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MARIA LUÍSA COUTO SOARES

DO OUTRO LADO DO ESPELHO

LINGUAGEM, PENSAMENTO, ACÇÃO

FUNDAÇÃO ENGENHEIRO ANTÓNIO DE ALMEIDA


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- Quando utilizo uma palavra – disse Humpty Dumpty, num tom


desdenhoso –, ela significa exactamente o que eu quero que ela signifique, nem mais,
nem menos.
- A questão está em saber – disse Alice – se tu podes fazer que as
palavras tenham significados diferentes.
- A questão está em saber – disse Humpty Dumpty – quem deverá ser o
mestre, é só isso.”

LEWIS CARROLL
Alice do outro lado do espelho

O símbolo pode dizer ao Homem, como dizia a esfinge de Emerson: «Dos teus
olhos, sou eu o olhar»

CHARLES SANDERS PEIRCE

Le mot, qu’on le sache, est un être vivant… le mot est le verbe, et le verbe est
Dieu

VICTOR HUGO
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ÍNDICE

Prefácio
Introdução
I. Filosofia Transcendental e Crítica da Linguagem.
1. Pensamento e Linguagem: a conaturalidade entre o pensar e o dizer.
2. Crítica da linguagem: campo e modo do filosofar.
3. A radicalização da crítica no Tractatus.
4. A Linguagem como medium universal.
5. Wittgenstein, um filósofo kantiano?
6. A Semântica do «Eu».

II. A Tradição Analítica

1. Funções significativas: a distinção entre sentido e referência (Sinn und


Bedeutung de Frege).
2. O sentido dos nomes próprios.
3. A referência do predicado: o conceito.
4. Sentido e Referência das proposições: Sinn und Bedeutung e Der
Gedanke
5. Aporias do sentido
6. O que é pensar? A apreensão do sentido? Pensar e conhecer.

III. Semântica e Pragmática

1. A estrutura do acto de julgar.


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2. Asserção e predicação.
3. Impasses da noção de correspondência.
4. Juízos de existência. A semântica da existência.
5. A Sprachkritik de Brentano: as ficções da linguagem.
6. Dimensão pragmática da linguagem. Os actos de fala.
7. Intenção e Significado.

Bibliografia
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PREFÁCIO

No final do Crátilo, depois de uma exaustiva discussão sobre a origem e a


justeza dos nomes, Sócrates acaba por concluir que o problema não é fácil de
investigar nem é próprio de um homem cordato entregar-se com toda a alma ao
cuidado dos nomes. Como as palavras e os signos são tão mutáveis, tão frágeis, tão
sujeitos a modificações de sentido e de significado, parece que esta instabilidade se
contagia às próprias coisas, submergidas também num fluir contínuo, e tal como os
homens atacados de catarro – é a imagem de Platão –, vítimas do fluxo e defluxo.
Estas invectivas finais num diálogo que se propunha tratar dos nomes, da sua
origem e modo de significar, parecem votar toda a reflexão filosófica sobre a
linguagem ao fracasso. A sentença platónica é a de não ser uma tarefa própria de
homens sérios, fiar-se dos signos e das suas regras, ou supor que há alguma forma de
sistematizar os processos simbólicos recorrendo a um ou vários autores, detentores de
umas leis que os tornariam semanticamente eficazes e praticamente válidos. Se assim
fosse, este livro não teria qualquer sentido e seria uma tarefa vã e inútil tentar abordar
os problemas da linguagem.
Talvez o motivo que levou a este desenlace tão infeliz do diálogo platónico,
seja o facto de Sócrates e Hermógenes se terem esgotado a procurar explicar como é
que cada nome é imagem da coisa: as intrincadas etimologias para dar conta desta
relação especular entre palavra e coisa são desgastantes, infrutíferas e áridas, e não
dão nenhuma justificação satisfatória à concepção da linguagem como espelho da
realidade.
Apesar do fracasso de Platão, o hábito de procurar nas palavras a imagem
das coisas reais, tornou-se um pressuposto recorrente, que se impregna na forma
8

habitual e corrente de pensar na linguagem. O espelho diante de nós origina falsas


expectativas e ilusões. Apresenta-se como uma barreira de reflexão que remete
sempre a própria imagem e impede de ver para além dela. Ver só imagens, recortadas
pelos limites do espelho, sem poder compreender o porquê e o para quê dessas
imagens é frustrante. A criança não aceita essa frustração e tenta espreitar por trás do
espelho. O adulto assume-o como algo sabido, enterra nas suas convicções ou nas
explicações racionais dadas todas as genuínas perplexidades que espontaneamente lhe
sugeriam esse facto anódino. Recuperar a atitude originária da criança, constitui um
desafio interessante para repensar o significado da linguagem.
Este livro é um esboço da tensão entre estas duas atitudes frente ao espelho:
ou olhamos para a imagem que nos reflecte confiada e despreocupadamente, sem
exigir mais nada, sem querer ver para além ou através dela; ou fazemos como a
criança que o contorna, espreita, toca na superfície lisa porque resiste a aceitar
pacificamente aquela imagem reflectida, devolvida magicamente pelo espelho. Por
isso, há um fundo lúdico em todo este percurso através do problema da linguagem e
sua relação com o pensamento, a acção e a reflexão filosófica que ele suscita. Não
porque as questões sejam levadas levianamente, nem por se preterir a finalidade de
proporcionar uma informação sobre os actuais debates em torno da linguagem e da
semântica filosófica. Tal como Swift afirma no final das Viagens de Gulliver, “o meu
principal desejo era informar-te e não divertir-te”, também neste caso o objectivo
principal foi o de propor um itinerário percorrendo alguns tópicos da analítica e
pragmática, para descobrir origens remotas de ideias aparentemente novas que têm
guiado os caminhos da filosofia da linguagem contemporânea. Mas a prática
linguística traduz-se bem numa espécie de jogo, ou numa variedade de jogos – os
célebres «jogos linguísticos» de Wittgenstein – que mostram a complexidade de
qualquer processo de significação e a pobreza conceptual contida numa noção de
sentido e de significado simplificadora e linear. Na realidade não é simples o
fenómeno humano da linguagem: o homo loquens tem bastantes semelhanças com o
homo ludens, há nos dois casos uma certa gratuitidade, espontaneidade que se
combina com uma arte construtiva configuradora de sentido e de formas novas.
A linguagem espelha o pensamento, é a ideia recorrente para explicar o
funcionamento dos signos linguísticos. A ideia da imagem impõe-se e domina toda a
concepção do significado e não deixa ver a diversidade de dimensões que este
implica. Na verdade, a linguagem também mascara o pensamento, deforma-o,
esconde-o. A relação pensamento-linguagem sempre apareceu como enigmática:
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como se pode transformar o pensamento – os estados mentais, os processos psíquicos,


a actividade inteligível – em sinais sensíveis, dando-lhe visibilidade, tornando-o
tangível e cativando-o em formas mais ou menos fixas? Estas formas serão uma
fenomenização do pensamento, dos processos mentais, ou uma camuflagem que os
oculta ou deturpa?
É recorrente, como disse, procurar na linguagem o espelho do pensamento;
mas também ocorre com frequência a suspeita perante os signos que na sua
materialidade física se transformam numa barreira opaca que esconde ou deforma a
verdadeira natureza e estrutura do pensamento. E esta suspeita dá lugar à denúncia e à
desconstrução. A análise linguística assume deste modo uma função crítica,
substituindo-se ao próprio discurso filosófico eliminado por falta de sentido: a teoria
do significado apresenta-se, sobretudo, como uma arma defensiva contra as
transgressões praticadas pelas tentativas frustradas de dizer o indizível, ultrapassando
as fronteiras do razoável e do plausível. Mas a tentativa de explicar o processo de
significação releva sempre de pressupostos cognitivos e comportamentais que
remetem de novo para o contexto filosófico. A crítica da linguagem, mesmo quando
se apresenta como uma negação da reflexão racional, é sempre um discurso que se
constrói sobre a base de uma racionalidade teórica e prática e de pressupostos de
ordem epistémicos e antropológicos.
Seja qual for a finalidade visada pela formulação de uma teoria do
significado, as dificuldades que se levantam à semântica provêm geralmente das
ilusões de um ideal representativo que leva a olhar a linguagem como uma imagem
fiel de algo – pensamento, realidade – que transcende as palavras. E o reconhecimento
que o processo de significação se enquadra no contexto geral de toda a acção humana,
e como tal, aponta para a ideia de intencionalidade e de racionalidade prática, requer
uma outra ideia da linguagem. O seu uso pressupõe umas competências próprias para
reconstruir um mundo da vida e uma cultura: neste sentido é especificamente humano
e só se compreende se integrado na dinâmica prática e poiética do comportamento e
da interacção social. A pergunta pela possibilidade da semântica leva a concluir que
esta é uma ciência eminentemente social, a pergunta pela possibilidade da pragmática
– a consideração da linguagem como acção humana – aponta para a necessidade de
um sistema de regras que não seja totalmente arbitrário e convencional. Assim, entre
semântica e pragmática há um «comércio» imprescindível e frutuoso: a noção de
significado ganha com a integração da dimensão prática, e esta última requer ou
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funda-se na possibilidade de um sentido estritamente linguístico, com uma certa


independência da diversidade dos usos.
Foi este o itinerário que seguimos neste livro. Tem um carácter introdutório
aos problemas da linguagem, que se cruzam inevitavelmente com os grandes
problemas da filosofia – da epistemologia, da metafísica, da antropologia. Não se trata
de uma introdução à filosofia da linguagem, no sentido académico; muitas questões
ficam por tratar, e a selecção de pensadores para fazer o percurso que traçámos deixou
de fora muitos nomes fundamentais da analítica contemporânea. Trata-se de formular
alguns problemas básicos para compreender a tarefa de uma filosofia da linguagem, e
avaliar o seu lugar e o seu papel no contexto de toda a reflexão filosófica. A
transformação da filosofia que a análise linguística, sobretudo no início do século XX,
originou é inegável. Essa transformação não se traduziu na mera redução ou mesmo
eliminação do discurso filosófico, mas pelo contrário, foi ocasião para fazer renascer e
revisitar muitas das questões clássicas da filosofia e da metafísica. A título de
exemplo, a elaboração de uma teoria do significado, é uma tarefa transversal que
passa por questões fundamentais da epistemologia, da antropologia, da filosofia da
acção, das ciências sociais. As discussões em torno da noção de sentido são pautadas
pelas diferentes concepções de conhecimento, de aprendizagem, de crença e acção
racional.
Apesar do carácter introdutório, este livro recupera, dentro de novos
contextos, uma série de questões que foram já tratadas em publicações anteriores e
tema de vários cursos de filosofia da linguagem no Departamento de Filosofia da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa: o n. 6 da
I parte, “A Semântica do «eu»” foi tratado no artigo sobre Wittgenstein, intitulado
“Exercícios do Olhar”, Análise, n. 20, 1998; a II parte, sobre Frege, foi exposta em
Conceito e Sentido em Frege, Porto, Campo das Letras, 2000; sobre a pergunta “O
que é pensar?”, ocupei-me em “Análise e Intuição”, para publicação em A Expressão
do Indizível, Brazília; da III parte, o problema do juízo em Brentano foi anteriormente
tratado em “O Juízo Evidente. Notas sobre a teoria do juízo em Brentano”,
Phainomenon, n. 7, Outono 2003 e “Juízo e Evidência em Brentano”, Intelectu, n. 10,
Outubro 2004.
Muitos destes temas têm sido objecto de reflexão desde há vários anos. Não
é possível registar aqui todos aqueles com quem contraí dívidas de gratidão: os que
me iniciaram no trabalho filosófico desde os anos da Universidade, e os que com o
seu estímulo, sugestões, críticas e objecções, têm contribuído enormemente para que
11

este trabalho prossiga e dê os seus frutos. Entre estes, menciono em particular todos
os estudantes de Filosofia que ao longo dos anos foram uma forte motivação para
aprofundar e clarificar ideias, num ambiente de franco e proveitoso diálogo.
12
13

INTRODUÇÃO

Toda o trabalho filosófico pressupõe e exige que se procure optar por algum
modo de decidir onde e quando devermos parar1. E esta decisão diz respeito
simplesmente àquilo que se vai considerar como âmbito próprio do filosofar. Em
princípio este âmbito não tem limites definidos e circunscritos, e não requer portanto
que se assuma um ponto de partida fixo. A procura de um ponto de partida faz parte já
do filosofar. E prescindir de um ponto de partida fixo constitui também uma opção
possível e pode ser um modo de pensar enriquecedor e fecundo. Concentrar a atenção
no fenómeno da linguagem como estratégia para tratar os problemas filosóficos,
imprimirá um certo estilo próprio ao trabalho filosófico, mas não o compromete
necessariamente com uns pressupostos de ordem ontológico ou epistemológico.
Estas observações são pertinentes na medida em que a Filosofia da
Linguagem, hoje em dia, está em grande parte dominada pela Filosofia Analítica, que
dificilmente se deixa circunscrever ou enquadrar numa caracterização definida.
Dummett2 assinala o cunho anti-sistemático e polifacetado do movimento analítico, e
aponta apenas três princípios básicos, comuns a toda a escola analítica: 1) o propósito
da filosofia é o de analisar a estrutura do pensamento; 2) este desideratum distancia-se
duma abordagem psicológica dos processos de pensamento e 3) o único método
consiste na análise da linguagem. Isto é muito e é pouco. É muito porque se pode ver
nestes três princípios a mesma persistência em encontrar uma metodologia sistemática
dos grandes pensadores desde Descartes, Spinoza a Husserl. É pouco, porque partindo
destes princípios, cabe uma grande variedade de modos de praticar a filosofia: basta

1
Cfr Granger, G.-G. – Pour la connaissance philosophique, Editions Odile Jacob, 1988, p. 9.
2
Truth and other enigmas, “Can Analytical Philosophy be systematic and ought it to be?”, p. 441.
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pensarmos em autores tão diferentes como Carnap ou Goodman, e Austin, Ryle ou


Searle.
O objectivo que se persegue não é o de reconstituir a génese da analítica
contemporânea, nem seguir estritamente uma «metodologia» específica e restritiva.
As grandes questões fundamentais – como pode a linguagem exprimir o pensamento e
reflectir ou actuar sobre o mundo? – são sem dúvida aquelas das quais se têm ocupado
de uma forma ou outra os grandes autores da escola analítica. No entanto, a filosofia
analítica é um exercício de análise que muitas vezes ignora os seus próprios
pressupostos, na opinião de Rorty. Entre esses pressupostos está precisamente a
problemática epistemológica, que esteve na base do neopositivismo lógico e no seu
propósito de construir uma linguagem ideal que traduzisse com toda a precisão o
pensamento científico. Foi este ideal que norteou também o trabalho de Frege e o de
Wittgenstein (no Tractatus). Mas originariamente esta intenção obedecia à pretensão
de resolver as profundas dificuldades dos problemas epistemológicos. Segundo Rorty,
“a coisa mais importante que aconteceu na filosofia nos últimos trinta anos não é a
própria viragem Linguística, mas sim o início de uma radical reformulação de certas
dificuldades epistemológicas que perturbaram os filósofos desde Platão e
Aristóteles”3.
A crítica neopositivista, baseada no critério empirista de sentido anula-se a si
mesma, como foi recorrentemente apontado pelos grandes objectores ao
verificacionismo (desde Popper, Wittgenstein, até Quine). As expectativas criadas
pela viragem Linguística seriam um logro, se a própria filosofia analítica posterior não
tivesse, ela própria, denunciado os pressupostos neopositivistas, libertando-se deles
para recuperar os grandes problemas da ontologia e da metafísica. A analítica de raiz
positivista, com a pretensão de ocupar o lugar da ontologia, contém em si mesma os
gérmenes da sua destruição: a filosofia e a metafísica liquidadas e expulsas pela porta
voltam a entrar pela janela. Rorty reconhece que a viragem Linguística tem diante de
si dois horizontes possíveis: a promessa de um verdadeiro e renovador trabalho
analítico e, simultaneamente, a sua autodissolução e o suicídio da própria filosofia4.
Não partilhamos do prognóstico que anuncia o fim da Filosofia. Também na
dinâmica do pensar nada se cria, nada morre, tudo se transforma. Depois de
momentos agonizantes, os grandes temas ontológicos e metafísicos retornam como a
Fénix renascida. O panorama filosófico dos últimos anos confirma-o: a crítica

3
Cfr Rorty, The Lihnguistic Turn, p. 39.
4
Cfr ibidem, p. 35.
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devastadora do discurso metafísico coexiste com a renovação das grandes tradições do


pensamento e das suas interrogações fundamentais. Os impasses provocados por uma
demarcação extrema entre os saberes filosóficos e científicos, que conduziram à
tentativa de eliminação dos primeiros, são superados pela transformação da própria
noção do sentido. Recupera-se a contextualização num horizonte antropológico mais
amplo, que integra o uso e o carácter social e dinâmico do processo de significação, e
a sua relação expressiva da complexidade do mental: a analítica encontra o seu
prolongamento na pragmática e na filosofia da mente. Ao mesmo tempo, a construção
de sistemas lógicos e de linguagens formalizadas veio trazer de novo à boca de cena
problemas filosóficos tradicionais, dando-lhe novas formas (pense-se, por exemplo,
nos pressupostos ontológicos de um sistema formal, na discussão do estatuto de
entidades abstractas, na análise dos juízos de existência e suas implicações
metafísicas, no problema das modalidades, etc.).
As questões que renascem da análise lógico-semântica da linguagem
ultrapassam as margens estritas da Filosofia da Linguagem e ramificam-se em
múltiplas e variadas áreas e disciplinas filosóficas. Além disso, permitem retomar o
fio das grandes tradições do pensamento, desde Platão, Aristóteles até à Filosofia
Moderna e Contemporânea.
Voltando ao problema inicial, o do «estilo»: optamos por orientar-nos pelas
seguintes directrizes: uma perspectiva anti-historicista que vise os problemas e
argumentos no contexto alargado de um diálogo entre pensadores, mais do que na sua
delimitação temporal; uma orientação analítica, mas também interpretativa; uma
intenção descritiva e compreensiva.
Em toda a tradição filosófica, desde o Crátilo de Platão, ou a Metafísica de
Aristóteles até aos autores contemporâneos, há um «comércio» constante entre
Filosofia e Linguagem. O que se pretende é mostrar que benefícios pode tirar a
interrogação filosófica desse «comércio».

A Filosofia da Linguagem ocupou um lugar central na reflexão filosófica do


século XX, sobretudo a partir dos anos 30, dando origem a uma nova orientação no
modo de pensar e argumentar os problemas: a linguagem não é perspectivada como
“objecto” da filosofia, mas assume o papel de ponto de partida e condição de todo o
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pensamento e discurso com sentido. Nisto consistiu a grande transformação da


filosofia – a «viragem linguística» – que trouxe a linguagem para o lugar de
philosophia prima, enquanto Crítica da Linguagem Pura.
Na primeira parte, tratar-se-á desta passagem da Filosofia
Transcendental kantiana para a Filosofia Analítica, que se pode caracterizar de um
modo geral por uma mudança do centro de gravidade da problemática filosófica: o
conhecimento, sua possibilidade e alcance é substituído pela linguagem como
fenómeno tipicamente humano onde se reflectem o funcionamento da mente e os seus
processos.
O locus principal desta passagem é o Tractatus de Wittgenstein, que
radicaliza a crítica kantiana, transformando-a num «linguismo transcendental». Trata-
se de averiguar das condições de possibilidade de todo o discurso, ou dos limites de
toda a linguagem com sentido. Esta tarefa assenta na base de uma aporia
incontornável, que põe em causa o estatuto das próprias proposições do Tractatus:
pretender traçar os limites da linguagem leva a ultrapassar esses próprios limites,
produzindo um discurso que infringe as próprias regras do sentido pressupostas. O
impasse final do Tractatus simboliza o problema crucial da possibilidade de uma
semântica total focada exclusivamente na dimensão representativa da linguagem.

A II parte explora alguns dos principais tópicos de uma semântica


filosófica: como medium entre pensamento e mundo, a linguagem tem o privilégio de
ser a via de acesso ao pensamento e ao mesmo tempo um espelho do mundo. Para
desempenhar esta função de apresentação da realidade, de ser imagem dos factos, o
processo de significação pressupõe uma dimensão cognitiva e prática da parte de
sujeito que usa os signos. A capacidade de significar não se reduz à mera capacidade
mimética de reproduzir, representar, mas implica capacidades heurísticas e o dom
peculiar de intencionar, sem os quais qualquer palavra ou signo permaneceria mudo e
opaco e perderia a sua dimensão transitiva e, com ela toda a sua transparência.
Frege é o autor de que nos ocuparemos, porque ele foi sem dúvida o
grande pioneiro da nova atitude filosófica em relação à linguagem5. Por isso é

5
Sem pretender fazer a história da filosofia analítica, Dummett em Les Origines de la Philosophie
Analytique, chama a atenção para diversas correntes filosóficas da Europa central nos fins do
século XIX que estão nas origens remotas da filosofia analítica do século XX. A emigração para
os E.U. devido ao regime nazi fez deslocar o centro de gravidade científico e filosófico para o
outro lado do Atlântico, e isso traduz-se na designação da filosofia analítica como anglo-
americana. No entanto, Dummett observa que bem se poderia designar também como anglo-
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justamente considerado o «avô» da filosofia analítica contemporânea. Revisitar o seu


pensamento é ocasião para captar as noções originárias que contribuíram para o
desenvolvimento da filosofia da linguagem contemporânea.
A semântica de Frege encara a linguagem como o único meio de
acesso ao pensamento, conferindo-lhe visibilidade. De outro modo, os nossos
processos mentais permaneceriam incognoscíveis, impossíveis de analisar. Só a
análise linguística permite a elucidação do que significa pensar, raciocinar. A
distinção entre sentido e referência, introduzida por Frege, permite responder a duas
questões fundamentais respeitantes ao processo de significação: por um lado, a
dimensão cognitiva do emprego da linguagem que explica como é que um sujeito
sabe usar os nomes, as proposições e reconhece o que estes designam; por outro lado,
a capacidade de referir, através dos signos linguísticos, objectos de pensamento
determinados. O sentido, que no caso das proposições, é precisamente o pensamento
expresso, traduz mediação entre o signo e o seu referente através dos processos
cognitivos do sujeito locutor: um nome tem sentido porque apresenta um critério de
identificação do objecto designado, um predicado porque permite determinar quais os
objectos que caem sob o conceito correspondente, a proposição porque exprime um
pensamento que tem por referência um dos valores de verdade. Em qualquer dos
casos, o sentido apresenta-se como uma seta que indica a direcção do signo para o seu
referente, o elemento extra-linguístico visado pela linguagem. Assim se traduz
semanticamente a dupla relação da linguagem com a mente e com a realidade
extramental – uma proposição exprime um pensamento (o seu sentido) e designa um
valor de verdade (a sua referência). A noção de sentido garante a objectividade do
pensamento, que não se encerra no domínio da subjectividade, mas alcança um
estatuto intersubjectivo independente dos actos psicológicos do pensar e do julgar.
Pensar, para Frege, significa apreender, captar um sentido. O pensamento não é um
mero produto mental, mas algo que transcende a consciência do sujeito e que se lhe
apresenta como algo de real.
Ao estabelecer a distinção entre o conteúdo do juízo e a asserção,
Frege introduz já uma nota importante para as novas teorias do juízo: o acento posto
na força assertiva prenuncia a dimensão pragmática do julgar, que não é a mera

austríaca, se tivermos em conta a influência decisiva dos grandes pensadores vienenses que
precederam e anteciparam a chamada «viragem linguística», o pilar da analítica inglesa e
americana. Antes do Círculo de Viena, vários autores de língua alemã estão na origem da analítica
contemporânea. E o livro de Dummett dedica especial atenção a Frege, Brentano, Bolzano,
Meinong e Husserl.
18

síntese de representações, mas a afirmação ou a negação de algo (como verdadeiro ou


falso). O modelo da linguagem como espelho ou imagem do real não dá conta da
especificidade do acto de julgar, forma germinal de todo o pensar: a reformulação da
teoria do juízo de Brentano mostra precisamente a peculiaridade do juízo como
posição, que releva de um acto espontâneo do sujeito. A revisão brentaniana da noção
do juízo vai a par da sua reformulação crítica da verdade como correspondência, e da
linguagem como “imagem” da realidade, duas concepções que se sustentam
mutuamente.
Porquê Brentano? O lugar que ocupa no desenvolvimento do
pensamento contemporâneo está assinalado sobretudo pela reintrodução da noção de
intencionalidade e por ter deste modo antecipado a fenomenologia6. Mas Brentano foi
também um antecessor da crítica da linguagem e, como veremos, da pragmática
contemporâneas. As ideias, como os seres vivos, necessitam de um período de
gestação antes de virem à luz. Nesse período escondem-se frequentemente em
prenúncios que passam desapercebidos, mas que vêm mais tarde à cena com renovado
vigor. No caso de Brentano, encontramos em gérmen a atenção ao modo omo a
linguagem exprime e oculta o pensamento: uma certa atitude de suspeita em relação à
linguagem corrente que orientará mais tarde alguns dos grandes pensadores como o
próprio Wittgenstein.
O breve exame da teoria do juízo de Brentano e da sua Sprachkritik
servirá de ponte para a consideração da dimensão pragmática da linguagem. O
carácter refigurativo, o discurso como representação mimética da realidade não
recobre toda a complexidade dos processos da linguagem. Com Brentano fica claro
que qualquer acto judicativo pressupõe uma posição, uma afirmação (ou negação) de
existência. Isto significa que a análise do juízo deve focar o acto de julgar e não a sua
expressão Linguística abstracta através de uma proposição. A própria idéia de

6
Citando de novo Dummett, pode ver-se também a estreita ligação de Brentano (e seus
discípulos) com Frege: antes de Frege, Brentano (como Meinong e Bolzano) expulsam os
pensamentos do âmbito da consciência. A distinção entre pensamento e representação, fulcral em
todo o trabalho de Frege, encontra-se já em Brentano: o objecto de um acto mental é algo de
externo, que não pertence intrinsecamente à consciência do sujeito, mas ao mundo objectivo e
independente: se alguém promete casar com uma mulher, esta é o objecto próprio do meu acto
mental, e não a representação mental dessa mulher. Toda a batalha de Brentano contra o ens
rationis tem algo de semelhante com a insistência de Frege em afirmar que quando falo de um
determinado objecto, a referência não é a minha representação desse objecto, mas o objecto
mesmo. Cfr Dummett, ob.cit., p. 47). O problema está na possibilidade de actos mentais sem
objecto: as respostas a esta objecção imediata são muito variadas, desde o recurso à noção de
sentido em Frege, à floresta de objectualidades em Meinong ou à ideia de um «correlato
objectivo» (ou objectal) em Husserl.
19

significado proposicional é uma abstracção que violenta a realidade psicológica e


linguística. Não há nenhum correlato real ou quase-real do juízo, como as proposições
em si ou os pensamentos enquanto realidades autónomas a serem apreendidas: para
Brentano, real, é apenas o sujeito do juízo e o seu acto de julgar. As frases não têm
vida própria, não são entidades linguísticas ou objectos abstractos que possam ser
examinados em si mesmos. O modelo da linguagem-espelho, no qual as proposições
expressas numa frase são consideradas como objecto de referência, dos quais se deve
tentar analisar a estrutura, além de demasiado simplista, é enganador porque não é
assim que funciona a linguagem. A revisão crítica de Wittgenstein e a sua sugestiva
noção de jogo de linguagem mostram que esta toma a forma de comportamento,
actividade, especificamente prática e social: a semântica colapsa na pragmática, de
contrário origina «mitologias» totalmente transviadas.
A pragmática – que encontrará expressão emblemática na noção de
performativo, introduzida por Austin7 – lida precisamente com o funcionamento da
linguagem no contexto e considerada no quadro da acção racional. Duas noções
relevantes para entender a capacidade linguística são as de intenção e convenção –
intenção do locutor8 que dá vida a um sistema mais ou menos abstracto de símbolos,
convenção para dar conta da possibilidade da comunicação e do carácter público da
linguagem. Intencional-convencional são dois elementos complementares, que se
compenetram na teoria do significado.
Esta perspectiva assinala um nítido contraste com a tradição, pois a sintaxe e a
semântica sempre pretenderam dar uma visão da linguagem em abstracto, sem ter em
conta os contextos situacionais: a primeira pretende averiguar se uma série de
palavras constitui uma frase gramaticalmente correcta, a segunda, ocupa-se do
significado de uma proposição-tipo, abstraindo de qualquer emprego concreto e
particular. De facto, na prática linguística, não há lugar nem para uma abordagem do
significado de proposições em si mesmas consideradas, fora do contexto de uso, nem
se pode esquecer que os factores práticos e sociais se interpenetram com os factores
puramente semânticos, que determinam o significado das palavras e proposições. A
competência linguística está na base de uma acção intencional, que releva de uma
racionalidade prática e estratégica.

7
Austin não terá certamente lido Brentano, mas é flagrante a sintonia entre os dois pensadores,
na concepção pragmática da linguagem. Outro aspecto desta afinidade é o das suas teorias da
verdade. Sobre esta última proximidade cfr Benoist, J. – “............” Phainomenon, .....
8
O programa de Grice é o exemplo de uma visão intencionalista da prática linguística.
20

O nosso percurso partirá, portanto, do problema da possibilidade da


semântica, como discurso de segunda ordem sobre o processo de significação, para a
pragmática, e contextualização da linguagem no enquadramento prático e social. Nem
a imagem da linguagem como espelho ou imagem, nem o modelo do jogo pode dar
conta do funcionamento da linguagem em exclusivo. Ambas remetem uma para a
outra, numa rede complexa que releva de um contexto interdisciplinar: um estudo
sobre a linguagem não pode eximir-se das interferências psicológicas, cognitivas,
antropológicas e ontológicas. Por isso o diálogo entre Filosofia e Linguagem constitui
um programa com amplos horizontes e proporciona um campo sem limites para a
investigação filosófica.
21

I. Filosofia Transcendental e Crítica da Linguagem

No Teeteto, Platão dá uma resposta à pergunta sobre o que é pensar


nestes termos: “um discurso que a alma tem consigo mesma sobre os objectos que
examina (...) [pensar] não é senão dialogar, dirigir-se a si mesma as questões e as
respostas, passando da afirmação à negação” (189e). Pensamento e discurso estão
originariamente identificados, pensar é discorrer, dialogar consigo mesmo. Entre o
pensamento e a linguagem dá-se uma relação indissociável: a expressão linguística
não tem um carácter meramente instrumental para a exteriorização do pensar, mas
este constitui-se á como discurso e como linguagem. Daí que a questão da
possibilidade de pensar esteja intimamente ligada à questão da possibilidade do
significado, do discurso com sentido. É esta conexão que está na origem da
transformação da filosofia numa actividade de análise e elucidação da linguagem
como modo de compreender o pensamento. Tem-se falado de «viragem linguística»
para designar a novidade do movimento analítico do século XX: trata-se
efectivamente de uma «viragem» quanto ao modo de perspectivar os problemas
filosóficos, mas não se pode considerar que seja uma mudança que implique deixar de
ter em conta a filosofia do pensamento para fixar o olhar exclusivamente na expressão
linguística. Entre pensamento ou mente e linguagem há um movimento constante de
ida e volta, ou uma circunvolução que orienta do pensamento para a linguagem e da
linguagem para o pensamento. Se o pensar é discorrer, a linguagem pensa: o problema
transcendental consistirá em perguntar pela legalidade do pensar e do falar, pelas
condições do conhecimento possível que são as condições da significação e do
22

sentido. Por isso a análise da linguagem e suas condições de possibilidade é ela


própria uma análise da mente e do pensamento.
Os linguistas contemporâneos têm procurado encontrar confrontos
entre categorias do pensamento e categorias da linguagem – pensamos sobretudo em
Benveniste –, mas o projecto de encontrar uma língua universal e uma gramática
filosófica para a reforma da língua data de muito antes (lembremos Leibniz e a sua
«characteristica universalis»)9.
Com Wittgenstein a filosofia assume um carácter marcante de
actividade crítica da linguagem. É curioso notar a atenção e o cuidado com que
Wittgenstein explicita a conexão estranha entre pensamento e linguagem: nos
Notebooks considera que pensar é uma forma de falar, mas voltando sobre o assunto
corrige-se a si mesmo: “Não é verdade que pensar seja uma forma de falar, como
disse uma vez. O conceito ‘pensar’ é categoricamente diferente do conceito ‘falar’.
Mas, evidentemente, pensar não é um acompanhamento do falar nem de qualquer
outro processo”10. Pode dizer-se que um processo de pensamento é como uma
operação (escrita ou oral) com signos – calcular ou inferir são, neste caso «processos
de pensamento». Mas não se dá uma espécie de paralelismo passo a passo, ou uma
correspondência ponto a ponto. A filosofia pretende ser uma «ciência descritiva do
pensamento», mas o pensamento e seus processos devem ser analisados nas
respectivas expressões linguísticas, que traça os contornos e mostra os limites.
O que nos interessa assinalar é o carácter transcendental da crítica da
linguagem em Wittgenstein. A sua transformação do giro reflexivo de Kant está na
raiz da viragem linguística da filosofia analítica do século XX: e, prolongando um
problema aberto pela filosofia kantiana, põe as bases para um conflito entre as
concepções «mentalistas» e «linguistas» do pensamento observado por autores como
Dummett, Hacking, Tugendhat11.
As leituras kantianas do Tractatus – Stenius e também Apel, entre
outros – assinalam o carácter transcendental da lógica de Wittgenstein, muito mais
próxima da lógica kantiana do que do convencionalismo dos neopositivistas. As
regras da sintaxe lógica, embora linguísticas, não são convenções arbitrárias; como as
categorias em Kant, que têm de estar presentes em qualquer esquema conceptual, as

9
Cfr F. Gil – “Como pensa a língua”, Análise, 12 p.187.
10
Remarks on the Philosophy of Psychology, II vol., p. 3
11
Cfr Glock, H.-J. – “Philosophy, Thought and Language” in Preston, J., Thought and Language, p.
160.
23

regras da sintaxe lógica são necessárias para qualquer simbolismo ou sistema de


signos capaz de representar a realidade12.
Veremos as afinidades assinaladas por Stenius entre a lógica do
Tractatus e a filosofia crítica de Kant. Wittgenstein radicaliza a crítica, ao propor-se
deslocá-la do problema do conhecimento para a linguagem. E essa radicalização
levará a atitude crítica até às suas últimas e radicais consequências, ou seja a própria
anulação do discurso como instância própria para a indagação das suas condições de
sentido. As condições transcendentais de possibilidade de qualquer análise objectiva
têm de ser eliminadas do âmbito das próprias proposições cientifico-filosóficas: não
faz qualquer sentido um discurso que pretenda tratar dessas mesmas condições, o
retrocesso crítico reiterar-se-ia infinitamente. A única forma de fazer parar esse recuo,
é o de adoptar uma linguagem científica e representativa que está paradoxalmente a
montante de toda a crítica. Mas nesta linguagem não é possível formular proposições
sobre a forma lógica da própria linguagem: é o paradoxo fundamental do profundo
sem sentido da filosofia, que se vê obrigada a falar daquilo sobre o que é impossível
falar.
A introdução posterior da noção de «jogos de linguagem» não resolve
o problema: não há possibilidade de auto-reflexão, de formular questões como por
exemplo ‘tudo o que penso estará apenas na minha consciência?’. A pergunta situa-se
num lugar fora de todos os vínculos linguísticos e de todas as formas de vida ou
estruturas culturais entrelaçadas com a linguagem, ignora todas as regras de todos os
jogos, portanto é totalmente destituída de sentido. No âmbito da linguagem ‘pública’
– o ‘público’ é agora condição de sentido – não é possível reflectir sobre as condições
de universalidade e validade do pensamento e conhecimento do sujeito13.

1. Linguagem e Pensamento. A conaturalidade entre o pensar e o dizer.


Homo Loquens.

Não é novo o interesse filosófico pela linguagem. Já no Fédon, Platão propõe


estudar a linguagem como espelho da realidade, para que a sua mente não ficasse cega

12
Cfr ibidem, p. 159.
13
Cfr Apel, La Transformación de la Filosofía, t. I, p. 303. Sabemos que a crítica de Apel à analítica é
motivada pela proposta de uma perspectiva hermenêutica universal para uma pragmática
transcendental. De qualquer modo as dificuldades que assinala na filosofia analítica
contemporânea não deixam de ser válidas.
24

pela visão directa das próprias coisas, como acontece com um desavisado observador
de um eclipse do sol. A ideia da linguagem como espelho é recorrente até à
modernidade, adoptando formas muito diversas, desde a kantiana, em que a
linguagem reflecte o pensamento, mas não a realidade que permanece incognoscível,
até ao isomorfismo estrutural entre linguagem e mundo do atomismo lógico e da
teoria pictórica do Tractatus.
O fio condutor nos primórdios da ontologia antiga é o logos, termo que
designa simultaneamente o pensamento e a linguagem, a ratio e a oratio exprimindo
a estreita conexão entre ambos. Como assinala Heidegger, a distinção terminológica
entre as duas dimensões – logos como ratio e logos como oratio – é muito mais tardia
e a sua completa separação surge apenas com o racionalismo moderno.
Originariamente o homo sapiens é simultaneamente homo loquens, a capacidade de
pensar coincide com uma capacidade de simbolizar e de significar.
Numa primeira aproximação ao binómio Pensamento/Linguagem,
detectamos esta conaturalidade entre o pensar e o dizer, as duas faces do logos que se
evidenciam na própria articulação da razão e da linguagem. A estrutura lógica desta
última não é apenas uma manifestação evidente do pensar, é o pensar, enquanto forma
configuradora da linguagem. Há, no entanto, uma certa assimetria entre linguagem e
pensamento: não se pode negar em absoluto a possibilidade de um pensamento não
articulado, não expresso verbalmente; mas o que não é concebível é uma linguagem
humana que não seja ela própria também pensamento.
Sendo uma poiesis essencial, internamente vinculada à praxis do pensamento,
a linguagem confere uma dimensão fáctica e uma visibilidade ao pensamento: este é
invisível, intocável, é a linguagem que, como uma veste – segundo a metáfora de
Frege – lhe dá visibilidade. Esta relação íntima torna-se patente na intrínseca
inteligibilidade da linguagem: entendemos o que lemos num livro antigo e poeirento,
ou numa inscrição antiga, como entendemos uma frase totalmente nova e inesperada e
somos capazes de exprimir novos pensamentos com palavras velhas.
Não se identificando totalmente com o pensamento, pois lhe confere o
seu aspecto mundano, fáctico, visível, a linguagem não se reduz tão-pouco a uma
forma externa, sobreposta, mas é também, formalmente, pensamento e tem, por isso,
uma certa dimensão transcendental. Por esta razão, olhar, reparar nos modos de dizer,
permite ver e apreender os modos de pensar (o modus significandi corresponde ao
modus cognoscendi, como o exprime Tomás de Aquino). Aqui se pode fundar uma
exploração de todos os problemas do conhecimento recorrendo à via da análise
25

linguística, como meio privilegiado para a elucidação dos processos do pensar: a


filosofia da linguagem e o problema da significação ocuparão o lugar inaugural e
principial de toda a filosofia, produzindo uma viragem radical da centralidade do
sujeito e da consciência para a estrutura linguística. O novo programa da «viragem
linguística» (linguistic turn) adopta este axioma fundamental: a única via para a
análise do pensamento passa pela análise da linguagem.

No Crátilo, Platão propõe para exame a definição do nome como mimesis da


coisa real, definição que repercutirá em toda a concepção da linguagem como reflexo
exacto da realidade, que encontra a sua expressão na teoria pictórica do Tractatus.
Neste sentido, ocorre pensar num outro aspecto da linguagem, o da sua relação com o
mundo: ela surge-nos como um plano mediador, uma via de acesso entre pensamento
e mundo, um espelho no qual se reflectem as coisas. Se pudermos confiar neste
isomorfismo entre as palavras e as coisas, a estrutura da linguagem parece poder
servir como uma pauta adequada para a reflexão metafísica e ontológica. Poderá a
análise da linguagem constituir também a via mais indicada para a solução dos
problemas metafísicos? Austin nota com perspicácia que a análise da linguagem
poderá ser a primeira palavra em metafísica, mas não é a última. De facto, toda a
reflexão metafísica inclui também a tarefa crítica das próprias condições do
pensamento e, neste caso, assumirá a crítica da linguagem.
Uma crítica da linguagem pode traduzir-se em dois tipos de procedimentos: 1.
a análise lógico-linguística como versão de uma investigação transcendental sobre as
condições de possibilidade do dizer com sentido (O Tractatus é o exemplo desta
radicalização da filosofia transcendental kantiana numa espécie de “linguismo
transcendental”, segundo a leitura proposta por Stenius). 2. a luta contra as
ambiguidades, vaguezas, disformidades induzidas pela linguagem que, se por um lado
exprime o pensamento e representa a realidade, também mascara o primeiro e deturpa
a segunda. As atitudes de suspeita para com os mitos e pseudoproblemas que nascem
dos mal-entendidos linguísticos são comuns a Frege, Brentano, Wittgenstein. O ideal
da linguagem rigorosa e perfeita norteou todo o trabalho de Frege e absorveu a
atenção de Wittgenstein no Tractatus. A pretensa conaturalidade entre o dizer e o
pensar encontra-se obstruída no uso corrente da linguagem e dificulta a compreensão
dos problemas a tal ponto que, como escreverá Frege, “em grande parte, todo o
trabalho do filósofo consiste em lutar com a linguagem”.
26

O interesse filosófico pela linguagem não se limita ao facto de esta ser uma
via de acesso ao pensamento, e permitir por isso a elucidação de problemas no âmbito
da epistemologia, filosofia da mente e mesmo metafísica. O fenómeno da linguagem é
revelador da peculiaridade do ser humano enquanto tal. Este é constitutivamente um
animal symbolicum, não só por revelar as competências linguísticas próprias, mas
porque toda a praxis linguística constitui o seu habitat natural. Não faz sentido
estabelecer uma separação entre linguagem-mundo-pensamento, interpondo barreiras
artificiais e isolando três domínios distintos e autónomos. Os signos linguísticos
pertencem ao nosso mundo, como quaisquer outros factos, e incarnam formalmente os
pensamentos. Daí que o interesse pela linguagem não se possa reduzir simplesmente
ao interesse pelos signos como algo que se sobrepõe às coisas do mundo e por vezes
as ocultam; nem se pode ver nesse interesse pelas palavras um sintoma de crise ou
decadência da filosofia, que, desatenta às coisas reais tal como são, se deixa prender
às palavras que as significam.

Duas grandes vias se abrem aqui à exploração filosófica do fenómeno


linguístico: 1) a elucidação do pensamento e formas de conhecimento através do que a
análise linguística pode revelar; a linguagem é já por si um modo de perceber e de
pensar que põe em marcha processos cognitivos básicos como os da identificação,
reconhecimento, memória e imaginação; 2) a compreensão do fenómeno da
linguagem num horizonte antropológico e prático mais amplo e abarcante, revelador
da dinâmica intersubjectiva e social do ser humano. Toda a expressão linguística se
constitui como forma de interacção com o meio e com o outro. Não basta a análise
linguística, é necessária uma hermenêutica da intenção e do contexto das actividades
comunicativas.

2. Crítica da linguagem: campo e modo do filosofar.

“O que distingue a filosofia analítica nos seus diversos aspectos de outras


correntes filosóficas, é em primeiro lugar a convicção de que uma análise filosófica da
27

linguagem pode conduzir a uma explicação filosófica do pensamento, e em segundo


lugar a convicção que esse é o único modo de alcançar uma explicação global”14
Antecedendo, em parte a corrente analítica, os representantes do Círculo de
Viena defendiam já a ideia que a análise lógica da linguagem é o instrumento
imprescindível para discernir o sentido das proposições e este por sua vez define-se
em termos de verificabilidade. Wittgenstein não se pode considerar um partidário do
verificacionismo, mas representa bem os dois princípios acima mencionados.
Exemplo flagrante da primazia atribuída à análise da linguagem, é Frege, que muitos
consideram o pai da filosofia analítica. Nos Fundamentos da Aritmética, Frege propõe
uma questão epistemológica – como podemos determinar o sentido de proposições
que contêm a expressão de números? – e responderá através de uma investigação
sobre a linguagem.
No entanto, a atitude de Frege em relação à linguagem é ambivalente:
se por um lado ela espelha o pensamento, também o deforma e mascara. É necessário
manter uma certa cautela e desmitificar o excesso de confiança na possibilidade de
encontrar na linguagem o reflexo adequado e autêntico do pensamento. Em carta a
Husserl, Frege adverte: “A tarefa essencial do lógico consiste em libertar-se da
linguagem”.
De qualquer modo o trabalho de Frege constitui uma fonte de
inspiração para a viragem linguística: três aspectos estão na raiz deste novo modo de
proceder para tratar dos problemas filosóficos.
1) Em primeiro lugar a convicção de que a estrutura do pensamento deve
reflectir-se na estrutura da proposição e, sem o recurso à expressão linguística não
encontraríamos qualquer meio para compreender o que exprime o pensamento. Faz
parte da essência do pensamento ser exprimível linguisticamente, se bem que Frege
não identifique radicalmente pensamento e sentido; hipoteticamente pode pensar-se na
existência de pensamento em si, não expresso linguisticamente. No entanto, não há
outra via para aceder ao pensamento que não seja a da análise linguística. Todos
aqueles que adoptarem como princípio a análise do significado linguístico como modo
de acesso a uma análise dos pensamentos, encontram em Frege os fundamentos do
seu estilo filosófico e do seu modo de investigação.
2) É ao pensamento, e não à proposição, que se deve atribuir o verdadeiro e o
falso; o valor de verdade constitui a referência da proposição, mas é em primeiro lugar
o seu sentido que tem originariamente esse referente. A tensão entre o sentido – como

14
Dummett, M – La Philosophie Analytique, p. 13.
28

modo de dar-se o referente – e a necessidade do próprio conceito de referente para


explicar o conceito de sentido, torna ambivalente o lugar da análise do significado
como via de acesso à compreensão e apreensão do referente das proposições. Frege
admite a possibilidade de apreender um pensamento sem recorrer à sua expressão
linguística; como se dá essa apreensão do pensamento, apreender um sentido, a não
ser como o sentido de uma expressão à qual se pode atribuir um referente?
3) A perspectiva segundo a qual seria possível apreender os pensamentos na
sua «nudez», desprovidos da «veste» linguística, entra em conflito com o conceito do
sentido de uma expressão. Um sentido que não possa ser captado é uma pura ilusão,
uma quimera; se de facto é possível apreender um pensamento em si mesmo,
deveríamos ser capazes de dizer o que significa apreender esse pensamento, de
contrário, é difícil conciliar essa viabilidade de acesso com a impossibilidade de o
explicar. Apesar das ambivalências com que Frege trata a relação entre pensamento e
linguagem, admitindo que a expressão simbólica do primeiro não é absolutamente
necessária para que exista um pensamento, a praxis do trabalho de Frege origina
indubitavelmente uma nova orientação para a análise linguística como sendo a via
adequada para uma análise do pensamento, e a única que permite dar uma explicação
da sua estrutura e configuração lógica.

Um outro aspecto fundamental justifica que se fale de uma autêntica


«viragem»: os pensamentos deixam de ser considerados como eventos ou processos
localizados na consciência e passam a ter um estatuto objectivo, uma existência
própria como entidades intemporais, imutáveis e autónomas do próprio acto
psicológico de pensar. Esta «expulsão» dos pensamentos do âmbito da consciência
coincide com todo o «movimento para a objectividade» cujos antecedentes se podem
encontrar nitidamente em Bolzano (as proposições em si), e tem como consequência
prática a rejeição de qualquer forma de psicologismo. A lógica e as teorias do
pensamento e da significação estão fora do campo da psicologia e não relevam em
nada das leis fácticas dos processos psíquicos: Husserl, Frege são os principais
campeões na luta contra o psicologismo, que se continuará em Wittgenstein na crítica
aos processos mentais, internos e, de um modo indirecto na concepção do sentido
como uso. Dummett aponta a herança fregeana de Wittgenstein, ao afirmar que a tese
da objectividade do sentido é uma antecipação da doutrina de Wittgenstein segundo a
qual o significado é o uso.
29

O alcance desta projecção do pensamento fora da consciência é claro: toda a


investigação que pretenda compreender o que é pensar, explicar os processos do
conhecimento, não tem as suas raízes numa filosofia da consciência, ou na genealogia
psicológica dos conceitos, mas na teoria do significado e da expressão linguística,
porque é este o locus próprio do pensamento. A análise da linguagem não termina na
fisicalidade e na facticidade dos signos, mas é de facto uma análise do pensamento. É
fácil antever como a filosofia analítica conduzirá naturalmente à filosofia da mente. A
razão de ser está aliás no facto de ter sido a pergunta “O que é pensar?” que fundou a
filosofia da linguagem, desde o início, mas mais particularmente nos primeiros
analíticos. Esta posição fundadora da filosofia do pensamento está representada no
núcleo da análise linguística, na teoria da significação; esta, por sua vez, mostra a
identificação entre filosofia do pensamento-filosofia da linguagem, pressuposta num
dos axiomas fundamentais da filosofia analítica referido já: a única via para a análise
do pensamento é a análise da linguagem.
De novo a conaturalidade entre pensar e dizer se mostra bem nesta
circularidade ou circunvolução entre o pensamento e a sua expressão linguística:
discurso da alma consigo mesma, na expressão de Platão, no qual esta vai
perguntando e respondendo, afirmando e negando, isso é pensar. Originariamente
identificados, no logos fundante que é razão e é palavra.

3. A radicalização da crítica no Tractatus. Filosofia Transcendental e


Analítica da Linguagem.

A «viragem linguística» constituiu uma certa transformação da filosofia, não


quanto aos seus problemas, argumentos, teorias, mas quanto ao modo de tratar dos
mesmos. O interesse central pela linguagem, que tem monopolizado a atenção
filosófica nos últimos anos não significa desinteresse pelas grandes questões da
filosofia, mas traduz a convicção de que a linguagem proporciona a chave para
resolver (ou, em certos casos, dissolver) os grandes enigmas. A nova orientação do
modo de pensar pressuposta no linguistic turn, pode considerar-se, de certo modo,
como uma réplica da «revolução copernicana» e o confronto destas duas viragens
mostra o papel mediador da filosofia transcendental no processo de transformação da
metafísica. O aspecto central desta viragem de uma crítica do conhecimento qua
análise da consciência para uma crítica do conhecimento qua análise da linguagem
30

reside precisamente na transformação do problema do valor de verdade: este já não se


identifica com o problema da evidência ou da certeza para uma consciência solitária
em sentido cartesiano, nem tão pouco na validade objectiva para uma «consciência em
geral», em sentido kantiano, mas sim com o problema de uma formação
intersubjectiva de consenso, em virtude do acordo linguístico. Em continuidade com o
problema transcendental kantiano – a reflexão sobre as condições de possibilidade e
validade do conhecimento – a linguagem constituiria agora o tema e o meio da
reflexão transcendental, em lugar da própria consciência15.
Apel aponta essa continuidade entre o pensamento kantiano e a crítica da
linguagem:
“Formulada en conexão com Kant, esta continuidade consistiria na reflexão
sobre as condições de possibilidade e validade do conhecimento; a linguagem
constituiria hoje o tema e o meio da reflexão transcendental, como antes o fora a
consciência (e também, como meio para a reflexão válida, teria que ser novamente
tema da reflexão!)”16.
Admitindo esta passagem da filosofia transcendental clássica para a moderna
filosofia da linguagem, a questão que formula Apel é a de saber se existe de facto uma
reflexão sobre a linguagem como condição subjectiva de possibilidade do
conhecimento. A substituição da filosofia da consciência por uma análise linguística,
em muitos casos, torna absurda a função de reflexão do sujeito cognoscente sobre si
mesmo, ao fazer desaparecer a “consciência intencional”. O paradoxo da inviabilidade
da reflexão é um dos resultados da teoria pictórica d linguagem no Tractatus, que é a
obra mais representativa desta substituição da teoria do conhecimento por uma crítica
da linguagem; a lógica da linguagem é classificada como transcendental mas ao
mesmo tempo torna impossível a reflexão linguisticamente formulável sobre a forma
lógica e sobre o sujeito da linguagem.
Na realidade, mesmo a perspectiva da linguagem como uma rede de «jogos
linguísticos», que são formas de vida, contextos culturais e institucionais, não permite
criticar reflexivamente as produções intencionais, porque a própria capacidade de
pensar depende a priori da «forma interna» ou da «gramática profunda», cujo uso está
«entretecido» com as regras do actuar com sentido e da compreensão do mundo,
incluindo a auto-compreensão. Apel conclui:

15
Cfr. Apel, La Transformación de la Filosofía, tomo I, p.298.
16
Ibidem, p. 298.
31

“O lugar da auto-reflexão da filosofia tradicional da consciência é ocupado


por infinitashierarquias de meta-linguagens ou meta-teorias, mediante as quais
podemos analisar objectivamente linguagens ou teorias linguísticas condicionadas.
Ora bem, uma vez que tal construção de hierarquias exclui a priori a auto-
reflexividade, evidentemente as condições transcendentais de possibilidade e validade
dessa análise objectiva são postas de lado, por princípio, em qualquer enunciado
científico-filosófico, como o primeiro Wittgenstein indicou no Tractatus”17.
Qual o lugar desta obra na transformação da filosofia? Em que posição
ou atitude se coloca Wittgenstein ao formular as suas «proposições»?
Como é sabido, o Tractatus presta-se a múltiplas e diversas leituras: a primeira
recepção da obra de Wittgenstein por Russell e os representantes do Círculo de Viena
adoptou-o como a magna carta do empirismo e essas primeiras versões encobriram
certamente o pensamento originário de Wittgenstein. Outras leituras mais atentas e
livres dos compromissos neopositivistas, reconheceram a estreita vinculação do
Tractatus a uma atitude transcendental e até a sua filiação kantiana. É claro que a
influência de Kant não vem directamente dos seus escritos, mas provavelmente das
leituras de Schopenhauer que tanto marcaram Wittgenstein na sua juventude. Ao
contrário dos pensadores neopositivistas, Wittgenstein foi até certo ponto um filósofo
kantiano, se bem que, como tantos outros, transformou o sistema de Kant numa forma
peculiar de transcendentalismo, que Stenius denomina como “linguismo
18
transcendental” .
Nos dois casos, na filosofia transcendental de Kant e na crítica da linguagem
de Wittgenstein, estabelece-se ou aponta-se um limite: o limite da experiência
possível e do que é acessível à razão teórica, o limite da linguagem com sentido. Para
além desse limite, fica a aparência transcendental originada pelo uso ilegítimo da
razão, ou o sem sentido que se mostra nas proposições, mas que não pode ser dito.
Para traçar este limite, é necessário determinar as condições de possibilidade da
experiência (Kant), e as condições de possibilidade do dizer com sentido
(Wittgenstein). É a exigência da determinação do sentido – do sentido do nosso
próprio conhecimento e da sua expressão linguística – que move todo o processo
crítico.

17
Cfr ibidem, p. 302.
18
Stenius, E. Wittgenstein’s Tractatus. A critical Exposition of its Main Lines of Thought, Oxford,
Blackwell, 1964. Cfr sobretudo cap. XI.
32

O pensamento wittgensteiniano apresenta-se, assim, como uma forma radical


da análise transcendental, a crítica do pensamento através da clarificação das suas
condições de sentido, que são dadas pelas exigências lógicas do dizer com sentido. O
limite marca a fronteira entre o dizer e o mostrar, (“O que se pode mostrar não se
pode dizer” T. 4.1212), que se pode aproximar da fronteira kantiana entre o que se
pode pensar (denken), mas não conhecer (erkennen).
A Filosofia é a actividade crítica que consiste essencialmente em elucidar
proposições (T. 4.112). O seu resultado não é um corpo de «proposições filosóficas»,
mas o contínuo esclarecimento da nossa linguagem. Compete-lhe “delimitar o que é
pensável, e assim o impensável”.
“Ela deve delimitar o impensável, do interior, através do pensável” (4.114).
Deste modo, “ela denotará o indizível, ao representar claramente o que é
dizível” (4.115).
O indizível é o transcendental, o que se mostra ao dizer o dizível.

A Lógica do Tractatus é transcendental, não é uma doutrina, mas um “espelho


cuja imagem é o mundo” (6.13). Ela “trata de cada possibilidade e todas as
possibilidades são os seus factos” (2.0121).
A dimensão transcendental, possibilitante da correspondência entre a figura
linguística e os factos, é a forma lógica. Na Dedução Transcendental, Kant demonstra
que as formas a priori da subjectividade transcendental são as formas dos objectos
enquanto tais. Pois bem, na análise wittgensteiniana mostra-se que a forma lógica é a
forma da realidade (2.18). O que possibilita este isomorfismo não é uma realidade de
facto, mas uma exigência de jure. A forma lógica não é representável nem dizível – “o
que se exprime na linguagem, nós não podemos exprimir através dela” (4.121).
O dizível corresponde à realidade total, o mundo (2.063), o fáctico que é
constituído por «estados de coisas» e cuja substância são os objectos simples. Estes
são exigidos transcedentalmente pela própria lógica: não nos são dados nem na
experiência, nem na percepção, nem em qualquer outro modo de conhecimento ou
acesso. São requeridos de uma forma a priori pela própria concepção da análise, que
os contém já implicitamente: “Parece que a ideia do SIMPLES se encontra já na de
complexo e na de análise, de tal modo que chegámos a esta ideia com total
independência de exemplos de objectos simples, ou de proposições que os
mencionem, e compreendemos a existência do objecto simples – a priori – como uma
33

necessidade lógica”19. Esta exigência é precisamente a exigência da determinação do


sentido (3.23).
O solipsismo peculiar de Wittgenstein é a consequência última, paradoxal, das
teses sobre a lógica da linguagem: os limites da nossa linguagem são os limites do
próprio «eu». Limites totalmente impossíveis de transcender, não há modo de ir «para
além» da linguagem, nem mesmo de dizer o que não podemos pensar (5.61). É a
própria Lógica, que enche o mundo, que determina os seus limites e estes limites
expulsam o «sujeito metafísico» porque este não pertence ao mundo, mas é um limite
do mundo (5.632).
Comenta Apel: “Aqui se manifesta de forma extrema o carácter de caso limite
da filosofia transcendental wittgensteiniana da linguagem. Na medida em que o
sujeito é absolutamente idêntico com o projecto mundano formal da linguagem pura
transcendental, cai toda a reflexividade, toda a retroreferencialidade do sujeito sobre o
seu projecto mundano da linguagem. Tudo se passa como se não existisse em absoluto
sujeito algum. Só há factos reais tal como se dão sempre já figurados através da
linguagem. (…)
“Isto descobre-nos a verdadeira razão pela qual, para a filosofia transcendental
do primeiro Wittgenstein, não pode dar-se nenhum discurso com sentido da
linguagem sobre si mesma e sobre a sua relação com o mundo (…) A linguagem só
refigura estados de coisas permanentes, mas ao mesmo tempo não oferece também na
representação do mundo a relação do homem consigo mesmo, isto é, com as suas
possibilidades existenciais, nem portanto a índole do seu projecto do mundo”20
A auto-limitação da filosofia transcendental como actividade crítica dá-se na
passagem de uma dimensão estritamente transcendental – o pensamento – a uma
dimensão quase transcendental – a linguagem – na qual se exclui da esfera do sentido
qualquer momento reflexivo. O pensamento enquanto tal perde completamente a sua
autonomia em relação à sua própria expressão proposicional, ou seja o pensar
coincide literalmente com o dizer. A possibilidade de uma filosofia transcendental
dissolve-se, pois é inviável conciliá-la com esta forma radicalizada de crítica da
própria linguagem: ao pretender assumir ela própria a atitude transcendental, redu-la a
uma posição paradoxal, impossível de sustentar.

19
Notebooks (1914-1916), p. 60.
20
La Transformación de la Filosofía, tomo I, p.233..
34

4. A Linguagem como medium universal

A ideia fundamental do Tractatus, a de traçar um limite entre o que se


pode dizer com sentido e o que não pode ser dito, sem sair da própria linguagem,
resulta num paradoxo que não é senão a réplica do paradoxo do conhecimento
transcendental. A íntima ligação entre os dois problemas é claramente apontada por
Wittgenstein: “O limite da linguagem mostra-se na impossibilidade de descrever o
facto que corresponde a uma proposição... sem repetir a mesma proposição.
“Trata-se aqui exactamente da solução kantiana ao problema da filosofia”21
O «paradoxo do conhecimento transcendental» reapresenta-se na dimensão
linguística: a impossibilidade de transcender os limites da linguagem e de dizer algo
sobre a realidade independentemente da sua própria refiguração na linguagem, conduz
à inefabilidade da semântica, ou seja a inexpressabilidade das relações significativas
que constituiriam a mediação entre a linguagem e a realidade.
Pelo menos no Tractatus, a inefabilidade da semântica é manifestamente
defendida por Wittgenstein como consequência da sua adopção da ideia da linguagem
como o medium universal, o limite para além do qual nada pode ser pensado nem dito
(Cfr. 4.12). As relações semânticas, o que correlaciona a linguagem com o mundo é
relegado para aquilo que pode ser mostrado, mas não pode ser dito.
Todo o itinerário filosófico de Wittgenstein pode ser visto como uma Crítica
da Linguagem, num prolongamento da tarefa, assumida desde o Tractatus, de mostrar
os limites da linguagem e a simples falta de sentido dos vãos esforços do
entendimento ao chocar com estas fronteiras (Cfr. Investigações, 119). Hintikka
propõe esta leitura de toda a filosofia de Wittgenstein: o intuito sempre perseguido de
limitar o domínio do pensável, torna a sua filosofia não só análoga, mas
intrinsecamente semelhante à de Kant22.

Interessa-nos apenas apontar algumas das teses do Tractatus representativas


da linguagem como medium universal e da inefabilidade da semântica.
a) De acordo com 4.022, o sentido de uma proposição apenas pode
ser mostrado. O que é o sentido de uma proposição? Em 4.2, Wittgenstein define-o
como “a sua concordância ou a sua não-concordância com as possibilidades da

21
Vermichte Bemerkungen, p. 27.
22
Para este tema da linguagem como medium universal e a inefabilidade da semântica, cfr
Hintikka, M.B. e J. – Investigating Wittgenstein, cap.I.
35

existência e da não existência de estados de coisas”. Estas relações de concordância


ou não-concordância são exactamente as relações semânticas, e não é possível
exprimir linguisticamente as relações de “projecção” que estabelecem a conexão de
uma proposição com os factos atómicos.
b) A relação dos nomes com os objectos simples, que são os seus
significados, é também inexprimível. A existência de um objecto apenas pode ser
mostrada através do uso do respectivo nome na linguagem. Isto significa que o
conceito de existência individual é inefável (cfr. 5.61).
c) O mundo como um todo é também inexprimível porque são
inexprimíveis os seus limites (5.61). Como a ética e a estética tratam do mundo como
um todo, são transcendentais (6.421), pertencem ao domínio do que se pode mostrar,
não dizer.
d) As formas lógicas (as formas da representação) incluem-se
neste domínio do inefável. Sobre o estatuto transcendental de toda a lógica e
nomeadamente o carácter místico da forma lógica, condição possibilitante de todo o
dizer com sentido, podem citar-se numerosas passagens do Tractatus (2.172, 2.22,
2.181, 2.174; sobre o estatuto das tautologias e contradições, 4.461).
e) A impossibilidade de uma filosofia do sujeito ou o
desvanecimento do «eu» na coincidência absoluta com a forma a priori da linguagem.

Até que ponto o «segundo modo de pensar» de Wittgenstein se mantém


dentro dos limites da linguagem, apesar da sua reformulação das principais teses do
Tractatus? Seguindo Hintikka, a tese da inefabilidade da semântica é mantida ao
longo de todo o pensamento de Wittgenstein. Significa isto que o impasse de uma
Crítica da Linguagem se mantém, e o carácter paradoxal de uma «reflexão» sobre a
linguagem constituirá um obstáculo intransponível para a possibilidade de tratar do
«fenómeno humano da linguagem»?
A questão exige uma exploração do próprio «estilo» filosófico de Wittgenstein
e um exame do significado e alcance do seu «pragmatismo». Creio que, embora seja
indubitável que todo o pensamento de Wittgenstein permanecerá sempre
profundamento enraizado na linguagem – linguagem como praxis peculiarmente
humana, linguagem como a única expressão do mundo e do homem – o intuito inicial
de uma radicalização da crítica da linguagem se transformou numa «fenomenologia»
e numa hermenêutica das formas de vida, da cultura, da história humana, configuradas
pela prática da linguagem em sentido amplo e geral.
36

Como síntese, voltamos a remeter para Apel: “em contra-posição ao ideal


logístico de uma linguagem simbólica que produza estados de coisas subsistentes, a
linguagem real tem em todo o momento que representar na concepção do mundo uma
relação do homem consigo mesmo. De outro modo não teria absolutamente nada que
pudesse representar como «algo». Nesta relação pré-reflexiva do discurso humano
consigo mesmo é onde deve encontrar-se – pode pensar-se – a possibilidade de uma
superação do paradoxo do Tractatus23.

5. Wittgenstein um filósofo kantiano?

O impasse final do Tractatus, no entanto, é o mais eloquente resultado da


própria tarefa que Wittgenstein assumiu: mostrar a saída para os enigmas da filosofia.
E a solução – ou dissolução – do enigma consiste precisamente em encontrar o
caminho que conduza para fora da filosofia: (T. 6.52 e 6.521).
O principal erro residia no empenhamento em encontrar de uma vez por todas
o remédio para a doença filosófica. E, de facto não há um método filosófico, mas
diferentes e variados métodos, como diferentes terapias. O que há de comum,
possivelmente na diversidade de métodos e terapias, e o que persiste como estratégia e
atitude ao longo do trabalho de Wittgenstein é a convicção de que toda a Filosofia é
“crítica da linguagem” (4.0031).
A “crítica” de Wittgenstein poderá ser considerada, como defende Stenius,
uma atitude filosófica com afinidades ou mesmo inspirações kantianas? É uma
questão que examinaremos brevemente, examinando os argumentos deste autor.

Stenius sintetiza o pensamento Kantiano nas seguintes teses24:


a) A tarefa da filosofia teórica consiste em deduções transcendentais que
tracem os limites do discurso teorético; não lhe compete especular sobre o que
transcende estes limites e que, por isso, não pode ser conhecido.
b) O mundo da experiência possível é o mundo acessível à razão teórica, i. é,
aquilo que é imaginável e inteligível.

23
Apel, La Trasnformación de la filosofía, tomo I, p. 236.
24
Sigo o cap. XI – “Wittgenstein as a kantian philosopher” da obra Wittgenstein’s Tractatus. A
Critical Exposition of the Main Lines of Thought.
37

c) A nossa experiência tem uma ‘forma’, fundada na razão teórica, e um


conteúdo, baseado nas nossas sensações.
d) As proposições sintéticas são a priori – se se referem apenas à forma da
experiência – ou a posteriori se se referem também ao conteúdo.
e) Portanto, existem proposições sintéticas a priori.
f) As proposições ‘transcendentes’ (sobre Deus, a alma imortal, o mundo
como um todo, etc.) não podem ser conhecidas, mas apenas postuladas pela razão
prática (Kant), ou intuídas pela vontade (Schopenhauer).
g) A coisa em si é transcendente.

A tese b) está plenamente de acordo com a tese do Tractatus, com uma ligeira
modificação: o imaginável e inteligível é, para Wittgenstein, o ‘pensável’ e o
pensamento é a ‘imagem lógica da realidade’, ou, por outras palavras, o que pode ser
dito numa linguagem pictórica. Inteligível significa para Wittgenstein o que pode ser
descrito numa linguagem com sentido. A tarefa da filosofia consiste, portanto, em
indicar os limites do discurso, do que pode ser dito, e esta investigação mostrará a
‘lógica’ da linguagem, ou seja a ‘lógica do mundo’. Assim, as deduções
transcendentais kantianas são efectuadas, em Wittgenstein pela análise lógica da
linguagem.
A ‘forma da experiência’ (Kant) corresponde à ‘forma lógica da substância’ ou
a ‘estrutura interna da substância’, que se mostra na estrutura interna da linguagem.
Uma vez que a forma lógica da substância é independente de qualquer experiência, é
a priori; mas, como a forma lógica é a forma da linguagem, nada se pode dizer com
sentido sobre a forma. A tese d) transforma-se, assim, em Wittgenstein na seguinte
afirmação: a forma a priori da realidade só pode mostrar-se na linguagem, mas não
dizer-se em proposições com sentido. A tese e) será, portanto falsa. A Matemática é
um “método lógico” (T. 6.2), constituída por pseudo-proposições (6.2), que não
exprimem nenhum pensamento (6.21). Quanto à lei da causalidade, não é
propriamente uma lei, mas a forma de uma lei (6.32, cfr. 6.321, 6.3211).
Em conclusão: para Stenius, a análise lógica da linguagem é uma réplica da
‘dedução transcendental’ em sentido kantiano, com o objectivo de indicar a forma a
priori da experiência, que se mostra em toda a linguagem com sentido, mas não pode
ser dita. O Tractatus poderia intitular-se “Crítica da Linguagem Pura”. E o sistema
filosófico de Wittgenstein pode designar-se como um “Linguismo Crítico”,
“Linguismo Transcendental” ou mesmo “Idealismo Linguístico”. Também para
38

Wittgenstein, a forma da experiência é ‘subjectiva’ no sentido transcendental: o


sujeito metafísico é o sujeito que emprega e compreende a linguagem e distingue-se
do sujeito empírico, parte do mundo que pode ser descrito pela linguagem. Os limites
do mundo do sujeito metafísico são determinados pelos limites da sua linguagem. (T.
5.6 ss.)
Todas as questões que, segundo Kant, não podem ser respondidas pela razão
teórica, são para Wittgenstein sem sentido, ou melhor, não são propriamente
problemas (T. 4.003). Sempre que uma resposta é inexprimível, também a pergunta é
impossível de exprimir. O enigma não existe (T. 6.5). A tese f) de Kant assume no
pensamento de Wittgenstein outra forma: o inexprimível existe (T. 6.522), mostra-se
a si mesmo, é o místico, que está para além dos limites da linguagem com sentido. A
“coisa em si”, existindo independentemente da forma da experiência, ocorre em Kant,
e particularmente em Schopenhauer, como um símbolo do transcendente inalcançável.
No Tractatus encontramos alguma reminiscência desta idéia.

Entre as muitas leituras que se podem fazer do Tractatus, esta aproximação


com o «idealismo transcendental» kantiano é uma delas. As afinidades apontadas por
Stenius são flagrantes e constituem uma grelha de interpretação plausível. Sabemos,
no entanto, que Wittgenstein não recebeu a influência de Kant em directo, mas
possivelmente através da leitura de Schopenhauer que tanto o atraíra na sua juventude.
Não se pode, por isso, considerar que estes pontos convergentes se baseiem realmente
numa proximidade filosófica entre Kant e Wittgenstein. A diferença de estilos de
pensar, de metas do trabalho filosófico não pode deixar de ser tida em conta.
Mas, por outro lado, é natural olhar para a “crítica da linguagem pura” de
Wittgenstein, como uma transformação da filosofia transcendental, como observamos
já, seguindo a obra de Apel25. Esta «transformação» não foi explícita e
intencionalmente tematizada por Wittgenstein. O seu pensamento confirma, no

25
Cfr ob.cit., t. II, p. 72: “É claro que já o Tractatus encerra de facto uma «lógica transcendental»
no sentido de Kant, uma filosofia na qual o aparato transcendental das formas a priori de ligação,
que segundo Kant se devem considerar para além da lógica formal para conceber a possibilidade
da experiência intuitivo-objectiva, está pressuposto de um modo tácito na forma da linguagem”.
Cfr também Glock, H.-J. – “Philosophy, Thought and Language” Preston, J. – Thought and
Language, p. 159: “Como a «lógica transcendenta»l de Kant (A 55-7/B79-82) a lógica de
Wittgenstein é uma «lógica da representação». Enquanto as proposições contingentes são
verdadeiras ou falsas em virtude da realidade, (...) as proposições necessárias em geral,e as
proposições filosóficas em particular, reflectem as pre-condições necessárias para representar a
realidade. Em contraste com Kant, estas pre-condições já não residem num maquinaria mental
39

entanto, que a ideia de «limite» – do inteligível, do exprimível, do sentido – foi


emergindo na filosofia como um tópico central. As dificuldades e aporias da
investigação dos «limites» vão ressurgindo de uma forma ou de outra, consoante a
problemática específica abordada – o alcance do conhecimento racional e teórico, a
linguagem com sentido, a experiência possível. Neste enquadramento, a interpretação
do Tractatus em termos do transcendentalismo kantiano, faz sentido, na medida em
que mostra as sintonias e a continuidade de problemas filosóficos afins.
A resposta definitiva à pergunta que serve de título ao referido capítulo de
Stenius – “Foi Wittgenstein um Filósofo Kantiano?” – permanecerá, no entanto
adiada. O que importa não é fazer um levantamento doxográfico das possíveis fontes
do pensamento wittgensteiniano, mas apreender os fios condutores dos problemas e
argumentos filosóficos na sua dimensão temporal e histórica.

6. A semântica do Eu

Como vimos, Stenius não é o único autor a encontrar afinidades entre o


pensamento kantiano e o de Wittgenstein. A argumentação de Kant nos Paralogismos,
contra a evidência do cogito e a fundação da nossa própria identidade através do
tempo na autoconsciência, revela também nítidas afinidades com a argumentação de
Wittgenstein contra o solipsismo, como observa Hacker26.
Recapitulemos brevemente o itinerário wittgensteiniano no que diz
respeito ao problema do Eu e da sua expressabilidade. No Tractatus, os limites da
linguagem são os limites transcendentais do mundo, e como a Linguagem é a minha
linguagem, os seus limites são os limites do meu mundo. O Ego referido aqui pelo
pronome meu, é o sujeito metafísico que, em certo sentido não existe, porque é
transcendental, não pertence ao mundo, mas é um limite do mundo (T. 5.632). Aqui
surge a distinção fundamental entre o sujeito metafísico e o ego empírico. No livro “O
mundo tal como o encontrei”, há um ego que tem de ser descrito, mas sobre o ego
metafísico nada se pode mencionar. Isto significa que o “solipsismo” deve, em certo
sentido ser considerado verdadeiro. O que Wittgenstein entende aqui por

que constrói o mundo fenoménico a partir das intuições, mas num sistema de regras para o
emprego dos signos”.
26
Cfr Hacker – “The Refutation of Solipsism”, pp. 139-141, in Canfield, vol 12.
40

“solipsismo”, pode ser designado por “idealismo”, porque se trata precisamente da


viragem linguística do idealismo kantiano.

Depois do Tractatus, as observações de Wittgenstein sobre a gramática do


“eu” têm como horizonte de fundo os pressupostos da concepção da consciência como
auto-representação: o pronome da primeira pessoa, no seu uso corrente, não
refere algo misterioso e oculto que habita em nós e é invisível para os outros.
“... a idéia de que o verdadeiro eu vive no corpo está relacionada com a
gramática peculiar da palavra “eu”, e com os equívocos cuja origem é da
responsabilidade da gramática”, escreve Wittgenstein no Livro Azul, e esbate esta
miragem, examinando dois casos no uso do pronome, como objecto e como sujeito.
Exemplo do primeiro caso – “Eu cresci doze centímetros” –, do segundo – “Eu vejo
isto”. Aqui, temos a clara intuição de que não o empregamos por reconhecermos uma
determinada pessoa através das suas características corporais; “e isto cria a ilusão de
que usamos esta palavra para nos referirmos a algo incorpóreo, que, todavia, tem a sua
morada no nosso corpo. De facto, isto parece ser o verdadeiro ego, aquele do qual se
disse, “Cogito, ergo sum”. «Não haverá, nesse caso, um espírito, mas apenas um
corpo?» Resposta: a palavra «espírito» tem sentido, isto é, tem o uso na nossa
linguagem (...)”27.
No artigo citado, Hacker mostra a proximidade entre o argumento de
Wittgenstein e um texto da Crítica, que exprime bem a insistência com que Kant
defende o carácter originário, inderivável da auto-consciência transcendental, que
precede qualquer pensamento determinado. São estas características que conduzem à
confusão cartesiana28. O fio condutor da argumentação kantiana no terceiro
paralogismo consiste em mostrar que a evidência sobre a qual assentam as provas da
psicologia racional, nomeadamente a unidade da apercepção, não só não exclui, como
se pode conciliar com uma multiplicidade de «eus» numericamente distintos mas
qualitativamente idênticos29. A semelhança dos argumentos, de que se servem Kant e
Wittgenstein para denunciar a ilusão do cogito cartesiano, é patente30.
O exame da gramática do «eu» visa mostrar que o uso do pronome da
primeira pessoa não refere um ego cartesiano, nem exige a identificação do objecto
designado; portanto, o pronome «eu» não é, de modo algum, um nome nem uma

27
Livro Azul, p. 119.
28
Cfr Crítica, p. 369 B 427.
29
Cfr ibidem, p. 343, A 363.
41

expressão referencial. A dificuldade em aceitar esta idéia, vem da herança do


pensamento cartesiano, onde o pronome designa o que há de mais claro e evidente, a
consciência imediata do próprio pensar, da mente, do self. Esta idéia deu origem às
objecções e dificuldades de pensar a consciência como o que acompanha todas as
representações, a impossibilidade de ver o próprio «eu» como um objecto para mim, e
as consequentes críticas de Hume, perplexo com a unidade deste «eu» que não passa
realmente de um feixe de representações.
Atribuir ao pronome da primeira pessoa uma relação referencial
unívoca conduz inevitavelmente à admissão da linguagem privada e à consideração de
todos os fenómenos psíquicos como factos internos, acontecimentos mentais
localizáveis no tempo, referentes de todas as proposições relativas ao próprio «eu».
A terapia dos erros categoriais induzidos pela gramática do «eu»,
consiste na batalha de Wittgenstein em duas grandes frentes: a refutação do
solipsismo, consequência da tese do “acesso privilegiado” ao núcleo do próprio «eu»,
e a rejeição da linguagem privada, condição e principal responsável pelo solipsismo.
No fundo, a refutação do solipsismo está implicitamente pressuposta na rejeição da
linguagem privada; e esta última assenta na correcção da perspectiva atomística e
fenomenista do “eu” e na apresentação de uma perspectiva organicista do ser
humano31.

Interessa sublinhar a repercussão de Wittgenstein – e nomeadamente das


Investigações Filosóficas – na continuação da transformação da filosofia
transcendental em filosofia da linguagem: a inflexão pragmatista constitui um
segundo passo na adopção da linguagem como locus privilegiado para a compreensão
da tarefa filosófica. A dimensão social e pragmática da linguagem substitui a sua
consideração logicista ou meramente epistemológica e torna-se condição
imprescindível para que a semiótica transcendental possa assumir o lugar
metodológico de uma filosofia primeira. A teoria do significado tem de pressupor a
natureza sócio-cultural do processo semiótico e a função comunicativa da linguagem.
Para compreender a linguagem como fenómeno humano e como sistema simbólico é

30
Cfr Hacker, art. cit. p. 141. O autor refere dois textos de “Notes for lectures”, p. 300 e 307.
31
Para uma exploração mais detalhada da argumentação wittgensteiniana cfr Couto Soares, Mª
Luísa, “A Semântica do Eu”, Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humana, n. 9, 1996, pp. 35-47.
Em Hacker, “The Refutation of Solipsism”, encontra-se uma explanação do percurso
wittgensteiniano deste tópico, desde os primeiros escritos depois do Tractatus até às Investigações
Filosóficas e um exame dos vários argumentos evocados por Wittgenstein.
42

imprescindível integrar o sujeito no contexto cultural, social e na comunidade na qual


vive. Deve-se, em grande parte, ao trabalho filosófico de Wittgenstein a reorientação
da compreensão do conhecimento e da linguagem tendo em conta fundamentalmente
o seu carácter comunitário e prático, em flagrante contraste com a concepção
fundacionalista do individualismo cartesiano. Isto pressupõe uma transformação do
conceito de sujeito transcendental, no sentido de uma ampliação do eu para a
comunidade intersubjectiva. Assim o exprime Apel:
“(...) o conceito de sujeito transcendental já não pode ser concebido em
termos da unidade de uma consciência em geral, auto-suficiente e terminada. Deve,
sim, adaptar o pensamento da comunidade de comunicação como sujeito de processos
de alcançar uma compreensão sobre o significado. A possibilidade de chegar a uma
compreensão sobre o significado em geral, no entanto, pressupõe já a possibilidade de
formar um consenso sobre a verdade. (...) O sujeito definitivo do conhecimento
intersubjectivamente válido é idêntico àquela comunidade ideal de comunicação que
está sempre já contrafacticamente antecipada em qualquer comunidade que alcança
uma compreensão sobre o significado e a verdade e que, além disso está, contudo,
sempre para se realizar.”32
A transformação da filosofia projectada por Apel indica um novo
paradigma como filosofia fundamental: através da expansão transcendental-
pragmática da onto-semântica, Apel sugere que a semiótica transcendental,
incorporando a semântica e a pragmática, ocupem o lugar da prima philosophia33.

32
Apel, K.-O. – Understanding and Explanation. A Transcendental-Pragmatic Perspective, p. 239.
33
Cfr ibidem, p. 242.
43

II. A Tradição Analítica

Não se pode compreender a passagem da filosofia moderna, – desde o


cogito cartesiano até ao transcendentalismo kantiano – para a Crítica da Linguagem,
sem ter em conta Frege, considerado o pioneiro da filosofia da linguagem
contemporânea e o iniciador da tradição analítica. A sua rejeição da primazia atribuída
à epistemologia34 e ao problema do conhecimento na arquitectónica do pensamento
em geral, a crítica ao psicologismo e a defesa da objectividade e universalidade das
leis da lógica, constituem pedras basilares na reconstituição da estrutura e natureza do
pensar, para o qual a única via de acesso é a linguagem. Se Frege se interessa pela
linguagem, é simplesmente porque esta é uma via de acesso para o pensamento: o seu
interesse centra-se numa filosofia da mente – e não das mentes – e é isso que o levará
a libertar-se de todos os elementos linguísticos que sejam irrelevantes para a
expressão do pensamento e de todos os factores subjectivos, psicológicos, dos
processos de conhecimento. Não é o sujeito empírico que interessa a Frege, mas, de
um modo geral, o sujeito transcendental: como afirma em “Der Gedanke”, “nem a
lógica nem as matemáticas têm a tarefa de investigar as mentes e os conteúdos

34
Cfr Dummett, M. – The Interpretation of Frege’s Philosophy, p. 61.
44

mentais próprios dos indivíduos singulares. A sua tarefa poderia representar-se melhor
como a investigação da mente; da mente, e não das mentes”.

A oposição ao psicologismo é constante nas obras de Frege, que rejeita


qualquer tentativa de explicação, em termos psicológicos, das leis lógicas que
estruturam todos os raciocínios, e da teoria do significado que releva da concepção
objectiva do sentido. Para Frege não é lícita qualquer interferência dos processos
psicológicos do pensar nas leis do pensamento puro, que constituem uma espécie de
bagagem comum a toda a humanidade, transmitida de geração em geração35. A lógica
e a filosofia da linguagem de origem fregeana desvinculam-se totalmente dos
processos mentais individuais e subjectivos, irrelevantes para a explicação dos
significados.
Como lógico e matemático, Frege considerava que estas disciplinas não têm
como objectivo a investigação do pensar como processo subjectivo, do pensar
individual e suas leis psicológicas e, em certa medida, empíricas. O que pode ser
Verdadeiro ou Falso são os pensamentos que são independentes das mentes
individuais, os pensamentos não são representações que, como as sensações ou as
dores, pertencem ao fluxo interno da consciência individual. Como dissemos, a sua
tarefa poderia representar-se como a investigação da mente, não das mentes, no
sentido em que são as leis gerais do pensamento que lhe interessam, não as
particularidades dos processos psicológicos subjectivos. Frege comenta algumas
passagens de Kant, nas quais se mostra o absurdo de misturar e confundir a lógica
com questões sobre como é que nós pensamos.
"Em lógica – escreve Kant, não queremos saber como é o
entendimento, como pensa e como é que se processa o seu pensamento, mas como é
que deveria proceder ao pensar. A lógica deve ensinar-nos o uso correcto do
entendimento, isto é, como é que deve estar de acordo consigo mesmo (mit sich selbst
übereinstimmenden Gebrauch des Verstandes)"36.

Esta tarefa filosófica passa, segundo o programa de Frege, por uma análise e
uma depuração da linguagem. Por isso mesmo, Frege é justamente considerado o
grande inspirador, e mesmo "o avô" da tradição analítica que se caracteriza, em

35
Cfr Kleine Schriften, p. 146.
36
Kant, Logic, trad. Robert S. Hartman e Wolfgang Schwarz, Indianapolis and New York, 1974,
p. 16
45

primeiro lugar pela convicção de que uma análise filosófica da linguagem pode
conduzir a uma explicação filosófica do pensamento, e em segundo lugar, a convicção
de que esse é o único modo de alcançar uma explicação global. Dois princípios
gémeos, que nortearam todo o trabalho filosófico, quer dos positivistas lógicos, quer
de Wittgenstein, quer da filosofia postcarnapiana dos Estados Unidos, tal como
Quine, Davidson, e outros autores da filosofia analítica contemporânea. A precedência
da linguagem em relação ao pensamento marcou uma das vias mais frequentemente
percorridas pelos grandes analíticos de origem anglo-saxónica. No entanto, esta
primazia atribuída à linguagem em relação ao pensamento, não é compartilhada por
alguns autores que, também na esteira de Frege, pretendem que a linguagem só pode
ser explicada através de conceitos de vários tipos de pensamentos, que podem ser
considerados independentemente da sua expressão linguística37. Como foi dito já38, a
relação entre pensamento e linguagem é uma relação de ida e volta, a linguagem
remete para o pensamento porque o exprime e lhe dá visibilidade, mas este é condição
necessária de qualquer processo de significação e além disso o pensar é, ele mesmo,
uma certa forma de discurso. A filosofia da linguagem tem as suas raízes numa
filosofia do pensamento, e esta é, por sua vez o termo natural da análise linguística.
Frege está numa posição peculiar na ordem a atribuir á relação
linguagem-pensamento: não há dúvida que a linguagem espelha o pensamento e é,
portanto, através das expressões linguísticas que se torna possível analisá-lo. Mas, na
maior parte dos casos, a linguagem é um espelho que deforma o pensamento, e a
atitude de Frege será sempre cautelosa, desmistificando um excesso de confiança na
possibilidade de encontrar na linguagem um reflexo adequado e autêntico do
pensamento. É sintomático desta sua atitude, o que Frege escreve a Husserl em
Novembro de 1906: "A tarefa essencial do lógico consiste em libertar-se da
linguagem"39.
Estes sentimentos ambivalentes em relação à linguagem, que se manifestarão
ao longo de toda a sua vida e obra, não impedem de encontrar em Frege correntes de
fundo que levam à investigação do pensamento através da análise da linguagem, e de
reconhecer na sua obra a fonte de inspiração da "viragem linguística" que constitui o
prolongamento natural do seu trabalho filosófico40.

37
Cfr Dummett, M. Les origines de la philosophie analytique, Gallimard, 1991, p.13. Dummett dá
como exemplo desta nova orientação o livro de Gareth Evans, The Varieties of References.
38
Cfr I, 1.
39
G. Frege - Wissenschaftlicher Briefwechsel.
40
Cfr Dummett, ob. cit., p. 17.
46

Apesar das ambivalências no pensamento de Frege, não há dúvida que nele


encontramos as origens da chamada "viragem linguística", se bem que por vezes, essa
raiz não seja claramente percebida pelo próprio Frege. O seu interesse residiu,
sobretudo na «lógica», entendida como o ramo da filosofia que se ocupa do
pensamento – não dos processos de pensar – na sua total independência em relação à
apreensão e expressão do mesmo. Neste sentido, pode dizer-se que a lógica tal como é
entendida por Frege não tem nada a ver com a linguagem, e esta torna-se mesmo um
obstáculo para uma clara compreensão dos pensamentos41. No entanto, como observa
Dummett, mesmo que Frege não se interesse directamente pela filosofia da
linguagem, o seu trabalho é do máximo interesse e relevância para os filósofos da
linguagem posteriores. Porque, embora a filosofia do pensamento possa prescindir do
recurso á linguagem, a investigação sobre o modo como exprimimos os pensamento
através da linguagem, apresenta-se indubitavelmente, como uma legítima estratégia
filosófica. E Frege insiste reiteradamente que o pensamento só se torna visível e
acessível através da sua expressão linguística42.
A tarefa da filosofia da linguagem será a de explicar como é que conseguimos
exprimir o pensamento através de uma determinada frase, mas não se deverá
apresentar a análise linguística como o fundamento último e radical de todo o
pensamento. A anterioridade e independência da filosofia do pensamento em relação à
filosofia da linguagem é patente em todo o trabalho de Frege. A compreensão do
pensar e da sua relação com a verdade ou falsidade, são tarefas que ultrapassam a
filosofia da linguagem, e competem à filosofia do pensamento.
De qualquer modo, no pensamento de Frege estão em gérmen os princípios
orientadores da tradição analítica, nas suas diversas manifestações: Frege foi pioneiro
na elucidação do que são os pensamentos e na explicação dos significados das
proposições e das palavras que as constituem. Todos aqueles que adoptaram como
princípio a análise do significado linguístico como modo de acesso a uma análise dos
pensamentos, encontram em Frege os fundamentos do seu estilo filosófico e do seu
modo de investigação. Ele é, sem dúvida o iniciador da filosofia analítica, pois
recorreu sistematicamente à análise da linguagem para elaborar a sua lógica e a sua
filosofia, reconhecendo que essa era a única via de acesso ao domínio do pensamento
puro. Via única, via de acesso, que Frege, no entanto, não adoptou nunca como via

41
Cfr Frege, “Der Gedanke”, nota 4.
47

fundante ou fundamental. Neste aspecto, diverge das teses fundamentais da maior


parte dos filósofos analíticos posteriores, para os quais uma explicação da linguagem
pressupõe e até produz uma explicação do pensamento, e portanto não há outro meio
adequado para dar uma explicação do pensamento que não seja via linguagem: esta é
um índice, uma expressão, mas não tem a última palavra para dar resposta à pergunta
pelo pensar.
No programa de Frege há um aspecto que não ocorre geralmente nos diversos
desenvolvimentos da filosofia analítica: a tradução de "proposições filosoficamente
interessantes”. No Tractatus, para não ir mais longe, não se propõe essa tradução. A
terapia proposta por Wittgenstein consiste em mostrar o sem sentido de tais
proposições, e, portanto, libertar-se simplesmente de tais proposições, negando-lhes
mesmo o estatuto de «proposição». Esta eliminação seria o resultado do
reconhecimento das nossas tendências intelectuais viciadas, que nos levam a «ver» de
uma forma pouco clara e distorcida e a criar mitos na nossa mente que é necessário
desmascarar. De qualquer modo, não há dúvida que o Tractatus herda muito da lógica
e da filosofia da linguagem de Frege.
Referiremos apenas alguns aspectos do legado fregeano que Wittgenstein
recolhe, particularmente na sua primeira obra: o realismo ontológico de Frege e a sua
noção do conceito como constituinte da realidade reflecte-se na ideia dos objectos
simples do Tractatus; o modo de explicar a conexão entre os signos e as coisas,
adaptando e adoptando as noções de sentido e referência; a exigência da
determinabilidade do sentido; o anti-psicologismo e a resistência a enredar-se em
investigações psicológicas secundárias para explicar os conceitos de significado,
definição, relação lógica, proposição, verdade; e no que diz respeito à lógica
propriamente dita, se bem que Wittgenstein se distancie da concepção das verdades
lógicas como leis gerais do pensamento, recebe o corolário da lógica de Frege, a
neutralidade tópica dos operadores lógicos43.
A atitude de suspeita em relação à linguagem corrente, que Frege considerava
logicamente deficiente para representar adequadamente as verdades lógicas, não é
partilhada por Wittgenstein: as proposições da linguagem quotidiana estão
perfeitamente em ordem tal como estão (Tractatus 5.5563), visto que a lógica é
condição de sentido, portanto não pode haver uma linguagem ilógica. Se uma

42
Cfr Dummett, M – The Interpretation of Frege’s Philosophy, cap. 3, pp. 39-41. Neste capítulo
Dummett discute o papel de Frege na história da filosofia analítica e a consideração do seu
pensamento como uma filosofia da linguagem.
48

proposição tem sentido, é precisamente porque está logicamente em ordem, de


contrário nem sequer seria um signo, mas um gatafunho desprovido de qualquer
significado e não diria absolutamente nada. Só aparentemente é que as linguagens
naturais são imperfeitas, a vagueza de certas expressões é apenas um aspecto de
superfície nas linguagens naturais que a elucidação gramatical se encarregará de
eliminar. As proposições da lógica têm um estatuto peculiar e único: não são
proposições sobre entidades lógicas nem sobre formas lógicas, de facto não são sobre
nada; não são essencialmente gerais, mas essencialmente e incondicionalmente
verdadeiras, seja qual for o valor de verdade das proposições constituintes. São
tautologias que não dizem absolutamente nada, mas representam casos limite de
proposições com sentido. Por isso reconhecer uma tautologia não traz qualquer
informação nem qualquer tipo de conhecimento, nem sobre as coisas, nem sobre um
suposto «terceiro mundo».
Embora na esteira de Frege, a lógica do Tractatus é inovadora. E a tarefa que
Wittgenstein atribui à filosofia é a de ser essencialmente uma clarificação lógica das
proposições da linguagem corrente para demarcar definitivamente o sentido do sem
sentido. A análise assume, assim um papel peculiar na actividade filosófica, como
indicador do critério para silenciar a voz do indizível, isto é, a voz da própria filosofia.

1. Funções significativas: a distinção entre sentido e referência (Sinn und


Bedeutung de Frege).

Duas noções fundamentais para considerar a linguagem na sua


dimensão intencional ou relação com o mundo e na sua dimensão expressiva, como
locus da compreensão e do pensamento: a referência diz respeito á capacidade
transitiva de todo o signo como algo que está por um outro, algo que visa outro que
não o próprio signo; o sentido diz respeito à dimensão cognitiva do uso dos signos,
enquanto meios de expressão e de compreensão.
Frege é o introdutor destas duas noções adoptadas por toda a Filosofia
Analítica e exploradas com diversos matizes. Torna-se imprescindível uma breve
apresentação destas noções básicas da semântica filosófica.

43
Cfr Hacker, P. M. S. – Wittgenstein’s Place in the Twentieth-Century Analytic Philosophy, pp. 23-25.
49

A distinção entre sentido e referência é explorada por Frege no seu


conhecido ensaio “Über Sinn und Bedeutung”, mas encontram-se nas suas obras
anteriores inúmeros prenúncios desta teoria44. Na Begriffschrift, Frege refere-se
muitas vezes aos sinais e seus designata e declara expressamente que é do conteúdo
(Inhalt), que se ocupa a conceptografia; este pode ser expresso de vários modos, que
dão origem a ligeiras variações de sentido. O símbolo de igualdade traduz
precisamente o facto de o mesmo conteúdo poder ser determinado de modos
diferentes, expressos por diferentes nomes que designam a coisa, exprimindo cada um
um aspecto particular diferente (Begriffschrift, § 8).
É precisamente o problema do valor cognitivo das proposições de
identidade que abre o ensaio “Über Sinn und Bedeutung”: a possibilidade de
reconhecer o mesmo objecto sob várias designações é que fundamenta o alcance
cognitivo dos juízos de identidade. Esta não é uma mera relação entre signos, nem
poderia ser uma relação entre objectos, uma vez que não há dois objectos idênticos. É
necessário portanto reconhecer que, entre o signo e o seu referentes (o objecto
designado), se dá o sentido, que corresponde à multiplicidade de modos de dar-se, de
aspectos do próprio objecto:
“Um nome próprio (palavra, sinal, combinação de sinais, expressão)
exprime (ausdrückt) um sentido (Sinn) e refere-se a ou denota (bedeutet, bezeichnet)
uma referência (Bedeutung). Por meio de um sinal, exprimimos o seu sentido e
designamos a sua referência” (SuB, p. 144).
A multiplicidade de sentidos é a manifestação do carácter polifacetado
do próprio objecto: o sentido é apresentado como os lados (Seiten) do objecto. A
distinção não se fundamenta, primeiramente, na variedade dos nomes, na polissemia,
mas nas próprias coisas. Não são modos de designar meramente arbitrários, não
partem da iniciativa do sujeito semântico e da sua capacidade simbólica, mas
apresentam-se como dados, modos de dar-se objectivos que podem ser captados,
apreendidos. Tal como os conceitos, – que sendo sempre insaturados, e representando
aspectos parciais de um objecto – os sentidos “não brotam na alma como os frutos na
árvore”, segundo uma expressão gráfica de Frege que sublinha o seu carácter real,
objectivo e autónomo em relação aos processos de significação.
O problema que levanta a formulação de Frege é a reconciliação de
duas facetas envolvidas na noção de sentido: por um lado, algo de objectivo,

44
Cfr Conceito e Sentido em Frege, pp. 143 e ss., onde tratei mais pormenorizadamente da semântica
de Frege
50

independente, atemporal, que garante a comunicabilidade entre diferentes locutores,


por outro lado é o sentido que constitui o valor cognitivo da linguagem, o que permite
re-conhecer e identificar o objecto designado. Pela sua dimensão objectiva, o sentido
apreende-se como algo pre-existente, autónomo, como um planeta; mas o sentido do
sentido é justamente esse apreender por parte de uma mente. A noção fregeana de
sentido oscila com um movimento pendular entre o lado subjectivo (o modo do
reconhecimento) e o lado objectivo (o modo de dar-se do objecto); a consideração dos
casos particulares do sentido dos nomes próprios, dos predicados e das frases
assertivas, constituirá o mote para explorar mais detalhadamente as aporias do
sentido.

A referência constitui o terceiro elemento da teoria do significado e


exprime o carácter essencialmente transitivo de todo o sinal. A sua capacidade de
referir é a própria razão de ser do signo, que remete, de um modo ou de outro, para
um algo diferente de si mesmo. A referência é aquilo de que se fala, e significa a
possibilidade de a linguagem se relacionar com o real, o visado ou intencionado por
ela. Frege afirma reiteradamente que quando falamos estamos, de facto a referir-nos
ao mundo real, aos objectos designados pelos nomes que empregamos, e não a um
mundo de representações internas, mediação intransponível entre o eu e o mundo. Em
SuB, Frege explicita o seu realismo semântico, rejeitando qualquer forma de
representacionismo: “Seria positivamente entender mal o sentido da frase ‘A lua é
menor do que a Terra’ admitir-se que é a representação da lua o que está em questão.
Se isso é o que queria o locutor, ele deveria usar a expressão ‘A minha representação
da lua’”.
A praxis linguística está direccionada para algo que transcende a
própria linguagem, algo de real, externo ao próprio processo interno da compreensão,
captação e expressão do significado. A referência é precisamente o correlato extra-
linguístico, não é um ingrediente do significado; isto significa a garantia do alcance
realista do uso da linguagem e simultaneamente a compreensão da significação não
como um mero processo de associação de uma expressão com algo do mundo externo,
mas como um processo que envolve a compreensão do significado. Considerar a
referência como um elemento extra-linguístico é condição fundamental para uma
semântica que reserve sempre, em qualquer acto linguístico, um papel próprio ao
sentido como valor cognitivo.
51

O realismo semântico de Frege não envolve, no entanto, qualquer


compromisso ontológico: não se trata da existência do referente, mas da nossa
intenção ao falar ou ao pensar. A pressupocição da referência não implica nem
envolve a posição da existência. A referência não indica nem determina, de modo
nenhum, a existência, é um atributo próprio de todo o sinal que tem a propriedade de
indicar. Mesmo no caso de faltar esse algo, o sinal não deixa de possuir como próprio
o carácter referencial.
Enquanto objecto real, do qual se fala, a referência apresenta-se-nos
como um ponto fixo, um centro de gravidade para o qual convergem os múltiplos e
possíveis sentidos. Entendida como semantic role, a função semântica na relação
proposição-valor de verdade, a referência apresenta-se como o que importa ou o que
conta para a apreensão da verdade, sendo a verdade considerada em termos de
contextualidade semântica.

Tratarei do sentido dos nomes próprios e da referência dos conceitos:


se, no caso dos nomes, é problemático atribuir-lhes sentido, no caso dos predicados e
expressões funcionais, a dificuldade está em atribuir-lhes uma referência que não se
identifica com os objectos que constituem a sua extensão (ou curso de valores, no
caso das funções), e ao mesmo tempo adoptar uma lógica extensional. Voltarei a este
problema, que introduz uma tensão entre extensionalismo e intensionalismo na lógica
de Frege.
No que respeita à referência dos nomes, a semântica de Frege sintetiza-
se em três afirmações que provocam algumas dificuldades na lógica do nome próprio:
a primeira é a de que a referência do nome próprio permanecerá oculta, para lá de
todos os possíveis sentidos dados, como um centro convergente dos sentidos, não
identificável com nenhum deles, que dão aspectos sempre parciais; a segunda, é a
afirmação de que a referência de um nome próprio é o objecto que por seu intermédio
designamos; o que melhor caracteriza o estatuto de objecto é a saturação, isto é, o
facto de ser algo completo, fechado em si mesmo, opaco; um nome que designa um
objecto é, portanto, uma expressão que não contém lugares vazios e não pode
desempenhar numa proposição o lugar do predicado, mas sempre o do sujeito; a
terceira afirmação importante para a semântica dos nomes é a de que, quando
nomeamos algo, não temos a intenção de falar das nossas representações de objectos,
mas sim dos próprios objectos, mesmo que estes não existam – ao empregar o nome,
pressupomos a sua referência.
52

A primeira afirmação põe em causa a própria noção de nome próprio:


se todos os nomes dão um aspecto sempre parcial e nunca definitivo do objecto
designado, nenhum é realmente próprio. Frege garante que todos os nomes têm
sentido ao preço de enfraquecer a potencialidade referencial de todos os nomes. Neste
aspecto aproxima-se do descritivismo de Russell. Mais adiante voltarei ao confronto
entre a lógica do nome próprio em Frege com a teoria das descrições definidas em
Russell. O que se pode inferir desta primeira tese, é que Frege admite um relaxamento
na linguagem, ao consentir na flutuação dos sentidos diversos captados e expressos
por diferentes pessoas em relação a um mesmo referente O nome tem a função de dar
o sentido, e não de fixar a referência, o que envolve uma noção de conceito-feixe mais
congruente com o descritivismo de Russell do que com a teoria do conceito de
Frege45.
A segunda afirmação remete para um modelo referencial como
protótipo da noção de referência, assente no binómio nome-objecto. O problema que
se põe é o de saber se este modelo é conciliável com o princípio da contextualidade,
enunciado e mantido pela semântica de Frege. De novo se nota a disparidade entre
dois aspectos da lógica dos nomes: por um lado o nome refere directamente o objecto,
mas por outro o conhecimento e reconhecimento desse objecto é mediado pelo
sentido. As questões cognitivas interferem aqui com os factores meramente
semânticos, emaranhando as afirmações que constituem as bases para uma teoria dos
nomes e dos objectos.
A última afirmação aponta uma elucidação necessária para traçar os
contornos de uma semântica que se pretenda livre de compromissos ontológicos.
Frege distingue claramente a noção semântica da referência de outras noções
próximas e afins, mas não identificáveis: em primeiro lugar a distinção entre
referência e objecto (esta identificação é que levará Russell às ambiguidades das suas
denoting phrases); em segundo lugar, a demarcação da questão da referência em
relação à questão da verdade; e em terceiro lugar, a separação entre o problema da
referência e o da existência – afirmar a existência, na lógica de Frege – exige subir do
primeiro nível, da linguagem-objecto, dominado pelo modelo nome-portador, para um
nível mais elevado, para o qual será necessário encontrar o modelo referencial
adequado. Isto permite salvaguardar a eficácia referencial dos nomes, sem se

45
Veja-se o tratamento da lógica dos nomes próprios em Kripke, S. – Naming and Necessity, pp. 18
e s. A distinção entre dar o sentido e fixar a referência, bem como a expressão conceito-feixe são de
Kripke.
53

comprometer com pseudo-objectos inexistentes. A pressuposição da referência não


implica a posição da existência.
A extensão do binómio semântico sentido/referência às expressões
incompletas – predicados, expressões relacionais e funcionais – é uma das teses mais
polémicas da lógica filosófica de Frege. Que estas expressões tenham sentido,
justifica-se pela própria concepção fregeana da linguagem como uma praxis
consciente, intelectual, sendo o sentido o seu elemento cognitivo, presente em
qualquer acto de significação; mas atribuir-lhes referente, é bastante problemático,
como veremos. A ideia que isto sugere é que a todo o predicado, expressão relacional
ou funcional, corresponde um correlato extra-linguístico. O modelo já citado de
nome/objecto seria perfeitamente analogado à relação predicado-referente, o que leva
a pressupor que existe algo pelo qual ou em vez do qual está o predicado, como seu
representante. E, nestes termos, a tese de Frege parece comprometida com uma
ontologia platonizante, que pressupõe uma pululação de existentes para lá do que seria
desejável. O exame atento do modelo referencial proposto por Frege para este tipo de
expressões, mostra que esta leitura não está necessariamente implicada na sua
filosofia da linguagem.
Tratarei, pois dos problemas da semântica do conceito e suas
implicações lógicas e ontológicas: através da expressão do conceito (o predicado),
captar-se-á um modelo referencial que reflecte com exactidão o carácter de
insaturação ou incompletude do conceito. O tratamento da referência das expressões
incompletas evita os paradoxos referenciais provenientes da assimilação da noção de
referência à noção de objecto e proporciona excelentes pistas para a reformulação de
uma ontologia: esta última encontra-se apenas esboçada nos escritos de Frege, e
releva de uma exploração mais detalhada que ultrapassa o âmbito deste livro. Mas é,
sem dúvida um aspecto virtualmente contido na obra de Frege, que anuncia as
potencialidades e as ambiguidades do seu pensamento.

2. O sentido dos nomes próprios46

No ensaio Sinn und Bedeutung, Frege define o sentido de um nome próprio


como um modo de dar-se do objecto, a expressão de uma das suas propriedades,
atributos, de um dos conceitos sob os quais cai esse objecto. “O discípulo de Platão”,
54

“O mestre de Alexandre Magno”, ou “Aristóteles” são nomes próprios que exprimem


vários sentidos de um mesmo referente.
A atribuição de sentido ao nome próprio não é uma questão pacífica
nem irrelevante, tendo em conta as implicações epistémicas e ontológicas que a tese
acarreta. A caracterização da categoria linguística do nome é absorvida pela
elucidação da noção de objecto: um nome próprio é a expressão – simples ou
complexa, sempre singular e precedida do artigo definido – que designa um objecto.
A convicção fundamental de Frege é a de que com o uso das expressões que
denominou nomes próprios estamos a apontar, designar objectos determinados. O uso
ontológico que Frege faz do termo objecto é, pois correlativo do emprego do termo
linguístico nome próprio: este está sempre em vez de um objecto, que é o seu
referente.
A questão que se põe será a de saber em que domínio – no linguístico,
no lógico ou no ontológico – é que devemos procurar o primeiro princípio de
classificação: o critério para decidir se algo é um objecto assenta no facto de ser
designado por um nome próprio, ou, pelo contrário, um signo ou expressão é um
nome próprio precisamente porque o seu referente é um objecto? Para Frege, o que
distingue o nome próprio de outras expressões linguísticas é o facto de constituírem
expressões completas, com a capacidade de designar ou referir, por si só um objecto
determinado. A completude do nome traduz o carácter igualmente completo, saturado,
do objecto, em contraste com as realidades incompletas, insaturadas, ou quase-
entidades, dos conceitos e relações que se exprimem através de expressões insaturadas
– termos conceptuais ou expressões relacionais.
A relação semântica entre o nome e o designatum é intuitiva e não
exige grande esforço de argumentação sustentar que o nome tem um referente –
pressuposto ou real. O que se torna problemático é explicar que tenha um sentido.

O sentido é o conhecimento e re-conhecimento da referência, não se limita ao


mero facto de um sinal ter uma referência. Como via de acesso à referência, constitui
o valor cognitivo, o conteúdo informativo. Isto mostra bem como Frege associa
sentido a conhecimento: o sentido é um ingrediente da significação, que é aquilo que
uma pessoa sabe quando compreende o significado de uma palavra. Ao captar o
sentido, não sabemos apenas que o nome está associado a um objecto particular como
seu referente, mas relacionamos o nome com um modo particular de identificar um

46
Cfr Conceito e Sentido em Frege, pp. 156 e ss., onde tratei com mais pormenor deste tema.
55

objecto como referente desse nome. O critério de identificação do referente forma


parte do sentido de um nome próprio. Dois nomes podem ter o mesmo referente e
sentidos diferentes, porque com eles estão associados métodos diferentes de
identificar algum objecto como referente de ambos; isto quer dizer que um mesmo
objecto satisfaz os dois conjuntos de condições de identificação. Frege recorre à
metáfora de um caminho que conduz a atenção do nome ao referente; nomes com a
mesma referência, mas com sentidos diferentes, corresponderiam a diferentes
caminhos com o mesmo destino.
Um modo de identificar um objecto como referente de um nome, é o que é
dado por uma descrição definida, que para Russell se identificam realmente com os
nomes, que não senão descrições definidas disfarçadas (disguised). Poderá considerar-
se a semântica dos nomes de Frege como uma forma de descritivismo? Dummett
propõe outra hipótese de interpretação. Ao explicar o sentido de um nome, Frege
recorre naturalmente a descrições: o sentido de “Ala” corresponde ao sentido expresso
na descrição “A montanha vista pelo viajante A em tal data, a sul, na linha do
horizonte”. Mas, isto não significa que o sentido de um nome seja sempre o sentido
de alguma descrição complexa. Para que dois nomes difiram de sentido, apesar de
terem a mesma referência, o que é necessário é que a esses dois nomes correspondam
dois modos diferentes de reconhecimento do objecto, mas isto não é razão para
concluir estes dois meios de identificação devam ser expressos através de uma
descrição definida ou qualquer outro termo singular complexo47.
Sendo assim, Frege teria considerado a descrição definida apenas como um
dos modos de dar o sentido do nome, proporcionando um critério de identidade do
referente. No entanto, é verdade que Frege não limita a categorização de nome próprio
aos nomes logicamente simples, mas considera também como nomes as expressões
complexas. No referido ensaio sobre sentido e referência, dá como exemplo de nome
próprio a expressão “o corpo celeste mais afastado da Terra”, nome que tem sentido,
mas não referência. Que Frege inclua na categoria de nomes, tanto as palavras
isoladas (nomes em sentido estrito), como as expressões complexas (como as
descrições definidas), não significa que defenda expressamente a tese de que um
nome próprio (no sentido de Russell) seja uma abreviatura de descrições definidas. No
contexto do pensamento de Frege, esta tese teria consequências paradoxais: se uma
descrição definida é um modo de introduzir um nome, apresentando um critério de
identificação do referente, a descrição assimilaria e dissolveria as duas noções
56

semânticas – sentido e referência – que o próprio Frege distingue cuidadosamente. Na


sua perspectiva, a própria descrição definida é uma expressão referencial, portanto,
pertence à categoria dos nomes. Mas dentro desta categoria não se poderia admitir que
um nome constituísse o sentido de um outro, sob risco de incorrermos numa cadeia
infinita de nomes que se dariam os sentidos uns aos outros.
Considerado como o modo de determinar a referência, o sentido tem
uma certa flexibilidade, na medida em que cada um pode corresponder a diferentes
modos de determinar a referência, podendo até o sentido variar com o tempo. Neste
caso, o referente é o único que se mantém invariante, objectivo e participável por
vários locutores; o sentido perderia então o seu carácter objectivo, comum a várias
mentes e ficaria relativizado ao modo individual de captar e determinar o objecto
designado.
O descritivismo não condiz exactamente com a teoria semântica de
Frege, é a conclusão que podemos tirar. A sua noção de nome próprio abarca também
as descrições definidas; que estas possam dar o sentido de um nome através de um
critério de identificação do referente, é uma explicação de ordem epistémica que dá
conta do que é saber o significado de um nome. Mas daqui não se infere – como o faz
Russell – que o nome seja o feixe de uma família de descrições. Estas são vias
possíveis ou trajectórias para o reconhecimento do referente, mas o facto de o
conhecermos através dessas vias nada prova sobre o estatuto do próprio referente.
Uma das vantagens da distinção de Frege entre sentido e referência é o facto de
separar com nitidez os factores cognitivos, implicados no processo de significação,
dos factores semânticos intrínsecos aos próprios signos. No caso da noção de sentido,
essa separação é mais complexa, uma vez que está implicado nela o próprio sujeito da
significação e o seu modo de conhecer e reconhecer o referente. De qualquer modo, a
outra distinção claramente expressa por Frege, entre conceito e objecto, impede a
identificação do objecto de referência com os conceitos sob os quais cai esse objecto.
E daí a correspondente impossibilidade de identificar o nome com o conjunto de
descrições definidas. Estas referem um conceito, e só indirectamente um objecto,
enquanto o nome serve para referir, pelo menos hipoteticamente o próprio objecto48.

47
Cfr Dummett – Frege, Philosophy of Language, p. 98.
48
O problema da referência dos nomes próprios está relacionado com a noção de objecto, que
levanta várias dificuldades no contexto do pensamento de Frege. É importante distinguir
claramente entre “pressuposição da referência” e “posição de existência”, para evitar uma série
de compromissos ontológicos que enredariam totalmente a semântica dos nomes. Cfr Conceito e
Sentido em Frege, pp. 202 e ss.
57

Kripke sintetiza a polémica sobre a referência do nomes traduzindo-a


no falso dilema que perguntaria se os objectos são um feixe de qualidades, ou estão
por trás dos feixes de qualidades. No primeiro caso, os descritivistas identificariam o
nome com a abreviatura das descrições das suas qualidades reais e possíveis. É o caso
de Russell, e, na opinião de Kripke, também de Frege. O facto de atribuir sentido ao
nome próprio significaria que a sua tese se aproxima da de Russell. Mas será essa a
consequência semântica da análise de Frege?
A melhor via para a noção fregeana de sentido é a sua conexão com o
conteúdo informativo, o valor cognitivo. O sentido de um nome é o conhecimento que
o locutor tem ao empregá-lo na prática linguística. Sendo, em última análise,
determinado pela referência, há sentidos dados, comuns, objectivos, dos quais várias
mentes individuais podem participar. O interesse de Frege em salientar o lado
objectivo está de acordo com as preocupações fundamentais de desinfectar a Lógica
de qualquer forma de psicologismo e apresentar uma teoria da linguagem ideal. Não
se trata de um mero artifício da teoria do significado, um instrumento teorético: é um
elemento essencial de que nos servimos constantemente na praxis linguística,
imprescindível para realizar um acto de significação que vise dizer algo sobre o
mundo real.

3. A referência do predicado: o conceito.

O que é um conceito?
Não é, para Frege, nem um conteúdo mental nem um produto (ou uma síntese)
de um acto de pensar. É algo de objectivo, que não construímos nem se constrói em
nós, mas que podemos apreender desde que não cometamos o erro de procurar uma
realidade onde nada existe. Frege insiste neste estatuto co coneito como algo
independente dos nossos processos mentais. Não o identifica tão-pouco com a
representação: esta forma-se e transforma-se dentro de um processo temporal, com
uma duração e uma história próprias, num indivíduo determinado. O conceito, pelo
contrário, está fora do tempo, não necessita de um portador para existir enquanto
conceito, não faz parte do conteúdo de uma consciência individual. Não é produto de
um processo de abstracção a partir de objectos reais, até uma entidade mais ténue,
mais enfraquecida; a subsunção de um objecto por um conceito faz-se pelo
reconhecimento de uma relação preexistente, que é um aspecto formal da realidade. A
sua função não é representativa nem refigurativa porque o conceito não se apresenta
58

em vez dos objectos, mas como uma realidade real e objectiva, não material mas
formal.
O conceito distingue-se radicalmente do objecto – essa é um dos
princípios fundamentais da lógica de Frege – mas os dois elementos são constitutivos
da própria realidade, originários, dados, indefiníveis. Frege considera o conceito como
a pedra basilar de toda a sua construção lógica. O seu carácter essencialmente
predicativo obriga a um tratamento semântico distinto do objecto: este pode ser
designado por um nome, o conceito não. Por isso Frege identifica-o com o referente
de um predicado gramatical; este não nomeia nem designa nada em concreto, devido
ao seu carácter incompleto, insaturado, e por isso mesmo predicativo. Pode ser
predicado de muitos porque possui disponibilidade lógico-linguística expressa pelos
lugares vazios, contrariamente aos nomes, com os quais se denomina necessariamente
um objecto. Este carácter de abertura, de insaturação, patenteia-se na linguagem pelo
facto de um conceito não poder ter um nome, nem ser designado segundo o modelo
semântico relativo aos nomes. Frege elucida este facto explorando o paradoxo: “o
conceito de cavalo não é um conceito”, porque a única forma de exprimir linguística o
conceito é através do respectivo predicado “é um cavalo”.
É de facto como referente de um predicado gramatical que Frege introduz o
conceito. O referente, e não o sentido. O modelo semântico da distinção entre sentido
e referência, introduzido no célebre ensaio de Frege, aplica-se a todos os níveis do
discurso – nomes, predicados, expressões relacionais e proposições. Enquanto os
nomes e as proposições são expressões saturadas, isto é referem um objecto, os
predicados e expressões relacionais são insaturadas, isto é, contêm lugares vazios que
devem ser preenchidos por nomes de objectos, no caso dos predicados, ou
argumentos, no caso das funções49.
A atribuição de referência aos predicados e expressões relacionais é
uma das teses mais controversas de todo o pensamento fregeano. Considerar o
conceito – e não a sua extensão ou a respectiva classe – como o referente de um
predicado, parece inconsistente com o extensionalismo lógico de Frege; no entanto,
essa concepção do conceito como referente traduz bem o realismo fregeano,

49
Frege substitui o tradicional par sujeito/predicado pelo argumento/função; a análise de uma
proposição em argumento/função revela-se mais frutuosa para captar a forma lógica do seu
pensamento, liberalizando-a em relação às distinções gramaticais e representando com maior
fidedignidade as potencialidades inferenciais do pensamento. Cfr Begriffschrift, § 9. Cfr Carl, W. –
Frege’s Theory of Sense and Reference. Its Origins and Scope, pp. 66-67.
59

nomeadamente no que diz respeito a este elemento central de toda a sua obra, uma das
pedras basilares de toda a sua estrutura.
O conceito é, sem dúvida, um elemento um tanto enigmático, oscilando entre o
âmbito do sentido e o da referência; por um lado, serve de eixo central da rotação
semântica do sentido à volta da referência, por outro lado situa-se claramente como o
referente das expressões incompletas. A sua ambivalência dificulta a aplicação
unívoca do par sentido/referência a todos os tipos de expressões (nomes próprios,
proposições e predicados, expressões relacionais e funcionais). Segundo Dummett,
todo o problema reside no facto de, em relação aos nomes, Frege se ver na
necessidade de defender que estes têm um sentido, enquanto, em relação aos
predicados, ter de provar que estes têm uma referência. A própria concepção
fregeana da linguagem como uma praxis consciente, intelectual, justifica que estas
expressões incompletas tenham um sentido, o elemento cognitivo presente em
qualquer acto linguístico. Mas atribuir-lhes uma referência, parece bastante
problemático. O que significa, no caso de um predicado, afirmar que este tem uma
referência ou um referente?

Frege emprega indistintamente os termos referência e referente, mas


poderíamos considerar que o primeiro termo significa o próprio processo semântico
de referir, enquanto o segundo é o correlato propriamente dito, ou o próprio
complemento directo do acto transitivo de referir. Neste sentido, atribuir aos
predicados uma referência pode ser entendido como a sua capacidade para designar
algo, o que é próprio de qualquer sinal, independentemente de qualquer envolvimento
de compromisso ontológico. Atribuir-lhe um referente implica já considerar um
correlato extra-linguístico, de algum modo existente. Tal como no modelo nome
próprio-referente, também na relação predicado-referente haveria algo pelo qual, ou
em vez do qual está o termo predicativo, como seu representante. Nestes termos, a
atribuição de um referente às expressões incompletas adquire as proporções de um
paradoxo, ou de um excesso metafísico, como sugere Dummett50.
A semântica dos termos conceptuais levanta duas questões: 1.º qual o
modelo de relação semântica entre predicados e seus referentes? Poderá este ser
analogado ao modelo proposto para o caso dos nomes próprios? 2.º qual o estatuto
ontológico desses referentes dos termos conceptuais, admitindo que se trata de um
correlato extra-linguístico?
60

Se considerarmos a noção de referência fundamentalmente como


função semântica (semantic role), o modelo, transferido do caso dos nomes para o dos
predicados levaria apenas a admitir que a referência de um predicado é a sua função
semântica, isto é, a referência de dois predicados seria a mesma, se puderem ser
substituídos numa frase, sem alteração do seu valor de verdade. E a questão não
constituiria mais problema.
O que se torna problemático e mesmo paradoxal, é a atribuição aos
predicados de uma referência, tendo em mente o protótipo nome-portador; neste caso
a referência do predicado deverá ser algo extra-linguístico, representado pelo termo
predicativo, numa relação análoga à do nome-objecto. A elucidação deste modelo
referencial para os predicados conduz-nos ao conhecido paradoxo da insaturação. Esta
noção aplica-se a expressões linguísticas quando estas contêm pelo menos um lugar
vazio onde é possível introduzir outro sinal (nome ou expressão) que tem o efeito de
completar a expressão inicial. Expressões de funções, conceitos e relações são
insaturadas porque têm um lugar vazio, a ser preenchido pelo nome de um ou mais
objectos. A insaturação parece, assim, coincidir com a perspectiva tradicional da
predicabilidade dos conceitos: estes envolvem uma referência aos seus inferiores
(indivíduos, singulares).
O alcance da noção de insaturação em Frege não se restringe, no
entanto, ao domínio da semântica: embora se exprima no carácter incompleto de
certas expressões linguísticas, Frege considera que a insaturação linguística não é
senão o reflexo da própria realidade, portanto deverá atribuir-se prioritariamente ás
próprias funções e conceitos propriamente ditos, e não apenas às suas respectivas
expressões.

A questão do estatuto ontológico do conceito levar-nos-ia a uma análise do


problema do nominalismo ou realismo fregeanos, não para decidir da posição de
Frege face à reiterada querela dos universais, mas para comprovar como a resposta a
dar á questão do estatuto ontológico dos conceitos e funções serve como que de
catapulta que projecta todo o pensamento fregeano em sistemas completamente
opostos: ora numa espécie de transcendentalismo, ora num realismo de tipo platónico,
ora num puro nominalismo51.

50
Frege, Philosophy of Language, p. 204.
51
Para uma discussão destas teses cfr Couto Soares, L. – Conceito e Sentido em Frege, pp. 241-252.
61

Fazendo um breve balanço da orientação geral do pensamento de Frege


no que respeita ao conceito, pode afirmar-se o seguinte: não sendo o termo de um
processo mental, algo que nasce no entendimento como as folhas nas árvores, o
conceito é tão real como os objectos, constituindo com estes, duas partes heterogéneas
da realidade. Uma dessas partes (o conceito), é sempre insaturada, incompleta e pode
ser saturada pela outra, a dos objectos. Este carácter objectivo, realista, do conceito,
apreende-se através da linguagem, cuja estrutura mostra bem esses dois elementos
complementares através das duas categorias linguísticas – nomes próprios, e
predicados, expressões funcionais e relacionais. A sua definição como o referente do
predicado, significa precisamente que o conceito (como as funções e relações)
constitui uma dimensão formal da própria realidade, não isolável, nem separável, mas
tão real e objectiva como o domínio dos próprios objectos.

4. Sentido e Referência das proposições: Sinn und Bedeutung e Der


Gedanke

Como foi referido, Frege trata em SuB exclusivamente da semântica dos


nomes próprios e se, depois das páginas dedicadas ao caso dos nomes (nomes de
objectos) estritamente falando, passa à consideração das frases completas, isso
significa precisamente que estas são também consideradas como nomes próprios.
Qual neste caso, o seu sentido e a sua referência? Frege pretende utilizar para as frases
assertivas o mesmo modelo semântico triádico do sinal-sentido-referência, que
utilizara para os nomes. E como toda a frase completa contém um pensamento, que
consiste, não no acto subjectivo de pensar, mas sim no seu conteúdo objectivo, a
argumentação de Frege partirá da pressuposição de que o pensamento seja a sua
referência. Com um argumento indirecto, prova-se que alternando uma parte da frase
por outra que possua a mesma referência, o pensamento modifica-se, mas não a sua
referência.
A questão seguinte, obviamente será a de saber se a frase tem
referência (Bedeutung), ou se tem apenas sentido (Sinn). A argumentação de Frege
pode esquematizar-se em três afirmações principais:
1) estamos interessados na referência de partes da frase; o exemplo de Frege
é: "Ulisses profundamente adormecido foi desembarcado em Ítaca". No caso da
poesia só interessa o sentido, não nos interessaria tão pouco a referência de uma parte
62

da frase; "a questão da verdade, far-nos-ia abandonar o encanto estético por uma
atitude de investigação científica".
2) No entanto, quando se trata da ciência, não nos satisfaz o sentido, e por
isso perguntamos pela sua referência. Porquê? Porque não nos basta o pensamento?
3) Porque nos interessa o seu valor de verdade. É a preocupação pela verdade
que "nos dirige do sentido para a referência" Como é o interesse pelo valor de verdade
de um pensamento, que nos leva a perguntar pela referência de uma frase, Frege
conclui imediatamente que a referência de uma frase é o seu valor de verdade.
A argumentação um tanto artificiosa, bem como a sua rápida conclusão
estão justificadas pela pretensão de Frege de impor uma total univocidade do par
sentido-referência, tanto para a semântica dos nomes, como para a semântica das
frases, englobando assim todas as expressões completas sob a designação de nomes
próprios. Assim, tal como um nome designa ou refere um objecto, também uma frase
completa tem por referência um objecto, que neste caso será o seu valor de verdade, o
verdadeiro ou o falso.
O principal motivo da distinção, na semântica das frases entre sentido e
referência, como relação entre pensamento e valores de verdade, é o de preservar a
peculiaridade do verdadeiro, não como uma parte do pensamento, mas como algo de
completo, "subsistente" por si mesmo, independente do pensamento que a ele se
refere. Daí a identificação, aparentemente estranha, mas congruente dentro do
pensamento fregeano, do verdadeiro e do falso com objectos. Os objectos de Frege
são, ontologicamente, "entidades" completas, independentes, do ponto de vista lógico,
sujeitos de predicação e nunca predicados de outros, e as suas expressões são também
completas, saturadas, do ponto de vista semântico são nomes próprios. No próprio
escrito SuB, Frege defende esta independência do verdadeiro em relação ao
pensamento, esclarecendo que verdadeiro ou falso não são predicados: a relação do
pensamento com o verdadeiro não pode ser analogada à relação do sujeito com o
predicado, embora a linguagem corrente possa aparentemente induzir nesse sentido.
"Um valor de verdade não pode ser parte de um pensamento, tal como não o pode ser
o sol, posto que ele não é um sentido, mas um objecto", afirma Frege.

O caso particular do discurso indirecto é examinado neste ensaio de


Frege: para evitar que nos casos de orações introduzidas por «crê que...» «diz que...»,
etc., se viole o princípio da substituibilidade salva veritate, Frege introduz a noção de
referência indirecta. As palavras na oração subordinada deste tipo não têm a sua
63

referência usual, mas referem o seu sentido usual, e têm assim referência indirecta.
Esta é a solução fregeana para os contextos intencionais, enunciados através dos quais
atribuímos atitudes proposicionais.
Como num mesmo contexto, a referência de uma expressão nunca
coincide com o seu sentido, isto obriga a introduzir também sentidos indirectos: na
oração: «João crê que Platão é o autor do Banquete», «Platão» tem como referência o
seu sentido usual (um modo de dar-se de Platão), e como sentido algo diferente do seu
sentido usual, portanto um sentido indirecto. Uma vez que os operadores de
opacidade («julgar que...», «crer que...», etc.) podem reiterar-se indefinidamente, a
teoria fregeana obrigaria a postular a existência de sucessivos modos de dar-se,
«encapsulados uns nos outros ad infinitum.
Mas deste modo salvaguarda Frege a distinção entre sentido e
referência das frases e, o que mais lhe interessa, a identificação da referência com o
seu valor de verdade.

Esta mesma distinção é mais elaborada e detalhada por Frege em “Der


Gedanke”. Aí distingue:
1) A apreensão de um pensamento (pensar, acto de pensar);
2) O conhecimento da verdade de um pensamento (o acto de julgar);
3) A expressão deste juízo (a asserção).
Na frase assertórica devem distinguir-se o conteúdo, que pode ser o
mesmo numa frase afirmativa e numa interrogativa, da asserção propriamente dita.
Esta última não tem qualquer tradução simbólica. Como afirma Frege, “Não há
nenhuma palavra ou signo na linguagem cuja função seja simplesmente asserir algo”.
E para sanar esta deficiência Frege inventa um símbolo para traduzir esse carácter
pragmático da linguagem, que como se sabe é+ , que colocado antes de qualquer
conteúdo indica a afirmação. O conteúdo é um pensamento que para Frege é algo em
relação ao qual se levanta a questão da verdade é possível exprimir um pensamento,
porém, sem afirmar a sua verdade. O pensamento é a apreensão de um facto como
verdadeiro. Pensar não consiste por isso em produzir pensamentos, mas em apreendê-
los na sua estreita conexão com a verdade. Essa é a tarefa da ciência que não consiste
na criação, mas na descoberta de pensamentos verdadeiros.
Um pensamento, conclui Frege, não pertence nem ao meu mundo
interno (recorde-se o exemplo do teorema de Pitágoras, que não é o meu teorema, mas
64

sim um teorema universalmente captável), nem ao mundo externo, o mundo das


coisas perceptíveis pelos sentidos.
Torna-se necessário provar a "existência" desse terceiro mundo dos
pensamentos, provar que algo como os conceitos e os pensamentos, tem alguma
forma de existência.
O que pertence a este domínio não pode ser percebido pelos sentidos, tal como
as ideias ou representações subjectivas, mas tal como as coisas do mundo externo, não
necessitam de um portador nem de pertencer ao conteúdo da sua consciência. O
paralelismo entre os pensamentos e os objectos físicos induz a uma "ontologização"
dos objectos abstractos, entre os quais se encontrariam os pensamentos, e a pressupor
a admissão tácita de um mundo de ideias, para além do mundo da consciência e do
mundo de objectos físicos. O texto fregeano parece remeter inquestionavelmente para
uma perspectiva platónica ou platonizante. Note-se, porém, que Frege não introduz a
noção de pensamento assimilando-o a "objectos abstractos" – um pensamento, na
"ontologia" de Frege não é nunca um "objecto", a analogia proposta por Frege não
pretende ser uma introdução nem à sua noção de pensamento nem à de "objectos
abstractos" e não o compromete, portanto, decididamente com um mundo de ideias
platónicas, como tantas vezes tem sido sugerido.
Por outro lado, a afirmação de Frege de que não bastam as impressões
sensíveis para termos um conhecimento objectivo do mundo externo, mas é necessária
uma outra fonte de conhecimento não sensível que nos permita o acesso ao mundo
externo, tem levado alguns comentadores a uma aproximação da célebre frase
kantiana "intuições sem conceitos são cegas" que sintetiza emblematicamente a
rejeição de um puro empirismo. Aproximação um tanto forçada, tendo em conta os
diferentes enquadramentos epistemológicos e lógicos de Kant e Frege. Não me vou
aqui deter no exame das possíveis influências de Kant no pensamento de Frege, nem
numa releitura de certos textos fregeanos para detectar a sua interpretação da
epistemologia kantiana52.

A reiterada pergunta – o que é pensar? – surge no horizonte como uma


das questões "misteriosas" ou um enigma que recorrentemente persegue toda a

52
A exposição de Frege sobre a natureza das verdades matemáticas - Os Fundamentos da Aritmética
(1884) – parte da distinção kantiana entre verdades sintéticas e analíticas, e introduz um novo
conceito de analiticidade diferente do de Kant em aspectos substanciais: a definição de Frege não
se restringe a proposições da forma sujeito-predicado; contrariamente a Kant, Frege considera
que nem todas as verdades analíticas são triviais.
65

investigação filosófica. Entre a actividade do sujeito pensante e o mundo de


pensamentos que pode ser por este captado há um hiato por suturar. Entre o
pensamento linguisticamente expresso, tornado perceptível, revestido com a
roupagem da palavra, e o pensamento inexpresso, parece surgir uma fronteira que faz
lembrar a distinção wittgensteiniana entre o dizer e o mostrar. Como uma auréola que
rodeia toda a coisa pensada e dita, há algo que sugere o "místico", algo que se mostra
e por isso se capta, mas o captar significa também contornar, traçar fronteiras,
aprisionar, estabelecer limites. O limite, neste caso não significa negatividade, mas é
precisamente o que dá a forma.
Frege desencadeia problemas que ultrapassam o próprio âmbito do seu
pensamento e para os quais não só não apresenta soluções, como procura contorná-
los, remetendo-se para o peculiar estilo analítico que desde sempre adoptou. O
problema que sempre o ocupou foi o da fundamentação da aritmética, que, no entanto
o conduziu irremediavelmente a outras questões filosóficas que estão formuladas, ou
pelo menos implícitas, na obra de Frege e constituem parte da herança que legou à
posteridade.

5. Aporias do sentido

Não há dúvida que aquilo que Frege denominou algumas vezes como o "reino
dos sentidos" constitui uma zona problemática da realidade, nada fácil de descrever,
de caracterizar ou de localizar: um sentido pode ser captado, expresso e comunicado a
outra pessoa, no caso de se tratar de um pensamento, pode ser-lhe atribuído um valor
de verdade. Frege não quis, ao descrever estas noções fundamentais, que pudessem
ser identificadas com imagens mentais, ideias (subjectivas, individuais) ou
representações, para evitar que o mundo dos pensamentos e dos sentidos ficasse
encerrado na incomunicabilidade que Frege atribuía àquelas. Por isso, defende a tese
de que os pensamentos e os sentidos em geral são entidades atemporais, que não estão
submetidas a um processo de mudança. Frege pretende com isto salientar que a
verdade de um pensamento não pode estar condicionada ou dependente da sua
apreensão por algum sujeito pensante. Se assim fosse, supondo que ninguém está a
pensar num dado momento, nesse mesmo momento nada haveria de verdadeiro.
O que Frege queria garantir era a fundamentação lógica e
ontologicamente válida para todos os tempos, para todas as mentes pensantes e
66

independentemente das circunstâncias em que fossem pensadas, de uma série de


verdades que para ele constituíam um background de conhecimento científico do qual
toda a humanidade podia participar. Esses pensamentos podem ser expressos na
linguagem e constituem os sentidos de algumas frases assertivas. Alguns textos,
particularmente "Der Gedanke" sugerem, pela sua terminologia uma interpretação
segundo a qual os sentidos são apreendidos directamente, associando as palavras com
os seus respectivos sentidos, através de uma faculdade de intuição intelectual.
Apreender o sentido das palavras e as frases seria, assim visionar essas entidades
lógicas (conceitos e pensamentos) e relacioná-las com a linguagem. Esta perspectiva,
no entanto não condiz absolutamente nada com a análise da linguagem que Frege leva
a efeito meticulosamente, como processo de elucidação das noções cardeais da sua
lógica filosófica. Dummett considera que esta terminologia (os sentidos como
entidades eternas, imutáveis, objectivas) é apenas um modo de falar ("a harmless
manner of speaking"), com a qual Frege pretende simplesmente sublinhar a
comunicabilidade do sentido, contra a alegada incomunicabilidade do tone, do
elemento subjectivo, da linguagem. Todas as teorias fundamentais da lógica filosófica
de Frege estão muito mais de acordo com uma interpretação do sentido como algo que
pode ser concebido como sentido de uma expressão real; não possuímos outra
faculdade para apreender sentidos, para além da capacidade de aprender a utilizar
palavras e frases. O sentido só pode ser concebido como sentido de uma palavra ou
frase, tal como a direcção o é de uma linha.
Mesmo que Frege tenha aderido à primeira interpretação de sentido,
essa teoria não o levou a tentar analisar os sentidos por outra via que não fosse a da
linguagem. Se os considerou como um reino de "entidades independentes, separadas",
foi porque, embora seguindo sempre a via da análise da linguagem, Frege não
subscreveria nunca, em última análise uma teoria em que a linguagem se explicasse a
si mesma, ou em que o significado, o sentido fosse determinado pelo uso.

Só esta íntima conexão entre sentido e linguagem – tal como a direcção de


uma linha – poderá dar um esboço de resposta às questões epistémicas que a
objectivação do pensamento suscita e ao seu estatuto quase paradoxal. Como se pode
compreender a relação de um sujeito que pensa com o pensado?
O pensamento não pertence ao conteúdo da consciência do ser pensante. O
pensamento não é noema. Apesar disso, Frege tem de reconhecer que deve haver algo
na consciência que é alcançado no pensamento. Como é que esse algo (something in
67

his consciousness), algo do sujeito (subjectual) se relaciona, ou se refere ao


pensamento? Qual a relação entre o pensado (enquanto conteúdo de consciência) e
pensamento (enquanto algo fora de nós, fora das consciências)? Para Frege, esta
relação consiste simplesmente em que o pensador ou o ser pensante capta, apreende,
vê ou entra em relação com o pensamento. Mas nada mais nos diz sobre esta relação:
persiste o problema de saber como é que um pensamento pode existir, pre-existir
enquanto pensamento, sem ter sido jamais pensado? E como é que um ser pensante vê
e reconhece um pensamento que jamais viu, e que não procede do seu próprio acto de
pensar?
A dificuldade parece provir da preocupação fregeana (sempre guiada
pelo seu antipsicologismo e anti-representacionismo), por des-subjectivizar, ou
melhor, des-mentalizar os pensamentos, para lhes assegurar uma objectividade
estável, evitar a sua redução a imagens mentais individuais e incomunicáveis, e
sobretudo garantir o carácter permanente, eterno, imutável da verdade. Para isso,
Frege julgou necessário rodear os pensamentos de uma fronteira protectora de
qualquer interferência da psicologia ou epistemologia. E localizou-os num mundo de
objectividades independentes de qualquer consciência que os apreendesse. Dando
assim origem a uma situação impossível de sustentar, a do pensamento nunca
pensado, pensamento anterior a qualquer pensamento que o pense. Esta ideia de um
pensamento nunca pensado, ou um pensamento-em-si é como um pau de ferro...

A relação entre pensamento e linguagem é recorrentemente explorada nos


escritos de Frege. Mas, dado o estatuto do pensamento, até que ponto é importante a
expressão linguística para pensar? Se o sujeito vê, capta, apreende o pensamento
porque necessita da sua expressão linguística? Frege parece dar a seguinte resposta:
"Sabemos que podemos ter várias expressões para o mesmo pensamento. A conexão
de um pensamento com uma frase particular não é necessária, mas que um
pensamento do qual temos consciência esteja conectado com uma ou outra frase é
necessário para nós, seres humanos"53. Este facto diz respeito à nossa capacidade de
apreender um pensamento e não ao próprio pensamento: "Não há contradição em
supor que existam seres que possam captar os mesmos pensamentos como nós
captamos sem necessidade de os revestir numa forma que possam ser percebidos
pelos sentidos. Mas no entanto, para nós, homens existe esta necessidade"54.

53
Nachgelassene, 288.
54
Ibidem, 288.
68

Trata-se da própria condição do modo humano de conhecer e de


pensar, que obriga necessariamente a recorrer também sempre à componente sensível,
perceptível que reaparece agora na forma de linguagem como mediação inevitável
para o pensar. Os pensamentos serão captados, apreendidos, mas ao serem pensados
por um ser da condição humana, são também articulados em linguagem, de contrário
permaneceriam puros pensamentos inexpressos, silenciosos, mudos perante a nossa
própria capacidade de pensar. Frege é bem explícito: não é o pensamento (Gedanke)
enquanto pensamento que carece em absoluto da sua expressão linguística; é a
capacidade humana de pensar, com a qual captamos o pensamento, que para pensar
necessita de articular o pensamento numa linguagem. Mas de facto, o pensamento está
contingentemente conectado com as suas próprias expressões características, em
especial com a linguagem. Esta é, no entanto, a poiesis primordial, a actividade
genuinamente mais humana, e confere uma dimensão fáctica ao pensamento: é uma
poiesis essencial e internamente vinculada à praxis do pensamento que, sem
identificar-se plenamente com ela, lhe dá vida, penetrando-a até ao fundo. Daí o
carácter intrinsecamente inteligível da linguagem, que permite a compreensão de um
livro poeirento enterrado numa biblioteca, uma antiga inscrição caldeia ou a frase
balbuciada por qualquer criança. É possível que se dê pensamento não expresso em
linguagem, o que não se poderá dar é linguagem humana que não seja também
pensamento.

6. Estilos de pensamento

1. A questão recorrente – o que é pensar? – volta de novo a surgir no


horizonte. A análise fregeana do estatuto dos pensamentos assenta numa metáfora do
pensar como uma espécie de tacto, ao descrevê-lo como um apreender (fassen). Mas,
ao mesmo tempo, refere-se a uma espécie de «olho mental», que nos dá uma visão
intelectual. Trata-se de um contacto directo, imediato, ou de uma visão intelectual que
parece reformular alguns dos problemas suscitados pelo termo intuição.
O que está em causa é saber se a mera apreensão, o contacto directo da
consciência com o seu objecto – neste caso a apreensão do sentido – constitui de facto
uma forma de saber, de conhecer, ou se, pelo contrário, se encontra apenas no limiar
de qualquer processo cognitivo, ou mesmo fora dele. A questão é recorrente em toda a
filosofia do conhecimento, e tem originado diferentes resoluções, pautadas por duas
69

metáforas originárias que exprimem dois modelos cognitivos: a metáfora da visão e a


do tacto. A concepção fregeana oscila entre estas duas metáforas. Ver conota simples
apreensão, abertura à luz que irradia o próprio objecto que se dá, se presentifica,
mantendo-se sempre à distância. Tactear, «agarrar» conota uma certa actividade
«manipuladora» de tomar posse, de apoderar-se e dominar o que se dá a conhecer. O
primeiro é um sentido da distância, o segundo um sentido de contacto, empregando a
conhecida distinção aristotélica. Para compreender o que é pensar, Frege advoga por
um modo intuitivo e directo; Wittgenstein pressupõe uma forma directa de apreender
os objectos simples, no Tractatus, mas a primazia da intuição cede o lugar e uma
visão de conjunto que supre a falta de precisão e de fixidez dos conceitos.

Não nos propomos aqui responder às difíceis aporias epistemológicas que têm
a sua origem neste par de noções fugidias, se bem que inevitáveis, nem formular uma
teoria do conhecimento que pretenda resolver de um modo definitivo essas questões.
O que importa é ver como as diferentes posições assumidas vão provocar diferentes
atitudes em relação ao modo e estilo de pensar em filosofia. Não apenas por uma
questão de método, mas porque impõem um certo estilo aos modos de proceder e de
pensar: se se concede um papel privilegiado à intuição no processo cognitivo, esta
pode inspirar uma filosofia do singular, assente numa dimensão experiencial apta para
o apreender e assimilar; ou uma teoria das ideias de raiz platonizante que atribui um
papel preponderante à capacidade de ver as essências, de um olhar que não se deixa
aprisionar pelas particularidade, mas que acede directamente ao que há de mais geral,
ao universal que recobre a experiência do particular. Se, no entanto, a intuição é
relegada do âmbito do conhecimento propriamente dita, por ser alvo das suspeitas
racionalistas, o estilo que domina o pensar será preponderantemente analítico,
discursivo.

Para muitos, a palavra intuição não é muito prestigiada. "Um subterfúgio


(shuffle) desnecessário", dizia Wittgenstein. As objecções ao recurso à intuição,
provêm geralmente do estilo e do modo analítico de pensar, e invocam vários
argumentos que salientam o carácter estrutural e complexo de todo o conhecimento
justificado. Em primeiro lugar, o carácter analítico de toda a explicação, é algo mais
do que a mera percepção de unidades ou sínteses à qual está ligada a intuição. Nesta
está ausente qualquer estrutura, apenas nos apercebemos de uma unidade, essa sim,
estruturada; este carácter simples do acto intuitivo não permite formular uma teoria da
70

intuição, e a variedade de sentidos com que a palavra é usada na linguagem corrente, é


bem prova disso; falar de intuição é falar dessa grande variedade de expressões
metafóricas, um tanto vagas, que se empregam para traduzir uma forma de
conhecimento não conceptual nem judicativo. O recurso à intuição, no contexto da
análise conceptual, significaria sempre uma cedência ao psicologismo: o acto intuitivo
não é um objecto teorético que se apresente à filosofia, mas uma certa forma de
apreensão cujo estudo pertence à psicologia.

Schlick formula a mais severa crítica à evidência da intuição, assinalando-a


como um processo essencialmente diferente do conhecimento55: uma coisa é a
experiência intuitiva, directa e imediata, pela qual tomo consciência de um conteúdo –
esta mancha de cor – outra coisa é conhecer, saber o que é a essência da cor, saber o
que é o vermelho. Na intuição, observa Schlick, o objecto é simplesmente dado, não
compreendido. A intuição é mera experiência, um contacto com o objecto dado, mas
esta apreensão directa não envolve ainda conhecimento nem compreensão. Poderia ter
experiências – da dor, do prazer, da cor ou do som – sem saber o que são, sem as
compreender.
A objecção de Schlick às filosofias da intuição, poderia aplicar-se, de
certo modo à identificação do acto de pensar com uma mera apreensão ou contacto
directo com o objecto pensado. É necessário ter em conta uma distinção fundamental
entre Kennen (correspondente a acquaintance) e Erkennen (re-conhecimento): é a
confusão entre estas duas noções bem distintas que está na raiz de toda a filosofia da
intuição. O conhecimento propriamente dito implica reconhecimento (Erkennen), não
basta «tocar» as coisas para as conhecer, é necessário pensar, o que significa
movimentar-se intelectualmente, relacionar, ordenar, comparar. "A ciência – escreve
Schlick – não nos «põe em contacto» (make us acquainted) com os objectos; ensina-
nos a compreender, a abarcar tudo o que já conhecemos (what we are acquainted), e
isso é que significa saber. Conhecimento (Acquaintance) e saber (knowledge) são
conceitos tão fundamentalmente diferentes que até o discurso corrente possui duas
palavras para os designar.
O processo cognitivo, segundo Schlick, estabelece uma relação entre vários
objectos, uma conexão com algo de complexo, e não se pode identificar de modo
algum com a apreensão (grasping) de um objecto simples e único. Por isso, para
Schlick o «Eu sou» exprime apenas um facto, não conhecimento. O «ego sum»
71

cartesiano, a existência dos conteúdos da consciência, não necessita de qualquer


fundamento. Não se trata de conhecimento, mas de um conjunto de factos que existem
apenas, não requerem nenhuma confirmação através da auto-evidência; não são certos
nem incertos, são simplesmente, dão-se como mera facticidade. Não faz qualquer
sentido procurar uma garantia da sua existência, da qual temos apenas experiência,
mas não conhecimento. Este exige, não apenas a percepção ou experiência de si
mesmo, mas o juízo que envolve relacionação, identificação, incorporação dessa
percepção em experiências anteriores, e compreensão de uma estrutura complexa.
Schlick rejeita terminantemente a perspectiva segundo a qual o conhecimento é uma
espécie de representação intuitiva que refigura ou retrata as coisas na consciência. Se
o processo cognitivo fosse deste tipo não poderia trazer os seus objectos à consciência
sem os alterar, e falharia radicalmente o seu desideratum, o de manter as coisas
inalteráveis tal como são em si mesmas. Conhecer consiste num acto que,
efectivamente deixa as coisas intocáveis e inalteráveis: a diferença entre a imagem ou
representação e o signo ou designação radica precisamente no facto de a primeira ser
totalmente incapaz de refigurar um objecto tal como é, visto que se trata sempre de
uma imagem a partir de uma certa perspectiva ou posição, de uma representação de
um sujeito; o signo, pelo contrário, designa o objecto deixando-o tal como é. O
conhecimento intuitivo não pode nunca realizar o seu último objectivo, dar-nos as
coisas exactamente como são em si mesmas.

O estilo do pensamento de Wittgenstein depois do Tractatus procede do


reconhecimento dos impasses e ilusões de uma visão intuitiva e total e da
inviabilidade da análise. Por isso, ele representa o início de uma outra
«transformação» do pensamento filosófico.
O método de investigação assente na convicção da possibilidade de uma
análise última, intimamente conectada com os pressupostos do Tractatus, é
claramente posto de lado por Wittgenstein, que nas Investigações compara este estilo
de pensar a alguém que tentasse encontrar a autêntica alcachofra arrancando-lhe, uma
a uma, todas as folhas56. Nalguns casos, os mal-entendidos poderão dissipar-se com
uma substituição de uma forma de expressão por outra, designando este processo
como uma «análise» das nossas formas de expressão57. Mas isto pode criar em nós o

55
Cfr General Theory of Knowledge…
56
Cfr § 164.
57
Cfr § 90.
72

mito de uma clarificação total, “uma forma perfeitamente decomposta da expressão” –


uma das teses em que assentava toda a lógica do Tractatus. Esse «sonho da análise» é
totalmente ilusório: julgamos que as nossas formas de expressão estão essencialmente
por analisar, como se houvesse nelas algo oculto que necessitasse de ser esclarecido,
reconduzido a um estado de exactidão perfeita58. Não é essa a meta da «investigação
gramatical»: esta não pressupõe conceitos absolutamente determinados, com
fronteiras nítidas e exactas, mas move-se no terreno impreciso e vago da prática
linguística e do uso corrente de expressões que cumprem a sua finalidade tal como se
dão. O próprio conceito de jogo é um «conceito de contornos esfumados», uma
«imagem difusa» que não é possível substituir por uma nítida; mas é muitas vezes a
difusa que mais precisamos59. A ideia de que toda a proposição deve ter um sentido
definido não passa de um preconceito que impede uma visão clara, como um par de
óculos sobre o nariz, através dos quais vemos tudo, sem que nos ocorra nunca tirá-
los60. Esta foi a prisão do ideal analítico que condicionou toda a visão do mundo à luz
da lógica do Tractatus: o que Wittgenstein propõe é fazer rodar completamente o eixo
da investigação, tomando como ponto de referência as nossas necessidades reais61.
Para tal, não é a exactidão total que se deve procurar, expressa numa visão intuitiva
terminal (Einsichtt), mas uma visão de conjunto (Übersicht) – “não ambiciono
exactidão, mas uma visão sinóptica”.
O primeiro ideal perseguido no Tractatus consistia em alcançar uma visão sub
specie aeternitate – uma visão atemporal do todo, gloriosa, omnisciente e definitiva,
que revelasse o que é o mundo, não o como é o mundo. Ver o todo significa ver a
totalidade de conexões de cada objecto, a plena verdade das coisas que só a lógica
pode proporcionar, numa perspectiva à distância, de fora, com o mundo todo como
horizonte, na qual cada objecto é visto em conjunto com espaço e tempo, e não no
espaço e tempo62.
A visão sinóptica, panorâmica, que Wittgenstein procurará mais tarde, exige
situar-se dentro do mundo, no meio dos conceitos e suas expressões, ao mesmo nível,
em vez de fora deles, ou de algum modo, transcendendo-os. E é no meio do labirinto
das ruas de uma cidade e dos caminhos tortuosos de uma floresta, que o filósofo

58
Cfr § 91.
59
Cfr § 71.
60
Cfr § 103.
61
Cfr § 108.
62
Cfr Notebooks, 7.10.16.
73

tentará traçar «esboços paisagísticos» que exprimam os enredados processos,


múltiplos e variados, da nova maneira de ver e de pensar.
74
75

III. Semântica e Pragmática

Um dos desafios que se apresentam à epistemologia contemporânea é o de


reformular uma teoria do juízo e da proposição que reconcilie duas noções que a
modernidade tem pensado de forma disjuntiva – a de verdade e a de sentido. Esta
disjunção pode rever-se na bipolarização entre as noções de correspondência e
coerência que representam duas fortes alternativas para formular uma teoria da
verdade. No entanto, a própria controvérsia entre correspondencionalistas e
coerentistas, é reveladora das aporias que nenhuma das duas noções logram resolver
cabalmente. A lição a tirar é talvez a da necessidade de recorrer a uma outra dimensão
– prática, espontânea, reflexiva – para sair do impasse. A semântica da verdade parece
ser inseparável da pragmática. A conclusão que alguns tiram do argumento de infinito
regresso proposto por Frege para mostrar a impossibilidade de definir verdade em
termos de correspondência, é precisamente esta: uma teoria da verdade tem de admitir
a espontaneidade do juízo.

Com efeito, autores como Frege, Wittgenstein, Austin, Tugendhat, pensam a


estrutura da enunciação partindo precisamente de um conteúdo proposicional sobre o
qual recai uma força assertiva associável ao assentimento, noções relevantes para a
compreensão da semântica da verdade. Este acento tónico na dimensão pragmática e
reflexiva do acto de julgar e sua expressão linguística encontra-se antecipado na teoria
do juízo evidente de Brentano, entendido como posição e não síntese predicativa e
como locus privilegiado da verdade. Arquitectonicamente fundada nas noções de
76

assentimento, força assertiva e evidência, esta reformulação preludia a actual


pragmática e a exploração do carácter performativo da linguagem.

A Sprachkritik brentaniana acentua precisamente a intervenção da prática


linguística e do uso dos termos pelo locutor, para a realização efectiva de qualquer
acto judicativo. A dimensão prática revela-se na própria expressão proposicional, que
não se limita a significar algo, mas determina a própria realidade: a asserção é um
acto de fala e todas as proposições declarativas têm, nesta perspectiva, um carácter
pragmático, que os signos linguísticos não podem senão mostrar, exprimir. O juízo
como posição excede a própria materialidade e factualidade da linguagem, exibindo o
carácter intensional.
A Crítica da Linguagem de Brentano permite elucidar as noções de juízo,
asserção (e negação), verdade e evidência, libertando-as da camisa de forças imposta
até então pela concepção da linguagem como “imagem” ou espelho do pensamento. A
relevância desta crítica é imprescindível para evitar equívocos sérios no modo de
entender o nosso próprio aparato conceptual e as nossas categorias linguísticas. Na
sua Sprachkritik, Brentano diagnosticou a principal causa dos problemas da
semântica: a convicção de que entre palavras e conceitos existiria um ordenamento
simétrico exacto e rigoroso. Esta convicção fomenta a procura do significado de cada
palavra em «algo» que está aí, como um objecto por ela designado. A denúncia
reiterada de Brentano do erro de pensar que a linguagem é uma cópia exacta do
pensamento está em perfeita sintonia com as críticas que, nos últimos anos, autores
muito diversos, têm dirigido contra as teses tradicionais da semântica, chamando a
atenção para o carácter comunicacional da linguagem e para a inviabilidade de
deduzir as formas de pensamento a partir das suas expressões linguísticas.

Interessar-nos-á destacar e caracterizar algumas noções estreita e


familiarmente ligadas ao problema da verdade, que indiciam precisamente uma
dimensão, não estritamente cognitiva, mas antropológica, na medida em que não
convocam apenas o entendimento ou a razão, mas o sujeito de acção espontânea.
Nomeadamente, as noções de asserção (negação), afirmação de existência, convicção,
assentimento, crença. As respectivas «gramáticas», exploradas através de uma
analítica aproximada de uma fenomenologia da prática linguística, permitem a visão
panorâmica (empregando a expressão wittgensteiniana) da rede de conexões entre
77

diversos binómios que se entrecruzam – linguagem e mundo da vida, linguagem-uso,


linguagem-acção.

O breve exame da reformulação da teoria do juízo em Brentano e da sua


revisão da noção de verdade como correspondência apresentar-se-á como uma
antecipação da concepção dos actos de fala introduzida por Austin e explorada por
Searle. A convicção de que a linguagem não é apenas enunciação, descrição, mas
releva de uma dimensão prática e é, em sentido próprio acção, tem as suas raízes no
pensamento de Wittgenstein e norteia a pragmática contemporânea. Não se trata de
substituir a semântica pela pragmática, mas de reconhecer que a primeira não é viável
se não tiver em conta os contextos do uso e das práticas sociais. O que caracteriza a
pragmática é o facto de ter em conta os contextos linguísticos e extra-linguísticos,
assim como a intenção do locutor e o efeito que produz – duas idéias mestras
antecipadas na crítica linguística de Brentano. Considera, portanto, factores extra-
linguísticos e formas de produzir significado que não estão contidos no domínio da
semântica, acrescentando ao estudo da linguagem a sua perspectiva particular. Uma
das propostas básicas, preconizadas, entre outros por Grice, foi a de que a pragmática
trataria o problema do significado prescindindo das condições de verdade. Não há
dúvida que parte do significado veritativo depende de factores de natureza
pragmática. Mas a questão que se põe é a de saber até que ponto o êxito (poderíamos
dizer talvez o preenchimento) de uma locução não depende em boa parte do carácter
representativo, e não requere o significado literal da expressão?
As dificuldades da semântica têm a sua origem precisamente no
carácter eminentemente social da teoria do significado. Esta é a conclusão que tira
Putnam no final do seu ensaio “Is semantics possible?”63 À pergunta de Putnam
poderíamos replicar com outra “Is pragmatics possible?” A falta de teorias e leis
exactas, de rigor matemático, o carácter escorregadio e impreciso são traços comuns à
semântica e às ciências sociais. Para responder às difíceis questões do complexo
funcionamento dos signos e da sua aprendizagem, é necessário encontrar um modelo
geral e preciso do uso da linguagem. Mas isso está ainda longe: o primeiro passo é o
de libertar-nos de certas convicções tradicionais, simplificações extremas que
impedem ver onde reside verdadeiramente o problema. E podemos considerar que
esse primeiro passo já foi dado.

63
Cfr Mind, Language and Reality, Philosophical Papers, vol 2, p. 152.
78

É certo que uma teoria semântica dos fenómenos linguísticos não dá


conta do processo de significação, e requer a perspectiva pragmática: o sentido literal
em si mesmo considerado, desencarnado do uso e do contexto, parece ser uma
objectivação pouco pertinente para a compreensão do funcionamento da linguagem.
Mas, por outro lado, o significado do locutor, a intenção de fala, por si só, exigiria
uma sistematização das regras e convenções que justificasse cabalmente o processo da
significação. As regras do uso pressupõem uma elucidação do uso das regras. Não se
trata aqui de um círculo vicioso, mas de uma circunvolução genuína entre o literal e o
intencional. No fundo, trata-se de redimensionar o carácter natural e o convencional
de todo o processo de significação.

1. A estrutura do acto de julgar

O termo «juízo» está carregado de equívocos: pode ser considerado como o


acto mental de julgar ou como o conteúdo desse mesmo acto e ser absorvido pela
psicologia filosófica, pela filosofia do conhecimento, no primeiro caso, ou pela lógica
e análise da linguagem, no segundo; pode ser analisado como acto proposicional ou
conteúdo proposicional, atendendo sobretudo ao problema do «elo» que liga o sujeito
ao predicado, o «vínculo proposicional», ou pode ser considerado como acto
posicional, concentrando o exame na dimensão especificamente pragmática,
inovadora e originária do acto judicativo. Estes e outros equívocos poderão estar na
origem da pouca atenção que as teorias do juízo parecem despertar hoje no âmbito da
filosofia analítica e da filosofia da mente. A outra razão poderá estar na designada
«viragem linguística» que privilegia a expressão verbal dos juízos e explora sobretudo
o problema do estatuto e constituição da proposição.
Não há dúvida que a teoria do juízo desempenhou um papel central e
decisivo – pelo menos desde Descartes e, sobretudo a partir de Kant, em toda a crítica
do conhecimento. No entanto, não será excessivo afirmar que foi na escola de
Brentano que a existência de um «problema do juízo» é reconhecida na sua
especificidade: deve-se aos trabalhos de Brentano, Meinong, Husserl o
reconhecimento da diferença fundamental entre a esfera das representações – e do
pensar em geral – e a do juízo – expresso no seu carácter fundamental de posição
activa de uma objectividade.
79

É essa peculiaridade da reformulação da teoria do juízo em Brentano


que se pretende abordar, mostrando a evolução das suas perspectivas sobre a
dimensão apofântica, a crítica à adequatio, para terminar na primazia do juízo
evidente no qual se faz sobressair toda a força assertiva do próprio sujeito, actor e
critério último da verdade de todos os juízos.
A concepção do juízo de Brentano difere substancialmente de outras teorias
como as de Aristóteles, Kant ou Frege. Em confronto com Aristóteles, Brentano
defende que os juízos predicativos são um caso especial dos juízos existenciais e
corrige a tradicional teoria da verdade como correspondência, de raiz aristotélica; em
confronto com Kant, distingue radicalmente entre representações e juízos, recusando
unificar estes dois tipos de actos psíquicos na categoria do "pensar"; e em confronto
com Frege, Brentano rejeita que os juízos pressuponham a existência de pensamentos
completos ou proposições que são apreendidas em si mesmas, antes que o juízo seja
formulado.

Na Psychologie, depois de apresentar a estrutura básica dos fenómenos


psíquicos como intencionalidade ou direccionalidade para algo, Brentano divide os
vários modos da intencionalidade como um dirigir-se para, em três classes
fundamentais de comportamento psíquico: representação, juízo e interesse (amor,
emoção): falamos de representação quando algo simplesmente se nos apresenta,
representar em sentido lato é simplesmente o ter algo em presença; julgar pressupõe
"uma aceitação como verdadeiro ou rejeição como falso". Em confronto com o mero
ter algo presente, julgar significa tomar uma posição definida em relação ao
representado enquanto representado. Brentano sublinha que às duas classes –
representação e juízo – correspondem dois modos completamente diferentes de ser
consciente de um objecto e estes dois modos fundam uma radical distinção entre
representação e juízo. Em que consiste esse traço característico do juízo que não
permite confundi-lo nem assimilá-lo à representação? Ou como deverá entender-se a
intencionalidade do juízo? Precisamente como uma dimensão "espontânea", natural,
do psiquismo, pela qual se afirma ou nega algo ao mesmo tempo que se dá o
assentimento à correcção desse acto. As três notas específicas do acto judicativo são
exactamente posição-reflexão-evidência. O juízo é posição, e não síntese
predicativa. Para Brentano, como para Kant e para o próprio S. Tomás de Aquino,
"existe" não é um predicado real. Na crítica do argumento ontológico, Kant afirma
que "ser não é um predicado real, isto é, um conceito de algo que pode ser
80

acrescentado ao conceito de uma coisa; é apenas a posição de uma coisa ou de certas


determinações em si mesmas."64 Brentano, no entanto, criticará Kant por ter admitido
logo a seguir que esta proposição existencial é uma proposição categórica,
considerando-a como sintética: para Kant, assim como o "é" da cópula normalmente
estabelece uma relação entre conceitos, o "é" da proposição existencial coloca "o
objecto que corresponde ao meu conceito"65. Introduzir assim uma síntese entre
objecto e conceito, constitui para Brentano uma "monstruosa afirmação"66. A
peculiaridade dos juízos existenciais, para Kant, consiste no facto de a coisa
concebida – objecto – ser predicado do conceito. Nas proposições categóricas um
conceito une-se a outro conceito. Brentano contra-argumenta com o exemplo dos
juízos negativos existenciais, nos quais não haveria possibilidade de síntese entre o
conceito e o objecto: "Se não há outro conceito (a existência), tão-pouco há qualquer
predicação; o que equivale a dizer que não temos então nenhuma proposição
categórica"67.

A redutibilidade de todas as proposições categóricas – como também as


hipotéticas e disjuntivas – a proposições existenciais, constitui uma prova para a
refutação da teoria segundo a qual a diferença essencial entre juízo e representação
consiste no facto de os juízos terem como conteúdo uma conjunção de atributos. Nas
proposições existenciais o "é" ou "existe" substitui a cópula e mostra assim que não
envolve qualquer predicado. A combinação de vários elementos – sujeito e predicado,
antecedente e consequente, etc. – considerada essencial para a natureza específica do
juízo, não é senão uma questão de expressão linguística. De facto não serve como
carácter distintivo do juízo: não se poderia considerar que as representações têm um
conteúdo simples, enquanto os juízos têm um conteúdo composto. Quanto ao
conteúdo, não há qualquer distinção entre representação e juízo. O mesmo objecto
pode apresentar-se à consciência, quer esta o afirme ou negue, ou não tenha qualquer
certeza quanto á sua afirmação ou negação e suspenda, portanto, qualquer juízo. Neste
último caso poder-se-á falar apenas de representação, nos dois primeiros casos, o
objecto é simultaneamente representado e afirmado ou negado. Todo o objecto que

64
Crítica da Razão Pura, p. 504. Cfr Heidegger, M. Kants These über das Sein.
65
Crítica… p. 504.
66
A crítica de Brentano a Kant é certamente excessiva. Fiz uma avaliação da justeza desta crítica
em “O Juízo como Posição. Kant visto por Brentano” (para publicação nas Actas do Colóquio
Internacional “Kant 2004: Posteridade e Actualidade”, Lisboa, 2004).
67
Sobre la Existencia de Dios, pp. 82-83.
81

seja o conteúdo de uma representação pode ser também o conteúdo de um juízo.


Sendo assim, qual a característica distintiva do juízo como fenómeno psíquico? Se o
que o distingue da representação não consiste no seu conteúdo, só pode radicar num
tipo de relação peculiar da consciência com o objecto imanente. Veremos que se trata
de um modo da intencionalidade radicalmente distinto do da mera representação ou
ligação de representações.

2. Asserção e predicação.

O problema do juízo em Brentano herda uma dissociação entre predicação e


asserção, que remonta a Descartes, o primeiro a defender que um juízo é
essencialmente uma tomada de posição com respeito a um conteúdo conceptual.
Tradicionalmente, o acto de julgar reúne indissociavelmente predicação e asserção:
Aristóteles não faz uma distinção explícita, mas considera que os enunciados
determinam alguma coisa enquanto alguma coisa. Afirmar consiste em asserir a
pertença de algo a algo, negar consiste em rejeitar essa pertença. Unir o nome e o
verbo sob a forma predicativa equivale forçosamente a fazer uma asserção. A
distinção das diferentes funções do verbo, é que leva Aristóteles a sugerir que a
asserção e a predicação constituem actos logicamente distintos. Em Tomás de Aquino
encontramos uma posição semelhante, ao definir o juízo como a actividade pela qual
o espírito reúne ou separa, afirmando ou negando. É importante notar que o acto
judicativo não é concebido como um assentimento a uma síntese de conteúdos
mentais, nem aderir ou rejeitar uma proposição formulada no quadro de uma asserção,
mas exprimir sob a forma assertiva o modo de “pertença” que se dá entre as coisas e
as suas características.
Com Descartes, e depois Hume, dá-se um corte radical entre a
combinação predicativa e o acto de julgar propriamente dito. Associar as ideias num
conteúdo predicativo é uma coisa, julgar que esta associação corresponde à realidade
é outra. Para Hume, o juízo é uma reacção de crença que diz respeito, não à ordenação
das ideias, mas à nossa “maneira de as conceber”.
A discussão sobre o carácter essencial do juízo é retomada por Frege,
Brentano e Husserl: o juízo predicativo consiste numa “composição” de conceitos, ou
num assentimento a um conteúdo proposicional? O problema merece um exame
detalhado sobre as diversas respostas e, sobretudo, a inflexão que acentuará
82

progressivamente o carácter pragmático do juízo como um acto espontâneo do


entendimento. Assinalaremos aqui apenas o contributo de Frege, e a reformulação de
Brentano que será recebida e criticada por Husserl.
Frege distingue entre o acto de julgar e a apreensão de um pensamento.
A expressão adequada de um juízo deveria permitir distinguir estes dois momentos –
o juízo e o pensamento, a força assertiva e o sentido. O mesmo conteúdo
proposicional pode ser comum a uma interrogação ou uma asserção. O juízo tem um
valor de verdade determinado, enquanto uma interrogação não pressupõe nenhum
valor de verdade determinado. São, portanto actos diferentes, mas têm algo em
comum e esse algo é precisamente o pensamento expresso na proposição. Julgar
consiste, segundo Frege, em reconhecer o valor de verdade de um pensamento;
distingue-se, assim, da mera formulação de um pensamento hipotético ou de uma
interrogação.
A crítica husserliana a Brentano afecta também a teoria do juízo de
Frege: para Husserl, o juízo é uma atitude assertiva que acompanha a predicação,
regida por intuições antecipativas ou concomitantes das formas das coisas, e não por
uma avaliação do sentido do enunciado. Rejeita, portanto, a concepção moderna dos
juízos como apreciações de conteúdos proposicionais nominalizados. A postulação de
estruturas mediadoras entre as palavras e as coisas é totalmente supérflua. Na nossa
relação com o mundo, o que nos interessa são as próprias coisas e as suas
propriedades, e não o que sobre elas dizemos.
Em Husserl, o juízo é uma actividade do entendimento que se constitui,
não sobre uma justaposição de representações, mas como uma peculiar “unidade de
consciência”, que liga as representações na consciência de um estado de coisas:
“Efectuar um juízo, e ser consciente de um estado de coisas nesta posição sintética de
algo como referido a algo, são uma e a mesma coisa”68. O acto posicional pressupõe e
exige o acto prévio ou subentendido da unidade da síntese. A dimensão pragmática –
a força assertiva da posição – é inseparável da dimensão semântica – a consciência e a
compreensão da unidade de um “estado de coisas”.

Detenhamo-nos na concepção brentaniana do juízo: ela ilustra bem a


separação entre predicação e posição, acentuando o carácter activo e espontâneo do
acto judicativo.

68
Cfr Logical Investigations, V, § 36.
83

Na esteira de Descartes, Brentano distingue três classes fundamentais de


fenómenos psíquicos: representações (Vorstellungen), juízos (Urteilen) e emoções,
interesse, amor/repulsa (Gemüt). Todos se caracterizam como intencionais, mas
distinguem-se como três modos diferentes de referência da consciência aos seus
objectos, ou três modos da intencionalidade. Para apreender a peculiaridade do acto
judicativo, é necessário distingui-lo da representação.
Juízo e representação constituem dois géneros qualitativos supremos, duas
“classes fundamentais” de fenómenos psíquicos, às quais correspondem dois modos
completamente diferentes de ser consciente de um objecto. Embora todo o juízo
pressuponha uma representação, é radicalmente distinto dela. Estão aqui duas teses
fundamentais que convém explanar:
1.º o princípio segundo o qual todo o fenómeno psíquico (incluindo o juízo) ou
é uma representação ou se funda numa representação
2.º o juízo funda-se numa representação (que é a sua matéria), mas não se
identifica de modo algum com a representação; constitui um outro modo de
relacionar-se com o objecto.
O sentido da 1.ª tese parece óbvio: não pode haver crença, juízo, amor, ódio,
nem qualquer outro acto psíquico sem que o objecto intencional nos seja apresentado,
dado à consciência. Husserl subscreve este princípio brentaniano, explicitando o seu
significado e alcance69.
A segunda tese situa o juízo fora do âmbito da representação; Brentano
enfrenta-se com toda a tradição lógica depois de Aristóteles que atribui a diferença
entre uma representação e um juízo a uma compositio, uma complexidade intrínseca,
característica deste último. A diferença entre os dois fenómenos psíquicos reportar-se-
ia apenas aos respectivos conteúdos. Ora é evidente que a complexidade se pode dar
também na representação sem que se faça um juízo (ex. «a montanha dourada»).
Assinalemos um aspecto importante da dualidade representação e juízo: ela
corresponde a dois pontos de vista segundo os quais se pode estabelecer uma
classificação de juízos, o da matéria e o da forma ou qualidade. Por forma ou
qualidade, entende Brentano o modo como se julga; não é a formulação linguística,
mas diz respeito a esse momento que constitui propriamente o juízo enquanto tal70. A

69
Husserl, Logical Investigations V § 20.
70
Cfr Die Lehre vom richtigen Urteil, p. 103. Segundo Husserl, todo o acto mental apresenta uma
estrutura interna caracterizada pelos três traços: qualidade, matéria e conteúdo intuitivo. Cfr o
artigo de Barry Smith, “Husserl, Language, and the Ontology of the Act”, in Buzetti, D. e
84

forma ou qualidade de juízo é o modo intencional sob o qual se efectua um acto que
tem por objecto algo dado exclusivamente na representação. Não afecta, portanto, o
conteúdo objectivo do acto intencional, que é o mesmo objecto, ora representado, ora
julgado, constituindo, portanto, a mesma matéria num e no outro caso. Isto significa
que, na concepção brentaniana, a matéria é por essência da ordem da representação.

O que é que distingue um acto de pensar num objecto complexo – uma


montanha dourada – do acto de julgar? O que é que se dá no juízo, para além do mero
acto de pensar ou representar-se o objecto? O que é que constitui verdadeiramente a
essência do juízo do ponto de vista lógico?
Dois tipos de juízos exibem de modo indubitável a ausência de qualquer
síntese ou predicação: os juízos de existência (prädikatlos) e os impessoais
(subjektlos). A especificidade da relação intencional do acto judicativo com o seu
conteúdo ou objecto é patente nos juízos téticos, e não sintéticos; estes não só
confirmam a não essencialidade do seu carácter predicativo, como indicam claramente
o traço definitório do acto judicativo: este é fundamentalmente a afirmação/aceitação
como verdadeiro ou a negação/rejeição como falso de um objecto representado. O
juízo define-se fundamentalmente pelo seu carácter posicional, e revela o carácter
espontâneo da acção do sujeito. A dimensão pragmática sobrepõe-se à dimensão
semântica. Esta acentuação do acto de julgar como posição, vai a par e passo com a
revisão da concepção da verdade como adequação: a verdade do juízo será
reconduzida por Brentano à evidência, o único e definitivo critério e medida da
verdade.
Examinaremos algumas das dificuldades das teorias correspondencionalistas
da verdade.

3. Impasses da noção de correspondência

Entre as críticas à noção de correspondência, é de mencionar a que Frege


apresenta em Der Gedanke: nota Frege que a verdade se atribui habitualmente tanto a
imagens como a proposições e pensamentos. Poderá atribuir-se a uma imagem (Bild),
como simples objecto visível ou tangível? E, nesse caso, porque não será também

Ferriani, M. (eds), Speculative Grammar, universal Grammar, and Philosophical Analysis of Language,
Amsterdam: John Benjamins, 1987, pp. 205-227.
85

verdadeira uma pedra ou uma folha? É evidente que só se diria de uma imagem que é
verdadeira se houvesse nela uma intenção (Absicht), a intenção de representar algo.
Mas de uma representação só diríamos que é verdadeira se concordasse com algo, o
que parece pressupor que a verdade consiste numa certa concordância
(Übereinstimmung) entre a imagem e o representado por ela71. No entanto, Frege vê
sérios obstáculos em aceitar uma versão da verdade como concordância assim
entendida. "Se eu não sei – escreve – que uma imagem deveria representar a catedral
de Colónia, tão-pouco sei com que devo comparar a imagem para decidir sobre a sua
verdade. Assim, uma concordância só pode ser perfeita se as coisas concordantes
coincidirem, isto é, quando não são coisas diferentes. (…)"72 Se se definir a verdade
como uma concordância da representação com algo de real, é absolutamente essencial
que o real seja distinto da representação, mas neste caso não haveria concordância
perfeita. Nada seria verdadeiro, e fracassa totalmente a tentativa de explicar a verdade
como uma adequação. E, do mesmo modo fracassa qualquer tentativa de definir o
verdadeiro: numa definição apresentam-se determinadas características e na sua
aplicação a um caso particular voltaria sempre a questionar-se se essas características
lhe pertenceriam. Estaríamos assim continuamente em círculo. O argumento de Frege
esquematiza-se nos seguintes passos: 1. A tentativa de aplicar uma definição de
verdadeiro conduz a um infinito regresso. 2. Uma definição impossível de aplicar é
absurda. Portanto, 3. a verdade é indefinível.
A circularidade do argumento deve-se ao facto de Frege considerar o sentido
de “verdadeiro” como parte constitutiva do acto de pensar (apreender, captar) um
pensamento completo. Por isso, deste impasse para encontrar uma explicação
satisfatória para a verdade como correspondência, ou mesmo qualquer outra tentativa
de a definir, Frege conclui que provavelmente o conteúdo da palavra "verdadeiro" é
completamente peculiar e indefinível73.

Também Brentano encontra sérias dificuldades na teoria tradicional da


verdade como mera adequação. Aponta várias objecções que o levarão paulatinamente
a reconduzir a noção de verdade à de evidência.

71
Cfr "Der Gedanke", Kleine Schriften, p. 343. V. Texto de apoio no final da II Parte.
72
Ibidem, p. 343.
73
Cfr ibidem, p. 344. Cfr Stepanians, M. – “Why Frege thought it to be “probable” that truth is
indefinable?, Manuscrito, v. 26, n. 2, pp. 331-345, 2003, onde se discute o argumento do infinito
regresso invocado por Frege.
86

Dois contra-exemplos mostram a insuficiência do critério da adequação: os


juízos negativos e os universais, aos quais não corresponde qualquer correlato
objectivo do acto judicativo. Estes juízos podem, no entanto, ser evidentes, como é o
caso dos axiomas da geometria ou da aritmética. Mas a sua evidência não reside na
adequação. Pelo contrário, o conhecimento da adequação pressupõe a evidência - esse
é o argumento mais forte que leva Brentano a renunciar ao critério tradicional da
verdade. Qualquer juízo implica um conhecimento prévio tanto do sujeito como do
predicado, o que tornaria inútil o recurso posterior à adequação como critério de
verdade: o conhecimento prévio dessa afinidade exigiria uma adequação anterior à
adequação, o que levaria a um infinito regresso. A garantia da verdade não radica na
adequação, mas na evidência74, que constitui uma dimensão intrínseca e a priori do
juízo, condição de possibilidade do conhecimento a posteriori exigido pela
adequação. Esta exclui, portanto, a evidência, e a verdade só é compatível com uma
destas dimensões. Brentano opta definitivamente pela evidência como critério e
garantia da verdade de todos os juízos.
Entende-se bem a recusa da noção de correspondência como o reverso da
rejeição do não-real, e da clarificação da tese da intencionalidade: na sua primeira
formulação, (1.ª Edição da Psicologia) esta pressupunha uma in-existência ou
presença intencional do objecto da representação, acentuando o carácter relacional da
consciência, e atribuindo supostamente, uma certa consistência aos seus objectos,
enquanto «seres de razão», objectos fictícios ou mesmo impossíveis; deste modo,
reforçava a concepção da verdade como correspondência – uma relação da
consciência a «algo» (etwas). Brentano concederia, deste modo, um estatuto
ontológico à esfera do não-real, do ser pensado, desejado, julgado, etc. Mas, na 2.ª
Edição da Psychologie vom empirischen Standpunkt, Brentano afasta-se desta
primeira versão da sua tese da intencionalidade, negando qualquer estatuto ontológico
ao não-real, circunscrevendo a esfera do real aos seres individuais e concretos, à
facticidade. Em carta a Marty (2 de Setembro de 1906)75, Brentano apresenta várias
razões para a «rejeição do não-real», sobretudo a de evitar os absurdos
«monstruosos» a que conduz esta concepção da in-existência de objectos intencionais,

74
Cfr Wahrheit und Evidenz, p. 137 e ss. Cfr Die Lehre vom richtigen Urteil, §42, p. 192.
75
A carta a Marty está publicada em Wahrheit und Evidenz e Die Abkehr vom Nichtrealen; oe em
Apêndice à edição de 1911 de Psychologie vom empirischen Standpunkt.
87

que tem o seu expoente máximo na Gegenstand Theorie de Meinong, designada por
Ryle como a “selva meinongiana da subsistência”76.
A revisão da noção de in-existência intencional e a recondução do juízo ao
sujeito que julga, têm repercussões óbvias na teoria da verdade: não cabe, nesta nova
perspectiva recorrer à correspondência, relação entre o juízo e a realidade como
critério de verdade. A verdade releva do critério de evidência, e isso significa que o
locus da verdade se desloca da relação do conteúdo judicativo com a sua referência ou
objecto intencional, para o interior do próprio acto de julgar.

A teoria de Austin minimiza as dificuldades da noção de correspondência, e


contorna tanto a metafísica atomista como a linguagem ideal; a relação de
correspondência não se traduz num isomorfismo estrutural entre proposição e facto,
mas sim entre as palavras e o mundo, através de relações puramente convencionais.
Quando é que um enunciado é verdadeiro? pergunta Austin77 Instintivamente a
resposta é. "Quando corresponde aos factos". Certamente a resposta não está errada.
"A teoria da verdade é uma série de truismos". E, no entanto, pode ser, pelo menos,
equívoca. Para que se dê comunicação, observa Austin, deve haver algo mais do que
meras "palavras" e "mundo". Outras condições têm que ser satisfeitas. Austin propõe
dois tipos de convenções para que se realize efectivamente a comunicação:
1) convenções descritivas que correlacionam as palavras com os tipos de
situação, coisa, evento, etc.;
2) convenções demonstrativas que correlacionam as palavras com situações
específicas.
"Um enunciado diz-se verdadeiro quando o estado de coisas histórico com o
qual se correlaciona pelas convenções demonstrativas é de um tipo com o qual a frase
usada no enunciado está correlacionada pelas convenções descritivas"78. É importante
notar que a correlação entre as palavras (frases) e o tipo de situações, é absoluta e
puramente convencional. Somos totalmente livres para empregar qualquer símbolo
para descrever qualquer tipo de situação; a correlação não depende de modo algum de
um isomorfismo entre palavras e mundo.

76
Cfr Collected Papers I, Londres, 1971, p. 234.
77
"Truth",Proceedings of the Aristotelian Society, Supplement 24, p. 115.
78
Ibidem, p. 116.
88

Uma aproximação entre Brentano e Austin é proposta por Benoist79: a partir


do texto “Über den Begriff der Wahrheit” (1889), mostra como a teoria de Brentano
radica num profundo sentido do «real», embora se afaste decididamente da noção
verdade-correspondência. O aristotelismo renovado de Brentano leva-o, como em
Austin, a uma curiosa conciliação entre um forte sentido do realismo e uma rejeição
do paradigma da imagem ou semelhança. O que Benoist vê de comum nos dois
autores é a mesma vontade de dissipar o fantasma de uma idéia de «real» que não
passa de uma imagem da verdade.
No entanto, em Brentano a ideia de verdade regular-se-á cada vez mais pela de
evidência, e esta última não se encontra em nenhum juízo que não tenha por objecto
directo o próprio acto de julgar. O que tornará problemática a sua referida atitude
«realista», inspirada no aristotelismo, e o comprometerá mesmo com um quase
solipsismo. O critério último de verdade reside no juízo auto-evidente que o sujeito
faz sobre o seu próprio acto judicativo. No itinerário que vai da verdade è evidência,
tem particular interesse a análise brentaniana dos juízos de existência, porque ela nos
permite captar o nexo peculiar entre existência e reflexão.
Como dissémos o juízo existencial é o exemplo apresentado por Brentano de
juízo sem predicado (prädikatloss) para provar que a tradicional teoria que vê nos
juízos uma composição entre sujeito e predicado não abarca a totalidade dos juízos.
“Existe”, “não existe”, não são portanto notas do juízo: “uma única é a nota que
representamos e que pode ser reconhecida ou negada”, afirma Brentano para notar que
se trata de um juízo tético e não sintético.
Ora bem, se a existência não é uma nota do juízo, e o elemento “existe” carece
mesmo de qualquer significado, o que entende Brentano por existência? Os conceitos
de existência e verdade, não existência e falsidade, estão intimamente ligados aos
juízos afirmativos e negativos. Um juízo da forma “A existe” é correcto ou verdadeiro
se A existe, falso se não existe. Veja-se o seguinte texto de Brentano que exprime a
conexão entre existência e afirmação, não existência e negação:
“Os conceitos de existência e não existência são correlativos dos conceitos de
verdade dos juízos afirmativos e dos negativos. (...) A correcção do juízo afirmativo
está correlacionado com a existência daquilo que é afirmado, e a do juízo negativo
com a não existência do que é negado. Pode dizer-se que um juízo afirmativo é
verdadeiro ou que o seu objecto existe; nos dois casos está a dizer-se precisamente a

79
“Brentano et la théorie réaliste de la vérité”, Phainomenon, 2004.
89

mesma coisa. Do mesmo modo, dizer que um juízo negativo é verdadeiro é o mesmo
que dizer que o seu objecto não existe”80.
Não sendo predicado, o elemento “existe” (“não existe”) exprime apenas a
atitude mental de aceitação ou rejeição em relação ao que é apresentado no juízo. Em
“A existe”, não é o juízo como um todo que está numa relação de correspondência
com a realidade de “A”, mas este termo é apenas o seu constituinte representativo.
Sobre esta representação dada recai a atitude de aceitação/ afirmação de existência, ou
rejeição/negação de existência.
A teoria de Brentano sobre os juízos de existência filia-se na tradicional
revisão da peculiaridade do predicado “existe”, que remonta a Hume, Kant e se
prolonga na filosofia analítica contemporânea. Propomos uma breve revisão dos
passos principais da análise lógico-linguística do predicado de existência, para situar
nesse contexto o pensamento de Brentano.

4. Juízos de existência. A semântica da existência81

A noção de existência parece óbvia e familiar, mas ao mesmo tempo provoca


uma série de problemas. Na tradição filosófica, poderíamos traçar todo o percurso do
modo como o simples predicado “existe” foi alvo de múltiplas interpretações,
implícita ou explicitamente. Desde Platão e Aristóteles, a teoria da predicação
encontrou os diferentes sentidos do emprego da cópula no juízo – mera predicação,
identidade e existência. Frege e Russell denunciam a ambiguidade do verbo ser pela
sua multiplicidade de sentidos, pondo em causa toda a metafísica e ontologia
tradicionais, pela falta de discernimento desta polissemia que afecta o próprio
significado do verbo “ser”.
A filosofia analítica contemporânea herdou de Hume e Kant a convicção de
que “existe” não é um predicado, nem a existência uma propriedade. Hume defendera
no Tratado sobre a Natureza Humana que a idéia de existência, atribuída à idéia de
qualquer objecto percepcionado, não acrescenta nada a esta última, porque qualquer
coisa por nós pensada é pensada como existente. Brentano retoma a tese de Hume

80
Wahrheit und Evidenz, p. ... Cfr Malister, L. – “Brentano’s Epistemology”, The Cambridge
Companion tp Brentano, p. 161-162.
81
Não nos propomos expor aqui toda a problemática lógica, linguística e ontológica dos juízos de
existência. Mas parece oportuno fazer uma referência sintética às análises do predicado ‘existe’,
enquadrada no contexto desta III parte do Programa.
90

para a sua teoria sobre os juízos existenciais, que não consistem na ligação ou síntese
de conceitos ou representações. A proposição “A existe” não exprime a relação de
dois conceitos, mas simplesmente um facto no qual se crê.
Kant, como é bem sabido, reafirmará de modo muito mais retundante a tese de
Hume. Na célebre passagem da Crítica, mantém que “Ser não é evidentemente um
predicado real, quer dizer, um conceito de algo que se possa acrescentar ao conceito
de uma coisa. É simplesmente a posição de uma coisa, ou de certas determinações em
si mesmas”82.
A tese kantiana é recebida pela analítica contemporânea: é nítida a semelhança
com a terminologia e o tratamento de Frege, para quem a existência é um predicado
de segundo nível, que não pode atribuir-se a objectos, mas só via conceito83. Como
entende Frege uma afirmação de existência? Afirmar a existência não é senão a
negação do número zero, ou da vacuidade de um conceito. Isto significa que a
existência é uma propriedade de um conceito (e não de um objecto), uma propriedade
de segundo nível. O predicado ‘existe’ deve ser atribuído a um predicado de primeiro
nível: “L. Sache existe” traduz-se, segundo Frege como “Há pelo menos uma coisa
que é idêntica a L. Sache” (simbolicamente (_ x) (x = L. Sache)). O exemplo mais
ilustrativo de predicado de segundo nível – uma expressão incompleta, cujo lugar
vazio deve ser preenchido com um predicado de primeiro nível – é o dos
quantificadores. O existencial não pode aplicar-se directamente a um termo singular,
mas a um predicado de primeiro nível.

A teoria fregeana da existência como predicado de segundo nível recebeu uma


enorme atenção na analítica contemporânea: a grande vantagem da concepção de
Frege é a de evitar os problemas que levantam as proposições existenciais e as de
negação de existência. Como adverte Ayer, se ‘existe’ fosse um predicado e a
existência uma propriedade, todas as proposições existenciais seriam tautologias e as
existenciais negativas contradições. Com efeito, se ‘existe’ for um predicado, também
‘não existe’ será um predicado, com a paradoxal consequência de que teríamos que
predicar de algo a sua ‘não-existência’. Mas dizer que “os dragões não existem” só
tem sentido se os dragões existirem: o predicado ‘não existe’ só pode ser predicado
daquilo que ‘existe’.

82
Cfr. B 626-627
83
Para um exame mais desenvolvido deste confronto, leia-se o meu artigo “A noção da
Existência em Frege”, Análise n. 7. E Conceito e Sentido em Frege, pp. 252-257.
91

A validade dos paradoxos das proposições existenciais se se considera a


existência como um predicado de primeiro nível foi objecto de discussão e de
propostas de solução: reconhecendo a peculiaridade do predicado ‘existe’, alguns
autores eliminam as objecções lógicas à consideração da existência como um
predicado (Pears84, Hintikka85), ou propõe admitir um sentido segundo o qual a
existência pode ser predicada de indivíduos (Geach86, Williams87).
A tese da existência como predicado de segundo nível está na raiz da teoria
das descrições definidas de Russell e na eliminação dos termos singulares por Quine.
O resultado final da reconstrução de Quine das proposições existenciais (“Sócrates
existe” traduz-se por “A propriedade de socratinizar encontra-se instanciada pelo
menos num caso”), é uma linguagem que, além dos quantificadores, emprega apenas
termos predicativos, gerais.
O que escapa nesta linguagem é um outro sentido de existência, que o próprio
Frege reconhece: o de actualidade (Wirklichkheit), a existência real no espaço e no
tempo, que se predica dos objectos. Este sentido da existência, que Frege distingue
claramente da existência como Es gibt, corresponde precisamente aos problemas de
que se ocupou tradicionalmente a ontologia filosófica. Recuperá-lo ao nível lógico e
linguístico constitui uma tarefa imprescindível para a elaboração cabal de uma
semântica da existência.

Merece destaque, nesta breve panorâmica da análise lógico-linguística do


predicado ‘existe’, a tese de Brentano sobre os juízos de existência, acima referida. A
convicção de que ‘existe’ não é um predicado é um pilar sobre o qual Brentano
assenta a sua crítica ao carácter predicativo do juízo para o apresentar como posição
(juízo afirmativo) ou rejeição de existência (juízo negativo). Todas as formas do juízo
assumem, assim, a forma de um juízo existencial.
A derivação do conceito de existência da reflexão sobre a experiência interna
tem como consequência a sua inexpressabilidade e a negação reiterada de que possa
ser considerada como qualquer forma de predicado. A semântica da existência em
Brentano é puramente negativa, na medida em que, de facto, não é possível significar
ou dizer «existência»; recorrendo à conhecida expressão de Wittgenstein, ela mostra-
se precisamente no simples acto reflexivo sobre a afirmação.

84
Cfr “Is Existence a Predicate?”, Philosophical Logic (ed. Strawson), Oxford, 1977, pp. 97-102.
85
Models for Modalities, 1969.
86
“What Actually Exists””, Proceedings of the Aristotelian Society, suppl. Vol. 42 (1968), pp. 7-16.
92

O aspecto mais original da teoria do juízo de Brentano é a tese da


redutibilidade (Rückführbarkeit) de todos os juízos categóricos, hipotéticos e
disjuntivos a juízos existenciais88, tese que não é senão a consequência imediata da
sua concepção segundo a qual o traço essencial do juízo não é a composição ou união
entre conceitos, mas consiste fundamentalmente numa afirmação (aceitação como
verdadeiro) ou negação (rejeição como falso). Qualquer proposição categórica pode
traduzir-se, sem a menor alteração de sentido numa proposição existencial89, na qual o
"é" e o "não é" tomam o lugar da cópula e carecem de qualquer significado (gänzlich
bedeutungslos). A existência não é tão-pouco nenhuma nota essencial nem um
predicado traduzido pelo "é" do juízo existencial. A palavra "ser" é um termo
meramente cosignificativo (mitbezeichnend) e não tem de facto qualquer valor
predicativo.
Como afirmámos, Brentano reporta-se a Hume e a Kant na sua rejeição
da existência como predicado real. A sua posição, mais radical ainda do que a de
Kant, está orientada pela rejeição de qualquer forma de composição, predicação ou
ligação entre conceitos no juízo existencial. Por isso retira à existência qualquer
expressão e até qualquer forma de concepção. Poderá perguntar-se: o que entende
Brentano por existência? Segundo Heidegger, “o conceito de existência alcança-se
através da reflexão sobre o juízo, e é esta a razão pela qual Brentano considera
impossível que a existência seja um predicado”90.
A protoforma de todo o acto judicativo – como posição – dá-se precisamente
no juízo que acompanha a percepção interna. Esta é propriamente um juízo, envolve
uma afirmação perceptiva imediata (mesmo se errónea) que constitui a forma mais
genuína e originária do acto de julgar. Seria um equívoco interpretar esta apreensão
imediata como a atribuição de “existência” ao acto psíquico; "existe" não é o
predicado deste juízo, como se resultasse da constatação experiencial do dar-se desse

87
What is Existence?, Oxford, Clarendon Press, 1981.
88
Leibniz tinha já mostrado a possibilidade de converter todas as proposições categóricas em
proposições existenciais, de um modo semelhante a Brentano. Cfr o texto Generales inquisitiones de
analysi notionum et veritatum sect. 1132, de 1686, citado em McAlister, The Philosophy of Brentano, p.
21.
89
Cfr Psychology, pp. 213-215 e na p. 295, o Apêndice "On Genuine and Fictious Objects",
redigido para a edição de 1911. (Cito pela tradução inglesa de Rancurello, Terrell e McAlister)
Brentano propõe aqui uma reconversão das quatro formas categóricas tradicionalmente
classificadas em A, E, I, O, em proposições existenciais. Neste esboço da "nova lógica" de
Brentano, nenhum juízo afirmativo é universal, e nenhum juízo negativo é particular. Todos os
universais são negativos e todos os particulares afirmativos.
93

mesmo fenómeno. Donde derivamos o conceito de existência? Segundo Brentano, não


se trata de uma ideia inata, um a priori, mas de um juízo de experiência: “(...) a
existência é derivada da experiência, mas da experiência interna, e adquirimo-la só
por referência ao juízo”91. Comenta Heidegger: “O conceito em causa (a existência)
não significa senão a relação de um objecto com um juízo possível, que o aceita”92. A
existência deriva-se da reflexão sobre o juízo afirmativo. Pode dizer-se que um juízo
afirmativo é verdadeiro ou que o seu objecto existe; dizer que um juízo negativo é
verdadeiro ou que o seu objecto não existe. Nos dois casos diz-se precisamente a
mesma coisa93.
Brentano encontra a primeira sugestão da perspectiva correcta sobre a
existência em Aristóteles, e cita a passagem da Metafísica que se refere ao
conhecimento dos objectos simples com o termo percepção, recorrendo á metáfora do
tacto (thigein), para distinguir este modo de apreensão directa e imediata, de outros
modos de conhecimento nos quais se dá uma união ou separação94. Nesta dimensão
antepredicativa e pré-proposicional, vê Brentano um gérmen da verdadeira
compreensão do juízo de existência.
O seu itinerário irá levá-lo muito longe de Aristóteles: tomando a evidência
como critério e medida da verdade de um juízo, Brentano adopta como modelo o juízo
da percepção interna, no qual se dá uma total identidade entre o sujeito que julga o seu
próprio acto de julgar. Nenhum juízo de existência – nenhum juízo da percepção
externa – poderá ser evidente. Entre o juízo de existência e o juízo evidente medeia
uma distância insuperável, embora o primeiro represente o arquétipo formal de todo o
juízo, e o segundo o foco regulador pelo qual se deverão reger todos os juízos com
pretensão de verdade.
Em última análise, nenhuma existência propriamente dita me é dada como
evidente, a não ser a da própria existência do eu, dada na reflexão da consciência
sobre si. Evidência-existência só poderão conciliar-se na autoposição do sujeito, o
verdadeiro e único arquétipo de qualquer conhecimento.

5. A Sprachkritik de Brentano: as ficções da linguagem

90
Die Lehre vom Urteil im Psychologismus, p. 120
91
Psychology, p. 210.
92
Heidegger ob.cit., p. 120.
93
Cfr Vom Ursprung sittlichen Erkenntnis, p. 60-61.
94
Cfr Psychology p. 212, nota. Brentano cita Metafísica Θ, 10, 1051b 17.
94

A correspondência entre linguagem e pensamento permite o exame do juízo


pela via da crítica linguística e da análise gramatical, via que Brentano percorre
antecipando algumas das principais posições da actual Filosofia Analítica95. A sua
Sprachkritik adopta a atitude de suspeita em relação à linguagem corrente e à sua
"mitologia", atitude que encontraremos nos principais representantes da Filosofia
Analítica, como Frege e Wittgenstein. Segundo Brentano, a linguagem não é um
produto mecânico do pensamento, nem se dá entre ambos um estrito paralelismo96: a
perspectiva comum adopta os pressupostos de uma teoria representativa da
significação, na qual as ideias, pensamentos ou símbolos correspondem exactamente a
elementos do mundo, como imagens, modelos, ou mesmo mapas da realidade. A
crítica de Brentano a esta concepção enganadora da teoria da significação é
particularmente relevante no que diz respeito à teoria do juízo: a rejeição do modelo
linguístico em termos de sujeito-predicado como forma básica da expressão do juízo,
radica na concepção dos juízos existenciais, proposições sem sujeito, que consistem
apenas na aceitação/rejeição.
A análise semântica dos nomes, assente na distinção entre termos
categoremáticos e sincategoremáticos, detecta as "ficcções" da linguagem97: termos
que nada significam em si mesmos, e que pressupõem um contexto de fala no qual
adquirem sentido. A convicção de que cada elemento do discurso deve referir algo,
algum elemento do mundo, está enraizada na concepção representativa da linguagem
como imagem, modelo ou mapa do mundo real. Além dos artigos, proposições,
conjunções, advérbios, do "é" e "não é", todos os substantivos e adjectivos que
correspondem a conceitos indeterminados ou gerais são sincategoremáticos, são
meramente cosignificativos (mitbedeutend). A partir destas objectivações a linguagem
opera com ficções que não são mais do que "formas linguísticas abreviadas"
(abgekürzte Sprachform). O binómio abstracto/concreto depende simplesmente da
diferente intencionalidade dos nossos actos cognoscitivos: o nível abstracto
corresponde à representação, o concreto dá-se no julgar, um acto que realiza sempre
uma concrescência, convocando para o real – sempre individual e concreto – as
ficções do nosso modo de representar. O juízo concretiza-se materialmente em
palavras, mas a sua realização exige a intervenção da prática da linguagem, do uso

95
Cfr Mayer-Hillebrand, F., Die Lehre vom richtigen Urteil, pp. VI-VII.
96
Cfr Die Lehre vom richtigen Urteil, §§ 12-14.
97
Cfr ibidem, §§ 16-17.
95

dos termos pelo sujeito-que-julga. E o uso não permite uma identificação total,
interna, entre linguagem e pensamento, pois não se dá um ordenamento simétrico
entre o pensar e os signos: estes são uma cópia imperfeita e inexacta do pensamento,
não uma réplica em perfeito paralelismo ou associação mecânica. A dimensão prática
revela-se precisamente na expressão do juízo, que não se limita a significar algo
(como o nome), mas determina o real, indica (zeigt). A dimensão pragmática do juízo
constitui propriamente a asserção, um acto de fala, (expressão que será empregue e
explorada mais tarde por Austin, embora não pareça ter tido conhecimento das teses
de Brentano); todas as proposições declarativas têm, nesta perspectiva, um carácter
pragmático, que os signos linguísticos não podem senão mostrar, exprimir. O juízo
como posição excede a própria materialidade e factualidade da linguagem, exibindo o
carácter intensional.

A Sprachkritik de Brentano permite-lhe elucidar nomeadamente a noção do


juízo e da verdade, mostrando que os factores meramente representativos não bastam
para as compreender: a concepção da linguagem-espelho dá uma imagem deformada
do acto de julgar e da sua relação com a verdade. Um juízo não é uma refiguração de
um estado-de-coisas, nem a sua expressão uma mera imagem de uma representação
complexa. É importante corrigir essa perspectiva quase mitológica da linguagem
como réplica da realidade e reflexo do pensamento98. A importância e necessidade
desta crítica da linguagem são imprescindíveis para evitar equívocos sérios no modo
de entender o nosso próprio aparato conceptual.
É precisamente por ter em conta o uso da linguagem, que Brentano considera
impossível estabelecer um paralelismo ou uma associação mecânica entre o pensar e o
falar: a linguagem não é uma cópia exacta e perfeita do pensamento, e para aceder a
este último é imprescindível ter em conta a dimensão intencional da actividade
significativa, que ultrapassa o modelo representativo dos signos como imagens das
coisas reais. Isto é bem patente ao nível judicativo: sendo o juízo o lugar da verdade,
não se deixa captar perfeitamente na sua expressão linguística, como uma ligação ou
união de palavras. Basta pensar que uma simples expressão linguística não é uma
asserção, pois esta releva de uma dimensão prática, de um acto do sujeito que fala, de
uma intencionalidade peculiar. Os elementos da proposição que traduzem esta
dimensão são precisamente as partículas cosignificativas “é” e “não é”, indicadores do

98
Cfr Srzednicki, J. - "Some elements of Brentano's Analysis of Language and their
Ramifications", p. 444
96

carácter assertivo do juízo, como posição de um todo que é dado pela representação.
No caso de uma afirmação, o juízo será sempre particular, a posição de algo de real,
portanto de carácter singular; no caso de uma negação, será sempre universal, porque
se trata de rejeitar todos os casos de uma pretensa realidade.
A incidência no carácter pragmático do juízo como um acto de posição, faz
ver as afinidades da análise linguística de Brentano com algumas das teses da
pragmática contemporânea. Nomeadamente, são nítidas as proximidades com Austin,
que considera a asserção, tal como a descrição ou a informação, como actos de fala99.
Os dois princípios fundamentais da pragmática encontram-se já pressupostos
na Sprachkritik brentaniana:
1. O significado não reside apenas na relação dos signos com os
seus referentes (dimensão semântica), mas há que ter em conta o contexto linguístico
e extra-linguístico: situacional e sócio-cultural.
2. O significado depende fundamentalmente da intenção e do acto
do locutor, portanto a própria linguagem deve ser considerada como uma actividade
humana, segundo regras.

Embora Brentano não tenha desenvolvido esta nova maneira de tratar a


linguagem, e possivelmente nem sequer se tenha dado conta das potencialidades nela
contidas, não há dúvida que a sua “psicologia descritiva” pressupõe uma crítica da
linguagem que faça ver com nitidez as duas funções fundamentais, a da linguagem
como instrumento de comunicação e como veículo do pensamento. A convicção de
que os processos linguísticos só se compreendem como actividades tendo em conta o
seu carácter intencional, reconduz a teoria do significado à realidade concreta do
sujeito locutor nas diversas situações da prática linguística.
A ideia fundamental que preside à novas abordagens pragmáticas da
linguagem, é a de que esta se integra no âmbito da acção humana e, como tal releva
da noção de intencionalidade. O processo de significação implica o exercício de um
certo tipo de acções racionais, nas quais o locutor detém um certo controle racional
sobre o significado das suas palavras. A noção de intencionalidade linguística é
fundamental para formular uma teoria do significado: a intenção do locutor situa-se
no tempo, ligada a uma determinada ocasião de emprego dos signos, enquanto o
significado linguístico é atemporal. A transição entre a intencionalidade do locutor e o
significado linguístico efectua-se através do recurso à convenção. Intenção e
97

convenção deram origem a dois modelos de semântica que ora acentuam uma ora
outra destas noções. A distinção entre as teorias formais e as teoria do uso em relação
ao significado são uma réplica destes dois modelos de semântica100.
Interessar-nos-á sobretudo ver como estas duas dimensões – semântica e
pragmática – se entrelaçam para constituir uma teoria do significado: segundo a
concepção da linguagem de Austin, o processo de significação implica um elemento
proposicional, presente na representação de algum acontecimento que pode dar-se ou
não, e um elemento pragmático, porque representar é fazer algo. Como dissemos já, a
concepção de linguagem de Brentano, sobretudo a reformulação da teoria do juízo
acentuando o seu carácter posicional apresenta nítidas afinidades com a pragmática
contemporânea. É da noção de actos de fala, introduzida por Austin e desenvolvida
por Searle, que trataremos a seguir.

6. Dimensão Pragmática da Linguagem: os actos de fala

O carácter representativo da linguagem impôs-se e dominou a atenção dos


filósofos que se dedicaram aos problemas semânticos: a estrutura da linguagem, em
virtude do seu isomorfismo com a realidade e com o pensamento, representa a
primeira e revela o segundo. Compreender uma proposição significa captar algo que
se dá na realidade, aperceber-se de um facto, e ao mesmo tempo, apreender o
pensamento que nela se exprime. Os signos apresentam-se, assim, como mediadores
entre a mente e a realidade, pela sua dupla relação com o sentido e a intenção de quem
os emprega, e com a referência ou o visado pelo próprio signo. Esta última direcção

99
Cfr Austin, Philosophical Papers, p. 236.
100
Davidson e Dummett propuseram recentemente teorias formais do significado; Austin, e
Searle, na esteira do segundo Wittgenstein apresentam teorias do significado que apontam para a
ideia do uso, sem deixar de integrar também o elemento formal, representativo, que é
imprescindível para que se dê comunicação; o programa de Grice combina elementos de ums
semântica formal, «mentalista» assente no significado das expressões, com elementos
pragmáticos, centrando-se no «significado ocasional do locutor. Continuadores mais recentes da
designada «filosofia da linguagem corrente» são por exemplo Gareth Evans e Christopher
Peacoke. A contribuição destes autores foi a de terem reformulado os principais problemas da
filosofia da linguagem no contexto mais amplo da acção humana e do comportamento. “Em vez
de ver as relações entre as palavras e o mundo como algo existente in vacuo, vemo-las agora como
implicando acções intencionais dos locutores” (Searle, J. – The Philosophy of Language, Introdução,
Oxford University Press, 1971, p. 7).
Cfr Avramides, A. – “Intention and Convention”, in Hale, B. e Wright, C. – A Companion to the
Philosophy of Lanuage, pp. 60-86 e García-Carpintero, M. – Las palabras, las ideas y las cosas. Una
presentación de la filosofia del lenguaje, pp. cap. XIII e XIV.
98

do signo para o significado, a relação propriamente semântica, é que constitui a


representatividade da linguagem, espelho ou imagem do real. A sua função principal
seria essencialmente a de descrever, reproduzir os factos tal como estes se dão. A
obsessão com a representação do mundo fez com que se relegasse para segundo plano
o carácter essencialmente pragmático da linguagem, e se considerasse o processo da
significação exclusivamente numa dimensão cognitiva sem ter em conta que este se
integra no contexto da acção racional.
Austin enfatiza a irredutibilidade do elemento prático, que se exprime na
força, a elementos proposicionais, em continuidade com o acento wittgensteiniano no
carácter normativo da linguagem. No início do seu How to do Things with Words, que
a frase não tem apenas a função de “descrever” um estado de coisas, ou de afirmar
algum facto, podendo ser sempre verdadeira ou falsa. Além de asserções, realizamos
toda a espécie de actos de fala, e há muitos outros modos de estes falharem, para lá de
poderem ser falsos. A observação de Austin vem na esteira do pensamento de
Wittgenstein, que considerou a linguagem como veículo de toda a rede de actividades
sociais, mais do que como um sistema de representação. “Não perguntes pelo sentido,
pergunta pelo uso”, advertiu Wittgenstein. Foi Austin o primeiro a propor a primeira
explicação sistemática do uso da linguagem, sem identificar as duas noções – sentido
e uso –, mas distinguindo cuidadosamente o sentido (e a referência) das palavras, dos
actos de fala realizados pelo locutor no seu emprego. Os performativos – como
denominar, advertir, avisar, prometer – não são verdadeiros nem falsos, como os
constatativos. No entanto esta distinção entre o performativo e o constatativo é
insuficiente, ou, para empregar os próprios termos de Austin, é infeliz (infelicitous),
por várias razões: em primeiro lugar, porque a mesma frase, usada em ocasiões
diferentes pode ser performativa ou constatativa e não há nenhum critério da
gramática ou do vocabulário no qual se baseie a distinção; em segundo lugar porque
os performativos muitas vezes contêm também um elemento proposicional, ou seja
representam uma determinada situação do mundo; por exemplo quando o júri num
tribunal pronuncia o seu «Culpado!» Representa o mundo contendo a culpabilidade do
acusado; em terceiro lugar porque afirmar algo é também fazer algo, uma asserção.
Será portanto mais plausível distinguir dois aspectos semânticos diferentes, que estão
presentes em todas as elocuções linguísticas: um é o elemento proposicional, que se
pode especificar em termos de condições de correspondência, o outro é o elemento
pragmático, que se pode traduzir em condições de realização conseguida (felicity , é o
99

termo de Austin)101. São dois aspectos que integram o acto de fala, o “acto linguístico
total, na situação linguística total”, que para Austin é o “único fenómeno real” que
pretende elucidar”102.
Os actos de fala, seja qual for o medium através do qual se realizam,
são acções intrinsecamente intencionais, pressupõem um conjunto de intenções
intimamente entrelaçadas, que excedem a mera acção de emitir certos sons. Austin
distingue três níveis de acção: o de dizer algo, o que se faz ao dizer, e o que se faz por
dizer, designando-os por acto “locucionário”, “ilocucionário” e “perlocucionário”103.
Austin restringe a noção de significado ao sentido e referência da frase, localizando a
força de um acto ilocucionário no uso convencional104 de uma expressão, que
determina assim o tipo de acto efectuado pelo locutor. Realizar um acto de fala
consiste numa certa intenção comunicativa ao usar certas palavras, e esse acto será
bem sucedido, a intenção preenchida, se for reconhecido pela audiência. Austin, no
entanto, não considera a intenção, mas sim a convenção, como um factor determinante
para a realização bem sucedida de um acto ilocucionário; Searle propõe-se explicar as
forças ilocucionárias através de “regras constitutivas” para o uso de recursos
indicadores da força, como verbos performativos. O problema das teorias
“convencionalistas”, como aponta Strawson, é que o próprio acto ilocucionário pode
realizar-se sem recorrer aos meios linguísticos estipulados pelas regras constitutivas.
Há casos em que o acto ilocucionário requer a existência de certas convenções sociais
– por exemplo, “Tomo-te como esposa” ou “Chequemate!” – mas há outros casos em
que tais regras não são requeridas – por exemplo, “O gelo aí está fino!”, pronunciado
com a força de um aviso105, não exige convenções extra-linguísticas, mas sim a força
do próprio significado.

101
Cfr García-Carpintero, M. – Las palabras, las ideas y las cosas, p. 483.
102
How to do things with words, p….
103
Cfr Austin, How to do things with words, p. 155.
104
Ao discutir a distinção entre o acto ilocucionário e o perlocucionário, Austin afirma que o primeiro
pode considerar-se convencional, o segundo não. Note-se que ao referir-se a convenções, Austin
tem em mente convenções extra-linguísticas, sociais. Mas não parece ser essencial para a
realização deactos de significação, que estes envolvam convenções extra-linguísticas. Para uma
discussão do elemento intencional e convencional, cfr Avramides, A. – “Inention and
Convention”, in A Companion to the Philosophy of Language, pp. 60-86. Sfr também Strawson, Logico-
Linguistic Papers, p. 165. Uma alternativa é a proposta por Grce, com a introdução dos significados
não literais, que permite autnomizar a semântica em relação à pragmática, tendo em conta certos
elementos pragmáticos não redutíveis aos significados convencionais.
105
Cfr Strawson – Logico-linguistic papers, p. 165.
100

Exemplos das principais categorias de actos ilocucionários comunicativos, são


as afirmações, pedidos, promessas e desculpas. Combinando as taxonomias de Austin
e Searle, as quatro grandes categorias do ilocucionário, são: “constatativos”,
“directivos”, “comissivos”, e ... (aknowledgments)...
Constativos – afirmar, anunciar, responder, atribuir, classificar,
confirmar, conjecturar, negar, discordar, disputar, informar, predizer, etc.
Directivos – aconselhar, advertir, pedir, suplicar, proibir, ordenar,
permitir, requisitar, sugerir, avisar.
Comissivos – concordar, garantir, convidar, oferecer, prometer.
Expressivos – pedir desculpa, felicitar, agradecer, aceitar.
A correlação entre o tipo de acto ilocucionário e a atitude expressa,
mostra bem o hiato entre o convencional e o intencional. Em muitos casos – como
responder, discutir, concordar – o acto e a atitude expressa pressupõem uma
circunstância social ou uma situação específica de conversação.
Para explicar como se dão os diferentes actos que se distinguem pelo
tipo de atitudes expressas, não é necessário evocar a noção de convenção. O acto pode
ser bem sucedido se o ouvinte reconhecer a atitude expressa, como uma crença, no
caso de uma afirmação ou um desejo no caso de um pedido. Não se requer qualquer
outro efeito no ouvinte, para que o performativo seja uma afirmação ou um pedido,
portanto o emprego de uma frase pode ser bem sucedido como um acto de
comunicação, apesar de não se dar no locutor a atitude que está a exprimir: comunicar
é simplesmente exprimir uma atitude, possuí-la de facto é uma questão de sinceridade.
Mas o ouvinte pode perfeitamente compreender o emprego de uma frase sem ter em
conta a sua sinceridade. A fronteira marca precisamente a diferença entre um acto
ilocucionário – exprimir, segundo as regras convencionais, uma atitude de crença, ou
de desejo – e o perlocucionário – conseguir que o outro acredite que quem pronuncia
a frase possui de facto a atitude que está a exprimir. E esta diferença mostra bem o
hiato entre o intencional e o convencional, a possibilidade de comunicar, seguindo as
regras do uso, apesar de o que se comunica não corresponder à intenção do próprio
locutor. O bom êxito de um acto de comunicação (que Austin designava de
felicity/infelicity) não recobre o preenchimento da intenção; mais, pode mesmo dar-se
um total desfazamento entre a eficácia da comunicação e a atitude do locutor que a
emite.
Este outro aspecto da distinção austiniana é também discutido por
Strawson: de que modo se pode pensar nos actos ilocucionários como produzindo
101

algum efeito? Os perlocucionários envolvem precisamente o efeito produzido na


audiência. Mas isto é diferente do modo como o efeito está implicado no acto
ilocucionário; se esse efeito não for conseguido o acto ilocucionário não se realizará.
Ou melhor, proferir uma frase com uma certa força ilocucionária não significa por si
mesmo realizar um certo acto ilocucionario, que requer um efeito na audiência. A
questão que se levanta é saber até que ponto o acto ilocucionário depende só da
intenção do locutor, ou também da compreensão e do efeito produzido no
interlocutor106.

A teoria dos actos de fala torna-se particularmente relevante, para a filosofia


da linguagem, pelo facto de patentear a distinção entre o uso da linguagem e o
significado linguístico, que dá origem às questões sobre a natureza do conhecimento
linguístico, separando e isolando os problemas sobre as capacidades em jogo na
interacção comunicativa, dos problemas específicos sobre o próprio conhecimento da
linguagem. De modo paralelo, se distinguirmos entre a referência do locutor e a
referência linguística, a questão que se levanta é a de saber até que ponto as
expressões linguísticas podem referir independentemente do seu uso pelo locutor para
referir.
Restringir o significado ao sentido e referência de uma expressão
linguística parece ser um tanto arbitrário; embora a força ilocucionária se distinga do
sentido e referência, a verdade é que o significado do emprego de uma expressão só
está completo com a inclusão da força ilocucionária. Por isso, Searle critica a
distinção de Austin entre o locucionário e ilocucionário, visto que nenhuma expressão
é completamente neutra: toda a frase tem uma força ilocucionária potencial,
entranhada no seu próprio sentido, e não é possível especificar um acto locucionário
que não determine a especificação de um acto ilocucionário. Searle isola, no entanto,
o sentido dos actos de fala completos, ao afirmar que o significado de uma frase é
totalmente determinado pelo significado das suas partes, e ao distinguir entre o
significado linguístico e o significado do locutor. Esta última distinção é necessária
para explicar os actos de fala indirectos107, as metáforas, e outras situações complexas

106
Intenção e significação estão intimamente ligadas na praxis linguística e comunicativa. A
intenção comunicativa intenciona ser reconhecida, é intenção de que a intenção seja compreendida pelo
outro, e também de produzir um certo efeito (ilocucionário e perlocuionário) no ouvinte. Significar
é um querer dizer, que envolve intenção e desejo, volição. Cfr Ricoeur, O Discurso da Acção, p. 89.
107
Cfr Searle, “Indirect Speech Acts” in Cole, P. e Morgan, J. L. – Syntax and Semantics, p. 60: nos
actos de fala indirectos, o locutor comunica mais do que realmente diz, mediante o fundo de
102

nas quais o sentido literal não é idêntico ao sentido do locutor. Apesar de tudo, Searle
considera que uma análise do significado não se pode separar em princípio de uma
análise dos actos de fala108. Embora se distingam conceptualmente o significado
linguístico do significado do locutor, estes estão inseparavelmente unidos no contexto
de um acto de fala particular. Se alguém emprega uma expressão metaforicamente,
esta tem o sentido metafórico que a intenção do locutor lhe confere, e não dois
sentidos, um literal e outro metafórico. O sentido literal dependerá da interpretação de
alguém que não capte o sentido com que o primeiro locutor a empregou. As palavras e
as frases não têm qualquer sentido independentemente do seu uso por algum locutor:
as palavras podem ter definições, as frases regras convencionais de emprego, mas só
os actos linguísticos têm sentido.
A distinção entre um sentido literal e um não-literal deve-se a Grice
que a introduz em “Logic and Conversation”, imprimindo à compreensão do
significado um cunho marcadamente «intencionalista». Partindo do princípio que as
palavras têm um significado literal, ou convencional, independentemente do
significado ocasional numa determinada situação de fala, Grice mostra como, a partir
desse significado literal e de outros elementos não redutíveis a significados
convencionais (elementos pragmáticos), se podem obter os significados não literais.
Esta é a ideia básica das designadas “implicaturas conversacionais”, teoria introduzida
por Grice: as “implicaturas”, como é sabido, são um tipo de inferências originadas por
elocuções de frases proferidas num contexto específico de conversação, de acordo
com o Princípio da Cooperação e das Máximas Conversacionais. O neologismo
introduzido por Grice deriva do termo “implicação”, para mostrar a semelhança e a
diferença deste novo tipo de inferências: numa determinada situação linguística, o
significado literal de uma frase está relacionado com algo que se pretende dizer ou
sugerir nesse mesmo contexto, de modo análogo a como esse significado literal se
relaciona com algumas das suas implicações lógicas. A diferença radica em que, no
caso das consequências lógicas de uma proposição, esta derivação requer apenas que
se tenha em conta o seu significado literal, enquanto no caso das implicaturas, a

informação mutuamente partilhado, quer linguístico, quer extra-linguístico, além da capacidade


geral de racionalidade e de inferência por parte do interlocutor. Searle refere-se aqui ao que Grice
designa por “Princípio Cooperativo”: o conjunto de finalidades partilhadas ou uma direcção
mutuamente partilhada, que são condições de possibilidade de uma conversaão inteligível entre
locutores que têm um horizonte comum e cooperam para uma comunicação racional.
108
Cfr Speech Acts, p. 18.
103

derivação depende fundamentalmente de outros elementos não convencionais,


relativos ao contexto de uso109.
Como é possível derivar do sentido literal e convencional outro sentido
não literal, intencionado pelo locutor? Grice recorre a uma série de máximas,
basicamente assentes na ideia de que se um conjunto de indivíduos participam numa
conversa, há um interesse e um propósito comum que se reflecte em expectativas
mútuas sobre o que seria ou não razoável. O interlocutor interpreta as palavras de um
locutor a partir do seu significado literal e de outros elementos contextuais que
integram também o conhecimento mútuo, a situação, a expectativa110.
Se por um lado, como referi, a teoria de Grice acentua a dimensão
intencional do acto de fala, que não é redutível a factores estritamente convencionais,
por outro lado a sua análise pode levar a pressupor uma “autonomia da semântica” em
relação à pragmática”111. As implicaturas, como mostra Grice, assentam na existência
independente dos significados convencionais, literais das palavras. Sem dúvida, a
concepção do significado assenta em última análise na concepção do significado
convencional que é, em termos do próprio Grice, atemporal. Este significado
convencional das palavras em si mesmas consideradas, é necessário para que possam
realizar o efeito pretendido pelo locutor ao empregá-las numa determinada ocasião.
Não se daria o preenchimento da sua intenção sem o significado próprio,
convencional e atemporal das palavras. No entanto, a convicção básica de Grice é a de
que o significado atemporal se pode definir recorrendo ao «repertório» do que se pode
fazer através das palavras, que o locutor tem em mente. Quer dizer, o significado
convencional das palavras ajuda a determinar o que se diz num determinado contexto,
portanto é à intenção significativa do locutor que se tem de apelar para dar conta do
significado112.
A teoria da «implicatura conversacional» em geral tem grande aceitação e
contribui para uma análise de situações reais na prática linguística como a metáfora, a
ironia, o sarcasmo, etc. Nestes casos dá-se uma nítida divergência entre o significado
do locutor e o significado da expressão empregue: o primeiro significado ocasional
representa um caso em que uma acção produz significado sem formar parte de uma

109
Cfr García-Carpintero, M. – Las palabras, las ideas y las cosas, p. 495.
110
Para uma compreensão mais pormenorizada das «máximas conversacionais», cfr o citado
artigo de Grice. Limito-me aqui a chamar a atenção para a relevância da teoria de Grice para a
compreensão global do significado e do acto linguístico
111
Esta ideia é sublinhada por García-Carpintero, M. ob. cit., p. 499.
112
Cfr Recanati, F. – Direct Reference, pp. 233-254, para um exame crítico da teoria de Grice.
104

prática convencional. O locutor emprega um signo, que não tem um uso convencional
prévio, para realizar uma determinada acção significativa, num contexto
conversacional. O significado da expressão, refere-se ao significado das próprias
palavras, em virtude de convenções e relativamente independente do uso concreto em
que são empregues.
A dificuldade será a de explicar como é que numa situação dada, se
capta a intenção significativa do locutor: parece claro que num caso de “implicatura
conversacional”, o interlocutor percebe que a expressão utilizada não corresponde à
intenção significativa do locutor; mas numa segunda fase é preciso inferir o que é que
o locutor quer dizer de facto. Este processo é explicado por Grice recorrendo às
máximas conversacionais, mas isso nem sempre é suficiente. Searle aponta a
impossibilidade de justificar qualquer inferência a partir do sentido convencional das
palavras, para o que o locutor pretende exprimir, ou mesmo procurar fundá-la num
conjunto de regras sintáticas a partir das quais se gera uma estrutura profunda
reveladora do significado ocasional do locutor113.
A teoria de Grice pressupõe ou pelo menos permite distinguir três
níveis de significação: o do significado literal da expressão, o do que se diz e o que se
comunica. Este último, o significado da comunicação inclui não só que é dito, mas
também as implicaturas conversacionais do uso. As regras das implicaturas propostas
por Grice pretendem explicar este último passo, do que se diz para o que se comunica.
O problema é saber como estabelecer a ponte entre o significado literal da expressão e
o que é dito pelo locutor. A elucidação destes três níveis de significado é sugerida por
Recanati114, para ampliar e clarificar a perspectiva de Grice; este dá conta do processo
pragmático implícito na passagem do que se diz para o que se comunica, mas, como
observa Recanati, é necessário reconhecer que, entre o significado literal e o que se
diz, se institui também um processo pragmático. A estes dois processos correspondem
uma intenção informativa e uma intenção comunicativa: a pragmática terá que
explicar não só o carácter comunicativo de uma expressão, mas também a sua
capacidade expressiva propriamente dita. Esta capacidade dificilmente se pode
remeter exclusivamente para a intencionalidade ou para o significado ocasional do
locutor.

113
Cfr Searle, J. – “Indirect Speech Acts”, p. 82. Cfr Davis, W. – Implicature, Cambridge
University Press, 1998. As análises de Grice não bastam para dar conta desta parte positiva da
compreensão da intenção significativa veiculada por uma expressão que não diz o que o locutor
pretende dizer.
114
Cfr Recanati, F. – Direct Reference, p. 236-237
105

Todo o processo de significação, integrado nas estruturas cognitivas e


práticas do sujeito linguístico, releva de uma complexidade na qual estão imbricados
três factores, que não são mutuamente exclusivos, mas complementares: a intenção
subjectiva, a convenção linguística e a referência a coisas reais115. Propor uma teoria
do significado que privilegie um destes factores em detrimento dos outros será sempre
insatisfatória e encontrará dificuldades em dar conta dos problemas semânticos e
pragmáticos. A proposta de Grice tem a grande vantagem de fazer ver a importância
decisiva do sujeito linguístico e da sua intenção para a realização de qualquer acto
significativo e comunicativo. Permite analisar e compreender as diversas situações
práticas nas quais se estabelece comunicação intersubjectiva. Mas não dá uma
resposta suficiente e satisfatória à pergunta pelo significado do significado.

7. Intenção e Significado

A perspectiva da pragmática consiste em olhar a linguagem como uma forma


de acção racional. O que a caracteriza fundamentalmente é o facto de ser uma acção
intencional, nos vários sentidos em que se pode entender esta noção. No programa de
Grice a que nos referimos atrás, vimos como a explicação do significado assenta na
“intenção do locutor” – o que o locutor quer dizer com uma expressão e a intenção de
ser reconhecido pela sua audiência. A intenção tem uma relação causal com o
emprego de uma determinada expressão e constitui aquilo que confere significado ao
uso dessa expressão. Falar, comunicar é, portanto uma forma de agir racional e
intencionalmente.
Sendo assim, para compreender o processo de significação, é não só útil, mas
necessário, recorrer à teoria da acção racional. O que caracteriza a acção é o facto de
ser intencional. Isto é, não ser apenas um evento que se dá no sujeito, ou algo que este
faz instintivamente, mas algo que revela um fim visado e está por isso direccionado
para um objectivo. A acção, em sentido próprio é uma actualização e condensação da
racionalidade. Tentar explicá-la recorrendo às categorias de causa/efeito, ou tentar
integrá-la num esquema científico tradicional, significa reduzir a acção a um mero
mecanismo semelhante a outros processos físicos, biológicos, que se podem traduzir
por uma teoria assente em leis científicas. A dificuldade de dar conta da racionalidade

115
Cfr Apel, K.-O. – “Intentions, Conventions, and Reference to Things”, in Parret, H. e
Bouveresse, J. – Meaning and Understanding, p. 110.
106

prática assimilando-a à racionalidade teórica tem sido apontada recorrentemente, e


essa diferença que marca o próprio da praxis está na origem da problemática em torno
do binómio explicar/compreender. Pode dar-se uma explicação, em termos causais,
da acção humana? Ou esta remete para outro modelo cognitivo que releva de outras
categorias e do recurso a um modo de pensar teleológico que se integra mais na
compreensão do que na explicação?
Não cabe aqui explorar esta dificuldade de estruturar um esquema conceptual
apropriado para o domínio das ciências que se ocupam da acção humana – esse seria o
problema da epistemologia das ciências sociais e humanas. No que diz respeito à
teoria da acção, referirei apenas duas perspectivas actuais: a que se inspira na
filosofia de Wittgenstein e explora a noção de compreensão, explorada por pensadores
como von Wright, Anscombe, e outros discípulos directos de Wittgenstein; e a teoria
causal da acção de Davidson, que em certa medida, é uma proposta de um modelo
epistemológico que reconduza a racionalidade prática a um estatuto científico, e
apague a fronteira entre dois domínios heterogéneos e intraduzíveis116. Não me
proponho discutir aqui estes dois modelos de racionalidade prática, mas queria notar
apenas o seguinte: a análise das ideias de intenção e de convenção linguística de
Davidson tem um relevo particular para se compreender a relação entre intenção e
significado e a peculiaridade da linguagem como habilidade e actividade humana. O
capítulo “Intending” de Essays on Actions and Events parece-me ser muito
elucidativo para a compreensão do papel da intenção do locutor na constituição do
significado117; a análise de Davidson da ideia de convenção118 é também sugestiva

116
Cfr Essays on Actions and Events. A praxis linguística pode ser analisada à luz das duas teorias da
acção alternativas – a wittgensteiniana e a davidsoniana. É uma forma de acção racional,
intencional, que remete para uma racionalidade instrumental e estratégica. Deixo para outra ocasião
o exame detalhado de uma teoria da acçao linguística.
117
Davidson explora neste capítulo a distinção de Anscombe entre 1)actuar com uma intenção; 2)
actuar intencionalmente; 3) intencionar algo, ou tencionar agir. Reconhece que, embora a princípio
julgasse que 1) era a noção básica, ao explorar esta distinção, concluiu que a mais difícil de todas
é a noção de intenção de agir, que considera a mais básica e fundamental das três. A intenção com
que actuamos não se refere a nenhuma entidade ou estado de nenhum tipo. A dificuldade para
explicar satisfatoriamente a mera intenção, na base da explicação da acção intencional, tem
consequências retroactivas na compreensão da própria acção intencional. Esta será incompleta
sem uma análise adequada da mera intenção.
118
Cfr “Inquiries into Truth and Interpretation, cap. 18, p. 266. O problema tradicional do significado
exige estabelecer a conexão entre a noção de significado com as crenças, desejos, intenções e é
precisamente a ideia de convenção que desempenha um papel crucial para estabelecer a conexão
entre o significado linguístico e as atitudes e actos humanos descritos em termos não linguísticos.
Cabem aqui diversos tipos de teorias, conforme o lugar onde se situa a convenção: na conexão
entre as frases com as intenções ilocucionárias, ou no uso particular de cada frase, ou na ligação
entre as palavras individuais e uma extensão ou intensão.
107

para redimensionar os factores intencional/convencional na prática linguística. Mas


não subscrevo a teoria causal da acção, a menos que se enriqueça e amplie a noção de
causa.

A questão relevante no que diz respeito à relação intenção-significação é a de


saber até que ponto se pode derivar o significado de uma expressão das intenções não
linguísticas do locutor. Isto é, até que ponto o significado da linguagem se pode
reconduzir exclusivamente à intenção do locutor. O caso da mentira, dissimulação é
elucidativo a este respeito: a intenção visada pelo locutor só será realizada se as
palavras que emprega forem entendidas no sentido que ele pretende; o sentido literal é
essencial nestes casos. Portanto a intenção, mesmo se for a de não querer dizer o que
as palavras significam, não altera o significado literal das palavras, ou melhor,
pressupõe esse significado para a sua realização119. Davidson designa esta
característica da linguagem como a autonomia do significado120: “... não é uma
característica acidental da linguagem que a intenção ulterior de um uso e o seu
significado literal sejam independentes, no sentido em que este último não pode ser
derivado do primeiro: isso faz parte da essência da linguagem”121.
Há que notar o seguinte: qualquer acto de fala é intencional, o locutor tem a
intenção de dizer e comunicar algo, mas a realização desse acto de fala é regida por
certas convenções; formular uma intenção tencionar ou intencionar algo, pelo
contrário, não tem nada de convencional. O problema da teoria do significado exige
uma análise detalhada do que se entende por intenção de significado, e esta pressupõe
uma conexão entre as crenças, desejos e propósitos (purpose) do locutor e o
significado linguístico, que envolve factores convencionais. São estes que
estabelecem a ligação entre o que as palavras significam, as suas propriedades
semânticas, e as intenções com que são empregues pelo locutor. Isto não significa que

119
. Cfr ibidem, p. 273. Davidson cita Chomsky para corroborar a ideia da impossibilidade de
derivar o significado de uma expressão das intenções não linguísticas do locutor. O
conhecimento do que se tenciona fazer crer à audiência com o uso de uma expressão não funda
necessarimente o seu significado literal. Se alguém tem a intenção de que a audiência creia ou faça
alguma coisa, isso terá que passar pela correcta interpretação do significado literal das palavras
que se emprega. Isto parece-me óbvio: a intenção de significar, transmitir, comunicar algo passa
pelo significado literal – que é independente dessa intenção – da expressão que se usa. Sem este
significado literal, a intenção não passaria de uma intenção não linguística ineficaz, por assim
dizer, ou não realizada. Há portanto que distinguir aqui dois níveis de intenção: o intencionar algo,
que não tem nada de convencional, e a intençao de significar, que pressupõe o recurso às regras e
meios apropriados para realizar essa significação.
120
Cfr Inquiries into Truth and Interpretation, p. 274.
121
“Communication and Convention”, in Inquiries into Truth and Interpretation, p. 274.
108

a convenção ocupe o lugar de fundamento ou de condição da linguagem. Neste


aspecto, subscrevo a conclusão de Davidson: as crenças, desejos e intenções são
condição da linguagem, mas esta é também uma condição daqueles. Só se pode
atribuir crenças, desejos ou intenções a uma criatura capaz de usar uma linguagem. A
convenção ocupa um lugar de charneira, mas não quer dizer que seja um elemento
essencial da linguagem: esta é que constitui uma condição para formar convenções122.
Não parece haver dúvida quanto ao carácter convencional do discurso: “É um
truismo (...) afirmar que há convenções de linguagem”123. Mas o que se entende por
convenção? Geralmente associa-se a ideia de convencional a arbitrário. Davidson
considera que o que é convencional é em certo sentido arbitrário, mas nem tudo o que
é arbitrário é necessariamente convencional. De facto, os dois conceitos não
coincidem: a convenção é uma estratégia para controlar o arbitrário e, uma vez
estabelecida, deixa de haver arbitrariedade. O caso da linguagem é particularmente
elucidativo: é arbitrário o nome com que se designa um determinado animal, por
exemplo gato pode ser designado por “gato”, “cat”, “chat” ou qualquer outro signo;
mas uma vez introduzido o nome, deixa de ser completamente arbitrário, ao falar
numa determinada língua, o modo como se refere esse animal. A convenção institui
uma regularidade que imprime uma certa objectividade, no sentido de
intersubjectividade ou de comunidade linguística, que permite a comunicação. Para
haver compreensão, é necessária uma apreensão da estrutura formal da linguagem,
embora esta seja constantemente modificada pela prática e comportamento
linguístico. Mas esta praxis só é possível precisamente porque há alguma estrutura
partilhável pelos diferentes interlocutores. É óbvio que para haver compreensão é
necessária uma constante adaptação de pressuposições interpretativas que requerem
capacidades e conhecimentos não especificamente linguísticos que relevam de uma
habilidade mais geral para estabelecer relações com o mundo dos outros. Esta
habilidade resiste a qualquer explicação formal: implica imaginação, atenção a
detalhes de comportamento, perspicácia. Mas isto não justifica a conclusão
provocatória de Davidson de que não há propriamente uma linguagem, no sentido em
que a entendem muitos filósofos e linguistas124. O facto de as convenções linguísticas,
enquanto regras semânticas e sintáticas comuns não poderem constituir a base para a

122
Cfr ibidem, p. 280.
123
Lewis, D. – “Languages and Language” cit. por Davidson, ob.cit., p. 265.
124
Cfr “A Nice Derangement of Epitaphs” in Lepore (ed.) Truth and Interpretation: Perspectives on the
philosophy of Donald Davidson, 1986.
109

compreensão, não significa que não sejam um factor importante que, juntamente com
outros, configuram a acção significativa e comunicativa.
Em síntese: uma teoria do significado requer uma compreensão da linguagem
como acção e esta por sua vez exige analisar a estrutura do acto de significação. Nele
intervêm diferente níveis ou estratos que vão desde as crenças, desejos e intenções do
locutor, a interpretação e compreensão, as regras implícitas no emprego da linguagem,
a sua estrutura formal como meio para atingir os fins propostos pelo sujeito
linguístico. A complexidade do processo significativo resiste a qualquer teoria
simplificadora que ignore ou subestime a pluralidade e variedade dos factores nele
implicados. Como acção que é, a linguagem não se pode identificar com uma espécie
de super-estrutura construída por entidades abstractas; tão-pouco se pode remeter
exclusivamente para a particularidade e contingência de cada evento linguístico nem
muito menos para a intenção do sujeito. Como acção tipicamente humana, é racional,
intencional; mas é uma acção estratégica, o que significa que a intenção de significar
contém em si mesma a intenção de seguir as regras e as convenções. Não há portanto
uma oposição nem sequer uma tensão entre o intencional e o convencional, mas uma
imbricação peculiar que representa o aspecto mais genuíno do funcionamento da
linguagem.
110
111

CONCLUSÃO

Como todas as obras humanas, este livro tem o cunho do inacabado. A


terminar, gostaria de fazer uma breve visão panorâmica do itinerário percorrido e
assinalar alguns onstos que ficaram por tratar e que merecerão uma posterior atenção;
as questões essenciais formuladas ao longo destas páginas permanecem em aberto e
são tema de debate na actual filosofia contemporânea: nomeadamente a pertinência
de trazer à boca de cena o problema da teoria do significado como problema central
da filosofia da linguagem, da mente, do conhecimento e da antropologia filos´focia
em geral.
O fio condutor dewtas páginas foi pautado, como anunciei no início, pela
tensão entre duas atitudes para compreender como funciona o processo de
significação: a primeira assente numa concepção representacionista, dominada pela
noção de imagem, tenta explicar o significado recorrendo a uma forma de mimesis –
as palavras imitam a realidade e representam o pensamento; a segunda, tendo em
conta não só os factores estritamente semânticos, mas também aqueles que relevam da
intenção/acção do locutor e da dimensão social da linguagem, reintegra todo o
processo de significação no contexto da praxis humana; neste sentido, o significado
de uma palavra ou expressão é função das intenções comunicativas do sujeito locutor.
No fundo, trata-se de saber se ao utilizar uma palavra, esta significa exactamente o
que queremos que ela signifique e se podemos fazer que as palavras tenham
significados diferentes – esta é a questão proposta no exergo apresentado no início,
extraído de Alice do outro lado do espelho.
As duas atitudes não são exclusivas, embora possam dar origem a diferentes
modos de olhar a linguagem. Em qualquer caso, a pergunta crucial é: como é possível
o significado? Tentar responder a esta questão tornou-se a tarefa crítica central da
filosofia e a pergunta pelas condições da possibilidade do conhecimento formulada
pela filosofia transcendental, pode traduzir-se na pergunta pelas condições de
possibilidade do sentido. Essa passagem foi, como vimos, a transformação da filosofia
112

crítica numa crítica da linguagem pura. Como é óbvio a formulação de uma teoria do
significado tornou-se uma questão filosófica prioritária e central.
Numa rápida visão retrospectiva sobre os diferentes modos de compreender a
teoria do significado, parece-nos que podemos tirar algumas ilações, que não são
propriamente conclusões, mas meras indicações do que não serve para dar conta da
noção de sentido e de significado:
1.º a ideia de sentido como “algo na mente”, independente e anterior ao
discurso, além de promover uma pululação de entidades espúreas, torna difícil
explicar como é que um evento mental se relaciona com o signo linguístico.
2.º a tentativa de explicar o significado como uma relação directa, isomórfica
entre discurso e realidade, conduz a uma série de impasses resultantes sobretudo da
eliminação do papel do sujeito e sua intenção significativa nos processos de
significação linguística.
3.º remeter toda a explicação do significado para o factor intencional do
sujeito, fazendo incidir todo o sentido literal no sentido ocasional do locutor, leva em
última análise à negação provocativa da existência de uma linguagem, reduzindo-a a
uma série de eventos particulares, esporádicos e contingentes.
Para formular uma teoria do significado satisfatória é necessário integrar a
multi+licidade e variedade de factores – linguísticos, mentais, sociais, etc. – que
entretecem a complexidade do discurso humano. Este manifesta uma estrutura
linguístico-formal autónoma e simultaneamente releva da vontade de significado do
sujeito em cada situação de fala. Por isso, há que ter em conta uma certa autonomia
semântica – as palavras têm de facto um significado determinado – e ao mesmo tempo
os factores não estritamente linguísticos derivados do uso, das regras sociais e das
intenções comunicativas. Esta vertente dupla do significado, revelando por um lado o
seu aspecto formal, objectivo, e por outro lado um dinamismo prático e vivo, exprime
claramente a relação da linguagem com o pensamento, que por ser originariamente
discurso, se mostra na articulação intrínseca com o sentido e produção de significado,
e o carácter essencialmente activo, práxico de todo o processo linguístico. Para
compreender o funcionamento da linguagem no seu todo, torna-se indispensável olhar
simultaneamente para estas duas dimensões e integrar os diversos factores semânticos
e pragmáticos numa teoria unitária.
A título de epílogo, referi-me-ei a algumas tendências dos debates actuais em
torno de um modo de enquadrar a relação entre o pensamento e a linguagem, o da
psicologia e ciências cognitivas: nomeadamente a discussão da “Hipótese da
113

Linguagem de Pensamento”, como exemplo de uma nova teoria representacionista


que se propõe explicar essa relação fundamental no processo de significação. A
perspectiva lingualista contemporânea, inspirada sobretudo na obra de Fodor, levanta
de novo os problemas que a concepção de linguagem do Tractatus originou, com a
atitude transcendental de examinar na linguagem e através da linguagem as condições
de possibilidade do pensamento.
Como dissémos na I Parte deste livro, há uma conaturalidade entre o pensar e
o dizer, duas faces do logos (ratio e oratio) que estão em causa na articulação
intrínseca entre razão e linguagem. Esta articulação tem dado origem a que se
considere o pensamento como uma espécie de linguagem, concepção particularmente
difundida a partir do Tractatus, e de um modo particular a partir da ideia de Fodor de
uma linguagem do pensamento. A ideia central assenta na necessidade da existência
de uma linguagem do pensamento, e na convicção que o conhecimento consiste em
operações computacionais sobre as expressões dessa linguagem, que não pode ser
aquela que o sujeito aprende. Pensar consiste literalmente em realizar operações
computacionais sobre as frases do mentalês, uma linguagem interna com a qual os
pensadores estão dotados de forma inata. Nesta perspectiva, uma criatura capaz de
pensar é uma criatura em cujo meio mental ocorrem manipulações racionais de
símbolos, sendo este meio mental um conjunto de ‘módulos’ interligados
caracterizados pelas suas inter-relações funcionais.
As opiniões em torno do computacionalismo e dos méritos da psicologia
cognitiva contemporânea estão actualmente muito divididas125: Searle, por exemplo
argumenta que as explicações computacionalistas do conhecimento deixam de fora a
consciência do sujeito e sugere que embora os cientistas cognitivistas tentem
descrever a sua actividade na continuidade com as ciências naturais, o fenómeno que
estudam não satisfazem uma condição necessária para serem objectos da explicação
natural e científica: a de serem essencialmente dependentes do observador, portanto
não absolutamente objectivas.
Outros, como Dennett126, apontam o carácter de certo modo não-biológico da
hipótese da linguagem do pensamento, que mesmo a analogia com a arquitectura do
computador não consegue desmentir. A hipótese de Fodor apoia-se numa perspectiva

125
Cfr Preston, J. (ed.) – Thought and Language; contém ensaios de Davidson, Searle, Glock e Dennett, entre
outros, que discutem a hipótese da linguagem do pensamento. Embora nenhum destes autores subscreva a
teoria de Fodor, tão pouco exprimem uma atitude radicalmente contra as teorias representacionistas. As
objecções que apontam à linguagem do pensamento são de ter em conta numa discussão ampla do
problema e suas implicações.
114

subjectivista, individualista e ‘internalista’ do pensamento, muito relacionada, talvez


de um modo pouco adequado com a ideia de mente na filosofia cartesiana. Em
contraste com este modo de enquadrar o binómio pensamento/linguagem, Davidson,
por exemplo, considera que a capacidade de desenvolver pensamentos complexos
restringe-se (e de certo modo está dependente) aos seres que empregam a linguagem.
O uso linguístico e o pensamento remetem intrinsecamente um para o outro, não é
possível decidir qual tem a prioridade ou o estatuto de fundamento do outro: as
capacidades de perceber, falar e pensar vão-se desenvolvendo em conjunto e
gradualmente127. A capacidade linguística faz parte do nosso “equipamento” natural,
não é um instrumento que utilizamos para lidar com problemas da compreensão,
cálculo e comunicação. Davidson recorre à analogia da linguagem com os órgãos dos
sentidos para rejeitar a ideia da linguagem como um medium através do qual vemos o
mundo. Não vemos o mundo através da linguagem, tal como não vemos através dos
olhos, mas com os olhos; como qualquer outro órgão do sentido, com a linguagem
estabelecemos um contacto directo com o meio ambiente, sem mediações. Postular
uma linguagem do pensamento significa exactamente deturpar esta perspectiva, pois
leva a pensar na linguagem falada como uma mediação entre o pensamento e o seu
objecto intencional.
O mote que deu origem a este livro foi precisamente o da imagem recorrente
da linguagem como um espelho no qual se reflecte, mais ou menos fidedignamente, o
mundo que nos rodeia. Como vemos, o debate sobre as concepções da linguagem e
sua relação com o pensamento prolongam-se na actualidade, reiterando alguns dos
argumentos tradicionais num novo registo marcado sobretudo pela psicologia e
ciências cognitivas. Isto vem confirmar a actualidade do problema e indicar possíveis
vias para seguir a sua discussão e esclarecimento.
Muitas questões ficam em aberto. Caberia prosseguir a tarefa de construir uma
teoria do significado, tendo em conta os dados actuais da filosofia da linguagem e da
mente, da antropologia e epistemologia, da semântica e pragmática contemporâneas e
das ciências cognitivas. A viabilidade de integrar todos estes contributos numa teoria
unitária é um problema para o qual só se poderá dar uma resposta depois de uma
exploração detalhada das questões fundamentais que estão em causa nos debates
actuais. Mais do que propor uma nova teoria, ou uma nova concepção da linguagem, o
intuito que nos guiou foi o de repensar algumas atitudes que dificultam uma «visão

126
Cfr “How to do Other Things with Words”, in Preston, J. – ob. Cit., pp. 219-235.
127
Cfr Davidson, D. “Seeing through language”, in Preston, J. ob. Cit., pp. 15-27.
115

panorâmica» da rede complexa e da variedade de processos que dão origem e


constituem a linguagem como actividade genuinamente humana. Afinal, detectar
certos preconceitos que viciam a nossa compreensão, corrigir o olhar e conseguir uma
nova perspectiva são tarefas filosóficas prioritárias para apreender a complexidade
dos nossos modos de pensar, de falar, de comunicar e de agir.
116
117

BIBLIOGRAFIA

A Bibliografia está organizada do seguinte modo:


Na I Parte, além das obras citadas, apresenta-se uma bibliografia geral,
respeitante aos tópicos essenciais tratados. Com estas indicações bibliográficas
pretende-se proporcionar informação suplementar para ampliar os horizontes de
estudo e de investigação.
Em segundo lugar, apresentam-se bibliografias de Wittgenstein, Frege
e Brentano, os autores aos quais se prestou mais atenção no decorrer deste livro.
No que diz respeito a Wittgenstein tornar-se-ia impossível apresentar
uma bibliografia exaustiva. Remetemos para a mais actualizada que se encontra em
Ludwig Wittgenstein. Critical Assessments. A Wittgensteinian Bibliography. Edited by
V. A. and S. G. Shanker, Routledge, 1996.
A bibliografia de Frege inclui as obras e ensaios de Semântica e Filosofia da
Linguagem. Indicam-se as traduções existentes em diversas línguas.
De Brentano, indicamos apenas as obras relevantes para os tópicos
tratados no livro e as respectivas traduções.

I. Bibliografia Geral

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Über Begriff und Gegenstand, Vierteljahrschrift für wissenschaftliche


Philosophie, 16, 192-205 (1892).
Über Sinn und Bedeutung, Zeitschrift für Philosophie und philosophische
Kritik, 100, 25-50 (1892).
Der Gedanke, Beiträge zur Philosophie des deutschen Idealismus, 1, n.º 2
(1918), pp. 58-77.
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Göttingen, 1966.
Kleine Schriften (I. Angelelli org.), Darmstadt and Hildesheim, 1967.
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Les Fondements de l'arithmétique (Claude Imbert trad.), Paris, Ed. du Seuil,
1970.
Écrits logiques et philosophiques (Claude Imbert trad.), Paris, Ed. du Seuil,
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Lógica e Filosofia da Linguagem (Prof. Paulo Alcoforado, org. e trad.), S.
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Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1992.
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BAKER, G. P. e HACKER, P. M. S., Frege: Logical Excavations, Oxford, 1984.
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BERGMENN, Gustav, "Frege's hidden nominalism", Philos. Review, 67, 1958,
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CARL, Wolfgang, Frege's Theory of Sense and Reference. Its Origins and
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Porto 2005
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