Reflexão sobre o filme Amadeus (1984) de Milos Forman
Amadeus não é apenas um marco cinematográfico extraordinariamente bem
executado pelos actores e bem dirigido pelo realizador Milos Forman, é um filme que não deixa de ser perturbadoramente verdadeiro quanto à natureza da condição humana. A verdade entra no personagem de Salieri, que conta a história. Ele não é um grande compositor, mas não deixa de ser um compositor bom o suficiente para conhecer a grandeza quando a ouve, e é por isso que a música de Mozart quebra completamente o seu coração. Ele sabe como é bom, ele observa o dom natural que Mozart parece exibir, e ele sabe que o seu próprio trabalho parece pálido e mínimo em comparação com o do jovem prodígio. O filme inicia com a sugestão de que Salieri pode ter assassinado Mozart, a partir daí o filme examina as maneiras pelas quais essa possibilidade pode ser verdadeira, e no final do filme, quem o visualiza não deixa de sentir uma certa afinidade com o fraco e ciumento Salieri - pois poucos de nós se podem identificar com o génio divino, mas muitos de nós provavelmente já tivemos momentos sombrios de auto-desprezo urgente em face daqueles cuja existência sem esforço ilustra as nossas próprias baixezas e inadequações. Salieri, representado com uma intensidade ardente por F. Murray Abraham, senta-se curvado num hospício confessando-se a um padre. O filme traz à baila as suas memórias do compositor italiano acerca de Wolfgang Amadeus Mozart, o génio infantil que compôs melodias de originalidade surpreendente e que cresceu para se tornar um dos maiores artistas prolíficos e brilhantes que a Humanidade teve oportunidade de produzir. É através de Mozart, afirma Salieri consumido pela raiva, que Deus havia derramado a música que seria o testemunho de que uma centelha divina pode existir, de facto, na Humanidade. O ponto mais alto deste filme, adaptado de uma peça, decorre aquando de uma mudança importante, mas muito eficaz, na cena em que Salieri planeia absorver "um pouco do dom divino" de um Mozart já moribundo. Enquanto o génio musical se encontra deitado completamente exausto na cama, ditando a partitura do Requiem, um desesperado Salieri tenta tirar as notas pela sua própria mão, de modo a poder apresentar a obra como se fosse sua. O papel de Mozart neste filme acaba por não ser tão interessante quanto o de Salieri. O prodígio nunca coloca em causa o seu próprio talento, a música está firmemente decorada na sua mente - tudo o que ele tem que fazer é anotá-la. Quando Mozart morre, a sua morte é apenas física, pois a sua música continuou arrebatoramente divina e triunfante, coisa que levou Salieri à loucura.