Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Apocaliptica Judaica e As Origens Cristas PDF
Apocaliptica Judaica e As Origens Cristas PDF
Martinus de Boer*
Resumo
Este ensaio analisa e desenvolve a tripla definição de Apocalíptica feita por Paul
Hanson: a) como elementos formais da assim chamada literatura apocalíptica; b)
como perspectiva escatológica e cosmológica e c) como movimento social que reage
a crise e alienação por meio de símbolos e escatologia apocalíptica. Estes três elemen-
tos passam a serem designados pelos termos Apocalipse, Escatologia Apocalíptica e
Apocalipsismo, respectivamente.
Palavras-chave: Apocalíptica, Gênero literário, Cosmovisão, apocalíptica, Contexto
social do cristianismo primitivo.
Abstract
This essay analyzes and develops the triple definition of Apocalyptic made by Paul
Hanson: a) as the forma elements of so-called apocalyptic literature; b) as an
eschatological and cosmological perspective; and c) as a social movement which
reacts to crisis and alienation by means of symbols and apocalyptic eschatology.
These three elements come to be referred to by the terms Apocalypse, Apocalyptic
Eschatology and Apocalyptic, respectively.
Keywords: Apocalypticism, Literary Forms, Cosmovision, Social Context of Early
Christianity.
I. Introdução
Paul D. Hanson 1 fez a seguinte distinção tripla ao referir-se à
apocalíptica judaica antiga:
Apocalipse. Este termo refere-se ao ‘gênero literário’. O livro cristão do Apocalipse de João
é freqüentemente considerado como paradigma para o gênero. Ele começa com as palavras:
‘Apocalipse de Jesus Cristo’. A estrutura e as características típicas de um apocalipse são
dadas nos versos introdutórios deste livro (1,1-2):
‘(1) uma revelação é dada por Deus, (2) por meio de um mediador (aqui Jesus Cristo, mas
poderia ser um anjo), (3) a um visionário, a respeito de (4) eventos futuros’.
Outros apocalipses podem ser encontrados em Daniel 7-12; 1 Enoque 14-15; 4Esdras 9,26-
10,59, cap.11-12, 13; e Baruque 53-74. ‘A maioria destes apocalipses parece originar-se de
contextos de perseguição, dentro do qual eles pretendem revelar ao fiel uma visão de
mudança e de glorificação (v. Daniel 12,1)’.
Uma definição mais ampla e melhor documentada foi apresentada por J.J.
Collins 2 : Um apocalipse é
um gênero de literatura de revelação com uma estrutura narrativa, na qual uma revelação
é mediada por um instrumento humano, que revela uma realidade transcendente, a qual é,
ao mesmo tempo, temporal, enquanto visa salvação escatológica, e espacial, ao envolver um
outro mundo, um mundo sobrenatural.
4. Hanson, Paul D. The Dawn of Apocalyptic. The Historical and Sociological Roots of Jewish
Apocalyptic Eschatology. Philadelphia, 1979 (2nd ed.), p. 432,440; cf. também “Apocalypse,
Genre” and “Apocalypsism” ..., p. 30.
A influência da apocalíptica judaica sobre as origens cristãs 15
João às sete igrejas que estão na Ásia: graça e paz da parte daquele que é, que era, e que
virá ... (Ap 1 ,4)
Paulo, apóstolo .... às igrejas da Galácia: Graça a vós e paz da parte de Deus nosso pai e
do Senhor Jesus Cristo (Gl 1,1-3)
A graça do Senhor Jesus seja com todos os santos. Amém. (Ap 22,21)
A graça do Senhor Jesus seja contigo. Amém (1Tes 5,28)
11. ver Bauckham, Richard. The Theology of the Book of Revelation. Cambridge, 1994, p. 9-12.
18 Apocalíptica e as Origens Cristãs
12. Collins, A.Y. Mark 13: An Apocalyptic Discourse, in: In the beginning of the Gospel:
Probings of Mark in Context. Minneapolis, 1992, p. 73-91. Ver Marcos 13, 3-4.
13. The Dawn of Apocalyptic, p. 26, p. 440.
A influência da apocalíptica judaica sobre as origens cristãs 19
Se algum outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais: Circun-
cidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de
hebreus; quanto à lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à
justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era lucro, isto con-
siderei perda por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu
Senhor: por amor do qual, perdi todas as coisas e as considero como refugo,
para ganhar a Cristo, e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede
da lei, senão a que é mediante a fé, a justiça que procede de Deus, baseada na
fé; para o conhecer e o poder da sua ressurreição e a comunhão dos seus
sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte; para de algum modo
alcançar a ressurreição dentre os mortos (Fl 3,4b-11).
Porque ouvistes qual foi meu proceder outrora no judaísmo, como sobre-
maneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava. E, na minha nação,
quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade, sendo extrema-
mente zeloso das tradições de meus pais. Quando, porém, ao que me separou
antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu filho em
mim, para que eu o pregasse entre os gentios, sem detença não consultei carne
e sangue ...” (Gl 1,13-16).
Paulo não se tornou um missionário cristão apocalíptico por causa de sua
falta de satisfação com o farisaísmo, ou porque estava alienado de seu povo,
ou por sentir-se inadequado ou desprovido de poder. Pelo contrário, ele sentia-
se em casa em seu judaísmo, realizado em sua devoção pela lei. Nestas duas
passagens Paulo apresenta características de uma identidade judaica otimista.
Não há evidência em qualquer lugar de que a falta de satisfação de Paulo
com a lei de Moisés, ou com sua identidade judaica, tenham-no conduzido a
Cristo ou a uma compreensão apocalíptica de sua pessoa. Antes, a inesperada
e surpreendente “revelação (apokalypsis) de Jesus Cristo” (Gl 1,12), manifes-
tou e levou a cabo sua alienação em relação a seu passado farisaico.
O mesmo pode ser dito das comunidades que ele fundou. Para os
tessalonicenses, por exemplo, ele escreve: “ ... é que, tendo vós recebido a
palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de
homens, e, sim, como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito,
está operando eficazmente em vós, os que credes”. Em seguida ele refere-se
à perseguição que estes novos cristãos sofreram em Tessalônica, como
conseqüência da fé provocada por esta palavra divina (2,13-15; cf. 1,6). Estes
tessalonicenses não se tornaram cristãos por causa de sua experiência de ali-
enação e sofrimento. É mais provável que o contrário tenha sido o caso.
20 Apocalíptica e as Origens Cristãs
14. The Book of Revelation. Justice and Judgement. Philadelphia, 1985, p. 20.
15. Crisis and Catharsis, p. 77.
A influência da apocalíptica judaica sobre as origens cristãs 21
cipação, ao fazer referência à perseguição que ele sabe que virá: Deus não
deixará mais suas testemunhas perecerem, pois ele deixou Cristo, a testemunha
por excelência da vontade Deus sobre o mundo (1, 5), perecer.
16. The Kingdom of God and the Renewal of Israel: Synoptic Gospels, Jesus Movements, and
Apocalypticism, in: J.J. Collins (ed.), The Encyclopedia of Apocalypticism, p. 303-344.
17. The Kingdom of God ..., p. 307.
18. The Kingdom of God ..., p. 307.
19. The Kingdom of God ..., p. 308.
22 Apocalíptica e as Origens Cristãs