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A GEOGRAFIA NA DIFERENCIAÇÃO ENTRE AGRÍCOLA E AGRÁRIO: O

(DES)ENCONTRO DE COMPLEMENTARIDADES NO DESENVOLVIMENTO DO


ESPAÇO RURAL

Bruno dos Reis Fonseca – Universidade de Brasília


brunoreis@wwf.org.br

Resumo
O trabalho busca apresentar diferenciações e complementaridades no desenvolvimento do espaço
rural brasileiro. Utiliza de conceitos chaves da geografia para a análise dos (des)encontros entre
agrícola e agrário. E propõem a espacialização das intenções de ação do Estado e sociedade
brasileira no encontro de uma agricultura humana. Evitando a fragmentação dos aspectos que
envolvem as atividades rurais, enfatizando as demais funções da agricultura tendo a integridade
das relações do Homem do campo com a terra como foco. Assim sendo, se apropria da ementa
geográfica na argumentação.

Palavras-chaves: Espaço geográfico; território usado; agrícola e agrário; espaço rural.

Abstract

This work aims to show differences and complementarities in the rural. It uses key concepts of
geography to the analysis of (mis)matches between agricultural and agrarian. It proposes the
spatialization of the intentions of state action and the brazilian society at a meeting of human
agriculture. Avoiding the fragmentation of issues involving rural activities and emphasizing the
other functions of agriculture. The integrity of the human relations field with the earth is the focus
of the research. Thus, appropriates the menu on the geographical argument, as the main goal.

Key words: Geographyc espace; land used; agricultural and agrarian; rural space.

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Apresentação

O artigo desenvolve, a partir de conceitos centrais de pensadores da geografia, uma discussão


sobre a diferenciação de natureza e de competência nos órgãos máximos das políticas do meio
rural nacional. A reflexão está focada nos (des)encontros entre o desenvolvimento do agrícola –
aqui entendido como a prática da agricultura exclusivamente comercial – e o agrário sob o
significado de outras formas de uso do território da ruralidade.

Nosso objetivo é enfatizar a importância de se considerar a totalidade do meio rural. Caminho este,
percorrido a partir da observação das demais relações existentes nas atividades agricultoras, que
não a exclusiva de produção de mercadorias e assistencialismo social. Para além disso, buscamos
enfatizar formas de preservação do contexto sociocultural das famílias agricultoras, o bom uso dos
recursos naturais e a justiça social e ambiental como condicionantes para um desenvolvimento
mais próximo do equilíbrio no espaço rural.
Buscamos nos apropriar de conceitos centrais da geografia e áreas afins tais como: espaço,
território usado, multifuncionalidade na agricultura, entre outros, como base para a leitura da
realidade rural brasileira.
Enfatizamos autores do pensamento geográfico, com o olhar direcionado para o alcance de um
maior raio de contemplação e ação das relações existentes no campesinato. Tentando, assim,
reduzir a fragmentação do entendimento sobre as intenções de ação do Estado e da sociedade.
Portanto, o trabalho pretende lançar mão da importância da melhor utilização do território pela
sociabilidade ambiental e econômica, evitando a compartimentação exagerada das relações entre o
agrícola e o agrário.

A participação da geografia na possível compreensão da totalidade da agricultura:


Referencial teórico e metodológico

A agricultura é responsável por grande parte das atividades que sustentam o desenvolvimento da
humanidade. As técnicas para sua apropriação e utilização devem permitir a maior abrangência de
oportunidades ambientais, sociais e econômicas que constituem tal estrutura. As políticas públicas
dos “setores” (na nomenclatura usual) agrícola e agrário, vêm reproduzindo os interesses da
economia e do social, respectivamente, de maneira fragmentada. Afasta-os um do outro, e ainda,
desconsidera a esfera fundamental para a existência dessa relação: a apropriação sustentada do
ambiente natural. Os aspectos sociais e ambientais são lembrados, apenas, pelos impactos que as

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atividades agrícolas geram, e o econômico pelo incremento no produto interno bruto do país,
exclusivamente.

Ao analisarmos o pensamento geográfico, perceberemos que objeto de estudo desta ciência, o


espaço, representa a dinâmica de um conjunto de relações extremamente complexas entre
humanos, animais, recursos naturais e acessórios artificiais. É importante que o objetivo da
pesquisa científica da área, seja entendido como o entendimento da prática dessa co-existência.

Nesse sentido, são diversos os atores e fatores que dinamizam as movimentações da humanidade, e
a agricultura se apresenta como uma das bases para tanto. No quesito de correlacionar os
constituintes espaciais do meio rural, a geografia oferece conceitos que podem apresentar a
abrangência do entendimento sobre as relações do campo. E com isto, permitir a apresentação e
diminuição das falhas encontradas na prática do desenvolvimento ambiental, social e econômico
dessas atividades.

Para tanto, a estruturação do trabalho flui a partir de uma metodologia que engloba processos de
revisões bibliográficas e de desenvolvimento de critérios analíticos que tomam a categoria
território usado, proposta por Milton Santos, como o norte para o estudo espacial do meio rural.
Observa, também, critérios que permitem a análise das expressões de poder contidas nos discursos
explícitos e implícitos na política das atividades agrícolas. Provoca um breve encontro de
pensamentos de Hanah Arendt e Iná Elias de Castro sobre política e a participação da geografia no
entendimento desse conceito.

E, por fim, pretende acrescentar ao desenvolvimento agrícola e agrário o fortalecimento dos


aspectos sociais e ambientais presentes nas atividades do meio rural quando acrescidas dessas
demais funções. Utiliza, para isto, as idéias de Maria José Carneiro e Renato Maluf, quando estes
discorrem sobre a noção de multifuncionalidade na agricultura.

O artigo invoca, então, a atenção necessária à totalidade das movimentações na utilização do


território para a melhor compreensão do espaço rural. Acreditando no surgimento das atividades
agrícolas e agrárias com redução das desigualdades sociais, e o devido respeito a esfera ambiental.
Apresentando, assim, a possibilidade de uma agricultura mais humana, sem fome, como idealizou
o geógrafo Josué de Castro.

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Portanto, diminuir a setorização entre agrícola e agrário a partir da compreensão do afastamento
existente entre os ministérios rurais, e estimular políticas acrescidas do espaço geográfico pelos
órgãos máximos do setor agropecuário, são as nossas principais intenções. Sem querer impor o
melhor a ser feito, a meta é alocar pensamentos geográficos no entendimento e exercício do
desenvolvimento espacial da ruralidade brasileira.

Milton Santos: Do Espaço ao Território Usado

O objeto de estudo da Geografia como ciência é o espaço. Todas as vertentes dentro dessa área de
pesquisa, necessariamente, devem e têm potencialidades para tanto, ter um compromisso com o
estudo da realidade constituinte de seu objeto. Contemplar a totalidade dos fatores, atores e
processos que produzem a espacialidade é o primordial no desenvolvimento da pesquisa
geográfica.

Milton Santos, o mais evidente pensador brasileiro do espaço geográfico, fez a apresentação de seu
entendimento sobre tal instância social, a partir de formulações e relações entre alguns conceitos
por ele concatenados e distribuídos em alguns livros e artigos publicados. Em A natureza do
espaço (Santos, 2006, 2 ed), apresentou algumas hipóteses para esse estudo, aplicando sua análise
espacial a partir da idéia dos fixos e fluxos.

“Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou
renovados que recriam as condições ambientais e as condições sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos são um
resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o seu
valor, ao mesmo tempo em que, também, se modificam (Santos, 1982, p. 53; Santos, 1988, pp. 75-85 apud Santos,
2006, 2 ed)”.

O geógrafo seguiu seu raciocínio contemplando, brilhantemente, a dialética entre configuração


territorial e relações sociais (Santos, 2006, 2 ed). Definiu que o espaço é o envolvimento da
materialidade (conjuntos de sistemas naturais) com o que a anima (influência antrópica sobre esses
sistemas) na elaboração dos processos e produtos sócio ambientais.

“À medida que a história vai fazendo-se, a configuração territorial é dada pelas obras dos homens: estradas,
plantações, casas, depósitos, portos, fábricas, cidades etc; verdadeiras próteses. Cria-se uma configuração territorial
que é cada vez mais o resultado de uma produção histórica e tende a uma negação da natureza natural, substituindo-a
por uma natureza inteiramente humanizada” (Santos, 2006, 2 ed).

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Milton chegou à relação existente entre sistemas de objetos e sistemas de ações (Santos, 2006, 2
ed) no processo de criação, manutenção e transformação do espaço. Os sistemas de objetos, Santos
entendeu como conjunto de elementos naturais, que na atualidade está acrescido de outros
constituintes artificiais – organismos geneticamente modificados são um exemplo da
artificialização do natural no meio rural. E os sistemas de ações, que são as movimentações
humanas sobre a configuração territorial, sofrendo influência direta das transformações do atual
estágio tecnológico da civilização. Esses sistemas de ações estão intimamente ligados à evolução
da técnica impulsionados pela abrangência e aceleração da informação. Ou seja, há uma
organicidade entre a diversa rede de constituintes e a mobilidade que retroalimentam a
espacialidade.

Enfim, Milton Santos apresentou o entendimento de que toda a criação do espaço acontece a partir
do uso do território - “território são formas, o território usado são objetos e ações, sinônimos de
espaço humano, espaço habitado” (Santos, 2005). Mantém-se pela simbiose entre seus
constituintes - “a fluidez real do território usado se realiza através das ações humanas” (Idem) e se
transforma de acordo com a evolução tecnológica dos meios de apropriação da natureza e da
informação.
Assim, “o espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço através dos objetos,
naturais e artificiais no território” (Santos, 2008, 6 ed). Com isto, o estudo do espaço na geografia,
a partir de seu maior pensador, nos remete a compreensão de que todo movimento na coexistência
homem-natureza é encontrado no uso do território.

Por uma nova territorialidade

De acordo com Spósito e Saquet (2008), “a territorialidade é uma expressão do poder social,
conformando o território. Considerada como um componente de poder significa uma forma de
controle do espaço”(Spósito&Saquet, 2008 p17). Tendo essa conceituação em mente e a corrente
de pensamento descrita acima, observamos a necessidade de um mais abrangente entendimento do
território e uma outra forma de governança do mesmo. Relevando aspectos que enfatizem a
totalidade dos condicionantes dessa estrutura social.
Segundo pesquisa elaborada pelo convênio IICA – OPPA/CPDA/UFRRJ, 2007i, a transformação
do entendimento e ação sobre o território passa pela:

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i) emergência de uma nova esfera de governança territorial; ii) articulação de atores e processos de
representação/participação política; iii) políticas públicas, desenvolvimento territorial e articulação institucional; iv)
lições aprendidas a partir da experiência do caso brasileiro; e, v) definição de estratégias e recomendações de
propostas políticas.

O estudo apresentado definiu que serão “as questões políticas que dizem respeito às relações de
poder, com o empoderamento dos atores e instituições dos setores envolvidos” (IICA –
OPPA/CPDA/UFRRJ, 2007) que constituirão a base a dar forma para essa necessária
transformação no/do desenvolvimento territorial.
Tendo entendido conceitos que possibilitam o desenvolvimento territorial abrangente, vamos
debater essas questões pelo prisma do meio rural

Território rural

No território rural, as novas políticas para o desenvolvimento territorial devem considerar o


desenvolvimento que abranja a totalidade dos constituintes de sua estrutura. Os aspectos social e
ambiental, intrínsecos a todo meio humano, precisam ser observados nos mesmos termos do que o
econômico, sem distinção de prioridades.

“Está na inadequação de nossas estruturas agrárias o fator essencial da mal utilização de nossos recursos naturais e da
subocupação do homem do campo. (...) O mínimo essencial para as necessidades básicas de vida, só será obtido
através de profundas alterações dessas estruturas” (Josué de Castro, p284)

Numa tentativa de remodelamento da democracia, a política de desenvolvimento do campo deve


possibilitar uma nova forma de utilização do território por seus atores. Forma esta que considere a
diversidade de realidades ali existentes. A partir de outro entendimento e um novo
desenvolvimento da ruralidade, alcançar o conjunto de “sistema territorial como resultado das
relações de poder do Estado, das empresas e outras organizações e dos indivíduos”,
(Spósito&Saquet, 2008 p18). Para, assim, iniciar o caminho para a transformação do entendimento
e a qualificação na ação sobre o ambiente rural.

Política e Geografia: A prática reduzida de um conceito amplo

Como dito por uma das mentes mais brilhantes do estudo da política: “A política baseia-se na
pluralidade dos homens (...) trata da convivência entre diferentes” (Arendt, 2007). A partir dessa

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concisa, porém não menos complexa definição, podemos defender que a política não pode ser
restrita aos ditames da institucionalização do contrato social. Esse instrumento das relações
humanas vai para além do partidarismo existente no Estado, tenha ele a ideologia e estrutura que
tiver. Focando o conceito no campo, tal instrumento não pode ser limitado a alguns poucos
idealizadores-executores que o modelam de acordo com os interesses de uma pequena
coletividade. A política rural setorizada por uma minoria possibilita o aparecimento da

“política antinacional, cultivada com métodos vampirescos de destruição dos solos, manipulando os produtos de
exportação, monopolizados por meia dúzia de açambarcadores da riqueza do país. Constroem estradas de ferro
exclusivamente para ligar os centros de produção com os portos de embarque destes produtos e institui-se uma política
cambial a serviço destas manipulações econômicas. Por trás dessa estrutura com aparência de progresso, permanecem
os latifúndios improdutivos, o sistema da grande plantação escravocrata, o atraso, a ignorância, a fome” (Josué de
Castro, 2007 – 7 ed, p. 270).

Essa maneira de fazer política, tal qual é ilustrada na referência a Josué de Castro, é reducionista e
extremamente individualista. Características que não devem participar da prática desse conceito
amplo, que visa a máxima participação de agentes em seus processos de formulação e prática.
Vamos considerar, seguindo o raciocínio de Iná de Castro, “os problemas das relações entre
território e política, como componentes essenciais do processo histórico de formação das
sociedades” (Elias de Castro, 2005 p.15) para embasar nosso pensamento.

A relação território e política tem grande significado na pesquisa sobre um abrangente


desenvolvimento territorial. A pensadora em questão define a política como “expressão e modo de
controle dos conflitos sociais e o território como base material e simbólica da sociedade” (Elias de
Castro, 2005 p. 79). Ou seja, a relação de poder entre os homens, representada pela política,
acontece sobre o território. Por isto, o estudo da utilização do território precisa embarcar a
totalidade de interesses em seu processo.

Correlacionando a curta e direta definição de política de Hannah Arendt citada e a breve leitura
sobre o pensamento geográfico de Iná de Castro, perceberemos serem complementares as duas
idéias. Pelo fato daquela ter compreendido que “o homem é a-político e que a política surge no
entre homens e com isto, surge no intra-espaço e se estabelece como relação” (Arendt, 2005 p. 23).
E esta debruçar-se sobre a geografia política, ou seja, o estudo das relações de poder entre os
homens no espaço. A geógrafa ntendende “o espaço como mais do que uma dimensão do fato
político, uma mediação – continente – e um resultado – conteúdo” (Elias de Castro, 2005 p. 90).

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Concluímos, a partir dessa conversa, que a política no meio rural brasileiro, no mínimo, tem suas
potencialidades reduzidas. Observação respaldada pelas intenções governamentais fragmentadas a
partir da separação entre a prática agrícola e o desenvolvimento agrário. Assim, para confirmarmos
ou anularmos nosso pressuposto, a análise da natureza e competência dos dois maiores órgãos
rurais no país será o direcionamento escolhido.

Natureza e Competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do


Ministério do Desenvolvimento Agrário: (Des)Encontros entre Agrícola e Agrário

Historicamente, as políticas públicas no Brasil são formuladas a partir de um ideal setorizado das
atividades que visam atender. São restritivas a uma determinada “pasta” ministerial, na maioria das
vezes desconsidera as relações existentes entre os ministérios que se inter-relacionam. Este
distanciamento leva a uma visão fragmentada da realidade.

“A partir de meados do século XX, quando o planejamento espacial ganhou força nos países capitalistas, muitos
pesquisadores da academia e técnicos governamentais confundiram a possibilidade de enfocar separadamente as
questões ambientais, territoriais, regionais, urbanas e rurais, para fins analíticos, com a teorização e a intervenção
sobre as mesmas como se fossem autônomas” (Steinberger, 2006 p.31).

No presente capítulo, vamos analisar algumas das intenções ministeriais que visam “abranger” o
desenvolvimento agrícola a partir do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), e o desenvolvimento agrário através do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
É preciso enfatizar que faremos uma análise genérica e sem intenção de alcançar os planos e
programas existentes. Nosso interesse é fazer, apenas, uma apreciação das intenções, analisando os
possíveis aparecimentos, ou não, de algumas categorias conceituais da geografia em seu escopo.

“A acepção restrita do espaço tem sido utilizada indistintamente em todas as políticas públicas nomeadas como
econômicas, sociais e setoriais. Assim, não se reconhece a espacialidade de um conjunto de políticas, constituído pela
ambiental, territorial, regional, urbana e rural, que são espacialmente fundamentadas, isto é, tem em comum o fato de o
espaço ser seu substrato” (Steinberger, 2006 p. 31).

Steinberger encontra eco no pensamento de Josué de Castro:

“Daí o desenvolvimento anômalo, setorial, limitado a certos setores mais rendosos, de maior atrativo para o capital
especulativo, deixando no abandono outros setores básicos, indispensáveis ao verdadeiro progresso social” (Josué de
Castro, 2007 – 7 ed, p. 269)

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Segundo a autora, “o Estado de agora não pode ser mais aquele que desconhecia a existência de
poderes plurais”. Ela continua: “a expectativa é que se adote um planejamento compartilhado entre
o Estado e a Sociedade cuja finalidade última seja promover transformação social” (Steinberger,
2006 p30).

Pelos meios utilizados para o entendimento sobre espaço e as relações existentes na espacialidade;
pela apresentação do território usado como maior instância da criação, manutenção e
transformação deste espaço; de como deve ser apreendida a idéia de política e a participação da
geografia nessa compreensão; e pela intenção de inserir esses conceitos da geografia na análise,
formulação e execução de políticas públicas considerando a participação social nos processos,
vamos, agora, adentrar nas intenções da natureza e da competência do MAPA e do MDA.
Ressaltamos que esse conjunto de intenções foi retirado do escopo dos próprios ministérios rurais.

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA

“Estimular o aumento da produção agropecuária e o desenvolvimento do agronegócio, com o objetivo de atender o


consumo interno e formar excedentes para exportação. Essa é a missão institucional do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (Mapa), que tem como conseqüência a geração de emprego e renda, a promoção da
segurança alimentar, a inclusão social e a redução das desigualdades sociais. Para cumprir sua missão, o Mapa formula
e executa políticas para o desenvolvimento do agronegócio, integrando aspectos mercadológicos, tecnológicos,
científicos, organizacionais e ambientais, para atendimento dos consumidores brasileiros e do mercado internacional.
A atuação do ministério baseia-se na busca de sanidade animal e vegetal, da organização da cadeia produtiva do
agronegócio, da modernização da política agrícola, do incentivo às exportações, do uso sustentável dos recursos
naturais e do bem-estar social. (fonte: http://www.agricultura.gov.br/ - 09 de agosto de 2009).

Na primeira sentença do parágrafo que inicia a apresentação da competência do MAPA, fica claro
o caráter econômico da pasta. O ministério tem como objetivo principal o crescimento econômico.
Porém, permite que as falhas sejam materializadas quando o assunto são as desigualdades sociais e
impactos ambientais, aspectos também propostos a serem trabalhado por essa esfera política.
Sobretudo, no que tange a geração de emprego e renda e uso sustentável dos recursos naturais.
Vamos nos pautar apenas nesses pontos para desenvolver nosso objetivo de análise. Partiremos da
observação da realidade existente, tendo em mente a intenção de contribuição conceitual da ciência
geográfica para a discussão.

Visto que a manutenção e o crescimento do agronegócio estão intimamente ligados ao aumento da


mecanização para alta produção, que ocorre em detrimento da utilização de mão de obra, essa é

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uma dinâmica desleal para o aspecto social. Considerando que os pequenos agricultores não
acompanham o progresso tecnológico da agricultura comercial de grande escala, cada vez mais os
mesmos têm que abrir mão de suas terras agregando-as aos grandes latifúndios. Ficando, por fim,
sem terra para produzir, nem mesmo a sobrevivência..

A partir daí, alguns poucos que têm a “sorte” de serem contratados em alguma grande fazenda, se
mantém no campo. Agora como trabalhador rural, não mais camponês (essa diferenciação será
explanada mais a frente). Outros, “menos afortunados”, têm como única opção se direcionarem
para o meio urbano. Sem a qualificação necessária para sua reprodução econômica, incrementam a
diferenciação, ou melhor, a exclusão social, característica do inchaço urbano.

“Os altos graus de mobilidade social do campo para a cidade, supersaturando os núcleos urbanos com grandes massas
humanas improdutivas, células economicamente mortas, infiltradas dentro da textura social, vêm onerar terrivelmente
o erário público com os indispensáveis serviços sociais, cujo alto custo absorve, necessariamente, uma grande parcela
de recursos que deveriam ser aplicados em investimentos reprodutivos” (Josué de Castro, 2007 – 7 ed, p. 278)

Os que ficaram no campo, acabam recorrendo às atividades que não exclusiva agricultora para
terem mais condições de sobrevivência. Fator que é conceituado por Sérgio Schneider (2003),
como pluriatividade na agricultura. Ou seja, o desenvolvimento de outras formas de incremento do
orçamento da unidade familiar, deslocando os membros das famílias para diversos setores da
economia. Nessa dinâmica a família perde sua identidade orginalmente rural, deteriorando a
relação sociocultural desses homens e mulheres com o campo.

Percebemos, com isto, que as intenções do MAPA não permitem a verdadeira reprodução social
campesina, como intencionada em sua competência. Está claro que a participação desse ministério
na política - considerando a abrangência conceitual brevemente descrita no presente trabalho - está
restrita aos fatores econômicos da atividade. Fica difícil querermos almejar algo diferente,
principalmente ao analisarmos os números do agronegócio e sua importância para o crescimento
econômico do país. Certamente o econômico se manterá prioritário. O importante aqui, é
apresentar o paradoxo conceitual e prático desse setor no que tange ao aspecto social.

Nesse primeiro momento da observação sobre as intenções do MAPA, aparecem falhas no que diz
respeito a totalidade do espaço geográfico. O aspecto social não é representado com a mesma
intenção do que o econômico. Existe o direcionamento da apropriação dos recursos da agricultura
para o fomento da economia, e com isto a utilização do território é reduzida. Negligência que
possibilita a fragmentação da integridade espacial nas relações agrícolas.

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Na esfera ambiental também observamos a falta de integração interna e coerência na estratégia da
pasta: se pretende sustentável o desenvolvimento da atividade agrícola. Porém, ao analisarmos as
grandes propriedades que produzem commodities, exclusivamente, o que encontramos é a
paisagem ecossistêmica violentada. A vegetação natural, na maioria dos casos, é completamente
retirada em prol da monocultura. E, ainda existe a dificuldade dos órgãos de fiscalização
implementar leis e praticar a coerção nos infratores da legislação ambiental.

O uso desregulado de agrotóxicos – corretivos para o solo, pesticidas, antibióticos potencializando


o crescimento vegetal etc; a biotecnologia – transgênia e a corrida pelos organismos geneticamente
modificados; a mecanização da lavoura – compactação do solo e erosões diversas; o uso
desmedido dos recursos hídricos – desvio e represamento de rios para irrigação, poluição das
bacias hidrográficas por dejetos dos animais da pecuária, retirada da mata ciliar e o conseqüente
assoreamento das margens; são fatores que por si só intemperizam, cada vez mais, o abismo entre
agronegócio e sustentabilidade ambiental.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente (2003), as cadeias do agronegócio são uma das seis
principais causas dos impactos sobre o bioma amazônico. Essa informação nos permite realizar a
idéia de que não há uma integração entre os ministérios. A falta de aproximação distancia mais do
que as pastas ministeriais, mas reproduz em progressão geométrica, o afastamento da abrangência
espacial..

Em contra partida, são esses processos embutidos na agricultura exclusivamente comercial, que
permitem ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro alcançar números satisfatórios para a
economia nacional. Através da tecnificação da agricultura e da artificialização demasiada do
ambiente natural, o país consolida cada vez mais sua característica de celeiro do mundo. Pois o
crescimento como se apresenta, ocorre em detrimento de um desenvolvimento endógeno, que leve
em consideração as realidades locais e regionais do território nacional na implementação de suas
técnicas.

“Foram os interesses alienígenas que predominaram, orientando a nossa economia para a exploração primária da terra
e para a exportação das matérias primas assim obtidas. Desenvolveu dessa forma no Brasil, a sua vocação oceânica,
exportando toda sua riqueza potencial – a riqueza de seu solo por preços irrisórios. E não sobrando recursos para
atender as necessidades internas do país: bens de consumo para seu povo e equipamentos para seu progresso” (Josué
de Castro, 2007 – 7 ed, p. 267)

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Em termos geográficos, essa relação como tal, pode ser compreendida como sendo a técnica
utilizada como um meio para um fim desajustado à totalidade espacial. No agronegócio a técnica é
um meio para atender a um fim desequilibrado - a reprodução e o acúmulo do capital, cuja
dinâmica é degradante da sociabilidade rural e do meio natural.

Portanto, a partir da observação desse ministério, percebemos que as intenções de utilização do


território pela atividade gerenciada por tal órgão é fragmentada, degradante e excludente. Nessa
observação, chama atenção a redução intencionada das possibilidades de utilização do território
pelo modelo econômico vigente. As políticas não são favoráveis, reduzindo as potencialidades da
atividade agrícola. Além de propiciar um desperdício de recursos que certamente seriam bem mais
aproveitados em outros setores da população. O pensamento de Josué de Castro acrescenta:

“Em face da fraqueza do poder político central, os interesses colonialistas manipularam no sentido de que o processo
econômico se limitasse a ampliar os lucros de um pequeno número de proprietários agrícolas, associados em sua
aventura colonial, sem atingir entretanto, o conjunto da população” (Josué de Castro, 2007 – 7 ed, p. 268)

Pelo prisma espacial, a acumulação do capital agrícola visando simplesmente o crescimento dos
números da economia, deteriora as demais funções das atividades rurais. Faz com que as
desigualdades sociais e os impactos ambientais no campo aumentem proporcionalmente ao sucesso
da agropecuária puramente mercadológica.
Concluímos a observação sobre o MAPA fazendo uma referência a José Eli da Veiga. O
intelectual diz que “não cabe tal fragmentação, e quanto mais conectados esses aspectos mais
estabilidade, resiliência e equidade as atividades agropecuárias trarão para o desenvolvimento do
país” (Eli da Veiga, 1979). Certamente, não iremos desenvolver os outros aspectos defendidos pelo
autor nesse capítulo. Porém, é preciso mostrarmos as inconsistências, que desde a origem da
missão do órgão máximo da agricultura e pecuária brasileiras, materializam o caráter fragmentário
e exclusivamente monetário do setor. O MAPA se propõem mercantil, e intenciona a
espacialização de sua ação quando acrescenta as esferas sociais e ambientais em sua competência.
Mas não é preciso muita ciência para descortinar o tamanho de sua incoerência.

Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA

“O Ministério do Desenvolvimento Agrário, órgão integrante da administração direta, tem como área de competência
os seguintes assuntos: I - reforma agrária; II - promoção do desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído
pelos agricultores familiares; e III - identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras
ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. O Ministério do Desenvolvimento Agrário exercerá,

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em caráter extraordinário, as competências relativas à regularização fundiária na Amazônia Legal de que trata o art. 35
da Medida Provisória nº 458, de 10 de fevereiro de 2009”. (Fonte:
http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/140 - 09 de agosto de 2009).

Como caracteriza Caio Prado Júnior em sua obra A questão agrária no Brasil, “a satisfação das
necessidades da natureza humana deve ser o que fundamenta a solução dos problemas agrários”
(Prado Júnior, 1979). Ou seja, o alvo de toda intenção da política agrária, seja a reforma na
distribuição e utilização das terras, sejam os planos e programas que possibilitem e estimulem a
permanência do camponês em seu meio, o Homem deve ser o alvo principal. Não só como
àquele(a) que precisa ser observada(o) sobre os aspectos das desigualdades sociais provocadas pela
fragmentação da atividade agricultora. Ou ainda, aquele(a) classificada(o) por categorias sociais.
Mas, sim, o(a) que tem na relação com a terra, a matriz principal de sua existência ambiental,
social, cultural e econômica. E o que temos observado na ação do Estado é uma intencionalidade
de cunho assistencialista vestido dos acessórios atribuídos à reforma agrária, como sendo uma
conquista da luta de classes.

Vamos, então, focar a análise da competência do MDA sobre a primeira, e talvez a única real
intenção de ação que pode ter o governo quando cria um órgão direcionado ao desenvolvimento
agrário. Uma reforma no uso da terra, que respeite as esferas sociais, culturais, ambientais e
econômicas do desenvolvimento camponês. Ou seja, a reforma agrária sem a fragmentação
espacial da ruralidade camponesa, nem a distinção dos segmentos impostos a estes homens e
mulheres.

Camponês(a) x Trabalhador(a) Agrícola

Antes de desenvolver o capítulo, vamos apresentar o entendimento utilizado sobre o conceito de


camponês. Para termos claro a diferenciação conceitual entre camponês e trabalhador agrícola,
utilizaremos um entendimento direto, não por isto simplista, do antropólogo Eric Wolf sobre essa
diferenciação:

“Camponeses são cultivadores rurais; ou seja, cultivam e criam gado no ‘seu campo’, não em estufas (...) O camponês
não realiza um empreendimento no sentido puramente econômico, ele sustenta uma família e não uma empresa. Em
algumas sociedades do mundo, os camponeses são os principais produtores de reservas e riquezas sociais, como
também, há regiões que seu peapel foi relegado a segundo plano. (...) Trabalhadores agrícolas são pessoas que

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manuseiam as técnicas das ‘novas fábricas’ do campo; que aplicam a tecnologia da revolução industrial no cultivo de
alimentos em grandes fazendas”. (Wolf, 1976 p 13-27).

Acrescentamos ao entendimento de camponês proposto por Wolf, a possibilidade deste de ter em


sua atividade a “responsabilidade pela conservação dos recursos naturais, do patrimônio natural
(paisagens) e pela qualidade dos alimentos” (Carneiro&Maluf, 2003 p.19). E ainda, a possiblidade
da manuntenção da reprodução de seus ritos culurais. Com esse intuito, trazemos para a nossa
discussão, a importância de acrescentar às atribuições da reforma agrária a restruturação dos
aspectos ambientais e culturais para a reprodução da existência da(o) camponês(a). Não limitando,
assim, a compreensão da necessidade de implementação da reforma agrária apenas nos termos
sociais e econômicos reclamados pela luta de classe no campo.

Por uma intenção de reforma agrária verdadeira

Apropriando-nos do pensamento do geógrafo Ariovaldo Umbelino Oliveira, a terra depois do


capitalismo colonial se transformou em mercadoria,. E a propriedade da terra se tornou um tipo de
renda capitalizada. Esse produto, que pode ser entendido como advindo de uma fração de mais-
valia social, é portanto, subtraído da sociedade. Assim, o “grande proprietário é um personagem de
dentro do capitalismo que se converteu em colonizador e vendedor da mercadoria terra”(Oliveira,
1986), fazendo do camponês simples nesse processo, um vulnerável coadjuvante do Estado.

Para além das lutas históricas no campo, a ênfase de nosso conflito entre camponês e Estado, é
estruturada sobre a importância de ser observada a totalidade das relações existentes no espaço
rural. Vamos fugir da questão puramente política institucional da luta entre classes, e marcar nosso
ponto de vista sobre a essência da ruralidade da qual os camponeses estão inseridos. No que os
relaciona com a reforma agrária, pauta principal do MDA, estamos partindo da idéia de haver
inconsistência na intenção do ministério, sobretudo pelo órgão não enfatizar os aspectos culturais
dos atingidos pela reforma agrária.

A principal referência conceitual para a discussão de uma outra intenção de reforma agrária é a
noção de multifuncionalidade da agricultura proposta por Maria José Carneiro e Renato Maluf
(2003). Tal noção traz para o entendimento da atividade agricultora as outras funções existentes no
campesinato. Essa possibilidade permite lançar novos olhares sobre as necessidades e
potencialidades do(a) camponês(a), e consequentemente a apropriação e uso das terras pelos
mesmos.

14
“A noção de multifuncionalidade pretende realçar as demais funções que devem ser desempenhadas pela agricultura,
além da sua função primária de produzir bens materiais (alimentos e fibras), em vista das conseqüências negativas em
termos sociais, ambientais e culturais das formas predominantes que é realizada a atividade agrícola. (...) Há a
pretensão dela constituir uma nova síntese das múltiplas dimensões envolvidas nas atividades rurais - agrícolas e não
agrícolas – e nas formas de ocupação social do espaço agrário” (Carneiro & Maluf, 2003 p.18)

A partir de uma conceituação que represente de maneira mais abrangente as funções que a
agricultura pode exercer, o tema reforma agrária ganha novos parâmetros para sua reformulação e
implementação. As relações sociais com o desenvolvimento agrário passam a significar mais do
que ao simples atendimento das demanda advindas da articulação política no território rural.

Portanto, cabe ao Estado compreender as relações para além da produção (Carneiro & Maluf,
2003) e trazer para o conjunto de fatores do desenvolvimento agrário a totalidade das relações
campesinas. Não dá mais para manter o afastamento entre social e cultural, econômico e
ambiental, e toda rede de acontecimentos que são intrínsecos ao desenvolvimento equilibrado e
com justiça socioambiental no espaço rural.

Para que haja uma reforma agrária verdadeira, a priorização do empoderamento camponês deve ser
pauta primária na política governamental. Essa capacitação vai para além da formação política
do(a) agricultor(a), distribuição de terras e disponibilização de créditos rurais. Passa por uma
reeducação camponesa que resgate a importância do sentimento de pertencimento do Homem com
relação à terra. Aflorando seus ritos culturais de cultivo como eram praticados por seus
antepassados, desde a preparação do solo, o plantio e colheita, até a manutenção dos festivais
culturais que comemoram a fartura das espécies cultivadas. É preciso que as políticas públicas
facilitem esse resgate. Que o Estado potencialize uma reforma agrária que garanta a segurança
alimentar, tendo um trato mais sensível ao ambiente, e que não por isto, seja impossibilitada a
comercialização dos produtos excedentes, por conta de uma concorrência desleal com os grandes
mercados.

Observada essa prioridade, o entendimento de que a reprodução do Homem do campo não depende
apenas de novas demarcações territoriais, a ação do MDA se qualifica no que diz respeito à
espacialização do desenvolvimento agrário. Nesses termos, há a inserção dos agentes rurais não
somente como atores políticos, mas como homens e mulheres que não se reduzem à demanda da
intenção da política institucional. Homens do campo que têm suas relações com a terra
devidamente respeitadas e não intencionalmente fragmentadas.

15
A geografia e o encontro das complementaridades na agricultura: Embasamento para uma
agricultura humana

Como podemos perceber, há uma fragmentação das atividades agrícolas e agrárias no espaço rural.
Porém, não é intenção do trabalho se ater apenas às diferenciações. Mas, também, às
complementaridades entre esses dois setores da mesma atividade. A recriminação puramente
intelectual das intenções dos ministérios em questão, também não representa a motivação do
presente estudo. A inspiração maior é trazer para o desenvolvimento do espaço rural, o
entendimento de que a totalidade espacial nas intenções do Estado pode ser encontrada. E a
sistematização de alguns conceitos da geografia pode auxiliar tal complementação espacial.
Ter uma leitura abrangente da ruralidade requer a apropriação de alguns pontos de vista pouco
praticados pelos órgãos gestores. É preciso que haja um reencontro entre agrícola e agrário para
que a territorialidade rural seja refeita. Agora, sobre o prisma da utilização do território na criação,
manutenção e transformação do espaço, abrangendo a totalidade de agentes, processos e paisagens.
Com uma política mais participativa, que considere os constituintes das realidades em questão.
Que empodere em termos semelhantes com o Estado, as empresas, a sociedade organizada e o
indivíduo. Fazendo da política uma instância social não definida, puramente, por formas pré
moldadas ou por interesses partidários. Mas, enfaticamente, como um facilitador para um
relacionamento mais equânime entre as pessoas e suas reais necessidades e anseios. Trazendo para
o crescimento do país o envolvimento da população, como defende o geógrafo Carlos Walter Porto
Gonçalves (2002).
Entender o desenvolvimento do agrícola como grande fonte de renda para o país, sim. Mas não
restringir seus produtos sociais à parcelas reduzidas da sociedade. E não permitir a reprodução
daquela ultrapassada máxima

“de que só através do nosso desenvolvimento econômico real nos libertaremos da opressão e da escravidão econômica
que esmagam a maioria de nossas populações. (...) Pois concentrar todo esforço apenas num setor é estimular um
desenvolvimento desequilibrado”, (Josué de Castro, 2007 – 7 ed, p. 280-281).

E no presente caso, apartado das diversas possibilidades que um território nas escalas do brasileiro
podem apresentar.

Ter na distribuição e utilização da terra, a certeza que não basta demarcações, ou a oportunidade de
se tornar proprietário simplesmente pelo fato de o ser. Mas ter a segurança que uma reforma

16
agrária verdadeira passa pela reformulação da relação Homem-Terra. A reeducação, o resgate do
Homem do campo, não o limitando ao rótulo de trabalhador rural. Dar condições para a
manutenção e reprodução de sua sociabilidade, economia e cultura num ambiente naturalmente
equilibrado. Capacitando e empoderando não somente na realização da assistência social, mas
permitindo sua verdadeira autonomia.

Enfim, o agrícola e o agrário têm condições de estarem juntos no processo de crescimento e


envolvimento populacional no país. É preciso, para isto, que seu olhar político seja totalizado, que
as disputas de poder não ultrapassem a intenção de integralidade do desenvolvimento do homem e
da mulher no campo. E então, haja a devida representatividade dos diversos atores, segmentos,
fatores e mobilizações atuando no desenvolvimento rural, sem distinção de classe no exercício da
espacialidade.

Parágrafo de fechamento de um ciclo de aprendizado (não intencionado à conclusão do


estudo)

Finalizando esse ciclo de estudos, entendemos que uma nova governança territorial precisa emergir
promovendo com sua estratégia e ação uma reestruturação na base da ruralidade. Que traga para as
funções da agricultura a responsabilidade não fragmentada da sustentabilidade humana.
Sustentabilidade entendida não só em termos ambientais, mas sociais, culturais e econômicos. A
Natureza precisa ser vista como a grande mantenedora da coexistência harmoniosa entre Homens,
animais e recursos naturais. Com isto, ser respeitada em suas dinâmicas. Ou seja, que lhe seja
permitida a capacidade de gerar matéria e absorver resíduos naturalmente; que sejam respeitadas
suas características primárias; que seu potencial de oferecer alimentos organicamente seja
reverenciado em contraposição às exigências imediatistas e estupradoras dos ditames
mercadológicos. “Que seja uma agricultura intensiva de subsistência, antes de mais nada (grifo
nosso) capaz de matar a fome de nosso povo” (Josué de Castro, 2007 – 7 ed, p. 267). Por fim, que
permita a conservação da natureza e potencialize o desenvolvimento humano, mas como liberdade
não necessidade.

Referência Bibliográfica

ARENDT, Hannah. O que é política ?. Tradução de Reinaldo Guarany. – 7 ed –Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 2007.

17
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e Agricultura Familiar . Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

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18
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http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/140 - acesso: 09 de agosto de 2009

http://www.mma.gov.br/ - acesso: 09 de agosto de 2009.

19
Notas
i
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ; Instituto de Ciências Humanas e Sociais –
ICHS; Departamento de Desenvolvimento, Agricutura e Sociedade – DDAS; Curso de Pós-Graduação em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade – CPDA. DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL:
ARTICULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E ATORES SOCIAIS. Pesquisadores: NELSON
GIORDANO DELGADO; PHILIPPE BONNAL; SÉRGIO PEREIRA LEITE

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