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AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
O DISCURSO E A PRÁTICA DO PROFESSOR
Teofilândia Rodrigues de Lima

O tema avaliação configura-se gradativamente mais problemático na educação


à medida que se amplia a contradição entre o discurso e a prática dos
educadores. Embora os professores ainda relacionem estreitamente a ação
avaliativa a uma prática de provas finais e atribuição de graus classificatórios,
criticam eles mesmos o significado desta prática nos debates em torno do
assunto. (HOFFMANN, 2001, p.28)

A avaliação da aprendizagem dos educandos sempre foi um entrave para a


educação e ainda é o maior problema enfrentado pelas escolas. O interesse
dos pesquisadores e a literatura acerca desse tema cresceram muito no Brasil
nos últimos anos, embora o reflexo ainda não chegou efetivamente no espaço
principal de interesse dessa discussão, que é a escola e o professor. A idéia
arraigada de avaliação classificatória é observada na pratica dos educadores.
Mesmo com os cursos de formação continuada, onde os professores têm tido
acesso a conhecimentos sobre os novos pensamentos sobre avaliação, como
a avaliação mediadora, diagnóstica, emancipatória, percebe-se que o reflexo
na prática é ainda quase nulo. Observa-se certa mudança de discurso nos
educadores, mas não na sua prática.

Por um lado, é preciso concordar com os céticos, pois a concepção


classificatória e de controle da avaliação educacional está de tal forma
consolidada que, ao falar-se num outro possível, corre-se o risco da utopia.
Essa prática instalou-se nesse século como um poderoso instrumento de poder
em todos os níveis da educação, fortalecida por processos tecnicistas,
estatísticas educacionais, medidas político-orçamentárias, de tal forma que é
grande o descrédito de que um dia venha a ser exercida em benefício de uma
escola democrática. (HOFFMANN, 1998, p. 33)

A exigência de melhoria dos índices de aprovação tem provocado sérios


problemas na escola. Essa exigência é permeada por interesses políticos
diversos, o principal deles é a otimização do uso do recurso do FUNDEF, que
atende somente as crianças de 07 (sete) a 14 (quatorze) anos. Portanto,
alunos acima de 15 (quinze) anos matriculados no Ensino Fundamental é
prejuízo para o Município. A avaliação é o foco, pois a melhoria desses índices
perpassa por ela. Os educadores ficam encurralados entre a sua concepção
classificatória e ter que aprovar alunos, os quais eles consideram fora do
“padrão” de aprendizagem estabelecida por eles ou pela escola, para cada
série. Muitas vezes acabam agindo com irresponsabilidade e conivência com o
que é estabelecido pelos órgãos que controlam os índices da educação,
prejudicando, assim, a vida escolar futura dos educandos.

Um olhar construtivo em avaliação articula-se ao desejo político do educador,


que traduz no compromisso de aprofundamento teórico, de uma atualização
permanente e contextualizada e de uma consciência humanizadora sobre a
realidade social. Penso como Freire que” “a gente tem que lutar para tornar
possível o que ainda não é possível. Isto faz parte da tarefa histórica de
redesenhar e construir o mundo. (HOFFMANN, 1998, p. 34)

O professor precisa repensar efetivamente a sua prática em relação à


avaliação, torná-la coerente com o seu discurso. Pensar na escola como um
espaço de inclusão e permanência, e não, um espaço onde a exclusão parece
ser a meta principal, provocada pela concepção de avaliação da aprendizagem
classificatória. Os alunos são tratados como se estivessem em uma
competição. Quem for melhor fica, os piores estão fora, ferindo assim o direito
universal que todos tem à educação básica.

Não há sentido, na educação obrigatória, selecionar e classificar o aluno como


se fora um concurso ou vestibular. Não há por que promover a competição
entre os alunos, o direito de todos é prosseguir sem retrocessos. O aluno só
deve competir com ele mesmo na busca do seu conhecimento. (BLOOM, 1983
APUD FERREIRA, 2002, p. 36)

A escola e os professores têm ainda que enfrentar a concepção tradicional dos


pais dos alunos, cujo pensamento é de que uma educação de qualidade tem
que ser competitiva e classificatória. Eles acreditam que a escola tem que
preparar o aluno para enfrentar os desafios da vida fora desse espaço, como o
vestibular, concursos e outras exigências de uma sociedade capitalista, cuja
concepção é de que, quem vence é o “melhor” ou que a oportunidade está para
todos, basta se preparar. Essa preparação, claro, é uma responsabilidade da
escola. Dificultando assim, o processo de mudança na teoria e na prática do
professor. Para reverter esse quadro, é necessário que a mudança aconteça
primeiro na concepção do professor a respeito da avaliação, para que ele
possa ter argumentos seguros para convencer os pais da necessidade de um
novo pensamento sobre a avaliação da aprendizagem, sobre a escola e a
sociedade. Esse processo perpassa por um embasamento teórico.

A melhoria da qualidade do ensino em todas as suas dimensões, tem


constituído um desafio constante para todos que vêm se preocupando com
esta busca; mas ela tem se limitado apenas a mudanças de métodos, técnicas
e seqüências curriculares. Não podemos descartar a possibilidade de que
métodos, técnicas e propostas curriculares possam ter influências positivas na
melhoria da qualidade. Mas uma mudança significativa só se concretizará
através de uma mudança efetiva de postura, e de filosofia pedagógica.
(RABELO, 1998, p. 47)

Há educadores que se preocupam em primeiro lugar, principalmente no


momento da avaliação de final de ano, com o colega que vai dar continuidade
aos estudos de seus alunos no ano seguinte, o que ele vai achar da sua turma.
Esse é o peso principal no momento da decisão de quem é aprovado ou
reprovado. Todo o percurso do aluno durante o ano é anulado por um medo
que ele também provoca em seus colegas, o efeito muitas vezes é um alto
índice de reprovação, principalmente nas series iniciais. A responsabilidade
com a vida escolar dos educando parece não ser a preocupação principal dos
educadores que agem dessa forma. Não estão preocupados se os alunos vão
permanecer ou não na escola. O que importa é a sua “consciência tranqüila” de
ter escapado das criticas dos colegas.

Segundo Luckesi (2003), basta de usarmos os exames e as conseqüentes


reprovações, que se manifestam como fracasso escolar, como álibi para a má
qualidade do ensino. A verdadeira pratica da avaliação da aprendizagem opõe-
se a tudo isso, devido assentar-se sobre a busca da melhor qualidade dos
resultados, o que implica em melhor qualidade do ensino, que, por sua vez
exige investimentos em muitas áreas da educação, desde recursos materiais,
didáticos e pessoais.

A disparidade entre o discurso e a pratica do professor, em avaliação é um


processo que merece atenção por parte dos estudiosos. O desafio do momento
está em mudar essa realidade. Quando isso acontecer, poderemos talvez
vislumbrar uma luz no fundo do poço, para uma mudança realmente efetiva da
pratica da avaliação da aprendizagem na escola.

Nos diz a LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96,


que a avaliação deve ser contínua e priorizar a qualidade e o processo de
aprendizagem, sendo que os aspectos qualitativos devem prevalecer sobre os
quantitativos. Porém, para que a avaliação sirva à aprendizagem é essencial
que os professores conheçam cada um de seus alunos e suas necessidades,
pois somente assim, poderá pensar em diferentes alternativas para que todos
os alunos alcancem os objetivos. Nesta perspectiva, a avaliação parte de duas
premissas básicas: confiança na possibilidade dos educandos construírem
suas próprias verdades e a valorização de seus interesses e manifestações.

O que diz a Lei 9.394/96 está presente no discurso da maioria dos professores,
porém a sua prática revela o contrário. Conversando com muitos professores,
está presente em seus discursos o respeito às individualidades dos alunos, a
necessidade de acompanhar diariamente o desenvolvimento de cada um, dar
prioridade à avaliação qualitativa sobre a quantitativa. Quando se observa na
prática, o aluno é avaliado pela suas notas nos testes e provas. Todo o
percurso dos alunos durante os bimestres é colocado de lado, o que conta é a
nota final. Essa dicotomia entre o discurso e a prática se revela num dos
graves problemas acerca da avaliação, principalmente nas séries iniciais, pois,
a maioria dos alunos ainda está em fase de construção do sentido da leitura e
da escrita e são tratados como se já estivessem alfabetizados e prontos para o
modelo que é imposto para o Ensino Fundamental, ou seja, a divisão por
disciplina, onde os conteúdos são fragmentados e exigidos uma nota para cada
disciplina.

Segundo Machado (2000), para avaliar é preciso ir além da medida, recorrendo


a indicadores mais complexos e a indícios de competência, tendo em vista que
não se avalia por avaliar, mas para fundamentar uma decisão. O principal
agente desta mudança e desta reconstrução é o educador, suas concepções e
sua pratica educativa. Temos claro que nenhuma prática é neutra e que esta
sempre serve a um ou outro modelo político de desenvolvimento econômico. O
alicerce escolar encontra-se numa teia de relações entre os educadores,
educandos e suas famílias e em se tratando de avaliação, esta é uma relação
tensa. Portanto, a reconstrução da prática avaliativa supõe professores com
formação crítica, capazes de ampliar seu horizonte de compreensão e o
reconhecimento da necessidade de uma formação constante, bem como,
disposição para ser sujeito da mudança e construir algo diferente.

Como analisar a prática avaliativa que acontece em nossas escolas? Por que o
discurso do professor é inovador e crítico, enquanto sua prática é conservadora
e tradicional? O que dá origem a esta contradição? Velhos mitos estão
arraigados na prática avaliativa que desde sempre esteve a serviço do
autoritarismo dos professores.

Hoffmann (2001) acredita que a contradição entre o discurso e a prática de


alguns educadores e principalmente a ação classificatória e autoritária exercida
pela maioria, encontra explicação na concepção de avaliação do educador,
reflexo de sua história como aluno e professor. Existe a vontade de fazer
diferente, porém não se sabe como fazer... Assim, o primeiro passo seria tomar
consciência destas influências para que não se venha a reproduzir o que se
contesta no discurso: o autoritarismo e a arbitrariedade.

Ao longo dos tempos, teoria e prática aparecem em lados opostos, como se


fossem dissociados, e o “estado” desta relação é objeto de críticas e
controvérsias onde acentua-se exatamente a ausência da mesma.

Retomando a discutida relação teoria/prática, assumimos que ela não pode ser
vista como uma correlação mecânica; tratamos de compreender a relação que
há entre estes dois mundos que compõem o humano. A construção do
pedagógico é feita por homens que sonham, sentem, projetam, mas vivem num
mundo histórico, de relações concretas, onde a teoria de constrói. Logo,
privilegiar o ensino teórico, baseando a formação de professores somente na
literatura, sem a ponte com o cotidiano, significa colocar a prática a um plano
sem relevância para a compreensão do que significa o ato docente. (NOGARO,
2002, p.276)

Assim sendo, percebemos que a contradição existente entre o que o professor


faz e o que acredita tem suas raízes também na formação dos mesmos. Quem
educa o educador? Tendo em vista que o ser docente se constrói nas relações
com o mundo, com os outros e com as contingências que o levam a optar pelo
magistério, é preciso que se busque um debate acerca desta contradição.
Percebe-se essa discrepância até no curso de Pedagogia, pois muitos dos
nossos educadores defendem um tipo de teoria enquanto age de acordo com
outra. Estabelece-se uma relação dicotômica entre a teoria e a prática, pois os
educadores não conseguem possibilitar a coexistência dos dois termos num
mesmo processo.

A avaliação sempre foi uma atividade de controle, que visava selecionar. Neste
sentido o prazer de aprender desaparece, pois a aprendizagem se resume em
notas e provas. O processo, ou o ato de realizar uma avaliação vai além disto,
estando inserido dentro de um ensino integral, onde o professor acompanha o
processo desenvolvido pelo educando, auxiliando-o em seu percurso escolar,
fundamentando-se no dialogo, reajustando continuamente o processo de
ensino de forma a que todos consigam alcançar com sucesso os objetivos
definidos, revelando suas potencialidades.

A avaliação é utilizada pela maioria dos professores para motivar os alunos,


impor determinados comportamentos, enfim, é um mecanismo de controle que
desencadeia uma relação de poder. Isso tudo é fruto da própria formação dos
educadores, eles vêem de uma escola/sociedade conservadora e tradicional e,
por mais que ampliem os seus conhecimentos sobre o assunto e consigam até,
no discurso, mudarem o pensamento, a velha prática parece estar impregnada
e vai além do pensamento, parece ser um ato mecânico e involuntário.

Luckesi (2005) afirma que o medo e o fetiche são mecanismos imprescindíveis


numa sociedade que não opera na transparência, mas sim nos subterfúgios, e
a avaliação em nossas escolas está muito mais articulada com a reprovação do
que com a aprovação, e daí vem a sua contribuição para a seletividade social.
A nota é que determina tudo e é em função dela que se vive a prática escolar.

É desconfortável para qualquer educador o rótulo de que a avaliação serve


como instrumento de coação, de controle, ainda mais quando se tem em mente
uma conotação negativa desta ação de controlar. Trazer este assunto para a
discussão é considerado por eles uma forma de agressão ao professor,
profissional este, que ainda não sabe realmente qual é a sua identidade, no
discurso ele pode até ser coerente com as mudanças, mas na prática, a baixa
auto-estima em relação a si próprio é um fator que prejudica o avanço das
discussões sobre a avaliação e as mudanças que são urgentes e necessárias
para que possamos pensar em uma educação de qualidade.

Os processo escolares de avaliação constituem instrumento de controle no


âmbito do exercício da autoridade do educador. Uma autoridade enraizada
tanto no conhecimento quanto na natureza da função desempenhada.
(MACHADO, 2000, p.89).

A dicotomia entre a teoria e a prática da avaliação nas escolas, digo avaliação


no sentido de acompanhamento da aprendizagem dos alunos, gera
conseqüências graves e sem retorno. A falta de discernimento de quem é a
culpa no fracasso da aprendizagem dos alunos traz para o ambiente escolar o
descrédito da sociedade, que há muito tempo deixou de acreditar na
capacidade da escola pública para ensinar os seus filhos. O maior exemplo
disso é que a grande maioria dos professores que trabalham nas escolas
públicas não coloca os seus filhos para estudar na escola onde trabalha. Se os
profissionais que fazem a escola pública não acreditam na mesma, qual o
futuro da escola para os pobres? Como a educação pode transformar a
sociedade?

É preciso um trabalho de autoformação do professor, para compreender de


modo crítico as relações entre a prática social e a educação. O trabalho escolar
formativo fica comprometido, se não leva à assimilação crítica das contradições
sociais. (...) o professor precisa, portanto, de uma teoria que explicite a direção
pretendida para a tarefa educativa de humanização do homem, extraída de
uma concepção de educação enquanto pratica social transformadora. Essa
teoria se alimenta da prática, isto é, das exigências concretas da situação
pedagógica. (LIBÂNEO, 2003, p. 78)

Apesar da formação continuada implantada pelos órgãos que promovem a


educação nas esferas federais, estaduais e municipais, e que a maioria dos
profissionais de educação tem “acesso” a conhecimentos atuais sobre
educação, inclusive sobre avaliação da aprendizagem, embora na maioria das
vezes esses conhecimentos chegam de forma fragmentada, e do discurso do
professor sofrer mudanças, a sua prática continua a mesma, ou seja, o
momento crucial da avaliação é ainda o resultado dos testes e provas,
portanto, a nota que o aluno conseguiu é tudo o que o professor analisa como
aprendizagem durante o percurso do aluno, seja no bimestre ou no final do
ano.

REFERÊNCIAS:

FERREIRA, Lucinete. Retratos da Avaliação: conflitos, desvirtuamentos e


caminhos para a superação. Porto Alegre: Mediação, 2002.

HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as retas do caminho. Porto


Alegre: Mediação: 2001.
_________________. Pontos e Contrapontos: do pensar ao agir em avaliação.
Porto Alegre: Mediação, 1998.
_________________. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-
escola à universidade. Porto Alegre: Mediação, 2003.
_________________. O Jogo do Contrário em Avaliação. Porto Alegre:
Mediação, 2005.

LIBÂNEO, José Carlos. A Democratização da Escola Pública: a pedagogia


crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e


proposições. São Paulo: Cortez, 2005.
_________________. Avaliação da aprendizagem na escola: reelaborando
conceitos e recriando a prática. Salvador: Malabares Comunicação e Eventos,
2003.

MACHADO, Nilson José. Educação: Projetos e Valores. São Paulo: Escrituras


Editora, 2000.

NOGARO, Arnaldo. Teoria e saberes docentes: a formação de professores na


Escola Normal e no Curso de Pedagogia. Erechim: EDIFAPES, 2002.

RABELO, Edmar Henrique. Avaliação: novos tempos, novas práticas.


Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

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