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Do Outro Lado Do Espelho. Linguagem Pens PDF
Do Outro Lado Do Espelho. Linguagem Pens PDF
LEWIS CARROLL
Alice do outro lado do espelho
O símbolo pode dizer ao Homem, como dizia a esfinge de Emerson: «Dos teus
olhos, sou eu o olhar»
Le mot, qu’on le sache, est un être vivant… le mot est le verbe, et le verbe est
Dieu
VICTOR HUGO
4
5
ÍNDICE
Prefácio
Introdução
I. Filosofia Transcendental e Crítica da Linguagem.
1. Pensamento e Linguagem: a conaturalidade entre o pensar e o dizer.
2. Crítica da linguagem: campo e modo do filosofar.
3. A radicalização da crítica no Tractatus.
4. A Linguagem como medium universal.
5. Wittgenstein, um filósofo kantiano?
6. A Semântica do «Eu».
2. Asserção e predicação.
3. Impasses da noção de correspondência.
4. Juízos de existência. A semântica da existência.
5. A Sprachkritik de Brentano: as ficções da linguagem.
6. Dimensão pragmática da linguagem. Os actos de fala.
7. Intenção e Significado.
Bibliografia
7
PREFÁCIO
este trabalho prossiga e dê os seus frutos. Entre estes, menciono em particular todos
os estudantes de Filosofia que ao longo dos anos foram uma forte motivação para
aprofundar e clarificar ideias, num ambiente de franco e proveitoso diálogo.
12
13
INTRODUÇÃO
Toda o trabalho filosófico pressupõe e exige que se procure optar por algum
modo de decidir onde e quando devermos parar1. E esta decisão diz respeito
simplesmente àquilo que se vai considerar como âmbito próprio do filosofar. Em
princípio este âmbito não tem limites definidos e circunscritos, e não requer portanto
que se assuma um ponto de partida fixo. A procura de um ponto de partida faz parte já
do filosofar. E prescindir de um ponto de partida fixo constitui também uma opção
possível e pode ser um modo de pensar enriquecedor e fecundo. Concentrar a atenção
no fenómeno da linguagem como estratégia para tratar os problemas filosóficos,
imprimirá um certo estilo próprio ao trabalho filosófico, mas não o compromete
necessariamente com uns pressupostos de ordem ontológico ou epistemológico.
Estas observações são pertinentes na medida em que a Filosofia da
Linguagem, hoje em dia, está em grande parte dominada pela Filosofia Analítica, que
dificilmente se deixa circunscrever ou enquadrar numa caracterização definida.
Dummett2 assinala o cunho anti-sistemático e polifacetado do movimento analítico, e
aponta apenas três princípios básicos, comuns a toda a escola analítica: 1) o propósito
da filosofia é o de analisar a estrutura do pensamento; 2) este desideratum distancia-se
duma abordagem psicológica dos processos de pensamento e 3) o único método
consiste na análise da linguagem. Isto é muito e é pouco. É muito porque se pode ver
nestes três princípios a mesma persistência em encontrar uma metodologia sistemática
dos grandes pensadores desde Descartes, Spinoza a Husserl. É pouco, porque partindo
destes princípios, cabe uma grande variedade de modos de praticar a filosofia: basta
1
Cfr Granger, G.-G. – Pour la connaissance philosophique, Editions Odile Jacob, 1988, p. 9.
2
Truth and other enigmas, “Can Analytical Philosophy be systematic and ought it to be?”, p. 441.
14
3
Cfr Rorty, The Lihnguistic Turn, p. 39.
4
Cfr ibidem, p. 35.
15
5
Sem pretender fazer a história da filosofia analítica, Dummett em Les Origines de la Philosophie
Analytique, chama a atenção para diversas correntes filosóficas da Europa central nos fins do
século XIX que estão nas origens remotas da filosofia analítica do século XX. A emigração para
os E.U. devido ao regime nazi fez deslocar o centro de gravidade científico e filosófico para o
outro lado do Atlântico, e isso traduz-se na designação da filosofia analítica como anglo-
americana. No entanto, Dummett observa que bem se poderia designar também como anglo-
17
austríaca, se tivermos em conta a influência decisiva dos grandes pensadores vienenses que
precederam e anteciparam a chamada «viragem linguística», o pilar da analítica inglesa e
americana. Antes do Círculo de Viena, vários autores de língua alemã estão na origem da analítica
contemporânea. E o livro de Dummett dedica especial atenção a Frege, Brentano, Bolzano,
Meinong e Husserl.
18
6
Citando de novo Dummett, pode ver-se também a estreita ligação de Brentano (e seus
discípulos) com Frege: antes de Frege, Brentano (como Meinong e Bolzano) expulsam os
pensamentos do âmbito da consciência. A distinção entre pensamento e representação, fulcral em
todo o trabalho de Frege, encontra-se já em Brentano: o objecto de um acto mental é algo de
externo, que não pertence intrinsecamente à consciência do sujeito, mas ao mundo objectivo e
independente: se alguém promete casar com uma mulher, esta é o objecto próprio do meu acto
mental, e não a representação mental dessa mulher. Toda a batalha de Brentano contra o ens
rationis tem algo de semelhante com a insistência de Frege em afirmar que quando falo de um
determinado objecto, a referência não é a minha representação desse objecto, mas o objecto
mesmo. Cfr Dummett, ob.cit., p. 47). O problema está na possibilidade de actos mentais sem
objecto: as respostas a esta objecção imediata são muito variadas, desde o recurso à noção de
sentido em Frege, à floresta de objectualidades em Meinong ou à ideia de um «correlato
objectivo» (ou objectal) em Husserl.
19
7
Austin não terá certamente lido Brentano, mas é flagrante a sintonia entre os dois pensadores,
na concepção pragmática da linguagem. Outro aspecto desta afinidade é o das suas teorias da
verdade. Sobre esta última proximidade cfr Benoist, J. – “............” Phainomenon, .....
8
O programa de Grice é o exemplo de uma visão intencionalista da prática linguística.
20
9
Cfr F. Gil – “Como pensa a língua”, Análise, 12 p.187.
10
Remarks on the Philosophy of Psychology, II vol., p. 3
11
Cfr Glock, H.-J. – “Philosophy, Thought and Language” in Preston, J., Thought and Language, p.
160.
23
12
Cfr ibidem, p. 159.
13
Cfr Apel, La Transformación de la Filosofía, t. I, p. 303. Sabemos que a crítica de Apel à analítica é
motivada pela proposta de uma perspectiva hermenêutica universal para uma pragmática
transcendental. De qualquer modo as dificuldades que assinala na filosofia analítica
contemporânea não deixam de ser válidas.
24
pela visão directa das próprias coisas, como acontece com um desavisado observador
de um eclipse do sol. A ideia da linguagem como espelho é recorrente até à
modernidade, adoptando formas muito diversas, desde a kantiana, em que a
linguagem reflecte o pensamento, mas não a realidade que permanece incognoscível,
até ao isomorfismo estrutural entre linguagem e mundo do atomismo lógico e da
teoria pictórica do Tractatus.
O fio condutor nos primórdios da ontologia antiga é o logos, termo que
designa simultaneamente o pensamento e a linguagem, a ratio e a oratio exprimindo
a estreita conexão entre ambos. Como assinala Heidegger, a distinção terminológica
entre as duas dimensões – logos como ratio e logos como oratio – é muito mais tardia
e a sua completa separação surge apenas com o racionalismo moderno.
Originariamente o homo sapiens é simultaneamente homo loquens, a capacidade de
pensar coincide com uma capacidade de simbolizar e de significar.
Numa primeira aproximação ao binómio Pensamento/Linguagem,
detectamos esta conaturalidade entre o pensar e o dizer, as duas faces do logos que se
evidenciam na própria articulação da razão e da linguagem. A estrutura lógica desta
última não é apenas uma manifestação evidente do pensar, é o pensar, enquanto forma
configuradora da linguagem. Há, no entanto, uma certa assimetria entre linguagem e
pensamento: não se pode negar em absoluto a possibilidade de um pensamento não
articulado, não expresso verbalmente; mas o que não é concebível é uma linguagem
humana que não seja ela própria também pensamento.
Sendo uma poiesis essencial, internamente vinculada à praxis do pensamento,
a linguagem confere uma dimensão fáctica e uma visibilidade ao pensamento: este é
invisível, intocável, é a linguagem que, como uma veste – segundo a metáfora de
Frege – lhe dá visibilidade. Esta relação íntima torna-se patente na intrínseca
inteligibilidade da linguagem: entendemos o que lemos num livro antigo e poeirento,
ou numa inscrição antiga, como entendemos uma frase totalmente nova e inesperada e
somos capazes de exprimir novos pensamentos com palavras velhas.
Não se identificando totalmente com o pensamento, pois lhe confere o
seu aspecto mundano, fáctico, visível, a linguagem não se reduz tão-pouco a uma
forma externa, sobreposta, mas é também, formalmente, pensamento e tem, por isso,
uma certa dimensão transcendental. Por esta razão, olhar, reparar nos modos de dizer,
permite ver e apreender os modos de pensar (o modus significandi corresponde ao
modus cognoscendi, como o exprime Tomás de Aquino). Aqui se pode fundar uma
exploração de todos os problemas do conhecimento recorrendo à via da análise
25
O interesse filosófico pela linguagem não se limita ao facto de esta ser uma
via de acesso ao pensamento, e permitir por isso a elucidação de problemas no âmbito
da epistemologia, filosofia da mente e mesmo metafísica. O fenómeno da linguagem é
revelador da peculiaridade do ser humano enquanto tal. Este é constitutivamente um
animal symbolicum, não só por revelar as competências linguísticas próprias, mas
porque toda a praxis linguística constitui o seu habitat natural. Não faz sentido
estabelecer uma separação entre linguagem-mundo-pensamento, interpondo barreiras
artificiais e isolando três domínios distintos e autónomos. Os signos linguísticos
pertencem ao nosso mundo, como quaisquer outros factos, e incarnam formalmente os
pensamentos. Daí que o interesse pela linguagem não se possa reduzir simplesmente
ao interesse pelos signos como algo que se sobrepõe às coisas do mundo e por vezes
as ocultam; nem se pode ver nesse interesse pelas palavras um sintoma de crise ou
decadência da filosofia, que, desatenta às coisas reais tal como são, se deixa prender
às palavras que as significam.
14
Dummett, M – La Philosophie Analytique, p. 13.
28
15
Cfr. Apel, La Transformación de la Filosofía, tomo I, p.298.
16
Ibidem, p. 298.
31
17
Cfr ibidem, p. 302.
18
Stenius, E. Wittgenstein’s Tractatus. A critical Exposition of its Main Lines of Thought, Oxford,
Blackwell, 1964. Cfr sobretudo cap. XI.
32
19
Notebooks (1914-1916), p. 60.
20
La Transformación de la Filosofía, tomo I, p.233..
34
21
Vermichte Bemerkungen, p. 27.
22
Para este tema da linguagem como medium universal e a inefabilidade da semântica, cfr
Hintikka, M.B. e J. – Investigating Wittgenstein, cap.I.
35
23
Apel, La Trasnformación de la filosofía, tomo I, p. 236.
24
Sigo o cap. XI – “Wittgenstein as a kantian philosopher” da obra Wittgenstein’s Tractatus. A
Critical Exposition of the Main Lines of Thought.
37
A tese b) está plenamente de acordo com a tese do Tractatus, com uma ligeira
modificação: o imaginável e inteligível é, para Wittgenstein, o ‘pensável’ e o
pensamento é a ‘imagem lógica da realidade’, ou, por outras palavras, o que pode ser
dito numa linguagem pictórica. Inteligível significa para Wittgenstein o que pode ser
descrito numa linguagem com sentido. A tarefa da filosofia consiste, portanto, em
indicar os limites do discurso, do que pode ser dito, e esta investigação mostrará a
‘lógica’ da linguagem, ou seja a ‘lógica do mundo’. Assim, as deduções
transcendentais kantianas são efectuadas, em Wittgenstein pela análise lógica da
linguagem.
A ‘forma da experiência’ (Kant) corresponde à ‘forma lógica da substância’ ou
a ‘estrutura interna da substância’, que se mostra na estrutura interna da linguagem.
Uma vez que a forma lógica da substância é independente de qualquer experiência, é
a priori; mas, como a forma lógica é a forma da linguagem, nada se pode dizer com
sentido sobre a forma. A tese d) transforma-se, assim, em Wittgenstein na seguinte
afirmação: a forma a priori da realidade só pode mostrar-se na linguagem, mas não
dizer-se em proposições com sentido. A tese e) será, portanto falsa. A Matemática é
um “método lógico” (T. 6.2), constituída por pseudo-proposições (6.2), que não
exprimem nenhum pensamento (6.21). Quanto à lei da causalidade, não é
propriamente uma lei, mas a forma de uma lei (6.32, cfr. 6.321, 6.3211).
Em conclusão: para Stenius, a análise lógica da linguagem é uma réplica da
‘dedução transcendental’ em sentido kantiano, com o objectivo de indicar a forma a
priori da experiência, que se mostra em toda a linguagem com sentido, mas não pode
ser dita. O Tractatus poderia intitular-se “Crítica da Linguagem Pura”. E o sistema
filosófico de Wittgenstein pode designar-se como um “Linguismo Crítico”,
“Linguismo Transcendental” ou mesmo “Idealismo Linguístico”. Também para
38
25
Cfr ob.cit., t. II, p. 72: “É claro que já o Tractatus encerra de facto uma «lógica transcendental»
no sentido de Kant, uma filosofia na qual o aparato transcendental das formas a priori de ligação,
que segundo Kant se devem considerar para além da lógica formal para conceber a possibilidade
da experiência intuitivo-objectiva, está pressuposto de um modo tácito na forma da linguagem”.
Cfr também Glock, H.-J. – “Philosophy, Thought and Language” Preston, J. – Thought and
Language, p. 159: “Como a «lógica transcendenta»l de Kant (A 55-7/B79-82) a lógica de
Wittgenstein é uma «lógica da representação». Enquanto as proposições contingentes são
verdadeiras ou falsas em virtude da realidade, (...) as proposições necessárias em geral,e as
proposições filosóficas em particular, reflectem as pre-condições necessárias para representar a
realidade. Em contraste com Kant, estas pre-condições já não residem num maquinaria mental
39
6. A semântica do Eu
que constrói o mundo fenoménico a partir das intuições, mas num sistema de regras para o
emprego dos signos”.
26
Cfr Hacker – “The Refutation of Solipsism”, pp. 139-141, in Canfield, vol 12.
40
27
Livro Azul, p. 119.
28
Cfr Crítica, p. 369 B 427.
29
Cfr ibidem, p. 343, A 363.
41
30
Cfr Hacker, art. cit. p. 141. O autor refere dois textos de “Notes for lectures”, p. 300 e 307.
31
Para uma exploração mais detalhada da argumentação wittgensteiniana cfr Couto Soares, Mª
Luísa, “A Semântica do Eu”, Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humana, n. 9, 1996, pp. 35-47.
Em Hacker, “The Refutation of Solipsism”, encontra-se uma explanação do percurso
wittgensteiniano deste tópico, desde os primeiros escritos depois do Tractatus até às Investigações
Filosóficas e um exame dos vários argumentos evocados por Wittgenstein.
42
32
Apel, K.-O. – Understanding and Explanation. A Transcendental-Pragmatic Perspective, p. 239.
33
Cfr ibidem, p. 242.
43
34
Cfr Dummett, M. – The Interpretation of Frege’s Philosophy, p. 61.
44
mentais próprios dos indivíduos singulares. A sua tarefa poderia representar-se melhor
como a investigação da mente; da mente, e não das mentes”.
Esta tarefa filosófica passa, segundo o programa de Frege, por uma análise e
uma depuração da linguagem. Por isso mesmo, Frege é justamente considerado o
grande inspirador, e mesmo "o avô" da tradição analítica que se caracteriza, em
35
Cfr Kleine Schriften, p. 146.
36
Kant, Logic, trad. Robert S. Hartman e Wolfgang Schwarz, Indianapolis and New York, 1974,
p. 16
45
primeiro lugar pela convicção de que uma análise filosófica da linguagem pode
conduzir a uma explicação filosófica do pensamento, e em segundo lugar, a convicção
de que esse é o único modo de alcançar uma explicação global. Dois princípios
gémeos, que nortearam todo o trabalho filosófico, quer dos positivistas lógicos, quer
de Wittgenstein, quer da filosofia postcarnapiana dos Estados Unidos, tal como
Quine, Davidson, e outros autores da filosofia analítica contemporânea. A precedência
da linguagem em relação ao pensamento marcou uma das vias mais frequentemente
percorridas pelos grandes analíticos de origem anglo-saxónica. No entanto, esta
primazia atribuída à linguagem em relação ao pensamento, não é compartilhada por
alguns autores que, também na esteira de Frege, pretendem que a linguagem só pode
ser explicada através de conceitos de vários tipos de pensamentos, que podem ser
considerados independentemente da sua expressão linguística37. Como foi dito já38, a
relação entre pensamento e linguagem é uma relação de ida e volta, a linguagem
remete para o pensamento porque o exprime e lhe dá visibilidade, mas este é condição
necessária de qualquer processo de significação e além disso o pensar é, ele mesmo,
uma certa forma de discurso. A filosofia da linguagem tem as suas raízes numa
filosofia do pensamento, e esta é, por sua vez o termo natural da análise linguística.
Frege está numa posição peculiar na ordem a atribuir á relação
linguagem-pensamento: não há dúvida que a linguagem espelha o pensamento e é,
portanto, através das expressões linguísticas que se torna possível analisá-lo. Mas, na
maior parte dos casos, a linguagem é um espelho que deforma o pensamento, e a
atitude de Frege será sempre cautelosa, desmistificando um excesso de confiança na
possibilidade de encontrar na linguagem um reflexo adequado e autêntico do
pensamento. É sintomático desta sua atitude, o que Frege escreve a Husserl em
Novembro de 1906: "A tarefa essencial do lógico consiste em libertar-se da
linguagem"39.
Estes sentimentos ambivalentes em relação à linguagem, que se manifestarão
ao longo de toda a sua vida e obra, não impedem de encontrar em Frege correntes de
fundo que levam à investigação do pensamento através da análise da linguagem, e de
reconhecer na sua obra a fonte de inspiração da "viragem linguística" que constitui o
prolongamento natural do seu trabalho filosófico40.
37
Cfr Dummett, M. Les origines de la philosophie analytique, Gallimard, 1991, p.13. Dummett dá
como exemplo desta nova orientação o livro de Gareth Evans, The Varieties of References.
38
Cfr I, 1.
39
G. Frege - Wissenschaftlicher Briefwechsel.
40
Cfr Dummett, ob. cit., p. 17.
46
41
Cfr Frege, “Der Gedanke”, nota 4.
47
42
Cfr Dummett, M – The Interpretation of Frege’s Philosophy, cap. 3, pp. 39-41. Neste capítulo
Dummett discute o papel de Frege na história da filosofia analítica e a consideração do seu
pensamento como uma filosofia da linguagem.
48
43
Cfr Hacker, P. M. S. – Wittgenstein’s Place in the Twentieth-Century Analytic Philosophy, pp. 23-25.
49
44
Cfr Conceito e Sentido em Frege, pp. 143 e ss., onde tratei mais pormenorizadamente da semântica
de Frege
50
45
Veja-se o tratamento da lógica dos nomes próprios em Kripke, S. – Naming and Necessity, pp. 18
e s. A distinção entre dar o sentido e fixar a referência, bem como a expressão conceito-feixe são de
Kripke.
53
46
Cfr Conceito e Sentido em Frege, pp. 156 e ss., onde tratei com mais pormenor deste tema.
55
47
Cfr Dummett – Frege, Philosophy of Language, p. 98.
48
O problema da referência dos nomes próprios está relacionado com a noção de objecto, que
levanta várias dificuldades no contexto do pensamento de Frege. É importante distinguir
claramente entre “pressuposição da referência” e “posição de existência”, para evitar uma série
de compromissos ontológicos que enredariam totalmente a semântica dos nomes. Cfr Conceito e
Sentido em Frege, pp. 202 e ss.
57
O que é um conceito?
Não é, para Frege, nem um conteúdo mental nem um produto (ou uma síntese)
de um acto de pensar. É algo de objectivo, que não construímos nem se constrói em
nós, mas que podemos apreender desde que não cometamos o erro de procurar uma
realidade onde nada existe. Frege insiste neste estatuto co coneito como algo
independente dos nossos processos mentais. Não o identifica tão-pouco com a
representação: esta forma-se e transforma-se dentro de um processo temporal, com
uma duração e uma história próprias, num indivíduo determinado. O conceito, pelo
contrário, está fora do tempo, não necessita de um portador para existir enquanto
conceito, não faz parte do conteúdo de uma consciência individual. Não é produto de
um processo de abstracção a partir de objectos reais, até uma entidade mais ténue,
mais enfraquecida; a subsunção de um objecto por um conceito faz-se pelo
reconhecimento de uma relação preexistente, que é um aspecto formal da realidade. A
sua função não é representativa nem refigurativa porque o conceito não se apresenta
58
em vez dos objectos, mas como uma realidade real e objectiva, não material mas
formal.
O conceito distingue-se radicalmente do objecto – essa é um dos
princípios fundamentais da lógica de Frege – mas os dois elementos são constitutivos
da própria realidade, originários, dados, indefiníveis. Frege considera o conceito como
a pedra basilar de toda a sua construção lógica. O seu carácter essencialmente
predicativo obriga a um tratamento semântico distinto do objecto: este pode ser
designado por um nome, o conceito não. Por isso Frege identifica-o com o referente
de um predicado gramatical; este não nomeia nem designa nada em concreto, devido
ao seu carácter incompleto, insaturado, e por isso mesmo predicativo. Pode ser
predicado de muitos porque possui disponibilidade lógico-linguística expressa pelos
lugares vazios, contrariamente aos nomes, com os quais se denomina necessariamente
um objecto. Este carácter de abertura, de insaturação, patenteia-se na linguagem pelo
facto de um conceito não poder ter um nome, nem ser designado segundo o modelo
semântico relativo aos nomes. Frege elucida este facto explorando o paradoxo: “o
conceito de cavalo não é um conceito”, porque a única forma de exprimir linguística o
conceito é através do respectivo predicado “é um cavalo”.
É de facto como referente de um predicado gramatical que Frege introduz o
conceito. O referente, e não o sentido. O modelo semântico da distinção entre sentido
e referência, introduzido no célebre ensaio de Frege, aplica-se a todos os níveis do
discurso – nomes, predicados, expressões relacionais e proposições. Enquanto os
nomes e as proposições são expressões saturadas, isto é referem um objecto, os
predicados e expressões relacionais são insaturadas, isto é, contêm lugares vazios que
devem ser preenchidos por nomes de objectos, no caso dos predicados, ou
argumentos, no caso das funções49.
A atribuição de referência aos predicados e expressões relacionais é
uma das teses mais controversas de todo o pensamento fregeano. Considerar o
conceito – e não a sua extensão ou a respectiva classe – como o referente de um
predicado, parece inconsistente com o extensionalismo lógico de Frege; no entanto,
essa concepção do conceito como referente traduz bem o realismo fregeano,
49
Frege substitui o tradicional par sujeito/predicado pelo argumento/função; a análise de uma
proposição em argumento/função revela-se mais frutuosa para captar a forma lógica do seu
pensamento, liberalizando-a em relação às distinções gramaticais e representando com maior
fidedignidade as potencialidades inferenciais do pensamento. Cfr Begriffschrift, § 9. Cfr Carl, W. –
Frege’s Theory of Sense and Reference. Its Origins and Scope, pp. 66-67.
59
nomeadamente no que diz respeito a este elemento central de toda a sua obra, uma das
pedras basilares de toda a sua estrutura.
O conceito é, sem dúvida, um elemento um tanto enigmático, oscilando entre o
âmbito do sentido e o da referência; por um lado, serve de eixo central da rotação
semântica do sentido à volta da referência, por outro lado situa-se claramente como o
referente das expressões incompletas. A sua ambivalência dificulta a aplicação
unívoca do par sentido/referência a todos os tipos de expressões (nomes próprios,
proposições e predicados, expressões relacionais e funcionais). Segundo Dummett,
todo o problema reside no facto de, em relação aos nomes, Frege se ver na
necessidade de defender que estes têm um sentido, enquanto, em relação aos
predicados, ter de provar que estes têm uma referência. A própria concepção
fregeana da linguagem como uma praxis consciente, intelectual, justifica que estas
expressões incompletas tenham um sentido, o elemento cognitivo presente em
qualquer acto linguístico. Mas atribuir-lhes uma referência, parece bastante
problemático. O que significa, no caso de um predicado, afirmar que este tem uma
referência ou um referente?
50
Frege, Philosophy of Language, p. 204.
51
Para uma discussão destas teses cfr Couto Soares, L. – Conceito e Sentido em Frege, pp. 241-252.
61
da frase; "a questão da verdade, far-nos-ia abandonar o encanto estético por uma
atitude de investigação científica".
2) No entanto, quando se trata da ciência, não nos satisfaz o sentido, e por
isso perguntamos pela sua referência. Porquê? Porque não nos basta o pensamento?
3) Porque nos interessa o seu valor de verdade. É a preocupação pela verdade
que "nos dirige do sentido para a referência" Como é o interesse pelo valor de verdade
de um pensamento, que nos leva a perguntar pela referência de uma frase, Frege
conclui imediatamente que a referência de uma frase é o seu valor de verdade.
A argumentação um tanto artificiosa, bem como a sua rápida conclusão
estão justificadas pela pretensão de Frege de impor uma total univocidade do par
sentido-referência, tanto para a semântica dos nomes, como para a semântica das
frases, englobando assim todas as expressões completas sob a designação de nomes
próprios. Assim, tal como um nome designa ou refere um objecto, também uma frase
completa tem por referência um objecto, que neste caso será o seu valor de verdade, o
verdadeiro ou o falso.
O principal motivo da distinção, na semântica das frases entre sentido e
referência, como relação entre pensamento e valores de verdade, é o de preservar a
peculiaridade do verdadeiro, não como uma parte do pensamento, mas como algo de
completo, "subsistente" por si mesmo, independente do pensamento que a ele se
refere. Daí a identificação, aparentemente estranha, mas congruente dentro do
pensamento fregeano, do verdadeiro e do falso com objectos. Os objectos de Frege
são, ontologicamente, "entidades" completas, independentes, do ponto de vista lógico,
sujeitos de predicação e nunca predicados de outros, e as suas expressões são também
completas, saturadas, do ponto de vista semântico são nomes próprios. No próprio
escrito SuB, Frege defende esta independência do verdadeiro em relação ao
pensamento, esclarecendo que verdadeiro ou falso não são predicados: a relação do
pensamento com o verdadeiro não pode ser analogada à relação do sujeito com o
predicado, embora a linguagem corrente possa aparentemente induzir nesse sentido.
"Um valor de verdade não pode ser parte de um pensamento, tal como não o pode ser
o sol, posto que ele não é um sentido, mas um objecto", afirma Frege.
referência usual, mas referem o seu sentido usual, e têm assim referência indirecta.
Esta é a solução fregeana para os contextos intencionais, enunciados através dos quais
atribuímos atitudes proposicionais.
Como num mesmo contexto, a referência de uma expressão nunca
coincide com o seu sentido, isto obriga a introduzir também sentidos indirectos: na
oração: «João crê que Platão é o autor do Banquete», «Platão» tem como referência o
seu sentido usual (um modo de dar-se de Platão), e como sentido algo diferente do seu
sentido usual, portanto um sentido indirecto. Uma vez que os operadores de
opacidade («julgar que...», «crer que...», etc.) podem reiterar-se indefinidamente, a
teoria fregeana obrigaria a postular a existência de sucessivos modos de dar-se,
«encapsulados uns nos outros ad infinitum.
Mas deste modo salvaguarda Frege a distinção entre sentido e
referência das frases e, o que mais lhe interessa, a identificação da referência com o
seu valor de verdade.
52
A exposição de Frege sobre a natureza das verdades matemáticas - Os Fundamentos da Aritmética
(1884) – parte da distinção kantiana entre verdades sintéticas e analíticas, e introduz um novo
conceito de analiticidade diferente do de Kant em aspectos substanciais: a definição de Frege não
se restringe a proposições da forma sujeito-predicado; contrariamente a Kant, Frege considera
que nem todas as verdades analíticas são triviais.
65
5. Aporias do sentido
Não há dúvida que aquilo que Frege denominou algumas vezes como o "reino
dos sentidos" constitui uma zona problemática da realidade, nada fácil de descrever,
de caracterizar ou de localizar: um sentido pode ser captado, expresso e comunicado a
outra pessoa, no caso de se tratar de um pensamento, pode ser-lhe atribuído um valor
de verdade. Frege não quis, ao descrever estas noções fundamentais, que pudessem
ser identificadas com imagens mentais, ideias (subjectivas, individuais) ou
representações, para evitar que o mundo dos pensamentos e dos sentidos ficasse
encerrado na incomunicabilidade que Frege atribuía àquelas. Por isso, defende a tese
de que os pensamentos e os sentidos em geral são entidades atemporais, que não estão
submetidas a um processo de mudança. Frege pretende com isto salientar que a
verdade de um pensamento não pode estar condicionada ou dependente da sua
apreensão por algum sujeito pensante. Se assim fosse, supondo que ninguém está a
pensar num dado momento, nesse mesmo momento nada haveria de verdadeiro.
O que Frege queria garantir era a fundamentação lógica e
ontologicamente válida para todos os tempos, para todas as mentes pensantes e
66
53
Nachgelassene, 288.
54
Ibidem, 288.
68
6. Estilos de pensamento
Não nos propomos aqui responder às difíceis aporias epistemológicas que têm
a sua origem neste par de noções fugidias, se bem que inevitáveis, nem formular uma
teoria do conhecimento que pretenda resolver de um modo definitivo essas questões.
O que importa é ver como as diferentes posições assumidas vão provocar diferentes
atitudes em relação ao modo e estilo de pensar em filosofia. Não apenas por uma
questão de método, mas porque impõem um certo estilo aos modos de proceder e de
pensar: se se concede um papel privilegiado à intuição no processo cognitivo, esta
pode inspirar uma filosofia do singular, assente numa dimensão experiencial apta para
o apreender e assimilar; ou uma teoria das ideias de raiz platonizante que atribui um
papel preponderante à capacidade de ver as essências, de um olhar que não se deixa
aprisionar pelas particularidade, mas que acede directamente ao que há de mais geral,
ao universal que recobre a experiência do particular. Se, no entanto, a intuição é
relegada do âmbito do conhecimento propriamente dita, por ser alvo das suspeitas
racionalistas, o estilo que domina o pensar será preponderantemente analítico,
discursivo.
55
Cfr General Theory of Knowledge…
56
Cfr § 164.
57
Cfr § 90.
72
58
Cfr § 91.
59
Cfr § 71.
60
Cfr § 103.
61
Cfr § 108.
62
Cfr Notebooks, 7.10.16.
73
63
Cfr Mind, Language and Reality, Philosophical Papers, vol 2, p. 152.
78
64
Crítica da Razão Pura, p. 504. Cfr Heidegger, M. Kants These über das Sein.
65
Crítica… p. 504.
66
A crítica de Brentano a Kant é certamente excessiva. Fiz uma avaliação da justeza desta crítica
em “O Juízo como Posição. Kant visto por Brentano” (para publicação nas Actas do Colóquio
Internacional “Kant 2004: Posteridade e Actualidade”, Lisboa, 2004).
67
Sobre la Existencia de Dios, pp. 82-83.
81
2. Asserção e predicação.
68
Cfr Logical Investigations, V, § 36.
83
69
Husserl, Logical Investigations V § 20.
70
Cfr Die Lehre vom richtigen Urteil, p. 103. Segundo Husserl, todo o acto mental apresenta uma
estrutura interna caracterizada pelos três traços: qualidade, matéria e conteúdo intuitivo. Cfr o
artigo de Barry Smith, “Husserl, Language, and the Ontology of the Act”, in Buzetti, D. e
84
forma ou qualidade de juízo é o modo intencional sob o qual se efectua um acto que
tem por objecto algo dado exclusivamente na representação. Não afecta, portanto, o
conteúdo objectivo do acto intencional, que é o mesmo objecto, ora representado, ora
julgado, constituindo, portanto, a mesma matéria num e no outro caso. Isto significa
que, na concepção brentaniana, a matéria é por essência da ordem da representação.
Ferriani, M. (eds), Speculative Grammar, universal Grammar, and Philosophical Analysis of Language,
Amsterdam: John Benjamins, 1987, pp. 205-227.
85
verdadeira uma pedra ou uma folha? É evidente que só se diria de uma imagem que é
verdadeira se houvesse nela uma intenção (Absicht), a intenção de representar algo.
Mas de uma representação só diríamos que é verdadeira se concordasse com algo, o
que parece pressupor que a verdade consiste numa certa concordância
(Übereinstimmung) entre a imagem e o representado por ela71. No entanto, Frege vê
sérios obstáculos em aceitar uma versão da verdade como concordância assim
entendida. "Se eu não sei – escreve – que uma imagem deveria representar a catedral
de Colónia, tão-pouco sei com que devo comparar a imagem para decidir sobre a sua
verdade. Assim, uma concordância só pode ser perfeita se as coisas concordantes
coincidirem, isto é, quando não são coisas diferentes. (…)"72 Se se definir a verdade
como uma concordância da representação com algo de real, é absolutamente essencial
que o real seja distinto da representação, mas neste caso não haveria concordância
perfeita. Nada seria verdadeiro, e fracassa totalmente a tentativa de explicar a verdade
como uma adequação. E, do mesmo modo fracassa qualquer tentativa de definir o
verdadeiro: numa definição apresentam-se determinadas características e na sua
aplicação a um caso particular voltaria sempre a questionar-se se essas características
lhe pertenceriam. Estaríamos assim continuamente em círculo. O argumento de Frege
esquematiza-se nos seguintes passos: 1. A tentativa de aplicar uma definição de
verdadeiro conduz a um infinito regresso. 2. Uma definição impossível de aplicar é
absurda. Portanto, 3. a verdade é indefinível.
A circularidade do argumento deve-se ao facto de Frege considerar o sentido
de “verdadeiro” como parte constitutiva do acto de pensar (apreender, captar) um
pensamento completo. Por isso, deste impasse para encontrar uma explicação
satisfatória para a verdade como correspondência, ou mesmo qualquer outra tentativa
de a definir, Frege conclui que provavelmente o conteúdo da palavra "verdadeiro" é
completamente peculiar e indefinível73.
71
Cfr "Der Gedanke", Kleine Schriften, p. 343. V. Texto de apoio no final da II Parte.
72
Ibidem, p. 343.
73
Cfr ibidem, p. 344. Cfr Stepanians, M. – “Why Frege thought it to be “probable” that truth is
indefinable?, Manuscrito, v. 26, n. 2, pp. 331-345, 2003, onde se discute o argumento do infinito
regresso invocado por Frege.
86
74
Cfr Wahrheit und Evidenz, p. 137 e ss. Cfr Die Lehre vom richtigen Urteil, §42, p. 192.
75
A carta a Marty está publicada em Wahrheit und Evidenz e Die Abkehr vom Nichtrealen; oe em
Apêndice à edição de 1911 de Psychologie vom empirischen Standpunkt.
87
que tem o seu expoente máximo na Gegenstand Theorie de Meinong, designada por
Ryle como a “selva meinongiana da subsistência”76.
A revisão da noção de in-existência intencional e a recondução do juízo ao
sujeito que julga, têm repercussões óbvias na teoria da verdade: não cabe, nesta nova
perspectiva recorrer à correspondência, relação entre o juízo e a realidade como
critério de verdade. A verdade releva do critério de evidência, e isso significa que o
locus da verdade se desloca da relação do conteúdo judicativo com a sua referência ou
objecto intencional, para o interior do próprio acto de julgar.
76
Cfr Collected Papers I, Londres, 1971, p. 234.
77
"Truth",Proceedings of the Aristotelian Society, Supplement 24, p. 115.
78
Ibidem, p. 116.
88
79
“Brentano et la théorie réaliste de la vérité”, Phainomenon, 2004.
89
mesma coisa. Do mesmo modo, dizer que um juízo negativo é verdadeiro é o mesmo
que dizer que o seu objecto não existe”80.
Não sendo predicado, o elemento “existe” (“não existe”) exprime apenas a
atitude mental de aceitação ou rejeição em relação ao que é apresentado no juízo. Em
“A existe”, não é o juízo como um todo que está numa relação de correspondência
com a realidade de “A”, mas este termo é apenas o seu constituinte representativo.
Sobre esta representação dada recai a atitude de aceitação/ afirmação de existência, ou
rejeição/negação de existência.
A teoria de Brentano sobre os juízos de existência filia-se na tradicional
revisão da peculiaridade do predicado “existe”, que remonta a Hume, Kant e se
prolonga na filosofia analítica contemporânea. Propomos uma breve revisão dos
passos principais da análise lógico-linguística do predicado de existência, para situar
nesse contexto o pensamento de Brentano.
80
Wahrheit und Evidenz, p. ... Cfr Malister, L. – “Brentano’s Epistemology”, The Cambridge
Companion tp Brentano, p. 161-162.
81
Não nos propomos expor aqui toda a problemática lógica, linguística e ontológica dos juízos de
existência. Mas parece oportuno fazer uma referência sintética às análises do predicado ‘existe’,
enquadrada no contexto desta III parte do Programa.
90
para a sua teoria sobre os juízos existenciais, que não consistem na ligação ou síntese
de conceitos ou representações. A proposição “A existe” não exprime a relação de
dois conceitos, mas simplesmente um facto no qual se crê.
Kant, como é bem sabido, reafirmará de modo muito mais retundante a tese de
Hume. Na célebre passagem da Crítica, mantém que “Ser não é evidentemente um
predicado real, quer dizer, um conceito de algo que se possa acrescentar ao conceito
de uma coisa. É simplesmente a posição de uma coisa, ou de certas determinações em
si mesmas”82.
A tese kantiana é recebida pela analítica contemporânea: é nítida a semelhança
com a terminologia e o tratamento de Frege, para quem a existência é um predicado
de segundo nível, que não pode atribuir-se a objectos, mas só via conceito83. Como
entende Frege uma afirmação de existência? Afirmar a existência não é senão a
negação do número zero, ou da vacuidade de um conceito. Isto significa que a
existência é uma propriedade de um conceito (e não de um objecto), uma propriedade
de segundo nível. O predicado ‘existe’ deve ser atribuído a um predicado de primeiro
nível: “L. Sache existe” traduz-se, segundo Frege como “Há pelo menos uma coisa
que é idêntica a L. Sache” (simbolicamente (_ x) (x = L. Sache)). O exemplo mais
ilustrativo de predicado de segundo nível – uma expressão incompleta, cujo lugar
vazio deve ser preenchido com um predicado de primeiro nível – é o dos
quantificadores. O existencial não pode aplicar-se directamente a um termo singular,
mas a um predicado de primeiro nível.
82
Cfr. B 626-627
83
Para um exame mais desenvolvido deste confronto, leia-se o meu artigo “A noção da
Existência em Frege”, Análise n. 7. E Conceito e Sentido em Frege, pp. 252-257.
91
84
Cfr “Is Existence a Predicate?”, Philosophical Logic (ed. Strawson), Oxford, 1977, pp. 97-102.
85
Models for Modalities, 1969.
86
“What Actually Exists””, Proceedings of the Aristotelian Society, suppl. Vol. 42 (1968), pp. 7-16.
92
87
What is Existence?, Oxford, Clarendon Press, 1981.
88
Leibniz tinha já mostrado a possibilidade de converter todas as proposições categóricas em
proposições existenciais, de um modo semelhante a Brentano. Cfr o texto Generales inquisitiones de
analysi notionum et veritatum sect. 1132, de 1686, citado em McAlister, The Philosophy of Brentano, p.
21.
89
Cfr Psychology, pp. 213-215 e na p. 295, o Apêndice "On Genuine and Fictious Objects",
redigido para a edição de 1911. (Cito pela tradução inglesa de Rancurello, Terrell e McAlister)
Brentano propõe aqui uma reconversão das quatro formas categóricas tradicionalmente
classificadas em A, E, I, O, em proposições existenciais. Neste esboço da "nova lógica" de
Brentano, nenhum juízo afirmativo é universal, e nenhum juízo negativo é particular. Todos os
universais são negativos e todos os particulares afirmativos.
93
90
Die Lehre vom Urteil im Psychologismus, p. 120
91
Psychology, p. 210.
92
Heidegger ob.cit., p. 120.
93
Cfr Vom Ursprung sittlichen Erkenntnis, p. 60-61.
94
Cfr Psychology p. 212, nota. Brentano cita Metafísica Θ, 10, 1051b 17.
94
95
Cfr Mayer-Hillebrand, F., Die Lehre vom richtigen Urteil, pp. VI-VII.
96
Cfr Die Lehre vom richtigen Urteil, §§ 12-14.
97
Cfr ibidem, §§ 16-17.
95
dos termos pelo sujeito-que-julga. E o uso não permite uma identificação total,
interna, entre linguagem e pensamento, pois não se dá um ordenamento simétrico
entre o pensar e os signos: estes são uma cópia imperfeita e inexacta do pensamento,
não uma réplica em perfeito paralelismo ou associação mecânica. A dimensão prática
revela-se precisamente na expressão do juízo, que não se limita a significar algo
(como o nome), mas determina o real, indica (zeigt). A dimensão pragmática do juízo
constitui propriamente a asserção, um acto de fala, (expressão que será empregue e
explorada mais tarde por Austin, embora não pareça ter tido conhecimento das teses
de Brentano); todas as proposições declarativas têm, nesta perspectiva, um carácter
pragmático, que os signos linguísticos não podem senão mostrar, exprimir. O juízo
como posição excede a própria materialidade e factualidade da linguagem, exibindo o
carácter intensional.
98
Cfr Srzednicki, J. - "Some elements of Brentano's Analysis of Language and their
Ramifications", p. 444
96
carácter assertivo do juízo, como posição de um todo que é dado pela representação.
No caso de uma afirmação, o juízo será sempre particular, a posição de algo de real,
portanto de carácter singular; no caso de uma negação, será sempre universal, porque
se trata de rejeitar todos os casos de uma pretensa realidade.
A incidência no carácter pragmático do juízo como um acto de posição, faz
ver as afinidades da análise linguística de Brentano com algumas das teses da
pragmática contemporânea. Nomeadamente, são nítidas as proximidades com Austin,
que considera a asserção, tal como a descrição ou a informação, como actos de fala99.
Os dois princípios fundamentais da pragmática encontram-se já pressupostos
na Sprachkritik brentaniana:
1. O significado não reside apenas na relação dos signos com os
seus referentes (dimensão semântica), mas há que ter em conta o contexto linguístico
e extra-linguístico: situacional e sócio-cultural.
2. O significado depende fundamentalmente da intenção e do acto
do locutor, portanto a própria linguagem deve ser considerada como uma actividade
humana, segundo regras.
convenção deram origem a dois modelos de semântica que ora acentuam uma ora
outra destas noções. A distinção entre as teorias formais e as teoria do uso em relação
ao significado são uma réplica destes dois modelos de semântica100.
Interessar-nos-á sobretudo ver como estas duas dimensões – semântica e
pragmática – se entrelaçam para constituir uma teoria do significado: segundo a
concepção da linguagem de Austin, o processo de significação implica um elemento
proposicional, presente na representação de algum acontecimento que pode dar-se ou
não, e um elemento pragmático, porque representar é fazer algo. Como dissemos já, a
concepção de linguagem de Brentano, sobretudo a reformulação da teoria do juízo
acentuando o seu carácter posicional apresenta nítidas afinidades com a pragmática
contemporânea. É da noção de actos de fala, introduzida por Austin e desenvolvida
por Searle, que trataremos a seguir.
99
Cfr Austin, Philosophical Papers, p. 236.
100
Davidson e Dummett propuseram recentemente teorias formais do significado; Austin, e
Searle, na esteira do segundo Wittgenstein apresentam teorias do significado que apontam para a
ideia do uso, sem deixar de integrar também o elemento formal, representativo, que é
imprescindível para que se dê comunicação; o programa de Grice combina elementos de ums
semântica formal, «mentalista» assente no significado das expressões, com elementos
pragmáticos, centrando-se no «significado ocasional do locutor. Continuadores mais recentes da
designada «filosofia da linguagem corrente» são por exemplo Gareth Evans e Christopher
Peacoke. A contribuição destes autores foi a de terem reformulado os principais problemas da
filosofia da linguagem no contexto mais amplo da acção humana e do comportamento. “Em vez
de ver as relações entre as palavras e o mundo como algo existente in vacuo, vemo-las agora como
implicando acções intencionais dos locutores” (Searle, J. – The Philosophy of Language, Introdução,
Oxford University Press, 1971, p. 7).
Cfr Avramides, A. – “Intention and Convention”, in Hale, B. e Wright, C. – A Companion to the
Philosophy of Lanuage, pp. 60-86 e García-Carpintero, M. – Las palabras, las ideas y las cosas. Una
presentación de la filosofia del lenguaje, pp. cap. XIII e XIV.
98
termo de Austin)101. São dois aspectos que integram o acto de fala, o “acto linguístico
total, na situação linguística total”, que para Austin é o “único fenómeno real” que
pretende elucidar”102.
Os actos de fala, seja qual for o medium através do qual se realizam,
são acções intrinsecamente intencionais, pressupõem um conjunto de intenções
intimamente entrelaçadas, que excedem a mera acção de emitir certos sons. Austin
distingue três níveis de acção: o de dizer algo, o que se faz ao dizer, e o que se faz por
dizer, designando-os por acto “locucionário”, “ilocucionário” e “perlocucionário”103.
Austin restringe a noção de significado ao sentido e referência da frase, localizando a
força de um acto ilocucionário no uso convencional104 de uma expressão, que
determina assim o tipo de acto efectuado pelo locutor. Realizar um acto de fala
consiste numa certa intenção comunicativa ao usar certas palavras, e esse acto será
bem sucedido, a intenção preenchida, se for reconhecido pela audiência. Austin, no
entanto, não considera a intenção, mas sim a convenção, como um factor determinante
para a realização bem sucedida de um acto ilocucionário; Searle propõe-se explicar as
forças ilocucionárias através de “regras constitutivas” para o uso de recursos
indicadores da força, como verbos performativos. O problema das teorias
“convencionalistas”, como aponta Strawson, é que o próprio acto ilocucionário pode
realizar-se sem recorrer aos meios linguísticos estipulados pelas regras constitutivas.
Há casos em que o acto ilocucionário requer a existência de certas convenções sociais
– por exemplo, “Tomo-te como esposa” ou “Chequemate!” – mas há outros casos em
que tais regras não são requeridas – por exemplo, “O gelo aí está fino!”, pronunciado
com a força de um aviso105, não exige convenções extra-linguísticas, mas sim a força
do próprio significado.
101
Cfr García-Carpintero, M. – Las palabras, las ideas y las cosas, p. 483.
102
How to do things with words, p….
103
Cfr Austin, How to do things with words, p. 155.
104
Ao discutir a distinção entre o acto ilocucionário e o perlocucionário, Austin afirma que o primeiro
pode considerar-se convencional, o segundo não. Note-se que ao referir-se a convenções, Austin
tem em mente convenções extra-linguísticas, sociais. Mas não parece ser essencial para a
realização deactos de significação, que estes envolvam convenções extra-linguísticas. Para uma
discussão do elemento intencional e convencional, cfr Avramides, A. – “Inention and
Convention”, in A Companion to the Philosophy of Language, pp. 60-86. Sfr também Strawson, Logico-
Linguistic Papers, p. 165. Uma alternativa é a proposta por Grce, com a introdução dos significados
não literais, que permite autnomizar a semântica em relação à pragmática, tendo em conta certos
elementos pragmáticos não redutíveis aos significados convencionais.
105
Cfr Strawson – Logico-linguistic papers, p. 165.
100
106
Intenção e significação estão intimamente ligadas na praxis linguística e comunicativa. A
intenção comunicativa intenciona ser reconhecida, é intenção de que a intenção seja compreendida pelo
outro, e também de produzir um certo efeito (ilocucionário e perlocuionário) no ouvinte. Significar
é um querer dizer, que envolve intenção e desejo, volição. Cfr Ricoeur, O Discurso da Acção, p. 89.
107
Cfr Searle, “Indirect Speech Acts” in Cole, P. e Morgan, J. L. – Syntax and Semantics, p. 60: nos
actos de fala indirectos, o locutor comunica mais do que realmente diz, mediante o fundo de
102
nas quais o sentido literal não é idêntico ao sentido do locutor. Apesar de tudo, Searle
considera que uma análise do significado não se pode separar em princípio de uma
análise dos actos de fala108. Embora se distingam conceptualmente o significado
linguístico do significado do locutor, estes estão inseparavelmente unidos no contexto
de um acto de fala particular. Se alguém emprega uma expressão metaforicamente,
esta tem o sentido metafórico que a intenção do locutor lhe confere, e não dois
sentidos, um literal e outro metafórico. O sentido literal dependerá da interpretação de
alguém que não capte o sentido com que o primeiro locutor a empregou. As palavras e
as frases não têm qualquer sentido independentemente do seu uso por algum locutor:
as palavras podem ter definições, as frases regras convencionais de emprego, mas só
os actos linguísticos têm sentido.
A distinção entre um sentido literal e um não-literal deve-se a Grice
que a introduz em “Logic and Conversation”, imprimindo à compreensão do
significado um cunho marcadamente «intencionalista». Partindo do princípio que as
palavras têm um significado literal, ou convencional, independentemente do
significado ocasional numa determinada situação de fala, Grice mostra como, a partir
desse significado literal e de outros elementos não redutíveis a significados
convencionais (elementos pragmáticos), se podem obter os significados não literais.
Esta é a ideia básica das designadas “implicaturas conversacionais”, teoria introduzida
por Grice: as “implicaturas”, como é sabido, são um tipo de inferências originadas por
elocuções de frases proferidas num contexto específico de conversação, de acordo
com o Princípio da Cooperação e das Máximas Conversacionais. O neologismo
introduzido por Grice deriva do termo “implicação”, para mostrar a semelhança e a
diferença deste novo tipo de inferências: numa determinada situação linguística, o
significado literal de uma frase está relacionado com algo que se pretende dizer ou
sugerir nesse mesmo contexto, de modo análogo a como esse significado literal se
relaciona com algumas das suas implicações lógicas. A diferença radica em que, no
caso das consequências lógicas de uma proposição, esta derivação requer apenas que
se tenha em conta o seu significado literal, enquanto no caso das implicaturas, a
109
Cfr García-Carpintero, M. – Las palabras, las ideas y las cosas, p. 495.
110
Para uma compreensão mais pormenorizada das «máximas conversacionais», cfr o citado
artigo de Grice. Limito-me aqui a chamar a atenção para a relevância da teoria de Grice para a
compreensão global do significado e do acto linguístico
111
Esta ideia é sublinhada por García-Carpintero, M. ob. cit., p. 499.
112
Cfr Recanati, F. – Direct Reference, pp. 233-254, para um exame crítico da teoria de Grice.
104
prática convencional. O locutor emprega um signo, que não tem um uso convencional
prévio, para realizar uma determinada acção significativa, num contexto
conversacional. O significado da expressão, refere-se ao significado das próprias
palavras, em virtude de convenções e relativamente independente do uso concreto em
que são empregues.
A dificuldade será a de explicar como é que numa situação dada, se
capta a intenção significativa do locutor: parece claro que num caso de “implicatura
conversacional”, o interlocutor percebe que a expressão utilizada não corresponde à
intenção significativa do locutor; mas numa segunda fase é preciso inferir o que é que
o locutor quer dizer de facto. Este processo é explicado por Grice recorrendo às
máximas conversacionais, mas isso nem sempre é suficiente. Searle aponta a
impossibilidade de justificar qualquer inferência a partir do sentido convencional das
palavras, para o que o locutor pretende exprimir, ou mesmo procurar fundá-la num
conjunto de regras sintáticas a partir das quais se gera uma estrutura profunda
reveladora do significado ocasional do locutor113.
A teoria de Grice pressupõe ou pelo menos permite distinguir três
níveis de significação: o do significado literal da expressão, o do que se diz e o que se
comunica. Este último, o significado da comunicação inclui não só que é dito, mas
também as implicaturas conversacionais do uso. As regras das implicaturas propostas
por Grice pretendem explicar este último passo, do que se diz para o que se comunica.
O problema é saber como estabelecer a ponte entre o significado literal da expressão e
o que é dito pelo locutor. A elucidação destes três níveis de significado é sugerida por
Recanati114, para ampliar e clarificar a perspectiva de Grice; este dá conta do processo
pragmático implícito na passagem do que se diz para o que se comunica, mas, como
observa Recanati, é necessário reconhecer que, entre o significado literal e o que se
diz, se institui também um processo pragmático. A estes dois processos correspondem
uma intenção informativa e uma intenção comunicativa: a pragmática terá que
explicar não só o carácter comunicativo de uma expressão, mas também a sua
capacidade expressiva propriamente dita. Esta capacidade dificilmente se pode
remeter exclusivamente para a intencionalidade ou para o significado ocasional do
locutor.
113
Cfr Searle, J. – “Indirect Speech Acts”, p. 82. Cfr Davis, W. – Implicature, Cambridge
University Press, 1998. As análises de Grice não bastam para dar conta desta parte positiva da
compreensão da intenção significativa veiculada por uma expressão que não diz o que o locutor
pretende dizer.
114
Cfr Recanati, F. – Direct Reference, p. 236-237
105
7. Intenção e Significado
115
Cfr Apel, K.-O. – “Intentions, Conventions, and Reference to Things”, in Parret, H. e
Bouveresse, J. – Meaning and Understanding, p. 110.
106
116
Cfr Essays on Actions and Events. A praxis linguística pode ser analisada à luz das duas teorias da
acção alternativas – a wittgensteiniana e a davidsoniana. É uma forma de acção racional,
intencional, que remete para uma racionalidade instrumental e estratégica. Deixo para outra ocasião
o exame detalhado de uma teoria da acçao linguística.
117
Davidson explora neste capítulo a distinção de Anscombe entre 1)actuar com uma intenção; 2)
actuar intencionalmente; 3) intencionar algo, ou tencionar agir. Reconhece que, embora a princípio
julgasse que 1) era a noção básica, ao explorar esta distinção, concluiu que a mais difícil de todas
é a noção de intenção de agir, que considera a mais básica e fundamental das três. A intenção com
que actuamos não se refere a nenhuma entidade ou estado de nenhum tipo. A dificuldade para
explicar satisfatoriamente a mera intenção, na base da explicação da acção intencional, tem
consequências retroactivas na compreensão da própria acção intencional. Esta será incompleta
sem uma análise adequada da mera intenção.
118
Cfr “Inquiries into Truth and Interpretation, cap. 18, p. 266. O problema tradicional do significado
exige estabelecer a conexão entre a noção de significado com as crenças, desejos, intenções e é
precisamente a ideia de convenção que desempenha um papel crucial para estabelecer a conexão
entre o significado linguístico e as atitudes e actos humanos descritos em termos não linguísticos.
Cabem aqui diversos tipos de teorias, conforme o lugar onde se situa a convenção: na conexão
entre as frases com as intenções ilocucionárias, ou no uso particular de cada frase, ou na ligação
entre as palavras individuais e uma extensão ou intensão.
107
119
. Cfr ibidem, p. 273. Davidson cita Chomsky para corroborar a ideia da impossibilidade de
derivar o significado de uma expressão das intenções não linguísticas do locutor. O
conhecimento do que se tenciona fazer crer à audiência com o uso de uma expressão não funda
necessarimente o seu significado literal. Se alguém tem a intenção de que a audiência creia ou faça
alguma coisa, isso terá que passar pela correcta interpretação do significado literal das palavras
que se emprega. Isto parece-me óbvio: a intenção de significar, transmitir, comunicar algo passa
pelo significado literal – que é independente dessa intenção – da expressão que se usa. Sem este
significado literal, a intenção não passaria de uma intenção não linguística ineficaz, por assim
dizer, ou não realizada. Há portanto que distinguir aqui dois níveis de intenção: o intencionar algo,
que não tem nada de convencional, e a intençao de significar, que pressupõe o recurso às regras e
meios apropriados para realizar essa significação.
120
Cfr Inquiries into Truth and Interpretation, p. 274.
121
“Communication and Convention”, in Inquiries into Truth and Interpretation, p. 274.
108
122
Cfr ibidem, p. 280.
123
Lewis, D. – “Languages and Language” cit. por Davidson, ob.cit., p. 265.
124
Cfr “A Nice Derangement of Epitaphs” in Lepore (ed.) Truth and Interpretation: Perspectives on the
philosophy of Donald Davidson, 1986.
109
compreensão, não significa que não sejam um factor importante que, juntamente com
outros, configuram a acção significativa e comunicativa.
Em síntese: uma teoria do significado requer uma compreensão da linguagem
como acção e esta por sua vez exige analisar a estrutura do acto de significação. Nele
intervêm diferente níveis ou estratos que vão desde as crenças, desejos e intenções do
locutor, a interpretação e compreensão, as regras implícitas no emprego da linguagem,
a sua estrutura formal como meio para atingir os fins propostos pelo sujeito
linguístico. A complexidade do processo significativo resiste a qualquer teoria
simplificadora que ignore ou subestime a pluralidade e variedade dos factores nele
implicados. Como acção que é, a linguagem não se pode identificar com uma espécie
de super-estrutura construída por entidades abstractas; tão-pouco se pode remeter
exclusivamente para a particularidade e contingência de cada evento linguístico nem
muito menos para a intenção do sujeito. Como acção tipicamente humana, é racional,
intencional; mas é uma acção estratégica, o que significa que a intenção de significar
contém em si mesma a intenção de seguir as regras e as convenções. Não há portanto
uma oposição nem sequer uma tensão entre o intencional e o convencional, mas uma
imbricação peculiar que representa o aspecto mais genuíno do funcionamento da
linguagem.
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CONCLUSÃO
crítica numa crítica da linguagem pura. Como é óbvio a formulação de uma teoria do
significado tornou-se uma questão filosófica prioritária e central.
Numa rápida visão retrospectiva sobre os diferentes modos de compreender a
teoria do significado, parece-nos que podemos tirar algumas ilações, que não são
propriamente conclusões, mas meras indicações do que não serve para dar conta da
noção de sentido e de significado:
1.º a ideia de sentido como “algo na mente”, independente e anterior ao
discurso, além de promover uma pululação de entidades espúreas, torna difícil
explicar como é que um evento mental se relaciona com o signo linguístico.
2.º a tentativa de explicar o significado como uma relação directa, isomórfica
entre discurso e realidade, conduz a uma série de impasses resultantes sobretudo da
eliminação do papel do sujeito e sua intenção significativa nos processos de
significação linguística.
3.º remeter toda a explicação do significado para o factor intencional do
sujeito, fazendo incidir todo o sentido literal no sentido ocasional do locutor, leva em
última análise à negação provocativa da existência de uma linguagem, reduzindo-a a
uma série de eventos particulares, esporádicos e contingentes.
Para formular uma teoria do significado satisfatória é necessário integrar a
multi+licidade e variedade de factores – linguísticos, mentais, sociais, etc. – que
entretecem a complexidade do discurso humano. Este manifesta uma estrutura
linguístico-formal autónoma e simultaneamente releva da vontade de significado do
sujeito em cada situação de fala. Por isso, há que ter em conta uma certa autonomia
semântica – as palavras têm de facto um significado determinado – e ao mesmo tempo
os factores não estritamente linguísticos derivados do uso, das regras sociais e das
intenções comunicativas. Esta vertente dupla do significado, revelando por um lado o
seu aspecto formal, objectivo, e por outro lado um dinamismo prático e vivo, exprime
claramente a relação da linguagem com o pensamento, que por ser originariamente
discurso, se mostra na articulação intrínseca com o sentido e produção de significado,
e o carácter essencialmente activo, práxico de todo o processo linguístico. Para
compreender o funcionamento da linguagem no seu todo, torna-se indispensável olhar
simultaneamente para estas duas dimensões e integrar os diversos factores semânticos
e pragmáticos numa teoria unitária.
A título de epílogo, referi-me-ei a algumas tendências dos debates actuais em
torno de um modo de enquadrar a relação entre o pensamento e a linguagem, o da
psicologia e ciências cognitivas: nomeadamente a discussão da “Hipótese da
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Cfr Preston, J. (ed.) – Thought and Language; contém ensaios de Davidson, Searle, Glock e Dennett, entre
outros, que discutem a hipótese da linguagem do pensamento. Embora nenhum destes autores subscreva a
teoria de Fodor, tão pouco exprimem uma atitude radicalmente contra as teorias representacionistas. As
objecções que apontam à linguagem do pensamento são de ter em conta numa discussão ampla do
problema e suas implicações.
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126
Cfr “How to do Other Things with Words”, in Preston, J. – ob. Cit., pp. 219-235.
127
Cfr Davidson, D. “Seeing through language”, in Preston, J. ob. Cit., pp. 15-27.
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BIBLIOGRAFIA
I. Bibliografia Geral
II.
OBRAS DE WITTGENSTEIN
OBRAS DE FREGE
TRADUÇÕES
Miguel García-Baró: Breve Esbozo de una Teería General del Conocimiento, Madrid,
Ediciones Encuentro, 2001.
Vom Dasein Gottes, ed. A. Kastil, Hamburg, 1980.
Sobre la Existencia de Dios, trad. e prólogo de A. Millán Puelles, Madrid,
Rialp, 1979.
Wahrheit und Evidenz, Hamburg, Felix Meiner, 1930.
The True and the Evident, trad. de R. Chisholm, London, Routledge & Kegan
Paul, 1966.
Porto 2005
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