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Introducao Aos Estudos Historicos PDF
Introducao Aos Estudos Historicos PDF
aos estudos
históricos
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e Distribuidora Educacional S.A.
ISBN 978-85-68075-25-8
CDD-930.1
Caros alunos, convidamos vocês para uma viagem! Nesta obra dirigida
especialmente aos alunos de graduação de História, fundamentam os con-
teúdos abordados na disciplina Introdução aos estudos históricos, sendo
assim, reúne questões teóricas e práticas acerca da História.
A abordagem embasa-se na importância do entendimento do sentido da
História no âmbito da produção historiográfica, bem como as possibilidades
de produção do conhecimento histórico. O que nos interessa compreender
como os historiadores concebem seu trabalho? O que pretendem com o seu
ofício? Quais as suas fontes de análises? Nesse sentido, considera-se impor-
tante analisar o papel do historiador e suas diferentes abordagens e procedi-
mentos históricos às fontes históricas durante a realização de uma pesquisa.
Serão também realizadas discussões que contemplem o espaço, o tempo,
o fato e os sujeitos históricos. Conceitos fundamentais para a compreensão
das diferentes concepções de História.
Espero que aproveitem os debates propostos nas diferentes unidades de
estudo e tenham um bom semestre.
Cyntia Simioni França
Introdução ao estudo
Nesta unidade não apresentaremos respostas acabadas às questões levan-
tadas sobre o que é história, nem indicaremos qual a concepção que deve ser
seguida, mas propomos apresentar as diferentes maneiras de se escrever e
refletir a história, levando também em conta que o historiador é um sujeito da
sua história e que escreve a partir do seu olhar do presente e, por isso, pode
determinar a forma como analisa o seu objeto de estudo. O velho provérbio
árabe já dizia que os homens se parecem mais com sua época do que com
seus pais. Nesse sentido, o homem diante das inquietações do seu presente
debruça seu olhar sobre o passado.
Iniciamos o debate indagando: afinal, o que é história? Recorremos a al-
guns historiadores de diferentes épocas e concepções. Para Leopold von Ranke
(1790-1880), a história era para mostrar o que realmente ocorreu no passado.
Enquanto para Marc Bloch (2001), a história é a ciência dos homens no tempo.
O historiador Edward Thompson (1981) entende que a história é a compreensão
das várias faces do fazer humano que faz parte das experiências vividas. Ainda
para Walter Benjamin (1985) a história é objeto de uma construção, e seu lugar
não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo “saturado de agoras”.
As diferentes explicações são necessárias para entendermos que os modos
de compreender a história são diferentes pelos historiadores e nesse sentido o
campo de investigação fica aberto ao debate. Vamos iniciar as reflexões?
na educação básica é: afinal, o que é história? Para quê serve estudar a história?
E com grande empenho o professor explica para seus alunos que a história é o
estudo das ações e práticas dos homens no tempo e no espaço.
A história é construída a partir das vivências e ações cotidianas. Assim, o
objeto de estudo da história é o homem em sociedade, parafraseando Bloch
(2001), onde encontramos carne humana é digno de investigação histórica.
Nesse sentido, ao estudar a história busca-se entender as condições de
nossa realidade. Ao pensar em história necessariamente podemos relacioná-la
à história vivida, já que se constrói a história todos os dias. Fazemos parte da
história e desempenhamos um papel importante enquanto sujeitos históricos,
na sociedade. Sendo assim, a história é tudo que conseguimos perceber e narrar
sobre a vida dos homens. Segundo Benjamin (1985, p. 223), “[...] o cronista que
narra os acontecimentos sem distinguir entre os grandes e os pequenos leva em
conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado
perdido para a história”.
Assim, com a história podemos compreender as ideias, as culturas, os sen-
timentos, os comportamentos, as atitudes e as práticas culturais dos agentes
históricos, e construir narrativas históricas, a partir de múltiplas formas. Benja-
min (1985) compartilha desse pensamento ao chamar a atenção para perceber
as mudanças menos perceptíveis, uma vez que as experiências dos homens se
manifestam não apenas através de lutas políticas, mas também por meio dos
valores, imagens e sentimentos.
Dessa maneira, entendemos que por meio das experiências os sujeitos são
reinseridos na história, abrindo um campo de potencialidades, e um elo com
a sua “cultura”, que, segundo Thompson (1981, p. 182), os “[...] homens e
mulheres experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses
sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco,
e reciprocidades”.
A história discute a temporalidade das experiências humanas, que são
mediatizadas pelas relações sociais. Esse discutir estabelece um diálogo entre
presente e o passado e organiza as memórias, definidas a partir de múltiplas
construções históricas. Assim, a história nos possibilita compreender as expe-
riências dos homens, visando entender as práticas coletivas em sua dinâmica
de mudanças e permanências.
Com a história não devemos recuperar a experiência dos agentes históricos
em outras épocas, pois sabemos que “[...] irrecuperável é cada imagem do
passado que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por
ela” (BENJAMIN, 1985, p. 224). Porém, podemos recuperar as suas diversas
representações, visto que ao articular o passado não significa conhecê-lo como
de fato foi, mas significa “[...] apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela
relampeja no momento de um perigo” para fazer emergir o que não foi reali-
zado no passado, inscrevendo no presente seu apelo para um futuro diferente
(BENJAMIN, 1985, p. 224).
Assim, não é o passado que coloca suas perguntas, mas o olhar do historia-
dor, a partir do seu presente frente ao passado e levanta os questionamentos.
Porém, o presente não é apenas o ponto de passagem entre o progresso e o futuro
como define a concepção historicista. Mas o presente é o tempo da ação dos
homens (tempo de construção), já o passado é o tempo da experiência única.
Então, quando Benjamin (1985) ressalta que a história é o tempo do presente,
entendemos como o de possibilidades de mudanças, aberto em todos os mo-
mentos à invasão imprevisível do novo.
Portanto, a relação entre passado e presente estabelece-se de modo dinâ-
mico, de tal forma que a memória histórica é constantemente reconstituída.
Mas a memória não é apenas um instrumento para a exploração do passado.
É o meio em que se deu a vivência, assim como o solo é o meio onde antigas
cidades estão soterradas. Quem pretende se aproximar do próprio passado
deve agir como um homem que escava. Antes de tudo, não deve temer voltar
sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se
revolve o solo. Pois fatos nada são além de camadas que apenas a exploração
mais cuidadosa entrega àquilo que recompensa a escavação (BENJAMIN, 1995,
p. 239).
Mas como o historiador pode avançar no campo da memória para encon-
trar os achados (os cacos da história)? Por um corte cuidadoso transversal, mas
também investigando o desconhecido, o obscuro. E se engana o historiador que
só faz o inventariado dos achados e não sabe qual o lugar desse achado nos
dias de hoje. A verdadeira lembrança para Benjamin (1995) não deve apenas
indicar as camadas das quais se originam seus achados, mas explicar as “outras”
camadas que foram atravessadas.
Assim, a rememoração em Benjamin (1985) no ato de produzir histórias tem
por tarefa a construção de constelações de ideias que ligam camadas diferentes
que são perpassadas umas às outras (como o passado contido no presente). Tais
científicos, e propõe algo que não seja mensurável nem generalizado, mas
pertinente aos seres humanos. Isso porque a história nunca oferece as condi-
ções para experimentos idênticos e muito menos passíveis de serem repetidos.
Nesse sentido, o passado histórico é o objeto de investigação e seu próprio
laboratório experimental.
Assim, o autor entende que a história é diferente das ciências exatas (como
a física) porque não oferece causas suficientes para impor regras pré-estabele-
cidas, e, por isso, a lógica histórica está estritamente adequada ao que deno-
minamos materiais históricos, pois as lógicas do processo social e econômico
estão sendo continuamente infringidas pelas contingências (movimentos), de
modo que invalidaria qualquer regra nas ciências experimentais.
Nesse sentido, entende-se a história como uma desordem racional. Thomp-
son (1981) explica que a história é desordem no sentido de que ela é uma
pesquisa empírica do objeto e para que ocorram suas análises devem-se con-
siderar as particularidades, as contradições, as ambiguidades e as rupturas.
Essa concepção perturba qualquer procedimento de lógica analítica, pois as
ciências experimentais ocupam-se de termos sem ambiguidades.
Além disso, Thompson (1981) argumenta que o objeto de investigação da
história é o real, ou seja, os indivíduos que estiveram ou estão em sociedade e
que são sujeitos incompletos e imperfeitos, por isso que a “verdade histórica”
é relativa, haja vista que cada sujeito fala do seu local de pertencimento na
sociedade. Assim o autor complementa que a história é provisória, algo pró-
prio do seu campo, e está distante de se equipar com outros paradigmas do
conhecimento, pois uma nova fonte ou diferente interpretação pode alterá-la,
ou trazer uma pluralidade de interpretações sobre um mesmo evento histórico.
A história nesse sentido não produz a “verdade”, mas “verdades históricas”,
assim, entendemos que tal conceito é amplo, pois não existe uma história
absoluta; ela está sempre em construção. Porém, não significa afirmarmos que
o status ontológico do passado se modifica, o que aconteceu com os indivíduos
não se altera, pois o passado se foi. É o conhecimento histórico que se modifica
de acordo com as preocupações de cada época. A cada nova geração podem
surgir perguntas diferentes, inquietações ligadas a seu próprio tempo e que
podem trazer à tona outros pontos de vista, ou seja, interpretações múltiplas
sobre o mesmo evento histórico e é nesse sentido que os produtos da investi-
gação histórica estarão sempre sujeitos à modificação. Então, ao construir a
história discutimos as várias faces de um acontecimento e o historiador por
cristãos, como exemplo, a própria Bíblia passa a ser alvo de discussões e vai
de encontro à corrente erudita.
Aliada a essas mudanças pode-se ressaltar que na Idade Moderna a história
política apresenta três qualidades: primeiramente mantém a função de “mestra
da vida”, no entanto, os humanistas fazem uso também no ensino da retórica;
segundo porque a partir das influências de Maquiavel destacava-se que a história
apenas dava conta de ensinar a política e distanciava-se da ética e da moral; e por
último, intensificavam as histórias ligadas aos Estados territoriais ou dinásticos,
precursora das histórias nacionais voltadas para o conceito de Estado-nação.
Assim, os pensadores iluministas como Montesquieu, Voltaire e Rousseau
buscam na história dos povos, não apenas o espetáculo das diferentes religiões
e dos costumes, mas o significado de um mundo liberto da sagrada escritura
e livre ao progresso.
Entretanto, a historiografia da Ilustração demonstra que o estudo do passado
está longe de ser uma disciplina escolar, simplesmente pela justificativa: “[...] se
a história não é ensinada, é porque não está constituída em matéria ensinável”
(FURET, 1980, p. 115).
Somente em meados do século XVIII acontece um grande descontentamento
em relação aos Colégios Jesuítas por parte do ministro de Portugal, Marquês de
Pombal, sendo estes substituídos por professores escolhidos pelo Estado para
assumir a direção das escolas.
Portanto, a partir de 1768, também a nobreza francesa expulsa a Companhia
de Jesus e busca uma educação nacional controlada pelo Estado. A partir de
então, a história ganha uma nova perspectiva e sentimento de nacionalidade,
os indivíduos buscam saber sobre o seu passado e, assim, a burguesia mantém
a aliança entre a nação e o rei.
Nesse contexto, novas ideias políticas chegaram ao plano educacional,
entre elas, a exigência da inclusão nos programas escolares de uma história
que despertasse o sentimento nacional e garantisse o vínculo entre o impe-
rador e a nação. Contudo, o ensino de história passava a ser ampliado, mas
ainda não se apresentava como disciplina regular, visto que o progresso era gra-
dativo e lento. E ainda constituía-se como História Moral atrelada à História
Filosófica, o único avanço perceptível está na sua emancipação das línguas
antigas. A demora em tornar-se uma disciplina ensinável é por conta da falta
de interesses das autoridades.
Inicia-se assim um período no qual se torna uma disciplina que passa a ser
“[...] suspeita e deve ser mantida sob a estreita vigilância dos poderes públicos
não só nos estabelecimentos de ensino secundário, como também nas facul-
dades de letras, cujas conferências são nessa altura acontecimentos políticos
e mundanos” (FURET, 1980, p. 124).
Somente em 1830 a história como disciplina curricular sofre alterações
decisivas no que diz respeito, principalmente, à junção do passado com o
futuro, sendo enriquecida com os estudos econômicos e sociais e revestida de
cientificidade. Assim, discernida como conhecimento da nação, funciona com
o objetivo de formar o juízo e o patriotismo, influenciados pela historiografia
do romantismo que defendia:
[...] o Estado-nação como tema central tanto da inves-
tigação quanto da narrativa históricas; a crítica erudita
das fontes elemento essencial para desenvolver o método
histórico, garantia da cientificidade do conhecimento;
introdução dos conceitos de história como singular co-
letivo em conexão com o novo conceito de revolução; a
perspectiva historicista aplicada quer à história-matéria
quer à disciplina [...] (FALCON, 1997, p. 65).
Atividades de aprendizagem
1. Explique com suas palavras os motivos pelos quais a história não
pode ser comparada às ciências exatas (experimentais).
2. Por que a história durante algum tempo foi mantida sob vigilância?
fazer história estava ligado aos eventos políticos, seguindo uma linearidade dos
fatos. Portanto, a historiografia tradicional resultante de concepções diferentes
conseguiu estabelecer uma série de proposições, objetivando o conhecimento
dos fatos em si mesmo: preocupação com o documento submetido a um rigo-
roso tratamento científico, dissociado da relação com o presente, apresentando
uma narração simplesmente objetiva dos acontecimentos.
Assim, essas proposições enunciadas contribuíram para apresentar a his-
tória como fatos isolados, irrepetíveis, interpretados pelos historiadores com
a máxima neutralidade, valorizando-a como processo científico, seja pelos
métodos de pesquisa, seja pela investigação das fontes, pois, para tal, foram
desenvolvidos processos críticos muito apurados. Nessa concepção apresenta-
-se uma excessiva valorização do documento e a neutralidade do historiador,
assim como a ausência da síntese histórica.
Embora as concepções positivistas e historicistas tenham predominado entre
os historiadores profissionais até meados do século XX, porém, encontramos
muitas críticas e manifestações contra elas. Vários historiadores que, para além
dos simples acontecimentos históricos isolados, buscavam estabelecer
[...] regularidades, com frequência através do manejo
do método comparativo: tais historiadores (Fustel de
Coulanges, Henri Pirenne, Henri Seé, Marc Bloch) acre-
ditavam, de fato, que a comparação histórica constitui o
único caminho possível para a construção de uma história
científica, ao permitir-lhe eivar-se da narração descritiva
à explicação. Outros pensadores — Pul Lacombe, Henri
Berr, Paul Mantoux — dedicavam-se à crítica que cha-
mavam “História Historizante” ou episódica, e à defesa
de uma síntese histórica efetivamente global (CARDOSO,
1981, p. 34).
Atividades de aprendizagem
1. Nas palavras do historiador medievalista Bloch (2001, p. 7), em seu
livro Apologia da história ou o ofício de historiador, a “história é
entendida como uma ciência em construção”. Justifique a concepção
do autor.
2. Não se deve identificar a história como uma “[...] ciência do passado,
pois o passado não é objeto de ciência” (BLOCH, 2001, p. 7). Por
que o autor ressalta que a história não é a ciência do passado?
Nesse sentido, Thompson (1981) faz uma revisão de alguns conceitos usados
pelos marxistas, como a questão do materialismo histórico, que só podem ser
empregados como categorias analíticas, conceitos próprios para investigar o
processo histórico e, além disso, propõe uma releitura do conceito de luta de
classes, que não deve ser reduzido apenas às explicações econômicas, como
os marxistas fazem, mas articuladas com as questões sociais e culturais; isto
porque a consciência de classe constrói-se nas experiências cotidianas.
Ainda para a Nova Esquerda Inglesa, o autor Christopher Hill (1985) dei-
xou sua contribuição com as análises que propõem também romper com a
historiografia tradicional por utilizar-se do conceito de luta de classes como
categoria analítica.
Ao encontro dessas ideias o historiador Hill (1985) também defende a
construção da história em uma perspectiva totalizante e prioriza como objeto
de estudo em suas pesquisas a história vista de baixo, unindo aspectos econô-
micos e sociais.
Vale a pena ressaltar que o marxismo, mesmo após o revisionismo apresen-
tado, deixou várias contribuições à história: conceitos como feudalismo, luta
de classes, comunismo, ainda muito utilizados pelos historiadores, bem como
suas propostas de análise econômica e social são de extrema importância.
As contribuições da Nova Esquerda Inglesa também no ensino de história
foram significativas, no sentido de superar a visão de tempo linear e evolucio-
nista, pois Marx pensava em um tempo determinado e mecanicista, em que
a humanidade evolui a partir do desenvolvimento das forças produtivas e dos
modos de produção. Para melhor entendimento, a citação de Fonseca (2003,
p. 45) deixa claro que o processo evolucionista ocorria da seguinte maneira:
“[...] regime de comunidades primitivas, o modo de produção escravista, ou o
modo de produção asiático, o feudalismo, a transição, o capitalismo, suas crises
[...] e finalmente nosso destino se completa com o modo de produção socialista”.
O revisionismo construído pela Nova Esquerda ampliou o conceito de mo-
dos de produção, passando a enfocar as ações de diversos sujeitos no processo
de construções sócio-históricas, ou seja, o mundo do trabalho é uma condição
em que o sujeito histórico está inserido ao construir suas relações de produção.
Para Hobsbawm (1998), o modelo de modo de produção não pode direcionar-
-se para uma visão linear, uma vez que um sistema predominante pode existir
ao mesmo tempo que interage com outras formas de relações de produção em
um mesmo contexto histórico. Outra influência no ensino é que essa corrente
Contudo, a terceira vertente logo foi alvo de críticas por outras escolas his-
tóricas, pois alegavam que ao alargar o objeto de estudo, para aproximar-se
de outras áreas do conhecimento, passou-se a fragmentar os objetos, métodos
e abordagens do conhecimento histórico a fim de tornar-se como uma “história
em migalhas”, como foi denominada por François Dosse (1992).
Sobre as contribuições da Nova História para o pensamento histórico mo-
derno — além das deixadas pela geração anterior — pode-se dizer que, ao
construir grandes contextos espaçotemporais, consequentemente intensificaram
a divisão quadripartite europeia, a desvalorização das investigações das ações
dos sujeitos e suas significações históricas e o abandono da análise das estru-
turas políticas. Limitou-se também ao minimizar a articulação entre a história
local e a história global. Por esses motivos, parte dos historiadores mudou para
a Nova História Cultural, área de estudo de Carlo Ginzburg e Roger Chartier.
Na década de 1980 a Nova História Cultural surgiu com publicações
da historiadora Lynn Hunt. A Nova História Cultural como a Nova História da
década de 1970 utilizam a expressão “nova” para diferenciar as pesquisas
historiográficas das formas anteriores (BURKE, 1992), enquanto o emprego da
palavra “cultura” é para demonstrar a diferença de História intelectual, área
que abrange as formas de pensamento, antiga história das ideias, da História
social. A cultura é entendida como um conjunto de significados partilhados e
construídos pelos homens para explicar o mundo.
Os historiadores não mais pensavam na
[...] posse dos documentos ou a busca de verdades defini-
tivas. Não mais uma era de certezas normativas, de leis e
modelos a regerem o social. Uma era de dúvida, talvez, da
suspeita, por certo, na qual tudo é posto em interrogação,
pondo em causa a coerência do mundo. Tudo o que foi,
um dia, contado de uma forma, pode vir a ser contado
de outra. Tudo o que hoje acontece terá, no futuro, várias
versões narrativas. Trata-se de uma reescrita da história,
pois a cada geração se revisam interpretações. Afinal, a
Atividades de aprendizagem
1. Explique a denominação da Nova História Cultural.
2. Quais são os autores que fazem uma releitura da teoria marxista?
Fique ligado!
Nesta unidade, você aprendeu que:
A história possui um campo vasto para explicar o objeto de investigação,
estando relativo às experiências dos sujeitos e do contexto em que os
mesmos estejam inseridos.
Os modos de escrever a história são tão diversos e os métodos são
tão variados, os temas são díspares e, além disso, as conclusões são
divergentes no campo da história.
A história possui um método de investigação adequado aos materiais
históricos, porém, longe de parecer com as ciências exatas.
Não existe a verdade absoluta em história, mas “verdades históricas”,
pois um acontecimento histórico pode ser analisado a partir de dife-
rentes pontos de vista.
Desde o surgimento da historiografia, identificamos diferentes maneiras
de compreender o objeto da história (o homem em sociedade).
Apresentamos as formas de se escrever a história, a partir das correntes
historiográficas.
Referências
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Trad. S. P. Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985.
______. O Narrador. In: Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política, v. II. Trad. S. P.
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______. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
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DOSSE, François. A história em migalhas: dos “Annales” à “Nova História”. São Paulo:
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FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1993.
FURET, François. A oficina da história. Trad. Adriano Duarte Rodrigues. Lisboa: Gradiva,
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GARDINER, P. Teorias da história. Lisboa: Calouse Gulbenkian: 1995.
GINSBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
Introdução ao estudo
A visão que temos do historiador é a de um profissional preocupado em
estudar o passado da humanidade. Para realizar essa tarefa, o profissional precisa
fazer uso de ferramentas que irão lhe garantir uma visão do processo histórico
em análise. Assim, o historiador necessita angariar o maior número de fontes
históricas ou registros desse passado a ser historicizado.
Prezado(a) leitor(a): é com esse indicativo que iniciamos esta unidade, que
tem como objetivo refletir sobre as fontes históricas e sua consequente utilização
para a pesquisa, bem como para a escrita da história.
Fontes históricas são o conjunto de informações que fornecem subsídios
para que o historiador fundamente, caracterize, reflita e analise determinado
período histórico. No início dos tempos históricos, a principal fonte de pesquisa
eram os documentos escritos, pois eles forneciam informações objetivas sobre
esses períodos. Com o passar dos tempos e com o desenvolvimento das técnicas
comunicativas, o ser humano passou a agregar à escrita elementos variados que
passaram a servir de fontes históricas ao trabalho de investigação do historiador.
Apesar de os estudos históricos estarem condicionados à escrita, os his-
toriadores contemporâneos vêm fazendo uso das mais variadas fontes para
o estudo do passado da humanidade. Essas fontes podem ser escritas ou não
escritas, primárias ou secundárias.
As fontes escritas são registros em forma de inscrições, letras de músicas,
jornais, livros, relatos literários, cartas, documentos oficiais, documentos di-
versos, relatos, diários, revistas, entre outros.
As fontes não escritas são registros da atividade histórica humana que uti-
lizam formas de linguagem não escrita. Elas podem ser fotografias, pinturas,
indumentárias, esculturas, canções folclóricas ou diversas, quadros, utensílios
diversos, relatos orais, filmes, discos fonográficos, entre outras fontes.
Outra fonte não escrita que é de suma importância para os estudos histó-
ricos é o relato oral, também chamado de História Oral. Esses relatos podem
ser apropriados pelos historiadores para analisar períodos históricos recentes,
pois a partir do relato oral de um indivíduo, ou mesmo de um conjunto de
indivíduos, todo um contexto histórico pode ser analisado e problematizado.
Esses relatos podem ser coletados pelos historiadores através de entrevistas
previamente planejadas e gravadas, ou mesmo através de filmagens em vídeo.
A História Oral é ideal para fazer análises da história social, cultural e familiar
de uma sociedade.
Tanto as fontes escritas como as não escritas fornecem subsídios preciosos
para os estudos históricos. Elas possuem características diferentes. Geralmente,
as fontes escritas são mais objetivas, já as fontes não escritas possuem um ca-
ráter subjetivo mais acentuado.
Essas diferenças não podem ser vistas como empecilho para o trabalho de
investigação do historiador, pois em algumas situações um filme de cunho histó-
rico pode informar muito mais sobre uma época do que um documento oficial.
Cabe ao historiador ter o bom senso de selecionar suas fontes, priorizando
as que mais se enquadram em sua problemática de análise e estudo.
e predeterminada, “não por acaso, mas por pessoas que estavam, consciente ou
inconscientemente, imbuídas de uma visão particular e que consideravam os fatos
que sustentavam essa visão dignos de serem preservados” (CARR, 1996, p. 49).
Neste sentido, o que sustenta que a História Grega seja basicamente a His-
tória de Atenas e que a nação mais poderosa do mundo atual são os Estados
Unidos da América é justamente a visão pré-estabelecida acerca do objeto
de estudo. Se houvesse a preocupação de estudar a História Grega a partir de
Esparta, certamente a narrativa seria outra, ou se o modo de produção capita-
lista desse espaço a outro modelo econômico, certamente a visão acerca do
domínio americano iria mudar.
Atividades de aprendizagem
1. A elaboração de uma pesquisa depende em grande parte da obten-
ção e do tratamento das fontes históricas. Contudo, nem sempre as
fontes se encontram disponíveis em bom estado de conservação ou
possuem ampla movimentação pelos pesquisadores. Por outro lado,
existe uma busca por novas fontes que possam aprofundar ainda mais
o estudo e trazer à tona novos sujeitos e particularidades à pesquisa.
Diante disso, disserte sobre os tipos de fontes que são possíveis de
ser utilizadas na pesquisa histórica, bem como o papel do historiador
frente às fontes.
2. Faça um relato acerca das características históricas da sua comuni-
dade, bairro ou cidade.
Devemos ter, também, precaução ao tratar das histórias escritas por gregos
no mundo antigo. Tucídides é uma exceção à regra das histórias daquele período,
em sua insistência por documentos escritos. Com os romanos é diferente, mas,
com os gregos, devemos levar em conta que a escrita, em certa medida, e por
um bom tempo, era considerada “negócio de bárbaros”, no caso, especialmente
os egípcios (DOSSE, 2003). Eram os egípcios, por exemplo, que tinham uma
fixação por documentar as suas realizações, em pedras, estelas, estátuas e,
especialmente, documentos. Dos gregos, herdamos mais monumentos e textos
filosóficos do que históricos, e sua história é mais estudada a partir de cultura
material do que textual.
Outra sociedade antiga que produzirá,
sim, muitos documentos, será a romana,
Para saber mais
desde a república até o império. Diferente-
As sociedades ágrafas são vistas mente dos gregos, a história adquirirá papel
como pré-históricas, pois ainda não
didático, moral e de registro oficial de rea-
criaram e desenvolveram a escrita
lizações militares e políticas, por meio de
como forma de registrar a história.
Porém, estas sociedades desenvol- historiadores oficiais, com acesso a arquivos
veram outras formas de registros e também oficiais ou privados. Se Heródoto
manifestações que podem ser estava mais interessado em relatar o que
apropriadas pelo historiador para ouviu ou viu, num período não maior do
entender aquele período histórico, que uma ou duas gerações anteriores a ele,
são elas: vestimentas, utensílios,
Políbio, um escravo grego na função de his-
artesanato, construções, formas de
toriador oficial romano, construirá narrativa
linguagem orais, manifestações
folclóricas e religiosas. de outra espécie, mais detalhada, datada,
vinculada a um registro oficial para servir de
exemplo, guia ou propedêutica para o futuro.
A partir de Políbio, Roma inaugurará no Ocidente algo que já havia, no
mesmo período, na China, que é a figura que poderíamos chamar de “histo-
riador oficial de estado” (que, no Ocidente, será o historiador analista, aquele
que, a cada ano, escreverá sobre as realizações do período). Tito Lívio é um
dos exemplos desse tipo de historiador, ao escrever as vidas dos césares, com
função educativa e moral, mas também com a função senatorial de registrar os
procedimentos legais e a história político-administrativa romana.
Documentos, para Roma, teriam então outro sentido e outras qualidades
e propriedades. O ouvir contar perderia força, substituído pelos atos oficiais,
não necessariamente escritos, porém chancelados por notáveis da sociedade.
É claro que isso é para a História escrita na época romana, porque hoje, ao
escrevermos história do mundo romano, nos aproveitamos de uma infini-
dade de documentos deixados em todo o mundo, que vão desde grafite em
paredes de antigos prédios, bilhetes pessoais, contratos de casamento, até
monumentos e instrumentos de trabalho.
ressantíssimas das vidas pública e privada, e dos mundos urbano e não urbano
medievais que seriam difíceis de serem estruturados levando-se apenas poucos
fragmentos, como é o caso de algumas regiões do mundo antigo.
No mundo medieval, contudo, devemos levar em consideração a reemer-
gência do uso de fontes orais em combinação com documentos escritos e
imagéticos, quando pensamos nos historiadores muçulmanos que trafegavam
entre o Oriente Médio, o Norte e o Centro da África, e partes da Europa. Ibn
Khaldum, Ibn Battuta, Ibn Sina são alguns dos exemplos de historiadores im-
portantes do período.
São esses historiadores que irão influenciar, em certa medida, um retorno da
História no mundo medieval europeu. Ibn Khaldum, por exemplo, reintroduzirá
o modelo de relato escrito que leva em conta rigor de datação e cronologia,
critérios claros para a escolha de documentos, método para a organização
lógica do argumento e da narrativa históricos, além de preocupação com
didatismo e comunicabilidade textuais.
Grande parte da História do continente africano deve-se, também, à coleta
de relatos por esses historiadores muçulmanos, caracterizados pela captação,
análise e crítica de documentos oriundos de diferentes espaços públicos e
privados, e dotados de características diferenciadas entre si.
Até aqui estamos expondo, de maneira generalista, a multiplicidade do
conceito de documento a partir de exemplos dispostos cronologicamente,
do mundo antigo ocidental, para o mundo moderno. Percebe-se que o docu-
mento assume diferentes formas e usos segundo as abordagens escolhidas, e
essas especificidades serão mais bem discutidas quando forem estudadas as
principais abordagens históricas reconhecidas na atualidade.
Nos alvores do mundo moderno, a partir de eventos inerentes à Revolu-
ção Científica, ou ao descobrimento da América, e o refinar das navegações,
o encontro da Europa com seus “outros”, marcadamente no que os europeus
dos séculos XV e XVI passaram a chamar de Novo Mundo, a necessidade de
se construir narrativas históricas desses processos passou a orientar um retorno
da imperiosidade do divino medieval, para a imperiosidade do mundano.
Descobertas, viagens, aventuras, ambientes, eram cada vez mais registrados
por documentos verbais e visuais, textos seguidos de desenhos, muitas vezes
identificados como crônicas, histórias, relações ou cartas.
Muitas vezes, o conhecimento histórico utilizou-se do termo “fonte” para
designar documento (e ainda o utiliza, dependendo da abordagem). Não há
termo mais preso a sua época do que esse, quando pensamos na discussão do
estatuto do documento na pesquisa e no ensino de História. A fonte emerge
com esse designativo durante a apropriação e discussão da História pelos ilu-
ministas, entre os séculos XVII e XVIII.
O termo fonte ajudou, inclusive, a produzir uma falsa impressão de que
os documentos jamais seriam manipulados, apropriados ou interpretados de
maneira diferente do que seus objetivos iniciais. Fonte é alegoria da pureza, da
fluidez, da limpidez, da saciedade do historiador. Os iluministas salientaram e
reafirmaram o papel dos documentos históricos como “fontes”, na medida em
que seria por meio de documentos “puros”, “imaculados”, “claros”, que a
História poderia emergir matando a sede de curiosidade e, especialmente, de
verdade dos acontecimentos passados.
No início do século XIX, com arquivos públicos em processo de expansão e
consolidação, as fontes históricas tiveram papel importante para o surgimento
de um esforço crescente de uso de documentos para escrever histórias “do que
realmente aconteceu”.
Para escrever o que realmente aconteceu, alguns historiadores, como é
o caso de Leopold von Ranke, recorreram à legitimação da História por meio
do uso de protocolos de pesquisa advindos da heurística documental e de uma
racionalização objetiva, na qual a ideia de bom historiador estaria intimamente
ligada com a sua capacidade de isentar-se das intenções discursivas dos docu-
mentos, na sua habilidade em apresentar-se por meio da imparcialidade e da
neutralidade frente às fontes utilizadas. Uma boa história seria aquela capaz
de ser contada pelo historiador, a partir das fontes em si.
No final do século XIX, com o projeto de objetivação do conhecimento
histórico de vento em poupa, Charles Langlois e Charles Seignobos lançam,
em 1896, a obra Introdução aos estudos históricos.
Um dos aspectos essenciais no livro de Langlois e Seignobos é a teorização
sobre o documento e seus usos pela História. Entre as proposições desses dois
autores estava a reafirmação de algumas qualidades do que seria ou não um
documento histórico, a utilidade deles para a História, a sua localização, e sua
validação (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946).
Para Langlois e Seignobos (1946), documento histórico seria oriundo, espe-
cialmente, da instituição chamada arquivo público. Esse documento, portanto,
já seria fruto de um processo de seleção, catalogação e inventário por parte de
Atividades de aprendizagem
1. O conceito de documento sofreu transformações durante os períodos
históricos, bem como o tratamento empregado a esta fonte. Na pri-
meira metade do século XX, uma nova corrente historiográfica surge,
instaurando um olhar diferenciado sobre o documento e consequen-
temente, um novo modo de escrever a História. Diante disso, disserte
sobre a influência da Escola dos Annales para a nova concepção de
documento.
Há, também, muitos tipos de documentos não publicados. Nesse rol en-
contramos cartas pessoais, diários, documentos familiares contendo histórias
da família, boletins escolares, agendas, entre outros. Arquivos empresariais, tais
como correspondências, boletins financeiros, informação sobre consumidores,
Atividades de aprendizagem
1. Entre as várias fontes disponíveis para o historiador, a oralidade se
apresenta como uma das mais interessantes, pois, além do relato, ela
possibilita o contato entre o pesquisador e o entrevistado, permitindo
a construção de uma visão da experiência com fatos, fenômenos e
emoções que foram vivenciados diretamente.
Partindo desse pressuposto, descreva a importância da História Oral
como campo de conhecimento.
2. Organize uma exposição com fotos que caracterize a história da sua
cidade ou região nos últimos 50 anos ou mais.
4.1 Introdução
Um dos aspectos mais importantes da pesquisa histórica é a definição e
utilização da metodologia da pesquisa, bem como a interpretação e análise das
fontes e relatos históricos. Temos que ter clareza que a fonte e o registro histó-
rico em si não garantem o sucesso da análise, pois sem a devida metodologia
e interpretação do historiador todo o trabalho será em vão.
Nesta seção, forneceremos algumas dicas relacionadas a abordagens
contemporâneas da pesquisa histórica. Procuraremos, também, aproximar a
pesquisa do ensino de história, pois entendemos que o professor-pesquisador
é o principal expoente para fomentar e estimular a pesquisa junto ao aluno.
Atividades de aprendizagem
1. A relação entre pesquisa e aprendizagem da História é extremamente
importante, pois esse método estreita os temas e os conteúdos histó-
ricos com a realidade na qual os estudantes se encontram inseridos.
Que outros sentidos podem ser aproveitados a partir da metodologia
de projetos de pesquisas na didática do ensino da história?
2. Disserte sobre o papel da ética na pesquisa em história.
Fique ligado!
Nesta unidade você aprendeu que:
As fontes e registros são muito importantes para a pesquisa e escrita da
história.
A análise dos fatos históricos a partir do diálogo com as fontes permite
interpretações diversas.
A escrita da história é subjetiva e depende em muito da análise que o
historiador faz das fontes e registros disponíveis.
A visão construída das fontes e registros pelo historiador varia segundo
países e épocas.
É necessário analisar o maior número possível de relatos e documentos,
no contexto da investigação histórica.
Existem diversos tipos de fontes, variando de documentos escritos,
documentos visuais, documentos orais, documentos multimidiáticos.
Existe uma relação direta entre pesquisa histórica e análise de fontes e
registros.
A utilização das fontes e dos relatos históricos possui relação direta
com a pesquisa e com o ensino.
Referências
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THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
Introdução ao estudo
Caro(a) leitor(a), nesta unidade discutiremos o fazer histórico: como se cons-
titui o conhecimento histórico, quem são os sujeitos históricos em diferentes
perspectivas como são escolhidos os acontecimentos para a condição de fatos
históricos e como algumas temáticas se tornaram novas histórias. Procuramos
colocar sempre a possibilidades de reflexão e ação das professoras, dos pro-
fessores e das pesquisadoras e pesquisadores da história.
A ler esta unidade sugerimos que você procure fazer um movimento de ir
e vir da condição de estudante para a condição de profissional e vice-versa,
para que possa ocupar várias posições com diferentes pontos de vista de um
mesmo fenômeno.
Na primeira seção discutiremos, no fazer do historiador, a construção do
conhecimento histórico, destacando algumas escolhas e contingências desse
tipo de conhecimento em cada momento da própria historiografia.
Na segunda seção, partindo de um fato pitoresco, um massacre de gatos,
pretendemos discutir o fato histórico, também, como escolha de quem pesquisa.
Será que de um fato insólito podemos descobrir significações de uma época?
Já na terceira seção você será convidado a refletir sobre a função social de
quem produz história.
E, por fim, tendo em vista a diversidade de temáticas da historiografia contem-
porânea, discutiremos o processo de fragmentação do conhecimento histórico.
Parafraseando Veyne (1995): se tudo é histórico, logo, teremos muitas
histórias...
Esperamos que faça bom proveito da leitura, mas fique atento! Não procu-
ramos trazer respostas prontas, mas sim inquietações.
A história do final do século XIX não era mais aquela baseada no ver ou
ouvir contar, tão característicos a Heródoto. E também não era mais apenas
aquela baseada em narrativas de guerras amparadas em documentos dispostos
cronologicamente, de Tucídides. Muito menos continuava sendo a narração da
vida dos santos, marca de um mundo medieval. Por fim, também já estava
apartada das preocupações filosóficas propostas por iluministas dos séculos
XVII e XVIII. Agora era uma disciplina autônoma, com seus próprios recursos,
modelos, autoridades, perspectivas, prerrogativas e abordagens.
E foi nesse processo de separação ou inde-
pendência perante outros campos de conhe-
Para saber mais
cimento que a história passou a nomear-se
como campo autônomo do conhecimento, A narração da biografia ou o es-
tudo, propriamente dito, da vida
como ciência, como domínio. Foi nesse pe-
dos santos é chamada de hagiogra-
ríodo, também, que podemos dizer que a
fia. Na Idade Média fundou-se toda
figura do historiador (depois, mais tarde, a de uma tradição de escritos desenvol-
historiadora) emergiu. vidos pelos hagiógrafos que intitu-
Consolidou-se no início do século XIX lavam: Vida, Paixão, Atos, por
com Leopold von Ranke a partir de sua insis- exemplo.
tência em metodizar o campo por meio da
premissa de que a história deveria contar o “que realmente aconteceu”; por
fim, começou a derivar-se no final do século XIX em história política, história
econômica, história da arte, história social, história cultural, grande parte de-
las entremeada por uma racionalidade científica inerente àquele tempo, com
influências materialistas (de Charles Darwin ou de Karl Marx) (FOSTER, 2006),
realistas e empiricistas (de Leopold von Ranke ou Auguste Comte), ou ainda de
outras vertentes que acabaram por influenciar a história, tais como as escolas
geográficas da França ou da Alemanha, ou os estudos da Fronteira Oeste, nos
Estados Unidos (MUNSLOW, 2009).
Atividades de aprendizagem
1. No século XIX, fazer história passa a ter outro significado. O padrão
de escrita, pautado nas narrativas ou nas testemunhas oculares, foi
deixado de lado, dando ênfase à escrita baseada na racionalização
e métodos de pesquisa. Em função deste contexto, como era vista a
história a partir do século XIX?
Agora você pode estar se perguntando: como inserir a “realidade” dos alu-
nos nessa discussão? Os fatos vividos pelo aluno no seu cotidiano fazem parte
da realidade histórica?
Evidentemente que sim. Ensinar história, antes de tudo é fazer que nossos
educandos entendam suas condições de sujeitos históricos; sem isso, ensinar
história não serviria para nada.
Cabe à professora e ao professor de história fazer seu aluno entender
que cada uma de suas ações, no seu dia a dia, por mais simples e isolada que
possa parecer faz parte da construção de sua história pessoal. O aluno deve
perceber que sua condição de ser gregário que se junta aos seus semelhantes
para se constituir como ser social é parte do processo de sua historicidade
como indivíduo.
Se você, quando estiver preparando um plano de ensino para sua turma de
alunos, ou detalhando um plano de aula, se sentir angustiado/a com a comple-
xidade do conhecimento histórico, não se preocupe, é assim mesmo. Devemos
ter clareza de que o professor é um estudante eterno, um curioso incurável, e
isso é bom. É o que mais nos motiva em nosso processo de constituição como
profissionais do ensino.
Teremos o momento certo para aprender e ensinar conceitos progressiva-
mente mais complexos.
É muito importante que nós, professores
e professoras de história, tenhamos clareza
de que as narrativas históricas são compos- Para saber mais
tas de escolhas de seu narrador. E que suas Epistemologia é a teoria do conhe-
“verdades” são interpretações possíveis num cimento, é a parte da filosofia in-
universo de possibilidades. Existe um funda- teressada em estudar a natureza,
o método, as fontes e a validade
mento epistemológico no conhecimento his-
do conhecimento, no nosso caso,
tórico que precisa ser reconhecido analisado.
histórico.
Mas como fica tudo isso na sala de aula?
É nesse sentido que a relação entre teoria e a realidade vivida por nossos
alunos encontra subsídios nos fazeres e saberes dos professores de história. Cabe
a nós professores estabelecer a relação entre a memória, que constrói nossa iden-
tidade como sujeitos, e o conhecimento histórico escolar, que pode nos ajudar a
criticar práticas, saberes, conceitos e preconceitos consolidados, e a nos libertar.
Na relação entre história e memória podemos encontrar elementos tanto de
libertação quanto de aprisionamento; esta também é uma escolha que temos
que aprender a fazer.
Atividades de aprendizagem
1. A historiadora Natallie Zemon Davis, em seu livro O retorno de Martin
Guerre, narra a história do jovem camponês Martin, que desaparece
por 12 anos. Em certo momento, surge um homem que julga ser o
camponês desaparecido, sendo aceito pela comunidade e pela família
de Martin. Em razão de alguns conflitos, sua identidade é colocada
em questionamento na justiça. O caso é levado a tribunal, percorre
várias instâncias judiciais, quando, em último grau de recurso, o
verdadeiro Martin Guerre reaparece, levando o suposto impostor à
condenação final.
Pela história de Martin, a historiadora apresentou aspectos profundos
da sociedade francesa do século XVI. Podemos desvendar as relações
entre casais, pais e filhos e o cotidiano das famílias camponesas. O
fato histórico neste caso se encontra na identidade de um camponês,
sujeito que poderia ter sido excluído da narrativa histórica por outras
escolas historiográficas. Desta forma, disserte sobre a importância da
análise do fato histórico, dentro da produção historiográfica.
2. Durante o exercício da docência, muitas vezes, o professor en-
contra certa dificuldade, e até mesmo frustração, na tentativa de
aproximar a produção histórica com o planejamento escolar. Essa
aproximação esbarra em conflitos entre os próprios profissionais da
educação, que, muitas vezes, não se identificam como pesquisado-
res e historiadores, e sentem dificuldades em inserir o aluno dentro
da discussão histórica. Nesse contexto, apresente argumentos que
fundamentem a aproximação e a relevância da produção histórica
com a prática docente.
Atividades de aprendizagem
1. A produção historiográfica sofreu diversas mudanças ao longo dos
anos. As escolas historiográficas diferem na forma de analisar o objeto
histórico e na metodologia empregada para a pesquisa. Da mesma
maneira que houve transformações na escrita, o papel do historiador
e da historiadora como pesquisador e pesquisadora também sofreu
modificações, sendo necessário analisar sua função e importância
dentro do contexto de cada época.
Sendo assim, procure estabelecer as diferenças entre o trabalho do
historiador durante a História Antiga e do trabalho do historiador
contemporâneo.
2. A construção do conhecimento histórico se dá pela junção de diversos
fatores. Não podemos reduzir este tipo de conhecimento unicamente
aos acontecimentos passados, pois para que ele seja produzido, é
necessário atentar para o registro do historiador, as escolhas temáticas,
aos recortes que este fará para a elaboração da produção histórica.
Atividades de aprendizagem
1. Com a fragmentação da história no século XX, os campos da história
se ampliam, possibilitando um novo olhar metodológico para o ob-
jeto de estudo. O historiador José D’Assunção Barros, no seu artigo
intitulado Os campos da história — uma introdução às especialidades
da História (2004), alerta para a dificuldade de diferenciação das
modalidades do campo da história, sendo difícil de enquadrar uma
pesquisa histórica dentro de uma única modalidade. Segundo o his-
toriador “a ampla maioria dos bons trabalhos historiográficos situa-se
na verdade em uma interconexão de modalidades” (BARROS, 2004,
p. 17). Sendo assim, discorra sobre a importância da interconexão
entre os campos da história para a pesquisa historiográfica.
2. Podemos perceber que, apesar de ser uma tendência recente de pes-
quisa, a história ambiental já vem sendo objeto de estudo de pesquisa-
dores e historiadores há muito tempo. O estudo da relação do homem
com o meio ambiente existe desde o século XVIII, e desde então,
gência esteve ligada tanto a antigas reivindicações que tomaram corpo a partir
da articulação civil, mas também aos problemas oriundos do vaivém de forças
conservadoras e neoconservadoras que apareceram logo após o fim da Segunda
Guerra Mundial em 1945, sob o pano de fundo de um crescente antagonismo
entre leste e oeste, marcado pela consolidação da URSS e dos Estados Unidos
como modelos sociais, econômicos e políticos.
No caso da luta pelo reconhecimento de diversos direitos civis levados a
cabo na década de 1960, nos Estados Unidos, as preocupações com problemas
ecológicos advindos de um mundo crescentemente industrializado e de uma vi-
são capitalista que rapina os recursos naturais a partir da sua máxima exploração
sem levar em conta, ou melhor, ignorando, muitas vezes, o conceito de escassez,
deram vazão à construção de movimentos ambientalistas, ao ecofeminismo, à
justiça ambiental, que se coligaram a outros tantos que estavam presentes na cena
pública (MERCHANT, 2002).
Em 1962, o estopim dessas preocupações ambientais foi aceso com a publi-
cação do livro Silent Spring [Primavera Silenciosa], da bióloga Rachel Carson.
Essa obra, escrita em linguagem simples, denunciava a contaminação da água
por empresas agroquímicas, apoiando-se, primeiro, numa visão pastoral de
uma natureza anterior ao toque explorador dos humanos, e, segundo, numa
visão apocalíptica secular, que reafirmava a rapina humana sobre os recursos
naturais como inerente ao sistema econômico e industrial vigentes.
A obra tornou-se um best-seller, ainda mais porque enredava tais preocupa-
ções num tom ficcional, onde toda a história se desenrolava numa cidadezinha
fictícia no interior. Rachel Carson foi processada por cientistas, por industriais,
e sua obra foi desqualificada por ser romântica, não científica e inverossímil. A
autora foi desqualificada porque era mulher e porque, como bióloga, não teria
autoridade científica para falar de contaminação por agrotóxicos (CARSON,
2010; GARRARD, 2005). Os esforços da indústria foram, contudo, inúteis pe-
rante o desencadear de discussões públicas sobre questões ambientais como
a da contaminação.
Outra obra de impacto para a emergência do ambientalismo do século XX,
publicada na mesma década, em 1964, foi The Machine in the Garden, de Leo
Marx. Certamente esse autor foi um dos responsáveis pela historicidade da ideia
de paisagem prístina, contribuindo para o conjunto de pessoas que sempre afir-
maram a inexistência da natureza intocada (MARX, 2000).
Na esteira das discussões sobre meio ambiente e sociedade dos anos 1960,
Roderick Nash utiliza-se, pela primeira vez, da expressão “história ambiental”
numa comunicação à American Historical Association, em 1970, preconizando
a ideia de que historiadores precisariam levar em conta, nas suas análises, os as-
pectos naturais, as influências ecológicas sobre as culturas, bem como uma ética
ambiental profunda que pudesse ser introduzida nas suas análises (NASH, 1990).
Ao longo da década de 1970, surgiu a Sociedade Americana de História Am-
biental e sua revista, a Environmental History Review, que recebeu esse nome
numa reformulação posterior a 1976, quando havia sido criada. Tal publicação
desempenharia papel preponderante para a disseminação de questões relativas
à história ambiental como um todo, especialmente nos países de língua inglesa.
As discussões iniciais da história ambiental, naquele momento, voltavam-
-se para leituras sobre a emergência das ideias como agentes ecológicos, do
conhecimento científico sobre o mundo natural, e da própria ideia da relação
histórica tecida entre humanos, plantas e animais. Tal perspectiva foi corrobo-
rada por obras como a de Keith Thomas, O homem e o mundo natural (1983).
Não foi à toa que José Augusto Drummond, em 1991, ao tecer um ensaio
bibliográfico sobre os primeiros momentos da história ambiental, considerou
o campo eminentemente filiado à trajetória historiográfica de língua inglesa,
pontuando certa circularidade de termos oriundos de “disciplinas-fontes” como
a geografia, a biologia, a antropologia, para compor o quadro de um novo
paradigma historiográfico (DRUMMOND, 1991).
Se esquadrinharmos algumas obras como a de Keith Thomas, poderemos perce-
ber que essa literatura produzida nos anos 1970 trata das relações entre sociedade
e natureza de um ponto de vista ambiental, porém, eminentemente político, na
medida em que a interpretação da história das relações entre humanos e mundo
natural impele às noções de política de apropriação humana desse mundo.
Claro que se constroem ensaios interessantes sobre a tradição pastoral de
visão de mundo na modernidade, em contraponto à emergência da ciência.
Contudo, esse primeiro momento de uma história ambiental produz, em síntese,
verdadeiras histórias políticas ou sociais.
Entre 1979 e 1983, no entanto, a história ambiental começa a ganhar con-
tornos mais complexos, a partir de obras como a de Donald Worster, Dust Bowl
(1979) e de William Cronon, Changes in the land (1983). Na historiografia da
história ambiental até agora produzida, parece existir um consenso que afirma
que essas obras representam a maturidade do campo.
Donald Worster refere-se muito ao conceito de “[...] ideia como agente eco-
lógico” (1991, p. 211), para discutir esse nível de leitura da história ambiental,
na medida em que, para ele, as ideias são motores de mudança.
Essa taxonomia não é isenta de críticas. Carolyn Merchant considera que os
três níveis são insuficientes para a elaboração de uma perspectiva de história
ambiental, uma vez que eles reproduzem a leitura de uma história econômica
que raciocina produção de bens e de conhecimento (níveis 1 e 3), e circulação
(nível 2), mas não se preocupam em termos teórico-metodológicos com a ideia
de reprodução das relações entre sociedade e ambiente.
Nesse sentido, Merchant (2002) propõe a incorporação da categoria de
gênero na história ambiental, para pensar a reprodução tanto biológica como
de estruturas de diferenciação muitas vezes binárias que, por vezes, permane-
cem, ou nascem, reelaboram-se continuamente. Nesse sentido, muitos traba-
lhos passaram a levar em conta diferentes tradições ecofeministas, dentro da
história ambiental.
A partir desses primeiros trabalhos, e, principalmente, pela difusão cada
vez mais rápida do próprio termo “história ambiental”, as discussões em torno
do campo adquiriram feições e adentraram lugares mais criativos.
Já nos anos 1970, muitos ecólogos depararam-se, em seus respectivos cam-
pos das ciências naturais, com a “desordem” prevalecendo sobre a “ordem”
das coisas no mundo natural. Isso ocorreu com grande ênfase, na medida em
que as próprias ciências naturais abriam o leque explicativo, opondo gerações
de cientistas e suas respectivas opiniões.
Logo, pensar uma natureza intocada e depois, o homem a modificá-la, na
mais clássica das tradições antropocêntricas, a partir do final da década de
1970, tornou-se um problema de posicionamento científico tradicional ou
unidimensional, em meio ao conhecimento complexo e interdisciplinar.
Outros trabalhos começaram a discutir a distinção entre sociedade e na-
tureza como algo pertencente ao mundo moderno, à estruturação do sistema
capitalista, da burguesia e das cidades. Essa distinção teria corroborado no
domínio humano sobre o mundo natural, na medida em que a riqueza tornou-
-se a mola mestra da leitura da sociedade, bem como a economia tornou-se
peça-chave para pensar a própria sociedade.
Essa interpretação é inerente aos grandes sistemas macroexplicativos da
sociedade, tais como o positivismo, o marxismo e algumas correntes do libe-
ralismo, na medida em que qualquer um dos três tende a interpretar o passado
Fique ligado!
Nesta unidade, você aprendeu que:
As diversas formas de produção do conhecimento histórico estão
relacionadas com as escolhas dos pesquisadores e com as vertentes
historiográficas por eles assumidas.
A relevância ou irrelevância de um determinado fato histórico tam-
bém é uma escolha de quem narra a história.
Existem diversas funções sociais de quem produz o conhecimento
histórico.
Houve, a partir do século XX, um grande processo de fragmentação
do conhecimento histórico, e é necessário estabelecer parâmetros
para diferenciar algumas formas de se fazer história.
A história ambiental é uma vertente importante das temáticas histo-
riográficas contemporâneas.
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Introdução ao estudo
É sempre um desafio escrever sobre temas relacionados à historiografia e
à teoria da História. Mas, como todo desafio, ao mesmo tempo em que é ex-
tremamente difícil, é motivador, pois traz um sentimento de contentamento e
satisfação muito grande.
A definição de tempo, ou melhor, as definições de tempo para a História
são fundamentais para o entendimento do próprio campo do conhecimento
histórico, uma vez que tempo, espaço e homem completam a própria definição
de História.
Tempo histórico, tempo cronológico, durações, temporalidades, permanên-
cias, rupturas, abordagens são algumas das palavras recorrentes nesta unidade,
que objetivam contribuir para a formação de vocês, futuros professores e pro-
fessoras, que precisarão ter uma definição muito clara sobre as temporalidades
no nosso campo do conhecimento. Mesmo daquelas ideias de tempo que hoje
já não são tão aceitas ou utilizadas é necessário ter o conhecimento mínimo
sobre elas.
Esperamos que esta breve unidade de ensino contribua para as discussões
sobre a disciplina de Introdução aos Estudos Históricos, levando ao entendi-
mento das principais variáveis relativas às concepções temporais e suas relações
e implicações com a História.
Veja, nesta citação de Kant percebemos o tempo como algo soberano, ina-
tingível. Os homens são conduzidos por uma força superior para um objetivo
melhor, maior e predeterminado. Temos, portanto, o tempo linear, progressivo
e ao mesmo tempo predeterminado.
Hoje em dia não é correto afirmar que o tempo é nem linear, progressivo ou
cíclico. Talvez, um tempo em uma espiral confusa, ora progressiva ora regres-
siva, que às vezes é cíclica e às vezes parece perdida. Enfim, os historiadores
atualmente não tentam descrever o movimento do tempo, pois ele, ao que
parece, é totalmente imprevisível.
A historiadora Raquel Glezer nos traz uma definição bastante abrangente
sobre o que é tempo para a História. Creio que esta sua definição abarque
corretamente boa parte do pensamento historiográfico sobre o tempo:
Para historiadores, tempo é tanto o elemento de articu-
lação da/na narrativa historiográfica como é vivência
civilizacional e pessoal. Para cada civilização e cultura,
há uma noção de tempo, cíclico ou linear, presentificado
ou projetado para o futuro, estático ou dinâmico, lento ou
acelerado, forma de apreensão do real e do relaciona-
mento do indivíduo com o conjunto de seus semelhantes,
ponto de partida para a compreensão da relação Homem
— Natureza e Homem — Sociedade na perspectiva oci-
dental (GLEZER, 2002, p. 1).
Apesar de ser senso comum, todos parecem concordar com a ideia de que
o tempo está passando muito depressa, como aparece na canção de Cazuza
“O tempo não para”. Mas por que, afinal de contas, temos essa sensação? Uma
hora continua equivalendo a sessenta minutos, um minuto, a sessenta segundos,
e assim por diante? Portanto, cronologicamente, o tempo permanece o mesmo.
Contudo, Cardoso nos traz na sua própria citação uma explicação lógica para
isso: ele afirma que os acontecimentos estão se acumulando em um ritmo
alucinante, ou seja, não há como acompanhar, digerir, analisar e refletir sobre
todos esses acontecimentos.
Somos bombardeados diariamente por um sem-número de informações.
A televisão, mas principalmente a Internet, nos dá inúmeras notícias, no caso
da última nos seus milhares de sites e redes sociais. Sabemos até sobre o que
não deveríamos saber. Há uma indústria do entretenimento, isso mesmo, en-
tretenimento. Atualmente, “fazer” notícias para todos virou um negócio quase
de lazer. Muitas vezes, inclusive, percebemos que essas notícias são forçadas
e sem importância. Contudo, há outro lado muito interessante. Se temos fatos
que não são bem históricos, ou mesmo com relevância para nossa vida, temos
as mais variadas informações sobre os grandes fatos da atualidade. É só anali-
sarmos, por exemplo, a grande cobertura jornalística feita sobre a anexação da
Crimeia por parte do governo russo. Todos os jornais noticiaram isso, mesmo
que não de uma forma totalmente imparcial, temos várias informações sobre os
envolvidos nesta querela. Desde a opinião de Gorbachev, que afirma ter sido
feita uma correção histórica nesta questão, até as sanções impostas pelo governo
de Barack Obama ao acontecido, passando pelas opiniões da União Europeia
sobre o tema. E o grande diferencial de tudo isso, aquilo que talvez explique
a sensação de tempo escorrendo pelos nossos dedos, é que todo mundo sabe
Atividades de aprendizagem
1. Quais são as principais contribuições de Santo Agostinho para as
discussões sobre o tempo?
2. Quais são as contribuições para a discussão sobre o tempo apresen-
tadas por Kant e Hegel?
O tempo para os marxistas continua com uma visão muito próxima daquela
encontrada pelos positivistas. Se os adeptos da teoria de Ranke veem o tempo
como linear e progressivo, os descendentes de Marx não refutam essa ideia.
Em vez disso, lançam mão de uma nova interpretação: o tempo é visto como
evolutivo, uma sucessão de sistemas econômicos que sempre, invariavelmente,
vão melhorando e progredindo um após o outro.
Portanto, permanece nessa concepção de tempo histórico,
a ideia de um tempo dividido, no qual as explicações
históricas são articuladas, mantendo-se forte a visão evo-
lutiva da história. Os modos de produção são utilizados
para mostrar como funciona a sociedade e, dentro desse
modelo, os fatos históricos vão sendo encaixados (NAS-
CIMENTO, 2004, p. 33).
tóricos, e até mesmo sobre nossa visão sobre o que é e como deve ser escrita
a história. Propõem novas análises, novas abordagens, novos conceitos, que-
brando com a hegemonia dos documentos escritos e oficiais e com a visão
única de uma história narrada apenas pelo lado político. Vejamos a opinião de
José Carlos Reis sobre este movimento historiográfico:
[...] a mudança de inspiração teórica da história — ela
recusa, então, as influências da filosofia e da teologia e
opta por se associar teoricamente às novas ciências so-
ciais, que também tinham recusado a filosofia e a teologia
e se inspiraram ou no tempo da física ou em um tempo
matemático, que é também o tempo do mito. A nouvelle
histoire recusou a predominância da influência do tempo
da alma ou da consciência sobre a história e optou pelo
tempo da ciência. O resultado foi [...] uma renovação
significativa da compreensão do tempo histórico pelos
historiadores (REIS, 1994, p. 119 apud NASCIMENTO,
2004, p. 34).
Atividades de aprendizagem
1. Quais são as principais contribuições da Escola dos Annales para a
visão sobre tempo e história que temos atualmente?
2. Quais são as principais ideias que influenciam os professores de
história ao pensarem suas concepções temporais?
Para José D’Assunção Barros (2011), quando o homem consegue tecer análi-
ses sobre as temporalidades, como a Antiguidade, o Medievo e a modernidade,
Talvez possamos pensar a história como milhares de linhas, uma vez que
há história simultaneamente em vários lugares do mundo. Essas linhas inva-
riavelmente se cruzam, pois as histórias das pessoas, dos países, dos eventos
históricos sempre se entrelaçam, e devemos tomar sempre o cuidado de não
imaginar essas linhas como progressivas, mas novamente como um gráfico em
desordem.
Retomando a discussão sobre o presente, “[...] a incompreensão do presente
nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja menos vão
esgotar-se em compreender o passado se nada se sabe do presente” (BLOCH,
2001, p. 65). Essa frase é para o que nos atentamos hoje em dia e chamamos
de contexto histórico. Ora, eu não posso buscar explicações sobre o passado
se eu não tenho o mínimo de conhecimento sobre o presente. Por exemplo, se
tentarmos entender como as diversas etnias que estão no Brasil são divididas,
ou melhor dizendo, concentram-se em algumas regiões, eu tenho que, antes
de pesquisar sobre os diferentes fluxos migratórios, entender como essas re-
gionalizações estão presentes na atualidade. Fazendo uma simplória análise,
percebemos que na região sul do Brasil temos uma predominância maior de
descendentes de europeus, sobretudo italianos e alemães, e que no nordeste
os afrodescendentes, constituem a maioria. A explicação observada no passado
para esta configuração pode ser que no nordeste tivemos um maior fluxo de
populações africanas durante o período de vigência do tráfico, e que no sul
o fluxo migratório europeu, incentivado principalmente a partir da proibição
do tráfico negreiro em 1850, foi maior.
Outra definição importante para a história no que se refere à concepção
de tempo como duração. Nesse sentido, não há outro historiador mais usado e
aclamado nesta discussão do que Fernando Braudel, na obra O Mediterrâneo
e o Mundo Mediterrânico na época de Felipe II (1989).
Segundo Aguirre Rojas (2013), a curta duração pode ser assim definida:
Trata-se, como disse Braudel, do tempo na medida do
indivíduo e de suas experiências imediatas. Assim, um
terremoto que destrói uma cidade, um golpe de Estado
que derruba um regime democrático, a assinatura de um
tratado econômico de livre comércio ou a publicação de
um novo livro são diversos acontecimentos da história no
breve tempo, de ordem geográfica, política, econômica
ou cultural, entre outras (AGUIRRE ROJAS, 2013, p. 21).
Emprestando uma visão comum não física, podemos ver o tempo como
autônomo dos fatos, eventos e processos históricos. O tempo existe por si só.
Ele não precisa de nada para existir. Mas, se não houvesse acontecimentos,
fatos, processos, eventos históricos, os historiadores não precisariam existir. O
objetivo dos nossos estudos enquanto historiadores é o de analisar as ações do
ser humano no tempo. Portanto, se nos fixarmos nesta questão, aparentemente
o tempo é o pano de fundo para os fatos históricos. Mas a própria concepção
de tempo, ou melhor dizendo, a percepção de tempo muda conforme a época
e o fato histórico estudado.
Por exemplo, vamos refletir sobre a história de algumas guerras. A percepção
sobre o que é tempo, as durações e a própria conjuntura são muito diferentes
quando analisamos a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais. Nos aconteci-
mentos de 1914 a 1918, tínhamos um ritmo bem diferente nos encadeamentos
dos acontecimentos. Pare e pense! Quanto tempo os soldados demoravam
cavando as trincheiras, organizando fileiras e mais fileiras de arame farpado,
preenchendo documentações datilografadas, fazendo transportes muitas vezes
a cavalo, fazendo uso de pombos-correios? Hoje em dia, todos esses peque-
nos acontecimentos cotidianos dos homens da Primeira Guerra nos parecem
bobos, mas na época não o eram. A percepção de tempo que aqueles homens
tinham era completamente diferente da que temos agora, ou seja, o ritmo e os
acontecimentos, mesmo cotidianos, influenciaram a visão e a percepção de
tempo. Com relação à Segunda Guerra, esse ritmo também muda. Enquanto os
homens de fronteira da França preparavam enormes fortificações baseadas nos
conflitos da Primeira Guerra, como a linha Maginot, a Blitzkrieg alemã arrasava
essas fronteiras e conseguia uma invasão terrivelmente rápida e fácil sobre o
território dos antigos francos. Podemos aqui pensar que o mesmo tempo cro-
nológico destas duas nações não era, sem dúvida alguma, o mesmo tempo
histórico. E, consequentemente, o que era guerra para franceses não significava
exatamente a mesma coisa para os alemães.
Toda essa explanação quer reforçar uma ideia bem simples, mas nem por
isso simplória para nós, historiadores. O que pensamos sobre o que são os fatos
e eventos da história depende, sem dúvida, da nossa concepção de tempo, e
é este pensamento que define, em vários casos, não apenas nossa concepção
de tempo, mas também a maneira como vemos e entendemos o tempo. Um
conceito não somente influencia, mas ajuda a definir o outro.
Vejamos a visão de um reconhecido historiador sobre este assunto:
Haverá alguma lógica imanente à dialética das durações
históricas, ou algum padrão mais organizado na complexa
Atividades de aprendizagem
1. Quais são as dimensões temporais apresentadas por Braudel e que
revolucionaram o pensamento sobre o tempo a partir da Escola do
Annales?
2 Por que os Annales criticaram a visão temporal dos Positivistas?
Ora, não é por acaso que o ensino de história na educação básica inicia-se
no sexto ano, quando os anos estão exatamente na finalização do processo
piagetiano descrito na citação acima. Apesar de ainda terem sérias restrições
e dificuldades para abstrair o conceito de tempo, entendendo-o como polissê-
mico, esses alunos já conseguem, ao menos biologicamente, traçar algumas
relações óbvias sobre o tempo e o seu entendimento. Mas o que seria essa
segunda fase do entendimento temporal, o pensar historicamente?
[...] pensar historicamente supõe a capacidade de identi-
ficar e explicar permanências e rupturas entre o presente/
passado e futuro, a capacidade de relacionar os aconte-
cimentos e seus estruturantes de longa e média duração
em seus ritmos diferenciados de mudança; capacidade
de identificar simultaneidade de acontecimentos no
O aviso que Scaldaferri (2008) nos faz nesta citação é muito importante:
o professor, principalmente o das séries iniciais do Ensino Fundamental II tem
que saber instigar nos seus alunos a questão do tempo, mais do que isso, ele é
parte inerente à formação do conceito de tempo dos alunos. Se essa prepara-
ção para que os alunos saibam fazer as abstrações corretas e perceberem que
há um tempo histórico que é diferente do cronológico for bem realizada, os
alunos terão muito mais facilidades quando forem cobrados sobre as análises
destes conceitos, como ao analisar as continuidades e rupturas da Revolução
Industrial na sociedade capitalista atual. Não que o professor seja o único
responsável por esta tarefa, mas ele tem que assumir a sua parcela de respon-
sabilidade neste processo.
Atividades de aprendizagem
1. Quais seriam as vantagens e desvantagens de uma abordagem de
ensino baseada na História Temática?
2. Por que o trabalho do professor de história é tão importante quando
tratamos da questão do tempo?
Fique ligado!
Nesta unidade você aprendeu que:
As interpretações de tempo foram as mais diversas durante a História,
sempre se relacionando ao contexto histórico de cada época.
As temporalidades são importantes dimensões para o trabalho do
historiador, que não fica delimitado exclusivamente ao passado.
As temporalidades tiveram uma importante mudança a partir da
Escola dos Annales, que introduziu as noções de longa, média e
curta duração, emprestando aqui o pensamento de Braudel.
Alguns conceitos históricos também têm algumas importantes mo-
dificações conforme sua interpretação sobre o tempo, como a ideia
de progresso, continuidade e ruptura.
No ensino de história, o debate sobre o tempo e as temporalidades
é muito importante, pois ajuda a definir o próprio desenvolvimento
intelectual dos educandos.
Com base nesta afirmação, podemos concluir que uma definição clara
sobre o que é história é:
a) O estudo do passado, a tentativa quase que desesperada de recriar
os fatos históricos tendo como base o empirismo.
b) A ciência que estuda o tempo, especificamente o passado, per-
meando algumas ações humanas e indiferentemente do local a
ser estudado.
c) A ciência que estuda a ação humana em um determinado período
de tempo e espaço (lugar geográfico).
d) A análise das transformações geográficas que as ações humanas
proporcionaram ao longo dos tempos.
e) O recontar das histórias do passado, dos principais acontecimentos
e dos sujeitos históricos importantes.
f) Os fatos privilegiados seriam aqueles poucos que eram ampla-
mente documentados, como as festas populares e a cultura das
pessoas comuns.
g) Esses historiadores buscavam as fontes como base das verdades
históricas, mas também aceitavam a contribuição de outras fontes,
como as imagéticas.
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