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JULIANA RIBEIRO MARIOTTO

ESTÁGIO DE DOCÊNCIA

Cinética Enzimática

JULHO 2006
CINÉTICA ENZIMÁTICA

A Cinética de Reações Enzimáticas apresentam os seguintes objetivos:

• Medir as velocidades das transformações que se processam;

• Estudar a influência de condições de trabalho (concentrações de reagentes e das enzimas,


temperatura, pH, concentrações de ativadores e de inibidores) naquelas velocidades;

• Correlacionar (equações empíricas ou modelos matemáticos) as velocidades das


transformações com alguns dos fatores que as afetam;

• Colaborar na otimização do processo;

• Estabelecer critérios para o controle do processo;

• Projetar o reator mais adequado.

1 Influência da concentração de substrato

Um dos fatores que afetam a velocidade de uma reação catalisada por uma enzima
purificada é a concentração do substrato presente [S]. O estudo dos efeitos da concentração de
substrato é complicado pelo fato de a [S] variar durante o curso de uma reação à medida que o
substrato é convertido em produto. Uma forma de simplificar este problema é medir a
velocidade inicial da reação (V0). Em um experimento cinético a [S] é sempre muito maior
que a concentração da enzima [E], e se o tempo de reação é suficientemente curto, as
mudanças da [S] serão negligenciáveis, podendo ser considerada como uma constante.

O efeito provocado em V0 pela variação da [S], quando a concentração de enzima é


mantida constante está mostrado na Figura 1. Em concentrações pequenas do substrato, V0
aumenta quase linearmente com os aumentos de [S]. Em concentrações maiores de substrato
V0 aumenta por incrementos menores em respostas aos aumentos da [S]. Finalmente, é
alcançado um ponto acima do qual ocorrem apenas aumentos insignificantes em V0, mesmo
diante de aumentos em [S], sendo este ponto chamado de velocidade máxima (Vmáx).
Figura 1. Efeito da concentração de substrato na velocidade inicial de uma reação catalisada
enzimaticamente.

Existem alguns casos em que a velocidade inicial não pode ser medida, ou porque não
existe uma técnica experimental que permita acompanhar as variações das concentrações no
sistema, ou a transformação não pode ser representada por uma equação química com
reagentes e produtos definidos. A velocidade da reação, nesses casos, é freqüentemente
representada por uma velocidade média de consumo, ou de produção, de substâncias
convenientemente escolhidas (Figura 2) ou, ainda, pela variação de uma propriedade do
sistema (viscosidade, textura, absorbância, etc.) em um intervalo de tempo prefixado.

Figura 2. Medida da velocidade média de formação do produto no intervalo de tempo ∆t.


O perfil cinético apresentado na Figura 1 levou Victor Henri a propor, em 1903, que
uma enzima liga-se à molécula de seu substrato para formar o complexo ES, sendo este um
passo obrigatório no processo catalítico enzimático. Esta idéia foi expandida em uma teoria
geral da ação das enzimas, especialmente por Leonor Michaelis e Maud Menten, em 1913.
Eles propuseram que a enzima primeiro combina-se reversivelmente com o substrato, para
formar o complexo enzima-substrato, em um passo reversível relativamente rápido:

k1
E+S ES (1)
k-1

A seguir, em um passo mais lento, o complexo ES se rompe com o reaparecimento da


enzima livre e a formação do produto da reação P:

k2
ES E+P (2)

A segunda reação (Equação 2) é mais lenta neste modelo e, portanto, limita a


velocidade da transformação global do reagente em produto. Disto resulta que a velocidade da
reação enzimática deve ser proporcional à concentração da substância reagente no segundo
passo, ES.

Em qualquer instante de uma reação, a enzima existe em duas formas, a não ligada ao
substrato, ou a forma livre E, e a forma ligada ES. Em concentrações pequenas do substrato
[S], a maior quantidade da enzima estará na forma livre E. Nestas condições, a velocidade de
reação será proporcional à [S] porque o equilíbrio da Equação 1, à medida que [S] aumentar,
será deslocado na direção da formação de mais ES. A velocidade inicial máxima da reação
(Vmáx) será atingida quando praticamente todas as moléculas da enzima estiverem na forma do
complexo ES, e a concentração da enzima livre E é insignificante. Neste caso, diz-se que a
enzima está “saturada” com o substrato e a velocidade da reação não aumenta mais com os
aumentos de [S]. Em solução contendo um excesso de substrato, haverá um período cinético
inicial chamado de estado pré-estacionário, ocorrendo o crescimento da concentração de ES.
O estado pré-estacionário é, usualmente, de duração muito curta. A reação atinge o estado
estacionário muito rapidamente e a concentração do complexo [ES] permanecerá
praticamente constante durante o decorrer do tempo.
1.1 Equação de Michaelis e Menten

A Figura 1 mostra a relação entre [S] e V0 para uma reação enzimática. A curva que
expressa esta relação possui a mesma forma para a maioria das enzimas, sendo expressa pela
Equação de Michaelis e Menten, derivada por estes pesquisadores partindo de sua hipótese
básica de que, nas reações enzimáticas, o passo limitante da velocidade é a quebra do
complexo ES para formar o produto e a enzima livre.

A Equação de Michaelis-Menten (Equação 3) é a equação da velocidade para uma


reação catalisada enzimaticamente e com um único substrato. É uma expressão da relação
quantitativa entre a velocidade inicial V0, a velocidade inicial máxima Vmáx, e a concentração
inicial de substrato [S], todas relacionadas através da constante de Michaelis-Menten, Km. A
constante de Michaelis-Menten é uma constante dinâmica, ou de pseudoequilíbrio, que
expressa a relação entre as concentrações reais no estado estacionário ao invés de
concentrações no equilíbrio.

Vmáx [S ]
V0 = (3)
K m + [S ]

Uma relação numérica importante emerge da Equação de Michaelis-Menten no caso


especial quando V0 é exatamente metade de Vmáx (Figura 1). Então:

K m = [S ] → V0 = Vmáx
1
(4)
2

Km é equivalente à concentração de substrato na qual V0 é igual à metade de Vmáx, e


indica a “afinidade” de uma enzima pelo seu substrato. Quanto menor for o valor de Km,
maior será a afinidade da enzima pelo substrato.

Obs: Vmáx depende do k2, que é uma constante, e da concentração da enzima na experiência
realizada. Vmáx é proporcional à concentração da enzima (Figura 3).

k1 k2
E+S ES E+P (5)
k-1
Figura 3. Gráfico de Vmáx variando de acordo com a [E].

1.1.1 Significado de Vmáx e Km

Todas as enzimas que exibem uma dependência hiperbólica de V0 em relação a [S] são
ditas seguir a cinética de Michaelis-Menten Entretanto, esta equação não depende do
mecanismo de reação relativamente simples de dois passos. Muitas enzimas possuem
mecanismos de reação muito diferentes entre si; como enzimas que catalisam reações com
seis ou oito passos identificáveis, que exibem o mesmo comportamento cinético no estado
estacionário. Portanto, o significado real e a magnitude de Vmáx e Km podem variar de uma
enzima para outra.

O significado real de Km depende de aspectos específicos do mecanismo de reação,


como o número e as velocidades relativas dos passos individuas da reação. Considerando as
reações de dois passos:

k 2 + k −1
Km = (6)
k1

Para a reação de Michaelis-Menten, k2 é o limitante da velocidade; assim, quando k2

<< k-1, Km se reduz ao valor k −1 . Onde esta condição prevalece o Km representa uma
k1
medida da afinidade da enzima pelo substrato no complexo ES. Muitas vezes k2 >> k-1, e

então K m = k 2 . Em outros casos, k2 e k-1 são comparáveis e Km permanece com uma


k1
função mais complexa do relacionamento entre todas as três constantes de velocidade.
A Vmáx também varia muito de uma enzima para outra. Se uma enzima reage pelo
mecanismo de dois passos de Michaelis-Menten, a Vmáx é equivalente a k2[Et], onde k2 é o
passo limitante da velocidade. Entretanto, o número de passos da reação e a identidade do(s)
passo(s) limitante(s) da velocidade podem variar de enzima para enzima.

Exemplo: Liberação do produto EP E + P é limitante da velocidade.

k1 k2 k3
E+S ES EP E+P (7)
k-1 k-2

Na saturação, a maior parte da enzima está na forma EP e Vmáx = k 3 [Et ] . Portanto


pode-se definir a constante kcat para descrever a velocidade limitante de qualquer reação
catalisada por uma enzima nas condições de saturação.

Cada enzima tem valores ótimos de kcat e Km que refletem o ambiente celular, a
concentração do substrato normalmente encontrado in vivo pela enzima e a química da reação
que está sendo catalisada.

1.1.2 Ordem da reação

1.1.2.1 Primeira ordem

• Ocorre quando [S] << Km

Vmáx [S ]
V0 = (8)
Km

Vmáx
Considerando =k:
Km

V0 = k [S ] (9)

Onde:

k: constante de velocidade de primeira ordem (min-1).


A Equação 9 indica que quando [S] é muito pequena, a velocidade absoluta diminui a
cada momento, à medida que [S] decresce (Figura 4). Porém, em um certo momento, uma
fração constante de substrato presente se transforma em produto:

d [S ]
− = V0 = k [S ]
dt

d [S ] 1
k=− ⋅ (10)
[S ] dt
Como V0 diminui com o tempo na região de primeira ordem, gráficos de [S] e [P]
contra o tempo são curvos (Figura 5). Pode-se determinar a quantidade de substrato utilizada
ou de produto formado durante qualquer intervalo de tempo utilizando a equação integrada de
velocidade de primeira ordem, cujo resultado será:

2,3 ⋅ log
[S ]0 = k (t − t 0 ) (11)
[S ]

Figura 4. V0 diminui continuamente com o tempo.

Figura 5. Aparecimento de [P] e desaparecimento de [S] não são lineares com o tempo.
Um gráfico semilog da forma integrada da velocidade de primeira ordem possui uma

inclinação − k , e uma interseção de log [S]0 no eixo de log [S] (Figura 6).
2,3

Figura 6. Gráfico semilog.

Obs: t1/2 é chamado de tempo de “meia vida”, que é o tempo necessário para converter em
produto metade do substrato originalmente presente → relacionado ao k (Equação 12).

0,693
t1 = (12)
2 k

1.1.2.2 Ordem zero

• Ocorre quando [S] >> Km.

Vmáx [S ]
V0 =
[S ]
V0 = Vmáx (13)

1.1.1 Determinações dos parâmetros cinéticos

A Equação de Michaelis-Menten pode ser algebricamente rearranjada em formas que


são mais úteis no tratamento gráfico dos dados experimentais.
1.1.2.3 Lineweaver-Burk

Uma transformação muito empregada é obtida de forma simples, invertendo-se os dois


lados da Equação de Michaelis-Menten:

1 K 1 1
= m ⋅ + (14)
V Vmáx [S ] Vmáx

• Gráfico: 1 contra 1 ;
V S

Km 1
• A linha reta tem inclinação igual a Vmáx , o intercepto no eixo 1 é igual a Vmáx e o
V
1 − 1
intercepto no eixo [ S ] é igual a Km ;

• Vantagem: permitir uma determinação acurada de Vmáx, o que pode ser feito apenas
aproximadamente em gráficos de V versus [S].

Figura 7. Gráfico duplo-recíproco ou de Lineweaver-Burk.

1.1.2.4 Método de Hanes

Consiste simplesmente em multiplicar por [S] ambos os membros da Equação 14.

[S ] = Km
+
1
[S ] (15)
V Vmáx Vmáx
• [ S] varia linearmente com [S];
V

K
• A linha reta tem inclinação igual a 1 , o intercepto no eixo [ S] é igual a m e
Vmáx V Vmáx

o intercepto no eixo [S] é igual a –Km.

Figura 8. Gráfico de Hanes.

1.1.2.5 Método de Eadie-Scatchard

Rearranjando e multiplicando por 1


[S ] os dois lados da Equação 3, obtém-se:
V
V = Vmáx − K m (16)
[S ]
• Gráfico: V versus V
[S ];
• A linha reta tem inclinação igual a − K m , o intercepto no eixo V é igual a Vmáx e o

Vmáx
intercepto no eixo V é igual a .
[S ] Km
Figura 9. Gráfico de Eadie-Scatchard.

1.1.2.6 Forma integrada da Equação de Michaelis-Menten

Km e Vmáx podem ser determinados pelo uso da forma integrada da equação de


velocidade.

d [S ] Vmáx [S ]
V =− =
dt K m + [S ]

Vmáx ⋅ t = 2,3 ⋅ K m ⋅ log


[S ]0 + ([S ] − [S ]) (17)
[S ] 0

Onde:

[S]: concentração de substrato em qualquer tempo t → t = [S ]0 − [P ]

([S ]0 − [S ]) : concentração de substrato utilizado no tempo t → t = [P] (concentração do


produto formado no tempo t).

Dividindo a Equação 17 por t e rearranjando:

2,3 [S ] V
⋅ log 0 = máx −
1 ([S ]0 − [S ])
⋅ (18)
t [S ] K m K m t

• Gráfico:
2,3 [S ]
⋅ log 0 versus
([S ]0 − [S ])
;
t [S ] t
• A linha reta tem inclinação igual a − 1 , o intercepto no eixo
2,3 [S ]
⋅ log 0 é igual
Km t [S ]
e o intercepto no eixo ([S ]0 − [S ])
Vmáx
a é igual a Vmáx .
Km t

Figura 10. Gráfico da forma integrada da Equação de Michaelis-Menten.

Exemplo: Os valores da Tabela 4 mostram a velocidade inicial de formação do produto para


diversos valores de concentração inicial do substrato em uma reação enzimática (Figura 11).

Tabela 1. Velocidade inicial de formação do produto em função da concentração inicial


de substrato.
[S] (g/L) V0 (g/L.h)
0,25 0,78
0,51 1,25
1,03 1,66
2,52 2,19
4,33 2,35
7,25 2,57
3,0

2,0

Vo (g/L.h)
1,0

0,0
0 2 4 6 8
[S] (g/L)

Figura 11. Representação gráfica dos valores da Tabela 1.

Aplicando-se, aos valores da Tabela 1, o método de Lineweaver-Burk e o de Hanes,


obtêm-se os resultados representados, respectivamente, nas Figuras 12 e 13.

1,6

1,2
1/Vo (L.h/g)

0,8
y = 0,228x + 0,3668
0,4 2
R = 0,9991

0,0
0 1 2 3 4 5
1/[S] (L/g)

Figura 12. Determinação de V0 e Km pelo método de Lineweaver-Burk.

1 K 1 1
= m ⋅ +
V0 Vmáx [S ] Vmáx
1 1
= 0,228 ⋅ + 0,3668
V0 [S ]
• Resultados → Portanto,
1 g
= 0,3668 ⇒ Vmáx = 2,73
Vmáx L⋅h
Km g
= 0,228 ⇒ K m = 0,622
Vmáx L
3,0
2,5
2,0

[S]/Vo (h)
1,5
1,0
y = 0,3595x + 0,2419
0,5 2
R = 0,9993
0,0
0 2 4 6 8
[S] (g/L)

Figura 13. Determinação de V0 e Km pelo método de Hanes.

[S ] = Km
+
1
⋅ [S ]
V0 Vmáx Vmáx
[S ] = 0,2419 + 0,3595 ⋅ [S ]
V0
• Resultados → Portanto,
1 g
= 0,3595 ⇒ Vmáx = 2,78
Vmáx L⋅h
Km g
= 0,2419 ⇒ K m = 0,672
Vmáx L

2 Inibição da atividade enzimática

A catálise enzimática pode ser impedida por compostos, que, quando presentes no
meio, ligam-se diretamente à enzima, impedindo sua ação.

2.1 Inibidores reversíveis competitivos

Os inibidores competitivos são substâncias que têm forma estrutural suficientemente


semelhante à do substrato para poderem ligar-se ao sítio ativo da enzima (Figura 14). Faltam-
lhe, entretanto, grupos químicos que pudessem levar a reação a cabo; o resultado da sua
presença no meio de reação é o estabelecimento de uma competição entre as moléculas do
inibidor competitivo e as do substrato pela ligação com o sítio ativo da enzima. Naturalmente,
o porcentual de inibição resultante dependerá de dois fatores: (1) as concentrações relativas de
substrato e inibidor competitivo; (2) da afinidade diferencial da enzima pelo substrato e pelo
inibidor. Por suas características, a inibição competitiva é bastante específica.

Figura 14. Inibidores competitivos.

Como o inibidor se liga reversivelmente à enzima a competição pode se tornar


favorável ao substrato, pela simples adição ao meio de reação de mais substrato, tornando
mínima a probabilidade de uma molécula de inibidor se ligar à enzima. A reação, neste caso,
exibirá uma Vmáx normal. Entretanto, o valor de Km aumentará na presença do inibidor. Este
efeito no Km aparente e a ausência de um efeito em Vmáx são diagnósticos da inibição
competitiva e é facilmente revelado através de um gráfico duplo-recíproco.

A Figura 15 mostra um conjunto de gráficos duplo-recíproco obtidos na ausência do


inibidor e em duas concentrações diferentes de um inibidor competitivo. O aumento de [I]

resulta na produção de uma família de linhas com intercepto comum no eixo 1 , mas com
V0

inclinações diferentes. Devido ao intercepto no eixo 1 ser igual a 1 observa-se que a


V0 Vmáx
velocidade máxima não muda quando a reação ocorre na presença de um inibidor
competitivo, isto é, em uma dada reação enzimática sempre haverá uma concentração tão alta
de substrato que deslocará o inibidor competitivo do sítio ativo da enzima, não importando
quão alta seja a concentração do mesmo.
Figura 15. Gráfico duplo-recíproco da inibição competitiva.

• Equação de Michaelis-Menten com a presença de um inibidor competitivo:

V = Vmáx ⋅
[S ] (19)
⎛1 + [I ] ⎞ + [S ]
Km ⎜ K I ⎟⎠

• Aplicando-se o método de Lineweaver-Burk na Equação 19 (Figura 16):

K m ⎛⎜1 + [I ] ⎞⎟
1
=
1
+ ⎝ KI ⎠ 1
⋅ (20)
V Vmáx Vmáx [S ]
• Determinação de KI:

Figura 16. Determinação de KI.

As Equações (3) e (19) permitem calcular a relação entre as velocidades da reação sem
inibidor e com inibidor:
⋅ [I ]
V0 Km
= 1+ (20)
VI K I (K m + [S ])

Se for possível trabalhar com concentrações de substrato relativamente altas, a


influência do inibidor pode se tornar desprezível (Figura 17).

Figura 17. Influência das concentrações do substrato e do inibidor competitivo na relação V0 .


VI

Curiosidade: A inibição competitiva é empregada terapeuticamente para tratar pacientes que


ingeriram metanol, um solvente encontrado em misturas anticongelantes para veículos
automotores. No fígado da pessoa intoxicada o metanol é convertido em formaldeído pela
ação da enzima álcool desidrogenase. O formaldeído é muito lesivo para os tecidos vivos e a
cegueira é o resultado freqüente da intoxicação pelo metanol, porque os olhos são
particularmente sensíveis. O etanol compete efetivamente com o metanol como substrato para
a álcool desidrogenase. A terapia para o envenenamento com metanol é uma infusão
endovenosa de etanol, que diminui a velocidade de formação do formaldeído, o suficiente
para que a maior parte do metanol possa ser excretado na urina sem maiores danos.

2.2 Inibidores reversíveis não competitivos

O inibidor não compete com o substrato pelo sítio ativo, mas vai ocupar outro sítio da
enzima (sítio regulativo ou de inibição), formando além de complexos ES e EI, um terceiro
complexo, enzima-inibidor-substrato (EIS) (Figura 18). A enzima é inativada quando o
inibidor está ligado, o substrato estando também presente ou não. Uma concentração
infinitamente alta de substrato não consegue levar toda enzima sob forma de ES, que é a
forma produtiva. Para qualquer [I] uma parte da enzima permanecerá sob a forma [EIS], onde
se pode prever que Vmáx será menor que a Vmáx observada na ausência de inibidor. Em geral, o
efeito sobre Km é pequeno ou nenhum.

Figura 18. Inibição não competitiva.

• A equação da velocidade é dada por:

V = Vmáx ⋅
[S ] (21)

K m ⎜⎜1 +
[I ] ⎞⎟ + [S ]⎛⎜1 + [I ] ⎞⎟
⎟ ⎜ K ⎟
⎝ KI ⎠ ⎝ I ⎠

• Aplicando o método de Lineweaver-Burk na Equação 21:

1 K
= m

⎜⎜1 +
[I ] ⎞⎟ 1 + 1 ⎛
⎜⎜1 +
[I ] ⎞⎟ (22)
⎟ ⎟
V Vmáx ⎝ K I ⎠ [S ] Vmáx ⎝ KI ⎠

Na inibição não competitiva, gráficos construídos com os valores de velocidade


obtidos experimentalmente produzem a família de linhas mostrada na Figura 19, com

intercepto comum no eixo 1


[S ]. Isto indica que Km para o substrato não é alterado por um
inibidor não competitivo, mais Vmáx diminui.
Figura 19. Gráfico duplo-recíproco da inibição não competitiva.

2.3 Inibidores reversíveis incompetitivos

Trata-se de uma inibição por bloqueio do complexo ES. Supõe-se que existam na
enzima dois sítios ativos: um reservado ao substrato e outro ao inibidor, mas este último só
pode se fixar de modo reversível sobre o complexo intermediário ES (Figura 20).

Figura 20. Inibição incompetitiva.

A associação enzima-inibidor é não exclusiva. O inibidor não permite ao complexo


ternário ESI evoluir para elaborar o produto. Neste tipo de inibição, a velocidade máxima
(Vmáx) e Km são menores que na ausência de inibidor.

• A equação da velocidade é dada por:


⋅ [S ]
Vmáx
1 + [I ]
KI
V = (23)
+ [S ]
Km
1 + [I ]
KI

• Aplicando o método de Lineweaver-Burk na Equação 23 (Figura 21):

1 K
= m ⋅
1
+
1 ⎛
⋅ ⎜⎜1 +
[I ] ⎞⎟ (24)
V Vmáx [S ] Vmáx ⎟
⎝ KI ⎠

Figura 21. Gráfico duplo-recíproco da inibição incompetitiva.

2.4 Inibidores irreversíveis

Inibidores irreversíveis são aqueles que se combinam com um grupo funcional na


molécula da enzima e que é essencial para sua atividade, estes inibidores podem, também,
promover a destruição de tal grupo (Figura 22). É comum a formação de uma união covalente
entre um inibidor irreversível e uma enzima.

Figura 22. Equação química com a presença de um inibidor irreversível.


Um substrato que se combina irreversivelmente com uma enzima pode assemelhar-se
a um inibidor não competitivo porque Vmáx diminui, ao passo que Km permanece a mesma. A
Vmáx diminui porque parte da enzima é completamente removida do sistema.

• Equação de Michaelis-Menten na presença de um inibidor irreversível (Figura 23):

V I = (Vmáx − k 3 ⋅ [ EI ])
[S ] (25)
K m + [S ]

Figura 23. Influência de [S] na velocidade de reação na presença de um inibidor irreversível.

• Aplicando-se o método de Lineawer-Burk na Equação (25) (Figura 24):

1 1 Km 1
= + ⋅ (26)
VI Vmáx − K 3 [EI ] Vmáx − K 3 [EI ] [S ]
Figura 24. Método de Lineweaver-Burk na inibição irreversível.

3 Influência do meio sobre a atividade enzimática

A estrutura e a forma do sítio ativo são decorrência da estrutura tridimensional da


enzima e podem ser afetadas por quaisquer agentes capazes de provocar mudanças
conformacionais na estrutura protéica. Isto torna a atividade enzimática dependente do meio
ambiente, notadamente do pH e da temperatura.

3.1 Influência do pH

A maioria das enzimas apresenta um valor de pH para o qual a sua atividade é


máxima, a velocidade da reação diminui à medida que o pH se afasta desse valor ótimo, que é
característico para cada enzima, mas com freqüência, está próximo do pH neutro.

Ácidos, pela definição de Brönsted, são compostos capazes de dissociar-se, liberando


H+. Ácidos fracos são aqueles em que a dissociação não é completa, restando em solução
também uma porcentagem do ácido não dissociado; existe, portanto, um equilíbrio químico
que pode ser escrito:

HA ↔ A + H + (27)
As concentrações relativas de HA e de A dependem do pH. Quando o valor do pH é
baixo (alta concentração de prótons), o equilíbrio rearranja-se pelo aumento da concentração
de HA e diminuição da concentração de A. Quando o valor do pH é alto (baixa concentração
de prótons), ocorre o inverso. Os grupos R dissociáveis dos aminoácidos comportam-se de
maneira análoga.

Existe uma concentração hidrogeniônica que propicia um determinado arranjo de


grupos protonados e desprotonados, que leva a molécula de enzima à conformação ideal para
exercer seu papel catalítico. Esse pH ótimo depende do número e tipo de grupos ionizáveis
que uma enzima apresenta, ou seja, depende de sua estrutura primária. Por outro lado, quando
o substrato contém grupos ionizáveis, as variações de pH também poderão afetar sua carga.

A Figura 25 apresenta uma curva experimental da V0 com relação à variação do pH


(curva A) e a curva de estabilidade (curva B) para uma enzima.

Figura 25. Efeito do pH na atividade e estabilidade de uma enzima, curva A: atividade da enzima,
curva B: V0 em pH 6,8 após incubação em outros valores de pH.

Observa-se que a incubação da enzima em pH 5 ou pH 8 não produz nenhum efeito na


atividade medida em pH 6,8. Então, o declínio da atividade entre pH 6,8 e 8 e entre pH 6,8 e 5
deve resultar da constituição de uma forma iônica não adequada da enzima e/ou substrato.
Quando a enzima é incubada em pH > 8 ou pH > 5, a atividade total não é obtida em pH 6,8.
Portanto, parte do declínio na atividade acima de pH 8 e abaixo de pH 5 resulta em uma
inativação irreversível da enzima. O efeito do pH sobre a afinidade pode ser eliminado
utilizando-se altas concentrações de substrato de modo a se saturar a enzima em todos os
valores de pH.
3.2 Influência da temperatura

A influência da temperatura sobre a cinética da reação enzimática deve ser entendida


em duas fases distintas: no princípio, aumentos de temperatura levam a aumentos de
velocidade de reação, por aumentar a energia cinética das moléculas componentes do sistema.
Esse efeito é observado em um intervalo de temperatura compatível com a manutenção da
estrutura espacial da enzima. Temperaturas mais altas levam à desnaturação da enzima por
alterarem as ligações químicas que mantêm sua estrutura tridimensional. Rompidas as pontes
de hidrogênio, que são ligações bastante termolábeis, desencadeia-se uma cascata de
alterações estruturais, levando a enzima a uma nova conformação ou a um estado sem
estrutura definida. A temperatura que provoca desnaturação está, geralmente, pouco acima de
sua temperatura ótima.

Enzimas de baixo peso molecular compostas de uma única cadeia polipeptídica e


possuindo pontes dissulfetos são geralmente mais estáveis ao calor do que enzimas
oligoméricas, de alto peso molecular.

O efeito da temperatura em uma enzima depende de um número de fatores que


incluem o pH, a força iônica do meio e a presença ou ausência de ligantes. Os substratos
freqüentemente protegem a enzima da desnaturação pelo calor.

Na reação enzimática a constante de velocidade k é função crescente da temperatura


do sistema. A influência da temperatura na constante de velocidade k obedece à lei de
Arrhenius (Equação 28):
−α
k = k0 ⋅ e RT
(28)

Onde:

• α: energia de ativação;

• R: constante dos gases perfeitos;

• T: temperatura absoluta do sistema.

A Figura 26 representa a Equação 28.


Figura 26. Representação da variação da constante de velocidade k com a temperatura absoluta T.

Lembrando que as enzimas são termolábeis, ao mesmo tempo que ocorre a reação
enzimática que nos interessa, desenvolve-se também a reação de inativação térmica da enzima
que atua no sistema (Equação 29):

k’
E Enzima inativada (29)

A constante de velocidade desta equação (k’) também é afetada pela temperatura de


acordo com a lei de Arrhenius (Equação 20):
−β
k ' = k 0' ⋅ e RT
(30)

Sendo β a correspondente energia de ativação.

O efeito da temperatura na velocidade das reações é em geral expresso em termos de


coeficiente de temperatura (Q10), fator pelo qual a velocidade aumenta quando a temperatura
aumenta 10ºC (Equação 31):

2,3 ⋅ R ⋅ T2 ⋅ T1 ⋅ log Q10


Ea = (31)
10

4 Regulação da atividade enzimática

No metabolismo celular grupos de enzimas trabalham em conjunto, formando vias


seqüenciais para desenvolver um dado processo metabólico. Nesses sistemas, o produto da
reação da primeira enzima tornar-se o substrato da enzima subseqüente e assim
sucessivamente.
Em cada sistema enzimático, entretanto, há pelo menos uma enzima que determina a
velocidade de toda a seqüência, porque ela catalisa a reação mais lenta ou a reação limitante
da velocidade. Estas enzimas reguladoras têm sua atividade catalítica aumentada ou
diminuída em resposta a determinados sinais, ajustando a velocidade de cada seqüência
metabólica, devido as necessidades de energia e de biomoléculas requeridas no crescimento
da célula e no seu auto-reparo.

A atividade das enzimas reguladoras é modulada através de vários tipos de moléculas


sinalizadoras, as quais são, em geral, pequenos metabólitos ou cofatores. Nas vias metabólitas
existem duas grandes classes de enzimas reguladoras, as enzimas alostéricas e as enzimas
reguladas pela modificação covalente.

4.1 Enzimas alostéricas

As enzimas alostéricas funcionam através da ligação não-covalente e reversível de um


metabólito regulador chamado modulador. Estas enzimas são aquelas que possuem “outras
formas” ou conformações induzidas pela união com moduladores.

Em alguns sistemas multienzimáticos a enzima reguladora é inibida especificamente


pelo produto final da via, sempre que este estiver em excesso em relação às necessidades
celulares. Quando a velocidade da reação catalisada pela enzima reguladora diminui, todas as
enzimas subseqüentes passam a operar em velocidades reduzidas, porque as concentrações de
seus substratos diminuem proporcionalmente. Este tipo de regulação é chamado de inibição
por retroalimentação

Os moduladores das enzimas alostéricas podem ser inibidores ou estimuladores, ou


efetuadores alostéricos negativos ou positivos, respectivamente. O próprio substrato é
freqüentemente um ativador e as enzimas reguladoras para as quais o substrato e o modulador
são idênticos são chamadas de homotrópicas, quando o modulador é uma molécula diferente
do substrato a enzima é heterotrópica. Algumas enzimas têm dois ou mais moduladores.

Em adição ao sítio ativo ou catalítico, as enzimas alostéricas geralmente têm um ou


mais sítios reguladores ou alostéricos para a ligação do modulador, sendo este específico para
o seu modulador. As enzimas com vários moduladores geralmente têm sítio de ligação
diferente e específico para cada um deles.
Outras diferenças entre as enzimas não reguladoras e as alostéricas envolvem as
propriedades cinéticas. As enzimas alostéricas mostram relações entre V0 e [S] que diferem do
comportamento enzimático normal, do tipo Michaelis-Menten. Elas exibem saturação quando
[S] é suficientemente alta, mas para algumas enzimas alostéricas quando V0 é colocada em
gráfico contra [S] resulta em uma curva com saturação sigmóide e não na curva hiperbólica
exibida pelas enzimas não reguladoras (Figura 27).

Figura 27. Comparação de uma enzima reguladora com uma não reguladora; 1. Enzima não reguladora
(Michaelis-Menten), 2. Enzima reguladora.

As enzimas alostéricas mostram diferentes respostas em suas curvas de variação da


atividade em função da concentração do substrato porque algumas possuem moduladores
inibidores, outras moduladores ativadores e várias possuem os dois tipos.

4.2 Modificação covalente

Algumas enzimas são submetidas a um processo de regulação que consiste na ligação


covalente de um grupo químico à sua estrutura. Um exemplo freqüente é a transferência de
um grupo fosfato, proveniente do ATP, para a enzima-alvo (Figura 28). Naturalmente, a
presença do grupo fosfato acarreta a mudança da conformação espacial da enzima, com duas
conseqüências possíveis: para algumas enzimas a nova conformação é cataliticamente inativa;
para outras, só então se forma um sítio ativo funcional. Assim, quando várias enzimas são
simultaneamente fosforiladas, o metabolismo é drasticamente alterado, sendo acionadas vias
que estavam inativas e inibidas vias até então funcionando.

Figura 28. Modificação covalente de uma enzima.


APÊNDICE

Dedução da Equação de Michaelis e Menten

A dedução inicia-se com as duas reações básicas envolvendo a formação e o


desaparecimento de ES (Equações 1 e 2). Nos primeiros momentos da reação a concentração
do produto [P] é negligenciável e para simplificar podemos assumir que k-2 pode ser ignorado.
A reação reduz-se, então, a:

k1 k2
E+S ES E+P (1)
k-1

A V0 é determinada pela quebra de ES para formar o produto e, portanto, é dependente


de [ES]:

V0 = k 2 ⋅ [ES ] (2)

Como [ES] na Equação 2 não é facilmente medida experimentalmente, precisamos


descobrir uma expressão alternativa para [ES]. Primeiro introduziremos o termo [Et]
representando a concentração total da enzima (ou seja, a soma das concentrações das enzimas
livre e ligada ao substrato). Logo, a concentração da enzima livre, ou não ligada ao substrato,
pode ser representada por [Et] – [ES]. Ainda, como [S] é ordinariamente muito maior que
[Et], a quantidade de substrato ligada à enzima em qualquer momento da reação é
negligenciável quando comparada com [S].

4.2.1 Passos para a Equação de Michaelis e Menten

• Passo 1: As velocidades de formação e desaparecimento de ES são determinadas pelos


passos governados pelas constantes de velocidade k1 (formação) e k-1 + k2
(desaparecimento), de acordo com as expressões a seguir:

Velocidade de formação de ES: ES = k ([Et ] − [ES ])[S ] (3)

Velocidade de desaparecimento de ES: ES = k −1 [ES ] + k 2 [ES ] (4)


• Passo 2: Assume-se, agora, que a velocidade inicial da reação reflete um estado estacionário
no qual [ES] é constante, isto é, a velocidade de formação de ES é igual à velocidade de
desaparecimento. Estas condições assim assumidas definem o estado de equilíbrio
estacionário. No estado estacionário, as expressões nas equações 3 e 4 podem ser igualadas
para dar:

k1 ([Et ] − [ES ])[S ] = k −1 [ES ] + k 2 [ES ] (5)

Passo 3: Desenvolvemos, agora, uma série de passos algébricos para resolver a Equação 5 em
k1 [Et ][S ]
função de [ES]. [ES ] = (6)
k1 [S ] + k −1 + k 2

Simplificando ainda mais esta última expressão de forma a que todas as constantes de
velocidade estejam combinadas em um único termo:

[ES ] = [Et ][S ] (7)


[S ] + (k 2 + k −1 ) k
1

O termo
(k 2 + k −1 ) é definido como a constante de Michaelis-Menten, Km.
k1
Substituindo esta na Equação 7, a expressão simplifica-se para:

[ES ] = [Et ][S ] (8)


K m + [S ]

• Passo 4: V0 pode agora ser expressa em termos de [ES]. A Equação 8 é empregada para
substituirmos [ES] na Equação 2, dando:

k 2 [Et ][S ]
V0 = (9)
K m + [S ]

Como a velocidade máxima ocorrerá quando a enzima estiver saturada e, portanto,


[ES] = [Et], Vmáx pode ser definida como k2[Et]. Substituindo esta expressão na Equação 9
obtemos:

Vmáx [S ]
V0 =
K m + [S ]

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