónicos, p. 169.
21 Idem. Ibidem.
22 Roberto Santos, “O genius duma economia: Reflexos e propostas sobre o
desenvolvimento da Amazónia”, 1989, p. 48.

106
23 Governo da Província do Pará, Dados Estatísticos e Informações para os
Immigrantes Publicados por Ordem do Exm. Sr. Conselheiro Cristão1de Alencar
Araripe, Presidente da Província do Pará, 1886, p. 82. As críticas do governo
da Província aos “donos das fabricas ou barracões” , que “unem-se sempre no
mesmo fim de manterem n uma espécie de escravidão os respectivos trabalhado­
res" (idem, ibidem, p. 81), além de verdadeiras, como mostraram os inúmeros
relatos e pesquisas realizadas na .época ou posteriormente, devem ser também
contextualizadas no principal objetivo que tinha o governo provincial ao publicar
esse informe sobre a economia paraense: atrair migrantes europeus para estimu­
lar a produção agrícola no Pará.
24 Wilson Cano e Leonardo Guimarães Neto, op. cit., p. 171.
2,> T. Braga, Noções de Chorographia do Estado do Pará, 1919, p. 230.
* FASE, O contexto sócio-econômico e político de Belém, s.d., p . l .
27 Wilson Cano e Leonardo Guimarães Neto, op. cit., 171.
aít Cf. Jacques Ourique, op. cit., p. 70; e Caio Prado Júnior, op. cit., p. 236-
237.
2i> Cf. Samuel Benchimol, op. cit., p. 30-51. Em 1910, o valor das 3 8 .5 4 7
toneladas de borracha exportadas pelo Brasil somou um total de 25.254.371
libras, em 1914, diminuiu para cerca de 7 milhões de libras (total 33.531 tonela­
das) e, em 1921, as 17.493 toneladas exportadas apenas somaram um pouco
mais de 1 milhão de libras (cf. idem, ibidem). Em 1915, os seringais asiáticos
elevaram sua produção para 107 mil toneladas, 304 mil em 1920, 800 mil em
1930 e a cerca de 1 (um) milhão de toneladas em 1937 (cf. Lúcio Flávio Pinto,
op. cit., p. 4). A produção de borracha na Amazónia brasileira que, em 1920, foi
de 3 0 .7 9 0 toneladas, sendo exportadas cerca de 17 mil, diminuiu para 17.137
toneladas em 1930. Nos anos 30 manteve-se, em média anual, uma produção
estimada em cerca de 13 mil toneladas, sendo 17.137 as produzidas em 1941 (cf.
Nelson Werneck Sodré, op. cit., p. 1 76; e Moacir Fecury Ferreira da Silva, op.
cit., p. 299).
30 Cf. José Paes de Carvalho, Manifesto ao Estado do Pará pelo Governador
Dr. José Paes de Carvalho, 1897, p. 6. Em 1906, 2 2 % era a percentagem
da taxa oficial cobrada pela valor da borracha exportada desde o porto de
Belém, 16% a da castanha e 6% , as de cacau e madeira, respectivamente (cf.
idem, ibidem, p. 23).
31 Govêrno da Provincia do Pará, op. cit., p 83.
32 Idem, ibidem.
33 Idem, p. 85-86.
34 David Ferreira Carvalho, “Industrialização tardia e perspectivas de desenvolvi­
mento da Amazónia", 1995, p. 13. Análise similar é feita por Wilson Cano e
Leonardo Guimarães Neto: "Antes da I Guerra Mundial e até início da década de
40, a Amazónia mergulharia num período ou fase de estagnação e decadência
económica" (W. Cano e L. Guimarães Neto, op. cit., p. 171).

107
35 Juan L. Bardalez Hoyos, “Capital social, projetos de desenvolvimento e trans­
formações: Contribuições para uma reflexão”, 1 9 8 6 /1 9 8 7 , p. 19.
38 Cf. Roberto Santos, “A eConomia paraense pela ôtica da renda”, 1979, p. 12.
Entre muitos outros dados fornecidos por Roberto Santos para sustentar a fase
de declínio, ele nos informa da diminuição das receitas dos Estados do Pará e do
Amazonas. A do Pará, que em 1910 tinha sido de 2 0 .2 5 5 contos, em 1915 foi
de 8 .887 e de 8 .51 7, em 1920. No Estado do Amazonas, reduziu-se de 18.060
para 7.428 e 5 .88 8, respectivamente (cf. Roberto Santos, História Económica
da Amazónia, 1980, p. 240).
37 Roberto Santos, História Económica da. Amazónia, 1980, p. 14.
38 Hecilda Mary Veiga, Redemocratização em Belém (1945-1947): Os Comités
Democráticos e a Campanha Contra a Fome, 1984, p. 22.
ss) Em 1940, o total de habitantes da Região Norte era de 1 .4 6 2 .4 2 0 , quase o
mesmo número que havia em 1920, 1 .4 3 9 .0 5 2 (cf. Catharina Vergolino Dias,
“Amazónia Brasileira: Problemas de Subpovoamento” , A Amazónia Brasileira
em Foco, Comissão Nacional de Defesa e pelo Desenvolvimento da Amazónia,
1969, p. 15; apud Otávio Guilherme Velho, Frentes de Expansão e Estrutura
Agrária: Estudo do Processo de Penetração numa Area da Transamazónica,
1981, p. 50.
40Cf. IBGE, Sinopse Preliminar do Censo Demográfico c/q Brasil, 1970 ; IBGE,
Anuário Estatístico do Brasil — 1984 e 1985; IBGE, Censo Demográfico do
Estado do Pará — 1980 ; e Idesp, Estatísticas Demográficas do Estado do Pará,
1987.
41 Cf. Lúcio Flávio Pinto, op. cit., p. 4.
42 Cf. Nélson Prado Alves Pinto, op. cit., p. 94-95.
43 As cifras de nordestinos, principalmente cearenses, que se dirigiram à Amazó­
nia entre 1942 e 1945, são estimadas em cerca de 100 mil, dos quais uns 25
mil com ajuda dos EUA (cf. Adélia Engrácia de Oliveira, “Ocupação humana",
1983, p. 267).
44 Cf. Nélson Prado Alves Pinto, op. cit., pp. 97-98; e Prefeitura Municipal de
Marabá, Marabá: A história de uma parte da Amazónia, da gente que nela vivia e
da gente que a desbravou e dominou, fazendo-a emergir para a civilização, de
1892 até nossos dias, 1984, p. 111-112.
45 Cf. Miranda Neto, O Enigma Amazónia: O desafio ao futuro, 1991, p. 70; e
Hecilda Mary Veiga, op. cit., p. 25-26.
48 Relatório do Banco de Crédito da Borracha; apud Moacir Fecury Ferreira da
Silva, op. c /í., p. 3 2 9 .
47 Cf. Samuel Benchimol, op. cit., p. 125.
48 Idem, p. 93.
49 Em 1960, a castanha representou 5 8% do total das exportações paraenses
(cf. Roberto Santos, “A economia paraense pela ótica da renda", 1979, p. 16).
50 Nelson Werneck Sodré, op. cit., p. 63-64.

108
31 Octavio lanni, Ditadura e Agricultura: O Desenvolvimento do Capitalismo na
Amazónia (1964-1978), 1979, p. 60.
;>2 Raúl Prebisch, “O desenvolvimento económico da América Latina e seus prin­
cipais problemas” , Revista Brasileira de Economia, Ano III, n° 3, setembro de
1949, p. 47-48; apud Flávio Rabelo Versiani e José Roberto Mendonça de
Barros (orgs.), Formação Económica do Brasil: A Experiência da Industrializa­
ção, 1978, p. XII.
MConstituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de Setembro de 1946, em
Constituições do Brasil, 1986, p.295.
’4 Ricardo Borges, Vivências Amazónicas, op. cit., p. 4 63 e 469.
O objetivo explícito dessa mudança foi ampliar as atividades financeiras do
banco, até então restritas quase que exclusivamente à produção e exportação de
borracha. Ver, a esse respeito, A. R Pereira Potyara, “Burocracia e Planejamento
Regional na Amazónia", 1978, p. 136; e Moacir Fecury Ferreira da Silva, op.
cit., p. 340.
;,(i Cf. Maria Celina Araújo, “Amazónia e desenvolvimento à luz das políticas gover­
namentais: a experiência dos anos 5 0 ” , 1992, p. 48.
’7 Cf. Lei n° 1.806, em SPVEA, Brasil, Leis e Decretos etc., 1954.
O território da Amazónia Legal, 5 .0 2 9 .2 3 2 km2, representa cerca de 5 7% do
território nacional (8.511.965 km2) e 65% da Amazónia continental, com 10.948
quilómetros de fronteiras internacionais. Segundo dados do recenseamento de
1950, nesse ano residiam na Amazónia Legal 3 .5 4 9 .5 8 9 pessoas. Em 1970, o
número de habitantes era estimado em 8 .0 5 7 .6 4 0 e em cerca de 11 milhões, em
1980. Em 1998, residiam na Amazónia Legal aproximadamente 18 milhões de
pessoas, pouco mais de 10% do total da população brasileira.
59 Orlando Valverde, “Dos grandes lagos sul-americanos aos grandes eixos ro­
doviários” , 1971, p. 19. Em 1977, todo o território do Estado do Mato Gros­
so seria incluído na Amazónia Legal. Dois anos depois, o senador Lázaro Bar­
bosa, apresentou no Senado um projeto visando incorporar à Amazónia Legal
um maior número de municípios do Estado de Goiás e parte do Distrito Federal
(Brasília), proposta que seria rejeitada por pressão dos parlamentares e gover­
nadores do Pará e do Amazonas. Segundo Alacid Nunes, em palavras proferi­
das na reunião do Conselho Deliberativo da Sudam, realizada no dia 31 de
julho de 1980, a rejeição aconteceu porque se considerou que essa proposta
feria, mais uma vez, os interesses dos estados da Região Norte, região “tantas
vezes esquecida, mas tantas vezes espoliada, e da qual se pretende sugar, até o
último alento, as poucas vantagens graças às quais vem conseguindo, a despeito
de tudo, sobreviver” (“Alacid protesta no Condel contra a expansão da Amazó­
nia Legal” , Observador Amazónico, ano 3, s. n., Belém, agosto/set. de 1980,
P. 9).
60 Participavam da Comissão de Planejamento, todos eles nomeados pelo presi­
dente da República, seis técnicos indicados pelo governo federal, entre eles o

109
futuro presidente da SPVEA, c paraense Waldir Bouhid, e um representante de
cada um dos Estados e Territórios Federais da Amazónia Legal. O representante
do Pará era Firmo Ribeiro Dutra.
61 Mário de Barros Cavalcanti, Da SPVEA à Sudam (1964-1967), 1967, p. 101.
82 SPVEA, 1954-1960: Perspectivas de Desenvolvimento da Amazónia (2 vols.),
Rio de Janeiro, Gráfica Editora do Livro, 1961, p. 30; apud Maria Celina Ara­
újo, op. cit., p. 50.
63 Cf. Maria Celina Araújo, op. cit., p. 51.
84 Juscelino de Oliveira Kubitschek, Mensagem ao Congresso Nacional— 15 de
março de 1960, 1960, p. 125.
65 Segundo definição do economista Roberto Santos, o conceito de terras
devolutas formula-se por exclusão, isto é: “[...] todos os terrenos não perten­
centes a entes públicos (dominiais ou dè uso especial), nem servindo ao uso
comum do povo e que, ademais, não pertençam a particulares constituem ter­
ras devolutas [...]. No Estado do Pará, por exemplo, sempre foi muito utilizado
o sistema de enfiteuse ou aforamento, pelo qual a Administração transferia ao
particular o chamado domínio útil’ , mas retinha consigo o senhorio direto’
[...]. De qualquer forma, tanto a União como o Estado têm realizado sistemati­
camente a transferência de terras devolutas a particulares, para o que recorrem
à emissões de títulos de terras. Quando ‘definitivos', tais títulos corporificam a
transferência entre as partes contratantes" (Roberto Santos, A Economia do
Estado do Pará, 1978, p. 83-84).
86 Cf. Secretaria de Agricultura do Estado, apud Roberto Santos, idem, p. 87.
b/ Ver por exemplo, além da bibliografia citada nesta parte do texto, Roberto
Santos, “A economia paraense pela ôtica da renda” , 1979, p. 14.
M Mário de Barros Cavalcanti, op. cit., p. 46-47.
80 Idem, p. 20-21.
/0 Orlando Valverde, op. cit., p. 19.
71 Ver, a esse respeito, A. P Pereira Potyara, op. cit., p. 137; e Orlando Valverde,
op. cit., p. 19.
72 BASA, Desenvolvimento Económico da Amazónia, 1967, p. 2 7 7 e 285.
/3 A respeito das mudanças entre o I Plano de Desenvolvimento da Amazónia,
cuja elaboração foi iniciada em 1953, e o Plano elaborado em 1966, que susten­
tou a criação da Sudam, ver Sudam, I Plano Quinquenal de Desenvolvimento
(1967-1971), publicado, em Belém, em 1967. Também é de interesse a análise
feita, a respeito deste assunto, na obra, publicada em 1977, de Fernando Henrique
Cardoso e Geraldo Miiller, Amazónia: Expansão do Capitalismo, especialmente as
páginas 109-119.
74 Cf. Confederação Nacional da Indústria, A indústria Brasileira e a Amazónia,
1969, p. 34.
75Afonso Augusto de Albuquerque Lima, “A participação do Ministério do Interi­
or no Desenvolvimento e na Ocupação da Amazónia”, 1971, p. 22.

110
76 Idem, ibidem, p. 23.
' 7 Afonso Augusto de Albuquerque Lima, op. cit., p. 18-19.
/8 Os economistas clássicos e neoclássicos, apoiando-se nos trabalhos dos “pais”
da economia clássica britânica, Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1 772-
1823), sustentaram suas propostas de desenvolvimento económico com base na
experiência da Revolução Industrial inglesa: incentivo à produção industrial e
urbanização, diminuição da importância do setor primário na economia e, por­
tanto, do número de pessoas destinadas a labores agrícolas; a regulação económi­
ca pelas leis do mercado (liberalismo económico) e, entre outras, no apoio do
Estado à exportação de produtos manufaturados e importação de matérias-pri-
mas para a indústria nacional. Para os países com grandes recursos minerais,
florestais ou alta capacidade de produção de outras matérias-primas ou alimen­
tos, a proposta dos economistas clássicos era incrementar a exportação desses
produtos (por exemplo, na América Latina, de café, açúcar, cobre, borracha,
carne etc.). Através dessas atividades económicas, esses países conseguiriam, so­
bretudo graças aos custos de produção menos elevados, equilibrar a balança co­
mercial com os países industrializados. A escola neoclássica aperfeiçoaria esse
modelo de análise destinado a justificar a divisão do comércio internacional, mas
continuaria apoiando-se, ainda que fosse de uma maneira mais refinada, no mo­
delo das “vantagens comparativas” que fora exemplificado por David Ricardo em
sua famosa comparação entre o intercâmbio de “telas inglesas por vinhos portu­
gueses", que ele considerava benéfico para ambas as economias.
79 Em 1970, localizavam-se no Sudeste 8 2,6 % das empresas industrias do país,
e 6 5,5 % do total do Produto Interno Bruto (PIB) do país era gerado nessa
região (apenas o PIB de São Paulo representava o 3 9,4 % do PIB-Nacional),
sendo que o PIB de todos os estados da Região Norte apenas representava o
2 ,2% do total nacional (cf. Leonardo Guimarães Neto, “Desigualdades regionais
e federalismo” , 1995, p. 19 e 260).
!f0 Sudam, I Plano de Desenvolvimento da Amazónia: 1972-1974, 1971, p. 13-
14.
81 Emílio Garrastazu Médici, Mensagem ao Congresso Nacional do Presidente da
República, 1970, p. 46.
82 Emílio Garrastazu Médici, "Discurso do Presidente da República na Reunião
Extraordinária da Sudam, 1971, p. 13-14.
8S Sudam, IIPlano Nacional de Desenvolvimento: Programa deAção do Governo
para a Amazónia - 1975/79, 1976, p. 52.
84 Idem, ibidem, p. 55-56.
85 Idem.
86 Idem. ,
87 Idem, p. 58.
88 Cf. Aldo Ramirez, “A atual etapa da revolução brasileira” , 1989, p. 35; e CUT,
Cartilha da Política Agrícola, 1989, p. 9.
89 A Transamazónica começa no Piauí, exatamente no município de Picos, onde
se interliga com a rede çodoviária nordestina, e finaliza nas fronteiras com o Peru
e a Bolívia, cortando as rodovias Cuiabá-Santarém e Porto Velho-Manaus atra­
vessando, entre outros, os municípios paraenses de Marabá e Altamira.
90 Cf. Jean Hébette, “Além dos pequenos e dos grandes projetos: O papel da
Universidade", 1995, p. 362.
91 Cf. Lúcio Flávio Pinto (entrevista), “Jornalismo na Amazónia", Amazónia Hoje,
Ano I, n° 5, maio de 1989, p. 16.
92 Médici, “Discurso do Presidente da República na Reunião Extraordinária da
Sudam, 1971, p. 14-16.
Avelino Ganzer e Paulo de Tarso Venceslau, “Com palmos medida” , 1992,
p. 16.
94 Segundo dados do IBGE, em 1985 havia na Amazónia Legal cerca de 4 00 mil
estabelecimentos agrícolas ocupados por posseiros, abarcando uma área total
superior a 10 milhões de ha. Cerca da metade dos estabelecimentos localizavam-
se no Maranhão, ocupando 780 .88 3 ha. No Pará, os 8 7 .6 3 8 estabelecimentos
ocupados por posseiros dispunham de 2 .9 1 4 .6 4 9 ha (cf. Alfredo Wagner Berno
de Almeida, Conflito e Mediação: Os Antagonismos Sociais na Amazónia Segun­
do os Movimentos Camponeses, as Instituições Religiosas e o Estado, 1993, nota
n° 5, p. 408).
9_’ “Esforços do governador para que novos investimentos de capitais sejam feitos
na Região Amazônica” , A Província do Pará, Belém, 11 /0 3 / 6 4 , p. 10.
9b Olegário Pereira Reis, Sudam: Breves Considerações, 1971, p. 16.
9/ Cf. Mário de Barros Cavalcanti, op. cit., p. 84 e 93.
98 Afonso Augusto de Albuquerque Lima-, op. cit., p. 42.
99 Dados levantados a partir dos Relatórios dos Projetos Aprovados pela Sudam
por Fernando Lobato, A “Cruzada ” Amazônica e o Mito do Progresso (1966-
1969), p. 57-58. lissa preferência pela Amazónia Ocidental no total de projetos
aprovados pela Sudam somente sofreria uma mudança relativa a partir dos incen­
tivos fornecidos aos projetos industriais a serem instalados na Zona Franca de
Manaus. Do total de investimentos aprovados pela Sudam até 1982, que soma­
vam um total de 3.1 74 bilhões de Cr$ (em valores constantes de ju lh o/1983),
37% desse valor foi destinado a projetos aprovados no Pará, 2 6% para os de
Mato Grosso e 2 2% para os projetos a serem implementados no Estado do
Amazonas (Cf. Aluizio Tadeu Marques da Silva, A Política de Desenvolvimento
Regional para a Amazónia 1980/85, 1992, p. 17).
100 Cf. Amílcar Alves Tupiassu, ‘As eleições paraenses de 1 9 6 6 ”, 1968, p. 33.
101 Cf. Sudam, Subsídios ao Plano Regional de Desenvolvimento (1972-1974),
1971, p .137-139.
102 Cf. Luís Flávio Maia Lima, “Integração regional e ‘enclaves fordistas’ no Pará:
uma abordagem geral”, 1995, p. 122.
103 Roberto Santos, A Economia do Estado do Pará, 1978, p. 141.
104 Cf. IBGE, Anuário Estatístico do Estado do Pará - 1984-1985.
105 Cf. José de Souza Martins, Os Camponeses e a Política no Brasil, 1983, p.
118. Segundo informações da Comissão de Avaliação dos Incentivos Fiscais
(Comif) criada em 1985, alguns dos projetos agropecuários eram fictícios e,
segundo dados da Sudam, cerca de 3 0% foram abandonados e 10% cancelados,
reembolsando o incentivo recebido sem correção monetária, sendo que menos de
2 0% foram de fato efetivamente implantados, embora apenas chegassem a pro­
duzir um quinto do previsto na apresentação dos projetos (cf. Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 0 8 /1 1 /8 5 ; apud Bertha K. Becker - org .-, Fronteira Am azô­
nica: Questões Sobre a Gestão do Território, 1990, p. 30-31).
I0li Raymundo Garcia Cota, Carajás: A Invasão Desarmada, 1984, p. 60.
107 Cf. Sudam, Sudam 15 anos 1966-81, 1982, p. 510.
I0HCf. Aloysio Chaves, Devastação Florestal da Amazónia. Relatório da Comissão
Parlamentar de Inquérito, 1983, p. 73.
11)9 Cf. Idesp, Estatísticas Especiais: Produto Interno Bruto do Estado do Pará:
1975-1987, 1990, p. 23.
110 Cf. Violeta Refkalefsky Loureiro, “História social e económica da Amazónia” ,
1989, p. 49.
111 Cf. Jader Barbalho, Mensagem à Assembléia Legislativa - Março de 1984, p.
42.
112 Cf. Alfredo Wagner Berno de Almeida, Carajás: A Guerra dos Mapas, 1994,
p. 225.
113 Cf. Dietrich Burger e Paulo Kitamura, “Importância e viabilidade de uma
pequena agricultura sustentada na Amazónia Oriental” , 1987, p. 449.
114 Cf. Gabriela Athias, “O Pará dos Últimos 50 Anos: Pobre Estado Rico” , 1996,
p. 3.
115 No início dos anos 70 as exportações paraenses representavam cerca de 1%
do total nacional, em 1989 elevaram-se a 4 ,3% (Cf. Tereza Ximenes, - org .-,
Cenários da Industrialização da Amazónia, 1995, p. 3).
11(5 Cf. IBGE, 1991: 16, O principal acionista da MRN é a CVRD que possui
40% das ações, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) controla 10% e as
restantes ações são repartidas entre diversas empresas estrangeiras (Cf. Folha de
S. Paulo, "Conheça a estatal e as regras da maior privatização do país”, 2 7 / 0 4 /
97).
117 Cf. Lúcio Flávio Pinto, “O Estado Nacional: Padrastro da Amazónia” , 1 9 8 6 /
87, p. 6; e Sergío de Fonseca Dias (coord.), Zoneamento Ecológico-económico
do Estado do Pará, 1991, p. 29.
118 Cf. Alberto Rogério B. da Silva et al., “Pará: A maior província mineral da
Terra” , p. 82-83; e O Liberal, Belém, 1 7 /0 1 /9 6 . >
119 O Programa Grande Carajás foi formalmente extinto em 1991.
120 Cf. Alfredo Wagner Berno de Almeida, Carajás: A Guerra dos Mapas, p 26; e
Glenio Bruck de Andrade, “O carvão vegetal e o Programa Grande Carajás” ,
1 9 8 6 /8 7 , p. 40.
121 Cf. Jean Hébette (coord.), A Amazónia no Processo de Integração nacional,
1974, p. 77.
122 Cf. Luís Flávio Maia Lima, op. cit., p. 138-140.
123 Cf. Jader Barbalho, Palestra do Governador Jader Barbalho na Sociedade
Consular de São Paulo (1 7 de março de 1992), p. 5.
124 Cf. Departamento de Fundos e Programa/Secex; apud Luís Flávio Maia Lima,
op. cit. p. 141.
120 Cf. César Valente, “Queda nas vendas externas” , p. 19.
126 Cf. O Liberal, Belém, 1 7 /0 6 /9 8 .
Am azónia Legal -
Delimitação Político-Adm inistrativa Atual

ilemática da Amazónia. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca do Exército, 1971, p.303.


Traçado das Rodovias Transamazônica, Cuiabá-
Santarém e Belém -Brasília

118
Fonte: MORAIS, Fernando; CONTIJO, Ricardo; CAMPOS, Roberto de Oliveira.
Transamazônica. São Paulo: Brasiliense, 1970.
Mapa da Região de Marabá

Fonte: Marabá. A história de uma parte da Amazónia, da gente que nela vivia e da
gente que a desbravou e dominou, fazendo-a emergir para a civilização. De 1892
até nossos dias. Marabá/PA: 1984, p.66.
B'AKCAKCKA

120
Fonte: ALBR.A3 - .Alumínio Brasileiro 5 .A. (Mapa de Luiz Pinto), sem data.
MINISTÉRIO DO INTERIOR
SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIM ENTO DA AMAZÓNIA
DEPARTAMENTO DE SETORES PRODUTIVOS

593 SONDAGEM
CONJUNTURAL
INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO
V. 15 - N? 1
JAN7MAR.
___________________________1 9 9 0 _______________________________ j

Fig. 1: A representação da Amazónia Legal em publicaçao da Sudam


(1990) como área em potencial de desenvolvimento.
Fig. 2: As máquinas iniciam a construção da Transamazônica em plena selva amazôni-
E lite s p o lític a s, p a rtid o s e e le iç õ e s n o P a r á
d u r a n te o R e g im e M ilita r e n o p e río d o
d a N ova R e p ú b lic a

In tro d u çã o

Tal com o assinalei na introdução deste livro, um dos objeti-


vos da pesquisa foi analisar o cenário político paraense, dando
prioridade ao estudo das instituições políticas (estruturas de g o ­
verno de tipo formal-legal, isto é, cujas íunções são reguladas por
lei, com o as define, por exem plo, R. R hodes'), das práticas das
principais lideranças políticas — especialmente daquelas que assu­
m iram respon sab ilid ad es de governo — e partidos políticos
paraenses. Pretendia também analisar a importância do temp o da
política,2 isto é, dos pleitos eleitorais, com o m anifestação, numa
determinada conjuntura, do resultado das disputas entre as elites
políticas pelo controle do Executivo estadual, Prefeituras, A sse m ­
bleia Legislativa e Câm aras Municipais,'1 e também com o um dos
principais mecanism os de seleção de elites relevantes .4 A esse res­
peito escrevia Bolívar Lamounier:

“Eleições produzem efeitos diversificados no processo


político, não se limitando jamais a sua precípua finali­
dade institucional de recom por assembléias e órgãos
de governo. D esdobram -se em vários níveis sobretudo
por afetarem as expectativas e projeções de indivíduos
e grupos diferentem ente situados na estrutura de p o ­
der quanto ao futuro mais ou m enos im ediato.”5

Neste Capítulo, sem pre dando prioridade ao estudo das


práticas políticas no Pará durante a vigência do Regim e Militar e
no período da Nova República, tentarei vincular essas práticas às
mudanças de regime político e do próprio sistem a partidário e

123
sistema eleitoral brasileiro. Pareceu-me pertinente destinar as pri­
meiras páginas do Capítulo a resumir alguns dos principais fatos
políticos ocorridos no Pará após a Revolução de 1930 e até as
eleições de 1962. Objetivava, assim, compreender a evolução po­
lítica e a emergência de novas elites políticas no Estado do Pará
após a instauração do Regime Militar em 1964.
Consciente de que o estudo das práticas políticas não pode
ficar restrito apenas à análise da ação política dos setores
hegemónicos, mas também deve ser examinada a intervenção de
outros atores capazes de desenhar no território os seus interes­
ses,6 ao dar prioridade, neste estudo, além da análise das mudan­
ças sócio-econômicas, mas também à intervenção político-eleito -
ral e institucional dos atores políticos que representam ou preten­
dem representar os interesses dos grupos sociais hegemónicos no
Pará, ficou evidente para mim que não poderiam ficar de fora do
estudo as idéias e as práticas das pessoas que participaram (ou
participam), por exemplo, dos movimentos sociais, sindicatos ur­
banos e rurais, partidos de esquerda e as dos membros da Igreja
Católica identificados com a Teologia da Libertação. A interven­
ção política da Igreja no fortalecimento da organização dos tra­
balhadores rurais e na diminuição da influência nos resultados
eleitorais das práticas clientelísticas (compra-venda do voto), en­
tre outros exemplos, contribuiu notavelmente para o enfraqueci­
mento das tradicionais formas de dominação ideológico-política
exercidas sobre os setores populares por parte das oligarquias,
empresários e comerciantes e outros membros da classe domi­
nante paraense, e também ampliou as chances eleitorais dos par­
tidos de esquerda no Pará, influenciando, também, no grau e
nas form as pela qual esses grupos tentaram manter sua
hegemonia.7 Entretanto, por ser um tema a que já destinei boa
parte do trabalho que culm inaria no livro A Esperança
Equilibrista: A Trajetória do P T no Pará, e, também, para ten­
tar evitar uma maior dispersão dos objetivos da pesquisa, as
práticas políticas desses atores políticos somente serão mencio­
nadas quando for relevante para os fins da atual investigação.

124
Considero pertinente distinguir também aqui entre o uso
comum que se faz da palavra hegemonia para ilustrar, por exem­
plo, o resultado da disputa entre organizações, partidos e lideran­
ças políticas pelo controle do sistema político ou de parcelas deste,
e a utilização que fazia desse conceito Antonio Gramsci. Para o
dirigente do Partido Comunista Italiano, hegemonia representava a
preponderância que o grupo dominante exerce em toda a socieda­
de, isto é, sobre os grupos restantes ou classes sociais. Esta prepon­
derância é assumida não somente através de mecanismos repressi­
vos, mas, sobretudo, pela liderança ideológico-cultural que exerce
no conjunto da sociedade, portanto pelo consentimento à sua domi­
nação das classes subordinadas.9 Nas palavras de Gramsci:

“[...] consenso espontâneo’ dado pelas grandes massas


da população à orientação impressa pelo grupo funda­
mental dominante à vida social, consenso que nasce his­
toricamente’ do prestígio (e, portanto, da confiança) que
o grupo dominante obtém, por causa de sua posição e
de sua função no mundo da produção; 2) do aparato de
coerção estatal que assegura legalmente’ a disciplina
dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem passi­
vamente, mas que é constituído para toda a sociedade,
na previsão dos momentos de crise no comando e na
direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo. ”10

Essa hegemonia não pode ser explicada apenas, portanto,


por determinadas práticas políticas (entre tantas outras, pela im­
portância dos pleitos eleitorais e, em seus resultados, pela influên­
cia das práticas clientelísticas ou outro tipo de "troca de favores”
entre cabos eleitorais e “chefes políticos”), ou por mecanismos
repressivos, mas, fundamentalmente, através de mecanismos cul-
tural-ideológicos, transmitidos, por exemplo, através dos meios
de comunicação de massas. Mostra disso é a disputa pelo controle
ou influência indireta dos principais meios de comunicação exis­
tentes em Belém por setores da elite política e económica paraense,

125
sobretudo por parte daqueles atores que aspiram a assumir ou a
manter os principais cargos eletivos: governador, prefeito de Belém,
senador da República e deputado federal. O uso gramsciano do
conceito de hegemonia pode ser-nos também de grande utilidade
para examinar a influência ideológico-política dos atores que
Gramsci denominava de intelectuais orgânicos, “os comissários do
grupo dominante para o exercício das funções subalternas de
hegemonia social e do governo político” 11na elaboração, difusão,
legitimação e solidificação da hegemonia das classes dominantes,
seja no âmbito nacional ou estadual:

“Cada grupo social, nascendo no terreno originário de


uma função essencial no mundo da produção económi­
ca, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgâ­
nico, uma ou mais camadas de intelectuais, que lhe
dão homogeneidade e consciência da própria função,
não apenas no campo económico, mas também no so­
cial e no político.” 12

1. A influência do “baratism o” nas disputas


políticas no P ará após a Revolução de 1 9 3 0

A Revolução de 1930 trouxe de volta ao Pará uma das


suas mais importantes lideranças políticas do século XX: o tenente
Joaquim Cardoso de Magalhães Barata.13 Nomeado interventor
federal do Pará por Getúlio Vargas, Barata, que assumiu o cargo
no dia 12 de novembro de 1930, não somente afastou as oligar­
quias locais do controle do governo estadual, mas foi consolidando
seu poder político no estado, conquistando o apoio de amplos seto­
res das classes populares através de medidas de grande impacto e
novas formas de ação política. Entre essas medidas, podemos ci­
tar a implementação do ensino público, a modernização da admi­
nistração pública, a construção de estradas nos municípios do
interior: a redução do preço dos aluguéis residenciais, através da
assistência jurídica gratuita à população e, como uma das suas
principais marcas populistas, a realização, no palácio do governa­
dor, de audiências públicas das quais participavam centenas de
pessoas.14 Também teve enorme repercussão pública a vontade de
Magalhães Barata de processar os dois últimos governadores do
Pará, Dionysio Bentes è Eurico do Vale, que tiveram, provisoria­
mente, seus bens declarados indisponíveis ao serem acusados de
irregularidades na gestão do dinheiro público.15
Em 1931, Magalhães Barata liderou a criação no Pará do
Partido Liberal (PL). Também nesse mesmo ano começou a se
estruturar em Belém o Partido Comunista do Brasil (PCB), orga­
nização que, nos anos 30, conseguiu ter certa influência entre ope­
rários e"estudantes da capital. Outros dois partidos que pretendiam
representar os trabalhadores paraenses foram também criados nessa
época: o Partido Social Trabalhista e o Partido Trabalhista do
Pará. Ambos apresentavam mais semelhanças com o futuro Parti­
do Trabalhista Brasileiro (PTB) do que com partidos de esquer­
da. 16 Os antibaratistas e os setores que se opunham a Getúlio Vargas
agruparam-se na Frente Única Paraense (FUP), criada em 1934 e
presidida pelo ex-governador Lauro Sodré. Em 1935, das cisões
sofridas pela FUP nasceram o Partido Popular do Pará (PPP) e a
União Popular, liderada pelo Secretário Geral do Governo paraense
até a Revolução de 1930, Deodoro de Mendonça.17
Em 1933, o Partido Liberal elegeu os sete representantes
do Pará na Constituinte federal. Nas eleições para a Assembléia
Constituinte estadual realizadas em outubro de 1934, o PL elegeu
21 deputados (além de sete dos nove deputados federais) e a Fren­
te Única Paraense, nove, garantindo, assim, o PL a escolha indi-
reta de Magalhães Barata para o cargo de governador, que tinha
como oponente o candidato da FUP o ex-governador Lauro Sodré.
Porém, ao abandonarem o partido sete deputados estaduais, em
decorrência de disputas internas no seio do partido, sobretudo
entre os partidários de Barata e os liderados por Mário Chermont,
Barata perdeu a maioria absoluta na Assembléia Legislativa.18
Mas, substituídos três deles por suplentes - sem que os “traidores
ao partido” tivessem renunciado ao mandato — os deputados do
PL elegeram Magalhães Barata governador, com “[...] a aprova­
ção de uma multidão que se reuniu em frente ao prédio da Assem-
bléia e que, depois, impediu os dissidentes e frente-unistas de vota­
rem, havendo tiroteios e feridos no choque” .19 O Tribunal Superi­
or Eleitoral anulou a votação e Getúlio Vargas nomeou um novo
interventor federal no Pará, o major Carneiro de Mendonça. No
dia 28 de abril de 1935, á Assembléia Legislativa elegeu como
governador o advogado e um dos fundadores do PL, José Carnei­
ro da Gama Malcher, resultado das negociações estabelecidas en­
tre as lideranças do Partido Liberal, aí incluído Magalhães Bara­
ta - que retornaria à vida militar - e os da Frente Única Paraense.20
Após a sua posse, Malcher revogou, entre outras, todas as leis
que, ditadas por Barata, prejudicavam os interesses da oligarquia
da castanha, à época, recordemos, o principal produto exportado
pelo Pará.21 .
Com o autogolpe de estado liderado pelo presidente da Re­
pública, Getúlio Vargas, que instaurou o regime do Estado Novo
(1.937-1945), período no qual permaneceram fechados o Congres­
so Nacional e as Assembléias Legislativas estaduais, proibidos os
partidos políticos e destituídos os governadores, José Malcher conti­
nuou comandando o governo do Pará como interventor federal,
cargo qúe manteve até 1943. Enquanto, José Malcher era indicado
para presidir o recém-criado Banco de Crédito da Borracha (BCB),
Magalhães Barata era nomeado, mais uma vez por Getúlio Vargas,
interventor federal no Pará, além de representante do Brasil junto
às Guianas Francesa, Holandesa e Inglesa. Em fevereiro de 1943,
Barata chega a Belém com o objetivo principal de levar o governo
estadual a afinar-se com os objetivos da Guerra da Borracha e
fortalecer a presença militar e civil na fronteira com a Guiana
Francesa.22 Após o fim da II Guerra Mundial e a vitória do golpe de
estado que afastaria Getúlio Vargas da Presidência da República,
Magalhães Barata foi destituído do cargo do interventor federal.
Mas, antes, concretamente no dia Io de maio de 1945, Magalhães
Barata lideraria a fundação da seção paraense dõ Partido Social

1 O O
Democrático (PSD), como, aliás, fizeram boa parte dos interventores
nomeados por Getúlio Vargas em outros estados.
Os três principais partidos que maior influência exerceram
no cenário político paraense no período de 1945 a 1965, como
também ocorreu na maioria dos estados do país, foram o PSD, a
União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Progressista
(PSP)23 e o PTB. Tanto o PSD como o Partido Trabalhista Brasi­
leiro (PTB) foram criados contando com a participação de setores
getulistas e o apoio explícito de Vargas. Enquanto o PTB deveria
representar os interesses dos trabalhadores urbanos e, apoiando-se
no sindicalismo oficial, ajudar a frear a crescente influência do
PCB, o PSD deveria aglutinar, sobretudo, setores das elites políti­
cas estaduais e locais. A seção paraense da UDN organizou seu
primeiro ato público em Belém em junho de 1945. Em 1945, os
159.395 eleitores do Pará (representando 2,1 % do total dos eleito­
res brasileiros)24, tiveram a oportunidade de participar da escolha
do presidente da República, dois senadores e nove deputados fede­
rais. O grande vitorioso desse pleito eleitoral no Pará foi o PSD
que elegeu dois senadores, Magalhães Barata e Álvaro Adolfo,
tendo como principais concorrentes Agostinho Monteiro e José
Malcher;2í) seis deputados federais, enquanto a UDN elegia dois e
um o PPS.2(S
Em janeiro de 1947, foram realizadas as eleições para
governador do Pará. Tendo sido declarados inelegíveis os
interventores federais que haviam exercido o cargo até 29 de
outubro de 1945, com o manifesto objetivo de enfraquecer a for­
ça política dos getulistas, o senador Magalhães Barata não pôde
candidatar-se ao governo. Porém, o candidato do PSD, Luís Geolás
de Moura Carvalho, major do Exército, deputado federal eleito
em 1945, venceu as eleições, derrotando o general Alexandre
Zacarias de Assumpção, do Partido Social Progressista (PSP).27
O PSD também elegeu mais um senador, Augusto de Meira Dantas,
derrotando o jornalista Paulo Maranhão, proprietário da “Folha
do Norte” , então o principal jornal de Belém e que, desde 1933,
exercia uma ferrenha oposição a Magalhães Barata.

19Q
O apoio do PCB a Moura Carvalho que, nessas eleições,
elegera pela primeira vez um deputado estadual no Pará, provo­
cou sérios atritos entre o PSD, especialmente com Magalhães
Barata, e a hierarquia da Igreja Católica no Pará, que fizeram
campanha, através da Liga Eleitoral Católica (LEC) contra Moura
Carvalho. O arcebispo de Belém, dom Mário de Miranda Vilas
Boas, meses depois justificaria a posição da LEC, em nota remeti­
da à imprensa de Belém, assinalando que a “Liga Eleitoral Católi­
ca não tem preferência de pessoas, senão, exclusivamente, prefe­
rência de princípios. E convém reafirmar que o totalitarismo sovi­
ético, profundamente antidemocrático, anticristão e antibrasileiro,
representado entre nós pelo Partido Com unista, está
irrevogavelmente fora de toda atenção por parte do eleitorado
católico”.28
Convocadas novas eleições para o dia 3 de outubro de 1950,
tentando impedir a vitória de Magalhães Barata foi criada a Coli­
gação Democrática Paraense (CDP), da qual participavam a UDN,
o PSP, o PST, o PL e o PRT, que lançou como candidato Alexan­
dre Zacarias de Assumpção, candidato que também teve o apoio
do PTB. Segundo interpretação do jornalista paraense Carlos
Rocque: “Para as eleições de 50, os oposicionistas resolveram
deixar de lado as arestas ou questões pessoais e uniram-se para
enfrentar o inimigo comum” .29 Após o processo de recursos,
impugnações e anulações, apresentados pelos partidários de am­
bos candidatos, Zacarias de Assumpção seria eleito governador
ao superar por 582 votos a soma total dos votos obtidos por
Magalhães Barata.30
Em 1955,3' finalmente, o “líder carismático, autoritário e
populista” ,32 conseguiu, após serem anuladas e novamente
convocadas as eleições em algumas seções eleitorais, seu objetivo
de tornar-se governador pelo voto direto dos paraenses, cargo que
ocuparia até a sua morte, ocorrida no dia 29 de maio de 1959.
Mas, antes de morrer, para evitar que o governo ficasse nas mãos
dos seus opositores, Magalhães Barata, já gravemente enfermo
desde início de 1959, apresentou a proposta de emenda à Consti-

130
tuição Estadual com o intuito de criar o cargo de vice-governador,
até então inexistente. Tentava, assim, evitar que assumisse o go­
verno o presidente da Assembléia Legislativa, Max Parijós, ex-
m em bro do PSD e então afinado politicam ente com os
antibaratistas. Reformada a Constituição, os deputados estaduais
escolheram para vice-governador Moura Carvalho que, após a
morte de Barata, convertera-se na principal liderança do PSD no
Pará. Para garantir a maioria absoluta na Assembléia Legislativa,
a partir de 1959 o PSD aliou-se ao PTB.
A máquina político-eleitoral criada por Magalhães Barata
obteve uma nova vitória para o PSD em 1960, com a eleição de
Aurélio do Carmo para governador, resultado facilitado também
pela divisão dos partidos que integravam a Coligação Democrática
Paraense (CDP).33 Os outros candidatos foram Zacarias de I
Assumpção (UDN) e Adelbaro Klautau (PSP) que, em 1961, assu- N
miria a presidência da Spvea e que teve o apoio da maioria dos
partidos da CDP34 A força eleitoral dos pessedistas, sustentava-se
não só no carisma de Barata, mas também nas relações clientelísticas
com os comerciantes e grandes proprietários de terra que assegu­
ravam ao partido o controle de boa parte das prefeituras paraenses.35
Nas eleições 1962, o PSD elegeu quatro dos dez deputa­
dos federais paraenses e 1 7 dos 37 membros da Assembléia
Legislativa. Assim: “[...] diversamente às expectativas daqueles
que vaticinavam a liquidação e o desmonte da máquina eleitoral
baratista’ , a nova liderança permitiu o PSD superar o antigo
equilíbrio de forças em relação aos opositores abrigados na CDP
(Coligação Democrática Paraense, que congregava praticamente
todos os demais partidos) — e vencer as eleições para governador
obtendo a maioria absoluta dos votos”.36Vejamos nas tabelas abaixo
a evolução do número de deputados federais e estaduais obtidos
pelos partidos existentes no Pará no período de 1945 a 1962.
Tabela 13
Deputados federais paraenses eleitos
segundo sigla partidária (1945-1962)
Partido 1945 1950 1954 1958 1962

PSD 6 5 5 4 4

UDN 2 2 - 3 2

PPS 1 - - - -

PSP - 2 3 2 2

PST - - 1 - -

PTB - - - - 6

Fonte: O Liberal, "A política e as eleições em duas décadas republicanas do


ciclo ' de Magalhães Barata ”, O Liberal, 4 o caderno, Belém, 15/11/82, p. 1­
9: e TSE, Dados Estatísticos, vols. 1 a 7; apud Lúcia Hippolito, De Raposas e
Reformistas: O PSD e a Experiência Democrática Brasileira (1945-64), Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 2 76 -2 84 ; e Amílcar Tupiassu, 1965.

Dos seis deputados estaduais eleitos pelo PTB em 1962, o


advogado Benedicto Monteiro, foi quem maior número de votos
obteve. Os três comandantes do Estado-Maior do Comando Militar
da Amazónia - 8a Região Militar - sediado em Belém, acusando
Benedicto Monteiro de comunista e subversivo, tentaram, após a
divulgação dos resultados eleitorais, impugnar sua candidatura, mas
suas alegações não foram aceitas pelo Tribunal Eleitoral, nem
tampouco as realizadas contra o jornalista, militante do PCB e
presidente do Sindicato dos Bancários de Pará e Amapá, Raimundo
Jinkings, primeiro suplente na chapa do PTB-PSB à Câmara Mu­
nicipal de Belém nas eleições de 1962!37 Jinkings recordava:

“Nós tínhamos o nosso deputado, Benedicto Monteiro,


que era o nosso candidato e foi eleito deputado estadu­
al pela legenda do PTB. A gente se dividiu a nível
legal, eu era filiado do PSB, e os nossos militantes,

132
uns ficaram no PTB e outros no PSB, e outros fica­
vam sem filiação legal. ’38

Tabela 14
Representação partidária na Assembléia
Legislativa paraense (1947-1962)
Partido 1947 1950 1958 1962

PSD 23 18 14 17

PSP 9 7 9 7

UDN 2 9 7 4

PTB 2 3 5 6

pcb’ 1 - - -

PR - - - 3

Total 37 37 37 37
Fonte: O Liberal, “A política e as eleições em duas décadas republicanas
do ciclo de Magalhães Barata", O Liberal, 4 o caderno, Belém, 15/11/
82, p. 1-9; e Amílcar Alves Tupiassu, 'As eleições paraenses de 1962",
Revista Brasileira de Estudos Políticos, n° 16, p. 41-42.

2. A “Revolução de 1 9 6 4 ” no Pará

“Nós não estávamos no Pará [...] preparando um gol­


pe. Estávamos firmemente dispostos a nos opor a um
golpe [...], o medo das palavras do engenheiro Leonel
Brizola — na lei ou na marra’. Aquilo agredia muito
a formação que eu tive, militar. Nós vivíamos naquele
período de 63, sobretudo, muito preocupados. Do meu
ponto de vista, não haveria movimento militar de 64,
não teria havido golpe de estado, se não tivessem havi­
do duas coisas que foram fatais: a revolta, dos sargen­
tos em Brasília, com aquela ocupação da chamada
área Alfa, e especialmente o problema da Marinha

133
com os marinheiros, para quem se passava o filme O
Encouraçado Potemkin’, pensando que, com aquilo,
repetiria Outubro de 17. Foi o momento que uniu a
todos [...]. Então o movimento é uma soma de antis’,
mas não era pró’. A partir do pró, ele veio mostrar
depois as suas divergências. Agora, eu não discuto muito
64, porque ele se tornou um movimento feito pratica­
mente sem um tiro, com grande parte da sociedade
civil e da Igreja Católica ao seu lado” (Jarbas Passari­
nho, “Folha de S. Paulo ”, 2 5 /0 8 /9 6 ).

No dia 31 de março, o general Moura Filho, comandante da


IV Região Militar sediada em Belo Horizonte (Minas Gerais), con­
tando com o apoio dos governadores de Minas Gerais e de São
Paulo, ordena às tropas sob seu comando dirigir-se ao Rio de Janei­
ro para exigir a renúncia do presidente João Goulart. Iniciava-se o
vitorioso golpe de estado que instauraria o Regime Militar que
perduraria até março de 1985, quando, pela primeira vez, desde
abril de 1964, um civil, José Sarney, assumia a presidência da
República. Já no dia Io de abril a maioria dos militares e governa­
dores tinha aderido ao golpe. Não foi este o caso do governador do
Amazonas e do interventor federal no Amapá, que fizeram pública
sua oposição ao golpe de estado.39 O governador do Pará, Aurélio
do Carmo, encontrava-se na Guanabara e o vice-governador, Newton
Miranda, relutava em dar apoio aos golpistas, como fora sugerido
pelo Estado-Maior do Comando Militar da Amazónia. Entretanto,
já na noite do Io de abril, o governador manifestou, em telegrama
remetido a Belém, o apoio à “Revolução ”. Assim, como escrevera
Tupiassu: “Quando uma atitude foi explicitada, a situação no cen-
tro-Sul do país já se definira - e o governo paraense do PSD /PTB
optou pelos vitoriosos ”.40 Aurélio do Carmo também aceitou que
seu nome fosse incluído entre os signatários do Manifesto ao Povo
do Pará, através do qual autoridades civis e militares do Pará
mostraram sua solidariedade ao movimento militar. Nos primeiros
parágrafos do Manifesto, cuja redação foi encomendada pelo gene-

134
ral Ramagem, chefe do Comando Militar da Amazónia, ao coronel
do Exército, Jarbas Passarinho, lia-se:

“Não poderiam os paraenses, pelo seu governador, e


os militares, por seus chefes legítimos, retardar por
mais tempo a»sua completa adesão ao abençoado mo­
vimento, que eclodiu no generoso solo de Minas Gerais
[...], que logo se irradiou por todo o território pátrio.
Tão pronto alguns problemas locais foram satisfatori­
amente solucionados, como recomendava a virtude da
prudência e o desejo do não-derramamento de sangue
dos amazônidas, governo e comandantes militares, em
„ íntima comunhão de pensamento, ligados pelo mesmo
amor ao Brasil, e igualmente repudiando o comunis­
mo ateu e tirânico, fazem saber à Nação brasileira a
sua firme e inabalável determinação de formarem ao
lado das forças que se batem pela restauração do prin­
cípio da autoridade e pelos fundamentos da própria
organização militar, que são a disciplina e a hierar­
quia, tão vilmente vilipendiados e enxovalhados pela
mais despudorada demagogia e pela deplorável ausên­
cia de espífito público.”41

Após seu retorno a Belém, o governador Aurélio do Carmo,


apoiou a proposta de que o novo presidente da República fosse o
general Humberto de Alencar Castello Branco. Vejamos, em con­
tinuação, o telegrama remetido por ele a Castello Branco, no
mesmo dia em que este fora escolhido, pelo Congresso Nacional,
presidente da República:

“Combatendo a inflação, criando condições essenciais


à urgente reconstrução económica, promovendo a re­
gulamentação de nosso crédito externo, e restabele­
cendo as liberdades públicas, dentro das contingênci­
as impostas pelos últimos acontecimentos. A autori-

135
dade do novo presidente da República e suas normas
traçadas "de governo constituem uma segurança para
todos os brasileiros. Começando com as esperanças
gerais, em nome da coletividade que nos honrou com
sua confiança nas urnas, congratulo-m e com o
Excelentíssimo Senhor General Humberto de Alencar
Castello Branco pelo período administrativo que hoje
se inicia e formulo os mais veementes votos pela sua
felicidade pessoal.”42

No dia 4 de abril os jornais de Belém reproduziam uma


nota oficial do presidente do PSD no Pará e prefeito de Belém,
Moura Carvalho, na qual manifestava:

“No momento em que a Nação retoma a plenitude de


seu regime democrático como resultado de esforço
patriótico das nossas Forças Armadas, o que repre­
sentou a aspiração de todo o povo brasileiro, desejo,
na qualidade de militar e com a responsabilidade de
uma liderança partidária, proclamar a incontida-vi­
bração de que me acho possuído por esse aconteci­
mento histórico que significa o esmagamento definiti­
vo da traição e dos inimigos da Pátria [...]. Desde os
primeiros instantes da crise coloquei-me ao lado da­
queles que desejavam devolver a tranquilidade e a
paz ao nosso povo, dentro dos postulados constitucio­
nais que fixaram como a base da organização das
Forças Armadas, o princípio das disciplinas e da hie­
rarquia.

Nas semanas seguintes ao golpe de estado de 1964, algu­


mas lideranças do PSD e do PTB, centenas de militantes dos
partidos de esquerda, sindicalistas, militares e estudantes pro­
gressistas foram presos, e grande número de entidades sindi­
cais, especialmente as Ligas Camponesas e os sindicatos vincu­

13fi
lados à CGT, declarados ilegais, dissolvidos ou colocados sob
intervenção. No Pará, cerca de 30 0 pessoas foram detidas após
o I o de abril de 1964 - a maioria era estudantes universitários,
lideranças sindicais, militantes da Ação Popular (AP) e, sobre­
tudo, do PCB - e os sindicatos, sob influência do PCB, sofre­
ram intervenção. Forças.militares e policiais, apoiadas por gru­
pos civis, invadiram, nos primeiros dias do mês de abril, as
sedes do PTB, do Sindicato dos Petroleiros e da União Acadé­
mica Paraense em Belém.44 Entre os detidos estavam o presi­
dente do Sindicato dos Petroleiros, Carlos Sá Pereira, o secre­
tário do PCB em Belém, Humberto Lopes, o coronel reforma­
do da aeronáutica, Jocelyn Brasil, os líderes do PSD, Hélio
Gueiros ç Laércio Barbalho, o ex-deputado e prestigioso poeta
paraense Rui Barata e o deputado estadual Benedicto Monteiro,
estes últimos vinculados ao PCB.45 Benedito Serra, presidente
da União dos Lavradores da Zona Bragantina, detido no muni­
cípio de Castanhal no início de maio, morreu no Hospital Mili­
tar de Belém em 18 de maio de 1964, sendo registrada como
causa de seu falecimento hepatite aguda.46

2 .1 . A cassação dos mandatos:


militares assumem o controle
do governo do Pará e da prefeitura de Belém

No dia 21 de maio de 1964, iniciaram-se os trabalhos da


Comissão de Investigação Sumária (CIS), presidida pelo general
Bandeira Coelho, então interventor na SPVEA, destinada a apu­
rar as denúncias de corrupção e malversação de fundos públicos
feitas contra integrantes do governo estadual e da prefeitura de
Belém. No início de junho, a CIS, comissão integrada por oficiais
das três Forças Armadas, apresentou seu relatório final, no qual os
principais responsáveis pelo governo estadual, pela ’prefeitura de
Belém e pelo PSD no Pará, eram acusados de suborno, malversa­
ção da coisa pública, clientelismo, inclusão de funcionários inexistentes

137
na folha de pagamentos e recebimento de vultosas quantias deriva­
das do jogo do bicho que eram controladas pelo prefeito de Belém e
presidente do PSD, Moura Carvalho.47 Entretanto, as responsabili-
dades apuradas pela Comissão de Investigação Sumária não se
restringiram ao possível uso indevido de dinheiro público ou
corrupção, também visavam analisar as atividades políticas dos mem­
bros do governo estadual e da prefeitura de Belém. Assim é que
nesse mesmo relatório da CIS, os responsáveis pela Secretaria de
Educação e Cultura do governo do Pará foram acusados de “ter
permitido, por omissão, a infiltração comunista na União de Estu­
dantes dos Cursos Secundários do Párá, existindo trinta (30), dos
trinta e oito (38) diretórios estudantis secundários, com sinais de
infiltração comunista”.48
Em 9 de junho de 1964, o governador e vice-governador
do Pará, Aurélio do Carmo e Newton Miranda, respectivamente,
e o prefeito de Belém, Moura Carvalho, e vice-prefeito, Isaac
Soares, teriam suspensos seus direitos políticos’ por uma período
de dez anos, e cassados, portanto, seus respectivos mandatos.
Também tiveram seus mandatos cassados, sob as mesmas acusa­
ções, Alberto Nunes (PTB), vereador de Belém; Agenor Moreira
(PDS), prefeito de Cametá; e, entre outros, os deputados estadu­
ais, Amílcar Moreira (PDS), José Manuel Reis Ferreira (PDS) e
Nagib Mutran (UDN). Por estritas motivações políticas também
tiveram seus direitos políticos suspensos e mandatos eletivos cas­
sados, os militantes do PCB Raimundo Jinkings, vereador de Belém,
e o deputado estadual, Benedicto Monteiro49:

“Ás últimas horas da manhã de ontem a cidade toma­


va conhecimento, através dos noticiários das emisso­
ras aqui existentes, da cassação dos mandatos e dos
direitos políticos, pelo prazo de dez anos, de algumas
das mais destacadas figuras do cenário administrativo
paraense, entre eles os senhores Aurélio Corrêa do
Carmo e Moura Carvalho, ocupantes das funções de
governador do Estado e prefeito de Belém, respectiva­

138
mente. O ato, assinado pelo Presidente Castello Bran­
co, havia sido divulgado cedo pela Rádio Nacional de
Brasília. Surge como fruto dos inquéritos levados a
efeito recentemente por uma Comissão Militar especi­
almente designada para apurar denúncias contra as
administrações "Estadual e Municipal. ”50

Na primeira versão pública das suas memórias, Jarbas


Passarinho assinala que a cassação dos mandatos foi decorrente
da apuração das denúncias de corrupção feitas contra os acusa­
dos, assim, nessa versão, não teriam sentido as críticas de Aurélio
do Carmo que denunciou que sua cassação teve motivações políti­
cas, isto é,'dirigidas a afastá-lo do poder, para que os setores que
faziam oposição ao seu governo passassem a controlar o Executi­
vo estadual. Contudo, como o próprio Jarbas Passarinho relata, a
deposição dos principais responsáveis pelo governo estadual e pela
prefeitura de Belém fora uma decisão tomada pela cúpula das
Forças Armadas antes de iniciar-se os trabalhos da Comissão de
Investigação Sumária, como mostraria a chegada a Belém do
general Bizarria Mamede e, depois, a do coronel Meira Mattos.
O general Mamede, no início de junho, retornaria a Belém para
assumir a chefia do Comando Militar da Amazónia e para prepa­
rar a intervenção administrativa no governo estadual e na prefei­
tura de Belém. A vinda do coronel Meira Mattos, subchefe do
Gabinete Militar da Presidência da República, tinha como princi­
pal objetivo discutir as propostas dos candidatos que poderiam
assumir o governo do Pará para, posteriormente, serem apresen­
tadas ao presidente Castello Branco.
Ainda que Jarbas Passarinho assinale que ele tentou preser­
var o governador, ele próprio escreve que o “destino do dr. Aurélio
já estava, porém, a essa altura [refere-se ao período após o gover­
nador substituir a maioria dos membros do seu secretariado] deci­
dido em Brasília” .'51 Mais claro ainda, depois de assinalar que o
general Bizarria Mamede, “tão pronto chegou a Belém [em sua
segunda viagem], mandou o general chamar-me à residência parti­
cular. Na ocasião, foi muito claro: a Revolução decidira intervir no
Pará, como já o fizera no Amazonas, e a solução para o governo
passava necessariamente por mim’” .52 Em Nota Oficial do Governo
do Estado do Pará assinada por Aurélio do Carmo, feita pública no
dia 2 de junho de 1964, já conhecedor da inevitabilidade da cassa­
ção do seu mandato, o governador afirmava:

“Na altura dos acontecimentos que se desenrolam em


meu Estado, o que menos me importa é o meu manda­
to [...]. Como Governador do Pará defenderei o poder
civil que me foi outorgado pelo povo, até que ele me
seja arrancado pela força. Ninguém pode negar que
desde o primeiro dia do meu Governo a Família
paraense gozou da mais completa paz e tranquilidade
[...]. Procurava inimigos e não os encontrava. Somen­
te com a Revolução Vitoriosa, ancorados neste Porto
Seguro, é que vi aparecer uma oposição feroz e
indomada [...]. Nada tenho contra as Forças Armadas
e elas receberam minha solidariedade, pequena e hu­
milde, no momento em que tudo era incerteza, e os
velhacos se escondiam na sua proverbial covardia [...].
Não desconheço que a Revolução tem sua filosofia e
seus princípios, Convoquei os representantes de meu
partido e eles me liberaram integralmente dos com­
promissos que me vinculavam à origem de minha elei­
ção. Não se falava em devassa, nem em inquérito su­
mário, e já o meu Governo formava novo Secretaria­
do, a fim de que os novos princípios pudessem ser pos­
tos em vigor, escolhi um Secretariado de homens
a p olíticos, de técn icos, de pessoas altam ente
credenciadas do meio cultural e social de nossa terra.
Não podia dar melhor prova de minha boa vontade,
mas faltava a meus opositores o saque de meu manda­
to. Ocorre porém, que não obtive a outorga de meu
mandato por nomeação legal, nem através de escritu­

140
ra pública, mas por meio de voto popular, vencendo
em todos os quadrantes do Estado e desta Cidade. Não
posso renunciar a esta bandeira que não é minha, uma
vez que meu poder civil pertence ao povo, e dele tudo
emana nos termos da Constituição Federal.”53

Em artigo publicado na primeira página do jornal “A Pro­


víncia do Pará”, no dia Io de maio de 1964, intitulado “Aos Tra­
balhadores do Pará”, Aurélio do Carmo escrevia:

“Dirijo-me ao operariado da minha terra para comun­


gar com ele das alegrias desta data festiva para todos.
Nunca, como este ano, o dia Primeiro de Maio teve
uma significação tão excepcional e profunda. O opera­
riado livre do Brasil vai celebrar nesta oportunidade
as suas conquistas sociais sem a ameaça do terror e
sem a pressão do peleguismo [...]. A dignidade do ho­
mem no usufruto dos bens da vida ser-lhe-á assegura­
da pela Revolução vitoriosa como uma conquista ina­
balável do próprio espírito humano [...]. Durante qua­
tro anos o operariado brasileiro foi submetido a um
trabalho sistemático de demagogia desenfreada, e de
promessas falazes sem sentido. Hoje [...], a massa pro­
letária pode estar confiante no futuro [...]. Os nossos
trabalhadores vão ter, à sombra da Cruz e sob a ga­
rantia da lei, a justiça que pleiteiam e a situação por
que almejam.”

As declarações do prefeito de Belém e do governador em


apoio à “Revolução” não levaram aos militares golpistas a esque­
cer o apoio de ambas as lideranças do PSD às denominadas Re­
formas de Base preconizadas pelo governo de João Goulart e às
mudanças no sistema político brasileiro, por exemplo, ’apoiando a
legalização do PCB, manifestadas publicamente em diferentes oca­
siões. Numa entrevista concedida ao jornal “A Província do Pará"
em março de 1964, ao ser perguntado sobre a legalização do
PCB, Aurélio do Carmo declarou ser “favorável, sob a justificati­
va de que, no regime democrático, todas as associações políticas
devem ter seus direitos garantidos”. A respeito da reforma agrá­
ria, ele afirmou que “toda reforma que vier em benefício do povo,
receberá sua opinião favorável [...]. Se a Supra quer mesmo
fazer a reforma agrária, que o faça dentro dos processos de técni­
ca da agricultura, dando assistência ao homem do campo” .54
No dia 12 de junho de 1964, cassados os mandatos do
governador e vice-governador, a Assembléia Legislativa escolheu,
por unanimidade, como governador o tenente-coronel Jarbas Gon­
çalves Passarinho e, para o cargo de vice-governador, o empresá­
rio Agostinho Monteiro, ex-deputado federal eleito em 1946 pela
legenda da UDN, que em 1958 candidatara-se ao Senado com o
apoio do então governador Magalhães Barata e não fora eleito.'5'5
A indicação de Agostinho Monteiro predispôs fayoravelmente os de­
putados para que votassem a favor de Jarbas Passarinho, por indi­
cação do presidente do partido, Moura Carvalho, e do líder do PSD
na Assembléia Legislativa, Hélio Gueiros, que até início de junho
esteve “recolhido à 5a Companhia de Guardas, em Belém do Pará,
desde o dia 30 de maio, para averiguação”.56 Diz Passarinho:

“Eu sabia que o PSD não me tinha como preferido.


Suas lideranças tentaram outros nomes [...]. O PSD
se dera por satisfeito com a iniciativa da indicação do
vice-governador [...]. O fato [...] de ter sido o PSD o
partido cujos líderes haviam sido atingidos pela Revo­
lução, fez com que os remanescentes, na Assembléia
Legislativa, fossem o núcleo oposicionista, e que os opo­
sicionistas anteriores passassem à sustentação do meu
governo.”57

Também em junho de 1964, os vereadores da Câmara


Municipal de Belém elegeram o tenente-coronel do exército Alacid
da Silva Nunes para exercer o cargo de prefeito da capital do

1 / 1 0
Pará em substituição a Moura Carvalho.58 Ao perder o PSD o
controle do governo estadual e a prefeitura da capital do Pará,
ficou facilitada, assim, a tarefa dos seus tradicionais ou novos
opositores — militares e outras pessoas sintonizadas com o “regi­
me revolucionário” — de liquidar a máquina político-eleitoral
pessedista. Nas eleições paret. governador realizadas no dia 3 de
outubro de 1965, o candidato dos partidários da “Revolução” no
Pará foi Alacid da Silva Nunes. Para poder ser candidato, Alacid
Nunes filiou-se à UDN, e o PTB, cujos deputados estaduais apoia­
vam o governo de Jarbas Passarinho, indicou o nome do candida­
to a vice-governador: Renato Franco. Uns dias antes das eleições,
Alacid Nunes fez distribuir uma Mensagem ao Eleitor Paraense,
que seria posteriormente reproduzida pelos jornais de Belém que
apoiavam a sua candidatura, no qual podia ser lido:

“A Revolução de 64 derribou o Presidente da Repúbli­


ca porque o mesmo havia permitido que a subversão
atingisse no País um grau insuportável. No Pará o
problema da corrupção era mais grave que o da sub­
versão e foi ela que provocou a queda dos governantes
locais. O que se apurou na maioria dos órgãos fede­
rais, estaduais e municipais, foi de estarrecer. Era o
paraíso da inépcia, da estagnação e da desonestidade
[...]. Em quinze meses, o Governador Jarbas Passari­
nho demonstrou como era possível dirigir o Estado
por novos caminhos. Implementou a moralidade, o ide­
alismo, a eficiência. Sua administração exemplar apre­
senta um dos saldos mais positivos, jamais obtidos em
período tão curto por .qualquer dirigente paraense. ”59

O candidato do PSD, escolhido pelo diretório regional,


assumindo a proposta defendida pelas lideranças do partido, Laér-
cio Barbalho e Hélio Gueiros (que seria o candidato a yice-gover-
nador), foi, curiosamente, o principal oponente eleitoral dos
baratistas, o ex-governador e então senador Zacarias de

143
Assumpção. A escolha era justificada pelas lideranças do PSD
com o argumento de que somente um militar com notável respal­
do eleitoral no Pará poderia tentar pôr freio à crescente influên­
cia dos setores civis e militares vinculados a Jarbas Passarinho e
Alacid Nunes. Contudo a escolha de Zacarias de Assumpção revol­
tou a muitos pessedistas, especialmente dos municípios do interior
e à maioria dos deputados federais do PSD, alguns dos quais
passaram a fazer campanha em favor de Alacid Nunes. Também
no bloco governista produziram-se algumas deserções, em parti­
cular a do presidente da Assembléia Legislativa, José Maria Cha­
ves, que não fora incluído na lista apresentada por Jarbas Passa­
rinho aos 22 deputados estaduais que davam sustentação ao seu
governo para que indicassem o candidato da sua preferência, e
optou por não fazer campanha em favor do indicado, Alacid Nunes.
As não muito boas relações do jornalista Paulo Maranhão com
Jarbas Passarinho e também o fato de ser Zacarias de Assumpção
o candidato da oposição, contribuíram favoravelmente para que,
pela primeira vez, a “Folha do Norte” desse apoio a um candidato
apoiado pelo PSD. Apesar disso, Alacid Nunes, com o apoio do
governador e da coligação de partidos integrada pela UDN, o
PTB, o PDC e o PR, venceu o pleito eleitoral sem muitas dificul­
dades somando um total de 163.c527 votos contra 6 7 .1 6 6 obtidos
por Zacarias de Assumpção. Somente em cinco municípios, dos
83 então existentes no Pará, Assumpção foi o mais votado.60

2.2. Dissolução dos partidos políticos:


nasce o bipartidarismo

Diferentemente da maioria dos regimes militares instaura­


dos nos países latino-americanos nas décadas de 60 e 70, num
primeiro momento, a cúpula das Forças Armadas manteve
inalterado o sistema eleitoral e partidário surgido no Brasil após
a extinção do Estado Novo. Contudo, poucos dias depois da vitória
dos candidatos do PSD aos governos estaduais de Minas Gerais e

144
Guanabara, através do Ato Institucional n° 2, de 27 de outubro de
1965, todos os partidos foram declarados extintos e anuladas as
futuras eleições diretas para presidente da República.61 Um mês
depois, com o intuito de manter uma certa aparência democrática
no controle das Forças Armadas sobre as principais instituições
políticas do país, foi instaurado o sistema bipartidarista (Ato Com­
plementar n° 4, 2 0 /1 1 /1 9 6 5 ), outorgando ao partido da Aliança
Renovadora Nacional (Arena) o papel de aliado do regime e ao do
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) o de “oposição ”. Aqueles
que haviam sofrido a suspensão de seus direitos políticos não po­
deriam filiar-se nem a um partido nem a outro, ficando, portanto,
impossibilitados de candidatar-se a qualquer cargo eletivo. Assim
justificava essas decisões o presidente Castello Branco em sua
mensagem ao Congresso Nacional de 1966:

“No campo político, o ano de 1965 será lembrado


por importantes acontecimentos. Inicialmente, deve­
mos assinalar as eleições efetuadas em onze Estados
da Federação, para a escolha dos seus Governadores,
e que representou o inequívoco propósito da Revolu­
ção em ver a Nação num clima de paz e de liberdade,
retomar os sadios caminhos da democracia, que so­
mente o 31 de março de 1964 impedira de desapare­
cer da vida política brasileira. Ninguém ignora, po­
rém, o debate suscitado por essa deliberação governa­
mental, especialmente por parte daqueles que, embo­
ra dizendo-se partidários da democracia, se revela­
ram inconformados com os resultados contrários às
candidaturas, que desejavam vitoriosas [...]. Assim,
principalmente se considerarmos a normalidade em
que havia decorrido o pleito em todos os Estados, não
cabia ao Governo senão empenhar-se na posse dos que
haviam merecido as preferências eleitorais. Mas, de­
vido à inquietação criada em torno da posse dos elei­
tos [...], viu-se o Governo na contingência de se munir

145
de poderes outorgacfos-peta^Revolução [...]. É que, se
de um lado se apresentavam os inconformados com os
resultados das urnas, de outro, talvez exageradamente
animados por algumas votações, já era possível divi­
sar pequenos grupos desejosos de embaraçar ou per­
turbar o caminho do movimento vitorioso de 31 de
março [...]. Foi diante de tais circunstâncias [...] que
o Governo resolveu recorrer aos poderes inerentes à
Revolução, decretando o Ato Institucional n° 2 [...].
Também a Lei Orgânica dos partidos políticos será
poderoso instrumento para a disciplina e aprimora-
mento da vida partidária, principalmente após a
extinção dos partidos anteriormente existentes, cuja
multiplicação contribuíra para tumultuar e deformar
a fisionomia política do País.”62

Ao ser instituído o bipartidarismo, a antiga disputa entre


os membros dos PSD e os da maioria dos restantes partidos
existentes no Pará transferiu-se, em linhas gerais, para a oposi­
ção entre Arena, “forte, vitoriosa e em expansão” e o MDB, “fra­
co e pessimista”.63 Na Arena ingressaram, além de Jarbas Passa­
rinho e Alacid Nunes, a grande maioria dos integrantes dos parti­
dos que apoiaram a candidatura de Alacid Nunes, também Zacarias
de Assumpção e setores do PSD, entre eles três destacados mem­
bros desse partido: Augusto Meira Filho, o deputado federal Ar­
mando Corrêa (reeleito em 1966 com a sigla da Arena) e Waldemar
Guimarães, candidato do PSD a prefeito de Belém em 1965 e
que fora contrário à candidatura de Zacarias de Assumpção. Mas
a maioria das lideranças do PSD que continuaram politicamente
ativas ingressaram no MDB junto a um pequeno grupo de políti­
cos que haviam feito anteriormente oposição aos pessedistas mas
que divergiam da predominância que mantinha Jarbas Passarinho
e Alacid Nunes no cenário político paraense. Nas eleições de 1966,
Jarbas Passarinho, candidato a senador pela Arena, obteve 204.913
votos, enquanto Moura Palha, pelo MDB, recebeu apenas 40.078

1 /IR
votos. A Arena elegeu 8 dos-lOífeputados federais a que o Pará
tinha direito e 33 dos 41 deputados estaduais.64 Assim — como
acertadamente ponderou Amílcar Tupiassu — na segunda metade
da década de 60, a vida política no Pará parecia ser decorrente
mais de um sistema de partido único, que de um sistema
bipartidarista:

"A Arena possui 67% dos Senadores, 80% dos Depu­


tados Federais, 81% dos Deputados Estaduais, um
Ministério da República dirigido por um líder paraense
[Jarbas Passarinho, M inistro do T rabalho], a
Governança e Vice-Governança do Estado, a Prefei­
tura e Vice-Prefeitura de Belém [...], além do con­
trole de quase todas as Prefeituras do Interior e pra­
ticamente todos os órgãos federais civis significativos
do Pará."fíí>

2.3. Os pleitos eleitorais nos anos 70

Os anos durante os quais o general Garrastazu Médici exer­


ceu o cargo de presidente da República (1969-1974), além de
serem vistos como o período do milagre económico brasileiro,
podem ser também caracterizados como os mais repressivos do
Regime Militar, repressão especialmente dirigida aos militantes
das organizações de esquerda que optaram pela luta armada para
tentar derrotar o regime. Durante o mandato de Ernesto Geisel
na presidência da República, embora o governo federal tentasse
minimizar no país o impacto da recessão económica que afetava,
desde 1973, a maioria dos países do “Primeiro Mundo” e a subi­
da no mercado internacional dos preços do petróleo, além de
tentar contornar as dificuldades decorrentes do modelo de desen­
volvimento económico que implementara, nunca mais conseguiu
que se repetissem os altos índices de crescimento económico obti­
dos nos anos do “milagre” .66 Porém, não apenas as dificuldades

147
económicas preocupavam a cúpula militar. Além da progressiva
ruptura da Igreja Católica com o regime e das crescentes mobili­
zações promovidas pelos movimentos sociais e sindicatos por
melhoria das condições de vida, desde as eleições de 1974, o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) transformara-se num
verdadeiro concorrente eleitoral da Arena.
O Regime Militar, como ocorrera após a Revolução de
1930 e, sobretudo, durante o período do Estado Novo (1 9 3 7 ­
1945), representou o incremento dos poderes do presidente da
República e da União em detrimento dos poderes estaduais e
municipais. Tampouco a maioria dos membros das Forças Ar­
madas tinha muita simpatia pelas tradicionais formas de domi­
nação oligárquica. No entanto, a necessidade de legitimidade
política pela via eleitoral que o Regime Militar estabeleceu com
o sistema bipartidarista e o crescimento da votação dada aos
candidatos do MDB nos principais centros urbanos e nas regiões
mais industrializadas do país nos anos 70, ‘fizeram com que a
Arena fosse se tornando, cada vez mais, um partido rural de
“velhos” e “novos” coronéis, e se reestimulassem as práticas
clientelísticas e a política da trocas de favores entre as diferentes
instâncias de poder político-administrativo.
Em 1970, dos 31 0 integrantes da Câmara Federal, a
Arena elegeu 223 deputados federais e o MDB, apenas 87. Já
em 1974, de um total de 364 membros da Câmara Federal, a
Arena elegeu 2 04 e o MDB, 160. Foi nas candidaturas ao Sena­
do Federal que mais cresceu o MDB em 1974, comparativamen­
te às duas eleições anteriores sob o sistema bipartidarista, supe­
rando, pela primeira vez, em cerca de 4,5 milhões de votos os
obtidos pelos candidatos da Arena e elegendo 16 das 22 vagas
ao senado em disputa.6' Na próxima tabela podemos apreciar a
variação, segundo a legenda partidária, na composição da Câ­
mara Federal por regiões. Destaca-se o crescimento do MDB na
regiões Sul e Sudeste, a quase igualdade entre os dois partidos
em 1974, entre os deputados federais eleitos nos Estados e Ter­
ritórios Federais da Região Norte, e o grande número de depu-

148
tados que a Arena conseguiu eleger no Nordeste, o que contri­
buiu notavelmente para manter sua maioria na Câmara Federal.
Num dos discursos de Ernesto Geisel em sua viagem ao Maranhão,
realizada em outubro de 1978, o presidente da República desta­
cava a importância, para o partido governista, dos resultados
das eleições obtidos no F^ordeste com as seguintes palavras:

“Nós temos áreas nos Estados, sobretudo nos gran­


des centros, em que as eleições foram críticas — Rio
de Janeiro, São Paulo — e que temos que compensar
as diferenças negativas de lá com excessos majoritá­
rios nos Estados que nos apóiam há longos anos, como
este aqui, como o Piauí, como Pernambuco, como
Ceará, Bahia e outros, e assegurar uma boa maioria
para o futuro Governo.”68

Tabela 15
Composição da Câmara Federal por regiões
segundo legenda partidária: 1970-1974
Total Total
Região Arena MDB Arena MDB
1970 1974

Norte 12 • 6 18 11 10 21

Nordeste 73 27 90 82 25 107

Sudeste 83 40 123 60 77 137

Sul 42 20 62 37 41 78

Centro-
13 4 17 14 7 21
Oeste

Total 223 87 310 204 160 364

Fonte: TSE, Dados Estatísticos: Eleições Federais e Estaduais Realizadas


no Brasil em 1970 e 1974, Imprensa Nacional, 1 9 7 3 e 1 9 7 7

Nas eleições de 1978, segundo fora definido na Constitui­


ção de 1969, os governadores seriam novamente eleitos por su­

149
frágio universal. Porém, em decorrência dos resultados do pleito
eleitoral de 1974 e*das eleições municipais de 1976, a cúpula das
Forças Armadas e os partidários do Regime Militar no governo
federal e no Congresso Nacional optaram, através do uso do Ato
Institucional n° 5, por adiar essa possibilidade para 1982. Por­
tanto, mais uma vez desde 1966, nas eleições de 1978 somente
seriam eleitos diretamente pelos eleitores os senadores e dèputa-
dos federais e estaduais. Os resultados eleitorais de 1978, que
expressaram uma relativa estagnação no crescimento da repre­
sentação parlamentar do MDB, foram condicionados por uma
série de medidas casuísticas e restrições à propaganda eleitoral
nos meios de comunicação, entre elas a da eleição indireta para
uma das duas vagas ao Senado em disputa em cada Estado (os
senadores “biónicos”).69 Eram do partido governista 15 dos 23
senadores eleitos diretamente e a maioria dos senadores biónicos.
Porém, embora a votação dada aos candidatos da Arena para
deputado federal tivesse superado em 250 mil votos a dos candi­
datos do MDB, cabe destacar que os candidatos deste partido ao
Senado tiveram 4,5 milhões de votos a mais que os arenistas.70
Em 1972, a Arena elegeu em todo o país 3.484 prefeitos
contra apenas 463 que obteve o MDB. Nas eleições municipais de
1976 não houve mudanças significativas em relação ao total de
prefeitos eleitos pelas duas legendas partidárias. Foram 3.359 para
a Arena e 614 para o MDB. Contudo, a diferença no total de votos
computados diminuiu consideravelmente. Em 1976, a Arena obteve
14,7 milhões de votos contra 7,7 milhões de votos do MDB, en­
quanto em 1972, a diferença fora de 12,4 milhões a 3,9 milhões,
respectivamente/1 Nas eleições municipais de 1972, os eleitores
paraenses escolheram novos prefeitos em 73 municípios, vencen­
do a Arena em 61 deles e nos 12 restantes os candidatos do MDB.
Nas de 1976 a diferença em favor da Arena no Pará foi ainda
maior, elegendo o MDB apenas quatro prefeitos.72 O escasso nú­
mero de prefeitos eleitos pelo MDB foi favorecido pela existência
das sublegendas partidárias que permitia a diferentes setores das
elites locais a candidatura ao cargo de prefeito sem a necessidade

150
de se filiar ao MDB, ainda que não controlassem os diretórios
municipais do partido governista (Arena).73

Tabela 16
Composição da Câmara Federal por Regiões
segundo legenda partidária: 1978

Variação Variação
Regiões Arena MDB Total
1974 1974

Norte 17 + 6 11 + 1 28

Nordeste 92 + 10 34 + 9 126

SudéSte 62 + 2 94 + 17 156

Sul 42 + 5 40 = 82

Centro
18 + 4 10 +3 28
Oeste

Total 231 + 27 189 + 30 420

Fonte: Dados extraídos da obra de Francisco Sales Cartaxo Rolim, Política


nos Currais, João Pessoa, Acauã, 1979, p. 169-170; e TSE, Dados Esta­
tísticos: Eleições Federais e Estaduais Realizadas no Brasil em 1974, Im­
prensa Nacional, 1977.

Não foram realizadas eleições, além da capital, nos muni-


/
cípios do Pará declarados pelo governo federal Area de Seguran­
ça Nacional (Almeirim, Altamira, Itaituba, Marabá, Óbidos,
Oriximiná e Santarém) e tampouco naqueles classificados como
Estâncias Hidrominerais (Monte Alegre e Salinópolis). Os resulta­
dos mais significativos obtidos pelo MDB em 1976 foram os al­
cançados em Belém na escolha dos membros da Câmara Munici­
pal, elegendo o MDB sete vereadores contra seis da Arena.74 Re­
ferindo-se a esse pleito eleitoral, Gerson Peres, deputado estadual
e então presidente da Arena no Pará, escreve: “A Verdade é que
nosso Partido perdeu em Belém, mais uma vez, embora estancan­
do a marcha ascencional, do MDB. A Capital passou a ser a fonte
geradora de esperanças da Oposição para influir, psicologicamen­
te, o eleitorado dos demais municípios 75
A primeira vez em que o MDB superou, em Belém, os votos
obtidos pelos candidatos da Arena foi nas eleições para deputado
federal e estadual realizadas em 1974, o mesmo acontecendo nos
municípios de Alenquer, Castanhal, Juruti e Santarém, em todos
eles por escassa diferença de votos, tendo vencido a Arena nos
outros 79 municípios. O candidato a deputado federal mais votado
foi o ex-governador Alacid Nunes e, para o Senado, o também ex-
governador e senador eleito em 1966, Jarbas Passarinho.71’ Nas
eleições de 1978, além de vencer em Belém, o MDB venceu em
Santarém, então o segundo colégio eleitoral mais importante do
Pará, e nos municípios de Juruti e Santa Isabel do Pará. A diferen­
ça de votos em favor da Arena nos municípios restantes permitiu
que esse partido lograsse eleger 6 dos 10 deputados federais em
disputa e 19 deputados estaduais contra 11 .do MDB.77

Tabela 17
Número de Deputados Estaduais do Pará
segundo legenda partidária (1966-1978)

Ano ARENA MDB Total

1966 33 8 41

1970 17 7 24

1974 20 10 30

1978 19 11 30

Fonte: Tupiassu, 1968, p. 47; Arquivos e Biblioteca da Assembléia Legislativa


do Estado do Pará; Assembléia Legislativa do Estado do Pará, Mensagem ao
Sesquicentenário do Poder Legislativo, Belém, Imprensa Oficial do Estado,
1973, p. 3; Assembléia Legislativa do Estado do Pará, Biografia dos Deputa­
dos, 9aLegislatura — 1979/1983, Belém, Assessoria de Divulgação e Rela­
ções Públicas, 1980.
Tabela 18
Deputados Federais eleitos pelo Estado do Pará
segundo legenda partidária (1966-1978)

Ano ARENA MDB Total

1966 * 8 2 10

1970 7 2 9

1974 7 3 10

1978 6 4 10

Fonte: Tupiassu, Eleições 1966, p. 46; e Boletins Tribunal Eleitoral Regional.

O decréscimo da representação do Pará no Congresso Naci­


onal nas eleições de 1970, foi decorrente da mudança nos critérios
para estabelecer o número de deputados por Estado introduzidos
em 1969, através da Emenda Constitucional n° 01 / 6 9 . Nessa emenda
foi definido, pela primeira vez na história do Brasil, que seria o
número de eleitores inscritos e não a população o critério a ser
utilizado para definir o total de deputados que corresponderia a
cada um dos estados. Em 1977, em consequencia do crescimento
do número de votos dos candidatos do MDB nos estados nos
quais a diferença entre número de habitantes e eleitores era
menor, na Região Sudeste, retornou-se ao critério tradicional
(Emenda n° 0 8 /7 7 ).79 Com o mesmo objetivo de favorecer as
chances eleitorais da Arena, na Emenda Constitucional n° 8 de
1977 foi explicitada outra mudança casuística dos partidários do
Regime Militar, agora ao fixar que o mínimo de deputados por
estado seria ampliado a seis (6) e um máximo de 55, sendo o total
de membros da Câmara Federal de 420 deputados. Assim, os
estados que ampliaram sua representação foram qs do Acre, Ama­
zonas, Sergipe, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e, o maior
prejudicado, o Estado de São Paulo.80 O número total de deputa-
dos federais da Região Norte passou de 21, em 1974, para 27 em
1978. Somente no"Pará a Arena diminuiu, entre ambas eleições,
seu número de deputados, ainda que continuasse sendo a legenda
mais votada.

Tabela 19
Região Norte: número de Deputados Federais
por partido e Estado (1974-1978) — ARENA/MDB

Arena Arena MDB MDB


Variação Variação
Estados 1974 1978 1974 1978

Pará 7 6 - 1 3 4 + 1

Amazonas 2 4 + 2 3 2 - 1

Acre 1 3 + 2 2 3 + 1

Amapá 0 1 + 1 1 . 1 0

Roraima 1 2 + 1 0 0 0

Rondônia 0 1 + 1 1 1 0

Total
Região 11 17 +6 10 11 + 1
Norte
Fonte: Francisco Sales Cartaxo Rohm, Política nos Currais, p. 169-70.

2 .4 . A disputa pelo “p artido no p od er’’

O controle do poder político pelas Forças Armadas e a


própria predominância no cenário político paraense da Arena des­
de a instauração do bipartidarismo, influiu para que a principal
disputa política se estabelecesse no seio do partido governista en­
tre as duas mais destacadas lideranças políticas paraenses surgidas
do golpe de estado de 1964: Jarbas Passarinho e Alacid Nunes.
Nessa disputa, estava em jogo qual dos dois exerceria, diretamen-
te ou através dos seus respectivos aliados políticos, maior influên­
cia no governo federal, Congresso Nacional, Executivo estadual e
prefeituras do Pará. O fim da relação de amizade entre Jarbas
Passarinho e Alacid Nunes, segundo Passarinho, ocorreu durante
a campanha eleitoral de 1965, em virtude do apoio económico
para os gastos de campanha recebido por Alacid do ex-governa-
dor do Amazonas, Gilberto Mestrinho, que teve seu mandato cas­
sado em 1964. Conta Jarbas que, um mês antes das eleições,
Alacid após afirmar “Coronel, já tenho o dinheiro de boi” , mos­
trou-lhe um cheque indicando que era a contribuição do Mestrinho:
“Exaltado, ergui a voz e disse: Você acaba de conspurcar a Revo­
lução Guardo, desse decepcionante encontro com o até en­
tão meu pupilo, em quem tanto confiei, a convicção de que o
brocardo é sábio, quando diz: Queres ver o vilão, põe-lhe o bas­
tão na mão . Perdi, desde então, a confiança no meu antigo aluno
da Academia Militar de Agulhas Negras. Em contrapartida, essa
foi a última confidência que ele me faria na vida”.81 Para Alacid
Nunes, segundo entrevista concedida ao jornalista paraense Carlos
Rocque: “[...] a briga começou quando este [Passarinho] quis divi­
dir com ele o dinheiro”.82
No dia 15 de março de 1971, em substituição a Alacid
Nunes, os deputados estaduais escolheram como governador o
engenheiro Fernando José de Leão Guilhon. Era a primeira vez,
portanto, desde a destituição de Aurélio do Carmo, que um civil
passava a exercer essa responsabilidade, ainda que o vice-gover-
nador fosse um militar, o coronel Newton Burlamaqui Barreira
(integrante do Governo de Alacid Nunes no cargo de Diretor-Pre-
siderrte da Companhia Fôrça e Luz do Pará), e, de um total de 30
cargos de responsabilidade do governo estadual, seis deles fossem
exercidos por militares, um número maior do que o total de mem­
bros das Forças Armadas que participaram do Governo de Alacid
Nunes.83 Aloysio da Costa Chaves, ex-reitor da Universidade Fede­
ral do Pará e ex-juiz do Trabalho, tomou posse do cargo de go­
vernador em 1975-1979 e o de vice-governador, o professor Cló-
vis Silva de Morais Rêgo.84 Em 1978, o ex-governador e então

155
deputado federal, Alacid Nunes, seria indicado por Ernesto Geisel,
por solicitação do marechal Cordeiro de Farias, para assumir seu
segundo mandato de governador, em detrimento de Jarbas Passa­
rinho, que também pretendia o cargo. Posteriormente, houve o
seguinte diálogo entre Passarinho e o general Figueiredo:

Presidente, esse rapaz não vai honrar o com­


promisso conosco’. Figueiredo respondeu: Se ele não
honrar e o prejudicar, eu arrebento com ele aqui’.
Passarinho explicou: Você não arrebenta porque lá
em Bujaru, lugar qué talvez nem exista no mapa, o
governo vai ser ele e não o senhor; o poder é do gover­
nador, que nomeia o delegado, o coletor, e isso ele vai
usar.’”85

Fosse ou não verdadeiro esse diálogo, nos permite destacar


a importância que adquire o cargo de governador para aqueles
que exercem o mandato possam ampliar ou manter sua influência
política nos diferentes municípios dos seus respectivos estados, e a
importância de manter boas relações com o presidente da Repú­
blica e os integrantes do governo federal com intuito de obter
dividendos político-eleitorais através do repasse de verbas da União
para os seus estados. Caso contrário, poderia haver algo seme­
lhante ao que ocorrera com Alacid Nunes após abandonar o parti­
do governista: “O governo federal cortou relações com o coronel
Alacid Nunes. Na verdade essa briga só causou prejuízo ao povo,
porque as verbas federais foram muito diminuídas ou simplesmen­
te cortadas”.86
Ainda que durante o mandato presidencial do general
João Baptista Figueiredo (1979-1985) fosse dada continuidade
ao “lento, seguro, gradual” e, também, contraditório, processo
de liberalização política iniciado durante o mandato de Ernesto
Geisel, novas mudanças no sistema partidário e eleitoral foram
introduzidas para tentar evitar o crescente caráter plebiscitário,
quanto à permanência dos militares no poder, que os pleitos

156
eleitorais foram adquirindo, e também para evitar que o cresci­
mento do número de votos recebidos pelo MDB permitisse que
esse partido chegasse a obter a maioria dos membros do Colégio
Eleitoral que escolhia o presidente da República. Assim, com o
objetivo de seguir controlando pela via eleitoral o ritmo e os
limites da transição política à democracia, os partidários do
Regime Militar optaram por extinguir o sistema bipartidarista e
retornar ao pluripartidarismo (lei n° 6.767 de 20 de dezembro de
1979). Com essa decisão previa-se a implosão do MDB em vários
partidos e a ampliação das bases eleitorais da Arena no seu her­
deiro o Partido Democrático Social (PDS). De fato, o MDB,
transformado em PMDB, perdeu um número não desprezível de
deputados e senadores, que se encaminharam para o Partido Po­
pular (PP) - os setores mais conservadores - e para o PTB -
uma pequena parte.
Porém, como comprovação de que nem sempre a vida
política transcorre conforme gostariam os maquiavélicos de plan­
tão no poder, para complicar os planos dos estrategistas políticos
do Regime Militar, dois novos partidos superaram todos os obstá­
culos legais, obtendo o registro provisório, enquanto aguardavam
os resultados eleitorais de 1982: o Partido Democrático Traba­
lhista (PDT) e o Partido dos Trabalhadores. Leonel Brizola, ex-
governador do Rio Grande do Sul (1959-1962), ao regressar do
exílio tinha em mente a reconstituição, sob sua liderança, do PTB.
Com a concessão pela Justiça Eleitoral da sigla do partido aos
seguidores de Ivete Vargas (sobrinha-neta de Getúlio Vargas),
Brizola fundou o PDT. Após extinto o sistema bipartidarista, Pas­
sarinho, como a grande maioria dos membros da Arena em todo
o país, ingressaria no PDS. Mas, o governador Alacid Nunes,
após optar por filiar-se também ao PDS, poucos meses depois
estimularia a recriação do PTB no Pará, partido ao qual se so­
maram dez deputados estaduais e um deputado federal eleitos
pela Arena em 1978 e então filiados ao PDS, além de um grupo
de prefeitos e vereadores do Pará,87 a maioria dos quais daria
apoio ao candidato escolhido pelo PMDB para governador nas

157
eleições de 1982: Jader Barbalho. Alacid Nunes esperava ser re­
compensado por Jader nas eleições de 1986, reciprocidade que
não existiu, mas essa é outra história.

3 . As eleições de 1 9 8 2 : a vitória do PMDB

As eleições realizadas no dia 15 de novembro de 1982


tornaram-se o pleito eleitoral mais importante do período pós-64.
Os governadores voltavam a ser escolhidos por sufrágio direto e
universal, renovava-se a Câmara Federal, as Assembléias
Legislativas, um terço do Senado, as Câmaras Municipais e Pre­
feituras, com exceção das capitais e dos municípios declarados
Areas de Segurança Nacional.88 Com a manutenção da eleição
indireta do presidente da República, os resultados eleitorais iriam
definir, mais uma vez, a composição do Colégio Eleitoral que es­
colheria o sucessor do general Figueiredo.’ As capitais e os 62
municípios que foram declarados Áreas de Segurança Nacional
teriam que esperar o fim do regime autoritário (1985) para po­
derem escolher seus prefeitos por sufrágio universal.
Outros dois fatores tiveram grande importância na cam­
panha e nos resultados eleitorais de 1982: a situação da economia
nacional e as incertezas que ainda pairavam quanto à continuida­
de do processo de transição à democracia, traduzidas na possibili­
dade de que a cúpula das Forças Armadas não aceitasse um resul­
tado eleitoral favorável aos partidos da oposição. As dificuldades
pelas quais atravessava a economia brasileira não eram apenas
resultado do modelo de desenvolvimento implementado pelos
tecnocratas do Regime Militar, mas também da crise económica
na qual estavam imersos boa parte dos países do “Primeiro Mun­
do” , especialmente os EUA. Nos primeiros meses de seu primeiro
mandato como presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan,
visando à recuperação económica do seu país, adotou uma políti­
ca que trouxe graves consequências para os países do “Terceiro
Mundo” , especialmente os latino-americanos que, como o Brasil,

158
tinham uma elevada dívida externa. O aumento do valor dos juros
bancários e o fortalecimento do dólar significou para os países
latino-americanos, além da diminuição do fluxo de capitais exter­
nos, o incremento, em moeda nacional, do valor da dívida externa
e do seu serviço (ambos expressos em dólares). A década perdida,
como foram chamados, dó ponto de vista económico, os anos 80
nos países da América Latina, já começava mal para o Brasil.
Em 1980, a dívida externa líquida alcançava 4 6,9 bilhões de
dólares (50% superior à de 1978), a inflação ultrapassava 100%
ao ano e o PIB de 1981, em comparação ao do ano anterior,
diminuía 4,5% 89
Para que tudo continuasse sob controle dos partidários do
Regime Militar sem que se precisasse recorrer ao expediente de
pôr fim ao processo de abertura política, o governo federal, em
fins de 1981, apresentou ao Congresso Nacional o que seria co­
nhecido como o Pacote de Novembro, destinado a modificar al­
guns artigos da lei eleitoral. A finalidade das mudanças era favo­
recer os candidatos do PDS, partido que contava então com o
maior número de Diretórios Municipais. Aprovadas as modifica­
ções, em janeiro de 1982, as que tiveram maior influência na
estratégia eleitoral dos partidos políticos foram a proibição de
coligações eleitorais e a introdução do voto vinculado em todos os
níveis, pelo qual os eleitores ficavam impedidos de votar em candi­
datos de partidos diferentes (por exemplo, para governador, pre­
feito ou deputado), sob pena de terem o seu voto anulado.
Algumas dessas mudanças acabaram por favorecer tam­
bém ao PMDB, debilitando assim os objetivos da cúpula militar
de extinguir o bipartidarismo. A proibição de alianças eleitorais
entre diferentes partidos, por exemplo, levou a maioria dos mem­
bros do Partido Popular (PP) a ingressar no PMDB no mês de
fevereiro de 1982. O PMDB também se beneficiou do voto vincu­
lado ao contar, comparativamente aos outros partidos da oposi­
ção, com maior número de filiados, diretórios e candidatos. Esses
fatores resultaram na campanha pelo voto útil no PMDB, como
forma de derrotar o PDS. Em suma, as eleições voltavam a se
polarizar, dessa vez entre os partidos surgidos da Arena e do MDB,
apesar de serem cinco os partidos até então legalizados que apre­
sentaram candidatos às eleições: PDS, PMDB, PTB, PDT e PT.
No marco geral da polarização eleitoral entre o PDS e o
PMDB, as eleições de 1982 adquiriram no Pará algumas carac­
terísticas específicas que precisam ser consideradas para se com­
preenderem os resultados eleitorais que deram a vitória ao can­
didato do PMDB ao governo, o deputado federal Jader
Barbalho,90 cujo principal oponente, o empresário Oziel Carnei­
ro, candidato do PDS, tinha em.Jarbas Passarinho, candidato à
reeleição no seu terceiro mandato como senador, seu principal
cabo eleitoral. Também o presidente Figueiredo se fez presente
em Belém para dar apoio ao candidato do PDS.91 Jader Barbalho
teve apoio, além do governador Alacid Nunes e dos setores que
com ele tinham abandonado o PDS,92 de parte dos empresários
e comerciantes, classes médias e a grande maioria dos setores
progressistas e/ou de esquerda no Pará, inclusive de boa parte
das organizações e tendências internas do PT, apesar do partido
ter lançado candidato próprio. Jader havia sido uma das princi­
pais lideranças do movimento estudantil de Belém e, no exercí­
cio dos mandatos de deputado estadual (1971-1974) e federal
(1975-1982), fizera clara oposição ao Regime Militar. Assim
argumentava Atanagildo de Deus Matos (“Gatão”), candidato a
prefeito pelo PMDB no município paraense de Oeiras do Pará e,
em 1982, militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR),
a importância da candidatura de Jader Barbalho para governa­
dor do Pará:

A idéia era apoiar a Jader, que era um candidato que


tinha uma certa passagem pelo movimento popular, e
que era um cara que enfrentou, num determinado pe­
ríodo, a repressão, no movimento estudantil, depois
como deputado. A análise era essa. Olha, o PT, aqui
no Pará, vai levar a perder as eleições com Jarbas
Passarinho [...]. Por isso nós acabamos apoiando ao

1 n r\
Ill

Jader para governador em 1982.”93


Num manifesto em apoio à candidatura de Jader Barbalho,
assinado por intelectuais, professores, artistas e profissionais libe­
rais pode-se ler:

“Porque [...*| estamos com o Pará e não com as


multinacionais, estamos com Jader. Porque devemos
preservar a integridade territorial do Estado, ameaçada
de desmoronamento, estamos com Jader. Porque de­
sejamos um país aberto e democrático... Porque pre­
tendemos uma justa política agrária... Porque não que­
remos uma juventude reprimida e tutelada... Por tudo
• isso estamos com Jader.”94

As eleições de 1982 confirmaram que a disputa eleitoral


continuava polarizada entre os herdeiros da Arena e do MDB. O
PDS obteve a maioria dos integrantes do Colégio Eleitoral (52,8%)
e o PMDB elegeu 9 dos 23 governadores, entre eles os de São
Paulo e Minas Gerais. Nos Estados restantes, à exceção do Rio de
Janeiro que elegeu Leonel Brizola (PDT) governador, o PDS ven­
ceu as eleições. Faltaram apenas 10 deputados federais para que o
PDS obtivesse a maioria absoluta na Câmara de Deputados: fez
235 deputados, de um total de 479. O PMDB elegeu 200; o
PDT, 23; o PTB, 13; e o PT, 8.95 No Pará, os candidatos do
PMDB foram os grandes vencedores do pleito eleitoral em 1982.
Jader Barbalho foi eleito governador e Hélio Gueiros (PMDB)
senador, impedindo, assim, a reeleição de Jarbas Passarinho (PDS).
O PMDB elegeu 23 deputados federais e 16, o PDS.96

3 .1 . Da campanha pelas Diretas-Já à Nova República:


o PMDB, “novo partido no poder”
*

A maioria que o PDS obteve no Colégio Eleitoral acabou


estimulando uma das mobilizações políticas mais importantes da

i a1
história do Brasil: a Campanha pelas Diretas-Já. Iniciada em fins
de 1983, a campanha não conseguiu seu objetivo, quando na Câ­
mara Federal, no dia 25 de abril de 1984, por faltarem 22 votos,
não foram obtidos os 2 /3 do total de votos necessários para a
aprovação da emenda constitucional, apresentada pelo deputado
Dante de Oliveira (PMDB), que estabelecia a eleição direta do pre­
sidente da República.97 A nova vitória do PDS, no entanto, acabou
contribuindo para sua posterior e progressiva decadência político-
eleitoral. O fato de setores do PDS, sobretudo do Nordeste, terem
se oposto à escolha do ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf,
como candidato à presidência da República incentivou articulações
de membros do partido no sentido de compor com a ala conserva­
dora do PMDB uma chapa para concorrer à indicação do Colégio
Eleitoral. Nesse processo surgiu o Partido da Frente Liberal (PFL),
que apoiaria a candidatura de Tancredo Neves (PMDB), ex-presi-
dente do Partido Popular e governador de Minas Gerais, para pre­
sidente, e de José Sarney para vice-presidente. No dia 15 de janeiro
de 1985, os integrantes do Colégio Eleitoral votaram maioritaria­
mente a favor da chapa de Tancredo Neves e José Sarney.
Com a morte de Tancredo, porém, quem assumiu o cargo
de presidente não foi nenhum opositor da “revolução de 1964 ”,
mas Sarney, ex-governador do Maranhão pela Arena e ex-presi-
dente do PDS. Nascia assim a Nova República, marcada pela influ­
ência no Congresso Nacional e no governo federal de políticos que
deram apoio ao Regime Militar.98 Diferentemente do Pará, que a
partir de 1983, ao assumir Jader Barbalho o mandato de governa­
dor, abria-se a um novo período político, agora sob a supremacia
das lideranças do novo partido no poder (PMDB), que representa­
va, em certo modo, o retorno de pessoas vinculadas ao PSD ao
controle do Executivo estadual, e que assumiram a responsabilida­
de de governar com um discurso de oposição às práticas políticas
da extinta Arena e aos projetos económicos implementados na Ama­
zónia Legal pela Administração Federal a partir de 1966.
No dia 28 de fevereiro de 1986, o presidente José Sarney
apresentou ao país o Plano Cruzado, no qual, entre outras medi­

162
das económicas direcionadas a controlar a inflação e promover o
crescimento económico, a nova moeda passava a ter três zeros a
menos (1.000 por 1) que o cruzeiro, foram congelados os preços
e a taxa de câmbio por prazo indeterminado e os aluguéis por um
ano. Também foi de grande impacto popular o reajuste do salário
mínimo pelo valor médio da inflação dos últimos seis meses, mais
um incremento de 8 % ": “Quando em novembro se realizaram as
eleições, o Plano Cruzado já fracassara, mas ainda não era percep­
tível para o grande público”.'00 O PMDB elegeu todos os governa­
dores menos em Sergipe, obteve 261 cadeiras na Câmara Federal
de um total de 487, o PFL, 116; 38 das 49 vagas no Senado.'01
No Pará, o PMDB, PDS, PTB, PCB e PCdoB, formaram
a coligaçãç Movimento Democrático Paraense (MDP), tendo Hélio
Gueiros como candidato a governador e Jarbas Passarinho (PDS)
e Almir Gabriel como candidatos ao Senado.102 A Aliança entre o
PMDB e o PDS foi a principal responsável pela grande diferença
de votos que obteve Hélio Gueiros sobre os outros candidatos e pela
eleição dos candidatos do MDP ao Senado,10'3 sendo o principal
derrotado o ex-governador Alacid da Silva Nunes. O PMDB elegeu
13 deputados federais contra 2 do PDS e PFL, respectivamente. O
PMDB obteve a maioria absoluta na Assembléia Legislativa, ele­
gendo 26 dos 41 deputados estaduais. Seis elegeu o PDS, cinco o
PFL, dois o PT e um o PDT e o PMB.104 Aprovada a nova Consti­
tuição Federal em 1988,105 realizadas, nesse mesmo ano, as elei­
ções municipais em todos os municípios do país e com o retorno,
em 1989, à escolha por sufrágio direto e universal do presidente da
República, concluía-se o processo de transição política à democra­
cia no Brasil.

4. Conclui-se a transição política: os eleitores


brasileiros elegem o presidente da República
f

Mostra do descrédito nas lideranças dos partidos da Alian­


ça Democrática (PMDB-PFL), que deram apoio à ação de gover­

163
no de José Sarney, foi a decisão dos eleitores ao escolher os candi­
datos que disputariapi o 2o turno das eleições para presidente da
República em 1989: Fernando Collor de Mello e Luís Inácio Lula
da Silva.106 Collor de Mello, eleito governador de Alagoas pelo
PMDB em 1986, tentando não ser identificado como “candidato
continuista” fundou o Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e
centrou sua estratégia eleitoral numa feroz crítica a Sarney e à
“classe política”, aliada a lemas “modernizantes” e propostas
neoliberais, apresentando-se como defensor dos interesses dos
“descamisados” . Em apoio à candidatura de Lula, o PT, PSB e
PCdoB constituíram, em 1989, a Frente Brasil Popular (FBP).
No 2o turno também apoiaram Lula o PDT, o PV, o PCB, e, à
última hora, parte das lideranças do PSDB. Leonel Brizola e Roberto
Freire (candidato do PCB) conseguiram com grande êxito transfe­
rir para Lula os votos que obtiveram no Io turno, o que não aconte­
ceu com o mesmo sucesso entre os votantes de Mário Covas. Ape­
sar da diferença de 9 milhões de votos em favor de Collor no Io
turno, os dois candidatos chegaram à última semana da campanha
eleitoral tecnicamente empatados nas pesquisas de opinião.

Tabela 20
Resultados no 2 o turno das eleições presidenciais de 1989

Collor %* Lula %*

10 turno 20.611.011 2 8,5 11.622.673 11,0


Brasil
2o turno 3 5 .0 9 8 .9 9 8 4 9,9 3 1 .0 7 6 .3 6 4 44,2

1°turno 794.162 48,3 2 9 5 .6 2 7 18,1


Pará
2° turno 1.105.829 6 9,7 4 1 9 .6 5 6 2 6,4

Fonte: TSE.
* Porcentagens relativas aos votos válidos.

164
Luís Inácio Lula da Silva venceu na Região Sul e em 13
l<\s capitais; Collor, nas outras regiões e capitais, entre elas São
I ’aulo e todas as da Região Norte. Na totalização dos votos das 27
apitais, Lula superou a Fernando Collor de Mello por mais de 2
milhões de votos, mas o candidato do PRN ultrapassou em cerca
>le 6 milhões os votos obtidos por Lula nos municípios restantes.107
<íurupá foi o único município paraense onde Lula superou Collor
no Io e 2 o turnos (no Io, também em Limoeiro do Ajuru). Na
Região Metropolitana de Belém (Belém, Ananindeua e Benevides),
Lula obteve 38,6% dos votos válidos. A capital paraense foi onde
<\ candidatura petista mais cresceu entre o Io e o 2o turno, parti­
cularmente nos bairros de São Brás (47,0%) e Umarizal (45,0%).
Na maioria, dos outros municípios o incremento do número de
votos foi menor. Lula teve melhores resultados em relação ao Io
turno em 96 dos municípios e perdeu alguns votos em outros 10,
entre eles, curiosamente, Gurupá e Limoeiro do Ajuru.108 Parte
da responsabilidade pela grande diferença de votos favoráveis a
Collor no Pará deve-se ao engajamento, sobretudo no 2o turno,
de algumas das principais lideranças políticas paraenses em favor
do candidato do PRN, entre elas o governador Hélio Gueiros e o
prefeito de Belém, Sahid Xerfan. Jader Barbalho, ainda que não
fizesse público seu apoio a Collor de Mello no 2 o turno, “liberou”
os membros do PMDB e as lideranças políticas dos municípios do
interior e de Belém a ele vinculadas para fazer campanha em
favor de Collor.

4.1. A disputa pelo governo estadual


e pelo controle do PMDB

Após as eleições de 1982, como assinalei acima, novas lide­


ranças político-partidárias consolidaram-se no Pará, acompanhan­
do a supremacia da preponderância político-eleitoral’ do PMDB.
Entretanto, como ocorreu na maioria dos estados a partir de 1982
e, sobretudo, após o fim do Regime Militar, ao se transformar em

165
j<feranças do PMDB orienta­
ram sua ação política na defesa dos interesses estabelecidos, isto é,
os das classes dominantes, do que a melhorar as condições de vida
das classes ou setores populares paraenses. Antes das eleições de
1982, inclusive porque na Arena se abrigavam as elites económicas
paraenses, segundo Atanagildo de Deus Matos ( “Gatão”): “Onde
tinha PMDB no interior não era representante da burguesia, eram
na sua grande maioria trabalhadores. Por exemplo, em Oeiras,
era só trabalhador rural os que criaram o MDB”.
A preponderância político-eleitoral do PMDB no Pará in­
fluiu, como ocorrera anteriormenté no seio do anterior partido no
poder - Arena entre Alacid Nunes e Jarbas Passarinho, para
que a principal rixa política no Pará, no final dos anos 80, se
estabelecesse entre Jader Barbalho e Hélio Gueiros. Gueiros per­
deu para Jader a disputa pelo controle do PMDB, disputa que iria
definir, entre outras questões, quem seria o candidato do partido
ao Executivo estadual em 1990. Depois disso,’Hélio Gueiros, para
evitar que Jader obtivesse nova vitória nas eleições de 1990, deu
suporte à candidatura do comerciante e ex-prefeito de Belém,
Sahid Xerfan (PTB) a governador, com a pretensão de derrotar
Jader Barbalho nas urnas, objetivo que quase foi atingido, pois foi
por escassos 7.300 votos que Jader venceu o segundo turno das
eleições.109 Essa diferença foi obtida graças à soma total dos votos
dos eleitores dos municípios do interior que compensaram, em
ambos os turnos, a vitória de Xerfan em Belém.110
Os frutos da experiência da Frente Brasil Popular no Esta­
do do Pará em favor da candidatura de Lula à presidência da
República em 1989 vieram poucos meses depois, com a formação
da coligação Frente Popular Novo Pará (FPNP) para as eleições
de 1990. Tratava-se de uma coligação de partidos de centro-
esquerda e esquerda, PSDB, PT, PSB, PDT, PCdoB e PCB, que
apresentaram a candidatura a governador de Almir Gabriel, se­
nador e, desde 1988, principal liderança do PSDB no Pará, e
para senador, o deputado federal Ademir Andrade (PSB). Ambos
teriam que esperar as eleições de 1994 para conseguir esses man-

166
datos, com alianças pessoais è'partidárias e discursos bastante dife­
rentes daqueles que alimentaram suas campanhas em 1990. Assim
é que, no Protocolo Político assinado pelos representantes dos par­
tidos que integrariam a Frente Popular Novo Pará, pode-se ler:

"A coligação Frênte Popular Novo Pará’ considera que


os políticos paraenses que tem se alternado no poder
nas últimas décadas (Jarbas Passarinho, Alacid Nunes,
Aloysio Chaves, Jader Barbalho, Said Xerfan, Hélio
Gueiros e outros), revelaram-se coniventes com o atraso;
com o saqueamento de nossas riquezas; com a
corrupção — quando não eram eles mesmos os execu­
tores e favorecidos — ; com a apropriação indébita de
nossas terras por uns poucos privilegiados; com o as­
sassinato de centenas de camponeses nos últimos anos
pelo latifúndio; com a tortura nas penitenciárias e pos­
tos policiais [...]. Finalmente, a ação desses grupos à
frente do governo estadual contribuiu para o empobre­
cimento e agravamento da miséria em que se encontra
a grande maioria do povo do Pará” .1' 1

A Coligação Frente do Trabalho que deu apoio à candidatu­


ra de Jader Barbalho, integrada pelo PST, PTR e PDC, elegeu 11
deputados estaduais (10 do PMDB e 1 do PDC) e 6 deputados
federais, todos do PMDB. Os partidos que deram apoio a Sahid
Xerfan, PTB, PFL, PDS, PRN e PL, elegeram 21 deputados
estaduais (8 o PTB, 7 o PDS, 4 o PRN, e 2 o PL) e 7 deputados
federais (3 o PDS e o PTB, respectivamente, e l o PFL).112 A
Frente Popular Novo Pará elegeu 4 dos 17 representantes paraenses
à Câmara Federal e 9 dos integrantes da Assembléia Legislativa, 6
dos quais membros do PT. A vereadora de Belém e militante do PC
do B, Socorro Gomes, candidata à Câmara Federal, teve uma
votação recorde nas candidaturas proporcionais no Paíá até então:
62.082 votos.113 Jader Barbalho não levou muito tempo para am­
pliar sua base de sustentação política na Assembléia Legislativa.

1 -7
Poucos meses depois de assumir o mandato, já tinha o apoio de 17
deputados estaduais e *de 29 quando deixou o cargo, em abril de
1994. Referindo-se a este fenómeno, o jornalista Lúcio Flávio Pin­
to escreveu em 1992:

“Ele [Jader] pode achar que esse resultado é consequên­


cia apenas de sua habilidade e argúcia, mas, na verda­
de, é um efeito do poder. Daí essa disputa obsessiva pelo
controle da máquina oficial — e o prejuízo que essa
guerra causa ao Estado e ao governo pelos que dele
querem se apossar apenas para se servir. ”114

4 .2 . 1994: Novas eleições, novas alianças,


novas lideranças

As eleições de 1994, pelo número de mandatos eletivos a


serem renovados, são comparáveis apenas às de 19c50. Nas de
1994; cada eleitor podia votar em um candidato a presidente da
República, a governador, em dois senadores, em um deputado
federal e um deputado estadual. Uma nova reviravolta nas alian­
ças entre algumas das principais lideranças políticas paraenses
ocorreu nessas eleições. Jader Barbalho, com o objetivo de fazer
frente à candidatura de Hélio Gueiros ao governo estadual, aliou-
se, como ocorrera também em 1986, ao senador Jarbas Passari­
nho, que há meses vinha pensando na possibilidade de retomar,
depois de quase trinta anos, o cargo de governador. Jader, afas­
tando Passarinho da concorrência, também facilitava, assim, seu
caminho ao Senado. Avaliando sua participação na campanha
eleitoral de 1994, Hélio Gueiros Júnior, que seria eleito vice-go-
vernador do Pará, escrevia: “O caminho de Barbalho para o
Senado ficou mais fácil. Pura coincidência: o coronel Passarinho,
candidato natural à cadeira do Senado, deixava de concorrer.
Era uma adversário a menos para quem tinha feito um péssimo
governo e estava muito desgastado.” 115
Hélio Gueiros, fosse pela disposição de concluir seu man­
dato como prefeito de Belém (eleito em 1992), fosse por temer
derrota, desistiu de candidatar-se e optou por apoiar Almir Gabriel,
sendo seu filho, Hélio Gueiros Jr. o candidato a vice-governador.
A coligação de partidos que deu suporte a Almir foi constituída
pelo PSDB, PFL, PTB e pêla maioria dos partidos que forma­
ram, em 1990, a Frente Popular Novo Pará: PSB, PDT, PCdoB,
PPS e PCB.1115 Jarbas Passarinho teve o apoio do PPR, PMDB e
P P " 7 O PT, PSTU e PY aliaram-se, negando-se a fazer parte de
coligações nas quais se somaram partidos de direita.
No Io turno das eleições, Jarbas Passarinho obteve 474.760
votos, e 517.309 no 2o. Almir Gabriel, que teve 469.809 votos em
3 de outubro, em 15 de novembro alcançou 870.827 votos. A
diferença de mais de 350 mil votos em favor de Almir foi o resulta­
do da votação recebida da maioria dos eleitores que tinham optado
por \41dir Ganzer no 1° turno (candidato que teve 229.005 votos)
e do esforço de muitos prefeitos e líderes políticos dos municípios do
interior, cabos eleitorais de Jarbas Passarinho que passaram a fa­
zer campanha pelo candidato que consideravam com maior chance
de vitória. Assim, o que poderia ser denominado como “lógica esta­
dual da política local”, manifestou-se, mais uma vez, nessas elei­
ções. Jarbas Passarinho foi o mais votado no Io turno graças aos
eleitores do interior (em Belém, conseguiu votação quase idêntica à
de Valdir Ganzer); no 2a turno, Almir Gabriel venceu, não somente
em Belém, mas também na maioria dos municípios do interior."8
O PMDB foi novamente o partido que elegeu um maior
número de deputados federais no Pará, um total de 7, contra os 4
que obteve o PPR, 2 o PT. O PFL, o PDT e o PTB elegeram 1
deputado federal cada um. O PSB elegeu Ademir Andrade para o
Senado e a outra vaga em disputa foi conquistada por Jader Barbalho.
Vejamos na próxima tabela o número total de deputados eleitorais
eleitos no Pará, segundo legenda partidária, a partir das eleições de
1982. Os dados de 1993 e 1996 representam a mudança de parti­
do de alguns dos deputados eleitos em 1990 e 1994. A respeito de
1993 é de destacar o crescimento do número de deputados vincula-
dos ao então governador Jader Barbalho, seja filiando-se ao PMDB
ou ao PDC. Os dados de 1996 mostram também o crescimento da
bancada do PSDB, partido do ex-governador Almir Gabriel.

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353, Belém, 2 8 /0 1 /9 3 ; O Liberal, 1 4 /1 0 /9 4 ; e Diário Oficial Assembléia Legislativa, n° 630, Belém, 20-
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Represeatação partidária na Assembléia Legislativa paraense

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* O PPR, que depois transformou-se em PPB, nasceu da fusão do PDS com o PDC.
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c2
As escassas chances de derrotar Lula que as pesquisas de
opinião apontavam aos candidatos do PMDB, PPR, e PFL (para
citar apenas os partidos que contavam com maior representação
no Congresso Nacional), favoreceram a “costura” da candidatura
do sociólogo, senador, ex-ministro de Relações Exteriores e então
ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, no sentido de
aglutinar os setores políticos de centro e de direita. Líderes do
PSDB, entre eles o próprio Fernando Henrique, já haviam tenta­
do se promover eleitoralmente participando do governo presidido
por Collor. A oposição de setores do partido, sobretudo do setor
liderado por Mário Covas, impediu, então, sua participação no
governo federal, mas o impeachment de Collor facilitou-lhes esse
caminho."9. Enquanto os partidos que apoiaram Lula eram todos
do arco político da esquerda (PT, PSB, PCdoB, PPS, PCB,
PSTU e PV), em torno Fernando Henrique Cardoso reuniu-se o
bloco de forças políticas e económicas que Collor gostaria de ter
tido a seu lado no primeiro turno das eleições (1989). Aliaram-se
ao PSDB o PTB e o permanente “partido no governo”, o PFL,
que indicou o candidato à vice-presidência, e, posteriormente, ou­
tros partidos de direita sem candidato.
A campanha foi sustentada pelos principais grupos econó­
micos e financeiros e meios de comunicação, a máquina político-
administrativa do governo federal, por muitos dos governadores e
prefeitos e pela maioria dos candidatos aos cargos majoritários
nos diversos estados. Polarizando-se a disputa entre Lula e Fernando
Henrique, o Io turno adquiriu características de 2 o turno. Assim,
apesar de Lula haver tido cerca de 5 milhões e meio de votos a
mais que os obtidos no Io turno das eleições de 1989, Fernando
Henrique venceu já em 3 de outubro. Ao menor número de candi­
datos (8 em 1994, enquanto em 1989 eram 22), somou-se o
escasso número de votos recebidos (também em comparação a
1989) pelos outros contendores. O candidato da coligação PSDB-
PFL foi o mais votado em todos os Estados e capitais, à exceção
do Rio Grande do Sul (e também na capital, Porto Alegre), Dis­
trito Federal (Brasília), Belém (Pará), São Luís (Maranhão),
Teresina (Piauí), Aracaju (Sergipe) e Salvador (Bahia), onde Lula
foi o mais votado.120 »
Os resultados eleitorais na capital do Pará, sem esquecer
que nesse estado Lula venceu somente em outros dois municípios
(Ananindeua e Gurupá), parecem contradizer as avaliações de “bom
senso”. Da coligação liderada pelo PT no Pará somente participa­
vam o PSTU e o PV, e seus candidatos a governador e senador
não pareciam ter qualquer possibilidade de serem eleitos - no
caso do candidato a governador, nem mesmo de ir para o segundo
turno. Assim, a candidatura de Lula, como aconteceu em quase
todos os estados, foi a que favoreceu as candidaturas ao governo
estadual e ao Senado dos partidos que apoiavam a Lula, não
desmerecendo a crescente projeção política das lideranças dos
partidos de esquerda no Pará.
A disputa pelo governo estadual entre Jarbas Passarinho
e Almir Gabriel foi alimentada, como assinalamos, pela rixa
existente entre Jader Barbalho e o então prefeito de Belém,
Hélio Gueiros, apoiando cada um deles um dos candidatos. Des­
se modo, com a maioria da classe política paraense e dos meios
de comunicação de massa dividida no pleito eleitoral em dois
blocos (os partidários de Jader/Jarbas ou de Gueiros/Almir),
influiu para que as eleições presidenciais ficassem, no Pará, em
segundo plano. Por motivos de estratégia eleitoral, ataques fei­
tos a Lula e ao PT na mídia e pelos líderes das coligações que
apoiavam Passarinho ou Almir foram pouco virulentos, em com­
paração com o ocorrido em alguns outros estados. Enquanto
Jarbas Passarinho esperava que o PT se mantivesse neutro no
2 o turno das eleições para governador e apoiava timidamente o
candidato do seu partido à presidência da República (Esperidão
Amin), Almir Gabriel contava com o apoio dos petistas no 2 o
turno, não se envolvendo, por isso, decididamente na candidatu­
ra de Fernando Henrique - aliás, da coligação que dava susten­
tação a Almir participavam partidos que apoiavam a Lula.

172
Tabela 22
Candidatos com maior número de votos
nas eleições presidenciais de 1994

FHC %* Lula %*

Brasil 3 4.3 77 198 54,2 17.126.291 27,0

Pará 804.388 54,8 445 .08 5 30 ,3

Belém* 173.993 - 202 .07 9 -

Fonte: TSE.
*Porcentagens relativas aos votos válidos

4 .3 . Algumas reflexões a respeito


de lideranças e partidos políticos

As cisões produzidas em alguns dos partidos políticos exis­


tentes no Pará mais parecem representar a aspiração de lideran­
ças pessoais na sua pretensão de alcançar o controle (ou nele
perpetuar-se) das principais instituições políticas da região e dos
instrumentos para aumentar, consolidar ou distribuir privilégios,
seja diretamente ou através de aliados políticos, do que a obediên­
cia a projetos político-partidários e/ou programáticos diferencia­
dos. A disputa parece, de fato, restringir-se ao controle dos espa­
ços de poder político (governo estadual, prefeituras e representa­
ção na Câmara de Deputados, no Senado e na Assembléia
Legislativa) para fazer carreira na vida política e beneficiar-se das
prebendas que oferecem os cargos políticos. Nossas reflexões co­
incidem com as do sociólogo paraense Amílcar Tupiassu que, ao
avaliar os resultados das eleições de 1962 no Pará, assinalava:

“Não causa surpresa afirmar-se que, no Brasil, os par­


tidos carecem de definições mais firmes de suas ori-

173
gens, objetivos, interesses, idéias ou vinculações. Isto
ocorre igualmente no Pará, onde eles nascem, progri­
dem ou se estiolam dependendo umbilicalmente de de­
terminadas lideranças pessoais. ” 121

Essas considerações, e a vontade de situar-se no campo do


partido vencedor, leia-se, do candidato que venceu as eleições para
presidente da República, governador ou prefeito, isto é, nas pala­
vras de G uillerm o O D onnell, “ ao sabor dos ventos do
oficialismo”,122 podem servir, generalizando novamente, para ex­
plicar parte das rixas internas na maioria dos partidos, a própria
mudança de legenda partidária de setores da “classe política” e a
criação, fortalecimento ou crise de um determinado partido políti­
co no âmbito local, estadual o nacional. Como assinala também o
jornalista Francisco Rolim em Política nos Currais:

“[...] o princípio da fidelidade partfdária desaparece,


em muitos casos, quer no fogo da campanha, quer
após o término das apurações e no decorrer do exercí­
cio dos mandatos executivos e legislativos. E comum a
passagem, de um partido para outro, de Prefeitos e
Vereadores [...]. Prevalecem as acomodações e acer­
tos pré-eleitorais no plano concreto, sem formalismos
legais vinculados à legislação de funcionamentos dos
partidos.”123

Esses não são fenómenos novos no Pará nem tampouco em


outros estados do país, aliás nem em outras partes do mundo. Por
exemplo, depois da proclamação da República em 1889 (mudan­
ça de regime que não pôs fim, obviamente, às disputas travadas
entre as diversas famílias oligárquicas no âmbito regional e local
pelo controle dos governos estaduais e das prefeituras), a oligar­
quia paraense dividiu-se, principalmente, em dois blocos, os
lemistas e os lauristas. O Partido Republicano do Pará (PRP),
fundado em dezembro de 1889, era liderado por António Lemos

174
quando se produziu a cisão no partido, chefiada por Lauro Sodré,
da qual veio a surgir, em 1897, a seção paraense do Partido
Republicano Federal (PRF). A supremacia dos lauristas consoli­
dou-se durante o segundo mandato de Sodré (1917-1921) e es-
tendeu-se até 1930, período em que se ampliou o número de
propriedades latifundiárias rib Pará, enquanto se acentuou, como
vimos acima, a crise dos setores económ icos vinculados à
comercialização de borracha.
Ao dizer que as lideranças políticas que assumiram as prin­
cipais responsabilidades de governo no Pará até meados dos anos
1990, fossem as classificadas ou autodefinidas como conservado­
ras, de centro, progressistas ou de centro-esquerda, acabaram
por representar os interesses de determinados setores das classes
dominantes do país e do Pará, é importante assinalar que a iden­
tificação com esses setores não foi automática, nem representa a
defesa dos interesses da “sua classe social ”, pois, em geral, as
origens sociais da maioria das elites políticas paraenses, desde a
proclamação da República até hoje, poderiam ser definidas como
de classe média. Certamente, para muitos deles, a própria “car­
reira política” (fossem eles, antes de assumir responsabilidades
relevantes de governo, membros do Exército ou desempenhassem
profissões ditas liberais, como médicos, advogados, professores
universitários etc.), converter-se-ia no principal mecanismo para
ascender socialmente e tornar-se, alguns deles, parte da elite eco­
nómica. Essas reflexões poderiam ser, em parte, também perti­
nentes a respeito de alguns militantes dos partidos de esquerda no
Pará, por exemplo deputados federais, deputados estaduais, vere­
adores e prefeitos do PT, cujas origens sociais poderiam ser defi­
nidas de “classe baixa” e que assumiram um papel relevante no
cenário político estadual como lideranças dos trabalhadores ru­
rais, sindicatos urbanos e movimentos sociais, para os quais a
“carreira política” também serviu para que hoje possam ser clas­
sificados dentro dos setores de classe média.
Notas

1 R. A. W. Rhodes, “El institucionalismo” , 1995, p. 54.


2 Os antropólogos Moacir Palmeira e Beatriz Heredia utilizam o conceito tempo
da política como sinónimo de tempo das eleições. Isto é, quando a campanha
eleitoral transforma a geografia social em lugares de manifestação política pelos
diversos candidatos na procura dos seus clientes ou potenciais clientes, leia-se
eleitores (M. Palmeira e B. Heredia, “Les Temps de la Politique", 1993).
3 O uso que faço do conceito de elites é, em parte, similar ao definido por
Norberto Bobbio: “ Por teoria das elites se entende a teoria segundo a
qual, em toda sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias
formas, é detentora de poder, em contraposição a uma maioria que dele está
privada [...] [Entre] todas as formas de poder (entre aquelas que socialmente ou
estrategicamente são mais importantes, estão o poder económico, o poder ide­
ológico e o poder político) a teoria das elites nasceu e se desenvolveu por uma
especial relação com o estudo das elites políticas. Ela pode ser redefinida como
a teoria segundo a qual, em cada sociedade, o poder político pertence sempre
a um restrito círculo de pessoas: o poder de tomar e de impor decisões válidas
para todos os membros do grupo, mesmo que tenha que recorrer à força, em
ultima instância" (Norberto Bobbio, “Teoria da elites” , 1984, p. 5). Entretan­
to, considero que o conceito de elites políticas pode ser usado também para
definir as pessoas que exercem um papel de liderança em diferentes estruturas
políticas (por exemplo, partidos, movimentos sociais), portanto não restrito
apenas àquelas que, num determinado momento histórico, desempenharam (ou
desempenham) funções de responsabilidade governamental e /o u institucional,
mas também às que lideram grupos diversos e aspiram, com suas práticas polí­
ticas, a construir novos blocos de poder e/o u hegemonias. A respeito desse
conceito, ver também, além do trabalho de Norberto Bobbio; Elisa Maria Perei­
ra Reis, “Elites agrárias, State-bulding e autoritarismo", 1982; e T. B.
Bottomore, A s Elites e a Sociedade, 1974, especialmente as páginas 7 a 21.
Excelente pesquisa a respeito das elites políticas brasileiras no período Imperial
é a tese de doutorado de José Murilo de Carvalho, subdividida em duas partes
intituladas A Construção da Ordem: A Elite Política Imperial e Teatro de S om ­
bras: A política Imperial.
4 Cf. Renato Lessa, “Fados de um republicídiò", 1989, p. 68.
5 Bolívar Lamounier, “Comportamento eleitoral em São Paulo: Passado e presen­
te", 1975, p. 15.
(> Ver, a esse respeito, as pertinentes reflexões de Rosélia Piquet e Ana Clara
Torres Ribeiro (orgs.), na introdução do livro intitulado Brasil, Território da D e­
sigualdade: Descaminhos da Modernização, 1991, p. 13-16.
' Tal como mostraram os resultados eleitorais obtidos pelos candidatos do PT e
do PSB nas eleições de 1994 e 1996. Em 1994, Luís Inácio Lula da Silva,
candidato à Presidência da República, superou na capital do Pará os votos obti­
dos por Fernando Henrique Cardoso, e Ademir Andrade (PSB) foi eleito sena­
dor. Em 1996, o candidato do PT à Prefeitura de Belém, Edmilson Rodrigues,
venceria o pleito eleitoral, sendo a primeira vez na história do município que um
militante de um partido de esquerda assumia o cargo de prefeito.
HAntonio Gramsci, Os Intelectuais e a Organização da Cultura, 1989, p. 1 1.
9 A respeito do conceito gramscmno de hegemonia, ver, por exemplo, João Agos­
tinho A. Santos, “Gramsci: Ideologia, intelectuais orgânicos e hegemonia”, 1980,
especialmente a página 62; e Luciano Gruppi, O Conceito de Hegemonia em
Gramsci, 1978; e George Taylor, “El marxismo", 1995.
10 Antonio Gramsci, Os Intelectuais e a Organização da Cultura, 1989, p. 11.
11 Idem, ibidem.
12 Idem, p. 3.
13 Magalhães Barata nasceu em Belém em junho de 1886, passando sua infância
em Monte Alegre, município do Baixo Amazonas (Pará). Em 1924, servindo em
Manaus comõ Io tenente do Exército, somou-se ao movimento tenentista. Preso,
foi trasladado a Belém para ser julgado. Após escapar da prisão, dirigiu-se ao Rio
Grande do Sul para unir-se ao levante tenentista. Retornou a Belém em início de
1930; ao ser novamente preso, o Exército forçou seu traslado para o Rio de
Janeiro. Após assumir o cargo de interventor federal ascendeu a capitão e, em
agosto de 1931, a major do Exército. A respeito da biografia de Magalhães
Barata, ver, entre outros, Socorro Costa, “Magalhães Barata, uma liderança po­
pular” , 1996; Arthur Cézar Ferreira Reis, “Síntese de História do Pará", 1972;
e António Carlos, “Magalhães Barata, uma biografia recuperada” , 1989.
14 Cf. O Liberal, “A política e as eleições em duas décadas republicanas do ‘ciclo’
de Magalhães Barata” , Belém, 1 5 /1 1 /8 2 , p. 2; e António Carlos, op. cif., p.
38. A respeito de alguns dos acontecimentos políticos ocorridos no Pará entre
1930 e 1931, ver também Creso Coimbra, A Revolução de 3 0 no Pará (Análise
Crítica e Interpretação da História), 1981.
15 Cf. O Estado do Pará, Belém, 0 3 /0 1 /3 1 .
16 Cf. Denise de Souza Simões Rodrigues, “Alianças político-p&rtidárias no Pará
(1 8 8 9 -1 9 4 0 )”, 1982, p. 8; Ernesto Cruz, História do Pará, 1973, p. 500-
501; e Luís Maklouf Carvalho, “Pesquisa biográfica” , 1980, p. 29.
17 A respeito de Deodoro de Mendonça, “chefe político do Tocantins” que con­
trolaria boa parte da coleta e comercialização de castanha nessa região paraense
até os anos 50, ver o capítulo n° 3 deste livro.
18 Ver Denise de Souza Simões Rodrigues, op. cit., p. 8; e Ricardo Borges,
\hltos Notáveis do Pará, 1986, p. 293-294.
19 Cf. O Liberal, “A política e as eleições”, op. cit., p. 2-3.
20 Durante o período de 1930 a 1935, dos 11 Estados então existentes no
Norte (leia-se hoje Região Nordeste e Região Norte), somente Pernambuco e o
Pará tiveram o mesmo interventor federal. O Amazonas, por exemplo, teve cinco
diferentes interventores, a Bahia três e seis o Rio Grande do Norte (Cf. Angela M.
de Castro Gomes - coord. Regionalismo e Centralização Política: Partidos e
Constituinte nos Anos SO, 1980, p. 53).
21. Para maiores informações a respeito das disputas políticas no Pará no período
de 1930 a 1935, consultar Denise de Souza Rodrigues, Pará 1935: um estudo
sobre liderança e conflito, 1979; Lindolfo Mesquita, Magalhães Barata: O Pará e
sua História, 1944; Maria Luzia Alvares, Saias, Laços e Ligas — Construindo
Imagens e Lutas: Um Estudo sobre as Formas de Participação Política das Mulhe­
res Paraenses: 1910-1937, 1990. Ver também as monografias apresentadas ao
Departamento de História da UFPA, sob minha orientação pelo aluno Albert de
Oliveira Ferreira, intitulada A Primeira Interventoria de Magalhães Barata (19 30­
1935): Discursos, Práticas e Conflitos no Estado do Pará, 1997; e, em março de
1998, por Silvestre Cardoso de Araujo Filho, O Cenário Político Paraense no
Primeiro Governo do Interventor Federal Magalhães Barata (1930-1935).
22 Ver, sobre este^xssunto, Ricardo. Borges, Vultos Notáveis do Pará, 1986,
p. 297; e Socorro Costa, op. cit., p. 74.
2'~'Em 1946, o Partido Republicano Progressista, fundado em setembro de 1945,
se transformaria, ao fundir-se com o Partido Popular Sindicalista e o Partido
Agrário Nacional, ambos de origem paulista, em Partido Social Progressista (PSP),
elegendo, nas eleições estaduais de 1947, a sua mais reconhecida liderança, o
ex-interventor Adhemar de Barros, como governador de São Paulo com apoio,
entre outros, dos militantes do PCB. Em 1950, o P SP apoiaria a candidatura de
Getúlio Vargas à Presidência da República. A principal liderança do P SP no Pará
foi Deodoro de Mendonça, eleito deputado federal em 1945. .
24 Cf. Amílcar Alves Tupiassu, “As eleições paraenses de 1962", 1964, p. 25.
25 Magalhães Barata obteve 5 6 .7 6 3 votos e apenas 3 4 .5 8 4 o ex-governador
José Malcher, Cf. O Liberal, “A política e as eleições ”, op. cit., p. 8. '
2B Idem, ibidem, p. 3.
27 Dos então 177.601 eleitores paraenses (aproximadamente 15% do total de
habitantes que tinha em 1947 o Pará), 6 8 .0 9 8 votaram a favor de Moura Carva­
lho, 4 6 .0 7 4 em Zacarias de Assumpção e 3 .3 7 2 no candidato da UDN, Prisco
dos Santos(Cf. idem, p. 4 e 8).
28 “Nota Oficial do Arcebispado do Pará", Folha do Norte, Belém, 2 6 /0 1 /4 7 ;
apud José Queiroz Carneiro, O Pessedismo e o Baratismo no Pará, 1991, p. 79.
29 Carlos Rocque, A Formação Revolucionária do Tenente Magalhães Barata,
1983, p. 63.
3° foram 9 4 .7 9 4 o total de votos computados em favor de Assumpção e 9 4 .2 1 2
os que obteve Barata. A diferença de cerca de 17 mil votos em favor de Assumpção
no município de Belém foram, assim, determinantes (Cf. O Liberal, “A Política e
as eleições” , op. cit., pp. 4-5 e 8; e José Queiroz Carneiro, op. cit., p. 76).
31 No Pará, assim como em outros 8 estados do país, o mandato do governador
era de cinco anos; nos restantes, de quatro.

178
32 José Queiroz Carneiro, op. cit., p. II.
33 Aurélio do Carmo, advogado, tinha sido chefe de polícia no Governo de Maga­
lhães Barata e, em 1960, foi eleito Secretário Geral do PSD.
34 Na recontagem final dos votos, Aurélio do Carmo teve 118.129 votos, Aldebaro
Klautau, 5 4 .2 3 5 e Zacarias de Assumpção, 4 4 .1 5 2 (Cf. O Liberal, “A Política e
as eleições", op. cit., p. 9).
35 Mais da metade dos 600 dirigentes do partido no Pará eram comerciantes
(328), 78 advogados, 41 estudantes universitários, 51 dentistas, 37 agricultores,
33 operários, 11 pescadores, 9 lavradores, 8 militares (Cf. José Queiroz Carneiro,
op. cit., p. 53).
3(i Amrlcar Tupiassu, "\s eleições paraenses de 1 9 6 6 ”, 1968, p. 29.
37 Cf. Jarbas Passarinho, Memórias — Na Planície, 1991, p. 85; e depoimento
ao autor de Raimundo Jinkings (Belém 1 5 /1 2 /9 2 ).
38 A entrevista com o dirigente do PCB no Pará, Raimundo Jinkings, falecido no
dia 5 de outubro de 1995, foi realizada em Belém no dia 15 de dezembro de
1992. Legalizado em setembro de 1945, o PCB voltou à clandestinidade em
1948 ao ser cancelado seu registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (7 de maio
de 1947) e cassado, pelo Congresso Nacional, em janeiro, de 1948, o mandato
de todos os seus militantes eleitos nas candidaturas do partido entre 1945 e
1947, entre eles o deputado estadual paraense, Henrique Felipe Santiago, e seus
respectivos suplentes. Contudo, embora não tivesse conseguido sua legalização, o
PCB exerceu considerável influência na política nacional até o golpe de estado de
1964, especialmente por meio da atuação de muitos dos seus membros, engajados
nos sindicatos urbanos e rurais, no movimento estudantil e no meio intelectual e
artístico. Nesses anos os militantes ou simpatizantes do PCB candidatavam-se a
cargos políticos pelo PTB òu pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). A respeito
do PCB e de outros partidos da esquerda brasileira que tinham presença no Pará
nos anos 60 e até finais dos anos 70, ver Pere Petit, A Esperança Equilibrista,
op. cit., páginas 30-33 e 46-49.
351 Cf. Jarbas Passarinho, op. cit., p. 105.
40 Amílcar Tupiassu, “As eleições paraenses de 1966", 1968, p. 31.
41 Jarbas Passarinho, op. cit., p. 105-106.
42 Cf. A Província do Pará, Belém, 1 5 /0 4 /6 4 .
43 Cf. .4 Província do Pará, Belém, 0 4 /0 4 /6 4 .
44 Cf. Depoimento de Raimundo Jinkings. Para conhecer o número de sindicatos
que sofreram intervenção nas diferentes regiões do país após o golpe de estado,
ver Cândido Procópio Ferreira de Camargo et al., São Paulo 75: Crescimento e
Pobreza, 1976, p. 131.
45 Cf. depoimento de Raimundo Jinkings ao autor (Belém, 1 5/,12 /92 ); Jornal do
Dia e O Liberal, Belém, 1 0 /0 4 /6 4 ; e Jarbas Passarinho, op. cit., p. 106-107.
46 Idesp, “Um balanço da violência no campo” , 1990, p.57.

1 *7A
47 Cf. “Relatório da Comissão de Investigação ”, A Província do Pará, Belém,
1 8 /0 6 / 6 4
48 Idem, ibidem.
40 Cf. “Dez paraenses na lista de ontem de cassação de mandatos e direitos", A
Província do Pará, Belém, 1 0 /0 6 /6 4 .
50 Idem, ibidem.
51 Jarbas Passarinho, op. cit., p. 111.
52 Idem.
Cf. A Província do Pará, Belém, 0 2 /0 6 /6 4 .
54 Cf. idem, 0 5 /0 3 /6 4 .
55 Cf. Amílcar Tupiassu, “As eleições paraenses de 196 6 ” , 1968, p. 32.
sb q “Relatório de Investigação Sumária”, A Província do Pará, Belém, 1 8 /0 6 /6 4 .
57 Jarbas Passarinho, op. cit., p. 1 14 e 118.
58 Alacid da Silva Nunes nasceu em Belém no dia 25 de novembro de 1924.
Hoje tenenente-coronel na reserva, ingressou na Academia Militar das Agulhas
Negras (Rio de Janeiro) em 1946. Em 1960 foi Secretário de Segurança do
Território Federal do Amapá e, em 1961, governador interino do Amapá. Após a
renúncia de Jânio Quadros retornou à vida militar. Em 1974 foi eleito deputado
federal pela Arena, assumindo seu segundo mandato como governador do Pará
em 1979. Em 1990 foi novamente eleito deputado federal, agora pelo PFL. Em
1994 não conseguiu se reeleger deputado e, em abril de 1998, abandonou o
PFL sem filiar-se a qualquer outro partido.
50 Cf. “A Província do Pará”, Belém, 0 2 /1 0 /6 5 .
h0 Cf. Amílcar Alves Tupiassu, “As eleições paraenses de 1 9 6 6 ”, 1968, p. 38; e O
Liberal, “A política e as eleições” , op. cit., p. 7.
61 O presidente da República seria eleito de maneira indireta pelo Congresso
Nacional por maioria absoluta dos seus membros em sessão pública e votação
nominal. Na Constituição de 1967 foi mantida a eleição indireta do presidente da
República que passaria a ser eleito por um Colégio Eleitoral integrado pelos mem­
bros do Congresso - senadores e deputados federais - e um igual número de
representantes por cada uma das Assembléias Estaduais, sistema que permaneceu
vigente até 1985.
62 Humberto de Alencar Castelo Branco, Mensagem ao Congresso Nacional do
Presidente da República Castelo Branco, 1966, p. 5-7.
8,3 Cf. Amílcar Tupiassu, “As eleições paraenses de 1 96 6 ” , 1968, p. 38.
64 Nas eleições de 1962, o eleitorado paraense somava 4 2 1 .5 3 1 pessoas,
4 2 0 .5 8 6 nas de 1965 e 4 7 8 .6 8 3 em 1966 (2,2% do total de eleitores brasilei­
ros). Em 1966, o Pará estava subdivido em 83 municípios agrupados em 12
Zonas Fisiográficas. Quase 5 0% dos eleitores residiam na Zona Bragantina, na
qual estava inserida o município de Belém, que somava, nesse mesmo ano,
164.765 eleitores, isto é, 34,8% do colégio eleitoral do Pará (Cf. dados extraídos
de Amílcar Alves Tupiassu, As Eleições Paraenses de 1966”, 1968, p. 25 e 42).
r"~ Idem, ibidem, p. 62.
66 Embora, no período de 1968 a 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) tivesse
tido um crescimento com média anual de 11 % (14% em 1973), seus frutos não
foram igualmente distribuídos. Em 1960, 5% da população mais rica dispunha
de 2 7,3 % da renda per capita nacional; dez anos depois contava com 3 6,3 % . Já
a renda de 80% da população diminuía, no mesmo período, de 45,5% para 36,2%
(Cf. Jean Pierre Lerroy, Uma chanfa na Amazónia, 1991, p. 46; e Werner Baer, A
industrialização e o desenvolvimento económico do Brasil, 1977, p. 253).
07 Cf. Maria Helena Moreira Alves, Estado e Oposição no Brasil, (1964-1984 ),
1985, p. 189; e Luiz Navarro de Britto, "As eleições de 1978 e seus resultados” ,
1979, p. 17.
68 Apud Francisco Sales Cartaxo Rolim, Política nos Currais, 1979, p. 5.
™ O segundo senador era eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral Estadual.
7HCf. Luiz Navarro de Britto, op. cit., p. 27.
71 Francisco Sales Cartaxo Rolim, op. cit., p. 22 e 171-172.
72 Cf. Gerson Peres, A Vitória de todos nós, 1977, p. 64-65. Dos doze prefeitos
eleitos pelo MDB em 1972, um ano depois quatro filiaram-se à Arena. Foram os
prefeitos de Castanhal, Chaves, Bonito e Santa Maria do Pará (Idem, ibidem, p.
71-73).
73 Através do Ato Institucional n° 3 (1966), foi estabelecida a possibilidade de que
os partidos pudessem apresentar até três candidatos (sublegenda) para o mandato
de prefeito e para cada uma das vagas ao Senado Federal em disputa.
74 Cf. idem, ibidem, p. 99 e 183. Como assinalara Rolim: “No atual cenário político
nacional, caracterizado pelo bipartidarismo, pelo controle dos Executivos estaduais
pelo Poder Central, através dos mecanismos conhecidos de indicação e escolha dos
Governadores, a tendência óbvía é a do engrossamento das hostes arenistas, mercê
da transferência de Prefeitos e Vereadores do MDB para a Arena” (Francisco Sales
Cartaxo Rolim, op. cit., p. 24). Em 1972, a Arena tinha organizado seu Diretório
Municipal em 75 dos 83 municípios do Pará e o MDB em 53. Em 1976, apenas
no município de Aveiro a Arena não tinha Diretório Municipal, mantendo-se o
MDB com o mesmo número (Cf. Gerson Peres, op. cit., p. 75-81).
75 Gerson Peres, op. cit., p. 10.
78 Cf. idem, p. 12 e 64-65.
77 Cf. idem, p.249-253, 2 65 e 271. Nestas eleições a diferença de votos entre o
MDB e a Arena na capital do Pará nas candidaturas para deputado estadual foi
mais significativa: MDB, 124.499 votos contra 8 1 .5 1 8 votos obtidos pelos candi­
datos da Arena (Idem, Anexo III, p. 65).
78 Dos 8 deputados federais eleitos pela ARENA em 1966, 2 estiveram filiados à
UDN, 2 ao PTB, 1 ao PSD, 1 ao PDC, e 1 ao PL (1 sem vinculaçãp definida com
anterioridade à criação da Arena e do MDB). Os 2 do MDB, Hélio Gueiros e João
Menezes, foram lideranças do PSD (Cf. Amílcar Alves Tupiassu, “As eleições
paraenses de 1 9 6 6 ” , 1968, p. 46).
79 Em 1970, o total de eleitores do Pará era de 5 9 6 .8 3 8 , 7 5 3 .3 9 9 em
1974 e 9 5 2 .2 3 9 dois anos depois, correspondendo, então, ao Pará, segun­
do a Emenda n° 1 /7 7 , três (3) deputados federais e mais um (1) por cada
cem mil eleitores.
80 Ver, sobre este assunto, Luiz Navarro de Britto, op. cit., p. 18-21.
81 Jarbas Passarinho, op. cit., p. 154-155.
82 O Liberai, apud FASE, O Contexto Sócio-Econômico e Político de Belém,
s.d., p. 12.
8,1Ver, a esse respeito, Alacid Nunes, Mensagem à Assembléia Legislativa — 15 de
Julho de 1967 — ; Fernando Guilhon, Mensagem do Governador à Assembléia
Legislativa do Pará — 31 de Março de 1971.
84 Em 1967, quatro militares participavam do primeiro escalão do Governo de
Aloysio Chaves, assumindo as responsabilidades de Chefe do Gabinete Militar, S e ­
cretaria de Estado de Segurança Pública, Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e
Diretor-Presidente da Cia. Paraense de Abastecimento (Dados levantados em Aloysio
Chaves, Mensagem â Assembléia Legislativa do Pará — 31 de Março de 1967).
85 Cf. entrevista de Jarbas Passarinho concedida a Carlos Rocque, para O Liberal;
apud. FASE, op. cit., p. 12.
Wi FASE, História das Lutas da CBB, s.d., p. 32.
87 Cf. Observador Amazônico, “Editorial ”, Ano 4, n. 30, Belém, s.d., p. 5.
88 As eleições municipais previstas para 1980 foram adiadas para 1982, sendo
prorrogados os mandatos dos prefeitos e vereadores eleitos em 1976.
89 Cf. Jean Pierre Lerroy, op. cit., p. 86; e “3 0 anos depois", Folha de S. Paulo,
caderno especial, 2 7 /3 /9 4 , p. 2.
90 O advogado Jader Fontenelle Barbalho, filho do deputado estadual do PSD e
MDB, Laércio Barbalho, nasceu a 2 7 de outubro de 1944, em Belém. Sendo uma
das principais lideranças dos estudantes secundaristas de Belém antes do golpe de
estado de 1964, em 1966 Jader Barbalho foi eleito vereador de Belém. Em 1971
foi eleito deputado estadual e, em 1974, deputado federal, reeleito em 1978.
Sempre pela legenda do MDB. Em 1988 assumiu o Ministério da Reforma Agrá­
ria, sendo reeleito governador do Pará em 1990. Nas eleições de 1994 foi eleito
senador.
91 Cf. Diário do Pará, Belém, 2 9 /1 0 /8 2 .
92 Segundo diferentes fontes, no acordo estabelecido entre Alacid Nunes e Jader
Barbalho previa-se o apoio deste a Alacid Nunes para o cargo de governador nas
eleições de 1986. Compromisso que, como veremos, não foi respeitado, diferente­
mente da participação no Governo de Jader de pessoas vinculadas a Alacid, confor­
me se pode verificar quando se sabe que 10 dos 40 cargos de responsabilidade do
primeiro governo de Jader Barbalho foram assumidos por pessoas que participa­
ram do último governo de Alacid Nunes.
93 A entrevista com “Gatão” foi realizada, em Belém, no dia 10 de setembro de
1993.
1Cf. Diário do Pará, Belém, 2 9 /1 0 /8 2 .
Cf. David Fleischer (org.), Da distensão à abertura: as eleições de 1982, 1988,
,) 19, 80-81 e 244. As percentagens dos votos obtidos pelos diferentes candida-
•os a governador nos diferentes estados podem ser consultadas em Rachel
Meneguello, PT: A Formação de um Partido (1979-1982), 1989, p. 124.
Jader Barbalho teve 5 0 1 .6 0 5 votos (46,1% ); Oziel Carneiro (PDS), 4 6 1 .9 6 9
\otos (42,5% ); e Hélio Dourado (PT|, 1 1.010 (Cf. Tribunal Regional Eleitoral/
FRE e Rachel Meneguello, op. cit., p. 124).
'* Todos os deputados federais da oposição votaram a favor da emenda, 55
deputados do PDS votaram a favor, 65 contra e 112 não compareceram à vota-
ção (Cf. Bolívar Lamounier e Rachel Meneguello, Partidos Políticos e Consolida­
ção Democrática: O Caso Brasileiro, 1986, tabela 5, p. 125).
O PT foi o único partido que se negou a participar da votação no Colégio
Eleitoral por considerar que isso traía a mobilização pelas Diretas Já. Alguns
deputados federais do P T decidiram participar da votação no Colégio Eleitoral.
Foram afastados da bancada petista e acabaram abandonando o partido.
99 Cf. Boris Fausto, "Completa-se aTransição: O Governo Sarney (1 9 8 5 -1 9 8 9 )” ,
1996, p. 522.
100 Idem, ibidem, p. 523.
101 Idem, p. 524.
i0g Q- “Coligação para fortalecer o Pará”, Pará Hoje, Belém, ano III, n° 3, p. 13.
103 Hélio Gueiros, obteve o voto de 7 0 7 .5 3 6 eleitores; Carlos Nascimento Levy,
186.053; João de Paiva Menezes. 139.724; e Mário Nazareno Noronha, 5 7 .5 7 6
(Cf. Idesp, Informações Políticas e Sócio-Econômicas dos Municípios Paraenses,
1987, p. 412).
104 Cf. idem, ibidem, p. 411; e O Liberal, Belém, 2 0 /1 2 /8 6 .
105 Os 16 deputados federais do P T se abstiveram de participar da votação no
Congresso Nacional que aprovou a nova Constituição com o forma de mostrar
o seu desacordo em relação a alguns dos resultados finais nela consagrados.
106 Leonel Brizola (PDT), que obteve 1 1 .1 6 8 .2 2 8 de votos (1 5 ,4 % dos vo­
tos válidos), Mário Covas (PSDB), com 7 .7 9 0 .3 9 2 (1 0 ,7 % ) e Paulo Maluf
(PDS), com 5 .9 8 6 .5 7 5 (8,2 % ), foram os outros três candidatos mais vota­
dos (Cf. dados do Tribunal Superior E leitoral/TSE ).
107 Cf. DESEP-CUT, “As eleições e o governo C ollor” , 1990, p. 10.
los Porcentagens relativas aos votos válidos (Cf. Diretório Regional do PT,
Eleições Presidenciais de 1989 — Mapa Final das Eleições no Estado do
Pará).
io9 q resu]ta.do exato foi de 7 0 8 .7 0 3 votos a favor de Jader e 7 0 1 .4 0 3 para
Xerfan (Cf. Diário Oficial do Estado do Pará, n° 2 6 .8 6 0 , Belém, 0 5 /1 2 / 9 0 ,
P. 11).
1,0 Jader obteve 7 0 8 .7 0 3 votos e Xerfan, 7 0 1 .4 0 3 (Cf. TRE, Diário Oficial
do Estado do Pará, n° 2 6 .8 6 0 , Caderno 2 o, Belém, 0 5 /1 2 / 9 0 , p. 11)

183
1,1 Protocolo Político da Frente Popular Novo Pará: PT, PSDB, PSB, PDT,
PCdoB, e PCB, Belém, mimeo, 7 de maio de 1990, p. 1.
112 Cf. O Liberal, Belém, 2 0 /1 2 / 8 6 e 2 6 /1 1 /9 0 ; e Folha de S. Paulo, 0 4 /
0 2 /9 1 .
113 Recorde superado em 1994 por outra mulher, também candidata à Câmara
Federal, Elcione Zahluth Barbalho (PMDB), então esposa do ex-governador, que
obteve 1 53.906 votos (Cf. O Liberal, Belém, 1 4 /1 0 /9 4 ).
114 Cf. “Eleição; O poder dividido” , Jornal Pessoal, n° 100, Belém, 1992, p. 2.
n ° Hélio Gueiros Júnior, Diário do Abandono: Campanha 1994, 1997, p. 23.
11(1 No Congresso Extraordinário do PCB, realizado em janeiro de 1992, a mai­
oria dos seus militantes optou por criar uma nova organização política: Partido
Popular Socialista (PPS). O setor minoritário, que não aprovou a dissolução do
"partidão” , deu continuidade à sigla PCB após um breve período em que utilizou
o nome de Partido Comunista (PC).
1'' O Partido Progressista Reformador (PPR) foi criado em 1993, resultado da
fusão entre o PDS e o PDC (Partido Democrata Cristão, fundado em 1988).
Dois anos depois, o PPR se transformaria em Partido Progressista Brasileiro
(PPB), projeto partidário ao qual se somaram também os integrantes do PP
(Partido Progressista, fundado em 1994, por iniciativa do Partido Trabalhista
Renovador e do Partido Social Trabalhista).
118 E de destacar que no 2 o turno o número de abstenções (44,4% ), votos bran­
cos (0,9% ) e nulos (9,2% ) superou 5 0% do total dos eleitores paraenses (Cf. O
Liberal, Belém, 1 4 /1 0 /9 4 ).
119 Dos 17 deputados federais do Pará, somente dois votaram contr.a o
impeachment do presidente Collor, o ex-governador Alacid Nunes (PFL) e Osval­
do Melo (PDS) (Cf. “Belém festeja afastamento de Collor” , O Liberal, Belém,
3 0 /0 9 /9 2 ) .
ião Q- folha de S. Paulo, 1 8 /1 0 / 9 4 .
121 Amílcar Tupiassu, “As eleições paraenses de 1 96 2 ” , 1964, p. 50.
122 Guillermo O ’Donnell, “Hiatos, instituições e perspectivas democráticas”, 1988,
p. 82.
,2S Francisco Sales Cartaxo Rolim op. cit., p. 23-24.
Município de Marabá:
oligarquias, fazendeiros, posseiros
e Grandes Projetos

Introdução

As próximas páginas destinam-se a examinar alguns dos


aspectos que considero mais relevantes da história económica e
política do município de Marabá, desde que foram instaladas, em
fins do século XIX (pleno auge do ciclo da borracha), as primeiras
moradias°e casas de comércio no espaço urbano hoje denominado
Marabá Pioneira. Focalizo, em minha análise, o processo de con­
solidação do poder económico das Oligarquias do Tocantins,' a
disputa entre as famílias oligárquicas pelo controle das principais
instituições políticas no município, a influência do recente proces­
so de modernização económica e o surgimento de novas elites
políticas que foram assumindo, a partir de meados dos anos 70,
um papel relevante no cenário político local.
Tento, assim, neste capítulo, fazer com que este estudo de
caso, nos forneça subsídios para dar prosseguimento à análise da
inter-relação entre atividades económicas, práticas políticas e ter­
ritório, partindo do pressuposto de que Marabá, além de ser um
dos municípios que maior impacto sofreu pela intervenção na
Amazónia das diferentes instituições controladas pelo governo fe­
deral, é também um caso exemplar para avaliar que as práticas
políticas não estão apenas determinadas pelas mudanças na estru­
tura económica, mas também, entre outros fatores, pela capaci­
dade de adaptação dos sujeitos sociais aos “novos tempos econó­
micos e políticos”.2
As oligarquias do Tocantins controlavam as prefeituras e
Câmaras Municipais da região e conseguiram ampliar seu poder
económico e político em decorrência, entre outras causas, das
alianças estabelecidas, segundo momentos e circunstâncias, com

1 o -
os chefes do executivo paraènS5^(governadores ou interventores
federais). Tais alianças políticas foram sendo sedimentadas no tra­
dicional, mas ainda hoje plenamente vigente, sistema de troca de
favores entre os governadores e os chefes políticos locais, isto é,
através da concessão de cargos e benefícios económicos (terra,
créditos, benefícios fiscais) em troca de apoios políticos (no trans­
curso da legislatura), e, quando chegava o tempo da política, dós
votos dos currais eleitorais do interior.
Entre as famílias oligárquicas do Sudeste do Pará que mai­
or sucesso tiveram na combinação entre poder económico e políti­
co, cabe destacar, a partir da segunda metade dos anos 20, a do
chefe-político do Tocantins, Deodoro Machado de Mendonça e,
posteriormente, a dos Mutran, família que exerceria notável influ­
ência económica e política no município de Marabá, sobretudo a
partir da segunda metade dos anos 50 e, especialmente, entre
1988 e 1991. Este foi o momento em que, além de ter sido eleito
deputado estadual, o então chefe da família controlava os três
poderes no município de Marabá: a Prefeitura, a Câmara Munici­
pal e o Judiciário. Nos anos seguintes os Mutran perderam todos
esses cargos, resultado de uma ampla coligação de forças políticas,-
religiosas e movimentos sociais do município, como conseqiiência,
além de outros fatores, das reiteradas denúncias de serem mem­
bros da família Mutran alguns dos principais instigadores da vio­
lência contra os posseiros e suas lideranças sindicais nos municípi­
os do Sudeste do Pará.

1. O núcleo urbano de M arabá


na época da borracha

No mês de junho de 1898, com o intuito de negociar com


os “extractores de caucho que passando pela foz do Itacayuna,
subiam o Tocantins” ,3 o comerciante Francisco Coelho da Silva,
que tinha chegado ao Sudeste do Pará em 1895 com o objetivo de
vender um pequeno rebanho de gado vacum,4 fez construir, na

18fi
confluência dos rios Tocantins e Itacaiúnas, a primeira casa de
comércio que daria origem ao núcleo urbano de Marabá.5 Antes
de optar por construir sua moradia em “Marabá”,6 “attrahido
pelo fascinio dos grandes cauchaes do Itacayuna” ,7 Francisco Co­
elho passou alguns meses morando no Burgo Agrícola fundado,
em 189c5, pelo deputado estadual goiano Coronel Carlos Gomes
Leitão que chegou ao território paraense em 1894 fugindo dos
seus inimigos políticos, os seguidores do intendente e chefe político
local de Boa Vista do Tocantins (hoje Tocantinópolis), Francisco
Maciel Perna: “Era a luta dos coronéis na disputa do poder políti­
co ”,8 que ficou conhecida como a Guerra de Boa Vista.9 Carlos
Leitão, acompanhado da sua família e de alguns dos seus partidá­
rios, desceu pelo rio Tocantins e, após cinco dias de viagem, che­
gou à cidade de São João do Araguaia, colónia militar fundada
em 18c50 pelo governo da Província do Pará. Abasteceu-se de
provisões, prosseguiu viagem e, finalmente...

“[...] logo abaixo da foz do Itacaiúnas (quando suas


águas se unem às do rio Tocantins) [viram-se] diante
de uma enseada onde as águas eram verdes e profun­
das, em cuja periferia havia três pequenas ilhas [...].
Resolveu terminar ali sua viagem [...]. Ao local Carlos
Leitão deu o nome de Burgos "10.

Em fevereiro de 189c5, segundo relatório enviado pelo se­


cretário geral do Pará, Manoel Baena, ao governador do Estado,
Carlos Gomes Leitão obteve permissão oficial para fundar, na
praia dos Quindangues, a margem esquerda do Tocantins, entre a
foz do rio Itacaiúnas e a praia da Rainha, “um Burgo Agrícola
[...] em condições de acommodar a installação de cem famílias
nacionaes que, dos Estados de Goiáz e Maranhão [...], para este
Estado do Pará”.11 Para essa finalidade, o governo paraense ofe­
receu a Carlos Leitão dez contos de réis.12 »
Até hoje é motivo de controvérsia quem foi o responsável
pela organização da expedição liderada pelos irmãos Pimentel,

187
que saíram do Burgo do Itacaiúnas, em dezembro de 1895, à
procura dos campos geraes do Xingu, os quais seriam utilizados
para a criação de gado. Ainda assim, todas as fontes consultadas
coincidem em afirmar que foi produto casual dessa expedição o
fato de o Sudeste do Pará ter-se incorporado, em fins do século
XIX, à extração do “ouro branco ”.

“E voltavam desanimados, abatidos, quando ao defron­


tarem a arvore que lhes servira de alvo dias antes,
notaram que a seiva estravasada coagulara. Herminio
[Pimentel] [...] colheu a pequena porção de leite coa­
gulado [...]. Carlos Leitão enviou aquelle leite assim
coagulado ao commerciante de Belém, Alfredo da R o­
cha Pereira, o qual, depois de submeter a amostra ao
exame dos competentes, deu conta dos resultados nes­
tes termos: Caucho de excellente qualidade ”, 171

Segundo informações do engenheiro Ignácio Baptista de


Moura, comissionado pelo governo do Pará para inspecionar, em
1896, o Burgo do Itacaiúnas, nesse ano ali residiam 222 pessoas,
constituindo 55 famílias agrícolas.14 Após ser divulgada a desco­
berta de árvores de caucho, chegaram à região dezenas de goianos
e nordestinos (principalmente dos Estados do Maranhão e Ceará).
A crescente importância da extração de caucho no Sudeste do
Pará provocou a decadência das atividades agrícolas no Burgo e a
centralização das atividades comerciais em Marabá. Em 1906,
residiam na cidade de Marabá cerca de 1.500 pessoas; mas “nem
a metade vive lá de modo habitual. Tratava-se de uma população
essencialmente ocasional, atraída durante alguns dias ou alguns
meses pelo comércio da borracha”.15 Em 1913, Marabá e Lago
Vermelho, distritos do município de São João do Araguaia, cons­
tituíram o município de Marabá (lei estadual n° 1.278, 2 7 /0 2 /
1913). O governo municipal foi instalado no dia 5 de abril de
1913, sendo nomeado primeiro intendente de Marabá o coronel
Antonio da Rocha Maia.16 Em 1922, o município de São João do

188
Araguaia foi anexado ao de Marabá e, um ano depois, a vila de
Marabá seria elevada à categoria de cidade.17 A população da
cidade de Marabá foi estimada, em 1923, em cerca de 3 mil
habitantes, e a do município (incluídos os habitantes do então ex­
tinto município de São João do Araguaia), em 6 .8 2 2 .18 Em 1926,
no decurso de uma das periódicas*enchentes que desde 1906 tinha
alagado em intervalos de vários anos as ruas e casas do hoje deno­
minado bairro da Marabá Pioneira,19 a população diminuiu para
cerca de 2 mil habitantes, aproximadamente a mesma de 1922.20

1.1. O “surto da castanha” e as


oligarquias do Tocantins

“O ciclo da borracha transformou-se na fase da casta­


nha, e esta, pela facilidade de rendimento e elevado
curto, despertou a ganância do seringueiro, que da
noite para o dia viu-se transformado em castanhador. ”
(Libero Luxardo)

Marabá alcançou sua maior produção de caucho em 1914,


462,5 toneladas, que representaram 1,2% do total da produção
brasileira desse ano.21 A partir de 1921 e até o segundo e curto
“ciclo da borracha” (durante a II Guerra Mundial), a produção de
látex do município nunca superaria as 100 toneladas. Coincidindo
com a queda da demanda da borracha amazônica e do preço
desse produto no mercado internacional, que fez diminuir a pro­
dução de caucho no município de Marabá,22 outro produto extra­
ído da floresta amazônica, que existia em abundância no Médio
Tocantins, a castanha-do-pará, marcaria a história dessa região
até os dias de hoje.
Até início da década de 1930, o Estado do Amazonas era o
maior produtor de castanha do Brasil. A partir de então e até
finais dos anos 70, o Pará tomaria a dianteira, graças ao incre­
mento da coleta de castanha nos municípios do Médio Tocantins,
sobretudo no de Marabá. Dos 113.446 hectolitros de castanha
que chegaram à praça de Belém em 1930, 74.301 procediam da
região do Tocantins.^

Tabela 23
Município de Marabá
produção de caucho e castanha: 1913-1926
Caucho Castanha Caucho Castanha
Ano Ano
(toneladas) (hectolitros) (toneladas) (hectolitros)

1913 3 27 ,9 20 1920 2 28 ,9 17.878

1914 4 62,5 2 .50 2 1921 9 2,0 2 7.965


1915 418 ,4 2.711 1922 6 1,4 2 7.0 20

1916 261,1 1.899 1923 42,3 61.705


1917 2 50,2 1.708 1924 2 6 ,9 77.548
1918 2 03 ,2 1.508 1925 15,2 84.595
1919 3 5 4 ,7 5 .39 6 1926 2 1 ,3 120.417
Fonte: Deodoro Machado de Mendonça et. a/., Viagem ao Tocantins, p. 50.

Boa parte dos trabalhadores que realizava o serviço da


coleta de castanha em Marabá, procediam do Maranhão e de
Goiás e de outros municípios do Baixo Tocantins. Os castanheiros
chegavam à cidade de Marabá, alguns deles trazidos diretamente
pelos contratadores de pessoal, poucas semanas antes do período
de safra da castanha, que geralmente se iniciava no mês de janei­
ro e se prolongava até maio e, às vezes, até junho ou julho.24 O
sistema de aviamento, “aperfeiçoado” durante o ciclo da borra­
cha, convertera-se também na base das relações económicas entre
os diversos setores implicados na coleta e comercialização da cas­
tanha. Em Viagem ao Tocantins assim se resumem as atividades
do castanheiro:

“Fornecido pelo patrão’, da aviação’ necessária para


a sua tarefa, apresenta-se ele para seguir para o ponto
que lhe foi destinado, onde se arrancha em ligeira bar­
raca erguida perto do rio, sozinho, ou com o número
de companheiros determinados pela capacidade do
castanhal. Ficando o ponto em rio navegável, a colhei­
ta é ai mesmo entregue ao patrão no pequeno barco a
motor d’explosão.”25

O transporte da castanha foi facilitado pelas embarcações


movidas a vapor, diesel ou, a maioria, a gasolina. Em 1916 che­
gava a Marabá o primeiro barco a motor; dez anos depois já
eram cerca de setenta esse tipo de embarcações, algumas com
capacidade superior a 40 toneladas que faziam o transporte dos
produtos do município até Alcobaça, hoje Tucuruí, num percurso
de 201 quilómetros, em três dias de ida e volta. Os barcos movi­
dos a remo, com uma capacidade máxima de 20 toneladas, de-
•moravam cerca de um mês para fazer o mesmo percurso. A
maioria dos produtos não agrícolas consumidos em Marabá pro­
cediam de fábricas e comerciantes de Belém: gasolina, ferragens,
munições, medicamentos etc. Parte dos mesmos eram destinados
às transações feitas com comerciantes goianos e maranhenses que
vendiam em Marabá gado, o toucinho, a carne salgada, rapadu­
ras, queijos, cereais e outros produtos sertanejos.26
Em 1926, existiam aproximadamente 40 casas comerciais
em Marabá. Até meados dos anos 20, a firma que liderou a
compra de castanha no município foi a dos Irmãos Chamon: “[...]
filhos de uma antiga família da área, de origem libanesa, chega­
ram a Marabá vindo do Maranhão no início do século. Envolvidos
no comércio do caucho — tinham casa comercial em Marabá,
depósito de castanha em Alcobaça e uma casa recebedora locali­
zada em Belém (a José Chamon e Cia., criada em 1 9 2 1 )”.27 Nos
anos seguintes, entre os principais comerciantes que atuavam em
Marabá, destacavam-se, além dos irmãos Chamon, a Borges <5?
Cia., firma de Belém associada em Marabá à Casa Medeiros
(ambas possuíam no município quatro barcos a motor) e a Dias
‘2 7 Cia. Limitada, firma vinculada ao “chefe político do Tocantins” ,
o advogado nascido em 1889 no município de Cametá, Deodoro
Machado de Mendonça, que era representada em Marabá por
familiares de Mendonça e pelo seu aliado político e intendente
municipal, o coronel João Anastácio de Queiroz.28
Em 1927, além do intendente municipal, sete dos oito inte­
grantes do Conselho Municipal eram também comerciantes,29 des­
tacando-se entre eles, pelo seu poder económico, o presidente do
Conselho, major Martinho da Motta Silveira, e o vogal major
Uady Moussalem. Ambos, e João Anastácio de Queiroz, dedica­
vam-se também à cria de gado.'30 Vejamos, a seguir, as pertinen­
tes reflexões do antropólogo Otávio Velho sobre o papel economi­
camente preponderante que exerciam os comerciantes na produ­
ção de borracha. Suas palavras também nos ajudaram a enten­
der melhor algumas das mudanças que ocorreram nas formas de
apropriação e uso da terra na região do Itacaiúnas-Tocantins du­
rante o ciclo da castanha.

“Aparentemente, na área do Itacaiúnas, a exploração


da borracha sempre foi livre. Qualquer um que quises­
se poderia internar-se na mata em busca de gx>ma.
Desde o início aparece a figura do comerciante, nacio­
nal ou de origem sírio-libanesa [...]. Poderiam ser ho­
mens que ao contrário da imensa maioria já traziam
algum recurso; ou então, que se elevavam acima da
massa investindo aquilo que ganhavam na própria área
no comércio. Numa região em que a terra não consti­
tui bem escasso, não aparece a figura do latifundiário
como o poderoso por excelência. O bem escasso nas
regiões longínquas são o capital e os meios de
comercialização [...]. Isso se torna muito mais verda­
deiro quando a atividade económica predominante de
modo praticamente absoluto só tem sentido em função
do mercado, e de um mercado que não é o local, com
o produto não possuindo, para os produtores, pratica­
mente nenhum valor de uso.”31

1 r\crt
Até os primeiros anos da década de 20, “dominou na região
de Marabá de modo praticamente absoluto o sistema dos castanhais
livres, numa quase continuidade, do ponto de vista sociológico e ao
nível da produção, com o sistema de exploração da borracha nessa
região”,32 mas, a partir de 1924, o governo do Pará passou a
arrendar terras de castanhais aos interessados na coleta da casta­
nha. Arrendamento outorgado a particulares e firmas comerciais
apenas para os meses da safra, que poderia ser renovado, para o
mesmo período, nos anos subsequentes. Em Marabá, por decisão
formal do governo estadual, competia ao intendente municipal, na
época João Anastácio de Queiroz, definir a área, preço e número de
castanhais a serem concedidos, em lotes, aos diferentes interessados.

“Os castanhais eram arrendados uns seis a oito meses.


Por exemplo, existia a política lá do governo, aquilo
que era lá do governo ele dava para arrendamento
tantos tempos para aquela pessoa. No próximo ano
tornava a renovar aquele arrendamento. Então o go­
vernador tinha aquilo, assim, como uma base política.”
(Depoimento de Otaviano Alves de Souza)33

Um dos melhôres exemplos que temos na história do Pará


da importância que sempre representou um cargo político rele­
vante no executivo estadual para incrementar o número de pro­
priedades rurais (devolutas ou não), foi Deodoro Machado de Men­
donça, secretário geral do Pará, nos governos de Dionísio Bentes
Carvalho (1925-1929) e José da Gama Malcher (1935-1943). Em
fins dos anos 20, Deodoro de Mendonça já era proprietário de 1 1
castanhais, que totalizavam 5 3.556 hectares de terra, além de
11.779 ha que estavam registrados em nome da Dias & Cia.,
firma da qual ele era um dos principais sócios.34 Segundo um ex-
vereador de Marabá:
*
“[...] antigamente poucos eram donos de castanhais;
só Deodoro e seus aliados é que tinham castanhais de
propriedade conseguidos nos governos Souza Castro e
Dionisio Be-ntes. Por motivos políticos, a maioria des­
ses castanhais era concedida a título precário; se você
não era do lado do Deodoro [...], você perderia o
castanhal. Depois que Barata entrou também aconte­
cia a mesma coisa, para ter castanhal tinha que estar
do lado dele.”3'5

Entre algumas das ações implementadas pelo governo es­


tadual após a Revolução de 1930 que tiveram importantes con­
sequências na vida económica de Marabá durante o período em
que Magalhães Barata exerceu o cargo de interventor-federal,
cabe mencionar a decisão de anular os arrendamentos das ter­
ras de castanhais concedidos pelos governos estaduais anterio­
res, extinguir a modalidade de aforamento perpétuo, estipular
que o total de terras do Estado a ser vendido a particulares não
poderia superar os 4 .3 5 6 ha e de manter os castanhais como
serventia pública.36 Com isso, segundo Creso Coimbra, Maga­
lhães Barata, “pretendia moralizar a atividade extrativa dos
castanhais, que era, segundo os revolucionários, um motivo de
verdadeiro escândalo, prejudicial aos interesses financeiros do
Estado, e fonte de enriquecimento ilícito dos apaniguados e pro­
tegidos dos governos anteriores” .37
A permanência como intendente municipal de Marabá, por
expressa vontade de Barata, de João Anastácio de Queiroz,38 pa­
rece também haver influído na ruptura económica e política deste
com seu anterior “chefe político”, Deodoro de Mendonça, que,
após a vitória da Revolução de 1930, além de ser preso durante
umas semanas, teve seus bens interditados39: Anastácio de Queiroz
filiou-se ao Partido Liberal e Deodoro de Mendonça, preso nova­
mente em 1932, por ter manifestado “sua solidariedade à Revolu­
ção Paulista” ,40 partiria, junto a outras lideranças políticas
paraenses opostas à Revolução e, sobretudo, ao baratismo, para
a organização, em 1934, da Frente Única Paraense.41 Posterior­
mente Deodoro de Mendonça lideraria a também antibaratista

194
União Popular.42 É de se destacar, nesse mesmo contexto político,
a atuação em Marabá da firma A. Borges & CIA cujos sócios se
aliaram a membros do Partido Liberal no município, contribuin­
do, assim, para o enfraquecimento económico e político de Deodoro
de Mendonça e das pessoas que continuaram a ele ligadas.43
A mudança de governo em 1935, após ser eleito José Malcher
governador, significou uma nova reviravolta política das pessoas e
grupos económicos vinculados à comercialização da castanha. Em
1937, após o golpe de estado liderado por Getúlio Vargas que
instauraria o Estado Novo, o deputado federal Deodoro de Men­
donça retorna a Belém, reassumindo seu papel preponderante na
política estadual, novamente como Secretário Geral do Governo, e
no contexto político-económico dos municípios do Sudeste do Pará.
Nos anos 40, Deodoro de Mendonça continuava sendo a pessoa que
maior número de terras de castanhais controlava nessa região. O
retorno, em 1943, de Magalhães Barata ao Pará, novamente como
interventor federal, significaria um novo afastamento de Deodoro
de Mendonça do governo paraense. Após o fim do Estado Novo
(1937-1945), Deodoro, sempre inserido em partidos que faziam
oposição a Barata, continuaria ativo no cenário político regional e
nacional, agora, sobretudo, como deputado federal.44 Referindo-se
a D eodoro de M endonça, o escritor, jornalista e também
antibaratista, Ricardo Borges, escreve em Vultos Notáveis do Pará:

“[...] nunca subestimou a força dos acontecimentos, a


capacidade dos adversários, a qualidade dos correligi­
onários [...]. Porque sabia transigir, sem perda da subs­
tância de sua sobrevivência política, não individual, mas
de chefe de eleitorado através de amizades e simpatias
que inspirava e irradiava, por qualidades suas peculia­
res, e de maior suporte na região Tocantina, de sua
tradicional família: eleitorado sempre bastante para
lhe assegurar valer e impor-se nas composições ou com­
petições partidárias. Esse o segredo de sua vida políti­
ca vitoriosa.”45

195
Nas eleições de 1950, o líder do PSP, Deodoro de Men­
donça, fez parte da Coligação Democrática Paraense, que ajuda­
ria a eleger Zacarias de Assumpção governador do Pará, candi­
datura que também contou no Sudeste do Pará com o apoio do
comerciante Nagib Mutran.46 Esta opção política de Nagib facili­
taria a posterior emergência dos Mutran como principal família
oligárquica do Sudeste do Pará. Os Mutran, comerciantes de
origem sírio-libanesa que residiam no município de Grajaú
(Maranhão), foram instalando-se na cidade de Marabá durante a
segunda metade dos anos 20.

“Os Mutran chegaram aqui faz muito tempo [...]. Che­


gou primeiro aqui o velho Aziz Mutran, que era o pai de
Nagib, trazendo com ele os irmãos dele, que eram o
Kalil e Abraham Mutran. Aí a família foi crescendo...
São três famílias Mutran [...]. Tem o Jorge Mutran,
falecido, que tem uma grande firma em Belém, e tem o
Benedito Mutran, falecido também [...], que possui fir­
ma em Belém. Mas, política mesmo, só deu mesmo o
Nagib.” (Depoimento de Otaviano Alves de Souza) .

Em 1927, segundo a relação dos comerciantes que atua-


vam no município, mencionada no livro Viagem ao Tocantins,
Kalil Mutran aparecia como proprietário de duas embarcações a
motor e a firma Aziz Mutran c£? Filhos como proprietária de uma
embarcação.47 Vinculados, inicialmente, à firma A. Borges “3?
Cia., após José Malcher assumir o mandato, os Mutran desliga­
ram-se dessa firma comercial e, graças à aliança política com
Deodoro de Mendonça, conseguiriam ampliar o número de terras
de castanhais sob seu domínio (comprados ou, em sua maioria,
arrendados). Em fins dos anos 40, os Mutran já eram um dos
principais grupos económicos do Sudeste do Pará, controlando
parte da coleta e comercialização de castanha nessa região.48
Até 1954, ainda que a compra de terras de castanhais não
deixasse de ser importante, a forma mais comum de apropriação

196
dos castanhais foi através do sistema de arrendamento. Em fins
de 1954, o governo de Zacarias de Assunção, daria prioridade à
concessão de títulos de terra através do sistema de aforamento ou
enfiteuses (lei estadual n° 913), instituindo, assim, “o direito de
uso da propriedade em perpetuidade aos beneficiários, em troca
de um pagamento fixo e Anual para o Estado”.49 Favorecendo o
governo estadual, na concessão de títulos de aforamento, as pes­
soas que anteriormente tivessem arrendado o castanhal pretendi­
do, não é difícil imaginar que as principais beneficiadas fossem as
famílias que possuíam um maior número de áreas de castanhais
sob o sistema de arrendamento, por exemplo, os Mutran.'50
Em 1959, segundo dados do governo estadual, dos 137.756
hectolitros de castanha produzida no Pará, 2 5 .619,5 hectolitros
foram recolhidos em terras de propriedade privada, 9.048 em ter­
ras arrendadas, 35.143 em terras aforadas e 67.585 em terras do
Estado. No município de Marabá foram produzidos, nesse mesmo
ano, 88.996,6 hectolitros (64,6% do total), sendo que 19.052,5
hectolitros em terras privadas, 7.850 em terras arrendadas, 29.752
em terras aforadas e 32.341 em terras do Estado”.51

2. O “mundo da política”

Retornando ao cenário político, é de se destacar que Nagib


Mutran, filiado à UDN, foi, após duas tentativas frustradas, eleito
prefeito de Marabá em 1958 ao vencer nas urnas, por 126 votos
de diferença a Marin de Queiroz, candidato do PSD apoiado pelo
governador Magalhães Barata.52

“Marabá sempre teve essas duas posições políticas im­


portantes. Era os Mutran, de um lado, e o pessoal do
outro [...]. Teve uma eleição de governador que foi a
de Assunção com Barata [1950] [...]. Mas antes teve a
eleição de Moura Carvalho que ganhou as eleições [ja­
neiro de 1947] [...]. E então aqui ficou de chefe políti-

197
co do partido [PSD] [...] o Carneiro [...]. Os Mutran
pertenciam à UDN e o partido do Barata era o PSD
[...]. Então tinha essa coisa, a gente avisava o seguin­
te, que a UDN nunca serviu no Brasil, porque ela era,
assim, digamos assim, um partido da elite, sabe como
é ? ; e o PSD era tido como um partido dos pés raspa-
dos [...], pelo povo [...]. [Em Marabá] sempre teve
[maior influência] o PSD, mas quando foi 58 [...] Nagib
Mutran foi eleito [...]. Por sinal, ele fez um governo
até bom, não pode negar aqui. Foi ele que trouxe de
Belém [...], trator [...], trouxe carro, caçamba, trou­
xe Jipe.” (Depoimento de Otaviano Alves de Souza)

Diferentemente de Nagib Mutran, deputado estadual do


Pará eleito pela legenda da UDN em 1962,53 que, acusado de
corrupção,54 teve seus direitos políticos e, portanto, seu mandato
cassado, Pedro Marinho de Oliveira,'55 eleito prefeito de Marabá
em 1962,56 permaneceu no cargo até o fim do seu mandato (1966).

“Quando houve o golpe militar [...], o Pedro Mari­


nho era o prefeito [...], aí ele foi a Belém a falar com
o Jarbas Passarinho [...], e falou com ele lá. Aí ele, o
Jarbas Passarinho [...], disse: O senhor continua como
prefeito de Marabá. Aí pronto, começou a receber
as ordens [...], e aí começava aquela ciumada[...].”
(Depoimento de Otaviano Alves de Souza)57

A disputa entre os diferentes setores da oligarquia


marabaense pelo controle da prefeitura e do partido governista
(Arena), isto é, entre as diferentes alas nas quais a Arena se subdi­
vidia no município, deve inserir-se também, como aconteceu na
maioria dos municípios paraenses com outros setores da elite po­
lítica e/ou económica local, na disputa existente, no âmbito esta­
dual e federal, entre as duas mais influentes lideranças políticas
paraenses no período de 1964 a 1982, os ex-governadores Jarbas

198
Passarinho e Alacid Nunes. Em Marabá, a rixa deu-se, principal­
mente, entre os Mutran, os Marinho e os membros da família de
Osório Pinheiro, fazendeiro e exportador de castanha, “tido como
uma das maiores fortuna individuais da região tocantina”.58

“Aí o PSD acabcrn [...], transformou-se no MDB, e a


UDN transformou-se na Arena [...].O [Jarbas] Passa­
rinho pertencia à Arena [...], e os Mutran sempre es­
tão de lado do governo, quase, né? [...]. Mesmo cassa­
do que foi, eles tentaram, assim, ficar do lado deles,
porque eles eram com Passarinho. Então o negócio é
esse... Agora, em Marabá existia [...] a Arena-1 e
Arena-2 [...]. Passarinho ficava puxando, observando,
tudo era governo! [...], era tudo Arena, tudo Arena [...]
Eles [Pedro Marinho e Nagib Mutran] já estavam sepa­
rados [...], não eram mais amigos, politicamente não.”
(Depoimento de Otaviano Alves de Souza)

Até a extinção do sistema bipartidarista em 1979, a influên­


cia político-eleitoral do MDB na maioria dos municípios do Sudeste
do Pará foi quase nula. A Aliança Renovadora Nacional (Arena)
era praticamente o único espaço de atuação partidária na legalida­
de, e as disputas políticas entre os setores da classe dominante
manifestaram-se nas diferentes facções que foram surgindo no seio
desse partido. A preponderância eleitoral da Arena em Marabá foi
tão absoluta que nem sequer diretório municipal conseguiu organi­
zar o MDB neste município. Portanto, até a extinção do sistema
bipartidarista, todos os vereadores de Marabá foram eleitos pela
legenda da Arena. Além disso, também estavam filiados à Arena
todos os deputados estaduais residentes em Marabá que foram elei­
tos nos anos 70. Nas eleições de 1974, por exemplo, a Arena
obteve formalmente em Marabá59 o voto de 4.471 eleitores para
seus candidatos a deputado federal e 4.891 sufrágios parâ os que se
candidataram a deputado estadual, contra 28 e 30, respectivamen­
te, obtidos pelo MDB.60 Plínio Pinheiro Neto (Arena), nascido em

1 QQ
Marabá em julho de 1946, foi eleito deputado estadual em 1974,
sendo reeleito, em 1978,*graças aos 7.471 votos obtidos nos muni­
cípios de Marabá, Itupiranga, Jacundá e Tucuruí.61 Aziz Mutran
Neto (Arena), diretor da Associação dos Exportadores de Castanha
do Brasil, nascido em Marabá a Io de agosto de 1929, também foi
eleito deputado estadual com 8.571 votos.62
A declaração de Marabá, em 1970, como Area de Segu­
rança Nacional, favoreceu a emergência de novos atores políticos
no município que não estavam diretamente vinculados às diferen­
tes famílias oligárquicas, por exemplo, o capitão do Exército
Elmano Melo e o engenheiro civil Haroldo da Costa Bezerra. O
primeiro prefeito-interventor nomeado foi Elmano Melo,15'5 que
exerceria o cargo entre 1971 e 1972.

“O pessoal conhecia ele aqui [...] como capitão Elmano


[...]. O próprio Jarbas Passarinho ajudou Elmano por­
que ele era protegido dele. O Elmano [...]. Ele veio de
Belém interventor para cá, prefeito nomeado. Mas,
então, ele ficou lá daqui do povo contra os Mutran
[...]. Trabalhou muito esse homem, fez tudo, fez rua,•
fez praça [...], foi ele que desdobrou a cidade.” (Depo­
imento de Otaviano Alves de Souza)

Em 1973, o ex-prefeito Pedro Marinho, que presidia o


diretório municipal da Arena em Marabá, foi nomeado interventor
municipal em substituição a Elmano Melo:

“Pedro Marinho de Oliveira voltou a comandar o mu­


nicípio que governou em épocas passadas, eleito por
esmagadora votação popular. Hoje sua missão é dife­
rente, pois o município está enquadrado na faixa de
segurança nacional e chega ao poder nomeado pelo
Governador do Estado. Ao tomar posse prometeu paz
e trabalho em favor do povo marabaense. Isso vem
cumprindo em todos os pontos do município.”64

onn
Em 1975, o indicado seria Haroldo da Costa Bezerra,
-filho de cearenses que passaram a residir em Marabá quando
Haroldo era ainda uma criança. Haroldo Bezerra, que permane­
ceria no cargo até 1979, fornece-nos, a seguir, sua versão dos
principais motivos que favoreceram sua indicação:

A intenção da Sudam [...] era colocar um engenheiro


em Marabá, que tivesse [experiência na] área de sane­
amento, experiência com obras e que fosse um técnico
da região. Então a indicação partiu por aí... Nesse
tempo eu trabalhava no Rio Branco, no Acre, fazendo
esgoto sanitário [...]. Quando surgiu politicamente a
ir\dicação do meu nome, que foi via os diretórios políti­
cos de Marabá daquele tempo, e o Plínio Pinheiro,
que era deputado, foi quem me pediu... Ele foi para
Rio Branco e ficou lá uns três ou quatro dias para
tentar me convencer que eu deveria vir para cá [...].
Do ponto de vista político teve a influência da liderança
local, o Plínio, que era deputado estadual [...]. Naque­
le tempo (Plínio Pinheiro) não estava vinculado (aos
Mutran), disputando com eles. A família dele não era
ligada com os Mutran naquele tempo. Inclusive o Plínio
tinha disputado (eleitoralmente) com os (..) Mutran
[...]. O Plínio [...] ganhou a final de 1974 [...]. A
briga pelos castanhais, pelas coisas todas... Eles tam­
bém tinham grandes áreas aqui [...]; o pai, o avô do
Plínio Pinheiro. Então eles eram uma ala diferente, dis­
tinta na política, todo o mundo em função dos seus inte­
resses [...]. O Plínio era Arena-1 e os Mutran eram
Arena-2. Eles eram tudo Arena, não tinha nenhum ou­
tro partido [...], eu nem sequer me filiei à Arena [...].
Eu vim, passei quatro anos como prefeito e saí da pre­
feitura sem me filiar a nenhum partido político [...]. Os
que eram nomeados não precisavam de filiação, os de­
putados precisavam [...]. Então naquele tempo aconte­
ceu isso, eu acredito nesses dois fatores aí. A questão
política, realmente, e o outro a questão técnica também
[...]. Porque o Superintendente da Sudam chamava-se
Hugo de Almeida, a gente já tinha trabalhado juntos
porque ele tinha sido Superintendente da SUFRAMA no
Amazonas [...]. E quando surgiu o nome, que a Sudam
tinha força nisso daí, surgiu o nome do Haroldo [...].
Eu tinha trabalhado em Manaus, Roraima, Rondônia e
o Acre [...]. Eu tinha 28 anos nesse tempo. (Depoimento
de Haroldo Bezerra).”65

3 . M arabá na época das grandes transform ações

A partir da segunda metade dos anos 1960, membros da


família Mutran converteram-se nos maiores compradores e ex­
portadores de castanha do Brasil através das diversas empresas
destinadas ao beneficiamento da castanha que instalaram em Belém.
Em 1965, começou suas atividades a Benedito Mutran Cia. Ltda.;
no ano seguinte a Exportadora Mutran Ltda.; e, em 1971, fòi
instalada a Jorge Mutran Exportadora Ltda.66 Segundo informa­
ções fornecidas ao jornal “O Liberal” , em 1997, por Délio Mutran,
presidente da Associação de Exportadores de Castanha do Brasil,
o volume de produção de castanha no Pará atingiu seu pico em
1975: 20 mil toneladas.67 Nos anos 90, foram, em média, umas 7
mil as toneladas produzidas anualmente.68
A Região Amazônica que sofreu uma queda mais expressi­
va na produção de castanha foi a do Médio Tocantins-Araguaia. No
início dos anos 70, 40% da produção de castanha da Amazónia
brasileira era comercializada no município de Marabá; em 1983, a
região do Tocantins-Araguaia produziu somente 1 /5 do total.69 A
partir de então, o Acre produzia duas vezes mais castanha que o
Pará, e a produção do Amazonas também superava a paraense.70
A diminuição do número de castanheiras foi a grande responsável
pela queda da produção, em decorrência da queima das áreas de

909
castanhais, para a implementação de projetos agropecuários e
para a agricultura de subsistência por parte dos posseiros (a mai­
oria deles procedentes do Maranhão e Piauí), e do corte das árvo­
res (Bertholletia excels a) pelas empresas madeireiras.71
O envelhecimento dos castanhais, provocado pela coleta
intensiva do produto que dificulta a brotação de novas castanhei-
ras, e as queimadas da floresta, “com fumaças que ficam semanas
e semanas rente ao solo, [...].[prejudicando] a floração normal
das castanheiras e também a reprodução dos besouros ou abelhas
que realizam a polinização das flores” ,72 são outras das razões
apontadas para explicar a queda da produção de castanha. Tam­
bém influiu na sua diminuição a escassez de mão-de-obra disponí­
vel para sua coleta como consequência dos melhores salários pa­
gos aos trabalhadores contratados para a construção da infra-
estrutura requerida para a implementação dos projetos do Pro­
grama Grande Carajás, e da transformação em garimpeiros de
não poucos castanheiros, sobretudo dos que optaram por melho­
rar suas condições de vida procurando ouro em Serra Pelada.'3
Assim, segundo informe da Prefeitura de Marabá de 1984:

“[...] pode-se prever o fim do ciclo da indústria de ex-


tração de castanha, como de alguma importância para
Marabá. Na atualidade, já é desprezível o montante de
mão-de-obra empregada, dentro do contexto geral.”'4

Ainda que a maioria dos projetos agropecuários aprovados


pela Sudam no Sudeste do Pará tenha beneficiado grandes latifundi­
ários e/ou empresas agroindustriais de outras regiões do país, parte
dos mesmos também foi utilizada pelas oligarquias dessa região para
incrementar o número de suas propriedades rurais ou “modernizar”
outras. Por exemplo, as famílias que controlavam a produção de
castanha intensificaram, a partir de meados da década de 70, o
desmatamento de castanhais para o plantio de pastos para a cria de
gado e/ou para garantir a posse definitiva das terras de castanhais,
ao converterem os antigos aforamentos em títulos definitivos.

907,
Ambos os processos, isto é, a chegada dos novos latifundiá­
rios e a transformação *no uso das terras de castanhais, fizeram
com que, a partir de meados dos anos 70, a pecuária se tornasse
a principal atividade económica no Sudeste do Pará, até serem
descobertas as jazidas de ouro em Serra Pelada (1980) e come­
çarem a funcionar alguns dos projetos do Programa Grande
Carajás.73 Em 1985, como poderemos apreciar na próxima tabé-
la, 66% do total dos estabelecimentos rurais existentes em Marabá
eram destinados a atividades agrícolas, ocupando 206.451 hecta­
res, o que corresponde a 25% das terras definidas como rurais no
município. Entretanto, os 20% dos estabelecimentos formalmente
destinados à pecuária detinham cerca de 50% da área rural. Ao
extrativismo estavam reservados 184.170 hectares (22% do to­
ta l)/5 subdividos em 162 “propriedades ”, a maior parte delas
pertencentes aos Mutran.77 Em 1992, o rebanho de Marabá esta­
va avaliado em 133.050 animais (74.500 cabeças de gado bovino
e 56.500, de suínos)/8 Um ano depois, boa parte da produção
agrícola de Marabá continuava destinada à subsistência das famí­
lias camponesas e de outros moradores do município. Nesse ano
foram produzidas 4.050 toneladas de mandioca, 1.040 de arroz,.
780 de milho e 530 de feijão. Entre as culturas permanentes,
cabe mencionar a produção de manga, laranja, banana e abacate.
O incremento das atividades industriais e do setor terciário
(atividades comerciais e de prestação de serviços) também ajudou a
mudar o quadro sócio-econômico de Marabá. Predominam no
município os estabelecimentos incluídos no setor terciário, sendo
que no sub-setor comércio, os 893 estabelecimentos então existen­
tes empregavam 2.384 trabalhadores/9 Em 1970, eram 62 os
estabelecimentos industriais existentes em Marabá, 74 em 1975,
empregando um total de 338 trabalhadores, subindo a um total de
203 indústrias em 1995, somando um total de cerca de 3 mil
trabalhadores nelas empregados.80 Ainda que a maioria das indús­
trias radicadas no município sejam de pequeno porte (serrarias,
fabricantes de tijolos e telhas, móveis de madeira etc.), cabe menci­
onar a instalação no Distrito Industrial de Marabá, inaugurado em

204
Tabela 24
Município de Marabá
Propriedades rurais segundo atividade económica: 1985
Atividade N° de
% Area (ha) %
económica propriedades

Agricultura 2.772 * 66 206.451 2 5 ,0

Pecuária 846 20 424 .49 5 50,0

Agropecuária 251 6 17.604 2,0

Horti-Floricul-
5 - 149 0,2
tura

Avicultura 159 4 9 .42 5 1,0

Extrativa '
162 4 184.170 2 2 ,0
Vegetal

Total 4.195 100 842 .29 4 100,0


Fonte: IBGE — Censo Agropecuário — 1985, apud Secretaria Alunicipal de
Planejamento da Prefeitura de Marabá, 1995, p. 21.

março de 1988, das empresas siderúrgicas (ferro-gusa) a car­


vão vegetal (obtido a baixo custo dos resíduos de madeira das
serrarias e das árvores cortadas para as atividades agropecuárias
na região), Cosipar (Cia. Siderúrgica do Pará), que conta com
dois alto-fornos com capacidade para produzir um total de 170
mil toneladas/ano de ferro-gusa, e a empresa Simara (Siderúrgi­
ca de Marabá Ltda.), com um alto-forno com capacidade para
produzir 70 mil toneladas/ano.81
As mudanças sócio-econômicas no Sudeste do Pará, re­
presentadas pelos projetos de colonização da Transamazônica (BR-
230), pela abertura das rodovias que ligam os municípios da re­
gião à capital do Pará e à Belém-Brasília, pelas novas grandes
fazendas agropecuárias, pela construção de Tucuruí e das instala­
ções para a extração do minério de Carajás, pela descoberta de
ouro em Serra Pelada, pela inauguração da ferrovia Carajás-
Ponta da Madeira, que tem estação na cidade de Marabá, e pela

205
< r- 1

\- 9. -C /

instalação de empresas siderúrgicas, foram as grandes responsá­


veis pelo acelerado crescimento populacional do município de
Marabá, como podemos apreciar na próxima tabela. Tais dados
ainda seriam mais espetaculares se incluíssemos os habitantes dos
novos municípios que foram sendo criados nos últimos anos, cujo
território pertencia anteriormente ao município de Marabá.

3.1. Conflitos pela Terra

A extremada concentração da propriedade da terra exis­


tente no Sudeste do Pará obrigou as centenas de famílias campo­
nesas chegadas a essa região a ocupar, como posseiros, áreas
formalmente reservadas à coleta de castanha e/ou a fazendas
agropecuárias. Em Marabá, por exemplo, 84% da área rural
cadastrada estava, em 1980, nas mãos de 221 estabelecimentos
com área superior a 1.000 hectares.82 As oito propriedades ex­
cepcionalmente grandes (maiores de 10 mil ha), que existiam em
1985 no atual território do município de Marabá (15.157 km2),83
reuniam um total de 185.806 hectares, e 40 5.1 20 ha eram ocu­
pados pelas 142 propriedades muito grandes (1.000 a 10.000
ha). As propriedades excepcionalmente grandes e as muito gran­
des concentravam 70% das terras rurais sob domínio privado no
município (842.294 ha).
A violência empregada para expulsar os posseiros foi a cau­
sa principal que levou os municípios do Sudeste do Pará a se con­
verterem, desde início dos anos 1980, no cenário do maior número
de conflitos agrários e assassinatos de posseiros e suas lideranças
sindicais ocorridos no Brasil, parte dos quais aconteceram em
Marabá, que é um dos municípios onde existe uma das mais altas
concentrações da propriedade da terra do país. Segundo dados do
Idesp, do total de 630 conflitos agrários ocorridos no Sudeste do
Pará no período de 1960 a 1993, 3 deles aconteceram na década
de 60 (0,5%), 37, nos anos 1970 (5,8%), 422 deles, na década de
80 (67,0%) e 168, entre 1990 e 1993 (26,7%). Do total de 603

206
Tabela 25
Marabá -População total, urbana e rural: 1940-1995
Ano Área (km2) Total Urbana Rural

1940 81.691 12.553 4 .02 7 8 .52 6

1950 5 9.7 42 * 11.130 4 .92 0 6 .210

1960 (*) 5 9.742 2 0.089 8.772 11.317

1960 (**) 3 7.3 73 14.280 8.342 5 .93 8

1970 3 7.373 24.474 14.585 9 .889

1980 37.373 5 9.915 4 1.6 57 18.258

1985 3 7.3 73 152.044 109.419 4 2.625

1991 " 15.157 122.231 102.364 19.867

1995 15.157 186.526 156.743 2 9.783


Fonte: IBGE, Censos Demográficos do Pará, 1940, 1950, 1960 e 1970;
dados 1980 e 1985, OASPUC, Plano Diretor de Desenvolvimento Integra­
do do Município de Marabá, Belém, 1988 (4 vols.), apud Tourinho (1991),
p. 157, 168 e 4 15; dados 1991, IBGE, Sinopse Preliminar do Censo
Demográfico de 1991 — Pará; dados 1995, projeção elaborada pela S e­
cretaria Municipal de Planejamento de Marabá com base na taxa de cresci­
mento anual a partir de 1991 (11,2% ).
* População de Marabá, Santa Isabel do Araguaia e São João do Araguaia.
** Som ente população de Marabá.

conflitos desse período, 101 ocorreram no município de Marabá,


71, em Conceição do Araguaia e 60, em Xinguara.84
Nos últimos anos do Regime Militar e nos primeiros da
Nova República, o governo federal não abandonou a política de
incentivos fiscais destinada a favorecer o incremento do número
de grandes latifúndios na Amazónia. Entre seus efeitos pode-se
apontar o incremento dos conflitos pela terra entre as diferentes
“frentes de expansão na área de fronteira” . Até finais dos anos
70, a maioria dos conflitos agrários no Brasil aconteceu nas regi­
*

ões Sul, Sudeste e Nordeste. Posteriormente, tiveram como prin­


cipal cenário os territórios da Amazónia Legal, sobretudo o Pará,
estado onde ocorreu o maior número, de conflitos agrários e de
assassinatos de trabalhadores rurais e lideranças sindicais do Bra­
sil desde início dos anos 80. Em 1991, o padre Ricardo Rezende
informava que das 1.603 mortes de trabalhadores rurais e de
líderes sindicais, políticos e religiosos ocorridas no Brasil, entre
1964 e 1990, 503 aconteceram nos municípios paraenses.8”
No IV Congresso da Contag, realizado em 26 de maio de
1985, o presidente da República, José Sarney, comprometeu-se,
diante de mais de 5 mil trabalhadores rurais, a iniciar a esperada
reforma agrária. Nesse ano, o Ministério da Reforma e do Desen­
volvimento Agrário (Mirad) calculou em 12 milhões o número de
lavradores sem terra.86 No esboço do Plano Nacional de Reforma
Agrária (PNRA), a proposta era assentar 300 mil famílias por
ano no decénio 1985-1995. Depois de ser modificado doze vezes,
o projeto foi finalmente apresentado no dia 19 de outubro de
1985. O objetivo tornara-se então assentar 110 mil famílias, nos
4 milhões 620 mil hectares a serem desapropriados, até o final
daquele ano e no seguinte; entretanto:

“Em janeiro de 1987 haviam sido desapropriadas, por


decreto, 256 áreas, correspondendo a 1.558.949 ha
[...]. Mas, na realidade, só tinha havido emissão de
posse para 101 áreas que cobriam cerca de 521.000
hectares de terras já habitadas por lavradores. E só
foram assentadas, aproximadamente, 10 mil famílias
[:..]. Além desses resultados medíocres, a Reforma Agrá­
ria foi enterrada de vez com o Decreto 2 363, de
novembro de 1987,87 que, além de extinguir o INCRA
[...] acabou com qualquer esperança de se realizar a
reforma agrária neste país.”88

Nem José Sarney, nem a maioria das lideranças dos parti­


dos da Aliança Democrática (PMDB-PFL), tiveram vontade polí­
tica de tocar nos interesses dos grandes proprietários de terra. Se
Colin Henfrey já havia assinalado que o PMDB estava se tornan­
do prisioneiro de interesses agrários constituídos,89 que dizer do
PFL, surgido dos coronéis nordestinos? A Campanha Nacional de
Reforma Agrária (CNRA), coordenada pelas organizações sindi­
cais Contag, CUT, CGT e MST, que visava exercer pressão sobre
os membros da Assembléia Nacional Constituinte, não conseguiu
fazer mudarem de posição os deputados e senadores de direita e
centro-direita, majoritários na Constituinte. Antes disso, um gru­
po de fazendeiros, para fazer frente à luta pela terra e à reforma
agrária reivindicada pelos trabalhadores rurais, fundaram (no
mesmo mês e ano em que Sarney fizera suas promessas no Con­
gresso da Contag) a União Democrática Ruralista (UDR).
A UDR não se limitou a defender suas teses entre os parla­
mentares e nos meios de comunicação de massa, mas converteu-se
na principal instigadora da violência contra os trabalhadores rurais
e suas lideranças: “A entidade passou a atuar em dois campos: o
político-militar e o político-parlamentar [...] organizaram forças
paramilitares [...] eliminando de forma seletiva as lideranças do
movimento camponês 90 Em 1987, segundo dados da própria UDR,
a entidade tinha 200 organizações distribuídas por 19 estados, so­
mando 23 0 mil sócios e cerca de 60 deputados federais constituin­
tes favoráveis aos seus interesses. As principais lideranças da UDR
no Pará eram fazendeiros de Paragominas, município no qual resi­
diam três dos membros de sua direção nacional.91
Um informe do Instituto de Desenvolvimento Econômico-
Social do Pará (Idesp), publicado na revista Pará Agrário, relata
que, entre finais da década de 60 até 1988, ocorreram no Pará
529 mortes relacionadas aos conflitos agrários, 426 das quais de
trabalhadores rurais, a maioria posseiros, 17 dirigentes sindicais
e 41 pistoleiros.92 Apesar de os dados fornecidos pelas diversas
fontes sobre o número total dos assassinatos serem, no geral,
contraditórios, isso não reduz, de forma alguma, a dramaticidade
das cifras. Os anos de 1985, 1986 e 1987, teriam sido aqueles
em que ocorreram o maior número de mortes no Pará: 101, 129
e 81, respectivamente (segundo dados do Idesp).
Nos anos transcorridos da década de 90, o Pará foi, mais
uma vez, o estado brasileiro onde ocorreu o maior número de

209
assassinatos decorrentes dos conflitos pela terra. A maioria dos
assassinatos no Pará aconteceu nas microrregiões do Araguaia,
Guajarina e Marabá. Rio Maria (Araguaia) foi, entre os municípi­
os brasileiros, o que teve maior número de conflitos agrários e
mortes deles decorrentes, tendo sido os posseiros e líderes do STR
(Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e do PCdoB as principais
vítimas dessa violência. Também em represália à luta que empre­
endiam em favor dos trabalhadores rurais, foram assassinados
duas das principais lideranças políticas da esquerda paraense des­
de os anos 70, os advogados Paulo Fontelles (PCdoB), em junho
de 1987, e João Carlos Batista (PSB), em dezembro de 1988.93
O pior massacre contra camponeses ocorrido no Brasil
nas últimas décadas aconteceu no município de Eldorado do
Carajás, no dia 17 de abril de 1996, quando foram assassinados
pela Polícia Militar do Pará 19 trabalhadores sem terra e 50
ficaram feridos. Nos governos de José Sarney, Fernando Collor
de Mello e Itamar Franco, enquanto se deteriorava o sistema de
saúde e a educação pública e a distribuição da renda per capita
se mantinha em níveis escandalosos,94 o Brasil continuou sendo
um dos países com pior distribuição de terras privadas no mun-,
do,95 com mais de 65% da população rural vivendo abaixo da
linha de pobreza, tendo uma renda mensal inferior a 25% do
salário mínimo.96
Frequentemente, sobretudo nos meios de comunicação
de massas, os conflitos e a violência presentes nas áreas rurais
da amazônia Legal são apresentados como se fossem o custo
inevitável da “modernização do campo na fronteira agrícola” .
Uma espécie de faroeste à brasileira, do qual também estaria
ausente o Estado que poderia, com sua ação mediadora, evitar
os conflitos pela terra. Contudo, não é a ausência ou “neutrali­
dade” do Estado aquela que determina a “lei da selva” nas
áreas rurais da Amazônia. Ao comtrário, como explicita Alfredo
Tabela 2 6
Número de conflitos agrários: 1980-1990
N° de
Amazónia Pessoas
Ano Pará Brasil
Legal* atingidas no
Pará

1980 84 299 - -

1981** 20 53 - 3 .3 6 6

1982 39 111 - 9 .03 8

1983 27 122 - 13.587

1984 53 249 - 16.842

1985. 78 3 06 636 64.385

1986 80 250 634 3 1.8 84

1987 58 296 582 5 2.957

1988 88 247*** 621 14.185

1989 66 204 500 12.237

1990 55 163 401 2 2.065


Fonte: Relatórios dos Conflitos Agrários do CPT, apud Alfredo Wagner B.
Almeida, Conflito e Mediação... p. 99-1 77.
* Os dados referentes a Goiás e Maranhão, por não estarem especificados
nos relatórios da CPT, foram incluídos na Amazónia Legal.
** Agosto a dezembro de 1981.
*** A partir de 1988, o território de Goiás pertencente à Amazónia Legal
passa a corresponder ao novo Estado do Tocantins.
Tabela 27
Número de mortes'decorrentes dos conflitos agrários no
Brasil e no Pará: 1971-1993

Período Brasil Pará

1971-1974 92 29

1975-1979 237 45

1980-1984 499 100

1985-1989 641 361

1990-1993 - 67

Fonte: Carlos Silveira et al., O campo quer paz, p. 9; IDESP Pará Agrário, n°
6-7, p. 43, e ed. especial Conflitos Agrários, p. 45-56; O Liberal, 2 7 .6 .9 4

Wagner Berno de Almeida, o mais notório pesquisador dos confli­


tos agrários ocorridos na Amazônia Legal nas últimas décadas,
tem-se na região:

“[...] uma ação geral do Estado, que, além de impor


medidas rígidas de controle social a índios e posseiros
no acesso formal à terra, faculta vantagens creditícias,
incentivos fiscais e concessões de extensas glebas a grupos
empresariais a pretexto de racionalidade económica
[...]. A generalização da violência na fronteira não é
[...] contingente, constituindo-se num dado de estrutu­
ra, essencial a este tipo de desenvolvimento capitalista.
A anuência a esta assertiva permite que se fale numa
modernização de caráter autoritário, que inova con­
servando, como pressuposto para uma reflexão sobre
a ação governamental na Amazônia nas décadas men­
cionadas. ”97
Certamente, o Estado favoreceu a ampliação dos latifúndios
na Amazónia e a expulsão “legal” — mediante a violência direta ou
a tolerância para com a violência praticada por fazendeiros e
madeireiros — dos camponeses e povos indígenas das terras que
ocupavam. Mostra disso é que, até 1990, nenhum dos mandantes
dos assassinatos de trabalhadores rurais e seus líderes no Pará
tinha sofrido qualquer condenação e somente um dos pistoleiros
que os cometeram foi julgado como culpado.98 Em abril de 1994,
a mobilização contra a violência dos fazendeiros e a omissão das
autoridades judiciárias iniciada pelos STRs, parlamentares dos
partidos de esquerda e entidades de direitos humanos nacionais e
internacionais resultou na condenação do pistoleiro José Ubirajara
a cinquenta-anos de prisão pelo assassinato, em abril de 1990,
dos irmãos Paulo e José Canuto, filhos do presidente do STR de
Rio Maria (Sudeste do Pará), João Canuto, assassinado em
1 9 8 5 ." Também corre na Justiça o processo contra os policiais
militares que participaram do massacre de Eldorado do Carajás.

4 . Auge e decadência política da fam ília M utran

Ao serem extintos a Arena e o MDB, os Mutran, seguindo


Jarbas Passarinho, ingressaram no PDS. Enquanto Plínio Pi­
nheiro Neto, como fizeram outros membros da Arena afinados
politicamente com o então governador do Pará, Alacid Nunes,
ingressou no PTB. Também ingressaram no PDS o major Curió
(eleito deputado federal em 1986), que controlava a extração de
ouro em Serra Pelada, e o ex-prefeito Haroldo Bezerra. Nas
eleições de 1982 e 1986, a principal disputa eleitoral nos muni­
cípios da microrregião de Marabá estabeleceu-se entre os que
apoiavam as candidaturas para deputado estadual de Haroldo
Bezerra, Plínio Pinheiro Neto ou Aziz Mutran (em 1982) e Nagib
Mutran Neto (PDT) (em 1986). Haroldo Bezerra foi o único
deles que foi eleito em ambos os pleitos eleitorais (em 1986 pela
legenda do PMDB).100

91 ^
Em 1985, o município de Marabá, deixa de ser caracteri­
zado como Area de Segurança Nacional, permitindo que os elei­
tores tivessem novamente a possibilidade de escolher seu prefeito.
O vencedor desse pleito eleitoral foi Hamilton Bezerra (PMDB),
que obteve 11.185 votos contra 3.683 de seu principal concor­
rente ao mandato de prefeito, o ex-deputado estadual Osvaldo
(Vavá) dos Reis Mutran, candidato do PD S.101 Para derrotar a
principal família oligárquica do município, Hamilton Bezerra con­
tou com o apoio do governador do Pará, Jader Barbalho (1983-
1986), e de boa parte das lideranças dos movimentos sociais,
sindicatos e partidos progressistas do município.
Contrariamente ao que se poderia esperar dos resultados
das eleições realizadas em Marabá em 1982, 1985 e 1986 e da
incorporação, no total de eleitores do município, de pessoas não
vinculadas às atividades económicas dos Mutran, nas eleições de
1988 e 1990, os descendentes do ex-prefeito de Marabá e deputa­
do estadual, Nagib Mutran, conseguiram sua melhor performance
político-eleitoral nesse município desde que optaram, a partir dos
anos 1950, por tentar ocupar os espaços político-institucionais
para consolidar e ampliar seu poder económico. Em 1988, Nagib
Mutran Neto (PDT) foi eleito prefeito de Marabá, seu tio, Guido
Mutran, vereador e, dois anos depois, Vavá Mutran, seu pai, de­
putado estadual.102
Por mais difícil que seja avaliar as causas dessa reviravolta
política em Marabá, talvez alguns elementos nos proporcionem
subsídios para sua compreensão. Além da administração de Ha­
milton Bezerra que foi considerada “desastrada” e do fato de
Nagib Mutran Neto ser um “cara novinho, médico recém-forma-
do e [que] trabalhou fora do esquema familiar” (Depoimento de
Haroldo Bezerra), o que facilitou o apoio à sua candidatura por
parte de profissionais liberais e alguns comerciantes do município,
seguramente outros fatores tiveram igual ou maior importância
no resultado das urnas.
Segundo diferentes depoimentos e fontes consultadas, o
fato de que, desde 1985, a juíza de Marabá fosse Ezilda Pastana,
casada com Osvaldo Mutran Júnior, favoreceu o apoio à candida­
tura dos Mutran por parte dos novos fazendeiros do sul, alguns
dos quais participavam da União Democrática Ruralista (UDR) e
outros que aguardavam resposta judicial sobre a validade da com­
pra de suas propriedades ou a reintegração da posse das fazendas
ocupadas por trabalhadores rurais.103 A família Mutran controla­
va o Sindicato Rural de Marabá com o qual os membros da UDR
não mantinham, até então, digamos assim, uma relação muito
amigável. Seja como for, o fato é que a UDR fez campanha em
favor da candidatura de Nagib Mutran Neto, organizando, inclu­
sive, alguns leilões de gado para recolher fundos para a mesma.
Outro aspecto que seguramente contribuiu para a vitória dos
Mutran foi sua aproximação com o ex-governador e então ministro
Jader Barbalho. Essa aliança foi se construindo poucos meses antes
das eleições de 1988, quando o Mirad, no momento em que Jader
Barbalho era seu máximo responsável, adquiriu, no denominado
Polígono dos Castanhais do Tocantins, 58 castanhais com título de
aforamento (219.462 ha no total), 38 dos quais eram “proprieda­
des” de diferentes membros da família Mutran, somando 135.679,9
hectares. Além desses imóveis, adquiridos a Cz$ 10.000 (cruzados) o
hectare, o Mirad desapropriou também outros três imóveis com títu­
los definitivos de propriedade da firma Benedito Mutran e Cia. Ltda.,
15.549,9 ha comprados a Cz$ 13.979,24 o hectare.104

“Em 1988 [...], disputei a candidatura de Marabá para


prefeito pelo PMDB e aí eu perdi a eleição para o Nagib
Mutran [...]. O Jader apoiou o Nagib [...], não apoiou o
candidato do PMDB, não veio durante a campanha, nem
a participar dos comícios [...]. Depois eu permaneci no
PMDB mas não vinculado a ele [Jader] [...]. A imagem
que o Jader passou no início quando a gente começou a
trabalhar, era uma imagem progressista, uma imagem
de cara sério [...]. Meu raciocínio é que um cara é bom
até que ele me deve[...].” (Depoimento de Haroldo Be­
zerra)105

215
Entretanto, o depoimento do vereador Maurino Magalhães
de Lima (PMDB)106 nã© coincide com o de Haroldo Bezerra:

“Em 88 não havia aliança entre o Jader e os Mutran.


O Haroldo achava que já existia aliança, mas não es­
tava. Naquela época o Jader investiu no Haroldo. Nós
perdemos, mas não teve o dedo do Jader. A aliança do
Jader com os Mutran foi após da eleição do Nagib
[...]. O Nagib prefeito, com uma votação expressiva
em Marabá, então eles acharam melhor se aliar [...].
Aí quando o Jader começou a atender ao Nagib, aí
houve a ciumada, porque já havia uma divergência
muito longa, desde 70, entre os Mutran e Bezerra, aí
o Haroldo não se sentiu bem estar no mesmo partido
que os Mutran estavam e aí saiu. Tanto que o Haroldo
saiu do PMDB alguns meses depois das eleições [...].
Eu posso achar até que o Jader pode até ter esfriado,
em recursos, alguma coisa assim [...].” (Depoimento
de Maurino Magalhães de Lima)107

Esse depoimento não pressupõe qualquer mostra de simpatia


de Maurino Lima a respeito dos Mutran, família que hoje controla o
PMDB em Marabá. Vejamos outro trecho do seu depoimento:

“Os Mutran sempre foi [sic] oposição do PMDB. Mas,


quando o Nagib foi prefeito [...], então aí houve as
negociações políticas, e aí o Jader começou articular
em Marabá, tinha eleições para governador, e os Mutran
propôs a apoiar o Jader para o governo. E, com esse
apoio, eles filiaram no PMDB. Mas eu vejo que eles
não têm nada de PMDB, eles têm [...] a confiança
com o Jader [...], eles não são peemedebistas, eles são
Jader. Mas eles são PMDB porque estão filiados [...].
Não têm Diretório, têm só Comissão Provisória que
está restrita a eles [...]. Eles são meus amigos, não

216
tenho nada contra eles, mas eu vejo, estou falando
com o questão de partido, não vejo que eles são
peemedebistas [...], como um PMDB autêntico, eles
são jaderistas [...]. O Jader abraçou a eles como ami­
gos [...]. Eles vêm de uma situação de oposição ao
PDMB [...]. Lá,»em Marabá mesmo, nós, quando ia
[sic] reunir, a gente tinha que reunir escondidos. Até
mesmo por causa dos Mutran, nem só os Mutran, mas
toda aquela cúpula política da região era contra o
PMDB. Também na época da guerrilha em Marabá,
tudo era contra o MDB. Falavam que o MDB era sub­
versivo, comunista... Quantas vezes a gente teve que
ceunir num lugar escondido... O PMDB veio a se li­
bertar mais em Marabá a partir de 1986 em diante.
Mas, até 86, a gente era muito oprimida. Então eu
não acredito numa mudança, assim, tão rápida, muito
rápida... ou é interesse?.” (Depoimento de Maurino
Magalhães de Lima)

Otaviano de Souza, que também abandonaria o PMDB


em 1989 por não concordar com o apoio de Jader Barbalho aos
Mutran, permanecendo áté hoje sem filiação partidária, mas vin­
culado politicamente a Haroldo Bezerra, conta:

“O PMDB foi um dos maiores partidos aqui (Marabá).


Nós tínhamos aqui [...] catorze mil e tantos filiados
[...]. Foi duro para crescer [...], como medo assim de
tudo. E o Jader Barbalho, a gente tinha, assim, uma
coisa, era assim um líder, uma experiência que a gen­
te tinha no homem, e terminou nos traindo e depois
ele era contra os Mutran, e depois ficou a favor dos
Mutran, e pronto [...]. Aí, o Jader terminou criando
a intervenção do partido aqui [...]. Mas o. Jader que­
ria entregar o PMDB [...]. Então essa é a mágoa que
nós temos do Jader é isso, que ele era contra os
Mutran, contra tudo, e depois ficou a favor deles.”
(Depoimento de Otaviano Alves de Souza)108

A aliança entre Jader Barbalho e os Mutran deve relacio-


nar-se, certamente, à disputa pela controle do novo partido no
poder no Pará (PMDB) entre Jader Barbalho e Hélio Gueiros, à
qual nos referimos no capítulo anterior. Jader, eleito governador
em 1990, retribuiria o apoio recebido dos Mutran e de outros
setores vinculados à comercialização da castanha, reduzindo, pouco
depois de assumir o mandato, o ICMS para a exportação da
castanha de 13% para 2 ,6 % .109
Os problemas políticos para os Mutran em Marabá come­
çariam ao ser cassado, pela Assembléia Legislativa, o mandato de
deputado estadual de Osvaldo (Vavá) Mutran, no dia 29 de junho
de 1992.110 O motivo da cassação foi o envolvimento, segundo
alguns, e a participação direta, segundo outros, no assassinato em
Marabá do fiscal da Secretaria de Estado da Faz'enda, Daniel Lira
Mourão, no dia 4 de abril de 1992. No dia 10 de novembro desse
mesmo ano, Vavá Mutran foi condenado a nove anos de prisão, a
serem cumpridos em regime fechado.111 Também em 1992, o
presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará ordenou o
traslado forçoso para outro município da juíza de Marabá, Ezilda
Pastana, e, em dezembro do mesmo ano, a Câmara Municipal de
Marabá cassou o mandato do prefeito Nagib Mutran Neto, então
já no PMDB. Desta maneira, no final de 1992, o cenário político
em Marabá já não era o mesmo. Assim o descrevia, em meados
desse ano, o vereador de Marabá, Miguel Pernambuco Filho, no
jornal “O Liberal “ de Belém:

“O Vavá Mutran, agora em nome do governador Jader


Barbalho, e com o apoio da juíza Ezilda Pastana, nora
dele, e do prefeito Nagib Mutran, faz e acontece e
ninguém pode dizer nada, porque até a Polícia tem
medo dele.” 112

218
Em 1992, Haroldo Bezerra, derrotado nas eleições de
1988, foi eleito prefeito de Marabá, ao superar, por cerca de 8
mil votos de diferença, ao fazendeiro e ex-deputado estadual Plínio
Pinheiro, candidato que teve o apoio dos Mutran entre outras
famílias e grupos económicos."'3 Resultado eleitoral decorrente da
ampla coligação de forças golíticas, religiosas e movimentos soci­
ais do município, unidos pela vontade de derrotar os Mutran,
família que abrigava alguns membros acusados de serem os prin­
cipais instigadores da violência desatada contra posseiros, lideran­
ças dos STRs, partidos de esquerda da região e outros opositores
políticos e concorrentes económ icos."4

“Eu estava no Amapá, quando [...] houve o assassinato


de um fiscal do qual participou diretamente Vavá
Mutran [...]. E daí que foi feita a frente anti-Mutran.
Nesse caso aí eu entrei como candidato que a frente
apoiou [...]. Teve duas frentes (anti-Mutran), PSDB,
PL, PFL, PST e tinha mais um..., o PTB. A frente
pequena era PSB, PC-do-B, PT e PPS [...]. As duas
frentes [...] trabalhamos juntos.” (Depoimento de
Haroldo Bezerra)

Uma mostra da aliança política sedimentada entre os Mutran


e os senadores Jader Barbalho e José Sarney foi a participação
dessas duas lideranças nacionais do PMDB no principal comício
realizado na cidade de Marabá em 1996 em favor do candidato
dos Mutran à prefeitura municipal. Mas a vitória caberia nova­
mente ao principal bloco dos anti-Mutran, que apresentou como
candidato o médico Geraldo Veloso (P FL),"3 que tomaria posse
no dia Io de janeiro de 1997 após o Tribunal Regional Eleitoral
(TRE) não considerar pertinentes os recursos apresentados pelo
juiz de Marabá e o PMDB local. No momento de avaliar os resul­
tados das eleições municipais de 1996, não podemos esquecer que
também nessas eleições os Mutran mostraram, mais uma vez, sua
força eleitoral elegendo quatro vereadores (dois deles membros

219
da família). Além disso, Cristina Mutran, candidata a prefeita,
obteve a segunda maior-votação no município, ficando à frente do
candidato do PT, Luiz Carlos Pies, que também obteve uma ex­
pressiva votação.116

“Eles têm força sim [...]. Os Mutran [...], na época da


eleição [...] eles têm seu eleitorado sim. Isso não se
nega, porque tem pessoas dedicadas a eles há muitos
anos [...]. Tem aquele ditado que diz que quem foi rei é
sempre majestade. Eles tiveram muitos castanhais,
muita fazenda, e o nome, àquela coisa...Aí parece que
tudo ajuda né? [...]. Só que o povo não gosta, assim,
do regime, do jeito que eles atuam na política... Mas,
nessa parte deles ter seu eleitorado, eles têm sim. Mas,
não é mais, para dizer assim: Nós vamos mandar...
Mas, a política é, como diz, a arte do saber. Pensar
que sabe tudo e não sabe nada... A política dá muitas
voltas, né?. (Depoimento de Otaviano Alves de Souza)

Assim sendo, e sem pretender fazer qualquer tipo de vaticí:


nio do futuro político de alguns dos membros da família Mutran
que continuam ativos no cenário político de Marabá, pode-se pre­
ver que as alianças políticas estabelecidas no município continua­
rão concentradas, em boa parte, entre os Mutran e seus opositores
ocasionais ou “históricos” (os “anti-Mutran”). Ademais, essa
biporalização favorece as chances eleitorais dos setores
autodenominados de “centro” , quando utilizam os Mutran como
uma espécie de estigma, ou como principal inimigo a ser derrota­
do, tentando, assim, diminuir as chances eleitorais dos partidos de
esquerda ou centro-esquerda no município.
Os Mutran perderam, certamente, junto com as outras
famílias oligárquicas, o monopólio quase absoluto que exerciam
sobre a terra e principais atividades económicas desenvolvidas em
Marabá e em outros municípios do Sudeste do Pará, em decor­
rência das mudanças demográficas, económicas, culturais e políti­

220
cas ocorridas nestes municípios nas últimas décadas, que favore­
ceram a emergência de novos atores políticos. E impossível, por­
tanto, fazer qualquer comparação entre a incontestável hegemonia
que exerceram as Oligarquias do Tocantins no período áureo do
ciclo extrativista da castanha e o poder económico e político que
hoje possuem essas famílias na região Sudeste do Pará. Contudo,
novos rearranjos políticos, entre as elites políticas “marabaenses”
e “paraenses” , poderiam favorecer (como aconteceu, a partir de
1988, com a aliança entre Jader Barbalho e os Mutran), talvez, a
recuperação política ou chances eleitorais, por exemplo, de mem­
bros da família Mutran ou de candidatos por eles apoiados. Coin­
cido, assim, com as pertinentes reflexões de Lúcio Flávio Pinto:

“Quando intervieram na região para nela montar um


enclave económico associado a parceiros internacio­
nais, os militares ali plantaram suas representações
diretas, como o Getat, um grupo executivo de ação
fundiária, o SNI, Curió e outras extensões. O mundo
do passado, que os incomodava, foi colocado abaixo,
não porque se opusessem a eles, mas porque não ti­
nham condições de acompanhá-los [...]. Consolidada a
satrapia federal de Carajás, a ação direta de Brasília
afrouxou e os Mutran retornaram.” 11‘
Notas

1 Utilizo o conceito de oligarquia, que etimologicamente significa governo de


poucos, para definir o grupo de famílias detentoras de grandes propriedades de
terra cuja hegemonia política é exercida, nos seus respectivos territórios de atua-
ção (regional/estadual/local), através de mecanismos que envolvem os níveis po­
lítico, económico, social e cultural. As características específicas das Oligarquias
do Tocantins são decorrentes da importância económica que o controle dos
castanhais passaria a ter, a partir dos anos 1920, para os comerciantes e/ou
lideranças políticas que atuavam na região. A transformação em oligarquias de
alguns desses comerciantes e/du políticos foi facilitada pela influência, ou con­
trole direto, que exerciam nas prefeituras e no governo estadual (instituições
responsáveis pelo arrendamento ou venda das ferras de castanhais), que permitiu
que milhares de hectares de terras públicas passassem às suas mãos, permitindo,
assim, que essas famílias controlassem boa parte da produção de castanha na
região do Tocantins. Para ampliar o conhecimento sobre os diferentes usos que
fazem alguns cientistas sociais do conceito oligarquia, ver as pertinentes reflexões
de Marília Ferreira Emmi e Rosa Acevedo Marin, “Crise e rearticulação das oligar­
quias no Pará", 1996, especialmente as páginas 51 a 5 5.
2 A respeito dos trabalhos que, focalizando sua atenção nas mudanças sócio-
econômicas do sistema político e sistema eleitoral brasileiro, aprofundaram a aná­
lise das disputa políticas no âmbito local, ver, por exemplo, além do clássico livro
de Victor Nunes Leal, Coronelismo, Enxada e Vòfo; O município e o regime
democrático no Brasil, 3 a edição, 1976; Francisco Sales Cartaxo Rolim, Política
nos Currais, 1979; e Ibarê Dantas, Coronelismo e Dominação, 1987. Para um
enfoque desses mesmos aspectos na Amazônia, sobretudo em alguns dos municí­
pios do Sudeste do Pará, além de outras obras citadas neste capítulo, ver Edna
Castro, “Relações de trabalho e relações de poder no Carajás” , 1994; Edna
Castro e Rosa Acevedo Marin, “Estado e poder local; dinâmica das transforma­
ções na Amazônia brasileira” , 1 9 8 6 /7 ; Marcelo Domingos Sampaio Carneiro,
“O Programa Grande Carajás e a dinâmica política na área de influência da ferro­
via: políticas públicas e poder local na Amazônia” , 1995, e Rodrigo Peixoto, The
Making of Political Careers in Southern Pará, Brazil, 1995.
3 Deodoro Machado de Mendonça et al., Viagem ao Tocantins, 198Í5, p. 14.
Viagem ao Tocantins é uma obra apócrifa cuja primeira edição foi publicada em
1927 ou 1928, com a colaboração e, seguramente, por indicação, de Machado
de Mendonça, então secretário geral do Estado do Pará. No livro, relata-se a
viagem realizada por este à cidade de Marabá em 1926 e se recolhem trechos de
alguns dos seus discursos proferidos então nesse município e também em Belém.
4 Cf. Prefeitura Municipal Marabá, Marabá: A História de uma parte da Amazô­
nia, 1984, p. 44.

2 22
3 Um resumo das expedições francesas (séculos XVI e XVII) e portuguesas (sécu­
lo XVII a início do XIX) à região do Tocantins pode ser lido nas obras de Ignácio
Baptista de Moura, De Belém a 5 . João do Araguaia, Vale do Rio Tocantins,
1989 (1* edição 1910), p. 3 31 -3 37 ; e Otávio Velho, Frentes de Expansão e
Estrutura Agrária: Estudo do Processo de Penetração numa Area da
Transamazônica, 1981, p. 16-19 e 24-27.
I! A sua tosca barraca, Franc isco* Coelho deu o nome de Marabá em recordação
da loja de mesmo nome que ele tinha na cidade de Grajaú, no Estado do Maranhão
(Cf. Deodoro Alachado de Mendonça et. al., op. cit., p. 15).
7 Idem.
8 Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 39.
9 Cf. Marília Ferreira Emmi, A Oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais,
p. 19-22. A respeito da Guerra de Boa Vista, ver também Otávio Velho, op. cit.,
p. 29-30.
10 Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 39-40.
11 Apud Marília Ferreira Emmi, A Oligarquia do Tocantins, p. 27.
12 Ainda que a Guerra de Boa Vista (1892-1894), como avaliou Otávio Velho,
fosse expressão das disputas político-religiosas e pelo controle da terra, no âmbi­
to local e estadual, entre setores civis (os coronéis) e religiosos (Igreja Católica e
Maçonaria), a mesma também deve vincular-se aos principais conflitos políticos
que ocorreram no Brasil após a proclamação da República, sobretudo entre os
partidários do marechal Deodoro da Fonseca (presidente da República eleito pelo
Congresso Nacional em fevereiro de 1891) e do marechal Floriano Peixoto, que
assumiria a Presidência do país em novembro de 1891, após ser derrotada pelas
armas a tentativa liderada por Deodoro da Fonseca de dissolver o Congresso
Nacional, contando com o apoio de todos os governadores à exceção do governa­
dor do Pará, Lauro Sodré. Talvez a ajuda económica oferecida por Lauro Sodré
a Carlos Leitão para estabelecer o Burgo Agrícola se justificasse por pertencerem
ambos ao “partido florianista” , sem desmerecer o interesse do governo paraense
em estimular as atividades económicas no Sudeste do Pará sob seu controle,
inclusive para “afirmar o seu domínio sobre os limites litigiosos entre os três
Estados (Pará, Goiás e Maranhão), tendo em vista, agora, especialmente as rique­
zas extrativas vegetais” (Otávio Velho, op. cit., p. 31). Um resumo das disputas
entre os florianistas e os partidários de Deodoro da Fonseca pode ser lido nas
páginas 1 7 0 a l 7 7 d o texto de Maria do Carmo Campello de Souza, “O proces­
so político-partidário na Primeira República” , 1981.
13 Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p.14.
14 Cf. Ignácio Baptista de Moura, op. cit., p. 316.
15 H. D. Lagenest, Marabá. Cidade do Diamante e da Castanha, São Paulo,
Anhembi, 1958, p. 19; apud Helena Lúcia Zagury Tourinho, Planejamento Ur­
bano em Area de Fronteira Económica: O Caso de Marabá, 1991, p. 103.
16 Cf. Deodoro Machado de Mendonça, et. al., op. cit., p. 16-17.
17 Lei Estadual n° 2 .2 0 7 , de 27 de outubro de 1922 (Cf. idem, p. 16 e 25; e
Carlos Fonseca, Sinopse da História dos Municípios do Pará, s.d., p. 130).
18 Cf. Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 22 e 70; e Helena
Lúcia Zagury Tourinho, op. cit., p. 128.
19 A cidade de Marabá está hoje subdividida em três núcleos urbanos: Marabá
Pioneira, Nova Marabá e Cidade Nova.
20 Cf. Helena Lúcia Zagury Tourinho, op. cit., p. 132. Também ocorreram gran­
des enchentes em 1910, 1926, 1947, 1957 e 1974 (Cf. Ana Izabel Pantoja
Firmino - coord. - . Sul e Sudeste do Pará Hoje: Livro Didático Regional, 1996,
p. 125). A respeito das enchentes de 1906, 1910 e 1926, ver também a obra
Viagem ao Tocantins, Deodoro M. de Mendonça et. al., op. cit., especialmente a
página 70. A última grande enchente aconteceu em 1997.
21 Cl'. Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 70.
22 Em 1952, a produção de borracha de Marabá foi de apenas 244 kg (Cf. Catharina
Vergolino Dias, “Marabá - Centro Comercial da Castanha” , Revista Brasileira de
Geografia, n° 4, 1958; apud Otávio Velho, op. cit., p. 46).
23 Cf. Diretoria da Agricultura, Indústria e Comércio, Belém, 1934; apud Rosa
Acevedo e Edna Castro, Negros do Trombetas, 1993, p. 112. Os ouriços, que
pesam em média de 4 00 a 700 gramas e medem entre 8 e 15 centímetros de
diâmetro, contêm entre 8 e 24 nozes (castanhas). Após ser exposta a castanha
não descascada à evaporação ambiente, um hectolitro de castanha chega a pesar
entre 47 e 51 quilos (Cf. Idesp, Diagnóstico do Município de Marabá, 1977,
p. 154).
*4 A respeito do uso do sistema de aviamento na coleta e comercialização- de
castanha, ver Otávio Velho, op. cit., p. 63-65. Em 1935, segundo dados forne­
cidos por Júlio Paternostro: “[...] o apanhador de castanha recebia 10$000 pelo
hectolitro de castanha, o comerciante vendia ao exportador por 5 8 $ 0 0 0 e este
por sua vez vendia para o exterior por 1 0 0 $ 0 0 0 ” (Paternostro, Viagens ao
Tocantins, 1945; apud Otávio Velho, op. cit., p, 65).
2j Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p.43-44. Para melhor co ­
nhecimento dos serviços de entressafra realizados nos castanhais, do processo de
colheita e beneficiamento primário, transporte, armazenamento e comercialização
da castanha, ver Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 42-45;
Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 7 0 -7 4 e 177-182; e Marília Ferreira
Emmi, A Oligarquia do Tocantins, pp. 70-75. A respeito da descrição sobre os
tipos de castanheiras (Bertholletia excelsa) existentes na Amazônia brasileira, ver,
por exemplo, Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 41-42 ; e
Amílcar Tupiassu e Niomar Oliveira, A Castanha do Pará: Estudos Preliminares,
1967, p. 5-8.
26 Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 1 7, 27, 3 9 e 56.
27 Marília Emmi, A Oligarquia do Tocantins, p. 77.
28 Cf. Marília Ferreira Emmi, A Oligarquia do Tocantins, p. 77-78 e Deodoro

994
Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 39-40 e 56-58. Além de João Anastácio
de Queiroz, que possuía três embarcações com motor a gasolina, segundo a relação
de comerciantes publicada no livro Viagem ao Tocantins, e de Martinho Mota que
também tinha três embarcações, outros oito comerciantes possuíam em 1927 dois
barcos cada: Uady Moussalem, Salim Moussalem, José Chamon, Kalil Mutran,
Anísio Ferreira, José Raymundo de Souza, Calixto Iagry e Vicente Antonio Filho
(Cf. Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 39-40 e 56-58).
29 Não temos dados referentes as atividades económicas desenvolvidas no municí­
pio por um dos vogais: José Inocente Ferreira Júnior.
1,0 Cf. Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 28 e 38-40.
31 Otávio Velho, op. cit., p. 41.
32 Otávio Velho, op. cit., p. 58.
33 Entrevista concedida ao autor em Marabá, 2 9 /1 2 /9 6 . Otaviano Alves de Sou­
za, filiado ao PSD em início dos anos 60, foi um dos fundadores do PMDB no
município de Marabá.
34 Cf. Marília Ferreira Emmi, A Oligarquia do Tocantins, p. 83. Veja-se também, a
esse respeito, o capítulo Io da tese de doutorado de Rodrigo Peixoto, op. cit.
33 Entrevista realizada por Marília Emmi no dia 2 0 /0 8 /8 0 (M. Emmi, A Oligarquia
do Tocantins, p. 93).
3,5Ver Fábio Carlos da Silva, “Poder económico e política fundiária no Pará” , p. 4;
e Idesp, “A era da concentração de riquezas”, 1992, p. 11.
•’7 Creso Coimbra, A Revolução de 5 0 no Pará, 1981, p. 273.
38 Cf. Suranjit Saha, “Industrialização e mudança social na área de Marabá —
Carajás na Amazônia Oriental Brasileira” , 1997, p. 112.
3i) Cf. Otávio Mendonça, “Deodoro de Mendonça — Um perfil político” , 1989,
p. 20.
4H Idem, ibidem, p. 20.
41 Em 1930, o único partido que tinha influência em Marabá era o Partido
Republicano Federal (PRF), partido no qual Deodoro Machado de Mendonça
era uma das principais lideranças. Fundado no Pará em 1897 por iniciativa do
governador Lauro Sodré, que exerceu esse mandato entre 1891-1897 e 1917-
1921, o PRF hegemonizou o governo paraense no período de 1917 a 1930.
42 Cf. Ricardo Borges, Vultos Notáveis do Pará, 1986, p. 297.
43 Cf. Marília Ferreira Emmi, A Oligarquia do Tocantins, p. 90 e 92.
44 Deodoro Machado de Mendonça, após ser eleito pela oitava vez deputado
federal em 1958, deixou de participar ativamente no cenário político paraense e
nacional a partir de 1964, falecendo em 1968, quando estava prestes a comple­
tar os 80 anos (Cf. Otávio Mendonça, op. cit.).
45 Ricardo Borges, op. cit., p. 287.
46 Zacarias de Assumpção obteve em Marabá 1.347 votos e Magalhães Barata,
1.303 (Cf. O Liberal, “A política e as eleições em duas décadas republicanas do
‘ciclo’ de Magalhães Barata” , 1982, p. 9).

225
48 Ver, a esse respeito, o livro deMarília Ferreira Emmi, A Oligarquia do Tocantins,
p. 96-98.
49 Suranjit Saha, op. cit., p. 112.
50 Do total de 2 52 títulos de aforamento concedidos pelo governo estadual entre
1955 e 1966, que representavam cerca de 8 9 8 .0 0 0 hectares de terras públicas,
168 deles foram outorgados ao município de Marabá (Cf. Marília Ferreira Emmi,
A Oligarquia do Tocantins, p. 104 e 109; e Suranjit Saha, op. cit., p. 112). ,
O governo do Pará recebeu, no exercício de 1959, Cr$ 7 9 8 .8 6 4 pelo arren­
damento de castanhais e Cr$ 7 7.9 90 pelo arrendamento de áreas de seringais.
Maiores foram os benefícios recebidos dos impostos de exportações desses dois
produtos durante 1958 e 1959, mais de Cr$ 3 3 ,8 milhões pela castanha e 2 1 ,9
milhões pela borracha (Cf. Luís Geolás de Moura Carvalho, Mensagem Apresenta­
da à Assembléia Legislativa em sua Reunião Ordinária de 1960, pelo General
Luís Geolás de Moura Carvalho, Governador do Estado, 1960).
32 Cf. depoimento de Otaviano Alves de Souza, Marabá 2 9 /1 2 /1 9 9 6 .
Nagib Mutran, dos quatro deputados estaduais que a UDN elegeu, no Pará,
nessas eleições, foi o que obteve o maior número de votos: 4.281 (Cf. O Liberal,
“A política e as eleições em duas décadas republicanas ”, op. cit., p. 9.).
34 Nagib Mutran teve seu mandato cassado pelos mesmos motivos pelo quais os
militares cassaram, em junho de 1964, o mandato do governador do Pará e o do
prefeito de Belém. Sem entrar no mérito da veracidade das acusações contra
Nagib Mutran, certamente sua cassação também foi influenciada pela sua aproxi­
mação, após assumir o mandato de deputado estadual, com o governador Aurélio
do Carmo e outras lideranças do PSD.
05 Pedro Marinho de Oliveira, dono de castanhais e fazendeiro, era cunhado do
ex-intendente de Marabá, João Anastácio de Queiroz.
5B Em 1962, o filho de Nagib, Osvaldo (Vavá) Mutran, vereador de Marabá no
período de 1954 a 1958, foi eleito, por sufrágio universal, o primeiro prefeito
de São João do Araguaia, município que foi recriado em 1961. Nesse mesmo
ano, foi também desmembrado de Marabá o distrito de Jacundá. Nova perda
territorial de Marabá que se somava à ocorrida em 1947 quando o também distri­
to de Itupiranga foi transformado em município. Vavá Mutran permaneceria no
cargo de prefeito de São João do Araguaia até concluir, em 1966, seu mandato
eletivo.
57 Segundo recordava Jarbas Passarinho em 1984, fazendo referência à sua
primeira viagem a Marabá após assumir o mandato de governador (1964), ele já
conhecia o prefeito Pedro Marinho de Oliveira do tempo em que era oficial do
Estado-Maior do Comando Militar da Amazónia, do qual "me tornaria um amigo
constante e de quem recebi por toda a sua vida as provas mais definitivas de
lealdade" (Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 7).
58 “Política”, Observador Amazônico, ano IV n° 35, Belém, 1981, p. 6.

226
59 Formalmente, pois a lisura dos pleitos eleitorais realizados no município de
Marabá sempre foi questionada por setores da oposição e até pelas famílias
oligárquicas que foram derrotadas num ou noutro pleito eleitoral realizado antes,
durante e após o fim do Regime Militar.
60 Gerson Peres, A Vitória de Todos Nós, s.d., p. 64-65.
(il Cf. Assembléia Legislativa do Estado do Pará, Biografia dos Deputados, 9a
Legislatura - 1 97 9 /1 9 8 3 , 1980* p. 40.
62 Cf. idem, ibidem, p. 17.
03 Elmano Melo, antes de assumir o cargo em Marabá, tinha sido secretário da
Prefeitura de Castanhal e, depois, interventor no município de Santarém (Cf. “Elmano
implantou trabalho e progresso em Marabá", Revista dos Municípios, ano I, n° 2,
Belém, 1972, p. 13).
64 “Pedro Marinho reassume comando”, Revista dos Municípios, ano II, n° 11,
Belém, março/abril de 1973, p. 16.
IM Entrevista concedida ao autor em Marabá, 2 8 /1 2 /9 6 . O depoimento de
Haroldo Bezerra contrasta com a interpretação que Marília Emmi fez da sua
indicação. Segundo essa autora, a nomeação de Haroldo Bezerra para o cargo
de prefeito de Marabá, e também a de Elmano Melo, mostraria, ao estar ambos
“desvinculados de grupos locais” , a “perda da influência direta da oligarquia na
política local” (M. Emmi, A Oligarquia da Castanha: Crise e reariiculação, 1989,
p. 141-142). Não me parece que as palavras de Haroldo Bezerra confirmem
essa análise. Considero mais adequado avaliar a mesma, sem esquecer o interesse
de determinados “tecnocratas” e militares que também influenciaram a escolha de
Haroldo Bezerra pelo governo federal para o cargo de prefeito, como mais uma
resposta das oligarquias locais aos “novos tempos” com o intuito de continuar
controlando, ainda que fosse de maneira indireta, a prefeitura de Marabá. Inclu­
sive, neste caso concreto, pareceria que o deputado Plínio Pinheiro, com sua
viagem a Rio Branco destinada a “convencer a Haroldo” , objetivasse, no contexto
dos conflitos entre as diversas famílias oligárquicas, que o novo prefeito tivesse
com ele “uma dívida de gratidão” . Plínio Pinheiro Neto e Aziz Mutran Neto,
eleitos em 1978, eram os dois únicos representantes do Sudeste do Pará na
Assembléia Legislativa. Mais um dado para avaliar que a “crise da oligarquia” , no
plano político-eleitoral, estava ainda longe de acontecer.
60 Cf. Mikel Aramburu, O Poder Dialógico: Etnografias sobre relações de trabalho
na Amazônia, 1992, p. 2 57-258. No quinquénio 1 9 6 1 /1 9 6 5 , 4 9 ,1 % da cas­
tanha produzida no Pará procediam do município de Marabá. O total da produ­
ção de castanha dos municípios da região do Itacaiúnas-Tocantins representou,
nesse mesmo período, 72,4% da produção paraense. Os municípios do Baixo
Amazonas contribuíram com cerca de 2 0 % do total, destacando-se, entre os
municípios dessa região, a coleta de castanha em Alenquer, 5,6^6 do total da
produção paraense (Cf. Amílcar Tupiassu e Niomar Oliveira, op. cit., p. 29-30).
67 Os dados do total de castanha produzida no Pará são muitos controvertidos.

99 7
Por exemplo, segundo Roberto Santos, o ano de maior produção de castanha no
Pará foi o de 1973, com 3 7 .6 7 5 toneladas (Cf. Roberto Santos, A Economia do
Estado do Pará, 1978, p. 56). Segundo dados levantados pelo IBGE, o total de
toneladas produzidas em 1983 no Pará foi de 2 2 .9 4 4 (Cf. IBGE, Censo
Agropecuário do Brasil, apud Rosa Acevedo e Edna Castro, Negros do Trombe­
tas, op. cit., p. 162). Mas a queda da produção em Marabá a partir dos anos 80
parece ser “consensual” . Segundo o último trabalho citado nesta nota, a produ­
ção de castanha neste município oscilou entre 17.728 toneladas em 1980, e
5 .9 6 9 5 em 1987 (idem).
,1HCf. O Liberal, Belém, 2 3 /0 2 /9 7 . No início dos anos 70, aproximadamente
70% do total da produção de castanha da Amazónia brasileira destinavam-se à
exportação. Em 1975, a castanha contribuiu com 2 1 ,6 % do valor total das
exportações paraenses; em 1989 baixou sua participação percentual a somente
1,08% do total (Cf. Divisão Técnica da Fiepa; apud Luís Flávio Maia Lima.
“Integração regional e ‘enclaves fordistas' no Pará: uma abordagem geral”, 1995,
p. 139); e, nos anos 1995 e 1996, não superaria 1,0% (Cf. O Liberal, “ Pará
reaquece ritmo de exportações”, Belém, 2 4 /8 /9 7 ) .
8fl Cf. Idesp, Diagnóstico do Município de Marabá, 1977, p. 153-154; e Prefei­
tura Municipal de Marabá, op. cit., p. 74.
70 Q ' “ Produção de castanha-do-pará comprometida pekis derrubadas", O Libe­
ral, Belém, 2 3 /1 2 /8 8 . Entretanto, a exportação da castanha da Região Norte
para o mercado nacional e, sobretudo, internacional continua, até hoje, mono­
polizada pelas empresas radicadas em Belém.
71 Em 1986, segundo imagens de satélite trabalhadas por técnicos da Sudam e
do Idesp, 4 4,5 % da área do Polígono dos Castanhais (total aproximado de
1 .700.000 ha) já estavam devastados (Cf. Sérgio Fonseca Dias — coord. — ,
Zoneamento Ecológico-Económico, 1991, p. 67).
72 Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 183.
73 Em 1983, que foi o ano de maior atividade extrativa em Serra Pelada, eram
mais de 100 mil os garimpeiros (alguns autores chegam a afirmar que eram cerca
de 3 0 0 mil). Nesse ano foram produzidos 13,713 toneladas de ouro (Cf. João
Figueiredo, Mensagem ao Congresso Nacional do Presidente da República —
1984 — , p. 39). Entre 1980 e 1990, segundo também dados oficiais, foi ex­
traído de Serra Pelada um total de 4 8 ,3 toneladas de ouro (Cf. Armim Mathis,
“Serra Pelada”, 1997, p. 290-291).
74 Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 183.
75 Até final dos anos 1970, a procura de diamantes e de cristal de rocha, inicia­
da, respectivamente, em fins dos anos 3 0 e inícios do 40, eram as principais
atividades mineiras realizadas em Marabá.
76 Cf. Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura de Marabá, Perfil
Sócio-Econômico do Município de Marabá, 1995, p. 21.
77 Em 1980, segundo dados trabalhados por Marília Emmi no Iterpa, os Mutran

228
possuíam nos municípios de Marabá e São João do Araguaia um total de 131.332
hectares de terras de castanhais com título de aforamento, representando quase
4 0% das terras aforadas nesses dois municípios (Cf. Marília Ferreira Emmi, A
Oligarquia do Tocantins, p. 121). .
78 Idem, ibidem, p. 24-27. Em 1970, segundo dados do Idesp, o número total
de cabeças de gado bovino existentes no município era de 6 1 .1 9 0 e 14.130, as
de suínos (Cf. Idesp Informações Políticas e Sócio-Econômicas dos Municípios
Paraenses, 1987, p. 199).
79 Cf. Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura de Marabá, op. cit., p.
3 0 -3 2 .
80 Cf. Idesp, Diagnóstico do Município de Marabá, 1977, p. 2 13 -2 14 ; eSebrae,
Diagnóstico Sócio-Econômico de Marabá - 1995; apud Secretaria Municipal de
Planejamento da Prefeitura de Marabá, op. cit., p. 28-29.
81 Cf. Francisco F. Assis Fonseca, “Siderurgia a carvão vegetal em Carajás: Pro­
blemas e perspectivas”, 1990, p. 58-60.
82 Cf. Rodrigo Corrêa Diniz Peixoto, “Ação cultural e concepção política entre a
Igreja Católica e os camponeses” , 1991, p. 145-6.
85 Os territórios dos atuais municípios de Parauapebas e Curionópolis foram
desmembrados de Marabá em 1988. Em 1991, parte do território de Curionópolis
seria destinado à criação do município de Eldorado do Carajás.
84 Cf. Idesp, “Um balanço da violência no campo”, 1990, p. 57; e Idesp, “Sudes­
te Paraense foi a região mais violenta no ano de 1 98 9 ” , 1989, p. 43-58.
85 Cf. O Liberal, “Crime no campo só condenou um no Pará", Belém, 1 8 /0 2 /
91; e O Liberal, “ Pará: recordes atestados de violência” , Belém, 2 7 /0 3 /9 1 .
86 Cf. Jean Hébette, “A questão da terra”, 1989, p. 125.
87 Segundo Alfredo Wagner, o decreto-lei n° 2 .3 6 3 que extinguiu o INCRA foi
assinado no dia 21 de outubro de 1987 (Cf. Alfredo Wagner Berno de Almeida,
Carajás: A Guerra dos Mapas, 1994, p. 11 7).
88 Avelino Ganzer e Paulo de Tarso Venceslau, “Com palmos medida” , 1988, p. 14.
89 Colin Henfrey, “Onça preta: a formação de um movimento camponês”, 1987,
p. 61.
90 Pedro César Batista, Conivência e impunidade, 1991, p. 50.
91 Cf. idem, ibidem, p. 51; e Páscoa da Costa e Silva, “A organização patronal
responde à mobilização dos trabalhadores”, 1988, p. 121.
92 Idesp, “Um balanço da violência no campo", 1990, p. 39-40. Também, pode-
se consultar na página 43 uma relação dos líderes sindicais dos trabalhadores
rurais paraenses assassinados entre 1964 e 1988.
93 João Carlos Batista, filiado ao MDB desde 1978, militou no MR-8 (Movimen­
to Revolucionário 8 de Outubro) entre 1979 e 1981. Eleito deputado estadual
pelo PMDB em 1986, em outubro de 1987 ingressou no PSB. Seu assassinato
foi encomendado por fazendeiros de Parag,ominas, município no qual Batista
desenvolveu boa parte do trabalho de assessoramento aos trabalhadores rurais

990
(cf. Pedro César Batista, op. cit., p. 18-9 e 28).
94 Em 1993, 9 0% da popylação brasileira detinham 5 2 % da renda per capita,
enquanto apenas 10% respondiam pelos restantes 4 8% (Cf. Folha de S. Paulo,
1 3 /0 2 /9 4 ). Cabe lembrar, ainda, que no período de 1984 a 1993 o valor do
salário dos trabalhadores na indústria caiu a uma média anual de 1,35% (Folha
de S. Paulo, 0 1 /0 8 /9 4 ), e, em 1990, no Pará, por exemplo, 5 0% da popula­
ção economicamente ativa ganhava menos de 1 salário mínimo e 3 8% entre 1 e
3 salários (Cf. “Papo com Almir Gabriel, ‘Eu nunca tive ligações com o Jader ” ,
Boletim Regional do PT, n° 1, Belém, 1990, p. 2).
93 Em 1989, 6 .7 0 0 latifundiários possuíam quase o mesmo número de ha (127
milhões) que 4 .1 6 6 .0 0 0 pequenos produtores (Cf. CUT, Cartilha da Política
Agríco/a, 1989, p. 7).
9(1 Cf. Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT, Caderno de
'leses do II Congresso, s.d., p. 15.
97 Alfredo Wagner B. de Almeida, Conflito e Mediação: Os Antagonismos Sociais
na Amazônia segundo os Movimentos Camponeses, as Instituições Religiosas e o
Estado, 1993, p. 22.
98 Cf. “Crime no campo só condenou um no Pará”, O Libered, Belém, 1 8 /0 2 /9 1 .
99 Cf. Miguel Pressburger, “ Elites dominantes: o Judiciário” , p. 19.
100 Nas eleições de 1986, Haroldo Bezerra obteve um to'tal de 12.797 votos, a
metade deles em Marabá (6.380 votos), Nagib Mutran Neto, 8 .36 0 (6.350 em
Marabá) e Plínio Pinheiro Neto, 5 .822 votos (4.269 deles em Marabá) (Cf. Idesp,
Informações Políticas e Sócio-Econômicas dos Municípios Paraenses, 1987, p.
187-226 e 397-401). •
101 Idem, ibidem, p. 161.
102 Osvaldo dos Reis Mutran (PDS) obteve 12.599 sufrágios. Entre os deputa­
dos estaduais do Pará eleitos em 1990, ele foi o candidato que conseguiu a
segunda maior votação (Cf. Gengis Freire e Ana Rosa Freire - edit. - , Quem é
Quem na Assembléia Legislativa do Estado do Pará, 1992, p. 99).
103 Sobre a participação da juíza Ezilda Pastana nos resultados eleitorais de
1988, ver os comentários de Rodrigo Peixoto, The Making of Political, op. cit.,
nota n° 11, capítulo V p. 191.
104 Todos os 61 imóveis foram adquiridos pelo Mirad por meio de títulos da
dívida agrária. Em meados de 1989, o Senado criou uma CPI para apurar su­
postas irregularidades na emissão desses títulos relativas ao período em que Jader
Barbalho esteve à frente do Mirad (Cf. O Liberal, Belém, 2 4 /0 8 /8 8 ; apud Idesp,
“Painel da situação fundiária através da imprensa diária” , 1988, p. 91). Os da­
dos mencionados nesse parágrafo podem ser consultados em Idesp, “Mudanças
marcaram a reforma agrária no Pará e em todo o país” , 1988, p. 4-6; Rosineide
Bentes, “Reforma agrária nos castanhais do Tocantins: A reforma que não refor­
ma”, 1988, p. 132-134; Jacky Picard, “O clientelismo nas colónias agrícolas do
sudeste do Pará” , 1994, p. 279; Marília Ferreira Emmi e Rosa Acevedo, “De

230
posseiros a assentados: Precariedade das ações fundiárias no Sudeste do Pará” ,
1997, p. 2 51 -2 52 .
105 Em 1989, Haroldo Bezerra abandonou o PMDB e filiou-se ao PSDB, parti­
do pelo qual candidatou-se a deputado federal em 1990 como integrante da
Frente Popular Novo Pará, não alcançando o número de votos necessários para
um novo mandato eletivo. Em 1997, após concluir seu segundo mandato como
prefeito de Marabá (1993-1996) * assumiu, por indicação do governador Almir
Gabriel (PSDB), o cargo de secretário de Obras do governo paraense.
106 Maurino Magalhães de Lima, vereador de Marabá por três mandatos conse­
cutivos (1 9 8 9 -2 0 0 0 ), nasceu no Estado de Espírito Santo. Suas pais migra­
ram para o Sudeste do Pará em 1967, junto com seus oito filhos, quando
Maurino Lima tinha 9 anos de idade, em “busca de terra para trabalhar” . Primeira­
mente afincaram-se no município de Dom Eliseu, até 1971, quando mudaram-se
para o de Abel Figueiredo. Em 1978, Maurino Lima mudou-se para Rondón do
Pará, contratado como gerente de uma fazenda. Foi nesse ano que filiou-se ao
MDB, apoiando a candidatura de Jader Barbalho para deputado federal e Ademir
Andrade para deputado estadual. Em 1982 chegou a Marabá, morando no bairro
da Morada Nova, filiou-se ao PMDB, participando da fundação da Associação de
Moradores nesse bairro, a primeira que fora criada nesse município.
107 Entrevista concedida ao autor em Belém, 2 5 /0 5 /9 8 .
108 Após assumir, em 1991, o mandato de deputado estadual, Osvaldo (Vavá)
Mutran declarou, aos organizadores do livro Quem é quem naAssembléia Legislativa
dos Estado do Pará, que eram quatro os políticos pelos quais ele tinha muita estima:
Jader Barbalho, Jarbas Passarinho, Coutinho Jorge e seu filho Nagib Mutran Neto
(Cf. Gengis Freire e Ana Rosa Freire, op. cit., p. 100).
109 Cf. Mikel Aramburu, op. cit., p. 158.
1,0 Realizada a votação do parecer apresentado pela Comissão processante, 30
deputados votaram a favor da cassação do mandato de Vavá Mutran, 5 contra e 2
em branco. Os deputados Aloísio Chaves, Joércio Barbalho, Valdoli Valente e o
próprio Vavá Mutran não compareceram à sessão da Assembléia Legislativa (Cf.
"Deputados cassam o mandato de Vavá", O Liberal, Belém 3 0 /0 6 /9 2 )
111 Cf. O Liberal, Belém 1 1 /1 1 /9 2 . Osvaldo Mutran foi indultado pelo Tribunal
de Justiça em novembro de 1995, segundo parecer médico que assinalava que ele
tinha uma enfermidade incurável e apenas teria pela frente uns poucos meses de
vida. Hoje continua não somente em liberdade, mas parece ser que também com
boa saúde.
112 Qf “Vereadores acusam os Mutran de atos violentos em Marabá”, O Liberal,
Belém, 0 7 /0 8 /9 1 .
1.3 Cf. Lúcio Flávio Pinto, “O fim dos Mutran?” , 1992, p. 4.
1.4 Das 32 chacinas de trabalhadores rurais documentadas pela Ct-*T no Brasil
entre 1979 e 1995, quatro delas ocorreram em Marabá, duas delas em fazendas
dos Mutran (Cf. “CPT denuncia: aumentam as chacinas contra trabalhadores”,

231
Cuíra, Ano V n° 16, Belém, agosto/set. de 1995, p. 8).
115 Geraldo Veloso estava filiado^ao PSDB, mas ao presumir que o prefeito 1laroldo
Bezerra, principal liderança desse partido em Marabá e no Sudeste do Pará, estava
articulando o lançamento de outro candidato à prefeitura, optou por ingressar no
PFL para garantir sua candidatura. A coligação de partidos que apoiou a Geraldo
Veloso estava integrada pelo PPB, PDT, PFL, PY PRP e PSDB.
Do total de 7 6.360 eleitores de Marabá, mais de 23 mil votaram em Geraldo
Veloso, cerca de 12 mil em favor de Cristina Mutran e, pouco mais de 9 mil, no
candidato do PT (Cf. “Mapa dos prefeitos eleitos", .4 Província do Pará, Belém,
1 5 /1 0 /9 6 ).
117 Lúcio Flávio Pinto, “O fim dos Mutran?” , 1992, p. 4-5.
Fig.5: O Coronel Magalhães Barata com os deputados estaduais do Partido Liberal fiéis, em 19o5.
Fig.4: O General Magalhães Barata assina o termo de posse como Governador Constitucional do Pará.
Fig.5: O Presidente-General Médici e o Governador Alacid Nunes no Círio de N.S.
de Nazaré, em 1970.
Nas figuras 6, 7, 8, 9, 10, governadores do Estado do Pará: Jarbas Passarinho;
\lacid Nunes; Hélio Gueiros, Jáder Barbalho e Almir Gabriel, respectivamente.
Na fig. l l , o prefeito de Belém Edmilson Rodrigues.
Fig. 12: \ ista aérea da Yelha Marabá.
Mapa da Cidade de Marabá

Fonte: Marabá. A história de uma parte da Amazónia, da gente que nela vivia e da
gente que a desbravou e dominou, fazendo-a emergir para a civilização. De 1892
até nossos dias. Marabá, 1984.

238
Fig. 13: Comissão administrativa da criação do Município de Marabá em 1913.
Fig. 14: No alto: Coronel Leitão e família, fundador do Burgo Agrí­
cola, primitivo núcleo de que se originou Marabá.
No Centro: da esquerda para a direita: Coronel Athanasio
Gomes, Io chefe da organização partidária de Marabá e Co­
ronel António da Rocha Maia, Io Indentende Municipal de
Marabá.
Embaixo: Mortoz “Pedrina ’ , de propriedade de Alfredo Mon­
ção, o primeiro motor que subiu o alto Tocantins.
Fig. 15: Alcobaça: No alto—Porto com vapores “Muruzinho" e
“Tocantins” , pontões e motores de castanha. (1926)
Embaixo: barracão de Dias & C.a Ltda., com o pessoal
carregando castanha. (1926)
I

Fig. 16: I - A confluência dos rios Tocantins - Itacayuna, na ponta


de terra em que está situada Marabá. (1926). II - Motor
ancorado no pedral do “Bocca doTauhiry" (Lourenção). (1926).
Ill - Motores carregados de castanha nos ancoradouros de
Marabá. (1926)
Fig. 1 7: 1: Residência do Major Uady Moussallem, abastado comerciante,
proprietário e vogal do Conselho Municipal de Marabá. 2, 3 e 4:
aspectos de sua fazenda de gado “Quindangues” , nos arredores de
Marabá. (1926).
Fig. 18: Em cima: Residência do sr. Kalil Mutran, abastado comerciante em
Marabá, em 1926. Embaixo: Casa do comércio da firma Auta Santos “2?
Filho, em 1926.
Fig. 19: Dr. Deodoro Machado de Mendonça, secretário geral do
Estado e chefe político de toda a zona do Tocantins, em 192(1
çy T A i»

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Fig. 20: Conflitos Agrários no Estado do Pará:


pessoas mortas, segundo a ocupação, entre 1964-1988.
Fonte: Arcevo da Editora Paka-Tatu.
Economia, política e
discursos regionalistas no Pará

Introdução

Este último capítulo destina-se à análise do discurso de


governadores e outros setores da elite política, empresários e inte­
lectuais paraenses, principalmente os que foram dirigidos a avali­
ar, defender, criticar ou propor alternativas ao modelo de desen­
volvimento económico implementado na Amazónia durante a vi­
gência do Regime Militar. A análise desse tipo de prática social me
permitirá discutir também a maior ou menor importância do dis­
curso regionalista, pró-amazônida ou, segundo a questão a ser
elucidada, pró-paraense, de alguns dos atores sociais menciona­
dos, especialmente dos que assumiram responsabilidades de go­
verno e, a ainda, a contribuição de diversos cientistas sociais aos
discursos e outras práticas regionalistas no Pará.1 Prática intelec­
tual, mas também política, que alimentou, especialmente a partir
do início dos anos 80, os discursos das lideranças políticas paraenses,
ainda que muitas vezes, ao assumirem responsabilidades de gover­
no, suas ações e as dos técnicos que as elaboram e orientam sua
aplicação sejam contraditórias com as suas palavras feitas públicas.
Com relação aos discursos dos governadores, refiro-me
àqueles que assumiram essa responsabilidade a partir de 1983, e
não aos que o fizeram de 1964 até o final dos anos 70, já que
estes, além de compartilhar, em linhas gerais, com os objetivos
definidos pela cúpula das Forças Armadas e tecnocratas da Admi­
nistração Federal para a Amazónia, tiveram escassa autonomia
política para, se fosse o caso, opor-se às mesmas, pois sua nome­
ação e permanência no cargo dependia da aceitação das diretrizes
definidas em Brasília. Vejamos, por exemplo, comq o ex-governa-
dor Alacid Nunes, então deputado federal e presidente da Comis­
são da Amazónia da Câmara Federal, resumia a ação dos “gover­
nos revolucionários” na Amazónia num discurso proferido no ple­
nário dessa Câmara em, agosto de 1975:

“Nós, amazónidas, fomos longamente habituados ao


abandono, ao esquecimento; às demoras ou às inter­
rupções de programas mal iniciados; à escassez de ver­
bas e ao desconhecimento dos nossos próprios recur­
sos e potencialidades [...]. A etapa que se entreabriu a
partir da Revolução de 64, através dos quatro Presi­
dentes que já simbolizaram esse movimento, marcou,
pouco a pouco, porém decididamente, uma transfor­
mação tão séria, tão grande e tão indiscutível, que até
mesmo os adversários políticos do regime pelo menos
não a contestam, e, muitas vezes, sinceramente a aplau­
dem. O balanço do que se tem feito, no último decénio,
está a reclamar um levantamento e uma divulgação
metodizados, que conscientizem o povo de todos os
rincões da Amazónia de que jamais se fez tanto pelo
seu destino e nunca estivemos tão próximos dos cami­
nhos certos e rápidos para garantir seu bem-estar [...]
[O] Legislativo está presente e atuante nesse espaço
gigantesco que o Governo federal agora desencadeia,
em patriótica arrancada de que é insigne vanguardeiro
o lúcido Presidente Ernesto Geisel, para integrar a
Amazónia no Brasil antes que termine o Século XX
[...]. Ela disso necessita para ser definitivamente liber­
tada do subdesenvolvimento que tem sido a marca do
seu passado, mas que tudo indica não mais será a tra­
gédia do seu futuro.”2

Os discursos, que tanto podem ser orais ou escritos, devem


ser interpretados como práticas sociais que são dirigidas a um
público específico (uma ou mais pessoas), cuja análise, como re­
curso metodológico, deve obrigatoriamente elucidar o momento
histórico no qual uns ou outros discursos foram produzidos. S o ­

250
mente assim podemos tentar compreender os objetivos persegui­
dos com esse tipo de prática social pelos diferentes atores escolhi­
dos como objeto prioritário de estudo. Esta questão é fundamen­
tal quando se pensa em usá-los como fonte histórica. Afinal, ainda
que os interpretemos segundo códigos linguísticos, referenciais te­
óricos e conceitos do nossç tempo, uma das principais contribui­
ções que os historiadores ou outros cientistas podemos oferecer à
análise do discurso é inseri-los, reitero, na conjuntura na qual eles
foram feitos públicos, sendo esta também uma das principais jus­
tificativas dos assuntos tratados nos capítulos anteriores, especial­
mente nos dois primeiros. Assim, com o diz o cientista político
David Howarth, é por meio da metodologia da análise do discurso
que o cientista social pretende, não somente “comprender el
comportamiento en sociedad mediante la identificación con el agente
que actúa en ella” , 5 mas também de “qué modo las estructuras de
significado hacen posibles ciertas formas de conducta. Al hacer
esto, pretende comprender cómo se generan los discursos que
estructuran las actividades de los agentes sociales, cómo funcionan
y cómo se cambian”.4 Prossegue David Howart:

“El significado social tanto de las palabras como de las


alocuciones, acciones e instituciones se entiende en re-
lación com la práctica general que está teniendo lugar
y cada práctica según un determinado discurso. Por
consíguiente, sólo es posible entender, explicar y eva-
luar un proceso si se puede describir la práctica y el
discurso en el que ocurre.”5

Os discursos, portanto, devem ser entendidos, como assina­


la Federico Neiburg, como formas de ação dos indivíduos na socie­
dade, ou seja, “as palavras ou enunciados linguísticos servem para
‘fazer coisas’ sociais”6 e “sua história e seus conteúdos são inseparáveis
do modo como elas são utilizadas, das realidades que .descrevem e
da crença na existência dessas realidades”,7 quer sejam palavras
pronunciadas em atos oficiais, reuniões, comícios, nos meios de

251
comunicação de massas ou entrevistas, quer sejam palavras escri­
tas, através das quais seps autores tentam sistematizar, geralmen­
te de maneira mais ordenada, suas concepções de mundo ou justi­
ficar diferentes tipos de ações. Nada melhor que poder contar
também, a esse respeito, com a ajuda do sociólogo Eder Sader:

“Aquilo que é dito e o que é escondido, aquilo que é


louvado e o que é censurado, compõem o imaginário
de uma sociedade, através da qual seus membros ex­
perimentam suas condições de existência. Não quer
dizer que todos os discursos sejam iguais e nem mes­
mo que derivem de uma mesma matriz discursiva. Mas
tendo de interpelar um dado público, todo discurso é
obrigado a lançar mão de um sistema de referências
compartido pelo que fala e por seus ouvintes. Consti-
tui-se um novo sujeito político quando emerge uma
matriz discursiva capaz de reordenar os enunciados,
nomear aspirações difusas ou articulá-las de outro
modo, logrando que os indivíduos se reconheçam nes­
ses novos significados. E assim que, formados no cam­
po comum do imaginário de uma sociedade, emergem
matrizes discursivas que expressam as divisões e os
antagonismos dessa sociedade.”8

A análises dos discursos e outras práticas regionalistas pode


ser classificadas de diversas maneiras, sendo as mais usuais as que
fazem referência, numa perspectiva sócio-econômica, à “situação
de classe” (classes dominantes, classes médias, classes trabalhado­
ras), e as que referem a categorias ideológico-políticas (por exem­
plo: de esquerda ou de direita) dos atores. Não obstante, podemos
unificar ambas as classificações (classe/ideologia) para distinguir,
por exemplo, entre regionalismo conservador e regionalismo pro­
gressista, no intuito de mostrar, qualquer que seja o recorte do
território adotado, a disputa pela hegemonia política intra-regio-
nal ou, mais especificamente, intra-estadual.

252
Também resulta pertinente diferenciar as práticas
regionalistas realizadas por pessoas ou grupos das regiões ou es­
tados “centrais” ou “periféricos” . No Brasil, por exemplo, para
examinar os discursos sulistas, nordestinos, amazônidas ou
paulistas, baianos ou paraenses. Pois, certamente, os objetivos
pretendidos por uns ou outros discursos serão diferentes em virtu­
de da suas específicas realidades sócio-econômicas e o maior ou
menor peso político de cada uma delas no contexto nacional.
Outra diferenciação que deve ser feita é a respeito dos movi­
mentos sociais que poderiam ser classificados como regionalistas e
os movimentos sociais separatistas, definindo estes como aquelas
práticas dirigidas a criar um novo Estado-Nação, e, os primeiros,
como práticas que não pretendem pôr em risco a unidade nacional
e que são, 'geralmente, orientadas a exigir do Poder Central um
maior interesse na região (leia-se, aqui também estados ou provín­
cias) e para alcançar maior participação, qualquer que fosse o
território político-administrativo no qual esses atores se inserem,
nos rumos da Nação. Entretanto, ambos os movimentos sociais
(regionalistas ou separatistas), visam sustentar suas práticas numa
identidade que loi simbólica e historicamente construída por dife­
rentes atores sociais interessados em fazer valer sua existência (ou
fazer “real” o que também fora “construído”). Assim, tanto umas
ou outras dessas práticas, regionalistas ou separatistas, se alimen­
tam, como assinala Cláudia Maria Viscardi, de um “conjunto de
valores socialmente aceitos e partilhados pelos seus agentes, que
conferem a ela [ou a elas] uma identidade própria, capaz de gerar
comportamentos mobilizadores de defesa de interesses”.9 Ou, nas
palavras do sociólogo francês Pierre Bourdieu:

“O discurso regionalista é um discurso performativo,


que tem em vista impor como legítima uma nova defi­
nição das fronteiras e dar a conhecer e fazer reconhe­
cer a região assim delimitada - e, como tal, desconhe­
cida - contra a definição dominante, portanto, reco­
nhecida e legítima, que a ignora.” 10

253
Contudo, identidades “nacionais”, “regionais” ou, até, “lo­
cais”, não são, obviamente, excludentes. A maior ou menor im­
portância que cada um dos indivíduos outorga a elas pode ser
modificada, segundo momentos e circunstâncias, ao longo das suas
vidas, por exemplo, em períodos de guerra entre Nações-Estado
ou, em decorrência, das desigualdades económicas existentes en­
tre diferentes regiões ou estados, ou outro tipo de mudanças eco­
nómicas, políticas ou culturais ocorridas num determinado país,
que podem favorecer as práticas dos que almejam fortalecer ou
modificar identidades e fronteiras. Veja-se, por exemplo, o que
Rosa Maria Godoy Silveira escreveu a respeito da antiga delimi­
tação da Região Norte:

“O Nordeste só aparece neste século e essa constatação


remete a uma problemática fascinante para a investi­
gação: o deslocamento' que houve entre Norte e o
Nordeste, expresso em dois conceitos distintos. Lima
das hipótese plausíveis é a de um processo de diferenci­
ação no âmbito do então bloco Norte, que teria ocorri­
do a partir do ciclo da borracha na Amazónia.” 11

() que se poderia denominar como discurso regionalista


pró-amazônida não teve a mesma importância política que, por
exemplo, em alguns estados do Nordeste. Entretanto, a partir do
processo de liberalização política iniciado em 1974 e os eleitos
sócio-econômicos da intervenção na Amazónia de dilerentes ór­
gãos da Administração Federal no período do Regime Militar, o
discurso regionalista foi adquirindo na Região Norte, sobretudo
no Pará, uma relevância política cada vez maior, especialmente
para indivíduos e organizações que se situavam politicamente na
oposição ao Regime Militar. Embora, também no seio do partido
governista, a Arena, possamos encontrar atores políticos que ava­
liaram criticamente algumas das que foram consideradas conse­
quências perversas da intervenção na Amazónia do governo fede­
ral e das empresas públicas por ele controladas. Isso pode ser

254
vislumbrado - em ambos os setores políticos, ou seja, sem distin­
ção de posições ideológico-políticas - bastando, para isso, que se
faça um levantamento, mínimo que seja, dos discursos de lideran­
ças políticas, sindicais e dos movimentos sociais paraenses, artigos
e editoriais publicados na imprensa e revistas ou na literatura
produzida por diferentes cientistas sociais. Alguns exemplos desses
discursos serão mostrados nas próximas páginas, para os quais
contribuíram também outros atores preocupados com os proble­
mas da Amazónia, tais como técnicos vinculados a instituições
governamentais federais ou estaduais e membros de entidades não-
governamentais e acadêmico-científicas de outras regiões do Bra­
sil e também de outros países.
Isso não pressupõe afirmar, entretanto, que exista na Ama­
zónia brasileira, ou no Pará, um discurso regionalista unificado.
Isto é, um discurso que unifique diferentes segmentos da sociedade
amazonense (nem tampouco, no caso, a paraense) com intuito de
construir um bloco regionalista para fazer valer os interesses da
região. Entretanto, ainda que existam também tentativas orienta­
das nessa direção, um dos assuntos que hoje mais polariza as
discussões sobre território e região no Pará, é entre os setores que
defendem a criação do Estado de Carajás e do Estado do Tapajós, e
dos setores que são contrários a qualquer desmembramento do
atual território paraense. Essa proposta de fragmentação é defendi­
da pela imensa maioria da “classe política”, grandes proprietários
de terra, empresários e comerciantes do Sul e Sudeste do Pará e
do Baixo Amazonas, e as quais se opõe a imensa maioria das elites
políticas e económicas de Belém.
Ao objetivo de examinar os discursos de alguns desses ato­
res sociais, especialmente a respeito da proposta de criação do
Estado de Carajás, que teria Marabá como capital político-admi-
nistrativa, são destinadas as últimas páginas deste capítulo, com o
intuito principal de discutir os argumentos esgrimidos pelos “sepa­
ratistas” e pelos defensores da "unidade” e dar prosseguimento à
análise das possíveis inter-relações entre atividades económicas,
práticas políticas e território. Para esta finalidade também será

255
de interesse avaliar os discursos dos que defendem que a Compa­
nhia Vale do Rio Doce instale em Marabá o Projeto Cobre Salobo.
Assunto com o qual darei por concluído este último capítulo.

1. Discursos regionalistas na época


do Regime M ilitar

Entre os discursos realizados no Pará a respeito da inter­


venção na Amazónia das diversas instituições controladas pelo go­
verno federal, a partir de meados dos anos 60, destacam-se os
que fazem referência à extinção da SPVEA e criação da Sudam,
inicialmente recebida com grande entusiasmo por parte de muitos
empresários locais. Mas, já em 1968, uma parte dos empresários
agrupados no Centro das Indústrias do Pará (CIP), entidade cria­
da em 1966, manifestava publicamente, atravé.s do seu presiden­
te, o economista Armando Soares, que o “empresariado paraense
estava servindo de cobaia na experiência desenvolvimentista leva­
da a cabo pelos grandes empresários do país” .12
Em 1968, Lamartine Nogueira, presidente do BASA, ins­
tituição bancária que administrava os recursos financeiros dos
projetos aprovados pela Sudam, afirmava, em entrevista concedi­
da à imprensa paulista por ocasião de sua visita à agência do
BASA na cidade de São Paulo, que do total de projetos apresen­
tados à Sudam 60% eram de empresários que depositaram 50%
do valor total dos seus impostos nessa agência.13 Referindo-se
também a esse mesmo assunto, o jornalista Lúcio Flávio Pinto
afirmava, num seminário realizado em Manaus, em 1987, que
não havia sido por mera coincidência que “as críticas mais cons­
tantes à Sudam passariam a ser feitas por empresários e
governantes da própria região e os elogios, pelos investidores de
fora, inversão, portanto, de uma prática anterior” .14
Contudo, não desejo que se interprete que os empresários
locais tiveram, em geral, uma atitude de oposição radical aos
modelos económicos implementados na Amazónia durante a vi-

256
gência do Regime Militar. Veja-se o que escreveu a respeito do
assunto a socióloga do Idesp, Violeta Refkalefsky Loureiro, que
durante o governo Hélio Gueiros (1987-1990) assumiu a direção
desse instituto de desenvolvimento e pesquisa15: '

‘A adesão dessfes segmentos [a tecnoburocracia e a bur­


guesia local] se deu, desde um primeiro momento, em
parte, pela incorporação da ideologia militar de Bra-
sil-potência, com a Amazónia a ele atrelada e, em par­
te, pela não compreensão imediata do processo de acu­
mulação do capital, globalmente e a inserção da Ama­
zónia nesse contexto; em segundo lugar porque, no
» bojo do conjunto de medidas que integraram a Opera­
ção Amazónia, inaugurada com a Ia Reunião (ou en­
contro) de Investidores da Amazónia - I o RIDA -
consistiam em aspirações desses setores da
tecnoburocracia e do empresariado mais esclarecido -
a modernização do Banco de Crédito da Amazónia -
BCA e a reformulação da Superintendência do Plano
de Valorização da Amazónia - SPVEA [...]. E a bur­
guesia de ‘elite’ social passou ela à condição de grupo
cooptado pélo grande capital ou ainda, alternando be­
nefícios e queixas contra uma competição vigorosa e
desleal entre capitais do Norte e capitais do Sul”.16

Entre as lutas em prol dos interesses do Pará, em oposição


a alguns dos projetos implementados nesse estado durante o Regi­
me Militar, fosse, por exemplo, através da Sudam ou pela empre­
sa estatal CVRD, cabe destacar o rechaço de parte significativa
de setores da classe política, empresários e intelectuais paraenses
à construção da Estrada de Ferro Carajás-Ponta da Madeira
(Maranhão) e à construção, sem um sistema de eclusas, da barra­
gem da Hidrelétrica de Tucuruí, cujo resultado foi à interrupção
da navegação fluvial pelo rio Tocantins. A construção da Estrada
de Ferro Carajás é certamente paradigmática para poder avaliar

0^7
como algumas escolhas “técnicas” nem sempre encontram sua
principal justificação nésse tipo de motivos, mas no resultado de
disputas políticas e interesses económicos.
A opção pela estrada de ferro, formalmente aprovada
pelos técnicos e responsáveis da CVRD, também contou a seu
favor com o apoio e pressão exercida sobre o governo federal e
o Congresso Nacional de setores económicos e políticos do Esta­
do do Maranhão, que conseguiram compensar, assim, a oposi­
ção à mesma de setores da elite paraense que propunham, com
base no discurso de que o “minério é nosso”, escoar a produção
de ferro e de outros minerais de Carajás exclusivamente através
do Estado do Pará.
Vou mostrar três exemplos desses discursos que sintetizam
o pensamento de muitos paraenses nos anos 70, quando estava em
jogo qual seria a decisão “técnica” que a CVRD, isto é, o governo
federal, tomaria sobre este assunto. Os discursos escolhidos tam­
bém serão úteis para, mais adiante, tentar comparar as seme­
lhanças dos mesmos com os discursos dirigidos a exigir da CVRD
a instalação no m unicípio de Marabá da infra-estrutura
beneficiadora do cobre descoberto nas proximidades da Serra dos
Carajás — Projeto Cobre Salobo. O primeiro foi extraído de um
editorial de 1973 da “Revista dos Municípios” do Pará intitulado
a “Serra dos Carajás”:

“Muito se tem falado nos minérios da Serra dos


Carajás, que é nosso e que não dever ser levado para o
Porto de Itaqui, no Estado do Maranhão [...]. Na rea­
lidade, o minério foi encontrado em nosso Estado e seu
escoamento deveria ser feito pelo rio Tocantins. Estu­
dos foram feitos e a situação está se definindo em fa­
vor do vizinho Estado, por apresentar melhores condi­
ções económicas. Finalmente tudo é Brasil e temos
também que pensar em termos nacionais. Aqui, neste
canto de página, queremos fazer justiça ao trabalho
do governador Fernando Guilhon em favor dos nossos

9K8
minérios. Ele não ficou calado diante do problema,
pelo contrário, foi o primeiro a se manifestar dizendo
que seria viável o aproveitamento do rio Tocantins.
Lutou em diversos setores e chegou a reivindicar, in­
clusive junto ao presidente Emílio Garrastazu Médici.
Até no Japão, .quando de sua viagem àquele país, o
governador Fernando Guilhon tratou do minério da
Serra dos Carajás. Se a decisão fosse do nosso gover­
nador, uma coisa estaria definida: o escoamento do
minério da Serra dos Carajás seria feito através do
rio Tocantins e o Pará ganharia grande soma de re­
cursos ” 1'

O segundo exemplo resume parte do discurso pronunciado


na Câmara Federal pelo deputado federal Júlio Viveiros, no dia 7
de junho de 1977:

“É um absurdo pretender levar por ferrovia o minério


de Carajás ao Porto de ítaqui, em São Luís do
Maranhão, quando temos uma grande solução, que
julgo ser o ‘Ovo de Colombo’, a Vila do Conde [...].
Porque não escoar o minério de Carajás através do
Pará, que é o verdadeiro dono do minério? [...]. Con­
tinua pairando uma grande dúvida, porque, se não con­
seguirmos o escoamento pelo nosso Estado, ficarão
apenas, para o Estado do Pará, os buracos da Serra
dos Carajás. ’18

A respeito da oposição à estrada de ferro não existiu, ao


que parece, qualquer divergência entre os deputados estaduais e
federais paraenses, fossem da Arena ou do MDB:

“Continua a luta dos paraenses pelos minérios da Ser­


ra dos Carajás ameaçados de serem embarcados no
Porto de Itaqui, no Estado do Maranhão. Dias atrás

259
compareceram ao Legislativo para conferências sobre
o assunto os deputados federais Gabriel Hermes Filho
e Juvêncio Dias, dois parlamentares federais que vêm
se empenhando a fundo em favor da grande luta. Na
Assembleia Legislativa os deputados Lauro Sabbá,
Oswaldo Mello, Gerson Peres, Antonio Teixeira, Carlos
Vinagre (vice-líder do MDB na Assembléia Legislativa)
e Jader Barbalho (líder MDB na Assembléia Legislativa)
continuam trabalhando em favor do escoamento pelo
rio Tocantins. O assunto não está decidido em favor de
Itaqui, daí ser válida a luta dos paraenses.”'9

Outro bom exemplo da baixa capacidade de gestão sobre


seus respectivos territórios por parte dos governo estaduais da
Região Norte foi a criação, em 1967, do Grupo de Trabalho
para a Integração da Amazónia (Gtinam), do qual somente par­
ticipavam representantes escolhidos pelas Forças Armadas e pelo
governo federal. Além do ministro do Interior que coordenava o
Grupo de Trabalho, participavam do mesmo, segundo o decreto
n° 61.330, de 11 de setembro de 1967, representantes do Minis­
tério de Planejamento, Conselho de Segurança Nacional, Estado-
Maior das Forças Armadas, Ministério da Marinha, do Exército e
da Aeronáutica, dos Ministérios das Comunicações, Saúde, Trans­
portes, Agricultura, Minas e Energia, Fazenda e das Relações
Exteriores; representantes da Sudam, do Instituto Brasileiro de
Reforma Agrária (IBRA), Instituto Nacional de Desenvolvimento
Agrário (INDA), Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e
do Banco da Amazónia (Basa).20
Entretanto, é preciso recordar, como assinalamos no pri­
meiro capítulo, que ao iniciar-se a década de 1980 a atuação na
Amazónia Legal da Sudam, a CVRD e outras instituições contro­
ladas pelo governo federal se pautava, basicamente, por um mo­
delo económico sustentado nas vantagens comparativas que osten­
ta a Amazónia em relação a outras regiões do país, como Alacid
Nunes, então exercendo seu segundo mandato como governador

260
do Pará, fazia questão de destacar, em 1980, em sua Mensagem
anual à Assembléia Legislativa:

“Primeiramente, na irreversível construção de Tucuruí


e na prom issora vantagem com parativa que se
descortina com o aproveitamento da biomassa flores­
tal, para a solução dos problemas energéticos nacio­
nais; em seguida, com a nossa contribuição para au­
mentar as exportações e reduzir as importações bra­
sileiras. Atendendo a demanda insatisfeita do merca­
do mundial de produtos de origem vegetal, animal e
mineral, sob a forma de matérias-primas estratégi­
cas, alimentos, produtos de metalurgia e manufatu-
ras em geral e substituindo pela produção no Estado,
uma significativa parcela dos principais produtos que
oneram a nossa balança comercial, notadamente o
cobre, o alumínio, produtos derivados da carboniza­
ção e hidrólise da madeira, fertilizantes fosfatadas,
ligas metálicas em geral e proteínas que importamos
em escala crescente; em terceiro, temos um potencial
incomparável para ajudar a eliminar o processo in­
flacionário da nossa economia, cujas raízes são en­
contradas nos anos vinte, quando a quase monocultura
do café induziu o fortalecimento do centro em detri­
mento da periferia que a subsidiava direta e indireta-
mente. A nossa contribuição pode ser efetivada no
combate às três grandes causas desse processo infla­
cionário: inflação de demanda ou de meios de paga­
mento - via expansão da oferta - , a inflação de cus­
tos através da incorporação de recursos produtivos
com vantagens comparativas tais como energia hi-
drelétrica e hidrovias e a inflação estrutural, pela
melhor distribuição de emprego e renda, social, setorial
e espacialmente.”21

261
Quando foi instituído o Programa Grande Carajás (PGC),
em 1980, foi decidido que sua gestão ficaria sob a responsabilida­
de de um conselho do qual participavam exclusivamente represen­
tantes de diferentes ministérios do governo federal (Minas e Ener­
gia, Transporte, Indústria e Comércio, Fazenda, Justiça, Agricul­
tura e do Trabalho), sob a coordenação do ministro-chefe da se­
cretaria de Planejamento, mas sem qualquer representação dos
governos estaduais nos quais o PGC atuaria (Pará, Goiás e
Maranhão). Em sua visita a Belém em 1982, o ministro Delfim
Netto, então presidente do Conselho Interministerial do Progra­
ma Grande Carajás, foi questionado, por empresários e comer­
ciantes locais, a respeito de por que eles não tinham qualquer influên­
cia na definição da política económica nacional e regional e
tampouco nas decisões dos responsáveis pelo PGC. Na ocasião, o
empresário paraense Joaquim Borges Gomes, dirigindo-se a Del­
fim Netto afirmou e perguntou:

“Como nós, empresários paraenses, somos pequenos e


impotentes política e economicamente, ficamos sem­
pre de fora, ninguém se importa com o nosso sentir.
Em primeiro lugar, pedimos vênia para solicitar sua
justiça: em segundo lugar, gostaríamos de escutá-lo
sobre uma idéia: como consideração ao Estado que vai
ficar com um grande buraco em seu território, a As­
sociação Comercial do Pará — entidade com mais de
cem anos de funcionamento ininterrupto — a Federa­
ção do Comércio do Pará, a Federação da Indústria
do Pará e a Federação Rural do Pará teriam assento
nesse colegiado. Não teriam direito a voto, mas pode­
riam ouvir e ser ouvidas. Um representante por enti­
dade e, necessariamente, empresário ativo. Como o
senhor olha esta sugestão? Concorda em defendê-la?
[...] Qual a opinião do ministro?” 22

262
O ministro, respondeu o seguinte:

“[...] nós não podemos fazer uma economia corporativa;


nós não podemos, realmente, fazer um sistema no qual
o empresário tenha o privilégio de expor sua opinião
[...]. Acho que a «sua crítica tem uma certa procedên­
cia [...]. Frequentemente há uma crítica um pouco mai­
or do que justa, dizendo que o setor privado não é
ouvido’ [...]. Algumas decisões, por sua natureza têm
caráter sigiloso [...]. Mas a verdade é que os canais
estão abertos [...], quando existem problemas, estamos
dispostos a ouvir [...]; o objetivo básico do presidente
Figueiredo é construir uma sociedade politicamente
aberta, o que significa que cada um vai expor livre­
mente o seu pensamento, que se organize politicamen­
te, que ele construa os seus caminhos de posicionamento
político - e é o que está acontecendo [...] é este o
objetivo básico do presidente; é este o objetivo básico
que foi instaurado na Revolução.”23

Esses grandes projetos económicos, para os integrantes do


governo federal, deveriam ser utilizados, sobretudo, graças às
divisas arrecadadas, para que o Brasil fizesse frente à elevada e
crescente dívida externa. Isso explicaria, afora outros fatores,
entre eles o próprio interesse de determinados países do “Primei­
ro Mundo” (sobretudo o Japão) nas riquezas mineiras da Amazó­
nia, o fato de, apesar dos problemas de caixa do governo federal e
das dificuldades económicas do país, no final dos anos 1970 e,
sobretudo, ao iniciar-se a denominada “década perdida” (anos 80),
que nem a Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD), nem tampouco
os consórcios multinacionais a ela associados, terem deixado de
financiar os trabalhos destinados a concluir a infra-estrutura ne­
cessária para a exploração das jazidas minerais no Pará. O mi­
nistro Anônio Delfim Netto, numa entrevista concedida ao jornal
de Belém, “O Liberal”, em 1982, após assegurar que o “o Pará

263
pode ficar absolutamente tranquilo: não há nenhum projeto que
tenha tanta importância para o interesse nacional como o Projeto
Carajás”24, afirmava:

“Quando tivermos Carajás a plena carga, ele repre­


sentará uma exportação da ordem de 9 a 10 bilhões
de dólares por ano. E um acréscimo sobre as exporta­
ções normais. Isto significa que a curva de exportação
vai-se deslocar para cima e vai construir um espaço
entre as importações e as exportações, que constitui o
saldo da balança comercial. E é com esse saldo que
nós vamos diminuir o nosso déficit em contas-corren-
tes; e é desta forma que vamos diminuir a importância
relativa da dívida externa. ”2ft

Em meados dos anos 70, trabalhavam na Serra do Carajás


cerca de 3 mil operários; em 1980, eram dez mil os trabalhado­
res vinculados aos diversos projetos do Programa Grande Carajás
(PGC).26 No início dos anos 90, segundo Clara Pandolfo, cerca de
50 mil pessoas trabalhavam, direta ou indiretamente, nos diver­
sos projetos de extração e beneficiamento que a CVRD controlava
no Pará.27 Nos diversos projetos integrados que conformam o
Programa Carajás (mínero-metalúrgicos, agrícolas, pecuários,
florestais e pólos industriais), vinculados a sete núcleos básicos
(Carajás, São Félix do Xingu, Paragominas, Marabá, Tucuruí,
Barcarena e São Luís — Maranhão),28 o governo brasileiro pre­
via investir, um total de 61,7 bilhões de dólares, destinando 39,9
bilhões aos investimentos diretos e 22,4 bilhões à infra-estrutura
(energia elétrica, ferrovias, portos, marítimos e fluviais, rodovias
e núcleos urbanos).29
A construção da Hidrelétrica de Tucuruí, que até o mo­
mento é o maior investimento de dinheiro público realizado na
Amazónia, teve um custo estimado em 7,5 bilhões de dólares.
Iniciada em 1977 e concluída em 1984, no biénio 1982-83 parti­
ciparam da obra cerca de 30 mil trabalhadores. Outros 3,7 bi-

Ofi/I
lhões de dólares foram gastos na criação da infra-estrutura para
extrair e transportar o minério da Serra dos Carajás, 70% dos
quais para a ferrovia de cerca de 891,5 km que une Carajás ao
porto de São Luís do Maranhão, que seria concluída em 1985.30
Retomando o depoimento de Delfim Netto:

“Eu gostaria de dizer, inicialmente, que Tucuruí é fun­


damental para o Projeto Carajás e Carajás é o único
projeto desenvolvido pelo governo Figueiredo. Ele tem
a prioridade número um em termos de investimentos,
neste governo. O Projeto Carajás satisfaz as necessi­
dades mais fundamentais da economia brasileira [...]
. Então, é preciso que o Pará entenda este fato. Carajás
vai revolucionar o Meio-Norte brasileiro. Não há a
menor dúvida sobre isso. Neste contexto, nós temos
Tucuruí. Tucuruí é uma espécie de braço direito do
Projeto Carajás. Foi com Tucuruí que nós induzimos
os nossos parceiros a acreditarem efetivamente na exe­
cução do Projeto Carajás. Nós estamos construindo
Tucuruí, já construímos duas linhas de suporte para o
fornecimento de energia para Carajás, antes mesmos
de terminar Tucuruí e a construção de suas linhas de
energia. E preciso que distingamos o seguinte: não fal­
tará energia para tocar Carajás. ”31

Segundo informações do governo federal, apenas os inves­


timentos diretos destinados à implantação do Programa Grande
Carajás atingiriam os US$ 30,6 bilhões, estando previsto que as
receitas anuais da exportação somariam uns US$ 10,7 bilhões,
correspondendo US$ 9,2 bilhões ao segmento minero-metalúrgico,
US$ 1,1 bilhões às atividades agropecuárias e US$ 0,4 bilhões à
exportação de madeira.32 Mas nunca se alcançaram essas cifras
em decorrência, segundo as anteriores previsões, da diminuição
da demanda e, sobretudo, do valor da tonelada de ferro no mer­
cado internacional. Em 1995, por exemplo, quando o total das

265
exportações paraenses superouõs*27l bilhões de dólares (US$),
as de ferro representaram 704.606 milhões (US$), um terço do
total, e as de bauxita e alumínio não ligado, 115.990 e 592.441
milhões (US$), respectivamente.'^3 Esses dados não diminuem a
crescente importância do setor de mineração no Pará, que, em
1975, respondia por apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB)
estadual, treze anos depois, aproximava-se de 7%, e atingia quase
20% em 1996.34
Se mantidos os investimentos previstos antes de ser
privatizada a CVRD, especialmente os destinados à implementação
do Projeto Cobre Salobo em Marábá, os empreendimentos da
\41e no Pará superarão, pela primeira vez, o faturamento total
dos seus projetos em Minas Gerais, estado que desde a criação da
CVRD foi sempre sua principal “província mineira”. Em 1995, os
empreendimentos da CVRD no Pará representaram 25% do
faturamento global da empresa,3'5 dois anos depois alcançaram
35% , somando um total de US$ 1,7 bilhões.3B*

2 . A União assume o controle das terras do P ará .

Entre as decisões que maior influência exerceram no en­


fraquecimento do poder económico e político-administrativo do
governo paraense nos anos 70 e 80, cabe destacar a progressiva
transferência de boa parte do território estadual ao controle da
União. Em 1983, cerca de 70% (881.601,2 km2) do território do
Estado do Pará (1.253.164,5 km2) estavam sob a responsabilida­
de das Forças Armadas e órgãos e instituições controlados pelo
governo federal. Entre elas a faixa de fronteira, as reservas indí­
genas e florestais, a área de ação do Grupo Executivo de Terras
do Araguaia-Tocantins (Getat), e os territórios incluídos nos diver­
sos projetos do Programa Grande Carajás no Pará.39 Em 1971,
através do decreto-lei n° 1.164, a União assumiu a jurisdição de
100 km de cada margem das rodovias federais projetadas ou
construídas na Amazónia. Isso significava, segundo o jurista e

266
: • A V* ri • '< i

' '« '

professor Otávio Mendonça ^ filho do falecido secretário geral do


Pará e deputado federal, Deodoro Machado de Mendonça - que
“mais de metade do território paraense [...] passava senão ao
domínio, pelos menos, à jurisdição federal ”.40 O decreto-lei n°
1.164 foi revogado em 1987, mas ainda não foi concluído o pro­
cesso de retorno à juris4ição do Estado do Pará das terras sob
controle de diferentes órgãos da União, apesar da criação, em
1995, de um Grupo de Trabalho com essa finalidade integrado
por representantes do governo federal e do governo do Pará,
continuando, sob controle da União, cerca de 500 mil km2 do
território paraense:

“Segundo a lenda, a multiplicação por 10 teria sido um


erro da datilografa do decreto, uma usurpação tão au­
daciosa quanto espantosa foi a aceitação dos governos
estaduais prejudicados, que [...] não mugiram e nem
tugiram ao saque contra seu património. Um assessor
do então presidente do Incra, José de Moura Cavalcanti
(já falecido), que se embebedava no coquetel realizado
no Hotel Grão-Pará, logo depois do anúncio do ato, fez
comentários desairosos sobre a honra amazônica e o
discernimento da sua elite: Eles não sabem nem o que
estáo assinando’, comentava o assessor [...]. A inconsci­
ência daquele dia permanece quase intocada”.41

267
Tabela 28
Jurisdição das.terras no Estado do Pará (1987)

Instituição Área de Jurisdição % em Relação à área


Responsável (hectares) territorial

Governo do Pará -
3 6 .3 9 6 .8 4 8 2 9,7
Iterpa*

Governo Federal -
5 3 .3 1 7 .0 0 9 43,4
Incra**

Governo Federal -
16.280.000 13,3
Getat***

Governo Federal -
2 99 .15 2 0,2
Gebam****

Governo Federal -
159.800 0,1
Aeronáutica

Governo Federal -
8.687.191 7,1
Funai*****

Governo Federal -
2 .2 7 8 .0 0 0 1.9

Governo Federal -
5.33 2.00 0 4,3
Area de Fronteira

Total 122.753.000 100,0

Fonte: Iterpa; apud, Violeta Refkalefsky Loureiro. “História social e econó­


mica da Amazónia ”, em Estudos e Problemas Amazônicos: História Social e
Económica e Temas Especiais, Belém, Idesp, 1989, p. 50.
* Instituto de Terras do Estado do Pará
** Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
*** Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins
**** Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas
***** Fundação Nacional do índio
****** Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
3. Os discursos “regional-progressistas”
e os cientistas sociais paraenses

As transformações sócio-económicas ocorridas na Amazó­


nia brasileira nas ultimas décadas têm merecido crescente aten­
ção por parte de cientistas sociais nacionais e estrangeiros.42 Boa
parte desses estudos fora realizada por professores, cientistas so­
ciais e técnicos de diferentes centros académicos e de pesquisa
radicados em Belém. Entre estes cabe destacar os vinculados ao
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do
Pará (NAEA-UFPA), ao Museu Paraense Emílio Goeldi4'3 e ao
Instituto de Desenvolvimento Económico Social do Pará (Idesp),44
sem desmerecer as pesquisas desenvolvidas por outros professores e
pesquisadores da UFPA, especialmente os do Centro de Filosofia e
Ciências Humanas (Sociologia, Ciência Política, Antropologia e His­
tória) e do Centro de Ciências Jurídicas e Ciências Económicas.
A maioria desses trabalhos é muita crítica em relação ao
modelo de desenvolvimento económico - ou modernização autori­
tária e conservadora - implementado na Amazónia durante a
vigência do Regime Militar.4’ Tal diretriz fica patente quando exa­
minam, por exemplo, o impacto sócio-econômico na região dos
grandes projetos económicos e dos incentivos fiscais destinados a
projetos agropecuários. Avaliam os pesquisadores que esses pro­
jetos serviram a interesses económicos externos à região e não à
população local, por terem dado prioridade às atividades econó­
micas orientadas à exportação de matérias-primas e ter favoreci­
do o incremento do número de grandes latifúndios, além de terem
sido marginalizados, na discussão e implementação dos grandes
projetos económicos, tanto as entidades representativas da socie­
dade civil, como os governos estaduais e prefeituras da região.46
Vimos acima alguns dos discursos que poderiam ser in­
cluídos na denominação de “regionalistas-conservadores” ; a se­
guir avaliarei os discursos de alguns intelectuais e outros atores
sociais, a maioria deles paraenses, que poderiam ser incluídos
na classificação de “regional-progressistas” . Entretanto, consi­

2fi9
dero pertinente esclarecer que não serão contemplados nessa clas­
sificação os discursos e outras práticas daqueles atores sociais que
desvalorizam a importância da “questão regional” ou constroem
um discurso mais propriamente anti-regionalista. Por exemplo,
alguns intelectuais e militantes das organizações de esquerda que
consideram que os fenómenos regionalistas são, fundamental ou
simplesmente, manifestações dos interesses das elites económico e
politicamente dominantes com o intuito de consolidar sua hegemonia
e, assim, manter seus privilégios. A análise do sociólogo Roberto
Martins sobre o fenómeno regionalista no Nordeste pode ser um
bom exemplo do que defino como discurso anti-regionalista:

“O discurso ideológico do Regionalismo enfatizando a


afirmação de solidariedade’ fundamentada em víncu­
los territoriais e culturais, e clamando pela existência
de interesses económicos e políticos comuns’, escamo­
teia as contradições económicas, políticas e sociais ao
nível empírico das formações sociais diluindo os confli­
tos e lutas de classe ou de frações de classe.”47

Portanto, para não confundir essas ou práticas similares,


que prefiro denominar de nacionalistas-progressistas, defino ape­
nas como regional-progressistas aqueles discursos desenvolvidos
por indivíduos e organizações direcionados a construir ou refor­
çar identidades e outro tipo de práticas, no âmbito regional ou
estadual, em oposição, tanto àqueles que fazem um discurso anti-
regionalista, mas também, em oposição aos discursos regionalistas
conservadores das elites política e economicamente dominantes
seja diretamente ou através dos seus intelectuais orgânicos.
Neste sentido, o discurso regional-progressista também po­
deria ser interpretado como as práticas daqueles atores que alme­
jam reforçar a identidade regionalista (leia-se, sempre, também
estadual, por exemplo: “nós, os paraenses”) dirigidas a transfor­
mar as estruturas sócio-econômicas e políticas em seus respectivos
territórios de atuação, sem que as mesmas sejam, em princípio,

270
contraditórias com as transformações do “todo nacional”. Os co­
mentários do jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, seguramente
um dos principais representante do regionalismo-progressista na
Amazónia brasileira, a respeito da sua participação numa reunião
em Paris, são uma mostra exemplar da distinção, entre esse tipo de
discursos, e os realizados por alguns setores da esquerda no Pará e
em outras partes do Brasil. Relata Flávio Pinto:

“Percebi de uma forma mais intensa o problema regi­


onal em Paris. Estava numa sessão do Tribunal Per­
manente dos Povos. A delegação brasileira, toda ela
jogando na ponta esquerda, ficou chocada na hora da
_minha intervenção, quando disse que era um amazônida.
Um de meus amigos, teórico de esquerda, me chamou
para o lado e disse: - Você está jogando mal’. Como
se eu tivesse entrado na posição errada num campo de
futebol: - S ó existe brasileiro, esse negócio de
amazônida não existe. Que expressão é essa’.”48

Vejamos, na continuação, outros exemplos do que definimos


como discurso regional-progressista na Amazónia. Em primeiro lu­
gar, um texto de Pasquale Di Paolo, professor, já falecido, do Depar­
tamento de Ciências Sociais da UFPA:

‘A colonização está alcançando horizontes nunca vistos


na Amazónia, mas numa estratégia destruidora da natu­
reza e assustadora do homem, que foi reduzido assim a
peça incómoda de um cenário que era seu e que agora
tornou-se domínio abstrato de neo-latinfundiários-empre-
sários [...]. A opção pelo capitalismo dependente reduziu
ainda mais a autonomia da Amazónia, que, embora apre­
sente um ecossistema uniforme, foi desmembrada no pla­
no sócio-económico em três Amazônias: a Oriental, a
Central e a Ocidental. Rondônia, por exemplo, se relaci­
ona muito mais com São Paulo do que com Belém.”49

271
Na revista “Pará Desenvolvimento ”, em uma das suas edi­
ções especiais destinada* neste caso, especialmente ao “problema
ecológico”, os pesquisadores Manoel Fernandes da Costa (enge­
nheiro agrónomo), Geraldo Gobistch Neto (engenheiro civil) e Ana
Maria Corrêa Penalber (química industrial), escrevem:

“A grande extensão territorial da Amazónia, aliada ao


potencial e à diversidade de seus recursos naturais [...],
têm ensejado sua ocupação e integração à economia
nacional e internacional, sob um estilo de desenvolvi­
mento que prioriza o atendimento de interesses, objeti-
vos e metas alheios”, sem internalizar os benefícios
para a melhoria da qualidade de vida dos seus nativos
habitantes.”50

O matemático e técnico do Banco Central do Brasil, Wagner


Ormanes, nos diz:

“A história da Amazónia como zona de fronteira, não


traz surpresa. Aqui o colonizador vem com o propósi-,
to da exploração, do saque, do enriquecimento a qual­
quer custo. O abuso, a ludibriação de incautos, a vio­
lência dos métodos dão a tónica do que tem sido o
relacionamento com os nativos desde os primeiros aven­
tureiros, e supor que de futuro possa ser diferente do
que ocorre na África, por que o empresário alienígena
terá, por vontade própria, postura diferente é insensa­
tez, ingenuidade. Cumpre aos amazônidas, neste con­
texto, definir, negociar e impor mecanismos de retenção
de parcela maior da riqueza, de forma a proporcionar
melhoria nas condições de sobrevivência da população
local.”51
O ex-reitor da Universidade Federal do Acre e atualmente
professor do Departamento de História da Universidade Federal
Fluminense, Moacir Fecury Ferreira da Silva, nascido na cidade

272
de Rio Branco (Acre), em sua tese de doutorado, intitulada Do
Regional ao Nacional (1996), escreve:

'A atuação do Estado brasileiro na Amazónia tem se


caracterizado pelo casuísmo oportunista e pela falta
de sensibilidade, em relação às potencialidades econó­
micas da região e as expectativas do legítim o
amazônida [...]. Esses ingredientes são perfeitamente
compatíveis com as elites políticas dessa vasta região,
os quais sempre se contentaram com as migalhas’ dos
recursos repassados, mas que lhes possibilitaram man­
ter a suas bases eleitorais em troca do discurso em
.defesa de políticas públicas adotadas pelo governo fe­
deral que, geralmente, são justificadas como de inte­
resse nacional’. ”32

O jornalista Flávio Pinto assinala:

“Que interesse existe em se realizar somente grandes


projetos económicos se a sociedade regional fica cada
vez mais pobre, acumulando-se os adensamentos hu­
manos nas periferias e nas baixadas das grandes cida­
des amazônicas. ”53

Finalmente, num trecho das Resoluções do III Congresso


Regional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Baixo
Amazonas, realizado no município de Alenquer (Pará) em 1989,
pode-se ler:

“A luta pela sobrevivência do povo amazônida vem de


longas décadas, desde que os portugueses invadiram o
Brasil, o entreguismo passou a ser fato rotineiro, dos
que desde esta época dirigem o país. Hoje somos víti­
mas desde entreguismo, carregando nas costas todas as
consequências que vem da política traçada pelo gover­
no. Somos nõs trabalhadores caboclos, índios e imi­
grantes que.lutamos para defender o que ainda nos res­
ta.”54

Tais discursos, exemplares das práticas regional-progressis-


tas, não pressupõem que esses ou outros atores sociais com discur­
sos similares, não possam ter objetivos comuns, segundo momentos
e circunstâncias, com setores da esquerda-nacionalista ou, noutros,
com regionalistas-conservadores. E o caso, em relação ao Pará,
daqueles feitos em apoio às causas dos Sindicatos de Trabalhadores
Rurais (STRs) e do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST),
e contra a devastação da floresta amazônica efetuada por empresas
madeireiras ou grandes fazendas agropecuárias; ou em oposição a
determinadas ações da Administração Federal ou à crescente influên­
cia no Pará e no conjunto da Amazônia de grupos económicos
estrangeiros ou de outras regiões do país; ou na “luta” para que a
CYRD contribua para o desenvolvimento sócio-econômico do Pará
e não apenas se servir do “nosso minério” .
Um exemplo paradigmático, entre as pessoas que defen­
dem a unidade de ação política dos diferentes setores sociaiç
paraenses para fazer frente aos efeitos negativos na sociedade
regional da política económica implementada na Amazônia pelo
governo federal, foram os discursos do economista Roberto San­
tos, que também poderia ser considerado um dos principais expoen­
tes do discurso regional-progressista no Pará. E importante salien­
tar que o texto escolhido para sustentar essas afirmações, foi escri­
to por Roberto Santos em 1987, momento em que ele assessorava
a alguns dos integrantes da bancada federal paraense nos trabalhos
destinados à elaboração da atual Constituição do Brasil.

“Não se trata de negar a existência de oposição de


classes no interior de região, ou de negar a solidarie­
dade da classe trabalhadora (ou a da classe capitalista)
para além da região. Trata-se, antes, de reconhecer
que, ademais dessa solidariedades que transvazam as

274
regiões, há outros interesses e necessidades que são
comuns dentro delas e de cujo atendimento todas as
classes sediadas em determinado lugar tirariam pro­
veito material ou espiritual. O segundo motivo prático
do declínio de prestígio da região amazônica nas rei­
vindicações políticas locais é que o modelo de desen­
volvimento regional’ praticado pelo Estado brasileiro e
os investidores que ele mobilizou, não teve caráter re­
gional e esteve longe de resultar em desenvolvimento
[...]. Que aliança da classe trabalhadora com o empre­
sário local é inevitável, nos quadros de uma luta pelo
desenvolvimento coletivo e a justiça social, eis o que
_ parece fora de dúvida. As alternativas para a classe
trabalhadora não são numerosas nem se afiguravam
viáveis [...], por outro lado, a classe trabalhadora da
Amazónia não possui organização suficiente nem dispõe
de poder imediato que a habilite a conduzir sozinha um
processo de luta pelo desenvolvimento próprio regional.
O empresariado local está mais organizado no momen­
to e no amplo espectro de poderes nacionais dispõe de
certos relacionamentos e possibilidades que, se adequa­
damente apoiados, poderão ser bem sucedidos. E preci­
sa intensamente de companhia na luta por sua preserva­
ção, luta para a qual sua única saída é reacender a
lâmpada do ideal regional, porque o grande capital é
forte e a ação na Constituinte não vai ser fácil.”55

4. A Teoria da Dependência e as
contradições do discurso regionalista

Muitas das análises e conceitos usados pelos discursos


regionalistas, especialmente os que defini como regional-progres-
sistas, mas também dos setores da esquerda paraense cujas práti­
cas classifiquei de nacional-progressistas, se alimentam da corren­

275
te de pensamento que seria conhecida como Teoria da Dependên­
cia. Alguns dos postulados desta corrente, especialmente os relati­
vos à “questão regional ”, comentarei nas próximas páginas.
Nos anos 1960, as dificuldades económicas enfrentadas
pelos países latino-americanos, o próprio desgaste dos modelos
nacional-desenvolvimentista e populistas e, entre outros muitos fa-
tores, o impacto da Revolução Cubana nos países da região, faci­
litaram o surgimento da que seria conhecida como Teoria da De­
pendência. Os teóricos da dependência,'56 a maioria dos quais se
autodefiniam como marxistas não-ortodoxos, tentaram superar o
que consideravam limitações da escola cepalina na hora de anali­
sar e propor alternativas direcionadas a resolver as desigualdades
económicas entre os países. Duas questões articulavam basica­
mente suas análises: uma mais propriamente económica e outra
política, mas, ambas, inseparáveis, pois, como assinalou o soció­
logo Francisco de Oliveira, com o conceito de dependência trata-
se de explicar a forma pela qual os interesses internos se articu­
lam com o resto do sistema capitalista.'1' Tentando-se mostrar,
por exemplo, que o modelo económico de industrialização pela via
da substituição das importações não fez diminuir as diferenças nos
níveis de desenvolvimento económico entre os países do centro e os
da periferia. Esta situação decorre, entre outros fatores, da manei­
ra pela qual se difundem pelo mundo os avanços tecnológicos e do
controle do comércio internacional e, portanto, dos preços, exerci­
do pelos países superindustrializados e empresas multinacionais, o
que determina que os países da periferia recebam, progressiva e
comparativamente, uma menor quantidade de produtos manufatu-
rados pelo valor das suas matérias-primas exportadas.58
No plano político, os teóricos da dependência criticaram os
cepalistas por ter dado prioridade em suas análises aos efeitos
económicos das desiguais relações de intercâmbio entre países,
propondo políticas desenvolvimentistas sustentadas nos conceitos
de internalização do centro de decisões, integração nacional, pla­
nejamento, interesse nacional, negligenciado o “papel condicionante
das relações internacionais de poder” e também da “estrutura

276
sócio-política interna, sobre o desenvolvimento da economia de
cada país ”,59 e contribuindo, assim, para desvalorizar a importân­
cia política dos conflitos entre as classes ou grupos sociais nos
países periféricos. Isto é, segundo o resumo realizado pelo sociólo­
go Francisco Oliveira, em sua obra Dependência e Desenvolvimen­
to em América Latina, Fernando Flenrique Cardoso e Enzo Faletto

“Tentaram se afastar [...]do esquema cepalino, que vê


nas relações externas apenas oposição a supostos inte­
resses nacionais globais, para reconheceram que, an­
tes de uma oposição global, a dependência’ articula os
interesses de determinadas classes e grupos sociais da
América Latina com os interesses de determinadas clas­
ses e grupos sociais fora da América Latina. A
hegemonia aparece como o resultado da linha comum
de interesses determinada pela divisão internacional do
trabalho, na escala do mundo capitalista.”60

Entre os trabalhos que maior influência exerceram na apli­


cação das abordagens dos teóricos da dependência à análise das
desigualdades económicas inter-regionais no Brasil, cabe destacar
os escritos do sociólogo Francisco de Oliveira. Focalizando seus
estudos na análise das transformações sócio-econômicas e políti­
cas do Nordeste, sobretudo em seu hoje já clássico livro Elegia
para uma Re(li)gião: Sudene, Nordeste, Planejamento e Conflitos
de Classe, Francisco de Oliveira tentaria refutar a validade das
teses dualistas da Cepal, cujo pressupostos tinham nos estudos do
economista Celso Furtado seu mais notório representante no Bra­
sil, além de ser um dos principais ideólogos e gestores do modelo
de desenvolvimento implementado no Nordeste, através da Sudene,
durante o governo João Goulart. Francisco de Oliveira mostraria
sua oposição aos enfoques baseados no conceito dos desequilíbrios
regionais, propondo analisar as diferenças económicas entre as
regiões brasileiras e as políticas de planejamento “sob a ótica da
divisão regional do trabalho, vale dizer sob a ótica do processo de

277
acumulação de capital e de homogeneização do espaço económico
do sistema capitalista no Brasil 61 Abordagem diferente, portan­
to, dos que partem de uma base estática, “tomando como dado
uma certa situação da divisão regional do trabalho ”, em vez de
examinar o “processo de constituição desses diferenciais 62
Francisco Oliveira, como fizeram antes e depois dele ou­
tros autores que focalizam o fenómeno regional fundamentalmen­
te através de um viés economicista, insistia, em Elegia para uma
Re(li)gião, na idéia da tendência decrescente das diferenciações
económicas regionais no Brasil como resultado da expansão do
capitalismo monopolista no país, ao ficárem subordinadas ao mesmo
todas as outras formas assumidas pelo capital (por exemplo, agrário
e mercantil):

“ [...] que é uma região num contexto nacional


hegemonicamente controlado pelos setores mais avan­
çados da produção capitalista. Ela indica, no final, uma
redefinição do próprio conceito de região num sistema
de base produtiva capitalista e talvez até uma comple­
ta desaparição dessas “regiões” [...]. O que preside o
processo de constituição das “regiões” é o modo de pro­
dução capitalista, e dentro dele, as “regiões” são ape­
' - A **9,7,
.
nas espaços socio-economicos.

Contudo, Francisco de Oliveira fazia questão de matizar que


o “fim das regiões” - leia-se “económicas” - quase nunca chegava
a materializar-se na periferia de forma completa e acabada, pelo
próprio fato de que o processo de reprodução do capital é por
definição desigual e combinado; inclusive porque o imperialismo, “a
maioria das vezes não apenas se aproveita das diferenças regionais
reais, como as cria para seu próprio proveito ”.64 No entanto, para
ele, a tendência ao fim das regiões era evidente nos Estados Unidos
da América (EUA), ainda que dificilmente pudesse se servir desse
tipo de análise para avaliar a “questão regional/nacional” na maio­
ria dos países industrializados da Europa:

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