Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
À LUZ DA LINGUAGEM
A iluminação cênica:
de instrumento da visibilidade à ‘Scriptura do visível’
(Primeiro recorte: do Fogo à Revolução Teatral)
À LUZ DA LINGUAGEM
A iluminação cênica:
de instrumento da visibilidade à ‘Scriptura do visível’
(Primeiro recorte: do Fogo à Revolução Teatral)
__________________________
__________________________
__________________________
3
DEDICATÓRIA:
Dedico este trabalho á Jacó Guinsburg, pela presença e debate de idéias como
orientador durante o mestrado, que me têm feito procurar as razões essenciais do
meu trabalho. Mas também por sua importância na minha formação, a que sou
imensamente grata. Jacó Guinsburg “fez a cabeça” da minha geração. Instigou-
nos à reflexão, ao prazer por pensar, à curiosidade pelo estudo, à busca de uma
praxis continuada no fazer teatral. E isso é visível no teatro que fazemos.
Dedico também aos meus “mestres” na luz – Que além de me ensinar me deram
coragem para este salto no escuro: Hamilton Saraiva, meu primeiro professor;
David de Brito, mestre entre os mestres; Marcio Aurélio, diretor e parceiro dos
inícios; Zé Celso, meu diretor querido.
4
RESUMO
um recorte de tempo que vai do fogo à revolução teatral, com ênfase no período
de 1880 a 1914.
ABSTRACT
The present research project’s aim is to investigate the development of the stage lightning
language in its relation with the ways of stage performance. The central aspect is the
and structuring stage language. Through a broad approach over theatres’s History and
aesthetics, I intent to point out the exemplary works, in order to describe this
transformation process and its variables, stablishing concepts for a specific analysis of
stage lightining. The dissertation covers a time period which goes from the usage of fire
until the theatrical revolution, emphasizing the years in between 1880 to 1914.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
A LUZ E A VISIBILIDADE
CAPÍTULO 2
ANTECEDENTES DA AÇÃO: FLASHES DA HISTÓRIA DA
ILUMINAÇÃO CÊNICA DO SOL ÀS VÁRIAS FORMAS DO FOGO.
2.1. INTRODUÇÃO: FIAT LUX... E A LUZ GEROU A SOMBRA
CAPÍTULO 3
A LUZ ELÉTRICA ENTRA EM CENA
CAPÍTULO 4
A REVIRAVOLTA: O SURGIMENTO DA ENCENAÇÃO E A LUZ
CAPÍTULO 5
O NATURALISMO E A DESCOBERTA DAS “ATMOSFERAS” NA LUZ
5.1 O NATURALISMO E A SUA SUPERAÇÃO ou DO REAL À
SUBJETIVIDADE
6
2ª PARTE - A LUZ ATRAVESSA O VISÍVEL
OU O SIMBOLISMO E A LUZ COMO LINGUAGEM
CAPÍTULO 6
O SIMBOLISMO E AS ILUMINAÇÕES
CAPÍTULO 7
LOÏ FÜLLER – O TEATRO DANÇA A LUZ
CAPÍTULO 8
ADOLPHE APPIA da luz ativa à luz viva.
CAPÍTULO 9
GORDON CRAIG a luz contracena com a matéria
CAPÍTULO 10
UMA REINVENÇÃO DA LUZ PARA NOVAS RELAÇÕES ESPACIAIS
OU A REVOLUÇÃO ALEMÃ NA LUZ
10.1 O KÜNSTLER-THEATER DE MUNIQUE
Peter Behrens, Max Littmane Fritz Erler, Georg Füchs
CAPÍTULO 11
MEIERHOLD as encenações simbolistas e a luz
CAPÍTULO 12 - CONCLUSÃO
À LUZ DA LINGUAGEM
7
INTRODUÇÃO
DA ORIGEM
1
Uma reviravolta na minha vida fez com que no início de 2006, portanto
ainda na primeira fase da pós-graduação, eu fosse escolhida, por concurso
público, à cadeira de iluminação teatral do Departamento de Artes Cênicas
da Universidade de São Paulo.
2
É importante notar aqui a existência, como oásis no deserto, de duas
obras fundamentais: a dissertação de mestrado do Prof. Dr. Hamilton
Saraiva: Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. São Paulo:
ECA/USP, 1990, 2 vol. E o excelente livro de Roberto Gill Camargo, A
Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de Cultura, 2000.
8
Com base nestes dois focos de interesse, o primeiro voltado para um
aprofundamento estético e o segundo para uma pesquisa histórica (que estavam
à princípio separados, cindidos e estanques na minha cabeça) meu orientador
propôs uma articulação fundamental entre eles, dando origem ao atual projeto:
partir de uma pesquisa histórica para proceder à uma análise estética e, a partir
da análise de casos exemplares, estabelecer o percurso de constituição da
linguagem.
DO MÉTODO
Quanto à bibliografia:
3
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990, 2 vol.
4
Camargo, Roberto Gill; A Função Estética da Luz, TCM Comunicação,
Sorocaba, SP, 2000.
5
Bablet, Denis – “A Luz no Teatro” in O teatro e sua Estética, Lisboa:
Ed Arcádia, 1968.
6
Nesse aspecto gostaria de agradecer imensamente aos professores do
Departamento de Artes Cênicas da ECA/USP que abriram suas bibliotecas
pessoais e me emprestaram obras de difícil acesso, que foram fundamentais
para a realização desse trabalho.
10
conclusões, não somente a posteriori, mas também no exato momento em que as
palavras brotavam ou eram tiradas a fórceps da minha consciência de marinheira
de primeira viagem. Tive, portanto, o privilégio de dar os meus primeiros passos
na pesquisa e reflexão artística ao lado de um mestre, que, como todo grande
mestre me ensinou no passo a passo desse trabalho a me tornar mestre de mim
mesma, uma e outro em uma mesma terceira pessoa concreta. Como um ator
que traz em si, na concretude da cena, o autor e o diretor, para ser a um só
tempo: pessoa, personagem e terceiro olho, em ação.
7
Embora essa acepção ainda não estivesse absolutamente generalizada na
prática teatral, suas bases já estavam lançadas e muito bem entendidas na
experiência e na concepção de alguns encenadores e teóricos da arte do
espetáculo.
11
Esse processo de constituição da luz como linguagem tem antecedentes
importantes, principalmente no Renascimento italiano, mas concentra grande
parte do seu desenvolvimento prático e principalmente teórico a partir de 1880,
momento em a luz elétrica entra definitivamente em cena e começa uma forte
imbricação entre a encenação moderna e o desenvolvimento da linguagem da
iluminação cênica. Privilegiamos, portanto, o detalhamento da pesquisa nesse
período.
12
objetivo deste trabalho não é, nem poderia ser, abarcar toda a história da
iluminação, mas retirar dela os pontos de apoio para entender a constituição da
linguagem que usamos hoje. Escolhemos então nesse período trabalhar a partir
de flashes, clarões que ressaltam momentos significativos de mudança na
iluminação, tanto do ponto de vista técnico quanto estético e que nos permitiram
construir uma linha de pensamento.
13
maioria dos casos, têm uma reflexão própria sobre a encenação, incluindo aí a
iluminação cênica.
8
Embora um grilo falante sussurre em nossos ouvidos o aviso de Einstein
sobre a quarta guerra mundial, entre porretes e tacapes.
14
DO OBJETO
15
1ª PARTE – A LUZ EM BUSCA DO VISÍVEL
16
CAPÍTULO 1
A LUZ E A VISIBILIDADE
Por ser tão mediada, a luz para nós não existe em si, mas torna-se luz para
os nossos olhos na medida em que ilumina a matéria e reflete, formando um
contexto complexo de informações, todas elas relativas entre si. Assim como os
sons o que percebemos depende de um conjunto de relações, entre a fonte de
17
luz, suas características determinadas, o ângulo em relação aos objetos e aos
olhos dos espectadores, o contraste entre a luz e suas sombras, o contraste entre
as cores, emitidas, filtradas, refletidas e a sua resultante final para os olhos, as
relações entre o que está mais ou menos iluminado, a quantidade de luz que vem
antes e a que vem depois. Enfim, uma orquestração de estímulos relacionados
entre si. Assim, quando falamos em iluminação cênica, estamos pensando não só
em tornar visível, mas em construir uma visibilidade determinada. Não se trata
apenas de ver, mas como ver.
18
CAPÍTULO 2
ANTECEDENTES DA AÇÃO:
FLASHES DA HISTÓRIA DA ILUMINAÇÃO CÊNICA
DO SOL À LÂMPADA
Este capítulo busca, portanto, fazer um vôo sobre esses séculos sem
nenhuma pretensão de aprofundar-se em qualquer tema ou período, com o
objetivo único de pinçar na história do teatro diferentes utilizações da luz do fogo,
da tocha ao gás, para que possamos perceber e pensar o desenvolvimento da
idéia de iluminação cênica e de suas funções no decorrer da história do teatro,
sem achar que o nosso tempo histórico é soberano e inventou tudo do nada.
No início era o Dia e a Noite e o percurso do Sol pela abóbada celeste visto
da Terra. O estudo da luz do Sol, percebida através do olho humano, com suas
variações de distâncias e ângulos, intensidades e cores, sempre foi para o
homem motivo de inspiração e reflexão.
9
O espectro das radiações eletromagnéticas perceptível pelo olho humano
é chamado de “luz” e compreende uma pequena faixa de comprimento de onda
19
“Luz” carrega em si muitos outros significados, como por exemplo, a luz divina, a
comunicação entre deuses e homens e o próprio nascimento da vida.
Como toda vida tem sua morte, todo Deus seu lado terrível, toda luz gera
sombra. A noção de luz e sombra como elementos opostos, complementares, e
originários faz parte da história da cultura, das artes e das religiões em muitas
culturas. Segundo, Hermilo Borba Filho, uma das primeiras danças dramáticas de
que temos notícia é o Drama da Paixão Egípcia, cujo tema principal é a luta da luz
contra as trevas:
12
“Vestido com o branco ritual, o público chegava em grande número às
primeiras horas da manhã ‘Um enxame branco’ é como o chama Ésquilo”
Berthold, Margot, História Mundial do Teatro. São Paulo: Ed Perspectiva, São
Paulo, 2003. p. 114.
13
Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro: ed. O
Cruzeiro, 1968; p.34.
21
Desta forma a questão da visibilidade do
espetáculo tinha de ser cuidadosamente estudada, a
escolha do local da representação em relação á platéia
precisava levar em conta, entre tantas outras variáveis, a
direção e o ângulo do Sol. Assim o Sol, que nasce a
leste e se põe a Oeste, deveria iluminar a cena de forma
oblíqua, nascendo e se pondo por trás dos espectadores
á direita ou á esquerda da Skené, para que iluminasse
os atores, sem cegar a platéia que olha em direção à cena. Como demonstra o
desenho ao lado que representa o eixo do espaço da performance no teatro de
Dionísos, em Atenas 14:
14
Wiles, Davis. Tragedy in Athens: performance space and theatrical
meaning. Cambridge University Press, 1997, p.57 apud Pollini, Denise.
Eurípides, A Cenografia e os Mecanismos Cênicos do séc. V a.C. Dissertação de
Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 2004.p. 113.
15
Sobre a descrição dos locais e dos elementos da arquitetura do Teatro
Grego: Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro:
ed. O Cruzeiro, 1968; pp.32 a 34; Berthold, Margot, História Mundial do
Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo, 2003; pp. 113 a 118 e Pollini, Denise. Eurípides, A
Cenografia e os Mecanismos Cênicos do séc. V a.C. Op. Cit. pp. 15 a 21.
22
Os efeitos especiais luminosos realizados com fogo ou reflexão da luz do
sol em superfícies polidas, principalmente nos momentos de clímax, aparição de
deuses ou seres maravilhosos, são tradição no teatro e existem registros de sua
utilização desde a tragédia grega.
Mas não por acaso, o grande exemplo da luz como convenção e que tem
início no teatro grego, é a utilização da luz do fogo como signo da noite, como nos
indica Roberto Gill Camargo:
È bem significativo que à noite o fogo sirva para iluminar a cena, que
necessita ser vista, independente de qualquer indicação de ‘tempo’ e ‘espaço’ no
âmbito da ficção; mas ao contrário, um ator que porta uma tocha em plena luz do
dia, representa uma personagem que necessita do fogo para ver, portanto
encontra-se, na ficção, em meio à escuridão – à noite ou em local escuro, como
uma caverna ou uma floresta fechada. Esta convenção teatral talvez seja o
primeiro lampejo da luz utilizada como linguagem. Nesse caso a luz do fogo traz
16
Não encontramos mais indicações ou detalhes sobre esse efeito de
projeção no teatro grego, à luz do dia, nem ao menos outra menção. Como
não sabemos as fontes de Hermilo, apenas indicamos a citação.
17
Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro: ed. O
Cruzeiro, 1968; p.33.
18
Camargo, Roberto Gill. A Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de
Cultura, 2000. p. 14.
23
consigo o signo de seu oposto, a escuridão. Reiterando a noção de contraste
como princípio fundamental da iluminação, mesmo do ponto de vista simbólico.
24
OS MISTÉRIOS E O FOGO DA BOCA DO INFERNO
20
“O caminho da celebração litúrgica ao espetáculo teatral, que a Igreja havia
encetado e incentivado, fundia-se agora com o da ascendente população urbana
européia, que, nos séculos seguintes, determinaria o curso da história e dessa
forma, também o aspecto do teatro ocidental.” Berthold, Margot, História Mundial
do Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo, 2003. Pág. 203.
21
Rosenfeld, Anatol. O Teatro Épico. São Paulo: Editora Perspectiva,
1985.p.49.
25
22
Imagem do Mistério da Paixão de Valenciennes, 1547
22
Berthold, Margot, História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva,
2003. Pág. 230.
23
Hauser, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo:
Mestre Jou, 1980-1982. Volume 1.p. 350.
26
efeitos especiais: as bocas do inferno tinham mecanismos de abrir e fechar as
mandíbulas e de soltar fumaça e línguas de fogo acesas artificialmente com
líquidos inflamáveis.
24
Boca do Inferno, Dresden, 1695
24
Berthold, Margot; História Mundial do Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo,
2003; p.202.
27
O TEATRO PROFANO
26
É fácil imaginar que suas representações utilizassem efeitos com fogo .
Hamilton Saraiva cita em sua tese de mestrado um desenho de palco de rua
francês de 1540, reproduzido abaixo, que se encontra na Biblioteca Municipal de
Cambrai.27
25
Berthold, Margot. História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva,
2003. Pags. 242 a 267.
26
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990.p. 8.
27
Berthold, Margot. História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva,
2003. p. 256.
28
Esse desenho mostra a utilização de fogo para iluminar um palco de
ambulantes. Podemos perceber pelo desenho que os dois recipientes com fogo já
formam uma pré-ribalta, inteligentemente colocadas na diagonal, o que completa
melhor a iluminação dos dois lados do corpo, do que se viesse da frente,
ofuscando menos a visão da platéia.
29
2.4 O RENASCIMENTO E O RAIAR DAS LUZES NO TEATRO
ANTECEDENTES DA AÇÃO
28
A partir de 1456, com a publicação da Bíblia de Guttemberg, a técnica
da tipografia possibilita a multiplicação dos textos escritos. Em 1467 o
Papa Paulo II instala o primeiro prelo em Roma, publicando importantes
obras em grego e latim.
29
O Mecenato é empreendido por grandes famílias italianas e pela própria
igreja católica. Os papas humanistas da Contra Reforma abrem o seio da
Santa Madre Igreja Católica para a paixão pela Antiguidade, assim como o
interesse pelas artes e as ciências naturais.
30
O desenvolvimento da navegação; a tipografia e o desenvolvimento de
técnicas de produção mecânicas que aumentam a produção dos artesãos.
31
O comércio entre o Ocidente e o Oriente, via península Itálica, gera
uma grande acumulação de capital nas mãos das cidades-estados italianas,
conseqüência de um forte do mercantilismo comercial.
32
A relativa independência política de cada uma destas cidades.
30
Na Itália a retomada da literatura dramática começa com o Teatro dos
Humanistas, que promovem leituras, declamações e, na seqüência,
representações das comédias e tragédias latinas; que logo incitam á produção de
novos textos inspirados na forma clássica. O teatro renascentista estabelece a
Poética de Aristóteles como ponto de referência para a teoria dramática.
Do século XVI até o fim do século XIX, o fogo – em suas múltiplas formas e
através de inúmeras técnicas diferentes de combustão, controle e transformação
da luz – será a principal fonte de luz do teatro.
33
“A vela de cera, invenção dos fenícios (cerca de 300 d.C) foi por
muito tempo o único iluminante dos teatros.” Camargo, Roberto Gill; A
Função Estética da Luz, TCM Comunicação, Sorocaba, SP, 2000, p.15.
31
Na França, os palcos-plataformas franceses com seus Mistérios são os
primeiros a serem transferidos para grandes salões em hotéis ou palácios, ao
abrigo da corte.34 A iluminação a princípio ficava a cargo dos candelabros
originais, acrescidos de uma quantidade suplementar de velas. No primeiro
momento as representações em salões e festas, ligados às cortes absolutistas
francesas, trazem consigo a idéia de grandiosidade e luxo como fim estético, a
iluminação segue então a falsa idéia de que quanto mais velas, mais brilho e luz,
portanto a cada nova representação, multiplicam-se as velas por todos os lados,
ofuscando a platéia com seu brilho.
34
“Sobretudo em Paris, desde muito cedo há a tendência de transferir o
espetáculo para um teatro fechado (...) A ‘Confrérie de la Passion’, de
Paris, representava desde o ano de 1411 em interiores, - a princípio no
hotel Fe La Trinité, depois no Hôtel de Flandre e, finalmente, no Hôtel
de La Bourgogne, onde o teatro francês mais tarde lançou as bases de sua
brilhante carreira com Molière e a Commedie Itallienne”. Berthold,
Margot, História Mundial do Teatro. São Paulo: Ed Perspectiva, 2003. P.227.
32
O desenvolvimento da arquitetura renascentista na Itália – inspirado pela
35
publicação de Vitrúvio em 1486 e regido por regras áureas da geometria e da
matemática – leva à construção de teatros a partir das formas e proporções dos
teatros romanos (como mostra abaixo uma fotografia do Teatro Olímpico de
Vicenza). Estes teatros eram construídos de forma a aproveitar a iluminação
natural: nas apresentações diurnas a cena era iluminada através de grandes
clarabóias no centro da construção e janelas atrás da platéia. Entretanto à noite a
iluminação artificial era necessária.
36
Imagem - Interior do teatro olímpico de Vicenza
35
“Se fôssemos escolher um marco para a ‘Renascença” do teatro, a data
seria 1486.(...) E foi nesse ano também que saiu do prelo a De
Architectura (10 livros sobre a Arquitetura) de Vitrúvio, uma
contribuição essencial para plasmar o palco e o teatro segundo o modelo
da Antiguidade.” Berthold, Margot; História Mundial do Teatro, Ed
Perspectiva, São Paulo, 2003, p.270.
36
“O melhor exemplo ainda hoje existente de um teatro renascentista
italiano é o Teatro Olímpico de Vicenza. Foi construído por Andréa
Palladio, que, após colaborar com Bárbaro na edição que este fez de
Vitrúvio, propôs-se a tarefa de reconstruir um teatro Romano antigo. A
nova casa foi inaugurada em 1584, com Édipo Rei de Sófocles.” Id. Ibid.,
p.287.
37
“Do século XVI em diante, os teatros em palácios assumiram
importância, tanto do ponto de vista da história cultural, quanto do da
Arquitetura”. Id. Ibid., p. 291.
33
O RENASCIMENTO E O DESENVOLVIMENTO DA CENOGRAFIA,
CENOTÉCNICA E ILUMINAÇÃO.
38
“A invenção da perspectiva central é, antes de tudo, expressão do
desejo renascentista de conquistar e dominar a realidade empírica no
plano artístico. Ela é sintoma de uma deslocação do foco de valores: a
transcendência cede terreno à imanência, o outro mundo a este, o céu à
terra. A perspectiva coloca a consciência humana - e não a divindade – no
centro; ela projeta tudo a partir deste foco central.” Rosenfeld, Anatol.
Traços Épicos no Teatro Pós-Medieval (Renascimento e Barroco) in O Teatro
Épico. São Paulo: Editora Perspectiva, 1985, p.54.
34
estudados e relidos pelos principais encenadores do século XX, como, por
exemplo, Edward Gordon Craig e Max Reinhardt.
39
“Para aumentar o efeito perspectívico acentua-se a tendência a separar
palco e platéia. Esta separação se destacará ainda mais (...) na medida
em que os palcos se fecham em prédios, pela instalação da ribalta que
dota a cena de sua própria luz. O público, por sua vez, que antes
comungava da mesma luz da cena (quer do sol, quer das velas e lâmpadas),
pouco a pouco é envolto em penumbra, como se não existisse para o palco,
enquanto este, luminosa lanterna mágica, desenvolve para a platéia em
trevas toda a sua força hipnótica.” Rosenfeld, Anatol. Traços Épicos no
Teatro Pós-Medieval (Renascimento e Barroco) in O Teatro Épico. São
Paulo: Editora Perspectiva, 1985, p.55.
40
Encontramos algumas tentativas de apagar totalmente a luz da platéia,
mas elas não funcionam porque a função social do espetáculo necessita que
a platéia se veja no teatro.
35
quantidade de fontes de luz do palco e, finalmente, adotam as luzes da
ribalta como iluminação principal da cena. A ribalta, localizada na fronteira
entre o palco e a platéia, além de promover uma luz mais intensa, cria um
abismo físico e luminoso entre esses dois mundos.
41
Gostaríamos de declarar aqui que infelizmente não foi possível ler
diretamente a obra de Sebastiano Sérlio. Lemos as seguintes fontes:
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990; Camargo, Roberto Gill.
A Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de Cultura, 2000. Streader, Tim e
Williams, John A. Create Your Own Stage Lighting. New Jersey: Prentice Hall Inc., 1985.
Moussinac,Léon. História do Teatro das origens aos nossos dias. Trad.
Mario Jacques. Portugal: Livraria Bertrand, s/d. Keller,Max. Light
Fantastic. The Art and Design of Stage Lighting. Munique: Prestel Verlag
2006.
42
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica.
Op. Cit. p.15.
37
Para iluminar a cena, ou seja, como luz geral: descreve o uso comum de
velas em lustres, dispostos no alto, lâmpadas de azeite de baleia penduradas em
grande quantidade e bacias de água com óleo vegetal no chão. Para estas luzes
de chão, propõe criar um “espelho”, composto do mesmo latão da bacia, bem
polido, para esconder as chamas da platéia e refletir mais luz para a cena.
Preocupa-se em esconder todas as fontes de luz (menos os lustres do alto) dos
olhos da platéia, para não ofuscá-la, tornando então a cena mais clara.
43
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990, p.14.
44
Já realizei esta experiência em sala de aula para iluminar uma cena de
“A Vida é Sonho” e o efeito é muito bonito. Como as fontes de luz têm
movimento os reflexos coloridos são bem diferentes da cor regular
resultante dos filtros coloridas em lâmpadas elétricas.
38
Indica a utilização de metais polidos (latão) para refletir as luzes das
velas e criar brilhos e raios.
É importante notar aqui que a separação que Sebastiano Sérlio faz entre
as fontes de luz “para iluminar” e as demais luzes já caracterizam do ponto de
vista conceitual uma separação de planos de luz, por função: a iluminação como
instrumento da visibilidade, representada pela iluminação geral, as luzes laterais,
que desenham o espaço, os “efeitos” que têm função dramática, como raios e
incêndios. Sobre essa distinção proposta por Sebastiano Sérlio, conclui Max
Keller:
Eu acrescentaria mais uma distinção realizada por ele, não na teoria, mas
na prática, as luzes coloridas, que servem para criar diferentes “atmosferas” na
cena.
45
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica.
Op. Cit. p.15.
46
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica.
Op. Cit. p.15.
47
Keller, Max. Light Fantastic. The Art and Design of Stage Lighting.
Op. Cit. p. 16.
39
JACOPO BAROZZI DA VIGNOLA (1507 – 1573)
48
Incidência a 45º da aresta de um cubo.
49
Incidência a 45º do canto do cubo.
50
Guinsburg, Jacó; Leone de’Sommi: Um Judeu no Teatro da Renascença
Italiana. São Paulo: Ed Perspectiva, 2001, P.16.
40
Sceniche – onde discute suas concepções e práticas sobre o fazer teatral. Nestes
diálogos, entre vários aspectos da cena, expõe suas idéias sobre a iluminação do
palco e também da platéia, propondo uma função para a iluminação no
espetáculo absolutamente inovadora para sua época. Para além da questão da
visibilidade, afirma que a quantidade e qualidade da luz têm influência na
atmosfera da cena e na relação emocional entre o espectador e o espetáculo.
Transcrevemos a seguir alguns trechos da sua obra por considerá-los de suma
importância para esse trabalho:
51
Sommi, Leone de’. Quatro Diálogos em Matéria de Representação Cênica
in Guinsburg, Jacó; Leone de’Sommi: Um Judeu no Teatro da Renascença
Italiana. São Paulo: Ed Perspectiva, 2001, p. 111, 112. (IV Diálogo)
41
espetáculo a função moderna do cenógrafo, acrescida do cuidado com as luzes).
Podemos apreender também deste trecho a distinção entre diferentes funções da
iluminação, cada qual com suas fontes de luz específicas e separadas: existem as
tochas que iluminam o palco, as luzes que servem à perspectiva (provavelmente
luzes laterais) e as lâmpadas espalhadas “pelos tetos das casas em cena”, que
fazem parte da própria ficção – “signos de alegria” – uma luz com função
atmosférica. Cabe notar ainda que mais do que a quantidade ou a qualidade da
luz, em si, o que interessa a Leone de´Sommi é a transformação em cena desta
quantidade ou qualidade da luz, ou seja, é no movimento da iluminação, que ele
obtém o forte efeito emocional desejado sobre a platéia.
52
Idem Ibidem, p. 114. (IV Diálogo)
42
Esta preocupação inaudita com o olhar da platéia prenuncia uma
importante questão para o teatro moderno – a relação entre a cena e o público,
expressa também pela separação luminosa, ou não, entre o palco e a platéia. 53
53
“Assim Leone de’Sommi evidencia um senso de iluminação cenográfica
que, embora limitado quanto aos recursos técnicos, pouco fica a dever às
premissas básicas da moderna encenação. (...) Pois a sua recomendação de
manter o auditório no escuro, numa época em que costumava em geral
iluminá-lo (...) desenham, na verdade, mais do que simples disposições
pragmáticas, uma visão incomum do caráter do espetáculo como fenômeno
teatral e da relação que este deve estabelecer com seus receptores.”
Guinsburg, Jacó; Leone de’Sommi: Um Judeu no Teatro da Renascença
Italiana. São Paulo: Ed Perspectiva, 2001, p. 41.
54
"Angelo Ingegneri si considerava ed era, oltre che autore un regista:
a lui si deve la messa in scena dell' Edipo Rei, con cui si inaugurò il
Teatro Olimpico di Vicenza” C.Molinari, L'attore e la recitazione,Roma-
Bari, Laterza,1992, p.30.
55
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990.Pag. 16.
56
Bablet, Denis. “A Luz no Teatro” in O Teatro e sua Estética. Lisboa:
Ed. Arcádia, 1964. p. 295.
43
platéia. Concebem técnica e arte em conjunto. Integram a prática com a teoria.
Ou seja, concebem a iluminação cênica, assim como os demais elementos do
espetáculo sob uma ótica global, onde tudo se relaciona formando um conjunto de
significações. Nunca na história do teatro estivemos tão próximos da concepção
da encenação moderna e estes artistas múltiplos são o arquétipo do homem de
teatro que Craig desejou como encenador, capazes de conceber, construir, pintar,
escrever, dirigir e ainda teorizar sobre a própria arte. É por isso que no raiar da
encenação moderna, os encenadores retomarão as concepções dos homens de
teatro do Renascimento e do Barroco (séculos XVI e XVII), buscando renovar
uma visão total do espetáculo, relacionando as suas técnicas aos seus sentidos
profundos. Como em Shakespeare, as razões do Homem, do Estado e do
Cosmos estão em profunda aliança, se alguma coisa sai do lugar, tudo desaba.
57
Wölfflin, Heinrich. Renascença e Barroco; São Paulo: Ed. Perspectiva,
1989, p.25.
58
Calderon de la Barca, Pedro. O Grande Teatro do Mundo; trad. Maria de
Lourdes Martini, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p.4.
44
“Ao contrário da Renascença, o Barroco não foi acompanhado de teoria. O
59
estilo se desenvolve sem modelos.” Tendo a transgressão das regras formais
da Renascença por impulso e o contraste como princípio, no Barroco tudo leva ao
exagero emocional e ao movimento advindo da tensão entre contrários. A
transformação é a palavra mágica do barroco:
62
Na pintura e na arquitetura barrocas o estilo pictórico baseia-se nos
contrastes de claro e escuro e no movimento livre das formas.
59
Wölfflin, Heinrich. Renascença e Barroco; São Paulo: Ed.Perspectiva, 1989,
p.34.
60
Berthold, Margot. História Mundial do Teatro; São Paulo: Ed.Perspectiva,
2003, p.322.
61
Na França, essa idéia renascentista de “fusão das artes” gerou uma
forma de teatro especificamente adequada à corte e à alta sociedade.
Nesta nova forma teatral a parte principal dizia respeito à dança: o
ballet de cour” Berthold, Margot. História Mundial do Teatro; São Paulo:
Ed.Perspectiva, 2003, p.330.
62
“O estilo pictórico visa à impressão do movimento. A composição
segundo massas de luz e sombra é o primeiro momento desse efeito;
menciono como segundo a dissolução da regra (estilo livre, desordem
pictórica).” Wölfflin, Heinrich. Renascença e Barroco; São Paulo: Ed.
Perspectiva, 1989, p.42.
45
No teatro barroco os contrastes também passam a ser utilizados de forma
consciente. As mudanças de luz63 e os efeitos visuais tomam grandes proporções,
atraindo um público que vai ao teatro não apenas para acompanhar as histórias e
escutar o texto, mas para impressionar-se com o “espetáculo”.
63
“No espírito do alto barroco a característica dominante de todas essas
produções era o efeito sensível das mudanças de luz” Berthold, Margot.
História Mundial do Teatro; São Paulo: Ed.Perspectiva, 2003, p.338.
64
Berthold, Margot; História Mundial do Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo,
2003; p.335.
65
“Os bastidores em nível e deslizantes constituíram a grande novidade
do teatro barroco(...)Esse cenário consistia em uma série lateral de
molduras de ripas revestidas de tela pintada que deslizavam sobre
trilhos.” Berthold, Margot. História Mundial do Teatro; São Paulo:
Ed.Perspectiva, 2003, p.335.
66
Aliando os conhecimentos de arquitetura e cálculo às técnicas navais
da época das grandes navegações.
46
OS GRANDES MESTRES DA CENOGRAFIA E AS TÉCNICAS DE ILUMINAÇÃO
NO SÉC XVII
47
Em seus escritos sugeriu um telão branco no fundo da cena para a criação
do céu e fundo infinito, idéia que será utilizada e modificada por vários artistas da
cena, até transformar-se no ciclorama do palco italiano.
67
Sabbattini, N. apud Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História,
Estética e Técnica. Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990. p.
19.
48
interna deste projetor tem uma forma composta por ângulos contíguos e desiguais
com o objetivo de difundir a luz refletida.
68
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990.Pag. 34.
49
cúpulas de vidro também possibilitam a mudança da cor da luz, pois podiam ser
pintadas com anilina transparente. Os lampiões Argand são produzidos em série,
assim como o lampião Astral francês, e os produzidos por Bernard Carcel.
69
Camargo, Roberto Gill. A Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de
Cultura, 2000; pag. 17.
70
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990, pags. 35 e 36.
50
O princípio do jogo de luzes em gaze transparente criado por Loutherbourg
é importantíssimo para a história da luz e da cenografia porque será retomado
inúmeras vezes, com funções totalmente diferentes, em experiências importantes
de momentos distintos da história. O princípio é extremamente simples, mas parece
uma mágica... Uma tela ou cortina de tule ou gaze transparente, se iluminamos o
que está atrás dela (sem jogar nenhuma luz no tecido) a tela desaparece, fica
absolutamente transparente; se jogamos luz pela frente, batendo na tela, ela fica
opaca e o que está por trás desaparece, se jogarmos luz de trás teremos uma
sombra... Esse princípio cria vários efeitos como profundidade, fusão ou
sobreposição de imagens, cores ou formas.
71
“A classe média, de espírito racionalista, moderada e disciplinada,
por seu lado, prefere, freqüentemente, as formas não complicadas (...). O
seu naturalismo mantém-se, na maioria dos casos, dentro de limites
relativamente estreitos, e restringe-se ordinariamente ao retratar
racionalista da realidade, isto é, de uma realidade sem contradições
internas.” Hauser, Arnold. História Social da Literatura e da Arte; São
Paulo: Mestre Jou, 1980-1982.p. 782.
51
prosseguirá de forma coerente por todo o século XIX, pendendo ora para o
clássico ora para o romântico, mas sem rupturas formais significativas, até o início
do século XX. Nestes quatro séculos, numa curva ascendente de tecnologia, a
iluminação cênica terá por parâmetro único a imitação da natureza.
72
Sobre o primeiro teatro a usar a luz a gás, encontrei informações
desencontradas: os autores americanos como Tim Streader e John Williams
afirmam ser o Chesnut Street Theatre da Filadelfia, já os ingleses como
Victor Glasstone, afirmam ser o Lyceum Theatre de Londres. Preferi
confiar na pesquisa de Hamilton Saraiva, cuidadosa e desinteressada na
contenda. Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e
Técnica. Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990, p. 43.
52
As pesquisas em relação à composição química do gás e às formas do
bico onde se dá a combustão foram estimuladas pela necessidade, tornando as
técnicas de obtenção de luz a gás, cada vez mais diversificadas e eficazes para a
iluminação cênica:
Essa luz será usada pela primeira vez em 1830 no Convent Garden. Após
a segunda metade do século XIX, com a popularização da luz de carbureto nas
ribaltas de todo o mundo (mesmo anos depois da introdução da eletricidade no
teatro), “limelight” tornar-se-á sinônimo de “luzes da ribalta”, nome imortalizado
pelo filme homônimo de Charles Chaplin.
73
Longman Dictionary of Contemporary English; London: Longman Group, 1978, p.636.
74
Streader, Tim E Williams, John A. Create Your Own Stage Lighting. Op.Cit. p. 16.
75
As experiências neste sentido não puderam ser colocadas em prática ou
se desenvolver mais na época porque a iluminação a gás nos teatros durou
pouco mais de 50 anos. Pesquisas recentes (a partir dos anos 1960) com
lâmpadas de descarga mostram que reações químicas com gases diversos
propiciam luzes com espectros de cor variados.
53
Porém, com a chama a gás ainda não é possível apagar completamente as
luzes e acendê-las novamente no correr do espetáculo e o perigo de incêndios,
que já era grande com as velas e lâmpadas a óleo, aumenta consideravelmente
com o gás, altamente inflamável.
Apesar de fugaz, a luz viva do gás teve seus amantes, que tiraram lindas
atmosferas de seu brilho vibrante. O mais conhecido deles e que tomaremos de
exemplo, foi também o pai artístico de Edward Gordon Craig. Seu nome é Henry
Irving, ator, diretor, produtor e mestre da luz a gás.
76
Innes, Christopher. Edward Gordon Craig A vision of the Theatre.
Overseas Publishers Association, 1996, p.20.
54
CAPÍTULO 3
A ELETRICIDADE ENTRA EM CENA
A luz elétrica não foi descoberta de repente, como uma idéia brilhante ou
uma iluminação divina, conforme nos conta a mística das invenções: um dia,
durante o sono embaixo de uma árvore, cai uma maçã na cabeça de Newton e
como resultado ele entende a lei da gravidade; ou, Thomas Edson vê um raio no
céu e acende uma lâmpada na cabeça do gênio, estava descoberto o princípio da
luz elétrica. Ou então, como é comum ver descrito nos manuais de iluminação,
principalmente os americanos, Thomas Edison inventa a lâmpada incandescente
em 1879, e em 1880 os teatros começam a usar a luz elétrica.77 Ao contrário,
trata-se de um processo longo de estudo da energia elétrica que culmina com
várias experiências e aplicações práticas durante o século XIX e inclui duas
tecnologias diferentes e bastante usadas no teatro: a lâmpada de arco-voltaico
(desde 1849) e a lâmpada incandescente (desde 1879) 78.
77
É comum ler que a luz elétrica chega ao teatro a partir da descoberta
da lâmpada incandescente, ou, até mesmo, erro crasso, que a luz elétrica
foi inventada em 1879. Às vezes não existe erro, mas favorecimento de
informações como é o caso do famoso manual de Tim Streader e John
Williams [Create your own Stage Ligting, Op. Cit. pp.16-17] que cita a
experiência inglesa e francesa com o arco-voltaico, no meio de outras
inovações e usos da iluminação com gás, na seqüência abre um novo título
chamado “A chegada da eletricidade” sobre a descoberta de Thomas Edison e
suas conseqüências. Com o tempo o senso comum mistura lâmpada
incandescente com lâmpada elétrica e daí para luz elétrica.
78
As lâmpadas de arco-voltaico são usadas nos canhões de luz e grandes
aparelhos de projeção em teatro, por sua intensidade e temperatura de
cor, mais branca que a lâmpada incandescente, até os anos 1960. São
substituídas pelas lâmpadas de descarga nos anos 1970.
79
“... a carbon arc (first demonstrated by Sir Humphry Davy em 1808).”
Streader, Tim E Williams, John A. Create Your Own Stage Lighting. New Jersey: Prentice
Hall Inc., 1985, p. 16.
55
Concorde, em Paris no fim de 1842. Este aparelho foi aperfeiçoado pelo óptico
Jules Duboscq, que acrescentou um refletor parabólico ao conjunto e criou “uma
das primeiras aplicações da ciência no teatro, isto é o emprego da luz elétrica” 80.
80
Duboscq, J. “Catalogue des appareils employés pour la production des
phénomènes physiques au Théâtre” apud Bablet-Hahm, M.L. “Annexe: Art et
Technique à la Fin du XIXe Siècle” in Appia, Adolphe. Oeuvres Complètes,
Tome I. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.1983. p.358.
81
Bablet, Denis; A Luz no Teatro in O Teatro e sua Estética (org.e trad.
Redondo Júnior). Editora Arcádia, Lisboa, 1964, p. 291.
82
Duboscq, J. apud Bablet-Hahm, M.L. Art et Technique à la Fin du XIXe
Siècle. in Annexe Appia, Adolphe. Oeuvres Complètes, Tome I. Lausanne:
Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.1983. p.357.
56
Lâmpada de Arco-voltaico
57
Embora a iluminação principal tenha permanecido a gás na grande maioria
dos teatros, na segunda metade do século XVIII a eletricidade já faz parte da
tecnologia dos efeitos especiais das casas de Ópera de toda a Europa, como diz
o próprio Jules Duboscq, em seu Catálogo de 1864:
83
Idem Ibidem, p. 358.
84
Idem Ibidem, p. 362.
85
Idem Ibidem, p. 359.
58
Hugo Bähr é considerado pelos alemães como o “pai da luz”. Filho de um
pintor de vidro começou por isso a trabalhar no teatro com as projeções à la
Duboscq. Apaixonado pelas lanternas mágicas inventou a partir delas uma forma
de criar movimento na projeção, através da eletricidade, a partir do movimento da
própria imagem que está sendo projetada, como as imagens de nuvem que
rodam na frente do sistema óptico ou os reflexos de água com imagens
trepidantes. Autor de “aparelhos eletro-ópticos para a realização de efeitos
86
luminosos e de aparição no teatro” ficou famoso em toda a Europa. Criava
máquinas específicas, verdadeiras “traquitanas cênicas” luminosas, sob
encomenda, para os difíceis efeitos especiais que as óperas demandavam.
Também fazia consultorias em teatros de todo o mundo. Inventou centenas de
efeitos diferentes, como os movimentos de luz e projeção dos Meininger e os
efeitos especiais das grandes óperas de Wagner87 montadas em Bayreuth.
86
Bähr, H. Catálogo de 1906 apud Bablet-Hahm, M.L. Art et Technique à la
Fin du XIXe Siècle. Op. Cit. p.364.
87
“nuvens negras, rios de água, inundações, incêndios, chuva, neve, a
cavalgada das Walkírias, aparições de feiticeiras, deuses...” Bablet-
Hahm, Op. Cit. p. 364.
59
individualizados, herdeiros desses aparelhos de Jules Dusboucq e Hugo Bähr,
como os refletores especializados que utilizamos hoje. Também porque estas
experiências de iluminação elétrica antes de 1879 mostram múltiplos caminhos de
desenvolvimento técnico e destroem uma versão corrente que quer crer que a
lâmpada de Edison é uma espécie de “Fiat Lux” da história da iluminação e não
uma parte de um processo técnico e artístico que tem muitas transformações e
reviravoltas.
88
“Durante o século XIX, um grande número de inventores trabalhou nas
lâmpadas incandescentes. Em 1891, o governo britânico registrou a patente
para Frederick De Moeyns. Nesta mesma época, o engenheiro inglês
J.W.Starr patenteou a lâmpada da Starr-King, com filamento de carvão. Sir
Joseph W. Swan desenvolveu uma série de lâmpadas, entre 1848 e 1860.”
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica.
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990, p.61.
60
No mesmo ano de 1879 o Teatro da Califórnia utiliza as lâmpadas
incandescentes produzidas pela Edison Electric &co e em 1881 o Teatro Savoy
de Londres já era totalmente iluminado pela eletricidade.89
Apesar da rapidez com que a eletricidade foi incorporada aos teatros esse
processo começa como uma mera substituição, visando um melhor
aproveitamento da energia e o aumento das condições de segurança dos teatros.
A grande diferença da luz elétrica para a luz do fogo não está apenas na
quantidade ou qualidade da luz, mas no controle total das intensidades que ela
possibilita: pela primeira vez era possível criar em cena a luz e a não-luz. A luz
elétrica re-inventou o escuro no teatro, a pausa, o corte, o Black-out.
Possibilitando a partir daí o movimento entre a luz e seu oposto complementar, as
trevas. É do contraste em movimento que se constitui a escritura da luz no espaço
e no tempo, urdida de diferentes formas no decorrer do século XX, em crescente
desenvolvimento tecnológico. Enquanto as lâmpadas de arco-voltaico apagam e
acendem de uma vez, as lâmpadas incandescentes possibilitam o
desenvolvimento das várias formas de dimmers, que não somente acendem e
apagam as lâmpadas, mas controlam o fluxo de elétrons na corrente e por isso
permitem uma graduação sutil das intensidades de nada até a luz plena.
89
“Este teatro é iluminado totalmente pela eletricidade; é a frase que
consta no programa do Teatro Savoy de Londres em 1881 e é notável dizer-
se que se usaram também resistências (seis ao todo) montadas pela firma
Irmãos Siemens” Frederick Benthan, The Art os Stage Lighting, Londres:
Pitman Pub., p.37.
90
“De 1880 a 1890, os principais teatros europeus adoptam-na.” Bablet,
Denis; A Luz no Teatro in O Teatro e sua Estética (org.e trad. Redondo
Júnior). Editora Arcádia, Lisboa, 1964, p. 291.
61
transformando assim a função da luz no espetáculo, tornando-a linguagem. A
tarefa não era fácil dada a proliferação de novas variáveis.
62
CAPÍTULO 4
A REVIRAVOLTA OU
O SURGIMENTO DA ENCENAÇÃO MODERNA E A LUZ
A estréia da luz elétrica no teatro, por si só, não revelou a real dimensão do
significado desta nova tecnologia para a história do espetáculo. As lâmpadas
incandescentes e a eletricidade, utilizadas a partir dos anos 1880, foram
consideradas primeiramente apenas como uma nova técnica, mais eficiente, para
realizar as mesmas funções: clarear a cena e copiar, com maior verossimilhança,
os efeitos da natureza, como o arco-íris ou o pôr do sol.
91
Bablet, Denis. “A Luz no Teatro” in O Teatro e sua Estética (org. e
trad. Redondo Júnior). Lisboa: Editora Arcádia, 1964, p. 292.
63
Segundo Denis Bablet, essa característica meramente descritiva da luz no
século XIX, própria de um teatro onde a realidade e a coerência são a medida de
todas as coisas, tem como único resultado possível uma iluminação que não
intervém na ação e não desempenha qualquer papel ativo na construção do
espetáculo, ou seja, uma luz passiva. 92
92
Bablet em seu artigo “A luz no teatro” (opus cit. p.294) utiliza-se do
conceito de luz passiva, contrário à luz ativa, onde a iluminação cênica
constitui-se como um elemento consciente na construção do espetáculo. A
noção de “luz ativa”, por sua vez, foi criada por Appia (“La mise en
scène du drame wagnérien” in Oeuvres Complètes, Tome I. Paris: L’Âge
d’Homme, p. 268.) e se refere primordialmente ao poder da luz de exprimir
com seu movimento a essência do drama.
93
Roubine, Jean-Jaques. A Linguagem da Encenação Teatral, 1880/1980. Rio
de Janeiro: Editora Zahar, 1996, p.22.
94
“Nos últimos anos do século XIX ocorreram dois fenômenos, ambos
resultantes da revolução tecnológica, de uma importância decisiva para a
evolução do espetáculo teatral, na medida em que contribuíram para aquilo
que designamos como o surgimento do encenador. Em primeiro lugar, começou
a se apagar a noção das fronteiras e, a seguir, a das distâncias. Em
segundo foram descobertos os recursos da iluminação elétrica.” Id.Ibid,
p. 21.
64
A recíproca é verdadeira. Esta síntese entre técnica e estética na
iluminação cênica será empreendida na passagem do naturalismo para o
simbolismo, rumo às vanguardas modernas, através da pesquisa e prática destes
encenadores, agentes das grandes transformações do teatro na virada do século.
No decorrer deste trabalho seguiremos o percurso de alguns deles, escolhidos
por sua prática e/ou reflexão sobre a iluminação cênica.
95
“Toda reflexão sobre o teatro contemporâneo nos conduz ao
acontecimento que literalmente fundou este teatro: a diferenciação da
encenação enquanto arte autônoma (...) nela introduzindo, em certo
sentido, uma nova dimensão: a de uma arte cênica diferente da arte
dramática.” Dort, Bernard. Condição Sociológica da Encenação Teatral in O
Teatro e Sua Realidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1977, p.83.
96
Berthold, Margot. História Mundial do Teatro; São Paulo: Ed.Perspectiva,
2003, p.452.
65
A ruptura com a lógica da realidade levará à reviravolta da função da luz na
história do espetáculo, de uma luz passiva, que segue a lógica fotográfica do
espaço e do tempo realistas, para uma luz ativa97, que constrói novos espaços e
tempos, multiplicando os planos de significação da encenação.
97
Como já foi explicitado na nota 75, os conceitos de “luz passiva” e
“luz ativa” são utilizados por Denis Bablet no artigo “A Luz no Teatro”
(Opus cit. p.264). Para Bablet “luz ativa” é aquela que se constitui como
um elemento móvel e consciente na construção do espetáculo. Roberto Gill
Camargo desenvolve um conceito análogo ao considerar a luz como actante.
De qualquer forma ambos colocam o foco da transformação da função da luz
no espetáculo na idéia de ação da luz. A noção de “luz ativa”, por sua
vez, foi criada por Appia (“La mise en scène du drame wagnérien” in
Oeuvres Complètes, Tome I. Paris: L’Âge d’Homme, p. 268.) e se refere
primordialmente ao poder da luz de exprimir com seu movimento a essência
da vida do drama, mais especificamente do drama wagneriano.
66
CAPÍTULO 5
O NATURALISMO
E A DESCOBERTA DAS ‘ATMOSFERAS’ NA LUZ
Espero que se coloquem de pé no teatro homens de carne e
osso, tomados da realidade e analisados cientificamente, sem
nenhuma mentira. Espero que os meios determinem as
personagens e que as personagens ajam segundo a lógica dos
fatos. Espero, enfim, que a evolução feita no romance termine
no teatro, que se retorne à própria origem da ciência e da
arte modernas, ao estudo da natureza, à anatomia do homem, à
pintura da vida, num relatório exato, tanto mais original e
vigoroso que ninguém ainda ousou arriscá-lo no palco. 98
Emile Zola
102
Guinsburg, Jacó. Stanislávski e o Teatro de Arte de Moscou. São Paulo:
Ed. Perspectiva,2001, p.51.
103
Zola, Emile. O Naturalismo no Teatro.São Paulo:Ed. Perspectiva, 1979, p.
132.
68
figuração e não a sua realidade. A luz elétrica exigia o
cenário construído.104
105
Começa então, a partir dos anos 1880 , um movimento em busca da
verdade, tanto na interpretação quanto nos meios técnicos constituintes do
espetáculo teatral. Os cenários tridimensionais ocupam o palco com seus
volumes e os detalhes, antes relegados, começam a ter importância fundamental.
104
Bablet, Denis. “A Luz no Teatro” in O Teatro e sua Estética (org. e
trad. Redondo Júnior). Lisboa: Editora Arcádia, 1964, p.. 296, 297 e 298.
105
“Só depois da década de 80 é que o naturalismo conquista o palco, numa
altura em que o naturalismo no romance já se encontra em declínio. Les
Corbeaux, de Henri Becque, o primeiro drama naturalista, foi escrito em
1882, e o Théâtre Libre, de Antoine, o primeiro teatro naturalista,
funda-se em 1887” Hauser, Arnold. História Social da Literatura e da
Arte; São Paulo: Mestre Jou, 1980-1982.p.1098.
106
“A partir de 1874, a companhia dos Meininger fornece à Alemanha e
depois a toda a Europa o exemplo de um conjunto no qual o diretor (o
Duque George II Von Meiningen em pessoa) e seu encenador (Chronegk)
comandam os atores. E seus espetáculos são concebidos, cada um, como um
todo orgânico”. Dort, Bernard. Condição Sociológica da Encenação Teatral
in O Teatro e Sua Realidade. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1977, p.83.
107
Guinsburg, Jacó. Stanislávski e o Teatro de Arte de Moscou. São Paulo:
Ed. Perspectiva,2001, p.17.
69
espaço e a sua ocupação, entre a luz e a marcação do espetáculo. Essa
necessidade de ensaiar com a luz de cena, que na prática significa o ineditismo
de ensaiar a própria ação da luz, diferia dos costumes da época, onde a
iluminação só encontrava com os intérpretes, na hora da apresentação.
108
Bablet, Denis. “A Luz no Teatro” in O Teatro e sua Estética (org. e
trad. Redondo Júnior). Lisboa: Editora Arcádia, 1964, p. 293.
109
Roubine, Jean-Jaques, Op. Cit., p.30.
70
Antoine, na França ou Stanislavski e Savva Marózov110, na Russia, quebraram a
bi-dimensionalidade do telão pintado, esculpiram com a luz os volumes e a
perspectiva da cena, como os renascentistas italianos já haviam preconizado.
Exigindo da cenografia e da luz a tridimensionalidade, chegaram ao fundo das
coisas e, para além da concretude dos volumes, descortinaram as “atmosferas”.
110
"Marózov financiava o teatro e assumia toda a parte administrativa.
Homem com alma de artista, ele sentia naturalmente a necessidade de tomar
parte ativa no aspecto artístico. Com essa finalidade pediu-nos para ser
encarregado da iluminação elétrica do palco". Stanislavski, Konstantin;
Minha Vida na Arte, Ed. Civilização Brasileira, São Paulo 1989. p.330.
111
E não é por acaso que o ato de parir é também chamado de dar a luz.
71
Portanto, para esse estilo naturalista de iluminação cênica112, é importante
buscar sempre a fonte de luz específica e sua posição real, para desenhar a
cena: o sol de inverno em um lugar determinado, com sua temperatura específica,
em seu ângulo preciso em relação ao cenário, o candeeiro em cima da mesa, a
janela na lateral. A idéia de luz principal, aquela que imprime um desenho, uma
linha primordial de incidência da luz, passa a reger o desenho. Dessa forma,
apesar de outras luzes complementarem e preencherem a visibilidade em relação
à platéia, a luz mais forte, aquela que a platéia distingue, por uma questão de
coerência deve vir, ou pelo menos parecer vir, não da frente, mas do lugar por
onde entra a luz no ambiente. Como, por exemplo, nas janelas que iluminam as
cenas cotidianas pintadas por Veermer.
112
Chamo de “estilo naturalista” à iluminação que persegue a precisão
fotográfica, pois, nascido neste momento, permanece, para além do
naturalismo como movimento histórico. O progresso tecnológico e a
influência do cinema fez deste “estilo” de iluminação cênica um paradigma
da “luz bem feita”, com cada vez mais precisão.
113
Saraiva, Hamilton, Op.Cit., p.137.
114
GOETHE, J.W. Doutrina das Cores. São Paulo: Ed. Nova Alexandria,
1993.
72
O ícone desta época - simbolizando a tentativa de pegar o que se
desmancha no ar - é a invenção do efeito das nuvens que passam. Mariano
Fortuny, cenógrafo dedicado a construção de teatros e também à iluminação,
desenvolveu vários efeitos de luz para criar de forma deliberada esta impressão
de acaso, que existe na verdade.
115
"Em 1902 o cenógrafo Mariano Fortuny desenvolve, na Alemanha, o
‘kuppelhorizont’, um meia-cúpula feita de seda ou gesso, que refletia luz
sobre o palco, simulando o infinito (céu). Este recurso daria origem ao
ciclorama.” Camargo, Roberto Gill. A Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed.
Fundo de Cultura, 2000, p. 20.
116
“Mas que coisa de bárbaros, é uma monstruosa falta de naturalidade
iluminar de baixo para cima” Sabbattini, Nicola; Pratique Pour Fabriquer
73
o clamor geral dos encenadores do naturalismo, seguindo o exemplo já citado dos
Meininger, será responsável pelo fim da utilização generalizada da ribalta nas
casas de espetáculo. 117
119
Roubine, Jean-Jaques, A Linguagem da Encenação Teatral, Zahar ed.,
São Paulo, 1982.p.27.
75
Quando o Naturalismo assume como legado a conquista da verdade no
teatro tem diante de si um paradoxo indissolúvel. Este conflito entre verdade e
ilusão chega a seu clímax nesse momento da história do teatro e, como todo
clímax, engendra sua própria reviravolta.
Mas não resolve a questão, não vai ao fundo da contradição por ele
mesmo exposta, não explica como é possível prescindir da convenção em uma
arte que vive do paradoxo entre a concretude da presença viva do ator e as
situações inventadas que ele tem de representar.
No teatro, quanto mais de verdade mais ilusão, porém quanto mais ilusão
menos verdade. Na matemática essa equação é chamada de absurdo. Esse
absurdo é a matéria mesma do teatro porque a ilusão da realidade não deixa de
ser de fato uma ilusão e a única verdade sobre o palco é o próprio teatro. Como
conclui Bernard Dort:
120
Zola, Emile; O Naturalismo no Teatro; São Paulo: Ed. Perspectiva,
1979, p. 124.
121
Id. Ibid. p. 125.
76
meios específicos da expressão teatral. Por um singular
paradoxo, o ilusionismo naturalista cedo se transforma
em seu contrário: a recusa de toda a ilusão, de toda a
reprodução do real. 122
122
Dort,Bernard. O Teatro e Sua Realidade. São Paulo: Ed.Perspectiva, 1977, p. 49.
123
“É característica do impressionismo em geral que seus adeptos já não
viessem a apresentar a realidade tal como é e sim tal qual ela se lhes
afigura – a aparência da realidade, a impressão fugaz de um mundo em
constante transformação. De certo modo eram naturalistas ao extremo. Mas
precisamente por isso não alegam reproduzir a realidade e sim a mera
impressão dela. Tornaram-se por assim dizer, subjetivos por quererem ser
objetivos”. Rosenfeld,Anatol. O Teatro Épico; São Paulo:Ed.Perspectiva,
1985, p. 103.
124
“Stanislávski desenvolveu um refinado estilo impressionista. Ele
mobilizou todos os meios concebíveis de ilusão ótica e acústica, de forma
a criar a "atmosfera" correta para seus atores e para o público".
Berthold, Margot, História Mundial do Teatro, Ed Perspectiva,2003. p.463.
125
O próprio Tchékhov oscila entre o naturalismo, o impressionismo e o
simbolismo, como sugere Stanislávski em “Minha Vida na Arte”, em trecho
citado por Jacó Guinsburg: “ás vezes ele (Tchékhov) é um impressionista,
outras vezes um simbolista, quando é necessário é um realista e às vezes
quase um realista” Stanislávki e o Teatro de Arte de Moscou. São Paulo:
Ed. Perspectiva, p.102, nota 105.
77
verdadeiro libelo sobre o teatro e suas paixões, retrata o embate entre os sonhos
do jovem Tréplev, poeta incompreendido em busca de novas formas e o "velho"
teatro de sucesso representado por sua mãe: Arkádina.
Tréplev ama a jovem atriz Nina que representa o seu "novo drama" no
Teatro do Lago:
126
Tchékhov, Anton. A Gaivota. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Cosac
& Naify,2004, p. 13-14.
78
Tréplev – Mãe! (...) (com raiva erguendo a voz) A peça acabou!
Chega! Baixem a cortina!. 127
127
Idem Ibidem, p. 20-23.
128
Berthold, Margot.História Mundial do Teatro,Ed.Perspectiva,2003,p.466.
79
2ª PARTE
A LUZ ATRAVESSA O VISÍVEL
OU
O SIMBOLISMO
E A LUZ COMO LINGUAGEM
80
CAPÍTULO 6
O SIMBOLISMO e as ILUMINAÇÕES
A mim. A história de uma de minhas loucuras.
Há muito tempo eu me vangloriava de possuir todas as paisagens possíveis,
e achava ridículas as celebridades da pintura e da poesia moderna.
(...)
129
Rimbaud, Arthur; Alquimia do verbo in Uma Temporada no Inferno e
Iluminações; trad. Lêdo Ivo. São Paulo: Francisco Alves,1993, p.63.
130
Segundo Anna Balakian, que faz um apanhado dos vários significados do
termo simbolismo (O Simbolismo; São Paulo: Ed. Perspectiva, 1985): Há
críticos que entendem o Simbolismo como uma escola literária específica,
dentro de limites precisos no tempo e no espaço (Paris, 1885/95).
Enquanto que há outras acepções do mesmo termo que incluem influências
anteriores e herdeiros posteriores e que admitem a heterogeneidade do
movimento em torno de princípios comuns. Para resolver esta questão ela
propõe a utilização do S maiúsculo para o sentido restrito da palavra, e
o minúsculo para os sentidos abrangentes.
81
É comum encontrar entre os historiadores da arte em geral e do teatro em
particular, aqueles que defendem a idéia de que essa reação ao naturalismo se
congrega em sua imensa diversidade sobre o signo do simbolismo. E que,
segundo esse entendimento, simbolismo e naturalismo são as duas grandes
tendências antitéticas do século XX.
131
Blanchart, Paul (citado por Juan Guerrero Zamorra) in Enciclopedia dello
Spettacolo fondata da Silvio d’Amico, vol III, “Le maschere”, Roma, 1961.
132
Zamora, Juan Guerrero, História Del Teatro Contempóraneo V.I,
Barcelona: Juan Flors, Editor, 1961, p.261.
133
Roubine, Jean-Jaques, A Linguagem da Encenação Teatral, Zahar ed., São
Paulo, 1982.p.24.
82
congrega uma multiplicidade de movimentos artísticos, idealistas e subjetivos, que
se sucedem, se integram ou até mesmo se opõem, criando novas e diferentes
formas de recriar a realidade. Nessa acepção ampla e heterogênea o simbolismo
expande suas influências por vários países e formas de arte até a primeira
Grande Guerra, inaugurando o teatro de vanguarda.
134
“O simbolismo é uma outra face do naturalismo, mais do que seu oposto”
Balankian, Anna. O Simbolismo.São Paulo: Ed.Perspectiva, 1985, p.106. Sobre
as relações de oposição e complementariedade entre naturalismo e
simbolismo no teatro ver Jacó Guinsburg: Stanislávski, Meierhold & Cia. São
Paulo: Ed. Perspectiva,2001.
83
jamais suporta a presença do homem”.135 Já Mallarmé propõe “um teatro
maravilhosamente realista da nossa imaginação”.136
135
Maeterlinck; La Jeune Belgique, p. 331, citado por Jean Jaques
Roubine, em A Linguagem da Encenação Teatral, opus cit. p. 41.
136
Mallarmé, Stéphane, citado por Berthold, Margo; História Mundial do
Teatro, Ed. Perspectiva, 2003, p.466.
84
técnicas precisas. O teatro começa quando uma ação
imaginária é apresentada a um público reunido. 137
137
Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de Théâtre de 1870 a
1914. Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1989,
p.100.
138
“En todo caso, parece que el movimiento simbolista, originalmente
literário, alcanzó em el teatro resultados sobre todo visuales” BATY,
Gaston e CHAVANCE, René. El Arte Teatral. Trad. Juan Jose Arreola.
México: Fondo de Cultura Económica, 1951, p. 242.
139
Traduzido normalmente como “obra de arte Total”, ou “obra de arte
comum”.
140
Técnicas tradicionais da cenografia de teatro: pintura em perspectiva
e “trompe-l’oeil” (literalmente algo como “engana olhos”).
141
“Existe nos simbolistas uma recusa categórica da realidade exterior: o
mundo visível não tem valor a não ser como condição de revelar o mundo
85
entendida agora como “jogo de luzes” e esse por sua vez, livre da coerência
naturalista, toma um sentido poético, musical e sinestésico.
A abstração proposta pela mudança das cores reais por seus significados
simbólicos, a possibilidade de reinterpretar e transformar a realidade através das
cores da luz jogadas sobre a cena, o jogo proposto pela mistura entre a cor luz e
a cor pigmento, regendo a relação entre os vários elementos da cena: são
legados fundamentais do simbolismo para o desenvolvimento da iluminação
cênica.
143
Germain, Alphonse. “De la décoration au théâtre”, in la Plume, 1er
févrir 1892, p. 62.
87
história.144 Além do binômio: luz e não-luz, que já possibilita em seu contraste
miríades de sutilezas, a iluminação ganha a partir do simbolismo uma nova paleta
de cores para pintar o espaço cênico e separar diferentes níveis de existência,
diversos planos de realidade na encenação.145 A utilização radical das cores na
luz cria uma nova modalidade de contraste em cena, o ‘contraste em cor’, que
acompanha no teatro as práticas da pintura do início do século XX.
Entre eles, no entanto, há uma experiência que tem por objetivo específico
criar a correspondência teatral do movimento simbolista, vinculada, portanto,
diretamente com o movimento literário francês, o Théâtre d’Art.
144
Exemplos específicos serão expostos nos capítulos seguintes, caso a
caso, quando tratarmos dos renovadores da cena que chegaram ou partiram
do simbolismo como: Loïe Füller, Paul Fort, Lugné Pöe, Meierhold, Appia,
Craig e Max Reinhardt.
145
Quando um autor como Nelson Rodrigues, por exemplo, quer significar
que uma ação se passa em outro plano, no passado ou em sonho, inclui a
seguinte rubrica: “entra uma luz espectral azul” e todos os leitores
compreendem que se trata de outro plano de existência. Este é um legado
direto do simbolismo.
146
Estudadas em detalhes por Appia.
88
PAUL FORT E LUGNÉ POË e A ENCENAÇÃO SIMBOLISTA
Paul Fort, poeta simbolista, cria o Théâtre d’Art em 1890, como um libelo
147
explicitamente antinaturalista . Seu objetivo era congregar os adeptos da nova
arte em torno de uma empresa comum – colocar em cena os ideais do
Simbolismo, devolvendo a poesia ao teatro e o teatro à poesia.
147
Em suas memórias, Paul Fort declara que o Théâtre D’Art foi fundado
“em vista de combater o Naturalismo”. Paul Fort, Mes Memoires. Toute la
vie d’um poète. 1872-1944. Paris, 1944, p. 29.
89
A presença dos pintores certamente teve grande influência na concepção
da função da luz em cena, principalmente no que se refere á novas formas de
utilização das cores. A noção, básica para um pintor, de que a cor é luz e a luz é
cor, invade os palcos. A significação simbólica passa a ser determinante na
escolha das cores das luzes e sua relação com as cores da cenografia e dos
figurinos.
148
Autor do poema dramático “La Fille aux mains coupées”, montado pelo
Théâtre d’Art em 1891.
149
Segundo Paul Fort em Mes Memoires. Toute la vie d’um poète. 1872-1944.
Paris, 1944, p. 31.
150
Pierre Quillard, “De l’inutilité absolue de la mise en scène exacte”,
dans la Revue d’art dramatique, 1ºmaio 1891, p.181 citado por Bablet,
Denis. Esthétique Générale du Décor de Théâtre de 1870 a 1914. Paris:
Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1989, p.148.
151
Idem Ibidem, p.149.
152
Idem Ibidem, p.150.
90
visuais das palavras através de um jogo de analogias entre os sentidos e as
sensações.
153
“A título de exemplo, menciono o primeiro movimento (Apresentação)-
ele comporta uma orquestração do verbo: em i ilumina de branco/ da
música: em dó/ da cor: em púrpura claro / do perfume: incenso.” Bablet,
Denis. Esthétique Générale du Décor de Théâtre de 1870 a 1914. Paris:
Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1989, p.154.
154
Idem Ibidem, p. 158.
155
Idem Ibidem, p.160.
156
Maeterlinck,Maurice em artigo que precede a representação(autor e data
não precisos) citado por Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de
Théâtre de 1870 a 1914. Paris: Editions du Centre National de la Recherche
Scientifique, 1989,nota 72, p.159.
91
Quanto à iluminação temos uma descrição de Dennis Bablet, provavelmente
retirada de alguma crítica ou artigo da época, tal a quantidade de detalhes por ele
descritos:
157
Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de Théâtre de 1870 a 1914.
Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1989, p.161.
158
Lugné-Poë, “las deux écoles dans l’art Du décor”, 26-7-21, citado por
Bablet, Denis, opus cit. p. 158.
159
Idem Ibidem, p. 158.
92
Essa colaboração com os pintores atingiu tal identificação com a cena
simbolista que, para além do cenário pictórico, o palco todo será considerado
como uma espécie de “quadro cênico” e mesmo a movimentação dos atores,
seus gestos, sua posição e a noção do conjunto estará submetida à concepção
de uma pintura no espaço. Nesse sentido a poesia e a pintura, sobrepostas à
cena, sufocarão o teatro e suas especificidades. A síntese harmoniosa das artes,
ideal da Gesamtkunstwerk (Obra de Arte Total), mostrar-se-á mais difícil na
prática do que na teoria, correndo o risco de “enquadrar” mais do que libertar a
cena teatral.
CONCLUSÃO
93
Enquanto que, fora da França, outras práticas teatrais, experiências
formais e concepções teóricas, inspiradas diretamente pelo simbolismo, buscaram
na parceria com as novas tecnologias seu modus operandi. Os artistas que
seguiram este caminho encontraram na iluminação cênica uma ferramenta
fundamental de construção da cena, dando origem a uma reviravolta focada na
arte do espetáculo, graças a novo paradigma na relação entre o jogo do ator e o
espaço cênico, articulada pela luz.
94
A iluminação cênica ganhará múltiplas facetas e formas advindas da
relação sempre viva entre o desenvolvimento tecnológico e as necessidades
específicas que encenadores e movimentos artísticos (que se superpõe com
incrível rapidez no decorrer do século XX) lhe demandarão, no entanto, o
simbolismo trouxe à linguagem da luz uma contribuição essencial, seu subtexto.
Em sintonia direta com a essência da música, em sua orquestração do visível, a
luz se comunica, através dos sentidos, diretamente com a alma.
95
CAPÍTULO 7
Loïe Füller dança com a luz. O seu corpo em movimento, ampliado por um
figurino composto por tecidos e véus de gaze brancos presos a bastões de
madeira, contracena com a projeção de um jogo de luzes, vindas principalmente
de baixo. Corpo e luz em movimento constroem juntos espaços flexíveis,
abstrações em cor que brincam com o espaço e o tempo.
160
Citado por Bablet, Denis em Les Révolutions Scéniques du Vingtième
Siécle. Paris: Soc.Int. d’Art Xxe siècle, 1975, p. 40.
96
Em 1890, ainda atriz, ela interpretava em New York
o papel de uma mulher que, sob o efeito de hipnotismo,
se põe a evoluir em uma dança iluminada por uma luz
verde. O princípio de sua dança estava descoberto161
Loï Füller em suas primeiras coreografias concebe apenas uma cor para
cada dança. Depois passa a jogar com a relação entre as cores, em consonância
com a música e os próprios movimentos, criando contrastes ferozes entre
sombra, luz e cores; a partir daí experimenta aparelhos de efeitos com lâmpadas
de arco voltaico, projeção de imagens, luzes incandescentes com controle total de
intensidade (dimmerizadas), fosforescências e jogos de espelhos, levando a
relação experimental entre arte e técnica ao auge em seu tempo.
161
Füller, Loï, Quinze ans de ma vie, préface d’ Anatóle France, Paris,
1908. Citado por Bablet, Denis; Esthétique Générale du Décor de Théâtre
de 1870 a 1914. Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique,
1989, p.146.
162
Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de Théâtre de 1870 a 1914.
Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1989, p.146.
97
A dança é primeiro movimento, o movimento expressão
de uma sensação, a sensação resultante do efeito
produzido sobre o nosso corpo por uma impressão ou uma
idéia. O movimento é o ponto de partida de toda
expressão, ele é fiel à natureza. Somente ele traduz a
verdade da sensação. 163
163
Füller, Loï, Quinze ans de ma vie, préface d’ Anatóle France, Paris,
1908, capítulo VI “Lumière et Danse”, citado por Bablet, Denis. Opus
cit., p.146.
98
CAPÍTULO 8
164
“Um objeto é plástico para nossos olhos apenas pela luz que o toca e sua
plasticidade só pode ser avaliada artisticamente por um emprego artístico da
luz, isso é claro” Appia, Adolphe. “Comment Réformer notre mise en scène” (1904)
in Oeuvres Complètes. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome II,
1986, p. 348.
165
Sua obra foi reunida em edição elaborada e comentada por Marie L. Bablet-Hahn:
Appia, Adolphe. Oeuvres Complètes. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome I (1983), Tome II
(1986), Tome III (1988) e Tome IV (1992).
99
O PONTO DE PARTIDA – A ENCENAÇÃO DO DRAMA WAGNERIANO 166
166
Appia, Adolphe. La Mise en scène du Drame Wagnérien, in Oeuvres
Complètes. Paris: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme, Tome I, 1983.
167
É importante notar que o que chamamos aqui de visão “de conjunto” não se
identifica com a Gesamtkunstwerk wagneriana (Obra de arte total), muito pelo
contrário. As relações de Appia com esse conceito são complexas e serão
analisadas em detalhes mais à frente. De fato ele principia seu estudo pela
reflexão sobre este conceito, já que sua obra parte fundamentalmente de Wagner,
porém a análise cuidadosa de cada elemento da encenação fará com que suas idéias
sobre a relação entre eles na construção do espetáculo divirjam estruturalmente
da idéia de “junção harmoniosa de todas as artes”, contida neste conceito.
100
A HIERARQUIA DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM A ENCENAÇÃO
168
“Como se trata aqui de uma questão de proporções, só nos resta
examinar os elementos da tecnologia teatral e subordiná-los uns aos
outros de uma maneira que corresponda aos meios de expressão do poeta-
músico”. Appia, Adolphe. La mise en scène du drame wagnérien in Oeuvres
Complètes, Tome I. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.,
1983, 268.
169
Appia propõe o primeiro esboço desta hierarquia, ainda de forma confusa e
paradoxal, em “La mise en scène du drame wagnérien”, de 1892. Porém ela é
retomada em muitos textos e se transforma ao longo do tempo tornando-se cada
vez mais clara, até atingir uma síntese em “L’Avenir du drame et de la mise
en scène” de 1919, vinte e sete anos depois.
170
Appia, Adolphe. “Comment Réformer notre mise en scène” (1904) in Oeuvres
Complètes. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.Tome II,1986,p. 350.
171
“o primeiro fator da encenação é o intérprete, o ator. O ator é o portador da
ação. Sem ele nada de ação. Não se parte do drama. Tudo, parece, deveria estar
subordinado a este elemento que está hierarquicamente em primeiro lugar” Appia,
Adolphe. “L’ avenir du drame et de la mise en scène” (1919) in Oeuvres Complètes.
Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome III, 1988, p. 335.
101
172
Mas o corpo do ator “é vivo, móvel e plástico: ele tem três dimensões.”
Então o espaço no qual este corpo evolui também deve ser construído a três
dimensões, possibilitando um contato efetivo entre o movimento dos corpos e o
espaço.
172
Idem Ibidem, p.335.
173
Idem Ibidem, p.336.
174
Appia, Adolphe. La mise en scène Du drame wagnérien in Oeuvres
Complètes, Tome I. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.,
1983, p. 268.
102
É, sobretudo, a contradição entre as duas dimensões da pintura e as três
dimensões do corpo do ator que mata a vida do teatro. É preciso escolher entre a
vida da arte dramática e a pintura:
175
Appia, Adolphe. A Obra de Arte Viva. Trad. Redondo Jr. Ed. Arcádia, Lisboa.s/d, p. 40.
103
reiteração do drama, nem um signo que localiza um lugar no tempo, muito menos
uma cópia da natureza, ele é pura potencialidade.
176
Appia, Adolphe. La mise en scène Du drame wagnérien in Oeuvres
Complètes, Tome I. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.,
1983, p.269-270.
177
Appia, Adolphe. “L’ avenir du drame et de la mise en scène” in
Oeuvres Complètes. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.
Tome III, 1988, p. 336.
105
E aqui está nossa hierarquia constituída normalmente:
O Ator, que representa o drama,
O Espaço, com suas três dimensões, a serviço da forma
plástica do ator,
A Luz, que vivifica um e outro.178
178
Appia, Adolphe. “L’ avenir du drame et de la mise en scène” (1919) in
Oeuvres Complètes. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.
Tome III, 1988, p. 336.
179
“nós obteremos assim, para a forma representativa, um conjunto
orgânico correspondente ao organismo do drama abstrato; e os meios de
expressão, se subordinando uns aos outros, adquirirão a flexibilidade
desejada”. Appia, Adolphe. La mise en scène du drame wagnérien in Oeuvres
Complètes, Tome I. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.,
1983, p.269.
106
É no contraste entre as
escarpas em silhueta no
primeiro plano e o céu do
fundo, que sentimos o
impacto das formas.
O movimento do coro das Walkirias, também em silhueta, cria uma expectativa
em consonância com a música. Segundo o projeto, o fundo cinza e claro se move
através da projeção de nuvens, da esquerda para a direita, que se tornam, pouco
a pouco, cada vez mais carregadas, escuras e tempestuosas, anunciando a
tragédia e a chegada do personagem Wötan. O céu se abate sobre as escarpas.
Esta utilização das nuvens em movimento, pelo contraste do fundo, traz a força
sugestiva e impetuosa da tragédia anunciada, para além da demonstração de
uma tempestade que se aproxima. Segundo as anotações do próprio autor para
este desenho:
Como podemos
perceber nesses desenhos,
os seus primeiros projetos são fortemente influenciados pelas teorias simbolistas
de “síntese e sugestão”, ponto de partida de suas concepções sobre a obra de
Wagner.
180
Appia, A. “Notes de mise en scène den Ring des Nibelungen – Walküre” in Oeuvres Complètes.
Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome I, 1983, p. 157 e 161.
107
A MÚSICA E A ENCENAÇÃO 181
181
Appia, Adolphe. La Musique et la mise en scène in Oeuvres Complètes,
Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome II , 1986.
182
A segunda parte é dedicada a “Richard Wagner e a mise en scène”, a
terceira ao “Drama Poético-musical sem Richard Wagner”. O apêndice traz
projetos de encenação detalhados, incluindo desenhos e descrições
técnicas de Tristão e Isolda e da tetralogia do Anel dos Nibelungos.
108
A iluminação, assim como a música, pressupõe, quando posta em cena, a
inter-relação entre uma existência abstrata, metafísica, e uma dimensão física e
técnica que lhe dá suporte. A complexa relação tradutiva entre uma e outra, é o
problema que se Appia se coloca e que tentaremos destrinchar aqui.
183
Appia, Adolphe. La Musique et la mise en scène in Oeuvres Complètes,
Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome II , 1986, p.
93.
109
Porém a aplicação do idealismo platônico na arte e, principalmente na
representação teatral, é paradoxal e contraditória. Chegamos aqui em um ponto
nevrálgico do problema posto pela concepção do teatro no simbolismo. Para que
a Idéia possa ser compartilhada com o público através da arte da cena, é
necessária uma “encarnação” dessa mesma idéia, uma manifestação para os
sentidos, ou seja, uma via contrária à da transcendência platônica. Appia precisa
ultrapassar essa contradição, legada pela tradição simbolista, para conquistar seu
superobjetivo.
Como já foi citado aqui, Appia escreveu muito sobre a iluminação, mas em
geral com enfoque teórico e conceitual. Em A Música e a Encenação, porém,
como uma exceção que confirma a regra, em cinco páginas dedicadas
especificamente ao tema, ele tenta organizar um sistema geral da prática da
iluminação cênica do ponto de vista estético e técnico, estabelecendo diferentes
funções e formas da luz no espetáculo, incluindo a descrição dos equipamentos e
posicionamento preferenciais para cada função proposta. Esse “compêndio das
técnicas de iluminação cênica” escrito em 1892 é, portanto, documento
fundamental para compreender em seus primórdios a articulação de uma função
ativa da luz no teatro e suas características técnicas. Ou seja, o que poderíamos
chamar de “be-a-bá” da constituição de uma “Scriptura” da iluminação cênica.
184
Appia, Adolphe. La Musique et la mise en scène in Oeuvres Complètes,
Tome II , Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme, 1986. p.
94.
185
Sabemos que em sua primeira temporada em Dresden ele fez um estágio de
aprendizagem com Hugo Bähr e entrou em contato direto com suas
realizações técnicas. Também conheceu Rogelio Egusquiza, pintor que
escreveu o primeiro artigo sobre a iluminação na obra de Wagner: “Sobre a
iluminação da cena” in Bayreuther Bläter, abril de 1885.
186
“Não somente a ação soberana da luz resta indemonstrável para quem não
a sente, mas, mais ainda é incômodo discorrer sobre seu emprego técnico”
Appia, Adolphe. La Musique et la mise en scène in Oeuvres Complètes,
Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome II , 1986, pp.
93-94.
111
A luz do dia penetra na atmosfera de todos os
lugares sem diminuir assim a sensação que nós temos de
sua direção. Ora a direção da luz nos é perceptível
somente pela sombra, é a qualidade das sombras que
exprime para nós a qualidade da luz. 187
Aqui está um preceito básico que rege a iluminação cênica: é a sombra que
imprime não só a direção da luz, mas também o volume das formas, criando o
claro-escuro, o contraste, que revela a tridimensionalidade da cena e determina
para nossos olhos o desenho da luz no espaço. Para Appia, do ponto de vista da
arte, a luz se distingue por ser um elemento expressivo do espetáculo:
187
Appia, Adolphe. “La Musique et la mise en scène” in Oeuvres Complètes,
Tome II. Op. Cit. p. 95.
188
Appia, Adolphe. “La Musique et la mise en scène” in Oeuvres Complètes,
Tome II. Op. Cit. p. 95.
189
Essa é uma questão fundamental e, embora pareça fácil dizer que não, é
uma dificuldade muito concreta na criação da luz em um espetáculo. Na
concepção mesma de iluminação cênica ainda existem linhas de força
contrárias sobre essa questão. Basta ler a opinião de Peter Brook sobre
os excessos da luz no espetáculo do século XX.
112
Estabelece então um princípio metodológico para a concepção de um
desenho de luz, com o objetivo de possibilitar que essas duas funções possam
conviver:
Trata-se então de dividir a tarefa e ter de uma
parte os aparelhos encarregados de propagar a luz, e de
outro aqueles que pela direção precisa de seus raios
provocarão as sombras que devem nos assegurar da
qualidade da iluminação. Nós chamaremos umas de LUZ
DIFUSA e as outras de LUZ ATIVA. 190
190
Appia, Adolphe. “La Musique et la mise en scène” in Oeuvres Complètes,
Tome II. Op. Cit. p. 95.
191
Tomei conhecimento explícito desse princípio da divisão da luz “para
ver” da luz que estabelece “a forma de ver” em 1988 quando fiz um curso
com Max Keller. O iluminador alemão nomeava à época a luz “para ver” de
“luz de preenchimento” o que Appia chama aqui de “luz difusa”, e “linha
principal de luz”, àquela que cria o desenho da luz no espaço e que Appia
chama aqui de “luz ativa”. A luz difusa, ou de preenchimento normalmente
corresponde à “LUZ GERAL”, mas pode existir também uma luz específica de
preenchimento.
113
que é perfeitamente impossível, e nossos espetáculos o
provam. (...) De que maneira conciliar, com efeito, uma
luz destinada a iluminar as telas verticais e que não
batem menos nos objetos colocados entre elas, ou com uma
luz destinada a certos objetos e que não batem menos nas
telas verticais? Num tal estado de coisas seria ridículo
falar da qualidade das sombras! 192
192
Appia, Adolphe. “La Musique et la mise en scène” in Oeuvres Complètes,
Tome II. Op. Cit. p. 95.
193
Mais informações encontram-se no capítulo 3 sobre o desenvolvimento
tecnológico que acompanhou a chegada da luz elétrica ao teatro.
114
Para tentar organizar o caos, Appia se propõe então a descrever os
aparelhos de iluminação existentes em sua época e organizá-los em grupos de
acordo com suas funções específicas. Segue, de forma resumida194, a descrição
realizada por Appia:
194
Como as descrições técnicas aqui estabelecidas referem-se a
equipamentos que, em geral, não são mais utilizados, tentarei sintetizar
essa descrição segundo o interesse que vemos nela, quer seja, entender o
problema da forma e pensamento da luminotécnica no fim do século XIX. Os
nomes dos aparelhos em francês, segundo descrição do dicionário de termos
técnicos..., correspondem às antigas gambiarras, tangões e ribaltas,
fixas à beira do proscênio ou móveis, que podem ser penduradas em vários
locais, ganhando aí nomes variados, segundo termos brasileiros. Convém
lembrar que até hoje não há padrão oficial para a nomenclatura desses
aparelhos, dependendo, para além do problema da língua, de uma imensa
variedade de marcas, tipos e costumes locais.
195
Appia, Adolphe. “La Musique et la mise en scène” in Oeuvres Complètes,
Tome II. Op. Cit. p. 95.
196
Appia, Adolphe. “La Musique et la mise en scène” in Oeuvres Complètes,
Tome II. Op. Cit. p. 95.
197
Idem Ibidem, p.95. Segundo a nota de Marie Bablet-Hamm, a descrição
destes aparelhos refere-se àqueles desenvolvidos por Hugo Bähr, que Appia
viu funcionar em Dresden em 1888.
115
equipamentos de acordo com o novo princípio por ele defendido. Todas as
propostas por ele sugeridas foram empreendidas com o tempo e fazem parte da
nossa realidade presente:
A relação entre essas duas categorias de luz – a LUZ DIFUSA, que permite
“ver” e a LUZ ATIVA, que contracena com o espaço, o cenário e o ator – depende
de um delicado jogo de relações, onde as luzes podem e devem se
complementar, vindas de ângulos diferentes e com intensidades diferentes, mas
não eclipsar uma a outra.
198
Quanto ao sentido da projeção de imagens nas reflexões de Appia
analisaremos com mais detalhes a seguir dada a importância deste aspecto
no todo de seu ideário e para o futuro da tecnologia teatral.
199
Appia, Adolphe. “La Musique et la mise en scène” in Oeuvres Complètes,
Tome II. Op. Cit. p. 96.
116
Como nada é exato na iluminação, mas relativo à acomodação do olho e à
proporção entre as intensidades das diferentes luzes que vemos
simultaneamente; a integração entre esses dois tipos de luz que compõem a cena
depende, portanto, de um jogo de proporções e movimento: Muita luz difusa mata
o desenho, as sombras e, portanto, a própria ação da luz ativa; pouca, dificulta a
visão da cena. Entre os dois extremos, “pode-se combiná-las ao infinito” 200.
200
Appia, Adolphe. La Musique et la mise en scène in Oeuvres Complètes, Lausanne: Société Suisse du
Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome II , 1986, p. 97.
201
Idem Ibidem, p. 96. Ao se referir aqui a “uma única noção técnica que
pertence propriamente à iluminação”, deixa implícito que há outras, porém
que não pertencem apenas à iluminação, como as relações diretas entre a
LUZ ATIVA e a cenografia.
117
desenvolvimento do conceito de LUZ ATIVA, assim como definiu concretamente
uma forma de pensar e realizar planos de luz com a separação e hierarquia entre
a LUZ ATIVA e a LUZ DIFUSA.
Em busca de substituir o signo fornecido pela pintura por uma ação ativa
da luz, Appia encontra na projeção de imagens uma forma de criar uma
cenografia de luz, ou uma luz-cenografia que contracena com os planos e
volumes em três dimensões do cenário arquitetural.
118
parte do quadro, excluindo as outras, e fornecendo uma
grande variedade de efeitos a partir da simples e
parcial obstrução até a obstrução dividida e combinada
com corpos mais ou menos opacos. A iluminação, já
mobilizada pela vida dos atores, torna-se positivamente
móvel se deslocamos o foco luminoso, ou se as projeções
estão elas próprias em movimento diante de um foco fixo,
ou mais ainda se agitamos de alguma maneira que seja os
corpos que obstruem o raio. As combinações de cores, de
formas, de movimentos combinando-se de novo entre elas
depois com o resto do quadro, fornecem uma qualidade
infinita de possibilidades. Elas constituem a palheta do
poeta músico.202
Quanto à cor da luz, parece ser um domínio que Appia tem menos
afinidade e dificilmente a cita em suas reflexões. Mas é interessante notar o fato
de que quando raciocina sobre ela, como neste trecho, é no mesmo sentido de
uma projeção de imagem ou forma, ou seja, através da projeção da cor é possível
transformar a qualidade da cena iluminada:
202
Idem Ibidem, p. 100.
203
Idem Ibidem, p. 100.
204
Idem Ibidem, p. 100.
119
em dia na utilização figurativa do vídeo, a nossa “tela pintada” tecnológica, tão
pueril quanto a sua antecessora.
205
APPIA, Adolphe. Comment Réformer Notre Mise en Scène in Oeuvres Complètes, Tome II. Lausanne:
Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme., 1986, p.351.
120
complemento, cria uma expectativa pulsante na platéia, como um acorde sem
resolução.
206
Appia, Adolphe. Espaços Rítmicos: L’ombre Du cyprés, 1909 (Theater
Museum, Munich ) in Oeuvres Complètes. Lausanne: Société Suisse du
Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome Tome III , 1988, p. 91.
207
Appia, Adolphe. Commentaires d’Appia aux illustrations de L’Oeuvre
d’Art Vivant in Oeuvres Complètes. Lausanne: Société Suisse du
Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome III , 1988, p. 411.
121
Criando uma ponte de inspiração entre passado, presente e futuro, Appia
profetiza em seus escritos e desenhos, desde 1892, que a projeção de imagens é
a direção para onde caminham os avanços tecnológicos e o futuro da iluminação:
208
APPIA, Adolphe. “Notes de mise en scène pour L’Anneau de Nibelungen” (1892) in Oeuvres
Complètes, Tome I. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme., 1983, p.114.
209
Que infelizmente nem sempre se dá bem com a equipe de iluminação
devido ao “velho problema” da quantidade de luz em cena, agora invertidos
os papéis.
210
A última geração em equipamentos de iluminação - bem mais avançada e
cara que os moving-lights e apelidada pela indústria de Catalysts - é
exatamente isso.
122
que um projetor de última geração pode realizar por minuto. Haja visto o poder de
uma simples sombra de cipreste em um espaço quase vazio.
211
Em 1906 Adolphe Appia conhece Jacques Dalcroze e a “Rítmica” , que
muito o afetou, como descreve quinze anos mais tarde em Expériences de théâtre
et recharches personelles:
211
Experiência ao mesmo tempo artística e didática desenvolvida por
Jacques Dalcroze a partir das relações intrínsecas entre a música e os
movimentos do corpo humano. Em suas primeiras apresentações, chamada de
“Gymnástique Rythmique”, ficou depois conhecida como “Eurhythmics”, em
inglês, ou simplesmente “Rythmique”. Não confundir com a Euritmia, de
Rudolf Steiner.
212
Appia, Adolphe. Expériences de théâtre et recherches personnelles
(1921) in Oeuvres Complètes. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.
Tome IV, 1992, p.49.
213
De 1906 a 1923 houve uma forte parceria artística e troca de
influências entre os dois artistas. Appia chegou a escrever grande parte
dos textos de abertura dos Festivais realizados por Dalcroze,
conferências e artigos sobre a “Rítmica” e suas relações com a música, a
“mise en scène” o espaço e a luz, além de desenhos e concepções
arquitetônicas e cenográficas para o Instituto Jacques Dalcroze, algumas
realizadas. No decorrer de todo este período a correspondência entre eles
é intensa. Em 1923 há um rompimento público entre os dois, devido á não
concordância de Appia com o rumo “espetacular” do trabalho de Dalcroze e
a utilização demonstrativa do espaço e das cores na iluminação.
214
“O corpo é o intérprete da música, junto das formas inanimadas e
surdas. Podemos, pois, abandonar momentaneamente a música; o corpo
absorveu-a e saberá guiar-nos e representá-la no espaço”. Appia, A. A
Obra de Arte Viva. Op. Cit. p. 84.
123
cada vez mais radical da sua concepção do espaço cênico, onde cenografia e luz
se distanciam das aparências figurativas para tornarem-se estruturas para a
evolução dos corpos. O conceito da “Obra de Arte Viva” começa a ser gestado.
215
Referência à sentença de Protágoras “O Homem é a medida de todas as
coisas”, que serve de epígrafe à “Obra de Arte Viva”
216
“Nenhum desses desenhos é destinado a ser realizado; eles são
sugestões, visões de sonho a serem transportadas para a cena”. Bablet-
Hahn, M. L.”Les Visions” de 1909 in Appia, A. Op.cit. Tomo III, p.78.
217
"No solo, os planos inclinados e, sobretudo, as escadas, podem ser
considerados como participando nas duas ordens de planos (horizontal e
vertical)" Appia, A. A Obra de Arte viva, Op. Cit. p.84.
218
Appia, Adolphe. Expériences de théâtre et recherches personnelles in
Oeuvres Complètes. Lausanne:Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome IV, 1992, p.49.
124
É através do contraste entre a luz e as sombras projetadas (geométricas ou
orgânicas) sobre os volumes retos construídos, que se configura a percepção do
conjunto nesses desenhos. Como podemos ver nas duas reproduções abaixo:
sombreadas e móveis na
Ronda do anoitecer ou as
camadas justapostas de
sombra das colunas
verticais, que criam um
espaço vazio, repleto de
formas geométricas de luz,
também móveis, em A
Clareira Matinal.
219
A luz é peneirada segundo nosso desejo por cartões recortados e invisíveis, e
as sombras que caem sobre as personagens podem, assim, tornar-se movediças. A
pulsão é completa.
125
AS REALIZAÇÕES “VIVAS”
220
Seus desenhos são apresentados em 1913, em Mannheim, em uma exposição
dedicada à Arte Teatral Moderna (Moderne Theaterkunst), Segue-se uma
grande exposição de obras de Appia e Gordon Craig em Zurique (no
Gewerbemuseum) e na se seqüência, neste mesmo ano, mostras de seus
desenhos em Colonia, Frankfurt e Düsserldorf. Em 1921 as obras de Appia
voltam a ser expostas junto às de Craig em um local de destaque na
Exposição Internacional de Teatro, em Amsterdã.
126
A iluminação desta sala, realizada por Alexandre von Salzmann coloca em
prática a idéia da geral de LUZ DIFUSA, a partir das concepções de Appia e da
experiência prática de Mariano Fortuny com sua cúpula de reflexão (Sobre a
Cúpula Fortuny, vide capítulo...), que foi estudada por Appia e Salzmann
exaustivamente. Porém o projeto final se parece mais com as propostas de Appia
em “A Música e a Encenação”, porque as luzes são difundidas não através de
rebatimento, mas de grandes telas “difusoras” que escondem as fontes de luz
dispostas no teto e paredes do espaço. Um projeto de luz engenhoso e com efeito
surpreendente. Como podemos perceber claramente pela descrição do próprio
Salzmman e as fotos a seguir :
221
Salzmann, A. “Lumière, luminosité et éclairage” in Appia, A. Oeuvres
Complètes,. Trad. para o francês e notas Bablet-Hahn M. L. Lausanne:
Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme., Tome III, 1988.
222
Doc. Inst. Jacques Dalcroze, Genébra. Foto digitalizada a partir de
reprodução in BABLET, Denis. Les Révolutions Scéniques du Vingtième
Siécle. Paris: Soc.Int. d’Art XXe siècle, 1975.
127
É nesta mesma sala do Instituto
Jacques-Dalcroze em Hellereau, nos
festivais anuais de Junho, que Appia
estréia a realização de seus projetos de
encenação, cenografia e iluminação
cênica, com trechos de Orphhée et Eurydice em 1912 e 1913.
Nos últimos anos de sua vida cria desenhos e projetos para várias peças
de teatro, os “dramas falados”, o que nunca fizera antes. Alguns deles em
colaboração com a aluna e depois parceira Jessica Davis Van Wyck. São eles:
Sonho de uma Noite de Verão (1921), As Coéforas (1922); Hamlet (1922); O
Pequeno Eyolf (1924); Macbeth (1926/27), Ifigênia em Táuride (1926) e Fausto
(1927). Appia morre em 1927.
128
A OBRA DE ARTE VIVA
A Obra de Arte Viva é uma síntese das concepções de Appia sobre a arte
dramática, seus elementos e relações, visando obter:
Ele parte do princípio que a arte dramática empresta das outras artes os
elementos que a compõem. A organização destes elementos, por sua vez, cabe à
encenação. Portanto para um pleno desenvolvimento da encenação é necessário
entender a natureza destes elementos e suas relações.
De fato, em toda a sua obra este foi o cerne de sua pesquisa. Porém aqui
ele não tem mais o que tatear, sabe qual seu objetivo e para chegar lá segue uma
linha de pensamento de uma argúcia quase socrática. Primeiro parte de uma
análise crítica da Gesamtkunstwerk wagneriana, conceito geralmente traduzido
por Obra de Arte Conjunta. Em seguida, serve-se da própria estrutura do conceito
para reconstruí-lo sob uma perspectiva própria, uma nova concepção específica
deste conjunto orgânico, A Obra de Arte Viva.
223
Appia, A. A Obra de Arte Viva. Trad. Redondo Jr. Ed. Arcádia,
Lisboa.s/d, p. 22.
129
Ao analisar os elementos que cada arte empresta ao teatro, divide as artes
do espaço: pintura, escultura e arquitetura, (presentes nos elementos visíveis do
teatro, como a cenografia e o figurino); e as artes do tempo: poesia e música.
Expõe uma tensão fundamental entre elas. As artes do espaço são imóveis no
tempo e as artes que se desenvolvem no tempo são igualmente imóveis em
relação ao espaço. Como seria possível a “reunião harmoniosa” entre artes de
natureza tão diversa na arte dramática?
224
Appia, A. A Obra de Arte Viva. Op. Cit. p. 31.
225
Idem Ibidem, p. 31.
226
Idem Ibidem, p.32-33.
130
ver e esconder, de forma que, através do movimento, as artes do espaço ganhem
“temporalidade”. Assim, aquilo que era, em sua origem, estático, entra em ação,
ganha vida e vira actante da cena.
A LUZ VIVA
Dessa forma a luz pode evocar o lugar (sem que seja necessário
determiná-lo através do signo da pintura), sugerir um tempo, criar uma atmosfera
emocional ou mesmo espiritual, através da claridade ou da sua ausência. Pode
também criar espaços, animá-los, fazê-los desaparecer ou transformá-los através
do seu movimento. A luz, a serviço do ator, porta a metamorfose do espaço.
Será, portanto, a partir do ator e sua vida que Appia construirá a sua noção
de “encenação do futuro”. O Homem, “fator essencial” da encenação será para
ele, cada vez mais no desenvolvimento de suas reflexões, motor e motivo do seu
trabalho. A ponto de chegar o momento, em sua maturidade artística, em que ele
227
Idem Ibidem, p.99.
131
proporá não somente a junção do palco e da platéia em uma única sala, a
“catedral do porvir”, mas também o fenômeno teatral como comunhão máxima
entre atores e espectadores. É para o futuro que ele escreve - para quem vier
depois dele e quiser se unir a ele nesta obra sempre inacabada - é para cada
momento presente deste futuro, para nós e, muito além de nós, que ele clama por
um novo teatro no texto “L’ avenir du drame et de la mise en scène”, um teatro
como comunhão, através da arte de homens livres para homens livres:
228
Appia, Adolphe. “L’ avenir du drame et de la mise en scène” (1919) in
Oeuvres Complètes. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme.
Tome III, 1988, p. 338.
132
CONCLUSÕES
133
CAPÍTULO 9
GORDON CRAIG
A LUZ CONTRACENA COM A MATÉRIA
Todas as formas são perfeitas no espírito do poeta;
não as extrai da Natureza, não as concebe segundo
ela; nascem da sua imaginação 229 William Blake
Gordon Craig foi antes de tudo o que ele mesmo definiu como um “artista
230
de teatro” ; trabalhou como ator, arquiteto, gravurista, cenógrafo, figurinista,
iluminador e encenador. Mas sua inquietude fez com que, motivado
principalmente por seu trabalho prático como encenador, colocasse em questão
as premissas da arte do espetáculo vigentes então. A partir da necessidade de
expandir esse questionamento, cada vez mais radical, constrói uma significativa
obra teórica. Escreve e publica em 1905 uma brochura chamada Da Arte do
Teatro, quando, através do diálogo entre um Encenador e um Amador de teatro
questiona o senso comum sobre a arte do teatro e destrincha camada a camada
do que ele chama de caos do teatro inglês de sua época. Dirige durante anos
(entre 1908 e 1929, de forma intermitente) a revista The Mask, editada em
Florença, onde através de ensaios e artigos estabelece uma práxis continuada
entre análise e prática teatral, aperfeiçoando com o tempo um ideário próprio,
coeso e coerente, do sentido e prática da arte do teatro. Em 1911 publica o seu
livro Da Arte do Teatro, onde reúne o primeiro diálogo a um segundo, escrito em
1910 depois de suas viagens por vários países da Europa e, principalmente,
depois de seu contato com o Teatro de Arte de Moscou, além de vários outros
textos pinçados da revista The Mask. Este livro trás exposto, sob vários ângulos,
suas concepções sobre a encenação, interpretação, dramaturgia, cenografia e,
como parte fundamental desta última, a iluminação.
229
Citação feita por Craig, que dedica à Blake o seu livro Da Arte do
Teatro in Da Arte do Teatro. Ed. Arcádia, Lisboa, 1963, p. 115.
230
Craig, E. Gordon. “Os Artistas do Teatro do Futuro” in Da Arte do
Teatro. Ed. Arcádia, Lisboa, 1963, p. 43.
134
OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CONCEPÇÃO DE CRAIG DA ARTE DO
TEATRO
231
Craig, E. Gordon. “O ator e a ‘sur-marionete’” in Da Arte do Teatro.
Ed. Arcádia, Lisboa, 1963, p. 103.
232
Craig, E. Gordon. “Primeiro diálogo entre um profissional e um amador
de teatro” in Da Arte do Teatro. Op. Cit. pp. 177-178.
135
porque o objetivo da Arte não é refletir a vida e o
artista não imita, cria. Mas é a vida que deve trazer o
reflexo da Imaginação, a qual escolheu o artista para
fixar a sua beleza.233
Craig tem uma visão idealista da arte, voltada para a busca da “Beleza”,
conceito que para o encenador ecoa o sentido platônico da palavra. Ascender à
“Beleza” é o objetivo expresso de sua práxis, como podemos apreender pelo que
escreve:
Que se penetre no Teatro com o sentido profundo
dessa palavra “Beleza” e poderemos dizer que o despertar
do Teatro estará próximo.234
Por isso é mais do que coerente que sua investigação parta da idéia de
que existe uma “essência da arte do teatro”, aquilo que a faz única e completa,
portanto, passível de participar da idéia do “Belo”. É esta essência que procura
definir, para transformar a sua concepção e prática do teatro.
Como Appia, Craig expande sua pesquisa para a análise dos elementos
que compõem a encenação e suas relações. Escreve, então, em 1905 a primeira
parte de Da Arte do Teatro, o “Primeiro diálogo entre um profissional e um amador
de teatro” que inicia com a seguinte pergunta: “Sabeis o que é a Arte do Teatro?”.
A resposta é a própria definição de Craig:
233
Idem Ibidem, p. 115.
234
Craig, E. Gordon. “Os Artistas do Teatro do Futuro” in Da Arte do
Teatro. Op. Cit. p. 68.
136
A arte do Teatro não é nem a representação dos
atores, nem a peça, nem a encenação, nem a dança; é
constituída pelos elementos que a compõem: pelo gesto,
que é a alma da representação; pelas palavras, que são o
corpo da peça; pelas linhas e pelas cores que são a
própria existência do cenário; pelo ritmo, que é a
essência da dança. 235
Este “novo” encenador precisa ter então total controle sobre as linguagens
e meios técnicos que compõe a encenação e deve ser ele, o maestro da cena,
que determina os vetores e linhas de força, os contrastes e as cores, o movimento
e o jogo dos atores, da cenografia e das luzes. A apropriação dos meios técnicos
por parte do encenador, que o permita ser o fator de unidade do espetáculo é
uma das indicações importantes de Craig aos artistas do futuro:
235
Craig, E. Gordon. Da Arte do Teatro Op. Cit. p. 158.
137
engendrará sem esforço a sua própria arte, uma arte criadora.
(...)
O Amador de Teatro: Quer dizer, pelo vosso encenador ideal.
O Encenador: Precisamente. No começo desta conversa disse-vos
que o Renascimento do Teatro tinha por ponto de partida o
Renascimento do encenador. No dia em que este compreender a
adaptação verdadeira dos atores, dos cenários, dos figurinos,
das iluminações e da dança, saberá, com o auxílio desses
diferentes meios, compor a interpretação e adquirirá, a pouco
e pouco o domínio – do movimento, da linha, da cor, dos sons,
das palavras que escorrem naturalmente, e, nesse dia, a Arte
do Teatro retomará o seu lugar, será uma arte independente e
criadora, e não mais um ofício de interpretação. 236
O teatro é uma arte para os olhos. Esta afirmação será expressa em vários
textos, de várias maneiras. Mas é, sobretudo, em suas encenações, onde o
visível revela a essência do espetáculo, que este ponto de vista se manifesta. As
236
Craig, E. Gordon. Da Arte do Teatro Op. Cit. p. 191.
237
Idem Ibidem, p. 160-161.
238
O próprio nome do lugar destinado ao público na tragédia grega se
remete à visão: “Theatron, lugar onde se vê”.
239
Craig, E. Gordon. Da Arte do Teatro Op. Cit. p. 162.
138
cenografias de Edward Gordon Craig são sempre a síntese de sua expressão
como encenador e não é à toa que ele engloba em seu conceito de cenário todo o
aspecto visual do espetáculo:
Isto significa que não há como pensar a cenografia sem a luz ou a luz sem
a cenografia e que ambas não se juntam, mas são criadas como uma só
expressão cênica. Desde o desenho, as cenografias de Craig traduzem em preto
e branco242 o sentido profundo, no devir da cena, do contraste entre o claro-
escuro da iluminação, que revela ou esconde. Esconder pode ser tão importante
para a manifestação do sentido profundo do espetáculo quanto a revelação. O
movimento interno causado pela relação entre o visível e o não-visível em suas
infinitas modulações, cria um pulso, uma progressão do aspecto visual. Como
propõe o simbolismo, música e orquestração para os olhos.
240
Idem Ibidem, p. 194.
241
Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de Théâtre De 1870 a 1914.
Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1989, p.
289.
242
Não podemos esquecer que Craig era também gravurista e imprimia
concretamente no veio da madeira o contraste entre preto e branco, que
cria a forma.
139
A composição do sentido do espetáculo depende do poder de “síntese e
sugestão” destes meios expressivos que tocam o espectador através dos seus
sentidos, principalmente seus olhos, e, a partir daí, criam uma significação “total”,
que engloba a imaginação, a inteligência e a emoção da platéia, de forma a que o
espírito humano possa finalmente encontrar-se imerso no sentido profundo da
palavra “beleza”.
243
Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de Théâtre De 1870 a 1914.
Op. Cit. p. 312.
244
Craig, E.G. A Propósito do Simbolismo. Op. Cit. p, 299.
140
Na descrição do seu método de criação, dedicado para “Os Artistas do
Teatro do Futuro”, surpreendemos a busca de um modo de expressar através de
símbolos visíveis o conflito fundamental de uma peça e desta forma, comunicar-
se com sua essência. Assim ele descreve como é possível compor os cenários de
Macbeth:
É dessa primeira visão interior que ele extrai, como uma essência que
compõem um perfume raro, todas as indicações do cenário, do figurino e da luz.
As linhas verticais da rocha, que criam a sugestão de sua presença rumo aos
céus, do seu volume que dá a dimensão de sua concretude. O contraste entre a
rocha e a evanescência das nuvens, expressas pelo movimento da iluminação, as
“massas” móveis de sombra e de luz.
245
Craig, E. Gordon. Os Artistas do Teatro do Futuro. Op.Cit. p, 55.
246
Idem Ibidem, p. 57.
141
de fundo e os figurinos da corte são dourados, representando uma corte voltada
às aparências e à riqueza, enquanto Hamlet é o único de preto, contraste
absoluto de cor, brilho e significado que isolam Hamlet do resto do mundo. As
cores da luz, por sua vez, revelam, escondem ou transformam as cores do
cenário e dos figurinos, incluindo a possibilidade de movimento às relações
simbólicas expressas pela paleta de cores do espetáculo. A escolha meticulosa
dessas cores, sua síntese e coerência interna são assim fundamentais para
assegurar a força potencial de seu significado simbólico.
AS ILUMINAÇÕES
I. INFLUÊNCIAS
247
Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de Théâtre De 1870 a 1914.
Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1989, p.
312.
142
movimentos de luz no decorrer do espetáculo. A importância dessa luz em seus
espetáculos era tanta que ele viajava com seu próprio sistema de iluminação e foi
o diretor que mais resistiu trocar a luz viva do gás pela “dureza” da luz elétrica em
seus inícios.
248
Segundo Christopher Innes , Craig recebeu também uma influência
decisiva, principalmente no que concerne à elaboração de novos meios técnicos
na cenografia e na iluminação, advinda do trabalho do encenador e professor
Herkomer. Esse artista da Baviera que se instalou na Inglaterra, fundou uma
escola de artes em Bushey (perto de Londres) e construiu um pequeno teatro
para experiências práticas com seus alunos, onde desenvolveu uma série de
dispositivos cenográficos e luminotécnicos inéditos. Lá, nas apresentações de fim
de ano de 1889 e 1890, Edward Gordon Craig, então com dezessete e dezoito
anos, foi testemunha de novos dispositivos de iluminação desenvolvidos por
Herkomer, que muito o impressionaram, como um fundo “infinito” que, através da
interação entre uma gaze transparente na diagonal com diferentes ângulos de
incidência de luz, resultavam a impressão de profundidade e movimento,
recriando para as lâmpadas incandescentes os efeitos de ilusão de ótica que
249
Phillip de Loutherbourg utilizara nos anos 1780 para os espetáculos de dança .
Muitos dos efeitos de luz das primeiras encenações de Craig serão
aperfeiçoamentos dos mecanismos de Herkomer, porém com objetivos estéticos
totalmente diferentes.
Sabemos pelas descrições das viagens de Craig que ele entrou em contato
com teatros e profissionais de vários países, onde pesquisou com afinco novas
maneiras de iluminar e desenvolvimentos tecnológicos, em especial aqueles
produzidos na Alemanha: em Munique, conheceu os dispositivos de luz criados
pelo prof. Littmann para o München Künstler Theater, cuja maquinaria dos
cenários e da iluminação é totalmente escondida da platéia e “são diferentes de
250
tudo quanto vi até hoje” ; também conheceu de perto o trabalho de Max
248
Innes, Christopher. Edward Gordon Craig A vision of the Theatre.
Overseas Publishers Association, 1996, pp.31 a 36.
249
Para não sermos repetitivos, explicaremos em detalhes o “truque” desta
mágica de luzes, a partir do desenvolvimento feito por Craig para Dido e
Enéas.
143
Reinhardt, a quem chama com admiração de o “grande chefe de escola, o
251
professor Reinhardt” Craig também cita o cuidado e preciosismo da pesquisa
em luz no Teatro de Arte de Moscou que, apesar de caminhar para o sentido
oposto da sua, utilizar-se de ribaltas, gambiarras e efeitos que têm por objetivo
uma eterna busca pela precisão naturalista, o inspiraram muitíssimo por sua
“perfeição técnica”, dedicação e bom gosto. O Teatro de Arte de Moscou mudou a
perspectiva de Craig quanto à possibilidade de uma harmonia e dedicação
coletivas para um objetivo comum, naturalmente a partir do impulso e força
catalisadora e, como prega o encenador inglês, unificadora do encenador.
250
Craig, E. Gordon. “O Teatro na Alemanha, na Rússia e na Inglaterra” in
Da Arte do Teatro. Op. Cit. p. 148.
251
Idem Ibidem, p. 152.
252
Idem Ibidem, p. 177.
144
geral do espetáculo e particularmente, da iluminação como um fator decisivo de
um conjunto de significação visual, é, na prática, justamente a assunção do
significado da iluminação cênica como linguagem.
Resta saber agora, como Edward Gordon Craig, que é conhecido como
grande iluminador e, inclusive nomeado por Margot Berthold com o interessante
epíteto de “Simbolista da luz, ou seja, iluminador” 253; concebia esta linguagem.
253
Berthold, Margot, História Mundial do Teatro. São Paulo: Ed Perspectiva,
São Paulo, 2003. p. 471.
254
Craig, E. Gordon. “Os Artistas do Teatro do Futuro” in Da Arte do
Teatro. Op. Cit. p. 72.
145
resultados admiráveis e parece maravilhosamente simples e prático (...). É a
supressão total da ribalta e das gambiarras”. 255
255
Kurtz, Maurice. Jacques Copeau, Boigraphie d´um Thèâtre citado por
Redondo Júnior em Craig, E.G. Da Arte do Teatro. Op. Cit. p. 9.
256
Idem Ibidem, p. 179.
257
Craig, E. Gordon, “Um Mot sur Le Thèâtre tel qu’il était, tel qu’il
est, tel qu’il sera” in Thèâtre Populaire, 3º trimestre 1962, n.47, p.
120 citado por Bablet, Denis in Esthétique Générale du Décor de Théâtre
De 1870 a 1914. Op.Cit. p.311.
146
Chegamos, então, à descrição de Jean Jacques Roubine, que indica um
“dispositivo de iluminação” composto de luzes vindas do alto e da frente:
Encontramos, por fim, um livro que descreve cada uma das encenações de
Craig, inclusive do ponto de vista das coreografias, cenografia, figurinos e
iluminação, incluindo desenhos e projetos técnicos do próprio encenador, suas
anotações de ensaio assim como notas dos programas e críticas, exatamente o
que precisávamos para poder conhecer e analisar sobre bases mais firmes esses
“novos dispositivos” de luz, suas inovações e significado para o desenvolvimento
da iluminação cênica como linguagem técnico-estética. A descrição dos
dispositivos de iluminação que fazemos a seguir tem por fonte principal este livro:
Edward Gordon Craig – A Vision of Theatre, de Cristopher Innes.259
258
Roubine, Jean Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral. Op. Cit. pp.
121-122.
259
Innes, Christopher. Edward Gordon Craig A vision of the Theatre.
Overseas Publishers Association, 1996, pp.31 a 36.
147
III - PRIMEIRAS ENCENAÇÕES E OS NOVOS DISPOSITIVOS DE ILUMINAÇÃO
a. Dido e Enéas
260
Idem Ibidem, p. 45.
148
Craig inventa, assim, um novo dispositivo para iluminar o ator, no lugar da
ribalta.261 A luz de frente, que normalmente chamamos de “luz geral”, com a
mesma função da “luz difusa” proposta por Appia. Embora considere este, como
qualquer outro dispositivo, específico para cada espetáculo e, portanto, coerente
com um conjunto único e novo a cada nova encenação.
261
Cabe lembrar que embora as críticas à ribalta sejam feitas
regularmente desde o Renascimento com Sabattini, ela é até então
irremediavelmente utilizada como luz principal, a não ser em espetáculos
onde por alguma razão estética excepcional não há nenhuma luz de frente,
como em “Pelleás e Melisande” de Lugné Poë, por exemplo.
262
Bablet, Denis. Edward Gordon Craig. Paris: L’Arche, 1962, p. 54.
263
Innes, Christopher. Op. Cit., p. 46.
149
O fundo “infinito” permite um jogo de luzes – entre aquela que ilumina o
fundo por trás da gaze (que fica então transparente) e outra projetada na gaze
pela frente (que torna a gaze opaca) – criando um efeito surpreendente de ilusão
de ótica, sobretudo quando através do movimento de intensidades se dá a fusão
entre o que está atrás e o que está na frente, quer sejam cores, imagens,
cenografias ou personagens.264 Esse efeito de fusão em Dido e Enéas
acompanhava o ritmo dos tambores da música.
264
Esse movimento de luzes em gazes transparentes que cria uma fusão
entre a imagem que está por trás e a da frente, usada desde o século
XVIII, é um “truque” de ilusão de ótica muito comum, no entanto sempre
surpreendente. É o mesmo efeito usado tanto nas complicadas passagens de
lugar e tempo do filme O Fundo do Coração de Copolla, uma das iluminações
mais caras do cinema, até a mágica da “Mulher/Monga” em parques e circos.
265
Craig considera que as “aparições”, “espectros” ou “espíritos” são o
centro destas peças porque “O simples fato da sua presença proíbe
qualquer figuração realista das peças em que aparecem. Esses espíritos
dão à peça a tonalidade na qual, assim como as notas na música, todas as
partes deverão harmonizar-se” Craig E.G. “Dos espectros nas tragédias de
Shakespeare”, in Da Arte do Teatro, Op. Cit. p. 271.
266
Innes, Christopher. Op. Cit., p. 46.
150
A descrição das luzes também esclarece o uso de cores267, como
demonstra, por exemplo, essa descrição do movimento final do espetáculo:
267
Como normalmente as descrições e citações de luzes encontradas são, em
geral, abrangentes e conceituais e as fotos e desenhos são em preto e
branco, o quanto e como as cores são usadas permanecem muitas vezes
imprecisas ou mesmo misteriosas. Neste livro de Christopher Innes há
descrições precisas de efeitos, técnica, cores e ângulos. Citarei algumas
que considerei mais representativas, para poder comentá-las e tentar
analisar assim o seu sentido no todo deste capítulo e da dissertação como
um todo.
268
Para a palavra dimmed, aqui utilizada, usamos comumente em “português
de iluminadores” o anglicismo “dimmerizado”. Que significa diminuído ou
aumentado de intensidade por meio de dimmmers.
269
Innes, Christopher. Op. Cit., p. 46
151
ou o choque entre a interioridade e o mundo exterior. As cores transfiguram o
mundo por dentro.
b. A Máscara do Amor
270
“A Máscara do Amor, é tirado da ópera de Purcell, Diocleciano. O
libreto é a adaptação por Betterton da peça de Beaumont e Fletcher: A
Profetisa, ou A História de Diocleciano”. Bablet, Denis. Edward Gordon
Craig. Op. Cit. p. 62.
271
Bablet, Denis. Edward Gordon Craig. Op. Cit. p. 62.
272
Innes, Christopher. Op. Cit., p. 60.
152
O efeito do “céu infinito” é repetido e ampliado. Neste espetáculo o tecido
do fundo é preto, permitindo um jogo de cores mais misterioso e mágico entre a
luz do fundo e a luz de frente da gaze e, além da gaze do fundo, Craig acrescenta
duas cortinas de gaze na boca de cena, a primeira pintada com “uma grade com
273
barras cinza escuro” para a cena da “Prisão do amor” e a segunda com
274
“quadrados brancos”. Este efeito, que segundo Christopher Innes deriva de
Iñigo Jones, faz parecer a todos que vêem de frente que as imagens acontecem
dentro das grades ou por trás dos quadrados brancos, pois realiza através dos
efeitos de luz uma justaposição das imagens, como àquela realizada por
sobreposição de transparências. No entanto a gaze da frente separa ainda mais
do que a ribalta as imagens do palco, da platéia, criando uma impressão de
quadro móvel, quase uma pintura em três dimensões.
c. Áxis e Galatéia
275
Em 1902 é a vez da pastoral Áxis e Galatéia . Nesse espetáculo cabe à
luz traduzir um grande contraste entre o clima poético da pastoral e os momentos
de terror e medo representados pela presença do gigante Polifemo.
Aqui Craig faz uso mais uma vez de uma máxima do simbolismo, de que o
poder da imaginação vale mais do que qualquer materialização física. Assim
sendo, em vez de revelar Polifemo, a iluminação o esconde.
273
Innes, Christopher. Op. Cit., p. 59.
274
Idem Ibidem, p.59.
275
“Depois de Dido e Enéas e A Máscara do Amor, Craig e Martin Shaw (maestro
responsável pela direção musical das três montagens) empreendem montar, nas
mesmas condições, Axis e Galatéia, pastoral em duas partes de John Gay,
música de Haendel” Bablet, Denis. Edward Gordon Craig. Op. Cit. p. 65.
153
impressão de ‘um imponente castelo emerge em um contorno
dourado’276.277
276
Por curiosidade de saber se a imagem do castelo emergia como sombra na
gaze ou luz na tela do fundo, fomos à citação original, encontrada (em
francês) no livro de Bablet. Por acharmos interessante como cada tempo
projeta seu mundo na maneira de descrever o que vê ou lê, apresentamos
aqui a mesma cena segundo a descrição da fonte de Christopher Innes: “O
fundo é constituído por uma grande tela azul sombreada e os amantes, Acis
e Galatée, parecem no meio da cena que é iluminada somente por uma luz
vermelha (rouge) dirigida sobre eles. Em seguida, quando o coro os
convida à <contemplar o monstro>, a imagem de um imponente castelo emerge
em um contorno dourado sobre a tela do fundo” Spence, Percy (legenda que
acompanha um desenho) Sphere, vol. 8, n.113, March 22, 1902 in Bablet,
Denis. Edward Gordon Craig, Op. Cit. pp. 67 – 68.
277
Innes, Christopher. Op. Cit., p. 52.
278
Idem Ibidem, p. 52.
154
severas, precisas, e, contudo, misteriosas; o espírito
os sente com facilidade, os aceita com a mesma
facilidade com que aceita a convenção da peça
279
poética...
d. Bethlehen
Primeiro, para a cena da chegada dos Reis Magos, Craig cria uma
procissão que vem da platéia rumo ao palco. Porém para não deixar que a
humanidade dos atores junto ao público quebrasse com a divindade da cena, ele
cria um corredor de gaze e de luz, de forma a manter a “distância” entre um e
outro, entre a idealidade da arte e a realidade humana.
A divindade foi assim substituída por uma luz divina, parte de uma
iluminação simbolista e divinizante. Bablet escreve que “Na época, nenhum
281
espetáculo antes revelou tal utilização da iluminação” .
Difícil afirmar que tenha sido mesmo a primeira, com certeza não é a última.
279
Simons, Arthur, Studies in seven Arts, London, Archibald Constable and
Company, 1906, p 354 in Bablet, Denis. Edward Gordon Craig. Op. Cit. p.68.
280
Innes, Christopher. Op. Cit., p. 77.
281
Bablet, Denis. Edward Gordon Craig. Op. Cit. p.72.
155
e. Vikings
282
Com a gaze de frente torna-se impossível projetar qualquer luz de
frente (que transformaria a boca de cena em uma parede opaca). A luz
vinda primordialmente de cima fica mais desenhada no espaço. Exatamente
156
Atrás da cortina de gaze fina eles passavam e
desapareciam, como incríveis e estranhos peixes de um
aquário.283
284
Temos menos indicações técnicas sobre este espetáculo , citaremos
apenas a iluminação de uma das “cenografias” que reafirma o estilo de Craig. Na
cena da Igreja, nada de paredes, abóbadas, imagens ou vitrais, apenas uma cruz
e um raio de luz colorido, como se vindo do sol atravessando um vitral, projetasse
seu reflexo sobre a cena. Mais uma vez, pela última na Inglaterra285, a iluminação
simbolista de Craig oferece significado, ambiência e movimento ao espaço cênico.
157
características de forma e cor do que se vê em cena, assim como suas relações.
É então a partir da idéia de movimento que Craig orquestra a relação entre as
luzes, as sombras e as cores286 e a matéria, como um dado simbólico de
progressão dramática. Como encenador, Craig sabe muito bem utilizar-se do
visível e suas múltiplas transformações, para atingir através da experiência
sensível, o invisível.
a. Um novo começo
b. Steps
286
E também não há como esquecer a importância da sinestesia e da relação
entre as notas musicais e as cores para os simbolistas.
158
É através do desenho que os seus próximos passos se manifestam. Bablet
em seu livro sobre a cenografia (de 1874 a 1914) chama essa fase da pesquisa
287
pessoal de Craig de “Drama do Silêncio” . O encenador e gravurista pesquisa o
movimento inerente à forma, às luzes, aos contrastes. Como nos “Espaços
Rítmicos” de Appia, o próprio desenho propõe um movimento intrínseco, uma
ação dramática interna, uma expectativa.
287
“Nos queremos envolver o povo com símbolos silenciosos; em silêncio queremos
revelar o movimento das coisas... esta é a natureza da Arte.” Craig, E.G.
“Geometry” The Mask, vol I n.1, mars 1908, pp.1-2 in Bablet, Denis.
Edward Gordon Craig. Op. Cit. p.147.
159
Podemos perceber que num mesmo espaço “dramático”, fixo, o movimento
e o tempo se contam através das imagens, na sugestão das ações humanas que
povoam esta escadaria, na mudança da luz e dos contrastes. Na primeira
imagem, em que crianças brincam, a imagem é mais clara, há menos contrastes,
as formas se esboçam. Na segunda, um grupo de jovens é puro movimento no
contraste entre seus corpos em contra-luz e o fundo branco, a imagem geral é de
pura expectativa. Na terceira, a oposição entre preto e branco revela seu sentido
implícito, um homem e uma mulher em movimentos opostos, cores e contrastes
opostos, sugerem uma resolução. É, sobretudo, no último desenho que a imagem
e os contrastes tornam-se mais complexos, que os signos potencializam-se em
símbolos, a vida relaciona-se com seu passado e seu futuro, para além da
matéria, as portas em branco no alto espelham-se nas sombras, partidas, da
base, o mistério da existência não se explica, apenas se manifesta nas formas e
luzes do desenho.
288
Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de Théâtre De 1870 a 1914.
Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1989, p.
322.
160
movimento mecânico das formas que ele descobre o caminho para suas
pesquisas futuras
c. Scenes
290
Sebastiano Sérlio, Architettura Edward Gordon Craig, Scenes
289
Craig, E. G. Daybook I, p. 77 (3/02/1907) in Bablet, Denis. Edward
Gordon Craig. Op. Cit. p.155.
290
Innes, Christopher. Edward Gordon Craig A vision of the Theatre. Op.
Cit.p.178.
161
Inspirado pelo estudo do Livro Architettura, de Sebastiano Serlio, onde o
arquiteto renascentista estuda a projeção de volumes a partir da planta baixa,
dividindo o palco em um diagrama de linhas, rumo ao ponto de fuga (ver imagem
com os diagramas de Sebastiano Serlio), Craig imagina um dispositivo
cenográfico único e móvel, uma cena arquitetural. Nela o palco seria dividido em
cubos móveis, por baixo do nível do palco, que poderiam movimentar-se
mecanicamente, elevando-se do solo e formando um conjunto arquitetural de
volumes transformáveis.
291
Não se trata, portanto, de uma cenografia, mas um lugar, um palco de
um novo tempo da história do teatro, aquela do teatro do futuro. Um espaço
móvel, potencialmente pronto para transformar-se em muitas cenografias, uma
para cada espetáculo, cada ato, ou mesmo mover-se constantemente à vista do
público, como um dança das formas, análogo ao movimento da música. Como
revela Craig ao apresentar seus desenhos para este projeto na exposição de
Florença:
A coisa mais importante é que este movimento, que
é a base desta arte da revelação, deve ser traduzido
através de formas inanimadas. Nós construímos um
instrumento. Graças a este instrumento o artista é capaz
de tornar o espectador sensível à lei que controla nosso
sistema – a lei da mudança. (...) O espírito e o
pensamento do artista passando através desse instrumento
devem suscitar formas sucessivas, transformáveis e
efêmeras, que mudam sem cessar, mesmo
292
imperceptivelmente.
291
“Para ele (Craig) cada era da história do teatro se define por um tipo
de cena (ou palco) bem precisa: o teatro Greco-romano é dominado pela
unidade arquitetural da cena, a igreja é o lugar teatral privilegiado na
Idade Média...” in Bablet, Denis. Edward Gordon Craig. Op. Cit. p.156.
292
Catálogo Etchings being Designs for Motions by Gordon Craig, Florence,
1908, p. 8 in Bablet, Denis. Edward Gordon Craig. Op. Cit. p.152.
162
arquiteturais e a iluminação é fundamental para a idéia do conjunto, porque a luz
anima as formas inanimadas e povoa o espaço, transformando-os para além de
seus movimentos mecânicos, proporcionando-lhes ambiência e atmosfera,
oferecendo ao todo sua própria alma, juntamente com a música.
d. Screens e a luz
294
“O palco deve agir”
Edward Gordon Craig
293
Sobre a “Cinética Cênica” vide KOURIL, Miroslav. La Cinétique Scénique
in Le Lieu Théatral dans la Société Moderne. Paris: Editions du Centre
National de la Recherche Scientifique, 1961, pp. 211-223.
294
Craig. E. G. Scene in Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de
Théâtre De 1870 a 1914. Paris: Editions du Centre National de la
Recherche Scientifique, 1989, p. 322.
163
Mais do que as Scenes, a luz é pensada como parte integrante do movimento
potencial dos Screens.
Sob a ação da luz, os Screens podem mudar de cor, servir de tela para a
projeção de sombras e de imagens ou mesmo ganhar transparência. Sua forma e
movimento, como persianas, também permite que massas de luz passem entre
eles, pelas laterais ou diagonais do palco. Assim a relação entre essas formas e a
luz possibilita uma infinidade de movimentos e atmosferas que podem
acompanhar a progressão dramática de qualquer peça. Não é possível para Craig
pensar os Screens sem a mobilidade da luz:
295
Idem Ibidem, p. 325
296
Craig, E. G. Scene in Bablet, Denis; Edward Gordon Craig. Op. Cit. p.
158.
164
presta atenção a um rápido movimento de mãos, os arranja
de certa maneira: um raio de luz elétrica passa entre
esses simples retângulos de cartão e o milagre está
completo: você vê uma cena grandiosa. (...) Craig é um
grande pintor, um grande arquiteto, um grande poeta. Ele
pinta com a luz, ele constrói alguns retângulos de
cartão, e com a harmonia de suas cores e de suas linhas
ele cria sensações profundas como somente os ancestrais
da poesia souberam fazê-Lo.297
e. Hamlet de Moscou
297
Carta do arquiteto Filiberto Scarpelli a Giovanni Grasso (4/12/1913)
citada por Bablet, Denis in Edward Gordon Craig. Op. Cit. p. 159.
298
De 1º de novembro, quando Craig chega a Moscou para conhecer
Stanislavski e o Teatro de Arte de Moscou, até a estréia em 8 de Janeiro
de 1912. O processo de construção do espetáculo foi realizado em etapas,
marcadas por quatro temporadas de Craig em Moscou: a primeira para
combinar o trabalho e suas bases, a segunda para um longo trabalho de
mesa, a partir do qual Craig desenhou a encenação e os projetos de
cenografia, figurinos e iluminação, no terceiro tiveram início os ensaios
e a produção, no último tudo se uniu para os ensaios finais e a estréia.
165
efetiva, a fricção artística concreta entre as duas grandes linhas de pesquisa no
teatro do século XX: o naturalismo impressionista de Stanislavski em busca da
expressão individualizada dos estados da alma e o simbolismo de Craig, em
busca da síntese e da convenção 299.
299
“Face à Stanislavski que permanece ligado aos princípios da “ilusão
realista”, Craig propõe um teatro fundado sobre a convenção orquestrada e
reconhecida como tal. Aqui sem dúvida reside a causa profunda de seus
desacordos. E é atrvés dela que Craig anuncia as futuras realizações do
teatro russo, aquelas de Meyerhold, de Taïrov e de Vaghtangov”. Bablet,
Denis in Edward Gordon Craig. Op. Cit. p. 180.
300
Craig, E.G. Da Arte do Teatro, Op. Cit. p.195.
166
iluminados por luzes manuais posicionadas a sua frente na ponta de longos
suportes. Acima do sofá onde o Rei dormia havia uma lua recortada, pendurada a
uma corda entre dois postes.” 301.
Em consonância com sua idéia de uma síntese simbólica que pauta todo o
conjunto da encenação, Craig “simplifica o drama, sublinhando as oposições
302
fundamentais” , dessa forma para o encenador “Hamlet não é uma crônica
histórica, nem uma tragédia romântica, mas um drama simbólico onde se opõem
princípios. (...) Mas estes princípios não são abstrações, sua oposição se encarna
303
em um drama que coloca face a face um homem e um universo” . Hamlet está
só em meio a uma corte voltada para a riqueza material e degenerescência
espiritual. Nessa luta “Hamlet é a vítima de um sacrifício purificador” 304, a morte é
seu signo, sua ação. Desta forma esta oposição fundamental entre Hamlet e a
corte é o ponto central da concepção do cenário, dos figurinos e da iluminação.
301
Innes, Christopher. Op. Cit., p. 155. Este exemplo é caro para mim,
porque na montagem de Ham-Let do Teatro Oficina (onde fui assistente de
direção e iluminadora) uma das características principais da luz eram as
luzes móveis que perseguiam Hamlet, contracenando com as gerais de forma
a dar a medida do que era público e o que era privado no espetáculo.
302
Bablet, Denis in Edward Gordon Craig. Op. Cit. p. 172.
303
Idem Ibidem, p. 172.
304
Idem Ibidem, p. 172.
167
As cenas da corte são todas douradas, formando uma massa uniforme, um
mundo indistinto de ouro e aparência. Na primeira cena da corte, a festa de
casamento e coroação do novo Rei, por exemplo, um grande manto dourado
cobre o palco, os Screens e os figurinos também são dourados formando um
mesmo universo que brilha com os “feixes de luz móveis que parecem resvalar na
superfície deste mundo degenerado, dando ao ouro reflexos sinistros e
305
ameaçadores” , em oposição à figura de Hamlet, só, de negro, no primeiro
plano em meio a uma região sombria. Dividindo fisicamente esses dois mundos
incompatíveis “uma leve cortina de tule negro, ou gaze, era esticada atrás dele e
o distinguia nitidamente dessas figuras douradas drapeadas, dando a elas um
306
efeito sombrio” . Na cena do famoso solilóquio do “ser ou não ser”, Hamlet está
em pé atrás do tule com uma grande sombra atrás dele. “Nos Screens laterais,
sombras estão continuamente se movendo ao seu redor e com ele, tremeluzindo
307
como vapores negros” . Nas cenas seguintes essa “sombra enorme” continua
ao seu lado, acompanhando Hamlet, como se fosse a sua própria sombra. Os
Screens têm duas cores apenas: dourado e cinza. Assim a luz terá por tema
principal esta mesma oposição entre o brilho e o movimento dos raios sobre o
305
Idem Ibidem, p. 176.
306
Innes, Christopher. Op. Cit., p. 152.
307
Idem Ibidem, p. 152
168
dourado e as zonas sombrias e misteriosas do palco, onde está Hamlet, de onde
aparece o espírito de seu pai, o Fantasma do Rei Hamlet. Um mundo dourado e
brilhante que coloca em destaque o ponto negro, o mistério do espírito em cinza
ecoa nas sombras que acompanham Hamlet como sua própria morte, inevitável.
Como no exemplo de Macbeth, a oposição fundamental é entre a matéria e o
espírito; o espírito vence, ou vinga, mesmo que seja em uma catarse purificadora,
a morte.
169
Neste momento da história do teatro, os simbolistas da cena entendem os
olhos como janela da alma e, portanto, as iluminações como escritura para uma
manifestação visível da idéia. Assim quando Margot Berthold chama Craig de
308
“Simbolista da luz, isto é, iluminador” é porque nomeia Craig como um artista
da visão e a iluminação como um dos seus principais instrumentos de linguagem.
308
“Craig concebia seu palco não apenas na qualidade de simbolista da
luz, isto é, iluminador, mas também, na mesma medida, como arquiteto”
Berthold, M. História Mundial do Teatro. São Paulo: Ed Perspectiva, 2003, p.
471.
170
CAPÍTULO 10
A REVOLUÇÃO ALEMÃ NA LUZ
UMA REINVENÇÃO DA LUZ PARA NOVAS RELAÇÕES ESPACIAIS
No livro Feste dês Lebens und der Knust (Festa da Vida e da Arte), de
1900, Peter Behrens, além de condenar o ilusionismo, nomeia o espectador como
participante do ato teatral. Para isso propõe um espaço cênico onde o Proscênio
avança para a platéia:
309
Bablet, Denis . Esthétique Générale du Décor de Théâtre De 1870 a
1914. Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique,
1989, p. 360.
310
Idem Ibidem, p. 360.
171
Influenciado diretamente por Peter Behrens, Georg Fuchs escreve
Shaubühne der Zukunft, (O Teatro do Futuro, 1905) e Die Revolution dês
Theaters (A Revolução no Teatro, 1909). É a partir da pesquisa histórica que
Fuchs desenvolve sua concepção de espaço cênico, baseada no teatro da
antiguidade e oriental. Para ele o objetivo do teatro é, como na antiguidade, criar
uma emoção comum, uma festa pública:
Ele propõe, então, uma arquitetura em camadas, que podem ser usadas
em conjunto, ou separadamente, em palcos cada vez menos profundos. Assim o
arquiteto Max Littmann constrói o Künstler-theater de Munique com um palco
divido em três espaços cênicos distintos, com funções diferentes:
311
Fuchs, Georg, Die Schaubühne der Zukunft apud Bablet, Denis.
Esthétique Générale du Décor de Théâtre De 1870 a 1914. Paris: Editions
du Centre National de la Recherche Scientifique, 1989, p. 362.
312
BATY, Gaston e CHAVANCE, René. El Arte Teatral. Trad. Juan Jose
Arreola. México: Fondo de Cultura Económica, 1951, p. 250.
313
Fuchs, Georg; Die Revolucion des Theaters apud BATY, Gaston e CHAVANCE,
René. El Arte Teatral. Op. Cit. p. 250.
172
laterais. Para aproximar ainda mais a platéia da representação Littmann
substitui a ribalta por luzes vindas da frente e de trás deste primeiro
espaço, dispostas em uma “ponte móvel que suporta um equipamento
de luz completo e que pode ser levantado ou abaixado conforme a
necessidade. Quando o euipamento está completamente abaixado e as
cortinas estão levemente fechadas, as dimenções do palco são
314
consideravelmente reduzidas” . Nas laterais, ao fundo do primeiro
espaço, duas torres quadradas com uma porta e uma janela cada,
semelhante ao primeiro plano do palco do teatro renascentista.
3. Uma cena de trás, com uma tela de fundo iluminada por “uma
iluminação de cinco cores descendo das varas, e ao pé da cena de trás,
surge de uma angulosa e grande escotilha” 315.
Apesar dos três planos, Georg Fuchs propõe que não se utilize o fundo
para criar uma ilusão de profundidade, nem telas pintadas com efeito realista. Em
conseqüência, a idéia de Littmann para essas estruturas cênicas, ao mesmo
tempo fixas e móveis, é indicar o lugar da ação por meio de uma “cenografia
316
simplificada e estilizada” . Como no teatro do Renascimento, com algumas
modificações a partir de uma estrutura fixa, é possível criar todos os espaços
necessários à fábula. A grande diferença proposta para este novo espaço não
está em sua estrutura específica, mas na recusa do ilusionismo e, principalmente,
o conceito de que os elementos da cena, incluindo cenários e luzes sejam, em
sua simplicidade, assumidamente teatrais. Esse ponto faz toda a diferença, Fuchs
propõe explicitamente a “reteatralização do teatro”.
314
Robert Brussel. “La saison à Munich – le Künstler-Theater”. Le Fígaro,
233, 20/08/1908 in Theatre in Europe: a Documentary History – Naturalism
and Simbolism in European Theatre 1850 – 1918. Op. Cit. p. 179.
315
“una iluminacion de cinco colores desciende de las diablas, y al pie
de la escena trasera, surge de um angosto y largo escotillon” (rever
tradução)BATY, Gaston e CHAVANCE, René. El Arte Teatral. Trad. Juan Jose
Arreola. México: Fondo de Cultura Económica, 1951, p. 250
316
Max Littmann, Das Münchener Künstlertheater apud Bablet, Denis.
Esthétique Générale du Décor de Théâtre De 1870 a 1914. Op. Cit. p. 364.
173
O Künstler-Theater de Munique estréia com o Fausto, de Goethe, com
cenografia e dispositivos cênicos de Fritz Erler. Em consonância com Georg
Fuchs, ele pretende que o espaço cênico se revele enquanto tal e por sua
estilização exponha o “seu caráter de representação” 317.
174
cena à platéia, que participa de uma ação comum e pública. Como todo
movimento artístico tem um desenvolvimento plural e é difícil e provavelmente
desnecessário de ser desenredado. Escolhemos aqui analisar o trabalho de
alguns desses encenadores como ícones de um movimento amplo de
“reteatralização do teatro”, que tem como conseqüência direta a assunção da
iluminação como linguagem explícita da encenação moderna. Esse
desenvolvimento encontra eco imediato no trabalho de Max Reinhardt, um
experimentador-símbolo desse período, porque transitou por vários movimentos e
bebeu de todas as influências de seu tempo.
175
10.2 MAX REINHARDT e a luz das “catedrais cênicas”
Como ator, foi formado pelo naturalismo de Otto Brahm, fundador do Frëi
Buhne de Berlim319. Jovem encenador desenvolveu um estilo impressionista,
onde coube à iluminação dar vida à ambiência e criar atmosferas intensas, cheias
de mistério ou deslumbramento. Deixou-se inspirar pelas idéias simbolistas de um
teatro de sugestão: empregou a cenografia pictórica, não realista, e, na
seqüência, fortemente influenciado por Appia e Craig, partiu para a cenografia
arquitetural320, animada pelo movimento da luz. É considerado também como um
dos precursores do teatro expressionista alemão, tanto por suas montagens
pioneiras de textos expressionistas como pela forma como utilizou a iluminação
em seus espetáculos, expressando a interioridade de forma visível, separando
321
diferentes planos de existência e transfigurando realidades . Max Reinhardt
passou, portanto, de uma maneira ou de outra, pelos principais movimentos
teatrais de seu tempo (naturalismo, impressionismo, simbolismo e
expressionismo) sem, no entanto, fixar-se em nenhum deles, colhendo de cada
319
Com quem começou a trabalhar como ator em 1894 no Deuthsches Theater
de Berlim.
320
“...veio a ser um dos expoentes do impressionismo e do simbolismo,
traduzindo em termos cênicos muito daquilo que fôra ideado por Appia e
Gordon Craig” Rosenfeld, Anatol. Teatro Alemão. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1968. p. 116.
321
“... a encenação de O Filho (Der Sohn), de Walter Hasenclever, no
Deuthsches Theater de Berlim, em 1918, pode ser considerado o correlato
cênico do Grito Expressionista de Edvard Munch, composto em 1893. A
estréia define o diretor alemão como um dos primeiros representantes da
encenação expressionista, especialmente pelo emprego de procedimentos
inéditos de iluminação e organização do espaço cênico” Fernandes, Silvia.
Encenação Teatral no Expressionismo in O Expressionismo (Org. Jacó
Guinsburg) São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002, p. 231.
176
um os elementos de que se serviu para aumentar o poder expressivo de seus
espetáculos. Por tudo isso é definido como “o homem do ecletismo” 322.
Mas tamanho ecletismo tem alguns objetivos comuns, aos quais foi
extremamente fiel e que nortearam todas as suas experimentações. O primeiro
deles é a unidade da obra teatral: Reinhardt apresenta em cada encenação um
conjunto orgânico, para o qual orquestra com rigor conceitual todos os elementos
do espetáculo. Também se manteve constante à importância do ator como cerne
do teatro. Outro importante eixo desenvolvido em seu trabalho e que, para além
das diferenças imprime uma identidade forte ao coletivo da obra, está no impacto
da significação visual em seus espetáculos, da qual fazem parte admirável
pesquisa e desenvolvimento técnico, incluindo de forma decisiva cenografia e
iluminação cênica.
177
vista visual, mas, sobretudo, propondo uma nova relação entre o espetáculo e a
platéia, onde esta era incluída no jogo da cena, fundindo ficção e realidade, atores
e público.
Max Reinhardt estréia como diretor no cabaré literário, onde se reúne a jovens
atores formando em 1901 um grupo chamado “Som e Fumaça”. Essa estréia em
cabaré permite o uso de linguagens misturadas, luzes coloridas com um
movimento mais livre e fragmentado, sem o compromisso com qualquer regra
pré-estabelecida de procedimento técnico, em espetáculos compostos de
pedaços que misturam danças, cantos e paródias com teatro:
324
Rosenfeld, Anatol. Teatro Alemão. Op. Cit. p. 118.
325
Citado por Robert Edmund Jones, assistente de Max Reinhardt por dez
anos, no artigo “A um Jovem Decorador Teatral - Luz e Sombra” in O Teatro
e sua Estética. Lisboa: Editora Arcádia, 1964, p. 320.
178
se alternam a apresentações de autores modernos como
326
Strindberg e Wedekind.
326
Fernandes, Silvia. Encenação Teatral no Expressionismo in O
Expressionismo (Org.Jacó Guinsburg) São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002, p.
232.
327
Reinhardt, Max. Trecho de texto do encenador de 1901, in Theatre in
Europe: a Documentary History – Naturalism and Simbolism in European
Theatre 1850 – 1918. Edited by Claude Schumacher. New York: Cambridge
University Press, 1996, p. 172.
328
Idem Ibidem, p. 170.
329
Idem Ibidem, p. 170.
330
Fernandes, Silvia. Encenação Teatral no Expressionismo. Op. Cit. p.
232.
179
As sombras da ribalta podem talvez sugerir a capa
do bobo. (...) no desenho do palco certifique-se
cuidadosamente que mudanças rápidas de luz sejam
possíveis, que haja o máximo de espaço cênico possível
para cenas de multidões (como na Orestéia) e que
mudanças de cena no escuro sejam possíveis com as
cortinas abertas. Acima de tudo, a iluminação deve ser
flexível, muitas cores e também focos. A iluminação
deverá substituir cenários, que inicialmente deveremos
dispensar inteiramente. 331
Neste espaço a luz deve, portanto, ser flexível o bastante para substituir
cenários, em uma prática de síntese tipicamente simbolista. A mágica teatral
advinda das cores e movimentos da luz que farão a fama de Reinhardt já estava
presente desde o início. Neste espaço o encenador dirige, entre muitos outros,
Górki (No fundo), Strindberg (Crimes e Crimes), Shakespeare (Sonho de Uma
Noite de Verão), Oscar Wilde (Salomé), Wedekind (O Espírito da Terra).
Como Reinhardt tem uma produção incrível tanto no que tange à diferença,
quanto à quantidade das encenações, citaremos apenas algumas, as mais
significativas de um período ou estilo de sua produção e, sobretudo, aquelas
sobre as quais encontramos alguma indicação específica sobre a iluminação.
331
Reinhardt on designing the Kleines Theater. Carta de Max Reinhardt a
Berthold Held (ator e produtor que trabalhou com Reinhardt desde o início
de suas carreiras) de 4 de agosto de 1901 in Theatre in Europe: a
Documentary History – Naturalism and Simbolism in European Theatre 1850 –
1918. Op. Cit., p.174.
180
332
), ou seja, um mundo de sonhos que não é nem totalmente real, nem abstrato,
mas uma realidade imprecisa, difusa, levemente transfigurada, de contrastes um
pouco mais fortes do que o normal. Também de 1903 é Elektra, de
Hoffmannssthal, cenário de Max Kruse (que não é pintor, mas escultor), encenada
por Reinhardt no Kleines Theater: A peça dura o tempo de um lento entardecer,
que, ao contrário de localizar a ação no tempo e no espaço, serve para banhar o
palco de um vermelho “sangue”, que espalha sobre o palco o anúncio da tragédia.
A escuridão misteriosa que baixa pesadamente sobre a cena durante a ação
contrasta com as tochas que, levadas por um séquito, acompanham Clitmenestra.
A luz de Electra também é trêmula, bruxuleante. A única luz forte e brilhante do
espetáculo pode ser vista pela porta onde o público percebe em silhueta a sombra
de Orestes, anunciando a resolução do conflito principal da tragédia e futuro de
Argos.333 Para além da sugestão, a luz expressa a tragédia passada, presente e
futura da peça, revelando uma encenação que tende já, sob o aspecto da luz,
para o expressionismo.
332
Idem Ibidem, p. 181.
333
Análise minha sobre a descrição da iluminação e cenografia do
espetáculo realizada pelo próprio Hofmannsthal. “Directions for staging
Elektra”(trechos)in Theatre in Europe: a Documentary History – Naturalism
and Simbolism in European Theatre 1850 – 1918. Op. Cit., p. 168.
334
Este Teatro, mesmo local onde começou sua carreira com Otto Brahm, foi
comprado por Max Reinhardt, meses depois, ainda em 1905. Pertenceu ao
encenador até 1933, quando foi obrigado a entregá-lo para o Estado sob o
regime do Nacional Socialismo de Hitler. (Berthold, Margot. Max
Reinhardt: Magia e Técnica in História Mundial do Teatro. Op. Cit. pp. 483
– 494.)
335
Referências sobre o espaço e condições técnicas do Deutsches Theater e
do Kammerspiele: Fernandes, Silvia. A Encenação Teatral no
Expressionismo, Op.Cit., p. 232-233; Bablet, Denis. La Remise em Question
du Lieu théatral, in Le Lieu Théatral dans la Société Moderne. Paris:
181
O Kammerspiele foi inaugurado em 1906 com a montagem de Os
Espectros de Ibsen, cenografia de Edvar Munch. Esta cenografia, baseada no
telão pintado, segue o conceito de estilização, com a simplificação do desenho
em suas linhas e contrastes principais, com o mínimo de informação e detalhes e
o máximo de expressão da tensão fundamental do drama expressa pela pintura;
mas ainda permanece uma relação de verossimilhança entre o lugar real da ação
e o desenho336. Existe uma diferença grande em incluir a expressão do conflito
fundamental do drama na ação da peça, contracenando com o ator e o texto, ou
deixá-la estampada como signo no fundo da cena; um quadro nos joga dentro do
universo da pintura, participamos dele, porém a pintura de fundo por mais
expressiva que seja, quando não participa da ação, será sempre um pano de
fundo e como tal, demonstrativa.
182
338
do teatro do futuro” , como a “simplificação de elementos cênicos, cenografias
tridimensionais com predominância arquitetural e utilização sugestiva da
339
iluminação cênica” , além do movimento mecânico da cenografia,
principalmente com a utilização magnífica que fez do palco giratório.
338
Título de um importante ensaio de E.G.Craig de 1907.
339
Bablet, Denis in Edward Gordon Craig, Op. Cit. p. 109.
340
Berthold, Margot. História Mundial do Teatro. Op. Cit. p. 488.
183
Eu a representei em um circo, porque a forma deste
edifício é a melhor adaptada aos meus desejos. Os atores se
movem realmente entre os espectadores, representando seu
pequeno drama no meio de seus semelhantes, exatamente como
nosso grande drama se representa sobre a terra a cada dia de
nossa vida. 341
341
Reinhardt, Max apud Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de
Théâtre De 1870 a 1914. Op. Cit., p. 377.
342
Assim como pela própria experiência como iluminadora de “espetáculos
de multidão”, com o mesmo sentido de sobrepor simbolicamente a fábula ao
momento presente e, fisicamente, atores em meio à platéia, justapondo ou
separando o público do privado através da luz.
184
evoluções; juntar ou separar o palácio à cidade e os protagonistas do coro;
colocar ou tirar luz do público que lota as arquibancadas, dando um aspecto
público ou privado às cenas; seguir os atores e destacá-los em meio à multidão
(função provavelmente exercida por refletores com feixe de luz concentrada por
conjunto ótico, que seguem os atores, isto é, canhões seguidores) e, por fim,
relacionar por meio de um jogo de intensidades, todos esses espaços e
personagens, assim como suas distâncias formando um conjunto de significação.
343
A peça é a história de uma freira que abandona o convento para
conhecer o mundo, cai em uma seqüência de tentações rumo à decadência,
até retornar ao seio da igreja, perdoada por um milagre da Virgem Maria.
185
Os feixes de luz permitiam concentrar a atenção do
espectador, de dirigi-la rumo a tal ou tal parte da área
de representação; de estender ou reduzir à vontade o
espaço cênico. Quando a ação se desenrola realmente no
interior da igreja, os vitrais são iluminados, quando se
situa em outros lugares, eles são apagados. 344
344
Bablet, Denis. Esthétique Générale du Décor de Théâtre De 1870 a 1914.
Op. Cit., p. 379.
345
“A fase propriamente expressionista de Reinhardt começa com a montagem
de textos expressionistas de Sorge e Goering. É o período em que o
diretor participa do movimento A Jovem Alemanha (Das Junge Deutschland,
DJD), reunido em nome do periódico do mesmo nome e responsável pela
186
Mendigo, de Reinhard Sorge; Batalha Naval, de Reinhard Goering; Jó, de
Kokoschka; Uma Geração, de Fritz Von Unruh; Forças, de August Stramm, entre
outros 346.
187
A iluminação no expressionismo projeta a interioridade do “Eu” sobre o
mundo; transfigurando a objetividade através do ponto de vista da subjetividade.
348
Bablet, Denis. La Remise em Question du Lieu théatral, in Le Lieu
Théatral dans la Société Moderne. Paris: Editions du Centre National de
la Recherche Scientifique, 1961, p. 20.
349
Appia, Adolphe. “L’ avenir du drame et de la mise en scène” (1919) in
Oeuvres Complètes. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme. Tome III,
1988, p. 338.
188
No teatro das “grandes catedrais cênicas”, a iluminação continua a tornar
visível, ou invisível; a criar atmosferas de mistério ou maravilhamento, mas agora
também inclui ou restringe a presença do público no espaço cênico e rege os
movimentos da encenação em relação ao espaço e ao tempo, editando a ação.
350
Ambas em adaptação de Hofmannsthal.
189
APÊNDICE
190
CAPÍTULO 11
MEIERHOLD: Das iluminações simbolistas à luz épica
351
“A história do teatro moderno tem um dos seus eixos na relação
antitética Stanislávski-Meierhold”. (...) “... as buscas de um novo
teatro no âmbito russo – e não apenas nele – adquirem os nomes
polarizantes de Stanislávski e Meierhold, que passarão cada vez mais a
encarná-las efetivamente e simbólicamente” Guinsburg, Jacó. Stanislávski,
Meierhold & Cia.. São Paulo: Editora Perspectiva. 2001, p. 85.
352
Meierhold, V. Projet d’une noveulle troupe dramatique près Le Théâtre
d’Art de Moscou in Écrits sur le Théâtre - Tome 1 (1891-1917). Traduction,
préface et notes de Béatrice Picon-Vallin. Lausane, Suisse: Editions L’ Age d’
Homme, 1973, p. 65.
191
para a semi-obscuridade, ele perde todo o sentido
artístico na luz!” Faz-se de novo silêncio, resta apenas
a batida da fala medida dos atores. Mas tão logo a luz
foi acesa o cenário todo ficou estragado. Os vários
elementos foram desintegrados, os cenários e as figuras
foram separados 353
ILUMINAÇÕES SIMBOLISTAS
Introdução
Não pretendemos seguir aqui o desenvolvimento da iluminação em toda a
obra Meierholdiana, que abre fronteiras inauditas na arte do espetáculo – partindo
do simbolismo para o esteticismo, passando pelo agit-prop do período pós-
revolucionário, pelo formalismo russo, rumo à invenção do construtivismo no
353
Uliánov apud Guinsburg, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia. São Paulo:
Editora Perspectiva.2001, p. 29.
354
Guinsburg, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia. São Paulo: Editora
Perspectiva.2001, p. 29.
192
355
teatro e, enfim, à sua derradeira fase, sintética – já que as implicações,
concepções e formas deste desenvolvimento ultrapassam em muito as fronteiras
temporais desta dissertação356. Pretendemos, portanto, analisar especificamente
a sua fase simbolista, o desenvolvimento do ideário do teatro da convenção e sua
conseqüência para a teoria e prática da iluminação cênica.
Primeiras experiências
355
Segundo Guinsburg, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia. São Paulo:
Editora Perspectiva. 2001, p. 57.
356
Voltaremos, portanto, a analisar a iluminação na obra teatral de
Meierhold na continuação deste trabalho, que vai de 1914 até a
atualidade.
357
O Teatro na província exigia um número imenso de montagens por
temporada, segundo Beatrice Picon-Vallin entre 1902 e 1905 Meierhold
monta aproximadamente 160 espetáculos.
358
Na primeira temporada chamava-se “Trupe de Artistas Dramáticos
Russos”, mudando de nome em 1903, na medida em que as experiências rumo
ao simbolismo, ao “drama novo”, se tornam um objetivo explícito.
193
deseja tocar o público por “um tom, cores, uma plástica”
359
. 360
Jacó Guinsburg também cita especificamente este espetáculo e sua
sinestesia, característica formal intimamente ligada ao simbolismo:
O teatro-estúdio
359
Alexeï Remisov, “La Confrérie du Drama Nouveau. Lettre de Kherson” in
Vesy, n. 4, Moscou, 1904 apud Pincon-Vallin, B. Les Voies de la création
Théâtrale 17 – Meyerhold. Paris: Editions du Centre de la Recherche
Scientifique, 1990. p. 26.
360
Pincon-Vallin, B. Les Voies de la création Théâtrale 17 – Meyerhold.
Op. Cit. p. 26.
361
Guinsburg, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia. Op. Cit. p.17.
194
familiares àqueles que participaram do trabalho criador
do Teatro-Estúdio.362
362
Meyerhold, Vsévolod. Sobre o Teatro. Tradução Roberto Mallet. (No
prelo) Material didático do curso de Maria Tháis Silva Santos: Meierhold
– O Encenador Pedagogo. p. 1.
363
Pincon-Vallin, B. Les Voies de la création Théâtrale 17 – Meyerhold.
Op. Cit. p. 28.
195
maquetes. Este foi o primeiro impulso na busca de meios
de expressão cênica novos e simples.364
364
Meierhold,V. Sobre o Teatro – Primeira Parte. História e Técnica do
Teatro i. Teatro-Estúdio in Op. Cit. p. 3.
365
Idem Ibidem, p. 3.
366
Ainda que, segundo Appia, privilegiando o signo pictórico em prejuízo da
expressão viva da cena, ou seja, o movimento. Esse processo acaba tornando,
momentaneamente, fundo em forma. É contra essa inversão de valores que Appia
se levanta, como pioneiro da cena arquitetônica, ou pelo menos de sua
concepção teórica.
196
cênicos”, enquanto os atores evoluem por zonas de claro-escuro (que por sua vez
tem nas pinturas suas maiores referências) ou em uma semi-obscuridade que
permite unir por justaposição as duas naturezas, tão distintas.
367
Copeau apud Pincon-Vallin, B. Les Voies de la création Théâtrale 17 –
Meyerhold. Op. Cit. p. 29.
368
“Em Maio de 1906 que Meyerhold conhece o livro de G. Fuchs, O Teatro do
Futuro, que terá sobre ele uma enorme influência na medida em que o ajudará a
“dar forma” a suas intuições: arquitetura, nova organização do espaço cênico,
importância do Proscênio, do ritmo, da dança, tudo aquilo que rondava já sua
cabeça”. Picon-Vallin, Béatrice. Preface in Meyerhold, Vsévolod. Écrits sur
le Théâtre - Tome 1 Op. Cit. p. 17.
369
“Construir uma ‘cena-relevo’ não é um fim em si mesmo, mas um meio. O
fim é a ação dramática. Ela nasce na imaginação do espectador estimulada
pelas ondas rítmicas dos movimentos corporais. Essas ondas devem rolar
em um espaço que possa ajudar o espectador a perceber as linhas dos
movimentos, dos gestos, das atitudes...” Meierhold,V. Sobre o Teatro –
Primeira Parte. A Encenação de "Tristão e Isolda" no Teatro Mariinski in
Op. Cit. P.40.
370
Meierhold, V. Apud Picon-Vallin, B. A Arte do Teatro: entre tradição e
Vanguarda - Meyerhold e a cena contemporânea. Rio de Janeiro: Teatro do
Pequeno Gesto: Letra e Imagem,2006, p. 17.
197
“quadro de tule esticado, atrás do qual se passava a ação. O quadro era feito de
um tecido verde escuro” 371. A luz, portanto, acompanhando a cenografia, deveria
vir de cima, revelando as formas e não os detalhes. Em Poltava, pela disposição
arquitetônica do espaço, tablados no lugar da orquestra permitiam criar um
proscênio que avançava em direção à platéia, possibilitando experimentar a cena
avançada proposta por Fuchs e unir atores e espectadores em um mesmo
espaço. Meierhold monta Os Espectros, de Ibsen e Cain, de Dymov
concentrando a ação no proscênio e suprimindo as cortinas, o que reforça a
concenção do espetáculo ou, segundo palavras do próprio encenador, “Graças à
supressão da cortina, o espectador está permanentemente colocado diante do
exclusivo cenário da ação”372, em Cain de Dymov, a ação se passa sobre “um
proscênio branco, sem cortina, sem portas, sem mobília”373. Para a encenação de
O Milagre de Santo Antonio, de Maeterlinck, Meierhold “se inspira em poses de
374
marionetes para criar as personagens sob uma luz de pesadelo” . Como
Fuchs, procura suas inspirações no estudo do teatro de épocas passadas cujas
técnicas são autenticamente teatrais, como o teatro japonês, o teatro de
marionetes, a Commedia dell’Arte e o teatro de feira (Balangan). A cena torna
mais complexas suas influências e suas formas, Meierhold mistura elementos,
amplia seus estudos e desenvolve seus conhecimentos técnicos em busca das
novas velhas formas de um teatro do futuro.
376
De 1906 a 1907, pelo período de uma temporada e meia , Meierhold
377
torna-se o diretor da companhia de Vera Komissarjévskaia onde realiza
371
Idem Ibidem, p. 17.
372
Meierhold, V. apud Guinsburg, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia. Op.
Cit. p.35.
373
Picon-Vallin, Béatrice. Préface in Meyerhold, Vsévolod. Écrits sur le
Théâtre - Tome 1 Op. Cit. p. 17.
374
Picon-Vallin, Béatrice. Préface in Meyerhold, Vsévolod. Écrits sur le
Théâtre - Tome 1 Op. Cit. p. 17.
375
Meierhold,V. Sobre o Teatro – Primeira Parte. História e Técnica do
Teatro iv. Primeiras tentativas de criação de um teatro da convenção, Op.
Cit. p. 24.
198
algumas de suas grandes encenações da fase simbolista. Também é nesse
mesmo período que o encenador desenvolve sua faceta de iluminador, com a
utilização consciente da iluminação como mais um instrumento de construção
formal da cena, em busca de um teatro da convenção:
199
silêncios; não nos monólogos, mas na música dos
movimentos plásticos. Maeterlinck constrói o diálogo
"exteriormente necessário" de tal maneira que as
personagens têm, para uma tensão máxima da ação, um
mínimo de palavras a dizer.379
379
Meierhold,V. Sobre o Teatro – Primeira Parte. História e Técnica do
Teatro iii. Presságios literários do novo teatro in Material didático do
curso de Maria Thais: Meierhold – O encenador Pedagogo (em fase de
publicação). pp. 16-17.(grifo meu)
380
Guinsburg, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia. Op. Cit. p.47.
381
“Em seu palco (de Fuchs), disposto em vários níveis de configuração
plástica e dramática, o procênio deve ser o lugar de eleição do jogo
cênico, na medida em que o desempenho interpretativo é concebido como
movimento rítmico do corpo humano no espaço, segundo as lições do balé e
do teatro oriental, para compor as figuras contracenantes, contra um
fundo raso, em verdadeiros baixos-relevos coreográficos da ação
dramática” Guinsburg, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia. Op. Cit. p.36.
382
Deak, Frantisek. Sister Beatrice in Drama Review, Volume 26, number 1,
Spring, 1982, p. 43.
383
“BVM – Beata Virgo Maria” Deak, Frantisek. Sister Beatrice in Drama
Review, Volume 26, number 1, Spring, 1982, p. 49.
384
No texto sobre a encenação de Tristão e Isolda Meierhold faz uma longa
explanação sobre as idéias de ocupação espacial e arquitetura cênica de
200
iluminar um conjunto sobre um praticável, em primeiro plano: “neste caso coloca-
se os projetores atrás dos praticáveis”385). A luz de cima contracena com a luz da
ribalta (provavelmente mais baixa, apenas preenchendo a frente). Como a ribalta
está colocada muito perto dos atores, acaba por elevar as personagens, ajudando
na sensação de irrealidade e mistério386.
201
teatralidade explícita e do grotesco, o que determinará o caminho por onde o
encenador superará o simbolismo em uma escritura teatral inédita. A iluminação
caminha junto, no sentido de, não apenas ser um instrumento de linguagem
consciente, mas também revelar-se enquanto tal.
389
Balagántchik (A Barraca de Feira) de
Aleksandr Block que, segundo Jacó Guinsburg, “trata-se de uma farsa trágica ou
390
de uma paródia existencial” , é um texto em primeira pessoa sobre a própria
existência do teatro.
388
Meierhold,V. Sobre o Teatro – Primeira Parte. História e Técnica do
Teatro iv. Primeiras tentativas de criação de um teatro da convenção, Op.
Cit. p. 30.
389
A Barraca de Feira, desenho da montagem de 1914.
390
Guinsburg, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia. Op. Cit. p.50.
391
Block, A. A Barraca de Feira. Material didático do curso de Maria
Thais: Meierhold – O encenador Pedagogo. p. 2.
392
Idem Ibidem, p. 2.
202
autor e com quem ele fala. Esse ator atravessa o teatro, vê a azáfama da criação,
os preparativos de um espetáculo, sobe pelas escadas, passa pelas janelas rumo
ao dia e sobe aos céus. Metáfora da vida? Metáfora da arte? Poesia ou Manifesto
sobre o teatro?
393
Idem Ibidem, p. 6.
394
Meierhold, V. apud Guinsburg, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia. Op.
Cit. p.50.
395
Idem Ibidem, p. 50.
396
Idem Ibidem, p. 50.
203
cortina, tenda, ponto – o teatrinho inteiro se desfaz diante da platéia, que vê toda
a maquinaria dos dois teatros em ação. A passagem da vela do ponto, que abre a
peça, para as tochas do fim anunciam uma revolução cênica, que por sua vez
anuncia uma revolução na vida, que clama por um novo teatro, teatral. A
iluminação neste ponto da história do espetáculo já é linguagem consciente e
assumida e como tal pode iluminar a si mesma.
397
Meierhold, citando Leonid Andriéiev in Sobre o Teatro – Primeira
Parte. História e Técnica do Teatro iv. Primeiras tentativas de criação
de um teatro da convenção Op. Cit. p. 29.
398
Essas montagens são posteriores à de A Barraca de Feira, de que
trataremos a seguir. Invertemos a ordem cronológica por entender que o
desenvolvimento conceitual neste trabalho deve prevalecer sobre o aspecto
histórico.
204
lâmpada atrás de um divã, lanterna, velas – e freqüentemente
verticais – lustre (brilho) circular, suspensão de onde a
iluminação cai em cones alongados. Nessa ilhotas reservadas
ao jogo cênico, Meierhold pode dar a impressão de um lugar
fechado por limites invisíveis, mas sugeridos. Ele coloca os
atores em relação às fontes de luz de tal sorte que eles se
destacam em silhuetas, em sombra chinesa ou em grupos
compactos (...) Seleção e deformação acrescentam à atividade
do espectador 399
Em O Despertar da Primavera o encenador, assim como em A Vida de
Homem, seleciona e divide o palco com a luz, revelando o espaço cênico em
partes, com uma “luz episódica”, fragmentando tempo e espaço, um recurso que
entra para a história da iluminação principalmente a partir do expressionismo.
399
Pincon-Vallin, B. Les Voies de la création Théâtrale 17 – Meyerhold.
Paris: Editions du Centre de la Recherche Scientifique, 1990. p. 33.
400
“Não creio estar enganado ao afirmar que entre nós, na Rússia, Valeri
Briussov (Briussov, "A verdade inútil", Mir iskusstva (O Mundo da arte),
São Petersburgo, 1902, tomo VII) foi o primeiro a falar da inutilidade
dessa "verdade" que se quis colocar a toda força em nossas cenas nos
últimos anos; foi também o primeiro a indicar caminhos diferentes para o
teatro dramático. Ele exigiu o abandono da verdade inútil das cenas
contemporâneas em prol da convenção consciente”. Meierhold,V. Sobre o
Teatro – Primeira Parte. História e Técnica do Teatro iii. Presságios
Literários do Novo Teatro, Op. Cit. p. 17.Conceito de
401
Meierhold, V. “programa dos cursos de encenação” Apud Picon-Vallin, B.
A Arte do Teatro: entre tradição e Vanguarda - Meyerhold e a cena
205
402
Em 1902 Valeri Briussov escreve o artigo “A verdade Inútil” . O conceito
do Teatro da Convenção Consciente, descrito então por ele, será uma espécie de
‘Norte’ das pesquisas Cênicas de Meierhold, o que está exposto nos vários
artigos que o encenador escreve de 1905 a 1912, reunidos no livro Sobre o
Teatro, sobretudo aqueles que fazem parte do texto História e Técnica do Teatro
(I. O Teatro-Estúdio, II. Teatro Naturalista e Teatro de Estados d’Alma, III.
Presságios Literários do Novo Teatro, IV. Primeiras Tentativas de Criação de um
Teatro da Convenção e V. O Teatro da Convenção, escritos entre 1905 e 1907).
206
Porém no decorrer de suas pesquisas o Teatro da Convenção deixará de
ser apenas um procedimento para realizar as formas do teatro simbolista para
tornar-se ele o próprio cerne do trabalho de Meierhold. A partir da ruptura com a
mimese, o encenador cria um novo paradigma onde a representação se assume
enquanto tal, a teatralidade vira linguagem explícita e o público passa a ser
considerado como co-autor da criação:
405
Meyerhold, V. Sobre o Teatro – Primeira Parte. História e Técnica do
Teatro iv. O Teatro da Convenção Op. Cit. p. 29.
406
Meyerhold, V. Sobre o Teatro – Primeira Parte. História e Técnica do
Teatro iv. O Teatro da Convenção Op. Cit. p. 26.
207
Se o novo teatro torna-se dinâmico, então que ele o
seja completamente. Queremos nos reunir para criar,
para "agir" em conjunto, e não somente para contemplar
407
.
O reflexo desse desejo de comunhão criativa esta expresso na obra cênica
de Meyerhold, de várias formas: pela supressão da cortina; na construção de
tablados sobre o proscênio ou avançando em direção à platéia e na utilização do
proscênio como principal espaço de representação (Tristão e Isolda, Orfeu); com
a colocação de espelhos em cena, de forma que os espectadores se vejam no
ambiente da cena e com o espelhamento da cena em relação à platéia expressa
nas cores e formas do cenário (Como na Mascarada, de Lermontov).
407
Meyerhold, V. Sobre o Teatro – Primeira Parte. História e Técnica do
Teatro iv. O Teatro da Convenção Op. Cit. p. 27.
208
A iluminação de Don Juan é exemplar da iluminação que assume o ponto
de vista da teatralidade:
408
Cenógrafo e grande parceiro de Meierhold nas montagens realizadas nos
teatros imperiais de São Petersburgo (Teatro Mariinski e Alexandrinski),
de 1908 a 1917.
409
“Graças às descrições das representações teatrais japonesas nós
sabemos sobre esses personagens particulares, os servidores da cena –
chamados de Kurombo – vestidos com um figurino negro, têm entre outras
funções: (...)ajoelhados aos pés dos heróis, iluminam a fisionomia do
ator com a ajuda de uma vela pregada na extremidade de um longo bastão”
Meierhold, V. La Mise en scène de Don Juan de Molière in Écrits sur Le
Théâtre. Op. Cit. p.162.
209
aproximando teatro e realidade, espelhando dois mundos, ou, através da
contraposição do grotesco, transformando potencialmente realidade e
representação para sugerir a existência de uma terceira possibilidade; o “drama
novo” dá lugar à revolução da teatralidade que, por sua vez, suscita a criação de
um “mundo novo”.
210
CAPÍTULO 12
À LUZ DA LINGUAGEM
Mas podemos nos perguntar: Para que e por que recorrer ao fogo se o Sol
iluminava a todos e as palavras narravam toda a espécie de descrição
complementar à ação?
211
manifestações do divino e do terrível sobre os homens, histórias fantásticas e
casos exemplares onde deuses e heróis convivem com os simples mortais, como
nós, onde os pecadores podem ser punidos pelas chamas terríveis das bocas do
inferno, por nós, os milagres representados diante dos nossos olhos e os santos
elevados aos céus em meio ao fulgor da luz divina.
410
“Nunca será demais insistir no paradoxo que constitui toda a
hierofania, até a mais elementar. Manifestando o sagrado, um objeto
qualquer, torna-se outra coisa e, contudo, continua a ser ele mesmo,
(...) sua realidade imediata transmuda-se numa realidade sobrenatural.”
Eliade, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 2001,
pp. 17-18.
212
É por isso que Gordon Craig, que considerava o teatro uma arte
especialmente visual, dava grande importância às cenas de aparição,
principalmente em Shakespeare, tanto em suas encenações como no campo das
concepções teóricas, considerando-as como o centro dos sonhos do poeta, que
devem regular e determinar toda a encenação já que “O simples fato da sua
presença proíbe qualquer figuração realista” 411. No artigo dedicado aos Espectros
nas Tragédias de Shakespeare, ele descreve o sentido da importância da
aparição dos seres invisíveis para o mundo construído por Shakespeare em suas
tragédias:
Quando dizemos que os olhos são a janela da alma, isto é uma metáfora,
mas também é uma representação do complexo processo da percepção visual,
no qual a luz emitida é refletida pela matéria, atinge o sistema ótico dos nossos
olhos que projeta uma imagem (invertida e diminuída) no fundo dos olhos, a
411
Craig, Edward Gordon. “Dos Espectros nas tragédias de Shakespeare” in
Da Arte do Teatro. Lisboa: Ed. Arcádia, Lisboa, 1963, p. 271.
412
Idem Ibidem, p. 275. (As citações do texto são de Maeterlinck)
213
retina, que impressiona os sensíveis músculos das sete camadas da retina que
enviam impulsos elétricos para o cérebro, que por sua vez decodifica essas
mensagens e representa uma imagem para o nosso cérebro. A luz, ou seja, a
vibração eletromagnética é uma espécie de mensageira de impulsos, que
impressiona nossos olhos e é traduzida no cérebro por uma série de elementos
de composição visual como cor, forma, volume, profundidade, distância. O
conjunto ou a Gestalt, é resultado da nossa capacidade de interpretar esse
conjunto de signos, segundo a nossa subjetividade:
413
Picon-Valin, B. A encenação: visão e imagens in A Arte do Teatro: entre
tradição e Vanguarda - Meyerhold e a cena contemporânea. Op. Cit. p. 91.
414
Camargo, Roberto Gill. A Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de
Cultura, 2000, p. 14.
214
analisado por Roberto Gill Camargo como primeiro fator de representação ou
convenção teatral na história da iluminação cênica, portanto primo lampejo de
linguagem – o sentido não é apenas a da descrição da hora e lugar, mas
concretizar, por contraste, a atmosfera e a simbologia da noite. Ao acender uma
pequena chama em cena, todos os olhos focam naquela luz e o que está em
volta, através dos olhos da nossa imaginação, como que mergulha na escuridão
misteriosa, de onde pode surgir o espectro do Rei Hamlet ou as três bruxas de
Macbeth.
* * *
215
É o caso de Sebastiano Sérlio e Sabbattini (assim como muitos outros
citados no capítulo dois), que aliam a ciência à arte na concepção da cenografia e
criam máquinas e efeitos cênicos, muitos eles integrando a cenografia pictórica,
construção de volumes, maquinaria e iluminação cênica. Suas obras práticas e
teóricas constituem a base de uma nova ciência aplicada da cena, a cenotécnica
(que neste momento encampa a luminotécnica). Muitos encenadores e
cenógrafos do século XX estudaram, retomaram ou reinterpretaram as obras
desses arquitetos 415.
415
Não é à toa que Gordon Craig passou grande parte de sua vida dedicado
aos estudos profundos da obra dos artistas Renascentistas, principalmente
os arquitetos.
216
teoria das cores primárias de Alberti e as teorias da perspectiva aérea de
Leonardo Da Vinci.
416
Hauser, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo:
Mestre Jou, 1980-1982. Volume 1. p. 357.
217
É lógico que nesse tempo todo, as marés levaram a arte da cena ora mais
para o fantástico e o maravilhoso, como no Barroco, ora mais para o
comedimento, clássico; ora para o gênio romântico e suas atmosferas
emocionais, ora para a racionalidade do Realismo e do Naturalismo, com o
detalhamento e a precisão dos ângulos de incidência da luz. Mas
independentemente do vem e vai do pêndulo que leva e trás a arte em uma
417
oposição antitética entre o Clássico e o Romântico ou mesmo de todas as
diferenças estilísticas e de concepção do mundo, das tendências mais ou menos
emocionais e dos movimentos da dramaturgia – no que se refere à arte do
espetáculo, tanto na cenografia e nos figurinos, quanto na iluminação,
encontramos uma linha ascendente rumo à verossimilhança e à busca do real, de
forma cada vez menos esquemática e mais minuciosa e detalhista, por quatro
séculos. 418
417
“Ele (o Romantismo) não é apenas uma configuração estilística ou, como
querem alguns, uma das duas modalidades polares e antitéticas –
Classicismo e Romantismo – de todo o fazer artístico do espírito humano”.
Guinsburg, J. “Romantismo, Historicismo e História” in O Romantismo. São
Paulo: Ed. Perspectiva, 1985.
418
Ressalva feita ao Barroco e suas formas alegóricas onde os elementos
da natureza são representados mais como potências ou personagens do que
forças naturais, as emoções ainda volteiam as formas, as luzes são mais
intensas e livres, o contraste entre luz e sombra é saturado, os efeitos
especiais não buscam a ilusão, mas o truque como truque. Por isso o
Barroco utiliza-se sem pudores de miríades de efeitos de cenotécnica e
luminotécnica como explosões, incêndios, ilusões de óptica, projeções de
sombras, com o objetivo explícito de maravilhar e aterrorizar a platéia.
A vida vira espetáculo e o espetáculo, a vida. Porém as formas do
espetáculo barroco têm mais liberdade de se expandir na ópera, que é
grandiloqüente e convencional por natureza, do que no teatro falado.
218
lua, as estrelas... Desde as máquinas de Sabbattinni no Renascimento419 até as
os refletores de efeito de Hugo Bahr que projetam imagens com movimento, os
objetivos são os mesmos, reproduzir a natureza no palco, como um microcosmo
da realidade
419
Por exemplo, em Pratique pour fabriquer Scenes et machines de Theatre
(trad. francesa), Sabbattini descreve inúmeras formas de construir
máquinas de nuvens (paradas no fundo, que passam da direita para
esquerda, que vem de trás para frente, etc).
219
luminosa chegam aos palcos cinqüenta anos antes de chegar às ruas e às casas.
E quando o “Sol do Profeta” 420 nasce na Ópera de Paris em 1849, anuncia novos
tempos onde arte e ciência, são um; como já prometera o Renascimento. A
iluminação é então pura potência de um novo amanhecer da civilização, um
símbolo dos novos tempos. Todas as grandes óperas têm os seus “mestres dos
fenômenos físicos no teatro”, “chefes de eletricistas” (antes da eletricidade) e
“especialistas em óptica”. Os novos criadores de máquinas cênicas e efeitos
especiais não são mais arquitetos ou pintores, são os cientistas-iluminadores,
como Jules Duboscq e Hugo Bähr. Os mestres de ofício das projeções são
antepassados diretos não apenas dos iluminadores, mas também dos irmãos
Lumière e das muitas profissões de fé da luz e das “novas tecnologias” que nunca
param de ficar velhas à tarde e de renascer a cada novo dia.
420
“Aparelho destinado a produzir o efeito do Sol levantando (de O
Profeta)”. Composto de uma lâmpada de arco-voltaico e um espelho
parabólico.
220
O Black-out era a metade que faltava, a pausa, o silêncio que dá sentido à
articulação dessa língua. O contraste originário entre luz e sombra dá forma a
nossa percepção do espaço e desde o princípio dos tempos o dia e a noite se
sucedem marcando a passagem do tempo. Com a possibilidade de controlar o
caminho da luz para a não-luz, de forma independente em cada um de seus
aparelhos de iluminação elétrica, a luz ganha a potência de articular o desenho do
espaço da cena para a percepção visual em uma sucessão temporal. Ou seja, o
movimento da luz é a articulação do visível no espaço e no tempo.
Ainda foi preciso mudar o paradigma do teatro para que a luz deixasse de
ser pensada e utilizada unicamente como instrumento da visibilidade ou efeito
especial da ciência para arrebatar suspiros. Será necessária uma razão para que
deixe de se ofuscar e ser ofuscada pela própria beleza.421 Mas os meios para tal
estão disponíveis a partir de 1880.
421
Até hoje, infelizmente, é comum encontrar diretores e iluminadores que
só entendem a luz nessa sua acepção adjetiva: deixar bonito.
221
uma potência que depende da necessidade e da prática para se atualizar, assim
como o discurso depende do conhecimento da língua e também da necessidade
da comunicação que o articula. É por isso que além de falar, o homem necessita
compreender a estrutura da fala e as necessidades do discurso. É através deste
processo de compreensão e articulação que o som vira língua, a língua vira
linguagem, o discurso, obra de arte. Este é um processo da humanidade, mas
também é um processo que se re-atualiza de forma diferente no florescimento de
cada cultura e dos indivíduos que a compõem.
222
Craig é o artista de teatro que melhor encarna e concebe a idéia do teatro
total, como uma articulação de elementos visuais e sonoros em nome de uma
criação coesa da arte e técnica da cena, orquestrada pelo encenador. Assim
como Appia, Craig considerou o movimento “como a base desta arte de
revelação”. A criação do espetáculo deve ser então resultado de uma síntese
conceitual que coordena os vários elementos da cena em movimento. A
iluminação é, nesse sistema, ao mesmo tempo um elemento articulador e
simbólico, através da sua capacidade de mostrar e esconder e de pintar a cena
com uma paleta de cores móveis.
223
fotografia, que é pensada inicialmente como uma forma de reprodução fiel da
realidade. A fotografia, que a princípio foi uma ameaça à sobrevivência dos
pintores, passou a ser o grande dado libertador das artes plásticas. A pintura
deixa de retratar a realidade para recriá-la conscientemente, liberta-se da
realidade como fim.
Nos anos 1970 tem início uma revolução tecnológica na iluminação teatral.
Surgem as lâmpadas de descarga. Essas lâmpadas não acendem mais por
aquecimento de um filamento, ou seja, por incandescência, mas por reações
químicas entre vapores gasosos, a partir de uma descarga de eletricidade de alta
potência. O resultado é maior intensidade e temperaturas de cor nunca dantes
imaginadas no teatro. As luzes frias, com temperatura de luz do dia422 passam a
contracenar com as luzes incandescentes. Essas lâmpadas são muito utilizadas
no cinema e nos novos projetores computadorizados, os moving-lights. Essa nova
geração de refletores da era digital constitui-se de uma lâmpada de descarga
refletida em um espelho móvel. Através deste espelho a luz se movimenta em
cena, possibilitando além de um mesmo refletor para muitos efeitos, o movimento
dos fachos de luz. Os movimentos da luz em cena, por sua vez, ganharam nas
mesas digitais uma potência de controle simultâneo de miríades de refletores e
outros recursos cênicos baseados na eletricidade.
422
Em torno de 5.500oK.
224
Svoboda e Richard Pilbrow, nas parcerias entre a luz, a cenografia e o vídeo. Nos
anos 90 estas projeções e seus projetores com lâmpadas de alta potência
chegam ao Brasil. A próxima geração de refletores, os catalysts, além de luz em
movimento, trazem embutido um projetor de alta potência. As suas luzes serão
imagens em movimento, com intensidade de luz de descarga. Este caminho leva
a uma parceria cada vez maior da arte do teatro com a do cinema, vídeo, artes
plásticas e gráficas e as demais artes da visão, ou seria melhor dizer do olhar.
Unindo o ao vivo do teatro com a tecnologia das imagens em movimento,
projetadas em cena, como luz. Abstrata ou narrativa, parada ou em movimento,
denotativa ou conotativa, pasteurizada ou obra de arte, é mais um plano,
luminoso, de significação que entra na dança do teatro.
A cada vez que um espetáculo se articula ele precisa relembrar seu lugar
no espaço e no tempo, se entender enquanto linguagem complexa, que articula
várias linguagens. Essas linguagens falam juntas ou não, criam harmonias ou
confusão, contraponto ou bagunça. Não tem mais sentido - depois de todo o
teatro do séc. XX - entender a iluminação hoje apenas como desenho de luz no
espaço, ela é primordialmente escritura no espaço/tempo. O que significa dizer
225
que a luz coloca seus desenhos no tempo, como a música suas harmonias, e
através do seu movimento escolhe o que é visível ou não no espetáculo. Nesse
sentido é cúmplice fundamental da direção na significação da encenação. Para
isso precisa se construir junto com o espetáculo.
As lâmpadas não falam per si. Se não houver por parte do iluminador um
conhecimento profundo do texto, do processo de construção da cena e
articulação com as diversas linguagens de que é composto o espetáculo, segundo
os conceitos da encenação, as lâmpadas de um teatro valem tanto quanto a
lâmpada de uma sala de estar, ou de uma vitrine de roupas. O roteiro da
iluminação cênica é o texto da luz. E como tal precisa ter consciência do seu
poder de articulação. É preciso fazer a língua falar com sentido, para ser de fato
linguagem.
226
BIBLIOGRAFIA
Livros
227
COPEAU, Appia, Craig, Prampolini e outros. Investigaciones Sobre el Espacio Escênico.
Monografias. Madrid: Alberto Corazon Editor, s/d.
DEAK, Frantisek. Symbolist Theater – The Formation of na Avant-Garde. London: The
Johns Hopkins University Press, 1993.
DORT, Bernard. O Teatro e Sua Realidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.
ECO, Umberto. Como se Faz Uma Tese. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ESSLIN, Martin. Artaud. São Paulo: Cultrix e Ed. da U.S.P., 1978.
EYNAT-CONFINO, Irène. Beyond the Mask. Gordon Craig, Movement, and the Actor.
USA: Southern Illinois University Press, 1987.
GALIZIA, Luiz Roberto. Os Processos Criativos de Robert Wilson. São Paulo: Ed. Perspectiva,
1986.
GOETHE, J.W. Doutrina das Cores. São Paulo: Ed. Nova Alexandria, 1993.
GROTOWSKI, Jerzy. Em Busca de um Teatro Pobre. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira,
1976.
GUINSBURG, Jacó (org.). Semiologia do Teatro. São Paulo:Ed. Perspectiva,1978.
GUINSBURG, Jacó. Stanislávski, Meierhold & Cia.. São Paulo: Editora Perspectiva., 2001.
________________. Stanislávski e o Teatro de Arte de Moscou. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2001.
________________. Da Cena em Cena. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.
________________. Leone de’Sommi: Um Judeu no Teatro da Renascença Italiana. São
Paulo: Ed Perspectiva, 2001.
________________(org.) O Expressionismo. São Paulo: Ed Perspectiva, 2002.
HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo: Mestre Jou, 1980-
1982. Volumes 1 e 2.
INGARDEN, r. e outros. O Signo Teatral. Porto Alegre: Ed. Globo, 1977.
INNES, Christopher. Edward Gordon Craig A vision of the Theatre. Overseas Publishers
Association, 1996.
KANDINSKY, N. Do Espiritual na Arte. São Paulo:Ed. MartinsFontes, 1990.
KELLER, Max. Light Fantastic. The Art and Design of Stage Lighting.Munique: Prestel
Verlag 2006.
FERNANDES, Silvia. Gerald Thomas em Cena. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1996.
MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro. São Paulo: Ed. Global, 1996.
MEYERHOLD, Vsévolod. Écrits sur le Théâtre - Tome 1 (1891-1917). Traduction, préface
et notes de Béatrice Picon-Vallin. Lausane, Suisse: Editions L’ Age d’ Homme, 1973.
MEYERHOLD, Vsévolod. Sobre o Teatro. Tradução Roberto Mallet. (No prelo) Material
didático do curso de Maria Tháis Silva Santos: Meierhold – O Encenador Pedagogo.
________________________. O Teatro de Meyerhold. Trad. Apresentação e Notas de Aldomar
Conrado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
MICHALSKI, Yan. Ziembinski e o Teatro Brasileiro. Rio de Janeiro: Hucitec, 1995.
228
MOLINARI,C. L'attore e la recitazione. Roma-Bari, Laterza,1992.
MOUSSINAC. Léon. História do Teatro das origens aos nossos dias. Trad. Mario Jacques.
Portugal: Livraria Bertrand, s/d.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999.
____________. A Análise dos Espetáculos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003.
PEDROSA, Israel. Da Cor à Cor Inexistente. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial,
1982.
PICON-VALLIN, Béatrice. A Arte do Teatro: entre tradição e Vanguarda - Meyerhold e a cena
contemporânea. Org.Fátima Saadi. Rio de Janeiro: Teatro do Pequeno Gesto:Letra e Imagem,2006.
______________________. Les Voies de la création Théâtrale 17 – Meyerhold. Paris:
Editions du Centre de la Recherche Scientifique, 1990.
PILBROW, Richard. Stage Lighting. London:Pittman Publishers, 1978.
PILBROW, Richard. Stage Lighting: the art, the craft, the life. Design Press, New York,
2000.
PISCATOR, Erwin. Teatro Político. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1968.
REID, Francis. The Stage Lighting Handbook. Londres: A&C Black, 1987.
RIPELLINO, Angelo M. Maiakóvski e o Teatro de Vanguarda. São Paulo: Ed.Perspectiva,
1971.
REDONDO Jr. Panorama do Teatro Moderno. Lisboa: Ed. Arcádia, 1961.
ROSENFELD, Anatol. O Teatro Alemão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1968.
__________________. Texto/Contexto. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.
__________________. Texto/Contexto II. São Paulo: Editora Perspectiva, ------.
__________________. O Teatro Moderno. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.
__________________. O Teatro Épico. São Paulo: Editora Perspectiva, 1985.
ROUBICHEZ, Jacques. Le Symbolisme au théâtre. Paris: L’Arche, 1957
ROUBINE, Jean-Jaques. A Linguagem da Encenação Teatral, 1880/1980. Rio de Janeiro:
Editora Zahar, 1996.
___________________. Introdução às Grandes Teorias do Teatro. Rio de Janeiro: Ed. Zahar,
2000.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Ler o Teatro Contemporâneo. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998.
SABATTINI, Nicola. Pratique pour Fabriquer Scenes et Machines de Theatre. Editions
Ides ET Calendes, Neauchâtel. 1941.
SIMÕES, Edda Q. e Tiedemann, Klaus. Psicologia da Percepção. São Paulo: E.P.U., 1985.
SONREL, Pierre. Traité de Scénographie. Paris: Librarie Theatrale, 1944.
SABBATTINI, Nicola. Pratique pour fabriquer Scenes et machines de Theatre.Traduite
d’après celle de Weimar, par Marie et Renée Canavaggia. Paris: 1942. (checar ed.)
STANISLAVSKI, Konstantin; Minha Vida na Arte, São Paulo: Ed. Civilização Brasileira, 1989.
STREADER, Tim E Williams, John A. Create Your Own Stage Lighting. New Jersey: Prentice Hall Inc., 1985.
229
TCHÉKHOV, Anton. A Gaivota. Trad. Rubens Figueiredo. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
TELLES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro
(Apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas de 1857 a 1972)
Petrópolis: Ed. Vozes, 2005.
VIRMAUX, Alain. Artaud e o Teatro. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1990.
VITRÚVIO. Livro V , Capítulos 3 a 9: Sobre a Construção de Teatros in Tratado de
Arquitetura, trad., introd. e notas de M.Justino Maciel. São Paulo: Martins, 2007.
WICK, Rainer. Teaching at the Bauhaus; Berlim: Hatje Cantz Publishers, 2000.
WÖLFFLIN, Heinrich. Renascença e Barroco; São Paulo: Ed. Perspectiva, 1989.
ZAMORA, Juan Guerrero. História del Teatro Contemporáneo. E. Juan Flors, 4v., 1960.
ZOLA, Emile. O Romance Experimental e o Naturalismo no Teatro. Trad. e prefácio:
Celia Berretini e Ítalo Caroni. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1982.
Trabalhos Acadêmicos
Artigos
230
_____________. “La Remise em Question du Lieu Théatral au Vingtième Siècle” in Le
Lieu Théatral dans la Société Moderne. Paris: Editions du Centre National de la Recherche
Scientifique, 1961.
BABLET-HAHN, Marie L. Art et Technique à la Fin du XIXe Siècle. in Annexe Appia,
Adolphe. Oeuvres Complètes, Tome I. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge
d’Homme., 1983.
EUGUSQUIZA, Rogelio. De l’éclairage de la scène (Über die Beleuchtung der Bühne) in
Blayreuther Blätter, abr 1885, pp183-186. Trad.Bablet-Hahn, M. in Annexe Appia,
Adolphe. Oeuvres Complètes, Tome I. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge
d’Homme., 1983.(?)
FERNANDES, Silvia. Encenação Teatral no Expressionismo in O Expressionismo (Org.
Jacó Guinsburg) São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002.
GUINSBURG, Jacó. Romantismo, Historicismo e História in O Romantismo. São Paulo:
Ed. Perspectiva, 1985.
JONES, Robert Edmond. “A um Jovem Decorador Teatral - Luz e Sombra” in O Teatro e
sua Estética. Lisboa: Editora Arcádia, 1964.
JOUVET, Louis. “Decouverte de Sabbattini” in Pratique pour fabriquer Scenes et
machines de Theatre. Paris: 1942. (checar ed.)
KAHANE, Arthur. Reinhardt’s Impressionistic style, 1901 in Theatre in Europe: a
Documentary History – Naturalism and Simbolism in European Theatre 1850 – 1918.
Edited by Claude Schumacher. New York: Cambridge University Press, 1996
KOLBE, Alfred. Le Nouvel Éclairage Scénique et as Signification pou Le Théâtre
d’Aujourd’hui in Le Lieu Théatral dans la Société Moderne. Paris: Editions du Centre
National de la Recherche Scientifique, 1961.
KOURIL, Miroslav. La Cinétique Scénique in Le Lieu Théatral dans la Société Moderne.
Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1961.
PISCATOR, Erwin. La Technique – Nécessité Artistique du Théâtre Moderne in Le Lieu
Théatral dans la Société Moderne. Paris: Editions du Centre National de la Recherche
Scientifique, 1961.
POLIERI, Jacques. L’Image a 360º et l”Espace Scénique Noveau in Le Lieu Théatral dans
la Société Moderne. Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1961.
QUILLARD, P. De l’inutilité absolue de la mise en scène exacte. La Revue d’Art
Dramatique, 22 (I May 1891) in Theatre in Europe: a Documentary History – Naturalism
and Simbolism in European Theatre 1850 – 1918. Edited by Claude Schumacher. New
York: Cambridge University Press, 1996.
SALZMANN, Alexandre. Lumière, Luminosité et Éclairage in APPIA, Adolphe. Oeuvres
Complètes, Tome III. Lausanne: Société Suisse du Théâtre/L’Âge d’Homme., 1988.
SOURIAU, Etienne.“O Cubo e a Esfera”in O Teatro e sua Estética. Lisboa: Ed. Arcádia,
1964.
SVOBODA, Josef. “Uma Experiência Checoslovaca” in O Teatro e sua Estética. Lisboa:
Editora Arcádia, 1964.
231
Cartas
Matérias de Jornal
BRUSSEL, Robert. Georg Fuchs and his ‘Theatre Revolucion’: the Munich Art Theatre,
Le Figaro 233, 20 August 1908 in Theatre in Europe: a Documentary History – Naturalism
and Simbolism in European Theatre 1850 – 1918. Edited by Claude Schumacher. New
York: Cambridge University Press, 1996.
232