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A revolução dos auditores

21/01/2016

A presidente Dilma vetou na semana passada a proposta do deputado


Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) de realizar uma auditoria da dívida
pública no âmbito do Ministério da Fazenda. O veto causou comoção
em setores da esquerda, que defendem que a identificação das origens
da dívida desde os tempos do regime militar poderia levar à anulação
de parte significativa do montante devido, como ocorreu no Equador.

Em particular, os defensores da auditoria argumentam que boa parte


da dívida pública foi contraída como fruto de práticas ilegais dos
diversos entes da Federação dé- cadas atrás e que estaríamos pagando
juros sobre juros nesses papéis. Isso justificaria que grande parte da
dívida atual fosse cancelada, o que supostamente abriria espaço para
mais gastos com educação, saúde e outros serviços públicos
fundamentais.

Primeiro, quanto ao "juros sobre juros". A dívida pública evolui com


dois componentes: o superavit primário (diferença entre receitas e
gastos do governo antes do pagamento de juros) e as despesas com
juros sobre a dívida acumulada. Nos anos em que o superavit primário
não é suficiente para cobrir a despesa com juros, a dívida aumenta. O
governo adia pagamentos trocando títulos públicos vencidos por títulos
novos, na chamada rolagem da dívida, e passa a pagar juros sobre os
últimos.

Segundo, sobre criar espaço para outros gastos. Caso a meta de


superavit primário fosse fixada de modo a estabilizar a dívida, a
eliminação de parte das despesas com juros, exorbitantes no Brasil,
poderia até permitir um aumento de gastos com outras rubricas. Mas
não é esse o caso: a meta segue objetivos um tanto quanto arbitrários.
Terceiro, não há dúvidas de que bandalheiras históricas estão na
origem de parte da dívida atual. O combate à corrupção e a maior
transparência devem ser sempre exigidas, seja pelo fortalecimento dos
órgãos de controle, seja pela abertura das informações no Portal da
Transparência e outros meios.

No entanto, cancelar a parte da dívida que seria oriunda de ilega-


lidades não é a panaceia que aparenta ser. Diferentemente do Equador,
cuja dívida foi contraída por contratos onerosos de emprésti- mo junto
a bancos internacionais, o governo há muito tempo ven- de seus títulos
no mercado em moeda nacional.

Anular uma parte da dívida e deixar de pagar juros a seus detentores


atuais, que nada têm a ver com a bandalheira original, criaria
artificialmente um risco de default e acabaria por elevar a taxa de juros
exigida sobre novos títulos emitidos.

Ademais, a demonização da dívida pública que permeia esses


argumentos acaba somando forças à defesa ideológica da austeridade,
tão recorrente nos dias atuais. O estoque atual da dívida brasileira não
é alto nem do ponto de vista histórico nem para padrões
internacionais. O que é alta é a nossa taxa de juros, que vem tornando
inócuas as tentativas de reduzir a dívida por meio de ajuste nas contas
públicas.

Em particular, quando o Banco Central eleva a taxa Selic, provoca


aumento imediato no fluxo de pagamento de juros sobre todo o
estoque da dívida indexado a ela, as chamadas Letras Financeiras do
Tesouro. Felizmente, a discussão sobre o caráter concentrador de
renda dessas (e outras) despesas e da estrutura tributária brasileira já
pode ser feita –gratuitamente– a partir de dados públicos.

Por Laura Carvalho

Publicado em <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/2016/01/1731770-a-
revolucao-dos-auditores.shtml>

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