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Resumo
O fenômeno religioso está ligado a multifatores, como: educação, mitos fundantes, trabalho e
rituais que configuram os processos evolutivos de uma etnia, nos quais o fenômeno se
estabelece produzindo cultura. Qualquer tentativa de valorar a experiência religiosa de um
grupo apenas por um destes vieses será reducionista. Por onde se caminham as crenças dos
grupos milenares? Freud afirmava que o presente deveria tornar-se passado. Entretanto,
quando o presente se tornar passado será possível uma avaliação consistente do mesmo para
projeção do futuro? Mas, qual a finalidade de se avaliar o presente na esteira do passado? O
passado é carregado de vivências que se transformam em memórias e constroem o sujeito
coletivo de um grupo social. Culturas milenares produzem milenares memórias e as mantêm.
Os processos de assimilação da cultura numa nação e também a passagem das crenças de uma
geração a outra estão ligados a questões que podem ser interpretadas por perspectivas
filosóficas. Os processos filosóficos, todavia, não podem assumir caráter de universalidade.
Tzvetan Todorov destaca o risco de se cair no exagero ao identificarmos características
universalistas de uma cultura em outra. Assim, propomos a leitura da cultura japonesa, em
caráter bibliográfico, utilizando como metodologia de estudo as ocorrências de suicídio dentro
das perspectivas de sujeito coletivo e desejo mimético.
Abstract
The religious phenomenon is linked to multi-factor, such as education, founding myths, rituals
and work processes that shape the evolution of an ethnic group, in which the phenomenon is
established biases is reductionist. Anywhere you walk the ancient beliefs of the groups? Freud
argued that this should become the past. However, when the present becomes the past can be
a consistent evaluation of the same projection of the future? But, what is the purpose of
evaluating this in the wake of the past? The past is full of experiences that turn into memories
and build the collective subject of a social group. Ancient cultures produce and maintain
ancient memories. The process of assimilation of culture in a nation and also the passage of
beliefs from one generation to another are related to issues that can be interpreted by
philosophical perspectives. The philosophical process, however, can not assume universal
character. Tzvetan Todorov highlights the risk of falling into reading of Japanese culture, on
a bibliographic study methodology using as instances of suicide to perspectives with in the
collective subject and mimetic desire.
1
Mestranda em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Pedagoga.
E-mail: ambiental.tiju@gmail.com.
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Introdução
Suicídio e cultura - o desejo mimético pode ser aplicado a outras mimesis2 culturais?
O „desejo mimético‟, teorizado por Girard (2009, p. 13), é algo natural aos sujeitos. É
uma tentativa dos sujeitos de imitar algo, com ou sem a necessidade de sacrifício, para que o
padrão social seja alcançado. Assim, o desejo é simplificado em explicações naturais, do
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mímesis, Gr. - “imitação” (imitatio, em latim), designa a ação ou faculdade de imitar; cópia, reprodução ou
representação da natureza. Disponível em: http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/M/mimesis.htm.
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cotidiano relacional dos sujeitos, para desgosto dos que objetivam complexar esta relação
entre o sujeito e o objeto do seu desejo. Ao pensar na ocorrência do suicídio, em alguns
grupos sociais, pode-se estabelecer a conexão com a teoria do desejo mimético, proposto por
Girard. Aqui, o desejo de suicídio é uma tentativa de manter um status social ameaçado por
algum fator que desonrou a imagem do sujeito em vida. Se não há caminhos para recuperar o
status social dentro da comunidade, a opção pelo suicídio é tomada; configurando crise de
identidade na dinâmica do padrão da cultura (BENEDICT apud RATTNER, 2002, p. 5).
Sendo multifatorial e interdisciplinar, a temática do suicídio pode ser olhada pela
filosofia, pela sociologia, pela psicologia ou pelos estudos de religião. Apenas para citar
algumas áreas. No desejo de suicídio há um pensamento a ele ligado, que atua como
motivação gerando condições cognitivas para que o objeto de seu desejo seja realizado
(CASSORLA, 1986, p. 7). O „desejo mimético‟, termo cunhado por Girard (2009, p. 13),
possui relações com o pensamento. Desejo e pensamento ou pensamento e desejo são relações
que partem de um mesmo ponto, não podendo afirmar-se se o pensamento provoca o desejo
ou se o desejo formula o pensamento. Este pensamento está ligado a uma motivação
consciente, real, em vez de oculta. Há uma tendência para se patologizar a questão do suicídio
ou da anorexia, temática abordada no livro de Girard. O fato de uma ocorrência que atua
contra a saúde dos sujeitos ser explicada por outras ciências não exclui casos patológicos
específicos em maior ou menor grau. Contudo, o viés do mimetismo possibilita a análise do
comportamento social de modo que uma temática seja vista na perspectiva de um todo, de
uma coletividade. Desejo, objetivação e conseqüências no corpo são relações em cadeia de
uma analogia obtida pela internalização de uma rivalidade mimética, onde vários sujeitos
daquele mesmo grupo possuem o mesmo desejo por tentativa de imitação ou competição
(GIRARD, 2009, p. 13). O termo mimético remete a „mimesis‟, que seria reproduzir as
características exatas de outro sujeito em si mesmo.
O pensamento, quando detectado, ou seja, desmistificado, simplifica a suposta
complexidade do desejo ou sua pretensa característica de ocultamento,
Para não correr o risco de simplificar o debate acerca do suicídio, a análise precisa
atuar em caminhos que não reduza a complexidade da cosmovisão de uma cultura oriental,
como a milenar tradição cultural japonesa, aos padrões de observações ocidentais.
Procuramos não tratar do tema numa perspectiva teológica específica, mas iniciar uma
possibilidade de estudos na perspectiva filosófico-social em seus diálogos com a religião.
Uma religião cristã centrada no pensamento de que há um Deus transcendente e que este Deus
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nos atende nas questões do ser. Provavelmente, muitos nunca desejaram ou desejarão praticar
o ato suicida, mas podem fazê-lo, cotidianamente, em doses quase imperceptíveis, numa
condição de violência simbólica cometida contra si mesmo (BOURDIEU, 1989, p. 28).
Alguns de nós somos mais tendenciosos, propensos a esta espécie de auto-violência.
Se a violência simbólica é constatada, faz-se necessário entender como ela acontece e como é
mantida. Outro objeto de questionamento para posterior interpretação, quando se busca a
epistemologia dos termos que nomeiam as posturas assumidas nestas relações, é a questão do:
por que esta violência é mantida dentro da cultura? “Violência” é substantivo que carrega os
sinônimos “abuso de força” e “ação de violentar”. É verbo regido amplamente, como por:
“constranger-se” e “forçar a própria vontade” (FILHO, 1986 apud ARAÚJO, 2007). Forçar a
própria vontade pressupõe fazer a vontade de outro: algo ou alguém. Ao nos referirmos ao
termo “algo”, podemos indicar a questão dos sentimentos ou pensamentos do próprio sujeito,
os quais estejam lutando contra a sua vontade inicial de não praticar o ato suicida, isto é, não
se auto-violentar. Ressaltamos ainda que este “outro” pode ser o grupo sócio-cultural,
internalizado, em cuja engrenagem está este sujeito.
Os sujeitos mais tendenciosos ao sentimento de angústia existencial são mais
propensos à condição suicida. E, por conseguinte, possuem menos forças regulatórias
exteriores, o que os habilitaria à decisão suicida, sem ter que prestar contas aos outros. Ou
seja, decidem numa esfera da objetividade mórbida, que podem livrar-se dos problemas que
os angustiam (BENEDICT apud UENO, 2005, p. 1). Émile Durkheim, entendia a sociedade
como uma realidade dissociada das individualidades dos sujeitos. O que determina as
individualidades é a forma como a sociedade se configura no coletivo. Surge então, a
consciência coletiva autêntica, espontânea, com livre iniciativa para desempenhar, na esfera
individual e grupal, o que é esperado pela coletividade (DURKHEIM apud FILHO, 2004, p.
139).
Se existe no ser o espaço para uma angústia, há que se perguntar por quais
mecanismos de motivação esta angústia ocupa determinado espaço nos sujeitos. De acordo
com pensamento de Tillich (2005, p. 507), existe no ser uma angústia pela resposta às suas
„questões últimas‟, o que leva à idéia de que sociedades e culturas não dispõem de métodos
para conduzir os sujeitos à estas respostas. A busca pelas „questões últimas‟ e seu lugar dentro
de uma cultura permanecem como pressuposto de legitimidade para uma pesquisa que faça
conexão entre a religião e a temática do suicídio. Para dar conta de sua existência, as
sociedades se deslocam por entre diversos mecanismos produtores de subjetividades, dentre
os quais a religião. Conectada entre duas situações advindas do processo de secularização: a
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o Cristianismo vem trazer alguma transformação religiosa, é aquela de abolir radicalmente essa
distinção (entre sagrado e profano)” (SEGUNDO, 2000, p. 7).
A preocupação última - algo capaz de dar plenitude de sentido a cada ser humano - é
composta de uma substância religiosa, onde as relações entre o sagrado e os sujeitos estão
imersa em qualidades sacramentais que se traduzem por elementos da esfera prática da
filosofia das religiões, quando analisadas em categorias metodológicas (TILLICH, 1973 p.
104).
O ateísmo filosófico pode ser compreendido por diversas vertentes científicas, como
os vieses da psicanálise ou do materialismo, apenas para destacar algumas. Se Freud, com a
teoria da psicanálise, construiu uma ciência para provar o ateísmo radical, já Feuerbach
identifica nas relações materiais o espaço do ateísmo nas sociedades (ZILLES, 2004, p. 139).
Tillich propôs a materialização da fé a partir dos ritos, crenças, devoções. A religião aqui
aparece, inclusive, como substância cultural ao lado da arte e da ética dos grupos (1973, p.
104). A cultura passava pelo olhar da religião e não o contrário. O observador-pesquisador,
para explicar uma cultura, deveria estudar, primeiramente, a religião daquela comunidade.
Este é o pensamento tillichiano acerca do fenônemo religioso, presente nos seus textos que
datam dos anos 20. O ateísmo aliado à razão científica, para Tillich, não consegue explicar a
revelação, a qual, não se isola da razão, mas evolui com ela. (HIGUET, 2008, p. 3). Outro
conceito de religião, ainda em Tillich, seria do encontro do ser humano com o
Incondicionado. Agora numa perspectiva de transcendência e de sentido para este ser
humano. De algo que não pode ser condicionado ou limitado a existência do sujeito, e, por
isso atua como sentido e plenitude para além dele.
A questão do sentido, numa visão mais subjetivada, é peculiar para cada sujeito, uma
vez que aquilo que produz sentido para um sujeito pode não representar sentido para o outro.
Os elementos construtores da personalidade, como: sonhos, identidade, fantasias, fé e
„capacidade para amar‟ não representam ideais fluidos, mas estão intrinsecamente ligados ao
fenômeno religioso. Senso comum e religião se misturam nos caminhos da humanidade. O
senso comum nos caminhos e ritos religiosos dão corpo aos elementos mais „experienciados‟,
enquanto a ciência se propõe a cuidar dos experimentados, ou seja, dos experimentos
comprováveis mediante „cálculos‟ (CHAUÍ apud FRANCELIN, 2004, p. 29). Isto não deixa
de ser uma perspectiva filosófica, pois, de acordo com Francelin:
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Dir-nos-emos que seria muito bom se existisse um Deus que tivesse criado o
quando, uma Providência benevolente, uma ordem moral do universo e uma
vida posterior; constitui, porém, fato bastante notável que tudo isto seja
exatamente como estamos fadados a desejar que seja (ZILES, 2004, p. 138).
Na filosofia, a natureza da religião fora estudada ora como método, ora como história,
por diversos outros pensadores, dentre os quais: Hegel, Feuerbach, Nietzche e Freud, que foi
destacado para interagir conosco neste trabalho. As análises freudianas não pretendiam
provocar um ateísmo na direção de negar a existência de Deus; afinal Deus não existia mesmo
para ele. Toda a atividade deste pensador, em sua crítica à fé, tinha conotação antropológica
no sentido de procurar discutir com outros pensadores por que a sociedade insistia crer em
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algo que não existia. Assim como o filósofo Ludwig Feuerbach, ele objetiva „proteger‟ os
sujeitos da idéia ilusória de que há um Deus acima da natureza; para eles, existe apenas
natureza e matéria (ZILLES, 2004, p. 139). Se não há Deus e pessoas insistem em provar a
existência deste é porque algo em sua psique as predispõe a isto.
Estudos surgidos da ciência da Psicologia da Religião vêm comprovar a relação entre
a predisposição humana à fé e seu comportamento psíquico. Esta ciência de caráter mais
empírico do que metodológico atua na fixação dos comportamentos, na ocorrência e
prevalência dos tipos de comportamentos dos sujeitos e das sociedades (VALLE, 1998). Mas
por que estamos aqui permanecendo na discussão acerca da natureza da fé e da religião?
Seriam: fé e religião, produtos psíquicos e não resultado da consciência e da razão?
Ao passo que a filosofia da religião ocupa-se de observar a natureza desta religião, nos
diversos campos interdisciplinares possíveis; a psicologia da religião atuará com as diversas
experiências dos sujeitos nas religiões. Se partirmos dos fundamentos deixados por filósofos
da Antiguidade como Heráclito, encontraremos a afirmação de que as coisas, situações e
experiências podem adquirir um estado permanente de fluidez (VALLE, 1998).
Em vez de uma louvação ao mercado, ou de um reforço ao desejo de poder dos liberais e neo-
liberais, sugere-se um mercado com participação dos sujeitos. Um mercado ético.
As culturas possuem várias formas de regular os sujeitos, mas a economia está sempre
presente, pois: que é uma cultura sem o suprimento de suas necessidades básicas de moradia,
alimentação, segurança, saúde, transporte e emprego? Tudo isso envolve a mola econômica e
suas relações com os sujeitos. São os sujeitos que decidem cooperar com a mola econômica,
não sendo reféns dela. Talvez, por meio de uma consciência coletiva que os conduza a isso.
No caso específico da cultura japonesa - uma economia que já foi a terceira maior
mundial - os sujeitos apenas se percebem dentro desta mola econômica. Raramente, os
sujeitos se identificam como sujeitos ideológicos, mas como sujeitos-do-trabalho. Os valores
excessivos do mito do crescimento econômico dificultam uma discussão ética acerca dos
processos educacionais por onde este crescimento econômico está sendo realizado. Há sempre
uma seleção entre os sujeitos que resulta numa “massa sobrante” (ASSMANN, 2001, p. 66).
Sujeitos japoneses que não dão conta do processo educacional econômico de sobrar dentro do
sistema, tendem a angustia existencial.
Considerações finais
Referências
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