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A Fenomenologia - Texto 1 PDF
A Fenomenologia - Texto 1 PDF
I
li Por "atitude espiritual natural" (Natürliche Denkhaltung ou na- ! .~.
perceber as coisas como objetos fora da consciência para descobri-Ias no
" türlicher Einstellung) Husserl (1907/1986) se refere à postura ingênua, \ seu aparecer na consciência; esta, não pensada como uma cápsula, mas
pré-fenomenológica, de crença na imanência da consciência etranscen- como um ato, Assim, consciência e objeto acontecem concomitantemente, I
dência dos objetos, isto é, a cisão S - O, que é o limite de toda teoria do constituindo-se mutuamente. Os fenômenos são, portanto, inianentes.
conhecimento. Nessa atitude cotidiana, as coisas ao redor são encontradas Imanência costuma significar interioridade, mas, para Husserl, a I
e conhecidas como obviamente estando aí fora, acessíveis por meio da consciência não é uma interioridade, ela é ato; a fenomenologia suspende
percepção. Essa atitude deve ser contrastada com a "atitude filosófica" ou a dicotomia interior (sujeito) - exterior (objeto). Assim, a imanência dos
"fenomenológica" (Philosophische Denkhaltung). A fenomenologia, no fenômenos é imanência intencional, isto é, apreensão dó fenômeno no seu
seu esforço de não se submeter a teorias, preconceitos, suspende (reduz aparecer. O significado de fenômeno para Husserl é tanto o aparecer
fenomenologicamente) a cisão sujeito-objeto e a obviedade do mundo
quanto o que aparece. Esclarece ele:
como dado. Assim, "O conhecimento, a coisa mais óbvia de todas no
'pensamento natural, surge inopinadamente como mistério" (Husserl,
1907/1986, p. 41). A obviedade da cisão S - O é suspensa e mundo reve- IDa.lVÓj.l.SYOV (Phainomenon) significa efectivamente'o que aparece' e,
la-se imanência. no entanto, utiliza-se de preferência para o próprio aparecer, para o fe-
nômeno subjetivo (se se permite esta expressão grosseiramente psico-
O termo atitude indica uma postura; sua origem está no latim do lógica, que induz a mal-entendidosj.Hlusserl, 1907/1986; p. 35)
século xvn -.:. aptitudinem - indicando a postura corpórea num quadro ou
escultura, sendo generalizado no século seguinte para indicar um estado
mental. Também está ligado ao latim aptitudo, que significa tendência Portanto, a Fenomenologia é 'ciência' do aparecer.
(Online etymology dictionary, 2015). Em alemão o termo empregado é
Haltung, traduzível por "postura". Denkhaltung pode ser traduzido por A fenomenologia do conhecimento é ciência dos fenômenos cognosci-
. "modo de pensar", "estado de espírito", ou "atitude". Sinônimo usado por tivos neste duplo sentido: ciência dos conhecimentos como fenômenos
Husserl ao longo de sua obra é Einstellung, que significa "postura", "po- tErscneinungen), manifestações, actos da consciência em que se exi-
sição", "atitude". A noção de atitude e os termos empregados por Husserl bem, se.tornam conscientes, passiva ou activamente, estas e aquelas
estavam em voga na Psicologia do século XIX (Moran & Cohen, 2012). objectalidades; e, por outro lado, ciência destas objectalidades enquan-
Na atitude fenomenológica, à qual se chega pela epoché, to a si mesmas se exibem deste modo. (Husserl, 1907/1986, p. 35)
Psicologia Fenomenológica Existencial 165
" 164 Paulo Eduardo Rodrigues Alves Evangelista
(Moura, 1998). A redução fenomenológica afasta dos fatos, levando às
A Fenomenologia é O estudo dos múltiplos atos intencionais essências. Com isso, a Fenomenologia de Husserl é Fenomenologia Eidé-
. i
\
(noese) e objetos intencionais (noema). O sentido dos fenômenos aparece
na correlação do ato que visa (noese) e que, ao captar os dados, dota-os
tica. A essência dos fenômenos é o que eles são, o significado pelo qual
aparecem. Desde' Platão, a essência é o que faz de algo aquilo que esse
! de sentido e da coisa visada (noema). A consciência, por sua vez, é con-
cebida corno -"estrutura sintética (processo de constituição) dos múltiplos
algo é, permitindo que seja conhecido, ~~ignado e nomeado.
í atos intencionais que constituem o sentido" (Goto, 2008, p. 71).
A Fenomenologia enfatiza que as coisas sempre aparecem sig-
,I
nificativamente. No exemplo de van den Berg (1955/1994), em que um
\ Isto significa que os fenômenos são constituídos na consciência.
i homem espera seu amigo com uma garrafa de vinho, a garrafa aparece
Para Husserl, portanto, ela é a estrutura que fundamenta a possibilidade como garrafa - isto é, significando "garrafa" - e também como solidão.
de todo conhecimento científico e de toda lida cotidiana com a "realida- Esses significados são constituídos na correlação intencional. O signifi-
de" ao redor, pois é na correlação intencional que surgem os significados cado não é algo que se agrega ao objeto, pois lhe é imanente. Não há
de tudo o que aparece. significado oculto ou por trás da aparência, portanto.
A concepção fenomenológica da consciência repercute na com- Husserl segue a Metafisica na determinação da essência como
preensão do "eu" como fluxo. Desde a Fenomenologia de Husserl, por- . una e imutável. Um exemplo ao qual recorre é da sinfonia. A sinfonia é
tanto, o "eu" entificado, substantivado, é suspendido, aparecendo em seu
um conjunto de. aconteciinentos: as minhas impressões ao escutá-Ia, o
lugar um "eu" fenomenológico, feixe de experiências (Feijoo, 2012).
som, a partitura, a atividade dos músicos etc. Mas há algo essencial ~a
Com esta superação da dicotoniiasujeito-objeto, a realidade sinfonia, que é a ordem e combinação das notas, que permite. que seJ.a
mostra-se atravessada pelo pensamento, constituída por ele. Mundo é reconhecida independentemente das circunstâncias da execução. Darti-
constituído pelo homem (consciência), sendo imediatamente dada a har- gues (1992) sintetiza:
monia e a correspondência de ambos (Arendt, 1994). A consciência surge
como condição a priori de todo conhecimento científico e de toda lida I
cotidiana; posicionando a Fenomenologia como "Ciência Primeira", ~is Independentes da experiência sensível, muito embora se dando através .1
é a queexplicita como é possível a aparição de todos os objetos tematiza- dela, as essências constituem corno que a armadura inteligível do ser,
dos pelas ciências; mais especificamente, explica o aparecer das essências tendo sua estrutura e suas leis próprias. Elas são a racionalidade ima-
nente do ser, o sentido a priori no qual deve entrar todo mundo real ou
que determinam cada ciência empírica, como a essência do social, do
possível e fora do qual nada pode se produzir, já que a ideia mesma de
fisico, do psicológico etc. Por isso é Filosofia Primeira.
produção ou de acontecimento é uma essência e cai, pois, nessa estru-
Goto (2008) sintetiza o método fenomenológico em três etapas. tura a priori do pensável. (p. 16)
A primeira é a epoché, termo grego que significa ter sobre, abster-se,
reter-se. Seu sentido é um projetar-se para trás, possibilitando o ver; E o
momento conhecido popularmente como "colocação entre parênteses", . Será daí que deriva para a Psicologia Fenomenológica a con-
que suspende a atitude natural (crença na evidência da objetividade exte-. cepção de que o psicólogo desta "abordagem" li~ com si~cações e
rior) e promove um estranhamento metódico. ressignificações?Esta concepção revela um entendiment? eqUlvoc~do. da
Fenomenologia. A noção de que cada pessoa tem a capacidade de SIgnifi-
O segundo momento é a redução eidética, que' elimina os ele-
car ou ressigníficar suas experiências postula que estas têm uma existên-
mentos naturais e contingenciais da experiência para chegar à essência
cia autônoma e independente às quais se agregam significações. Perma-
..(eidos) do fenômeno. O termo eidos está presente na filosofia desde PIa; nece velada a dicotomia do sujeito significante e do objeto significado.
tão, significando essência e idéia, conceito puro, uno.universal, eterno. E
Mas a significação é constituída na correlação intencional, não realizada
.;a busca por essências que motiva as investigações de Descartes, levado a
por um sujeito dotado da capacidade de significar.
, desconfiar do conhecimento a que chega pelos sentidosçpoiseles só co-
nhecem o mutável , e a assumir o método como acesso ao conhecimento A Fenomenologia nunca pode ser uma "perspectiva" ou "abor-
.
verdadeiro sobre a realidade (Descartes, 1641/1994). Husserl é cartesia- dagem". No contexto da prática psicológica, "fenomenológico" é um
no, no sentido de que também ele busca o conhecimento das essências' adjetivo que poderia ser substituído por "psicanalítico", comportamen-
Psicologia Fenomenológica EXistencial 167
166 Paulo Eduardo Rodrigues AlvesEvangelista . .
1994, p. 167). Penso que é a mesma hybris que eleva a razão e crê na