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TEMAS Eil1 DEBATE

SIGNIFICADO E AMPLIAÇÃO DA
GNOSIOWGIA PLURIDIMENSIONAL

Pe. Stanislavs Ladusãns, S.J.


(Da CONPEFIL e do IBF)

A questão filosófica sobre o valor cognoscitivo da ciência humana cons­


titui hoje uma exigência fundamental da cultura, não só do ponto de vista
teórico, mas, também, sob o aspecto prático. A atual problemática econô­
mica, política, social e jurídica, educacional, da construção da personalidade,
estética, moral, religiosa e teológica implicam, de uma ou de outra maneira,
o problema sobre o valor real do conhecimento humano. A polêmica
hodierna sobre a libertação o evidencia claramente. A explicitação e a
ordenaçã"o orgânica desta vasta problemática, bem como a sua solução
organizada sistematicamente constituem a gnosiologia ou a teoria do
conhecimento.
Esta disciplina, fundamental na filosofia e na vida prática, deve
considerar, para sua integridade, todos os dados inegáveis referentes ao
conhecimento da verdade e todos os aspectos essenciais da questão gnosio­
lógica. Fazendo isso, o gnosiólogo deixa de ser tendencioso ou inidimensio­
nal. Ele supera deste modo o gnosiologismo ideológico e eleva-se às alturas
de uma visão filosófica aberta da mencionada questão complexa, que trata
ordenadamente sobre o valor real e sobre os limites da ciência humana
integral.

Questionan.do assim, com abertura e ordem lógica, bem como respon­


dendo filosoficamente com sinceridade e objetividade, resulta a gnosiolo­
gia, que denominamos pluridimensional, em oposição ao filosofar ideológi­
co, unilateral ou unidimensional, estreito e ·fechado, que exalta apenas este
ou aquele aspecto do nosso conhecimento, mutilando-o ou, também,
destruindo-o radicalmente. A esta gnosiologia arbitrária - gnosiologia
unidimensional - opomos a gnosiologia pluridimensional, que considera os
fundamentos fenomenológico-crítiéos e a variedade de aspectos do conheci­
mento da verdade, estruturando o realismo, que valoriza altamente o poder
crítico natural.
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Daí, precisamente, resulta a necessidade de ligar a gnosiologia pluridi­


mensional crítica à gilosiologia pluridimensional fenomenológica.

Esta fen.omenologia constata a existência do nosso conhecimento


como um dado natural inegável, indicando neste dado, com atitude de
sinceridade e neutralidade, tais ou tais elementos constitutivos do conheci­
mento da verdade. A fenomelogia do conhecimento descreve analitica­
mente a evidência de modo ordenado estes elementos. Analisando a expe­
riência interna, ela orienta o gnosiólogo no processo crítico, preservando-o
dos exclusivismos e dogmatismos infundados. A história da gnosiologia
manifesta que várias falhas graves na reflexão crítica sobre o conhecimento
humano resultaram exatamente por causa do lamentável descuido feno­
menológico. A�sini, por exemplo, as gnosiologias de R. Descartes (Discur­
so sobre o Método) e de E. Kant (Crítica da Razão Pura) têm ocasiões
graves no ponto da sincera consulta dos dados da fenomenologia do
conhecimento, tão recomendada recentemente, de um ou de outro modo,
por Edmundo Hu sserl (1859-1938) e por outros fer.omenólogos, ligando-se
assim a S. Tomás de Aquino e a Aristóteles.

Baseado na fenomenologia da relação do sujeito e do objeto, o nosso


filosofar gnosiológico chega a evitar os apriorismos inconsistentes, as nega­
ções arbitrárias. O gnosiólogo vê assim o que se dá com evidência inegável,
distinguindo-os e�ementos duvidosos e ilegítimos. Procedendo assim, o
gnosiólogo instaura a verdadeira "aurora'' do filosofar, chegando a adquirir
em virtude da mencionada análise fenomenológica, sincera e universal, um
saber crítico equilibrado, realista, consistente e integrado em relação ao va­
lor cognoscitivo e aos limites da ciência humana. Em virtude disso, ele
fica livre, por um lado, do puro subjetivismo e, por outro, do: puro objeti­
vismo, isto é, a fenomenologia do conhecimento, consubstanciada na justa
conciliação da subjetividade e da objetividade, preserva o gnosiólogo daque­
les dois extremos, .que prejudicam, com seus preconceitos e apriorismos
dogmáticos, o equilíbrio neutral na interpretação noética do dado natural
do conhecimento humano.

Em nosso conhecimento não há objetividade sem subjetividade, nem


subjetividade sem objetividade. O nosso conhecimento diz não só o que
atingimos, mas também o modo pelo qual conhecemos, que é subjetivo,
isto é, proporcionado à nossa maneira - maneira humana - de ser. :B
justamente este equilíbrio hermenêutico, promovido pela fenomenologia
do conhecimento, que supera a antinomia do intelectualismo exagerado
e do anti-intelectualismo subjetivista, ressaltando que a subjetividade no
conhecimento não significa o subjetivismo relativista.
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Como, por um lado, a fenomenologia do conhecimento humano não


é suficientemente respeitada e interpretada genuinamente pelo intelectua­
lismo excessivo e por várias modalidades do idealismo, que não admitem a
dependência da inteligência da experiência multiforme e ignoram as exigên­
cias da pessoa humana concreta, considera globalmente na perspectiva da
integração de valores e do seu finalismo dinâmico, assim, também, por
outro lado, a fenomenologia do conhecimento não se salva no questiona­
mento radical e tendencioso do anti-intelectualismo e nas concepções
positivistas, neo-positivistas da linguagem e outras semelhantes, que estão
mutilando o nosso conhecimento da verdade.

Tendo em consideração todos os dados e aspectos inegáveis da nossa


atividade cognoscitiva, bem como as válidas contribuições históricas, resul­
ta uma gnosiologia aberta e integral gnosiologia pluridimensional - que
dá uma resposta filosófica honesta ao problema crítico do conhecimento,
problema complexo e perene do espírito humano.

Esta gnosiologia tem hoje, como já foi dito e agora enfatizamos, uma
importância especial, não só do ponto de vista da fundamentação da filoso­
fia, das ciências matemático-experimentais e históricas, mas, também, do
ponto de vista prático da fundamentação e orientação do nosso agir, do nos­
so avaliar, do ter, do produzir técnico e do amar. Relacionando-se em
profundidade com o real na sua totalidade, a gnosiologia pluridimensional
contribui primordialmente para a solução da questão filosófica global.

Esta gnosiologia é um tratado filosófico que fundamenta fenomenoló­


gica e criticamente a ciência humana consciente. Existe, porém, um conheci­
mento humano inconsciente e o seu manifestar-se no homem. É a parapsico­
logia que ocupa-se da fenomenologia deste ·conhecimento. Como, porém,
toda aquela fenomenologia exige uma investigação filosófica, que trate
sistematicamente, do ponto de vista gnosiológico, sobre uma série de fatos
do nosso subconsciente, deveria surgir um filosofar ordenado, que atenda
esta dimensão especial do conhecimento, isto é, uma reflexão gnosiológico­
parapsicológica, concentrada sobre os fundamentos noéticos da explicação
Jos fatos paranormais. Infelizmente, tal reflexão gnosiológica humanizan­
te, sobre a mencionada dimensão do conhecimento, não está constituí.da
sistematicamente até agora, faltando também os tratados filosóficos orde­
nados sobre os fundamentos metafísicos da parapsicologia e sobre os
fundamentos éticos da parapsicologia.

Ter..do em vista o fato alarmánte da existência e da propagação do


espiritismo no Brasil, o qual interpreta erroneamente os fenômenos pa­
rapsicológicos, é urgente a extensão da gnosiologia pluridimensional à
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dilucidação competente daqueles fatos, adaptada às exigências locais, que


proporcione a verdadeira explicação noética dos fenômenos, como a tele ­

patia, a clarividência, a retrocognição, a precognição etc., bem como es­


clarece, em profundidade, aqueles perigos, que são inerentes às forças do
inconsciente dos dotados para psicologicamente.

A visão gnosiológica exige, pois, uma ampliação sistemática n ov a,


não só do ponto de vista noético, mas, também, sob o aspecto metafísico
e ético. Este filosofar orgânico e importante, não feito ainda, impõe novas
tarefas de análise e de síntese. O Brasil, invadido pelo espiritismo de uma
maneira alarmante, é chamado a cumprir sistematicamente estas tarefas
árduas, tendo em vista grandes benefícios da libertação, que são garanti­
dos inequivocamente pela promoção da parapsicologia científica e do
seu diálogo aberto com a filosofia, na perspectiva do saneamento da vida e
da cultura.

Como ciência rigorosa, a parapsicologia é recente. Ela foi iniciada


metodicamente com a criação de um laboratório científico em 1934 pelo
Dr. Joseph Rhine e sua esposa, Dra. Louisa Rhine, na Universidade Duke,
em Durham, Carolina do Norte, U.S.A. Em seguida, muitas universidades,
dentro e fora de U.S.A., abriram suas portas à nova ciência, dedicando-se
às pesquisas sobre as manifestações do psiquismo humano, à margem da
psicologia normal e da patalogis.
.

A investigação humanista no campo destes fenômenos deve abrir-se


ao diálogo com a filosofia, para que a parapsicologia se mantenha no
seu lugar próprio, que têm as ciências experimentais partic u lar es, e não
exorbite, como ciência, fora das suas competências legítimas. O diál ogo
do parapsicólogo com o filósofo cristão é benéfico também sob o ponto
de vista teológico, pois o parapsicólogo, inteirando-se melhor das exigên­
cias da fé cristã' em relação à reta razão filosófica, fica capacitado racional­
mente melhor para evitar os desvios religiosos, parecidos, de algum modo,
aos desvios e aos perigos de desvios, denunci ados recentemente por duas
instruções da Congregação Romana para a Doutrina da Fé.

O mencionado diá logo é benéfico também para a teologia, pois consis­


te num serviço científico de mediação da filosofia entre a ciência da fé e as
conquistas da parapsicologia. Em que consiste este s e rviço? Ele consiste,
antes de tudo, no exercício transdisciplinar da reflexão filosófica sobre as
atuais contribuições multiformes da parapsicologia, a fim de discernir
entre o que vale cientificamente e o que não vale assim no campo pa­
psicológico, ressaltando os dados evidentes de valor permanente perante a
razã'o humana e, por isso, também perante a Revelação de Deus. Recor-
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rendo a este serviço filosófico auxiliar, a teologia pode ponderar melhor as


contribuições experimentais, oferecidas pela parapsicologia, na perspectiva
da utilização e da atualização humanista da síntese cristã, para desenvolver
melhor o diálogo com o mundo contemporâneo. Incorporando assim
organicamente os elementos válidos oferecidos, a teologia enrique-se,
atualiza-se, sem diminuir- se e adquire uma segurança e rapidez maiores em
eliminar criticamente toda e qualquer ideologia não só no campo parapsi­
cológico, mas também no campo vital e cultural, aplicando o método da
inculturação. Este saneamento da vida e da cultura, em vários níveis - al­
tamente benéfico e urgente hoje no Brasil - põe, de uma maneira segura
e concreta, numa harmonia científica a verdadeira ciência parapsicológica, a
filosofia e a religião cristã.

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