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Arquivos Pessoais e Arquivos Institucionais para Um Entendimento Arquivistico Comun PDF
Arquivos Pessoais e Arquivos Institucionais para Um Entendimento Arquivistico Comun PDF
Nota: Este trabalho éa venão revista de uma palestra proferida duas vezes durante o Seminário Internacional
sobre Arquivos Pessoais, realizado no Rio de Janeiro (17-18 de novembro de 1997) e em São Paulo (20-21
de novembro de 1997). O seminário teve o patrocfnio do CPDOC-FGV c do IEB-USP. Além desses
patrocinadores, quero agradecer, por Suas muitas gentilezas durante minha visita ao Brasil e por sua calorosa
hospitalidade, a: Ana Maria de Almeida Camargo, Heloísa Liberalli Bcllouo, Dirce de Paula e Silva Mendes,
Célia Costa, Priscila Fraiz e Luciana Heymann.
Esta tradução é de Paulo M. Garchet, revista por Luciana Hcymann e Priscila Fraiz.
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obter uma perspectiva atualizada dos princípios arquivísticos básicos válida para
o final do século XX . Diante da natureza interdisciplinar do Seminário Interna
cional sobre Arquivos Pessoais, do qual este trabalho fez parte e, agora, com a
publicação dos trabalhos ali apresentados, talvez seja importante lidar primeiro
com conceitos e princípios, e não com metodologias específicas, para que os não
arquivistas possam participar do diálogo no nível do "por que" os arquivistas
adotam certas estratégias, em vez de "o que" eles realmente fazem no dia-a-dia e
"como" o fazem. O argumento deste trabalho é bastante radical, mas, espero, não
porque eu esteja sendo desnecessariamente provocador, e sim porque estou já há
muitos anos lidando com arquivos eletrônicos e, conseqüentemente, estou vis
lumbrando o tipo de futuro que os arquivistas logo estarão enfrentando em todas
l
as partes do mundo.
Entre esses dois tipos de arquivos, o público e o pessoal, o oficial e o
individual, existe em muitos países uma divisão incômoda, ou mesmo uma
tensão. Em grande parte da literatura arquivística dos Estados Unidos, por
exemplo, há referências a duas partes distintas da profissão: a tradição dos
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manuscritos históricos ver:rus a tradição dos arquivos públicos. Na Austrália, é
revelador o titulo do periódico nacional dos arquivistas: Archives andManuscripts,
que ressalta a nítida dualidade que lá encontrei, com alguns arquivistas de
arquivos públicos na verdade ignorando seus colegas que coletam manuscritos,
não os considerando arquivistas, e sim profissionais mais próximos, em seu
trabalho e em sua visão dos documentos, dos bibliotecários ou dos curadores de
museus. Em boa parte da Europa e em muitas de suas antigas colônias, os arquivos
nacionais, via de regra, não recolhem papéis pessoais de indivíduos particulares
(exceto de políticos e burocratas) em bases iguais às dos documentos oficiais do
governo nacional. Esse padrão se repete nos níveis dos governos e arquivos
estaduais, provinciais, regionais e locais ou municipais. Quanto ao destino dos
arquivos pessoais ou dos manuscritos privados, na maioria dos países são adquiri
dos pela biblioteca nacional, pelas bibliotecas regionais, ou pelas principais
universidades e até mesmo por museus e por institutos de pesquisa ou documen
tação temáticos ou especializados. Assim é que os diversos domicílios institucio
nais dos arquivos públicos e pessoais reforçam suas diferenças, tanto quanto o
fazem suas distintas origens e estruturas legislativas.
Uma exceção marcante nessa situação geral é o Canadá, com seu conceito,
há muito implantado, de "arquivos totais". 3 De acordo com essa abordagem de
"arquivos totais", virtualmente todas as instituições arquivísticas do país, com a
Única e lógica exceção dos arquivos de empresas ou corporações privadas, mas
incluindo o arquivo nacional, os arquivos provinciais, regionais, os arquivos das
cidades, das universidades e das igrejas, todos adquiriram, em proporções basi
camente iguais de capital próprio e de recursos alocados, os arquivos oficiais de seus
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multimídia para avaliar; como fal avaliação deve, freqüentemente, ser feita no
estágio de desenho do sistema de computador, antes que um único documento
tenha sido criado; como as organizações criadoras de documentos são fluidas,
instáveis, poli-hierárquicas e interligadas horizontalmente em rede; e como os
registros das unidades de serviço agora duplicados ou armazenados em um
arquivo do servidor central (ou computador centralizado) não têm, geralmente,
nenhuma divisão interna significativa por estrurura, função, assunto ou atividade
empresarial, as abordagens de avaliação mais recentes estão centradas na apre
ciação das funções, programas e atividades do criador de documentos e daqueles
que com ele interagem, em vez de enfocar os documentos individuais ou grupos
de documentos e seus possíveis usos, codificando então os resultados da avaliação
diretamente nos sistemas de operação e softwares do computador, para classificar
os registros arquivísticos, separando-os dos demais, que podem ser destruídos.
A nova estrurura analítica para a avaliação rejeita, assim, os princípios arquivísti
cos tradicionais de arranjo e descrição, que preconizam uma congruência exata
entre a função criadora, a estrutura criadora e seu sistema de armazenamento de
informações. Ao invés, a nova abordagem reconhece que as funções agora são
multi-institucionais e que dentro de cada instituição há numerosos sistemas de
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armazenamento de informações, com uso de vários meios.
A nova macro avaliação funcional-estrutural de que o Canadá foi
pioneiro, e que está agora sendo implantada em vários países, enfatiza o valor
arquivístico da posição, local ou funcionalidade da criação de documentos, em
lugar do valor dos documentos por eles mesmos. Permitam-me explicar isso em
detalhe. Os documentos seguem funções; são criados como produto do trabalho
em várias atividades ou transações. No antigo, e muito mais simples, mundo dos
arquivos de papéis, uma subseção particular dentro de uma instituição tinha a si
atribuída a competência total para a execução de alguma função, subfunção ou
atividade, e seus arquivos refletiam a totalidade dessa função. Agora, nas com
plexas e instáveis burocracias de nossos dias, especialmente com seus sistemas
eletrônicos computadorizados, não há "arquivos" criados naruralmente nesses
computadores para os inúmeros trabalhadores que estejam contribuindo para
uma deternlÍnada atividade, ou "arquivo". Os "arquivos", portanto, têm de ser
"gerados". Como? A abordagem sugerida ao arquivista é que faça uma pesquisa
cuidadosa sobre a funcionalidade de uma instituição (isto é, que identifique suas
funções, subfunções ou subsubfunções, seus programas e atividades, tanto os
rotineiros quanto os especiais, e a natureza de suas transações, de sua clientela e
de suas (mutantes) estruturas internas); que analise, então, quais funções, pro
gramas, atividades, transações ou tipos de clientes, ou de interações com os
clientes etc., têm significância arquivística; que trabalhe, então, com os pro
gramadores de computador para elaborar inslI1.\ções de software que levem os
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que o próprio assunto que é o conteúdo do texto. Nada é neutro. Nada é imparcial.
Tudo é confOlmado, apresentado, representado, simbolizado, significado, assi
nado, por aquele que fala, fotografa, escreve, ou pelo burocrata governamental,
com um propósito definido, dirigido a uma determinada audiência. Nenhum
texto é um mero subproduto, e sim um produto consciente para criar umapersona
ou servir a um propósito, embora essa consciência, oupersona, ou propósito - esse
contexto por trás do texto - possa ser transformado, ou perdido, em padtões
inconscientes de comportamento social, em discurso institucional e em fórlllulas
padronizadas de apresentação de informações. Os pós-modernistas procuram
desnaturalizar o que presumimos natural, o que, por gerações, talvez séculos,
aceitamos como normal, natural, racional, provado - simplesmente, o jeito de ser
das coisas. O pós-modernista toma tais fenômenos "naturais" - seja o patriarca
lismo, o capitalismo, a religião ou, poderia eu acrescentar, a ciência arquivística
tradicional - e afilü13 que são "antinaturais", ou "culturais" ou, no mínimo,
"construções sociais" de um tempo, lugar, classe, gênero, raça etc. especificos.
Mais ainda, os pós-modernistas vêem explicitamente os arquivos como fragmen
tos de universos de documentos agora perdidos ou destruídos. Encaram os
próprios documentos como espelhos distorcidos que alteram os fatos e realidades
passados, mas, ironicamente, consideram que servem como "sinais ... dentro de
contextos já semioticamente construídos, contextos que são, eles mesmos, de
pendentes de instituições (no caso de registros oficiais) ou indivíduos (se forem
relatos de testemunhas oculares)". 14
Se o modernista do século XX criticava a idéia de fato ou verdade
histórica, o pós-modernista critica a idéia de documento. Jacques Le GofI observa
que "o documento não é matéria-prima objetiva, inocente, mas expressa o poder
da sociedade do passado (ou da atual) sobre a memória e o futuro: documento é
o que fica". O que vale para cada documento vale também, coletivamente, para
os arquivos. Não é por coincidência que os primeiros arquivos foram os arquivos
reais da Mesopotâmia, do Egito, da China e da América pré-colombiana. A capital
torna-se, nas palavras de Le GofI, "o centro de uma política de memória" onde
"o rei desenvolve pessoalmente, por todo o território sobre o qual tem controle,
um programa de recordação do qual ele próprio é o centro". Primeiro a criação,
depois o controle da memória levam ao controle da história, daí à mitologia e,
por último, ao poder.15 Essa ênfase inicial persistiu. Os arquivos medievais, como
o descobrem agora os acadêmicos, foram coligidos - e com freqüência posterior
mente re-selecionados e reconstruídos - não apenas para conservar a evidência
das transações legais e comerciais, como também, explicitamente, para servir a
propósitos históricos e sacro/simbólicos - mas apenas para os personagens e
eventos julgados merecedores de celebração, ou memorialização, no contexto de
seus tempos.16 Colocando-se em um ponto de vista oposto, o daqueles que foram
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impessoal e desinteressada. A ciência arquivística, em minha opinião, não é
diferente. Em qualquer ciência, as opções de projetos, métodos e praticantes, os
padrões de excelência e aceitação, e as razões para exclusões e reprovações, as
escolhas que faz ao alocar os recursos que tem e treinar seus profissionais, tudo
reflete necessidades e interesses atuais e disputas mais profundas de poder social,
lingüístico, ideológico, de gênero, de classe, racial, étnico e de padrões emocionais.
Há aqui uma importante lição para os arquivistas. Assim como os
cientistas, os arquivistas são (e sempre foram) parte importante do processo
histórico em que se encontram - e parte importante, também, do legado do
racionalismo científico criticado por Foucault e outros pós-modernistas. Minha
recomendação é que os arquivistas deveriam aceitar, em vez de negar, sua própria
hístoricidade, ou seja, deveriam reconhecer, ao invés de negar, sua própria
participação no processo histórico. Não são historiadores, mas fazem parte do
processo histórico, em vez de dele estarem distanciados. Deveriam, portanto,
reintegrar o subjetivo (isto é, a mente, o processo, a função) com o objetivo (isto
é, a matéria, o produto documentado, o sistema de infOImações) em seus cons
tructos teóricos e em suas metodologias estratégicas. Então, uma vez livres dos
mitos da objetividade e imparcialidade jenksionianas, de ixarão de ter motivos
para não integI3c os arquivos públicos e os pessoais dentro de um enfoque teórico
comum centrado na construção da memória social e coletiva. Perceberão, então,
que os arquivistas de arquivos públicos ou institucionais têm tantas dificuldades
e escolhas discricionárias a fazer quanto os arquivistas de arquivos pessoais.
Ambos são igualmente arbitrários e artificiais, ao menos de uma perspectiva
jenkinsoniana. Ambos, ativamente, criam e confol'mam, filtram e distorcem
arquivos, em vez de, passivamente, preservarem arquivos que lhes teriam sido
entregues de alguma maneira impossivelmente neutra ou objetiva. Por con
seguinte, rompamos as barreiras artificiais - ao menos no nível da teoria e dos
conceitos profissionais básicos - que por tempo demasiadamente longo vêm
dividindo as tradições de arquivos pessoais e arquivos públicos. Consideremos,
ao invés, uma perspectiva de "arquivos totais" - se não dentro de cada instituição
arquivística no Brasil, devido talvez a restrições legislativas e de mandato, então,
pelo menos, dentro da malha arquivística global brasileira.
O conceito canadense de "arquivos totais" pode servir de modelo aqui,
pois integra, em quase todos os tipos de arquivos por todo o país, o papel oficial
dos arquivos, como guardiães da continua demanda corporativa de seus patroci
nadores pela evidência documentada de suas transações, e o papel cultural dos
arquivos, como preservadores da memória social e da identidade histórica, dando
a suas coleções, em ambos os casos, um equilíbrio entre os arquivos oficiais e
pessoais em todas as foxmas de mídia. Os "arquivos totais" refletem, assim, uma
visão mais ampla dos arquivos, sancionada pela sociedade como um todo e reflexo
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