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A Neurobiologia da Terapia do

Esquema e o Processamento
Inconsciente
Marco Montarroyos Callegaro*

Resumo
Neste artigo, explora-se a utilidade da noção de processamento mental inconsciente quando aplicada a um dos mais recentes
desenvolvimentos em terapia cognitiva, a Terapia focada no Esquema (Schema Therapy), de Jeffrey Young (1990; 1999). A
teoria do esquema é uma abordagem integrativa que expande a Terapia Cognitivo-Comportamental tradicional, integrando
contribuições da Gestalt, Psicanálise e do Construtivismo em um novo sistema de psicoterapia (Young, Klosko & Weishaar,
2003). A teoria do esquema é sintetizada, examinando-se a neurobiologia subjacente a esta abordagem e sua aproximação com
as neurociências cognitivas, em especial a existência de dois sistemas que operam em paralelo e estocam diferentes tipos de
informação relevante para a experiência de aprendizagem emocional. Um dos sistemas é consciente e mediado pelo hipocampo
e áreas corticais relacionadas, sendo o outro inconsciente e se processa através da amígdala. Os Esquemas Iniciais Desadaptativos
(EIDs) envolvem respostas emocionais disparadas através de processamento inconsciente, sem a participação dos centros
superiores de processamento neural envolvidos no pensamento consciente e avaliação racional. A terapia do esquema procura
ajudar os pacientes a identificar seus esquemas e se tornar consciente das memórias, emoções, sensações corporais, cognições
e estilos de enfrentamento associados com estes esquemas. O autoconhecimento sobre os esquemas e estilos de enfrentamento
permite que o paciente exerça certo controle sobre suas reações, aumentando seu poder de escolha e deliberação consciente em
relação aos EIDs.
Palavras-chave: terapia do esquema; neurobiologia; processamento inconsciente.

Abstract
In this article, we exploit the notion of unconscious mental processing when applied to a recent development in Cognitive
Therapy, Jeffrey Young’s (1990; 1999) Schema Therapy. Schema Therapy is summarized, examining the underlying neurobiology
of this approach and the proximity with Cognitive Neuroscience, especially the existence of two systems that operate in
parallel and store different kinds of relevant information for emotional learning. One of these systems is conscious and is
mediated by hippocampus and surrounding cortical areas; the other system is related to an unconscious processing of stimuli
by the amygdala. The Early Maladaptive Schemas (EMSs) involve emotional responses triggered by unconscious emotional
processing without participation of higher centers of neural processing involved in conscious thinking and rational evaluation.
Schema Therapy helps patients identify EMSs and become conscious about memories, emotions, bodily sensations, cognitions
and associated coping styles. Self-knowledge about EMSs permits control by the pre-frontal cortex of the negative reactions
triggered by the amygdala system, increasing the patient’s power of flexibility and choice, allowing more reflection and
conscious deliberation.
Key Words: schema therapy; neurobiology; unconscious processing.

*
Mestre em Neurociências e Comportamento; Diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva – ICTC; Professor do curso de psicologia da Universidade
do Sul de Santa Catarina – UNISUL.

DOI: 10.5935/1808-5687.20050002
10 Marco Montarroyos Callegaro

Introdução centros superiores de processamento neural envolvidos


no pensamento consciente e avaliação racional. A Tera-
Neste artigo, explora-se a utilidade da noção de pia do Esquema procura ajudar os pacientes a identificar
processamento cognitivo inconsciente quando aplicada seus esquemas e se tornar consciente das memórias,
a um dos mais recentes desenvolvimentos em terapia emoções, sensações corporais, cognições e estilos de
cognitiva, a Terapia focada no Esquema (Schema enfrentamento associados com estes esquemas. O
Therapy), de Jeffrey Young (1990; 1999), uma autoconhecimento sobre os esquemas e estilos de
abordagem integrativa que expande a Terapia enfrentamento permite que o paciente exerça certo
Cognitivo-Comportamental tradicional, agregando controle sobre suas reações, aumentando seu poder de
contribuições da Gestalt, Psicanálise e do escolha e deliberação consciente em relação aos EIDs.
Construtivismo em um novo sistema de psicoterapia
(Young, Klosko & Weishaar, 2003).
Existe uma necessidade crescente de Esquemas Mentais
reconhecimento do processamento inconsciente no
funcionamento mental por parte tanto de neurocientistas Um esquema, para Beck (1982/1979), refere-se
como psicoterapeutas cognitivos, uma vez que as a uma rede estruturada e inter-relacionada de crenças
ciências do cérebro mostram que a maior parte do que podem ser ativadas ou desativadas conforme a
processamento mental ocorre fora do palco da presença ou ausência de experiências estressantes.
consciência (Damásio, 1999, 2000, 2003; Segundo Segal (1988), um esquema pode ser definido
Ramachandran & Blakeslee, 2002; Squire & Kandel, como um conjunto de “elementos organizados de
2003; Schacter, 2003; Squire, 1987). No entanto, este reações e experiências passadas que formam um corpo
inconsciente não é o dinâmico – não é povoado pelos de conhecimento relativamente coeso e persistente,
elementos concebidos por Freud. Embora muitos capaz de guiar a percepção e a avaliação subseqüente”
neurocientistas não façam menção direta e procurem (p.147). Um esquema é uma estrutura cognitiva que
evitar confusão semântica evitando o termo processa informação e que
“inconsciente” (em função da associação com o
inconsciente dinâmico), as características do (...) filtra, codifica e avalia os estímulos aos quais o
funcionamento do encéfalo reveladas pela neurociência organismo é submetido... Com base na matriz de
cognitiva atual descortinam um cenário onde a maior esquemas, o indivíduo consegue orientar-se em relação
parte da atividade mental é inconsciente, exigindo uma ao tempo e espaço e categorizar e interpretar experiências
nova formulação, um “novo inconsciente” como de maneira significativa. (Beck, 1967, p. 283)
proposto no recente livro The New Unconscious
organizado por Hassin, Uleman e Bargh (2005). Segundo Beck (1967), os esquemas podem
Inicialmente enfocaremos a definição clássica de explicar o fenômeno da repetição que os psicanalistas
esquema em Terapia Cognitiva (TC), para a seguir identificaram clinicamente, e sobre o qual Freud
apresentar a Teoria do Esquema de Jeffrey Young (1990; teorizou. As imagens, sonhos e associações livres
1999), examinando-se a neurobiologia subjacente a esta apresentam temas recorrentes ligados aos esquemas, que
abordagem e sua aproximação com as neurociências podem ficar inativos e depois serem “energizados ou
cognitivas. Em especial, ressalta-se a existência de dois desenergizados rapidamente, como resultados de
sistemas que operam em paralelo e estocam diferentes mudanças no tipo de input do ambiente” (p. 284). Os
tipos de informação relevantes para a experiência de esquemas contaminam a arquitetura mental do sujeito
aprendizagem emocional. Um dos sistemas é consciente, e governam sua forma de interpretar os acontecimentos,
sendo mediado pelo hipocampo e áreas corticais resultando em uma percepção distorcida e tendenciosa,
relacionadas, e o outro sistema é inconsciente e se refletindo-se “nas típicas concepções errôneas, atitudes
processa através da amígdala. Os Esquemas Iniciais distorcidas, premissas inválidas, metas e expectativas
Desadaptativos (EIDs) teorizados por Young envolvem pouco realistas” (p. 284).
respostas emocionais disparadas através de Embora o uso do termo “inconsciente” tenha sido
processamento inconsciente, sem a participação dos evitado por Beck e por outros teóricos de TC para
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designar os esquemas, podemos seguramente concluir transforma os dados que chegam em conformidade com
que estes são mecanismos inconscientes – mas de um idéias preconcebidas (Beck, 1963; 1964; Beck & Emery,
inconsciente cognitivo, não do inconsciente dinâmico 1985). Falhas características no processamento de
da psicanálise. A razão principal que leva os teóricos a informação mantém esta distorção das experiências de
evitarem o termo é, provavelmente, o cuidado para evitar vida, e Beck adotou o termo distorções cognitivas para
confusão conceitual ocasionada por um problema descrever o conjunto de erros sistemáticos de raciocínio
semântico – o termo inconsciente praticamente presentes durante o sofrimento psicológico (Beck, 1987;
subentende o inconsciente dinâmico concebido e Beck, Rush, Shaw & Emery, 1982/1979). As crenças
popularizado por Freud. O terapeuta cognitivo Arthur disfuncionais são perpetuadas através das distorções,
Freeman (1998) argumenta que os esquemas são modos mal-adaptativos de processar informações como,
mecanismos inconscientes que afetam nosso por exemplo, a hipervigilância em relação a ameaças
comportamento, cognição, fisiologia e emoções, e se ambientais dos pacientes ansiosos ou a excessiva e
tornam, com o passar do tempo, a própria definição da indevida responsabilização pessoal pelas falhas e erros
pessoa (individualmente e como parte de um grupo). cometidos pelos sujeitos com depressão.
Referindo-se aos esquemas, Freeman acredita que Como poderíamos relacionar os modelos
“pode-se dizer que eles são inconscientes, usando-se cognitivos da TC com o processamento inconsciente?
uma definição do inconsciente como idéias das quais Apesar de evitarem a utilização do termo “inconsciente”
não temos consciência” (p. 32). Ou seja, os esquemas pela conotação psicanalítica que logo associamos à
podem ser adequadamente descritos como mecanismos expressão, veremos a seguir que os modelos cognitivos
inconscientes, se adotarmos a noção de inconsciente podem ser extremamente úteis para compreender o
cognitivo. processamento mental inconsciente (Hassin, Uleman &
A expressão “inconsciente cognitivo” foi Bargh, 2005) e inventivos para buscar técnicas e
cunhada pelo psicólogo John Kihlstrom em um artigo estratégias terapêuticas eficazes na modificação dos
publicado na influente revista Science (Kihlstrom, resultantes padrões disfuncionais cognitivos,
1987). A teoria computacional, a Psicologia Cognitiva comportamentais e emocionais.
e as Ciências Cognitivas forneceram o substrato teóri-
co para entender o funcionamento consciente e
inconsciente, fundando-se no conceito de mente como Esquemas e Processamento
mecanismo de processamento de informação. Os Inconsciente
conteúdos conscientes provêm do processamento de
informações, mas não estamos conscientes do
Em 2000, a Associação Americana de Psicologia
processamento em si, somente do resultado final.
(American Psychology Association – APA) realizou sua
O funcionamento mental envolve processos
convenção anual em Washington, e patrocinou um
conscientes e inconscientes, e obviamente não podemos
encontro entre dois clínicos de grande influência no
entender a mente sem contemplar o processamento
cenário mundial da psicoterapia, Albert Ellis e Aaron
inconsciente. O inconsciente cognitivo apresentou-se
Beck (Chamberlin, 2000). Ambos reconheceram, neste
como um modelo alternativo sobre a mente
encontro, o valor de algumas idéias de Sigmund Freud
inconsciente. A idéia central de Kihlstrom sobre o
para suas teorias, particularmente o papel de destacar a
funcionamento do processamento inconsciente é a de
relevância dos processos mentais inconscientes na de-
que o cérebro efetua muitas operações complexas cujo
terminação do comportamento. Beck afirmou ter
resultado pode se transformar em conteúdo consciente,
recebido forte influência da “idéia do determinismo
embora não tenhamos acesso às operações que originam
psicológico” e Ellis declarou sobre Freud que “uma das
este conteúdo (Kihlstrom, 1984, 1985; Kihlstrom &
principais coisas que ele fez foi chamar a atenção para
Cantor, 1984).
a importância do pensamento inconsciente”
Os esquemas manifestam-se em padrões
(Chamberlin, 2000).
complexos de pensamentos, que são em geral
Em trabalhos mais recentes, Beck e colaboradores
empregados mesmo na ausência de dados ambientais,
vem dedicando mais atenção à noção de um inconsciente
e podem servir como um mecanismo cognitivo que
cognitivo, baseado na idéia de uma natureza
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inconsciente no processamento cognitivo de informação confirmam os esquemas em um círculo vicioso


(Beck & Alford, 2000). O conceito de processamento autoperpetuador.
automático de informação, proveniente da Ciência Os esquemas cristalizam-se nas profundezas do
Cognitiva e Psicologia Cognitiva, influenciou o self, processando silenciosa e inconscientemente os
constructo de pensamento automático em TC. A dados da realidade - estão amalgamados em nossas
memória implícita, também chamada de não- percepções, julgamentos, desejos, necessidades,
declarativa ou inconsciente (Squire & Kandel, 2003; pensamentos e sentimentos. Este aspecto está presente
Schacter, 1987; 1992; 1996; 2003), tem sido citada por no funcionamento mental de todos, mas se torna
teóricos importantes em TC (por exemplo, Jeremy particularmente evidente quando tratamos de transtor-
Safran, 2002) como substrato teórico fundamental para nos de personalidade (um conjunto de transtornos que
compreender cognições que não são acessíveis à envolvem padrões persistentes e dificuldades crônicas,
percepção consciente do paciente, mas que podem ser como personalidade evitativa, paranóide, dependente,
modificadas pela identificação e testagem das crenças histriônica, esquizóide ou borderline, por exemplo).
relacionadas aos problemas clínicos apresentados. Normalmente, não estamos conscientes da operação
Conforme Kilhstrom definiu (Kihlstrom et al., silenciosa dos esquemas, nem mesmo de sua existência,
1992, p. 21), uma memória explícita é aquela que se somente dos resultados produzidos, que acabam
refere a uma lembrança consciente de algum episódio compondo o núcleo de nossa personalidade. Nossa auto-
prévio, onde o sujeito lembra deliberadamente de algum imagem é estruturada pelos esquemas e seu caráter
aspecto da experiência quando questionado. Em circular, como enfatizam Guidano e Liotti (1983), pois
contraste, uma memória implícita é demonstrada por “a seleção de dados da realidade externa que são
qualquer mudança no pensamento ou ação que é atri- coerentes com a auto-imagem obviamente confirma –
buível a alguma experiência passada, mesmo sem de maneira automática e circular – a identidade pessoal
lembrança consciente do evento ocorrido. percebida...” (p. 88-89).
Uma compreensão mais sofisticada sobre os
esquemas é fundamental para desvendar os mecanismos
da mente inconsciente. Os esquemas, depois de Teoria do Esquema de Jeffrey
desenvolvidos, servem como modelos para o Young
processamento das experiências ulteriores, e acabam
desembocando em confirmações automáticas e
Jeffrey Young é um criativo terapeuta cognitivo
circulares dos próprios esquemas.
que completou seu pós-doutorado no Centro de Tera-
Uma pessoa que estruturou uma auto-imagem
pia Cognitiva sob a orientação de Aaron Beck, sendo
como incapaz de ser amada vai processar a experiência
fundador e atualmente diretor de pesquisa e treinamen-
de uma rejeição amorosa como evidência da veracidade
to dos centros de TC em Nova York e Connecticut. Sua
de suas crenças, reconfirmando-as a cada experiência
colaboração com Beck impulsionou o desenvolvimento
negativa de tal forma que, cada vez mais, parecem certas
de uma expansão da teoria inicial da TC de curto prazo
e reais suas crenças sobre si mesmo – este processo
para o que chamou de Teoria do Esquema. Esta teoria é
cria um circuito de retroalimentação que estabiliza a
relativamente recente (foi formulada nos anos 90), tendo
idéia de ser indigna de amor. O comportamento, por
conquistado reconhecimento pelo valor heurístico e uti-
sua vez, é negativamente influenciado por este conjunto
lidade clínica no meio profissional, inclusive no Brasil,
de crenças, fazendo a pessoa agir de modo a confirmar
apesar de ainda pouco disseminada.
sua profecia catastrófica (a previsão sem fundamento
A terapia focada no esquema compartilha os
de que algo catastrófico acontecerá) - que gera
elementos que caracterizam a terapia cognitiva, como
continuamente o que é percebido como evidência
um papel mais ativo para o terapeuta, o uso de técnicas
confirmatória dos esquemas. Se o sujeito considera-se
de mudança sistemáticas, ênfase nas tarefas de casa,
indigno de amor, agirá de forma acabrunhada e tímida,
relacionamento terapêutico colaborativo e uso de uma
não olhará nos olhos e falará baixo em uma situação
abordagem empírica, onde a análise das evidências tem
social, conduta que certamente aumenta sua chance de
papel importante na mudança de esquemas (Young &
rejeição. As rejeições que ocorrem, por sua vez,
Klosko, 1994).
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O modelo desenvolvido por Young enfatiza a refletidos na auto-imagem tácita, como uma visão de si
confrontação, a experiência afetiva, o relacionamento mesmo orgânica e inquestionável. São rígidos e
terapêutico como um veículo de mudança, e a discussão incondicionais, como, por exemplo, quando o paciente
de experiências iniciais da vida, aproximando a TC da sente que, não importa o que possa fazer, não será
abordagem da Gestalt terapia e da Psicanálise em alguns amado, mas sim abandonado e traído em sua confiança.
aspectos. O modelo de Young se revela importante para O sujeito percebe o EID como uma verdade a priori,
o refinamento de uma abordagem psicoterápica irrefutável e aceita como uma realidade intrínseca,
(alternativa à Psicanálise) para abordar em profundidade essencial.
os processos inconscientes. A terapia focada em A definição revisada e compreensiva de um
esquemas é mais longa do que a TC, dedicando muito Esquema Inicial Desadaptativo apresentada por Young
mais tempo para identificar e superar a evitação e colaboradores (2003, p. 7) caracteriza o EID como:
cognitiva, afetiva e comportamental. • um padrão amplo e pervasivo
O apoio empírico para a Teoria do Esquema é • composto de memórias, emoções, cognições e
proveniente de estudos que utilizam a forma longa do sensações corporais
Young Schema Questionnaire (Questionário de • envolvendo a si mesmo e a relação com os outros
Esquemas de Young) Este instrumento é de grande uti- • desenvolvido durante a infância ou adolescência
lidade clínica e de pesquisa, e já foi traduzido para • elaborado através da trajetória de vida da
muitos idiomas, inclusive português (Young, 2003). pessoa
Investigações sobre as propriedades psicométricas do • disfuncional em grau significante
Questionário de Esquemas (Schmidt, Joiner, Young & Outras características importantes dos EIDs são
Telch, 1995) revelaram coeficientes alfa para cada EID seu caráter autoperpetuador e sua resistência à mudança.
oscilando entre .83 a .96 e coeficientes de teste-reteste Mesmo que o sujeito seja enormemente bem sucedido
de .50 a .82 em uma amostra de população não clínica. na vida, isto não acarretaria alteração do esquema
As subescalas demonstraram alta confiabilidade teste- disfuncional. Os EIDs são o núcleo da auto imagem, e
reteste e consistência interna, além de boa validade vão realizar uma série de manobras cognitivas,
discriminante em medidas de estresse psicológico, auto- distorcendo o processamento para manter os esquemas.
estima e sintomatologia de transtornos de personalidade. São, na realidade, um sistema de expectativas rígidas
Jeffrey Young propõe cinco construtos teóricos sobre si mesmo e o mundo.
para expandir o modelo cognitivo de Beck, os Esquemas Os Esquemas Iniciais Desadaptativos implicam
Iniciais Desadaptativos, a sistematização de domínios em disfuncionalidade importante, gerando muitas vezes
dos esquemas, e os conceitos de manutenção, evitação transtornos mentais ou sofrimento psicológico
e compensação do esquema. Examinaremos a seguir subclínico. São ativados por eventos significativos para
mais detalhadamente estes construtos. a pessoa, como, por exemplo, uma atribuição difícil para
uma pessoa com esquema de fracasso, que pode acionar
pensamentos autoderrotistas com elevada carga
Esquemas Iniciais emocional (“não vou conseguir” ou “vou falhar e ser
Desadaptativos demitido”).

Os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) ou


esquemas primitivos segundo Young (2003, p. 16) são Domínios de Esquema
“crenças e sentimentos incondicionais sobre si mesmo
em relação ao ambiente”, representando o nível mais Jeffrey Young (2003) identificou 18 Esquemas
profundo da cognição, e “operam de modo sutil, fora Iniciais Desadaptativos, que são agrupados em cinco
de nossa consciência” (p. 75). Os EIDs se referem a amplos domínios de esquema. Young acredita que os
“temas extremamente estáveis e duradouros que se Esquemas Iniciais Disfuncionais originam-se pela
desenvolvem cedo durante a infância, são elaborados combinação de fatores biológicos e temperamentais com
ao longo da vida e são disfuncionais em um grau os estilos parentais e as influências sociais às quais a
significativo” (p. 15), compõe núcleos profundos do self criança é exposta. Uma criança de temperamento tímido
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pode estar mais predisposta a apresentar um esquema As respostas comportamentais de luta, fuga ou
de isolamento social, e outra biologicamente hiper- congelamento correspondem aos três estilos de
reativa à ansiedade pode ter mais dificuldade de superar enfrentamento dos EIDs, a supercompensação,
a dependência em direção à autonomia. Young (2003, subordinação (no original, surrender), e a evitação do
p. 24) hipotetiza cinco tarefas desenvolvimentais esquema, que podem ocorrer no plano afetivo,
primárias que a criança necessita realizar para se comportamental ou cognitivo. Lutar contra o esquema
desenvolver de forma sadia – conexão e aceitação, equivale a supercompensar, fugir é equivalente a
autonomia e desempenho, auto-orientação, limites subordinar-se e o congelamento equivale a evitação. Os
realistas e auto-expressão, espontaneidade e prazer. três estilos de enfrentamento geralmente operam
Quando não consegue avançar de forma sadia em função inconscientemente, e em cada situação, o paciente
de predisposições temperamentais e experiências provavelmente utiliza um deles, mas pode exibir dife-
parentais e sociais inadequadas, a criança pode rentes estilos de enfrentamento em diferentes situações
desenvolver EIDs em um ou mais domínios de esquema. ou com diferentes esquemas (Young, et al. 2003, p. 33).
Ou seja, problemas no estabelecimento de conexão com
as outras pessoas e de um sentimento de aceitação por Fig. 1.1. Estilos inconscientes de enfrentamento dos EIDs
parte dos outros leva a desenvolver EIDs no domínio
Desconexão e Rejeição; dificuldades na aprendizagem
de autocontrole e senso de limites podem induzir EIDs SUPERCOMPENSAÇÃO (LUTA)
no domínio Limites Prejudicados, e assim por diante.
SUBORDINAÇÃO (FUGA)

Processos de um EID EVITAÇÃO (CONGELAMENTO)

Todos os organismos apresentam basicamente


três respostas quando percebem uma ameaça: luta, fuga
ou congelamento (freezing). Segundo Young et al. Estes construtos tornam o modelo cognitivo mais
(2003, p. 33), a ameaça é a frustração de uma flexível e aberto à identificação de elementos sutis no
necessidade emocional profunda no desenvolvimento funcionamento mental inconsciente, produzindo uma
afetivo da criança (como ligação segura com os ou- fascinante superposição com conceitos teóricos da
tros, autonomia, auto-expressão livre, espontaneidade psicanálise como formação reativa, negação e repressão.
e limites realísticos) ou mesmo o medo das intensas No entanto, o modelo subjacente adotado (embora não
emoções que o esquema desencadeia, e a criança explicitado pelo autor) do processamento inconsciente é
responde com um estilo de enfrentamento (coping style) o cognitivo, não o dinâmico – aceita-se a descrição do
que a princípio é adaptativo, mas torna-se disfuncional fenômeno, mas não a explicação dentro da metateoria
com mudança das condições que ocorre à medida que a freudiana, buscando-se com o subsídio da teoria do
criança cresce – o que era adaptativo na infância é esquema um modelo explicativo mais adequado.
desadaptativo para o adulto, e o paciente fica aprisionado O conjunto de crenças profundamente enraizadas
na rigidez de seu estilo de enfrentamento. que Young chamou de esquemas primitivos fundamenta
Portanto, os estilos de enfrentamento nosso autoconceito e compõe os alicerces na ampla
desadaptativos, apesar de auxiliarem o sujeito a não edificação de nossa visão de nós mesmos - nosso modelo
experimentarem as emoções intensas e opressivas do self. Os esquemas primitivos lutam por sua
engendradas pelos esquemas, servem como elementos manutenção através de processos de distorção no
importantes da perpetuação dos mesmos. É importante processamento de informações, comparando os dados
notar que os esquemas contêm “memórias, emoções, de entrada (a realidade do seu próprio comportamento
sensações corporais e cognições” (Young et al. 2003, e a do mundo) com o modelo de self (o comportamento
p. 32), mas não envolvem as respostas comportamentais; esperado e as reações do mundo social e físico). Para
o comportamento não é parte do esquema, é parte do reduzir a dissonância cognitiva (Festinger, 1964)
estilo de enfrentamento. produzida pela distância entre o modelo internalizado
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do self e a realidade são empregados mecanismos de se às tentativas automáticas ou volitivas de bloquear


distorção cognitiva. Segundo Jeffrey Young (2003), em pensamentos ou imagens que poderiam acionar o
nível cognitivo esquema. Uma pessoa pode evitar intencionalmente a
focalização de acontecimentos dolorosos ou mesmo
(...) a manutenção do esquema acontece salientando-se aspectos negativos de sua personalidade. No entanto,
ou exagerando-se informações que confirmam o Young enfatiza o processamento inconsciente e o papel
esquema, e negando-se e minimizando-se informações da memória na evitação cognitiva;
que contradizem o esquema. Muitos desses processos
de manutenção do esquema já foram descritos por Beck Também existem processos inconscientes que ajudam as
como distorções cognitivas (p. 25). pessoas a excluir informações demasiado perturbadoras.
As pessoas tendem a esquecer acontecimentos particu-
Portanto, as distorções cognitivas identificadas larmente dolorosos. Por exemplo, as crianças que foram
por Beck (1967) na TC são importantes mecanismos sexualmente abusadas muitas vezes não tem nenhuma
mantenedores do esquema, sendo as informações lembrança da experiência traumática. (Young, 2003, p. 79)
distorcidas para mantê-lo intacto, no processo que
Young denominou subordinação ao esquema. O No caso de lembranças traumáticas, a hipótese de
paciente pode resistir enormemente ao exame de seus que a memória consciente ou explícita tenha sido
esquemas e esforçar-se para demonstrar que o mesmo enfraquecida é bastante provável. Um possível substrato
é verdadeiro – sem perceber que está magnificando neural de alguns mecanismos de evitação cognitiva é o
alguns elementos da sua percepção, minimizando alguns sistema de memória explícita do lobo temporal medial,
outros, supergeneralizando e utilizando outras composto pelo hipocampo e regiões adjacentes, sistema
distorções. este bastante danificado por níveis cronicamente elevados
Padrões de comportamento autoderrotistas do hormônio cortisol. A liberação acentuada de cortisol
contribuem para manter, em nível comportamental, os faz parte da reação de estresse que normalmente
esquemas primitivos. Uma mulher, por exemplo, pode acompanha experiências traumáticas (Sapolsky, 1998;
escolher sempre parceiros arrogantes e dominadores, em 2003), o que pode explicar, em parte, o esquecimento
decorrência de um esquema subjacente de subjugação. das lembranças dolorosas (LeDoux, 1996).
Sem ter consciência deste processo, age de forma tal que Na evitação cognitiva, pensamentos ou imagens
reforça sua visão de si mesma como submissa e que possam acionar o esquema são bloqueados, e Jeffrey
impotente. Os comportamentos autoderrotistas e as Young estabelece um paralelo importante com conceitos
distorções cognitivas são, portanto, os principais análogos pertencentes ao domínio da Psicanálise,
mecanismos de subordinação que perpetuam e tornam considerando que “alguns destes processos cognitivos
rígidos e inflexíveis os esquemas primitivos. de evitação sobrepõe-se ao conceito psicanalítico de
A evitação do esquema é um dos mecanismos mecanismo de defesa. Exemplos disto seriam repressão,
mais interessantes descritos por Young. Os EIDs supressão e negação” (2003, p. 26). Outras estratégias
acionam alto nível de afeto quando ativados, de evitação cognitiva incluem a despersonalização (um
despertando reações emocionais aversivas intensas processo através do qual o paciente “se remove
como culpa, ansiedade, tristeza ou raiva. Estas reações psicologicamente da situação que desencadeia um EID”
emocionais funcionam como conseqüências aversivas (2003, p. 26) e os comportamentos compulsivos, que
que, por um processo de condicionamento, acabam com tem a função de distrair o paciente de pensamentos
menor probabilidade de serem despertadas novamente, perturbadores que acionam os EIDs.
graças à evitação dos esquemas. A alta intensidade A evitação afetiva diferencia-se da cognitiva pelo
emocional pode ser dolorosa e o sujeito “cria processos foco em bloquear sentimentos desencadeados pelos
tanto volitivos quanto automáticos para evitar acionar esquemas primitivos. A evitação afetiva, da mesma
o esquema ou sentir o afeto a ele conectado” (Young, forma que a cognitiva, pode envolver tentativas
2003, p. 26). conscientes ou inconscientes de bloquear sentimentos
A evitação pode ocorrer na esfera cognitiva, ativados pelos esquemas iniciais. O paciente relata uma
afetiva ou comportamental. Evitação cognitiva refere- experiência de vida perturbadora, mas nega experi-
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mentar emocionalmente a situação – existe evitação dos Young (2003, p.27), o conceito está relacionado à noção
aspectos afetivos sem bloqueio da cognição associada. psicanalítica de formação reativa. O paciente tenta lutar
Young (2003, p. 39) sugere que duas carac- contra o esquema pensando, sentindo e comportando-
terísticas evidenciam a evitação afetiva do esquema, a se de forma oposta ao esquema. Se o sujeito sentia-se
dificuldade de identificar o conteúdo de sintomas ou defeituoso na infância, quando adulto tenta ser perfeito;
emoções experienciadas – o paciente sente-se irritado se foi controlado, esforça-se para rejeitar todas as formas
ou triste, mas não consegue relatar a que se referem de influência, se foi subjugado, quando adulto tenta
estes sentimentos – e a presença de sintomas somáticos desafiar a todos, se foi abusado, abusa dos outros,
vagos como tonturas, vertigem, febre, amortecimento sempre contra-atacando o esquema.
ou despersonalização – os sintomas difusos estão A supercompensação de um esquema é vista como
presentes em vez de emoções primárias como raiva, uma tentativa parcialmente saudável de lutar contra o
medo ou tristeza, o que pode indicar evitação do esquema que acaba passando do ponto ótimo, uma
esquema. A evitação afetiva levaria a mais sintomas espécie de tiro pela culatra. Na tentativa de enfrentar o
psicossomáticos e a manutenção mais prolongada de esquema, o exagero leva a perpetuação do mesmo, e não
emoções difusas. ao arrefecimento. Na realidade, existem muitos
A evitação do esquema, além de afetiva ou supercompensadores que parecem sadios entre aqueles
cognitiva, também pode ser comportamental, que é que se destacam ou são admirados em alguma área, como
basicamente esquivar-se de situações ou circunstâncias estrelas da mídia, lideranças políticas ou empresários de
reais que ativam esquemas dolorosos. A evitação sucesso – são pessoas que muitas vezes obtiveram seu
comportamental pode ser descrita como esquiva de sucesso através da supercompensação. Mas, como
situações aversivas e manifesta-se pelo isolamento nas poderíamos distinguir a linha divisória entre o
relações humanas, por fobias e inibições que limitam a enfrentamento sadio de um esquema e uma
vida profissional e familiar. Um sistema de crenças supercompensação patológica? É saudável lutar contra
contaminado com um esquema de fracasso, por esquemas disfuncionais de forma proporcional à situação,
exemplo, leva o sujeito a evitar desafios e situações levando em consideração os sentimentos dos outros e
competitivas, levando ao insucesso e à confirmação de direcionando a situação para obter resultados desejáveis.
suas crenças sobre si mesmo, de forma circular e A compensação excessiva de um esquema é
autoperpetuadora. freqüentemente insensível a necessidades e direitos dos
Em suma, a evitação (afetiva, cognitiva e/ou outros e improdutiva, além de desproporcional aos fatos.
comportamental) serve para escapar da dor Até agora examinamos os elementos básicos da
desencadeada pela ativação de um esquema primitivo. Teoria do Esquema, mas de que forma conceitos como
No entanto, ao evitar experiências de vida o sujeito esquemas primitivos disfuncionais tem suporte na
também é impedido de refutar a validade de suas neurobiologia do cérebro? Jeffrey Young procurou
crenças. Além disto, o esquema pode nunca ser trazido endereçar esta questão no livro Schema Therapy (Young
à superfície e examinado de forma racional. Podemos et al. 2003), uma espécie de bíblia da Terapia do
perceber que estas conseqüências introduzem círculos Esquema que escreveu em colaboração com as
viciosos fundamentais na psicopatologia e que a terapeutas cognitivas Janet Klosko e Marjorie Weishaar.
evitação, na teoria do esquema, é um mecanismo chave,
da mesma forma que o conceito de repressão para Freud
representava um papel crucial na gênese das desordens Neurobiologia dos Esquemas
mentais. Primitivos
O último processo de um EID é a super-
compensação do esquema, a adoção de estilos
Idealmente, uma teoria psicoterápica necessita de
cognitivos ou padrões comportamentais opostos aos
suporte neurobiológico e das ciências do
prescritos pelos esquemas. Em uma forma de
comportamento no que se refere às suas hipóteses
compensação exagerada, a partir de um esquema inicial
testáveis. Uma abordagem psicoterápica também não
desadaptativo de privação emocional, um paciente pode
poderia contradizer, nas suas formulações e hipóteses
comportar-se narcisisticamente, por exemplo. Segundo
que aguardam verificação mais direta, a corrente
A Neurobiologia da Terapia do Esquema e o Processamento Inconsciente 17

principal (mainstream) do conhecimento científico e as As recentes pesquisas em neurociências têm


evidências disponíveis até o momento em outras áreas mostrado que não existe um sistema emocional único,
estabelecidas do conhecimento humano. As teorias que mas sim vários circuitos neurais encarregados de dife-
não se preocupam com a aceitação da comunidade rentes emoções, cada um deles envolvido em diferentes
científica tendem a ficar enclausuradas em uma redoma funções de sobrevivência - sistemas especializados que
de seguidores de caráter quase religioso e, com o tempo, evoluíram por seleção natural para resolver problemas
podem caminhar em direção ao isolamento e descrédito. de adaptação, como reagir ao perigo, descobrir alimento,
A Teoria do Esquema está sintonizada com estas achar parceiros e reproduzir, cuidar da prole e estabelecer
preocupações, embora um longo caminho tenha que ser alianças sociais, por exemplo. O principal foco para a
percorrido até podermos dizer que apresenta um Teoria do Esquema são os circuitos cerebrais envolvidos
correlato neural consistente. Aliás, nenhuma teoria na regulação do condicionamento do medo e trauma.
psicoterápica atual atingiu este padrão, que certamente De acordo com LeDoux (1996) e Davis (1997),
trará prestígio científico. O status de deter um correlato existem dois sistemas que operam em paralelo e estocam
neural é algo almejado por praticamente toda escola diferentes tipos de informação relevante para a
psicoterápica, inclusive a Psicanálise – tanto que em experiência de aprendizagem de medo. Um dos sistemas
2000 foi fundada em Londres a Sociedade Internacional é consciente, implicando em uma representação explícita
de Neuropsicanálise, um esforço de psicanalistas e ou declarativa, e é mediado pelo hipocampo e áreas
neurocientistas neste sentido. corticais relacionadas. O outro é inconsciente, e se
Como é natural, a própria complexidade do tema processa através da amígdala, gerando memórias
exige flexibilidade teórica para poder abrigar os nuances implícitas ou não-declarativas. As memórias conscientes
e sutilezas das interações humanas na saúde e nos trans- e inconscientes são recuperadas quando, mais tarde,
tornos mentais. Uma abordagem que se atenha somente encontramos os estímulos relacionados a uma experiência
aos aspectos atualmente verificáveis deixaria aspectos traumática. A memória consciente desemboca em
importantes de fora. Portanto, somente é possível tra- lembranças da situação que o sujeito tem pleno acesso,
çar algumas aproximações entre as neurociências e a enquanto a recuperação das memórias inconscientes
terapia – Jeffrey Young et al. (2003) deixam claro que converge para a expressão de mudanças corporais que
sua proposta de uma visão baseada na biologia do preparam o organismo para o perigo. Existe uma memória
cérebro a respeito dos esquemas é composta por emocional e uma memória cognitiva do mesmo evento
hipóteses ainda não corroboradas sobre possíveis traumático, e as respostas emocionais podem ser
mecanismos de desenvolvimento de esquemas e disparadas sem a participação dos centros superiores de
mudança humana. processamento neural envolvidos no pensamento
Young et al. (2003, p. 26) apresentam um esboço consciente e avaliação racional.
de modelo neurobiológico para a Teoria do Esquema O sistema da amígdala, segue Young citando
baseado essencialmente no trabalho do neurocientista LeDoux (1996), tem atributos diferentes do sistema do
Joseph LeDoux (1996), expresso no clássico The hipocampo e córtices superiores, como podemos notar
Emotional Brain. na tabela 1.2.

Tabela 1. 2. Diferenças entre o sistema da Amígdala / Hipocampo e Córtices Superiores

SISTEMA DA AMÍGDALA: SISTEMA HIPOCAMPAL E CÓRTICES SUPERIORES:


Inconsciente (memória implícita) Consciente (memória explícita)
Rápido (via rápida tálamo-amígdala) Lento (via mais lenta tálamo-córtex)
Automático (avaliação de perigo aciona emoções Flexibilidade de resposta mediada pela reflexão e escolha
e reações corporais) consciente
Permanente (memórias resistentes à extinção) Maior transitoriedade e facilidade de esquecimento com o tempo
Representações simples e cruas do mundo Representações mais detalhadas e acuradas do mundo
(não faz discriminações finas)
Antigo, conserva-se ao longo da evolução Mais recente na evolução
(Adaptado de Young et al. 2003, p. 27-9; LeDoux, 1996; Davis, 1997)
REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2005 Volume 1 Número 1 9-20
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O acionamento de um EID é mediado pelo cerebrais “pode explicar por que esquemas não são
sistema da amígdala, enquanto o pensamento racional modificáveis por simples métodos cognitivos” (2003,
e a reflexão consciente são produtos de um p. 29). Este é um ponto central na argumentação, pois
processamento que envolve os córtices superiores e o Jeffrey Young et al. acreditam que os componentes
sistema hipocampal. Segundo Young et al. (2003), cognitivos de um esquema freqüentemente se
mecanismos neurobiológicos como estes dão suporte à desenvolvem mais tarde, depois que as emoções e
Teoria de Esquema, e outros serão identificados por sensações corporais já foram estocados no sistema de
pesquisas adicionais. memória emocional da amígdala.

Muitos esquemas desenvolvem-se em um estágio pré-


Conclusão verbal: Eles se originam antes da criança ter adquirido
linguagem. Esquemas pré-verbais surgem quando a
Em síntese, os estudos atuais em neurociências criança é tão jovem que tudo que está armazenado são as
apontam que as emoções são desencadeadas mais memórias, emoções e sensações corporais. As cognições
rapidamente e podem existir independentemente das são adicionadas depois, quando a criança começa a pensar
avaliações racionais e pensamentos conscientes e falar em palavras. (2003, p. 29)
característicos dos níveis de processamento superior
cortical. As memórias emocionais de experiências trau- Uma vez que muitos esquemas são construídos
máticas permanecem conosco para o resto de nossas em uma etapa pré-verbal, um dos papéis do terapeuta,
vidas, inscritas na amígdala, mas podendo ser inibidas para Young, é ajudar o paciente a associar palavras com
e controladas pelo córtex pré-frontal. Com base nestes a experiência do esquema.
fundamentos da neuropsicologia do medo e da memória, Quando um EID é acionado, o sujeito é inundado
Young et al. (2003, pp. 28-30) consideram as com emoções e reações corporais, e pode ou não
implicações para o modelo do esquema. Se um sujeito conectar conscientemente esta experiência com a
encontra os estímulos remanescentes da situação de memória da situação original. Outro papel crucial
infância que ocasionou o desenvolvimento do esquema, desempenhado pelo psicoterapeuta da Teoria do
as emoções e sensações corporais associadas com o Esquema é ajudar o paciente a conectar as emoções e
evento são acionadas inconscientemente pelo sistema sensações corporais (memórias implícitas) disparadas
da amígdala; ou, se o indivíduo está consciente deste pelo acionamento do EID às memórias de infância
processo, as emoções e as reações corporais são ativadas explícitas relacionadas à situação.
mais rapidamente do que os pensamentos e avaliações Segundo Young et al., “a primeira meta da tera-
conscientes – o grupo de LeDoux verificou que a pia do esquema é consciência psicológica” (2003, p.29).
informação viaja rapidamente (doze milissegundos) por O terapeuta ajuda os pacientes a identificar seus
uma via direta desde o tálamo até o núcleo basolateral esquemas e se tornar consciente das memórias, emoções,
da amígdala, enquanto a via mais longa do tálamo ao sensações corporais, cognições e estilos de
córtex, que pode fazer distinções mais elaboradas, leva enfrentamento associados com estes esquemas. O
dezenove milissegundos (cerca de 65% a mais de dura- autoconhecimento sobre os esquemas e estilos de
ção). Esta ativação das emoções e reações corporais se enfrentamento permite que o paciente exerça certo
processa automaticamente e provavelmente controle sobre suas reações, aumentando seu poder de
permanecerá presente na vida do indivíduo, embora o escolha e deliberação consciente – exercitando seu livre
grau de ativação possa diminuir significativamente com arbítrio em relação aos EIDs.
o manejo do esquema. LeDoux (1996, p. 265) teorizou que a
As memórias e cognições conscientes associadas psicoterapia é uma maneira de reconfigurar os circuitos
com o trauma, em contraste, são estocadas no sistema cerebrais que controlam a amígdala, em cujos circuitos
hipocampal e córtices superiores. Segundo Young et as memórias emocionais estão indelevelmente gravadas.
al. o fato de que aspectos emocionais e aqueles que O córtex pré-frontal pode controlar a amígdala e regular
envolvem pensamento consciente sobre a experiência sua expressão. Young et al. (2003) acreditam que, à luz
traumática estão localizados em diferentes sistemas deste insight proveniente das Neurociências, “a meta
A Neurobiologia da Terapia do Esquema e o Processamento Inconsciente 19

do tratamento é aumentar o controle consciente sobre unconscious: A cognitive view. Em Bowers, K. S. &
os esquemas, trabalhando para enfraquecer as memórias, Meichenbaun, D., (Eds.). The Unconscious:
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Recebido em: 09/04/2005
Aceito em: 20/06/2005

Endereço do autor principal: Marco Montarroyos Callegaro, Universidade do Sul de Santa Catarina –UNISUL, Rodovia
Virgílio Várzea, 1510/201 Bloco B Cond. Central Park
Saco Grande CEP 88032 001, Florianópolis – SC.
Email: mcallegaro@brturbo.com.br

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