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Obras Complates de Luis de Camoes Vol 1 PDF
Obras Complates de Luis de Camoes Vol 1 PDF
DE
LUIZ DE CAMOES
N"OV A. EDIÇÃO
VOLUME I
•c~-
1912
Rua Augusta- 44 a 54
LISBOA
JAN .I':J67
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1912
LUIZ DE CAMÕES
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12 de abril de 187 4·
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Quando o sol encoberto vai tnostrandu
Ao mundo a luz quieta e duvidosa,
Ao longo de huma praia deleitosa
Vou na minha initniga in1aginando.
Aqui a vi os cabellos concertando;
Alli co'a mão na face, tão formosa;
Aqui fallando alegre, aJii cuidosa:
Agora estando quêda, agora andando.
Aqui esteve sentada, alli n1e viu,
Erguendo aquelles olhos, tão isentos ;
Commovida aqui hum pouco, alli segura.
Aqui se entristeceu, alli se riu :
E, em fim, neste·s cansados pensamentos
Passo esta vida vàa, que sempre dura.
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•
Tomou-me vossa vista soberana
Adonde tinha as armas mais á mão,
Por mostrar a q ucm busca defensão
Contra esses bellos olhos, que se engana.
Por ficar da victoria mais ufana,
Deixou-me armar primeiro da razão;
Bem salvar-me cuidei, mas foi em vão,
Que contra o céo não vai defensa humana.
Comtudo, se vos tinha pron1ettido
O vosso alto destino esta victoria,
Ser-vos ella bem pouca está entendido.
Pois, indaque eu me achasse apercebido,
Não levais de vencer-me grande gloria,
Eu a levo maior de ser vencido.
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Forn1osos olhos, que na idade nossa
l\lostrais do céo certissimos signais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-n1e a mim, que sou feitura vossa.
Vereis que do viver me desapossa
Aquelle riso con1 que a vida dais;
Vereis como de Amor não quero mais,
Por n1ais que o tempo côrra, o damno possa.
E se vêr·\'OS nesta alma, emfim, quizerdes,
Cotno cm hum claro espelho, alli vereis
Tambem a vossa angelica e serena.
l\las cu cuido que, só por me não vêrdes,
V êr-vos cm mim, Senhora, não quereis:
Tanto gôsto levais de minha pena!
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Despois de tantos dias mal gastados,
Despois de tantas noites mal dormidas,
Despois de tantas lagrin1as vertidas,
Tantos suspiros vãos vàmente dados;
Como não sois vós ja desenganados,
- Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortaes feridas,
Que An1or fez sem ren1edio, o TempoJ os Fados ?-
Se não ti vereis já longa cxp'riencia
Das semrazões de An1or a quen1 servistes,
Fraqueza fôra em vós a resistencia ;
l\las pois por vosso mal seus males vistes,
Que o ten1po não curou, nem larga ausenciat-
Qual bem d'elle esperais, desejos tristes ?
48 OHRAS COl\JPLft'l'A~ DE CAMÕES
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Se as penas con1 que An1or tão rnal me trata
Permittircrn que eu tanto viva d'cllas,
Que veja escuro o lume das estrellas,
En1 cuja vista o rncu se accende e n1ata;
E se o ten1po, que tudo desbarata,
Seccar as frescas rosas, sem colhei-as,
Deixando a linda côr das trança;; bellas
1\ludada de ouro fino en1 fina prata;
Tan1bern, Senhora, então vereis mudado
O pensarnento e a aspereza vossa,
Quando não sirva já sua mudança.
Vêr-vos-heis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa.
No vosso arrepender minha vingança.
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A sepultura de D. João III
Quem jaz no gram sepulchro, que descreve
Tão illustres signaes no forte escudo?
Ninguem; que n'isso, em fim se torna tudo:
1\las foi quem tudo pôde e tudo teve.
Foi Rei ! Fez tudo quanto a Rei se deve:
Poz na guerra e na paz devido escudo ;
1\Ias quão pezado foi ao l\iouro rudo,
Tanto lhe seja agora a terra leve.
Alexandra será? Ninguem se engane;
l\Iais que o adquirir, o sustentar estima.
Será Hadriano, gran1 Senhor do n1undo?
l\Iais observante foi da Lei de cima.
He Numa? Numa não, mas he Joane
De Portugal Terceiro sem segundo.
VOL. I 4
50 OBRAS COMPLETAS DE CAMÕES
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Ao Autor
Quen1 he este que na harpa luzitana
Abate as 1\Iusas gregas c as latinas r
E faz que ao mundo esqueçan1 as plautinas
Graças, com graça e alegre lyra ufana?
Lu1z DE CAMÕES he, que a soberana
Potencia lhe influiu partes divinas,
Por quem espiram as ftôres e boninas,
Da homerica musa e mantuana.
Se tu, triumphante Roma, este alcançaras
No teu theatro e sccna luminosa,
Nunca do gram Terencio te admiráras.
1\Ias antes sem contraste, curiosa
Estatua d'ouro ali lhe levantáras,
Contente de ventura tam ditosa.
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Resposta sua
De tão divino accento em voz hun1ana,
De elegancias que são tão peregrinas,
Sei bem que minhas obras não são dinas;
Que o rudo engenho meu me desengana.
Porém da vossa penna illustre mana
Licôr que vence as águas caballi1zas;
E comvosco do Tejo as ftúres fi~tas
Farão inveja á cópia mantua1za.
E pois, a vós de si não sendo avaras,
As filhas de 1\lnemósine formosa
Partes dadas vos ten1 ao mundo claras;
A minha 1\lusa, e a vossa tão famosa,
Ambas se podem n'ellc chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.
52 OBRAS COMPLETA~ DE CAMÕES
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A sepultura de Dom Fernando de Castro
Debaixo desta pedra está metido,
Das sanguinosas armas descansado,
O capitão illustre e assinalado
Dom Fernando de Castro esclarecido.
Este, por todo o Oriente tão temido,
Este da propria inveja tão cantado,
Este, em fim, raio de l\1a vorte irado,
Aqui está agora em terra convertido.
Alegra-te, 6 guerreira Lusitania,
Por est'outro Viriato que criaste,
E chora a perda sua eternamente.
Exemplo toma n'isto de Dardania;
Que se a Ron1a com elle anniquilaste,
Nem por isso Carthago está contente.
· 6o
A Dom Luiz de Athaide, Viso-Rei
Que vençais no Oriente tantos Reis,
Que de novo nos deis da India o Estado,
Que escureçais a fama que hão ganhado
Aquelles, que a ganhá rã o de infieis;
Que vencidas tenhais da morte as leis,
E que vencesseis tudo, em fim, armado,
Mais he vencer na patria, desarmado,
Os monstros e as Chimeras que venceis
Sôhre vencerdes, pois, tanto inimigo,
E por arn1as fazer que sem segundo
No mundo o vosso nome ouvido seja;
O que vos dá n1ais fama inda no mundo,
Ile vencerdes, Senhor, no Reino arnigo,
Tantas ingratidôes, tão grande inveja.
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Na desesperação já repou:;ava
O peito longamente tnagoado,
E, com seu darnno eterno concertado,
Já não temia; já não desejava;
Quando urna sombra vã tne assegura va
Que algurn ben1 me podia estar guardado
Em tão formosa itnagem, que 9 traslado
N'alma ficou, que n'ella se enlevava.
Que credito que dá tão facilmente
O coração áquillo que deseja,
Quando lhe esquece o fero seu destino ;
A h ! deixem-tne enganar; que eu sou contente;
Pois, postoque maior meu dan1no seja,
Fica-me a glória já do que imagino.
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A Conceição de Virgem Nossa Senhora
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A encarnação do Verbo eterno
Desce do Céo immcnso Deus benino
Para encarnar na Virgem soberana.
Porque desce o divino a cousa humana?
Para subir o humano a ser divino.
Pois como vem tão pobre e tão menino,
Rendendo se ao poder de mão tyranna ?
Porque vem receber morte inhumana
Para pagar de Adão o desatino.
He possivel que dous o fructo comem
Que de quetn lhes deu tanto foi vedado ?
Si; porque o proprio sêr de deoses tomem.
E por esta razão foi humanado?
Si; porque foi com causa decretado,
Se quiz o homem ser Deus, que Deus fosse hon1em.
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A Dom Simão da Silveira em resposta de outro seu, pE-las
mesmas consoantes. mandando-lhe perguntar quem fõra o
primeiro poeta que fizera Sonetos_
De hun1 tão felice engenho, produzido
De outro que o claro sol não viu maior,
He trazer cousas altas no sentido,
Todas dignas de espanto e de louvor.
l\Iuseo foi antiquissimo Escriptor,
Philosopho e Poeta conhecido,
Discipulo do l\lusico amador
Que c'o som teve o inferno suspendido :
Este pôde abalar o monte mudo,
Cantando aquelle mal que eu já passei,
Do mancebo do Abydo mal sisudo:
Agora contam já (segundo achei)
Tasso e o nosso Boscan, que disse tudo,
Dos segredos que move o cego rei.
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Em lingua gallega
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Divina companhia, que nos prados
Do claro Eurotas, ou no Olympo monte,
Ou sobre as margens da Castalia fonte
Vossos estudos tendes mais sagrados ;
Pois por destino dos immoveis fados
Quereis qu'em vosso numero me conte,
No eterno templo de Belorofonte
Ponde em bronze estes versos entalhados:
Soliso (porque em seculos futuros
Se veja de belleza o que merece
Quem de sabia doudice a mente inftamma)
Seus escritos, da sorte já seguros,
A estas aras em huma mão offrece,
E a alma em outra á sua bella dama.
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ELEGIA I I •
A Dom Antonio de Noronha, estando na India
ELt:GIA II I
E LE (-; l r\ I \'
I~LI~GIA \'
A Dom Leonis Pereira sobre o livro que Pero de Magalhães
lhe offereceu no Descobrimento da terra de Santa Cruz
ELEGIA VI
A Paixão de Christo Nosso Senhor
ELEGIA VII
Ao Doutor Mestre Belchior, em louvor de sua filha
D. Maria Figueirôa, na ln dia em Damão
ELEGIA \:III
ELEGIA IX
ELEGIA X
A morte de D. Tello, que mataram na India.
Achou-se em um manuscripto
do Arcebispo D. Rodrigo da Cunha, feito no anno de i568.
F~LEGIA XI
A uma Dama
ELEGIA XI I
Traducção dos versos propheticos
da Sibilla Erythrea, que refere Santo Agostinho, 1, 18, c. 23
da Cidade de Deos, nos quaes pelas primeiras letras
se lêem Jesu Christo Filho de Deos e Salvador
ELEGIA XIII
ELI~GIA XI V
Foi-me alegre o viver, já rne he pesado,
Que do contentamento que sentia
A' minha custa estou desenganado.
Ao regaço da morte a dôr me guia,
Porém, porque com vida mais 1ne mata,
Dilatando-m'a vae de dia en1 dia.
Manda-me amor fngir da morte ingrata,
(Pois não soffrc limite em vos an1ar)
<.Juc clle os laços ordena, elle os desata.
Lancei contentamentos a voar,
Tarde os csperu vêr ; que he seu costume
Ter azas ao fugir, freio ao tornar.
f:LEGIA8
ELEGIA X\.
ELEGIA X VII
De pena en pena muevo las passadas,
La tristíssima boz al ayre dando
Voy cantando mis quexas desusadas:
Incierto en el camino que pisando
De un monte esquivo, ai otro me encamina,.
En me(lio dél estoy en ty pensando:
(J rigorosopasso, y quan indigna
El alma veo aqui de sola una hora
Poder en ti pensar cosa tan digna.
lc:I.KGIA~ 25!f
ELEGIA X VIII
Ao illustre senhor Pedro da Silva
Illustre e nobre Silva descendido
Do grão filho de Anchises valoroso,
Por armas, e por sangue esclarecido ; .
Que, como forte, ousado e piedoso
A's costas salvou o pae de longos annos,
E o filho pela mão tenro e mitnoso.
E os Penates, que tinham os Troyanos.
Tirou no môr confticto da Cidade,
Em que Gregos fizeran1 tantos danos.
Crescendo foi de huma em outra idade
Esta illustre progenie generosa
Em virtude, valor, honra e bondade.
Até chegará nossa tão ditosa,
Pois n'elle o céo a ti Silva nos deu,
Que a fazes con1 tuas obras mais formosa.
.2trl
ELEGIA XIX
Entre rusticas serras e fragosas,
Con1postas d'asperissimos rochedos,
De salitradas lapas cavernosas;
Onde gretando os humidos penedos
Orvalhados de neve branca c fria,
Brotando estão de si mil arvoredos;
1 htma floresta fez verde c soanhria
A natureza expcrta, que rodeia,
Con1o elevado muro, a serrania.
Jo:LKOIAS
ELEGIA XX
Ao pé d'hutn'alta faia vi sentado,
i'J'hun1 valle deleitoso e ben1 florido,
A Aln1cno, pastor triste e nan1orado.
Outro no mundo póde haver nascido
1\lui queixoso de An1or; porén1 não tanto,
Cotno este amante, por an1ar perdido.
Já Vcnus hia recolhendo o n1anto
Escuro con1 que a terra se n1ostrava,
Para ajudar d' Almeno o triste pranto.
Apollo sobre os montes derramava
Seus dourados cabellos, que fazian1
Ao triste inda n1ais triste do qu'estava.
As flôres por o prado s'cstendian1;
E das que finas n1ais cran1 as côres,
Brancas, rôxas, as Nymphas mais colhiatn.
Já guiavam seus gados os pastores,
Que deixando-os no campo deleitoso,
é:om ellas praticavam só d'amores.
1\las era esta alegria hun1 perigoso
Estado para Almeno entristecido;
E por isso a deixa va pressuroso,
Buscando outro lugar : contra Cupido
Claramente exclamava, e o arguia
De contrário, d'astuto e fe1nentido.
T>e quando cm quando a frauta que tangia,
~utneros dava ao ~ir tão docemente,
Que as aves provoca va a melodia.
Cego assi d'csta dôr, «J'cste accidcnte,
Com os olhos em lagrimas banhados,
Pústos no céo, dizia tristcn1cnte:
ELEGIAS ;l71
ELt~GIA XXl
Belisa, uniCo bem d'esta alma triste,
Descanso singular de minha vida,
Throno d'onde o poder d'atnor consiste;
Formosa fera, a quem está rendida
D'amor a que he 1nais livre liberdade,
Ganhada mais, se tnais por ti perdida;
Quão contrário parece na beldade,
Que os coraçôes captiva corn brandura,
Algutna nódoa haver de crueldade !
Quão contrário parece em formosura,
Que deixa muito atraz quanto he humano,
Esquiva condição, ou alma dura!
Quão mal parece em quem só co'hum engano
Póde dar vida ao coração sujeito,
Dar-lhe, en1 logar de vida, um mortal damno!
Quão mal parece que utn amor perfeito
Não seja d'outro igual remunerado,
lnda que seja, acaso, contrafeito !
Quão mal parece estar desesperado
Quem tanto por ti soffre e te1n soffrido,
Devendo estar de penas alliviaclo !
Porém peór parece quen1 rendido
Não fôr a um parecer que tudo rende,
Por tnais qu'em seu rigor viva offcndido.
E inda peúr parece quem defende
O ser essa bellcza sempre amada,
Pur mais qu'en1 vão se canse o que a pretende.
Se q uen1 te tnostra amor te desagrada,
Sú pódcs pretender o não ser vista,
!\las não despois de vista o ser deixada.
EI.F.GJAS
ELEGIA XXII
A vida n1c aborrece, a morte quero :
Será eterno o n1eu mal, segundo entendo,
Pois na mór esperança desespéro.
Scn1 viver vivo, por morrer vivendo
Por não vêrdes, Senhora, como eu vejo,
Quanto de mi por vós me ando esquecendo.
Seja-me agradecido este desejo ;
Ingrata não sejaes a quem vos atna
Com puro e honestissimo despejo.
A culpa que me pondes, ponde-a á fama,
Que pregôa de vós celeste vida
Que os corações d'amor divino inftamma.
I-Iun1ana, quando não agradecida,
Vos mostrae ao mal meu, que me faz vossot
Antes que a alma do corpo se despida.
::\Ias que posso eu fazer, pois já não posso
Hum tonnento domar tão forte e duro,
I Ion1em formado só de carne e de osso ?
Em minha fé segura me asseguro ;
Porqu'esta, quando he grande, jámais errat
Se resultar d'amor sincero e puro.
Essa beldade santa me faz guerra;
Por ella hei de tnorrer, inda que veja
Tornar o brando rio em dura serra.
Que cousa tenho eu já que minha seja .~
Quem não deseja a vossa formosura,
~ão púde assegurar que o Céo deseja.
ELEGIA XXIII
l\ Aonio que de amor solto fugia,
A bella Galatca em vão chamava:
E Aonio, Aonio, o ecco respondia.
E agora comsigo só fallava,
Ora co'mar, ora co'a triste sorte,
Ora co'o Tejo onde chorando estava.
Pois não me ouve Aonio etn mal tão forte,
Ouvi ondas que imitam por piedade
A causa porque estou chorando a rnortc.
Que a troco de amor puro, e de verdade
(Quem haverá no rnundo que isto crea ?)
.l'vle deixa em pranto, c triste saudade.
Dizia-me, ó cruel, minha Galatea,
Primeiro que eu deixe o vosso Tejo,
Tornará atraz co'o curso a rica arêa.
Mas ai triste de mirn, que ainda vejo
Como de antes levar ao Oceano
E a ti não, que h e só o que desejo !
F.LEGIAS
ELEGIA XXIV
Ganhei, Senhora, tanto em querer-vos,
Que nenhun1 desfavor me dá torn1ento, •
Que me não dê rnaior gloria tnerecer-vos.
Não quero para meu contentamento
Senão meus olhos, pois vos veem, Senhora,
E a vossas cruczas soffrimcnto.
Ditoso o dia foi, ditosa a hora
(_Jue alcançarei vêr vossa gentileza,
Cujo mal não soffrer, mais mal me fôra
Sinto cotn vos servir tanta estranheza,
Sinto voar tão alto o pensamento,
Que todo o outro bem julgo baixeza.
E por experimentar meu soffrimento
Vos mostraes contra mim endurecida,
Oh ! que doce paixão, doce tormento.
Se vossa condição desconhecida
:\le não quer dar o :tirn pcra n1ór dano,
Oh! que doce _tno~rer, que d~)Ce vida.
E se de seu favor 1nc sinto ufano
<Juando rle_ n1eu n1al culpada se acha,
Oh! que doce enganar, que doce engano.
E. se <~m querer-vos tanto ponho tacha,
Mostrando .refrear tncu pensamento
Oh ! que doce fingir, que doce cacha.
·· -~. F.I.EGJ.A~ •
ELEGIA XX\7
De Sexta feira de Endoenças
Divino a Imo pastor, Deli o dourado,
A quen1 de Amphrisio já viran1 os prados
Guardar fermoso, ri<:o e branco gado;
Aos quaes adormentavas enlevados
No doce som da lyra. e alternando
Com versos e .cantares namorados.
~84 OBRAS COAIPLETAS DE CAMÕES
INTERLOCUTORES
FRONDELIO
U::\lBRA);O
FRO~DELIO
U:\lBRANO
FRO~DELIO
..
C_omo queres renove ao pensamento
Tamanho n1al, tamanha desventura ?
Porqu'espalhar suspiros vãos ao vento,
Para os que tristes são, he falsa cura.
~Ias, pois te move tanto o sentimento
Da morte de Tionio, triste e escura,
Eu porei teu desejo em doce effeito,
Se a dôr me não congela a voz no peito.
VOL. I
.
. Das hervas esquecidas, inclinando
.. .
.
20
30() OBRAS COMPLETAS DE CAMÕES
F"RONDEL[O
Oh encurtada vida !
Que a virtude opprirnida
Da n1ultidào forçosa do inimigo
Não pôde defender-se do perigo:
Porque assi o Destino o permittiu;
E assi levou comsigo
O mais gentil pastor que o Tejo viu.
Qual o n1ancebo Euryalo enredado
Entre o poder dos Rutulos, fartando
As íras da soberba e dura guerra;
Do cristallino rosto a côr mudando,
Cujo purpureo sangue, derran1ado
Por as alvas espaldas, tinge a serra;
Que como flôr, que a terra
Lhe nega o mantimento,
Porque o tempo avarento
Tamben1 o largo humor lhe t~m negado,
O collo inclina languido e cansado:
Tal te pinto, ó Tionio, dando o esprito
A quem t'o tinha dado;
Que este he sómente eterno e infinito.
Da congelada boca a alma pura,
Co'o nome juntamente da inimiga
E excellente l\Iarfida, derramava.
E tu, gentil senhora, não te obriga
A pra~to sempiterno a morte dura
De quen1 por ti sómcnte a vida amava ?
Por ti aos eccos dava
Acccntos numerosos;
Por ti aos bellicosos
Exercidos se deu do fero l\larte.
E tu ingrata o amor já n'outra parte
Porás, como acontece ao fraco intento:
Que, emfim, emfim, d'est'arte
Se muda o feminino pensamento.
~10 OBRAS COliPLETAS DE CAl\IÕE8
l!MBRANO
FRO~DELIO
u~IBRA~O
FRO:\DELIO
l":\IBRA~O
FRO~DELIO
AONIA
EGLOGA II
INTE RlOCUTOR E·s
ALl\IENO e AGRARIO
Ao longo do sereno
Tejo, suave e brando,
N'hum valle d'altas árvores sombrio,
Estava o triste Almeno
Suspiros espalhando
Ao vento, e doces lagrimas ao rio.
No derradeiro fio
O tinha a esperança,
316 OBRAS COMPLETAS DE CAliÕES
AGRARIO
ALl\IENO
AGRARIO
AL:\IENO
AGRARIO
AL\IE~O
AGRARIO
ALl\IE!\0
AGRARIO
AL~IE~O
AGRARIO
AL:\1E~"O
EGLOGA III
!Continuação da passada·
INTERLOCUTORES
AL.:.\IEXO e BELISA
BELISA
AL:\IEXO
BEL ISA
AL'lENO
BEI.ISA
AL:\IE~O
BELISA
AI:\1E:\O
l·:GLOGA I\'
{.\ UIUI\ tlaml\1
INTERLOCUTORES
FRO~DOSO e DURIA:'\0
FRO::'IoJI>OSO
DURJA~O
I-'RO~DOSO
DURIA~O
FRO~IlOSO
DURIA~O
1-'RONDOSO
DURIA:::\0
FRO:NDOSO
DURIA~O
FRO~DOSO
DURIANO
FRO~DOSO
DURIANO
FRO~DOSO
DVRIA~O
DURIANO
FRO~DOSO
J)URIA~O
\"01 • 1
354 OBRAS COMl'LE'fAS DE CA.MÕE8
EGLOGA V
Wroseguindo a passada)
A D. Antonio de Noronha
EGLOGA '/1
Ao Duque de Aveiro
INTERLOCUTORES
AGR.\R·IO (pastor)- ALICUTO (pescador)
-
D'este seguindo o sotn, que póde tanto,
E tnisturando o antigo 1\Iantuano,
Façamos novo cstylo, novo espanto.
Partíra-se do n1onte Agrario insano
Para onde a fôrça só do pensamento
Lh'encaminhava o lasso pêzo humano.
Etnbebido em un1 longo esquecimento
De si, e do seu gado e pobre fato,
Apoz hum doce sonho c fingimento,
Ron1pendo as sylvas horrid1s do Inato,
c
Vae por cima d·outeiros penedos,
Fugindo, emfim, de todo htunano trato.
Ante os seus olhos leva os olhos Icdos
Da branca Dinatnene, que cnverdece
Só co'o mcneo valles c rochedos.
Ora se ri comsigo, quando tece
Da phantasia algun1 prazer fingido;
Ora falia; ora tnudo s'entristccc.
Qual a tenra novilha, que corrido
Têrn montanhas fragosas c espessuras,
Por buscar o cornigero n1ariqo ;
E cansada nas humidas verduras
Cahir se deixa ao longe d'hun1 ribeiro,
Já quando as sombras vêm cahindo escuras;
E nem co ·a noite ao vali e seu primeiro
s~ lembra de to_rnar, conlo sohia,
Perdida por o bruto companheiro :
Tal Agrario chegado, emfim, se via
Onde o grão pégo horrisono suspira
N'huma praia arenosa, humida e fria.
Tanto que ao mar estranho os olhos víra,..
Tornando cm si, de longe ouviu tocar-"c
l>e douta tnào nào vi~ta e t~ova lyra.
ECiLOOAS 367
AGRARIO
ALI CU TO
AGRAH.IO
ALICUTO
Al;RAH. IO
ALICUTO
AGRARIO
ALICCTO
A GRAlHO
ALICUTO
ACH.ARIO
ALlC'lllO
EGLOGA VII
OS F AUNOS.-Dirigida a D. Antonio de Noronha
INTER UlCUTORES
SATYRO l - SATYRO I I
SATYRO PRDfEIRO
Ah Nymphas fugitivas,
Que só por não usar humanidade
Os perigos dos matos não temeis !
Para que sois esquivas?
Qu 'inda de nós nào peço piedade,
l\1as d'essas alvas carnes, que offendeis.
Ah Nymphas! não vereis
Que Eurydice, fugin.do d'essa sorte,
Fugiu do amante, e não da fera morte ?
Tarnbem assi Eperie foi mordida·
Da vibora escondida.
Olhae a serpe occulta na herva verde.
Quem o rigor não perde, perde a vida.
Que tigre, ou que l<'ào,
Que peçonhenta fera venenosa,
Ou que inimigo, emfim, vos vac S<'guindo ?
D'hum brando coração,
Que preso d'essa vista rigorosa
De si para vós foge, andaes fugindo ?
Olhae que en1 gesto lindo .
Não se consente peito tão disforn1e ;
Se não quereis que tudo se conforme.
Postoque bellas n'água vos vejaes,
A' fonte não creaes,
Que vos traz enganados por vingança
D'esta nossa esperança, que engana~s.
ODRA~ CtHi f LETAS DE CAMÜii:S
SAT\'RO SECUNDO
EGLOGA \'lll
SERE~ O
EGL()GA IX
Recolhidas pelo padre Thomaz José de Aquino
dos ineditos de Manoel de Faria e Sousa, e publicadas
em 1779
Piscatoria
PALE~IO
EGLOGA X
Piscatoria
:\IELJSO
EGLOGA XI
INTERLOCUTORES
ANZINO e LI.MIA~O
LIMIANO
ANZINO
LlMI~NO
ANZI!Ii'O
A~Zl:NO
AI\ZINO
EGLOGA XII
INTERlOCUTORES
DELIO
ALCIDO
DELIO
A L C IDO
DELIO
ALCIDO
DELIO
Venha embora.
Galasio, queres tu cantar co1nmigo?
GALA SIO
DELI O
GALASIO
ALCIDO
GALASIO
DELI O
CALASIO
DELIO
G.:\L:\SIO
Deus me guarde ;
Porque, Delio, este gado he de madrasta.
ALCIDO
IJELIO
GALASIO
DELI O
G.\LASIO
DELI O
G.-\L\~10
DELI O
GALAS! O
DELI L>
GALASIO
ALCIDO
EGLOGA XIII
PH'lLLIS
t=GLOGA XI\"
INTERLOCUTORES
DELIO
ERGAS TO
DELIO
ERGAS TO
LAURENO
LAURF]'I;O
ERGASTO
LAüRE~O
DELI O
ERGASTO
LAURENO
LAURENO
ERGASTO
LAURE~O
ERGASTO
LAURENO
ERGAS TO
LAURENO
ERGASTO
LAURENO
DEI. lO
EGLOGA X\'
A' morte de D. Catharina de Athayde, Dama da Rainha
INTERLOCUTORES
SOLISO e SYLVANO
SYLVA~O
SOL ISO
SYLVANO
SOI.ISO
SYLVA~O
SOL ISO
SYL\'ANO
SOLISQ
SYLVANO
SOL ISO
VOL I
•
OUTAYA~ 451
ll
III
IV
VI
\'li
\' III
A Santa Ur~ula
Estancia a S. João
Quem ousará soltar seu baixo canto
Após teu alto vôo, aguia divina ?
Se tu alem do sol subiste tanto,
Que vêr outro mais claro foste dina?
Encheste no seu raio puro e santo
Olhos de nova luz d'alta doutrina,
Teu casto e brando peito então encheste
Quando no do Senhor adormeceste.
FI:M DO 1. 0 T0:\10
INDICE
PAG.
Noticia biographica . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Sonetos. . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Elegias . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201
Eglogas . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . 299
Outavas . . . . . . • . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . 449